Chapter 1: Capítulo 1
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Na cidade de Reims na França, vivia uma pequena garota de traços visivelmente asiáticos, cabelo era verde água e olhos lilases. Essa garota vivia em um orfanato, pois sua mãe tinha morrido no parto e não havia qualquer notícia de seu pai. A única coisa de seu passado era uma estranha caixa de chá chinesa que não abre de jeito algum e toda vez que tentaram se livrar da caixa ou vendê-la, ela sempre voltava, tanto que acreditavam ser amaldiçoada.
A caixa não era a única coisa estranha em sua vida. Por vezes, ela sonhava com criaturas estranhas e etéreas, mas quatro delas se destacavam. A primeira era Qinglong ou Seiryu, o dragão azul do leste. É um enorme dragão chinês azul que representa a primavera e adotou a madeira como elemento. A segunda era Zhuniao, Zuque é o mais comu, mas eu sempre o chamei de Zhuniao por ter sido o meu primeiro contato através de um livro velho, mas ele nunca se incomodou. Ou como devem conhecer, Suzaku, o pássaro vermelho do sul. É um pássaro similar à fênix que representa o verão e adotou o fogo como seu elemento. A terceira era Baihu ou Byakko, o tigre branco do oeste. É um tigre branco gigante que representa o outono e adotou o metal como seu elemento. E a última criatura era Xuanwu ou Genbu, a tartaruga negra do norte. É uma tartaruga gigante, preta e com uma cauda de serpente enrolada ao casco que representa o inverno e adotou a água como elemento.
Esses são os quatro deuses celestiais chineses. A garota era tão apaixonada por mitologia, principalmente pela chinesa, que até sonhava com eles. O tempo foi passando, a garota foi crescendo e deixou de lado as fantasias infantis para se dedicar aos estudos para quando tivesse que sair do orfanato, pelo menos conseguisse sair com um quarto na universidade.
Essa garota, sou eu, Tingsi Zhu. Atualmente tenho 23 anos e terminei a faculdade de artes visuais na Anteros Academy, longe da minha cidade natal. Assim como meus colegas, eu estava incerta do que iria acontecer no futuro, por isso resolvi andar pela floresta nos arredores da cidade. Eu sempre tive esse costume de andar pelos bosques, mesmo em Reims. Eu não sei explicar, mas andar pela floresta me ajuda a me acalmar e a pensar melhor. Por isso, levei minha bolsa transversal marrom, dentro havia alguns cadernos, meu estojo, alguns doces, mais algumas coisas, água e minha caixa misteriosa.
Iria alugar um apartamento barato e arrumar outro emprego, pois trabalhei em um bar para pagar a faculdade, mas eu quero fazer algo na minha área. Meu plano inicial era alugar um apartamento com minha antiga colega de quarto aqui em Amoris. O problema é que aconteceram algumas coisas e agora estou dividida entre continuar minha vida em Amoris ou voltar para Reims.
Em minha caminhada, encontrei cogumelos estranhos formando um círculo perfeito.. Minha imaginação achou uma ótima ideia entrar no círculo, pois quem sabe assim não veria uma fada? Afastei esse pensamento, era abusurdo demais e eu nem estava bêbada para isso. Ao me aproximar do círculo, notei que a grama dentro dele era mais fresca que do lado de fora, que era estranho. Enquanto me aproximava, tropecei em alguma coisa e caí dentro doo círculo. Apareceram vagalumes e quando dei por mim, um buraco tinha se aberto debaixo de mim e caí em queda livre.
Quando abri meus olhos, pisquei algumas vezes para me acostumar com a claridade. Ao me recuperar, vi que estava em uma sala estranha rodeada por janelas.
- Será que finalmente achei a toca do coelho? – Brinquei. – Se for assim vou tomar chá com o chapeleiro, abraçar o coelho e aprontar com a rainha.
Procurei pelas portas e pela mesa com a garrafa que encolhia e a chave, mas a única coisa que tinha na sala era um estranho cristal azul no centro. Fiquei maravilhada com o cristal e imensamente atraída por ele, era como se me chamasse. Me aproximei para tocá-lo, mas antes que pudesse fazê-lo, uma voz me assustou.
- Quem é você e o que faz aqui?!
- AAAHH!
A voz vinha de uma mulher de cabelo preto e olhos azuis com orelhas de gato e cauda de raposa. Ela segurava uma gaiola com fogo azul dentro. Isso é uma versão mais estranha da Ahri? Não que eu jogue LOL, minha colega de quarto era viciada nessa merda e eles sabem fazer cinemáticas incríveis.
- Eu te fiz uma pergunta! Você faz parte dos Templários?! Dos Maçons talvez?!
- Tia, eu não faço ideia do que você está falando.
- Eu não sou sua tia! – O fogo na gaiola se intensificou e um leve veio foi puxado pela mão livre da mulher.
- Eita porra!
- Responda!
- Eu estava andando pela floresta quando eu vi vagalumes e caí num buraco. – A mulher acalmou o fogo. – Isso é alguma pegadinha, não? Deve ter alguma câmera escondida!
Olhei em volta, mas não achei qualquer coisa que indicasse uma câmera escondida. Pela cara da Ahri paraguaia, ela devia estar se perguntando mentalmente se eu tinha demência. De repente ouvimos um barulho.
- O que aconteceu?! – Perguntou a mulher que parecia a Ahri.
- Não fui eu!
- Jamon! Faça o que tem que fazer, cuidaremos dela mais tarde. Tenho que investigar que barulho foi esse.
Antes que eu pudesse perguntar alguma coisa, a mulher sumiu e um ogro ruivo de penteado punk entrou carregando um machado. Ele me agarrou pelo pulso e a puxou para fora.
- Hei, dá para afrouxar? Está me machucando! – Mas ele não me ouviu. – Me solta! Hei, eu estou falando com você!
Apensar de espernear e me debater, o grandalhão não me soltava de jeito nenhum. Ele me arrastou por um monte de salas estranhas enquanto eu gritava palavrões e ordens de soltura. Chegamos em um lugar sem janelas que tinha uma imensa escadaria. O arrombado desceu a escadaria ainda me arrastando pelo braço.
Descemos por uma eternidade. Quando chegamos no fundo, minhas pernas estavam dormentes e meu pulso doía. Era uma gruta subterrânea com algumas gaiolas, celas e um lago que estranhamente emanava luz verde. A besta me colocou em uma cela.
- Não se atreva a sair daqui.
- Não vai me deixar aqui, vai?
- Miiko disse para não sair!
- Eu estou presa, ô imbecil, como é que vou sair?! – A besta se afastou e começou a subir as escadas. – Eu exijo meu advogado!
A criatura foi embora, me deixando sozinha, massageando o meu pulso.
- É, esse lugar não é o País das Maravilhas.
Aproveitei para descansar um pouco da descida. Comecei a pensar em um plano de fuga enquanto massageava o pulso. Vi uma sombra estranha à margem do lago, me encarando. Ela abriu um sorriso demoníaco.
- Cacilda! É hoje que eu morro!
Mas para a minha sorte, a sombra não parecia estar interessada em mim e voltou para o lago. Suspirei aliviada, mas eu não fico mais aqui. Procurei pelo lockpick na minha bolsa. Eu tenho um porque quando eu era criança, sempre era trancada em meu quarto no orfanato pelos adolescentes, até que um dia eu consegui um canivete. Os outros tinham medo de mim e da minha caixa amaldiçoada, então eu sempre o usava para escapar quando não conseguia abrir a janela. Fiz umas amizades erradas na adolescência e comprei um kit de lockpick. Um amigo me ensinou a usar e nós sempre arrombávamos locais abandonados para passar o tempo, fumar, beber, coisas de adolescente. Digamos que eu tomei jeito quando me separei do grupo por causa da faculdade, afinal eu planejava morar nos dormitórios até juntar um dinheiro. Eu teria que ir embora aos 18 mesmo.
Encontrei o kit e o usei para abrir a jaula. Uma vez livre, iria subir as escadas para fora daquele lugar horrendo, mas parei quando encontrei um spray que usava para fazer grafite perdido na bolsa. Fiz uns desenhos de pinto nas paredes e no chão da masmorra, um “Fuck the fox!”, uns desenhinhos com a cara da Ahri paraguaia com uns x no lugar dos olhos. Terminado o trabalho, subi as escadas.
Quando cheguei ao topo, estava ofegante. A sala que tinha adentrado era cheia de água e flores, mas não tinha janelas, como um jardim em um porão. Juntei as mãos em concha para pegar água e beber um pouco antes de começar outro round de subida por mais uma longa escadaria. Aproveitei para descansar um pouco, o lugar era tão bonito.
Subi as escadas devagar, sempre parando para descansar e beber a garrafa de água que tinha na bolsa. Se eu quiser sair daqui preciso poupar energia. Após uma longa subida, cheguei ao topo do segundo lance de escadas e fui para um hall cheio de portas em arcos.
- Esse povo deve amar escadas. Não é possível que não tenha um elevador! Vamos ver, acho que a saída deve ser pelo lado esquerdo.
Indo para a esquerda, me deparei com um corredor com mais portas e uma escada. Como estava cansada de escadas, decidi correr pelo corredor, mas trombei com alguém e caí de bunda no chão. Era um rapaz de cabelo preto, olhos cinzentos e tapa-olho, mas que não deixava de ser bonito.
- Você deve ser deliciosa, humana. Veio aqui para ser comida por mim?
- Sai daqui, tarado!
Eu chutei suas bolas e corri de volta para o hall cheio de portas. Tentei subir as escadas, mas acabei esbarrando em outra pessoa. Hoje não é mesmo o meu dia. O homem que esbarrei pele bronzeada, longos cabelos brancos e olhos amarelos.
- Cassilda!
Novamente tive que voltar pelo caminho, mas dessa vez me escondeu atrás de um pilar. Os homens com quem eu tinha esbarrado se encontraram no meio da sala.
- Você a viu? – Perguntou o de cabelo preto andando feito um cowboy cagado.
- Eu não. Recebi a notícia há pouco e quando senti algo colidir em mim, sumiu antes de eu me virar para ver quem era. O que aconteceu com você?
- A maluca chutou o Nevra Júnior! – O maior desatou a rir.
- Não consegue lidar com uma simples humana?!
- Simples humana?! Ela é perversa!
- Vamos procurá-la.
Os dois sumiram foram para uma das portas perto das escadas e sumiram de sua visão. Era hora de sair do meu esconderijo. Fui para outra sala, que se assemelhava a uma despensa. Só então percebi que estava com fome. Eu tinha doce na bolsa, mas eu não sei quanto tempo vou demorar para sair daqui. Nunca fui de roubar.
- Talvez só dessa vez.
Tentei pegar a comida, mas meu braço foi agarrado por um cara de cabelo azul preso em um longo rabo de cavalo e olhos verdes.
- Bem, o que temos aqui?
- AAHH!
- Está com fome? Não te ensinaram que roubar é errado?
- Furto. Há uma diferença entre furtar e roubar.
Como alegria de pobre dura pouco, a Ahri do Paraguai apareceu juntamente com os outros dois com quem eu havia colidido. Me fodi.
- É, hoje não é o meu dia.
- Eu sabia que tinha sido ela que roubou o nosso pão e o nosso leite! – Minha barriga roncou alto.
- Tia, se eu tivesse feito isso, acha que minha barriga estaria roncando agora?
- Não é bem verdade. – Disse o moreno ainda com dor. – Um pouco do alimento é destinado ao refúgio, eu vim te avisar...
- Viu só, não fui eu.
- O que aconteceu com você?!
- Ela doida me chutou lá embaixo! – O de cabelo azul começou a rir.
- O que foi, Nevra? – Provocou o cara de cabelo azul. – Não consegue lidar com uma simples humana?
- E você vai ter o mesmo destino se não me soltar. – Consegui me soltar do cara de cabelo azul.
- Se bem me lembro, assaltaram a sala de alquimia e levaram uma lágrima de dragão. – Disse o albino.
- Viu, eu sabia que tinha sido você! Devolva a lágrima agora mesmo!
- Que porra que você está falando? Sei nem que merda é essa parada aí.
Os quatro ficaram me olhando chocados. Eles nunca ouviram mulher falar palavrão não?! Um homem de cabelo azul, olhos castanhos, um chifre e rabo de jumento se juntou à conversa. Espere aí, chifre? Rabo? Onde caralhos eu estou?!
- Miiko, por favor, poderíamos ouvir o que ela tem a dizer.
- Está bem.
- Pode nos contar o que aconteceu?
- Eu aproveitei que tinha nada hoje e resolvi andar pela floresta quando cheguei perto de uns cogumelos estranhos, caí num buraco e parei naquela sala com a pedra grande.
Os presentes se entreolharam, mas foi o cara de cabelo azul que falou primeiro. Agora percebi as grandes orelhas pontudas que ele tinha. Ele é um elfo? Vou chamá-lo assim.
- Provavelmente foi um círculo de bruxa.
- Um o que?
- Tem certeza de que parou na sala do cristal? – Perguntou Miiko.
- Você foi a primeira coisa que eu vi além daquela pedra grande.
- Não é uma pedra, é o grande cristal e é impossível você ter parado lá, aquela sala é protegida.
- Eu não senti nenhuma mentira. – Disse o moreno.
- Alguém sabe como eu volto para casa?
- Isso é impossível. – Retornou a dizer o elfo. – Círculos de bruxa só funcionam em uma direção.
- Mas que droga!
- Cuidaremos disso depois. Jamon! Coloque-a de volta na cela.
- Por falar nisso, eu gostaria de saber como foi que fugiu. – Disse o de cabelo branco.
- Vocês não fecharam direito.
- Mas agora vou me certificar de que vamos fechar sim. Jamon!
- Nunca vão me pegar viva!
Driblei todo mundo e saí correndo porta à fora. Fui para o que parecia ser um mercado. Desviei de muitas coisas, joguei coisas para atrasá-los até pararmos no que parecia ser uma área residencial. Acabei sendo atrapalhada pelos moradores e o de cabelo branco, o de preto e os dois de azul me pegaram. Eles me escoltaram até a sala do cristal, onde encontramos a raposa discutindo com um rapaz de cabelo loiro com tufos de cabelo preto.
- Encontramos a comida roubada fora do QG. – Disse o homem de cabelo branco. – Enquanto tentávamos capturar a fugitiva.
- Só para constar, eu tenho direito a um advogado.
- Podemos ficar com ela? – Pediu o elfo de cabelo azul. – Ela é engraçada.
- E bonita também. – Disse o de cabelo preto. – Sem ressentimentos, garota.
- Não! – Disse a mulher. – Ela vai para a cela!
- Por que não dão uma chance a ela? – Disse o loiro.
- Leiftan, já não disse para ir à enfermaria?
- Mas eu já disse que não tenho nada.
- Deixa a gente ficar com ela. – Retornou a dizer o tarado.
- É uma humana, pode servir de isca em algumas missões. – Tornou a dizer o albino.
- É o que isso aí?!
- E se não for o caso, podemos perdê-la na floresta. – O elfo deu um de seus famosos sorrisos.
- Se não for devorada antes.
- Vocês querem mesmo me matar, não é?
- Ou pode apenas ser meu bufê e cuidar de mim. – Disse o cara de tapa olho malicioso.
- Nem em sonhos! Onde fica a delegacia mais próxima?
- Estão falando sério?! Se quiserem tanto assim ficar com ela, então ela será responsabilidade de vocês! Não venham encher meu saco depois.
- Parabéns, você vai entrar para uma das Guardas de Eel! – Disse o maldito elfo dando um tapão nas minhas costas.
- Guarda da Enguia? – Ele capotou, mas se recompôs.
- Kero vai te fazer um monte de perguntas chatas para saber quem vai cuidar de você. – Disse o de tapa olho.
- Bem, é melhor que a cela. – Disse o loiro com tufos de cabelo preto.
- Ok, eu faço parte dessa guarda da enguia, mas antes, será que dá para a gente se apresentar como gente normal? Eu só conheço vocês como o cara de cabelo branco, o chifrudo, o elfo, o tarado e a Ahri do Paraguai. Ah e ainda tem aquele ogro grandão, deve ser Jamon de tanto que eu escutei a tia gritar o nome dele.
Todos olharam para a minha cara como se estivessem vendo um ET. Um olhou para a cara do outro e acabaram concordando em me dizer seus nomes.
- Miiko.
- Keroshane, mas se quiser pode me chamar de Kero.
- Leiftan.
- Valkyon.
- Nevra.
- Ezarel e o grandão na verdade é um ogro.
- Tingsi.
- Ela é toda sua, Kero.
- Se importa em me acompanhar?
Não tive escolha. Saímos da sala com aquele cristal enorme e mergulhamos no corredor.
Chapter 2: Capítulo 2
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Estava seguindo Kero pelos corredores até que paramos na biblioteca. O lugar era grande, tinha muitos livros velhos, não muito diferente de uma biblioteca pública.
- Não acredito que Miiko te deixou participar de uma das guardas. – Disse Kero sorrindo.
- E o que são essas guardas?
- Todos nós formamos a Guarda de Eel, por isso somos responsáveis por resolver conflitos e proteger os mais fracos. Cada guarda é especializada em um atributo.
- O que é Eel?
- É o nome da região onde estamos. O mundo se chama Eldarya.
Ele começou a me explicar sobre Eldarya. É um mundo mágico paralelo ao dos humanos, mas não disse muita coisa, pois ainda havia o maldito teste. Acabei fazendo o teste e ele me colocou na Guarda Obsidiana. Como se não bastasse, tive que fazer outro teste, mas dessa vez para ver qual mascote seria o meu. Ganhei um ovo de Sabali e uma incubadora. Quando nasceu, era a coisa mais feia que já tinha visto.
- Nem pensar em disputar o Miss Universo.
- Que nome dará para ela?
- Ela? Deixa eu ver.... Shaneera.
- De onde tirou esse nome?
- Da minha cabeça.
Fui avisar aos outros para qual guarda tinha sido designada, mais por sugestão de Kero do que por vontade própria. Encontrei Nevra assim que saí da biblioteca.
- Já sabe em qual guarda está?
- Na obsidiana.
- É a guarda do Valkyon. Ele vai ficar doido quando descobrir.
- Por quê?
- Kero não te contou? A Guarda Obsidiana é especialista em combate.
- Não, ele não tinha me falado, acho que esqueceu. E as outras?
- A Absinto é melhor em alquimia e a sombra em exploração e aquisição de informações. Já a Reluzente é a que administra todas as outras, é como se fosse a elite.
- Entendi, tipo o chefe do chefe.
- Você aprende rápido.
- E agora que eu tenho uma guarda?
- Você pode perguntar se há missões disponíveis.
- Como é?
- Sabe, algum trabalho chato.
- Você por acaso teria um em mente?
- Não, eu não tenho missão para você. Se pensar em algo, te aviso.
Saí de perto e fui explorar o lugar. Aproveitei que descobri onde era o banheiro para dar uma mijada. Toda aquela água que bebi na subida tinha acumulado. Shaneera me acompanhou na exploração do lugar. Descobri que tinha uma forja, um lugar para refeições, a enfermaria e o laboratório de alquimia.
- O que está fazendo? – Perguntou Valkyon parado feito uma estátua.
- Explorando. Já que vou ficar por aqui até descobrir como voltar ao meu mundo, preciso conhecer o lugar, não?
- Certamente. Então, você foi designada para alguma guarda?
- Sim, para a obsidiana.
- Você está na minha guarda!
- Nevra comentou algo assim. Tudo bem?
- Sim, eu só estou surpreso. Não pensei que você fosse entrar na Obsidiana. Você não entendeu a maior parte das questões, não foi?
- Na verdade fiquei de saco cheio de tentar entender e chutei.
- Chutou o que?
- As questões. É uma expressão figurativa que usamos para dizer que respondemos qualquer coisa.
- Ah, sim.
- Tem alguma missão para mim?
- Não. Sinto muito, mas não consigo pensar em que você pode ser útil agora.
- Nevra contou que os membros dessa guarda são bons em combate.
- Os melhores.
- Isso quer dizer que eu vou ter que treinar, não?
- Exato.
- Então, poderia me treinar?
- Sinto muito, estou ocupado no momento.
- Pode pelo menos indicar alguém que possa?
- Bem....
- Olha, eu não gosto disso tanto quanto você, mas eu ao menos estou me esforçando para essa caralha dar certo, pelo menos até encontrar um jeito de ir para casa. Se não quer ajudar, ótimo, vou achar a saída dessa merda e me virar sozinha.
- Você não vai sobreviver fora desses muros. Tudo bem, espere aqui.
Ele saiu. Fiquei algum tempo aguardando enquanto Shaneera me trouxe alguns regadores, espanadores e tesouras douradas, além de óculos e pulseiras de flores.
- O que eu faço com isso?
Ela só abanava o rabo enquanto me olhava. Valkyon voltou e me levou para fora do prédio. Passamos pelo que era o espaço do mercado, depois pelo refúgio, coreto e só paramos quando chegamos a uma árvore. Parecia ser uma cerejeira. Debaixo dela havia um homem de pele cinzenta, curtos cabelos verdes, orelhas pontudas e olhos amarelos. Pelo bestiário dos RPGs, ele era um elfo negro.
- Valarian, esta é Tingsi, a gente tem que cuidar dela por um tempo. Tingsi, este é Valarian, ele vai te ajudar a treinar.
- Muito prazer.
- O prazer é meu. O que sabe sobre combate?
- Não muito. No máximo chute no saco, cabeçada no nariz e morder o que der.
- Isso é desleal.
- Vocês não pensariam nisso se um cara tentasse te agarrar e te estuprar. Ah, vocês são homens, nunca vão saber o que é isso.
Os dois arregalaram os olhos, olharam um para o outro e depois para mim. Valkyon quem se pronunciou.
- Vou deixá-los treinando. – E vazou.
- Vamos começar com o básico.
Valarian me instruiu em alguns socos e chutes e também disse que eu precisava de uma arma, mas isso era com o Jamon. Ele chamou o ogro que me fez praticar com três armas diferentes: uma espada, um arco e um martelo incrivelmente leve. Acabei me saindo melhor com o martelo. Agora eu só precisava treinar com a minha arma.
- Até que foi bem para o primeiro dia.
- Obrigada.
- Tingsi, você está aí. – Disse Kero surgindo com uma criança chorando em seu encalço.
- Aconteceu algo, Kero?
- Eu quero apresentá-la ao Mery, o garoto que roubou alimento do QG. Acontece que Mery fez isso para alimentar seu mascote, mas os mascotes não se alimentam como nós e ele fugiu. – O garoto só chorava.
- Não precisa chorar, nós podemos achá-lo.
- Suas roupas são estranhas. Quem é você?
- Meu nome é Tingsi, eu sou nova no QG.
- Eu sou Mery, eu moro na cidade com a minha mãe e o meu... – Ele parou de falar e começou a chorar de novo.
- Mery, eu vou te ajudar a encontrar o seu mascote se você parar de chorar, está bem assim?
- Não vai adiantar, você vai assustá-lo com suas roupas estranhas!
- Como se dar pão para ele fosse o ideal.
- Tingsi! – Repreendeu Kero.
- Qual é, Kero, sério que ninguém explicou para ele que ter um bichinho é uma grande responsabilidade?! Quando eu quis ter um cachorro, uma das moças do orfanato me disse que não, pois teria que alimentar, dar banho, levar para passear, fora os gastos com vacina e veterinário que orfanato nenhum iria arcar.
- Ela está certa. – Valarian tomou meu lado. – Ninguém explicou a ele qual comida o mascote come?
- Acho que não. – Admitiu envergonhado. – Eu vou levá-lo para casa, se encontrarem, por favor, levem-no para a casa do Mery.
- Espere aí, eu nem sei que mascote é! É um Sabali tipo a Shaneera? Um Seryphon?
- É um Cryslam. É uma bola de lã com asas.
- Tipo uma ovelha, só que voadora?
- Digamos que sim.
- E como eu pego ele?
- Normalmente precisaríamos de uma isca, mas como já é do Mery, um picolé será o suficiente. O vendedor de mascotes tem na loja.
- Que ótimo, eu também gosto de picolé.
- Acho que não vai gostar desse. Talvez fosse melhor olhar a toca fora do QG, o mascote do Mery gosta de se esconder por lá.
Kero foi embora com o menino. Valarian disse que teria algo para fazer, então nos despedimos e deixamos para treinar um pouco mais amanhã. Agora eu me pergunto, onde é que vou dormir?! Aff, depois eu pergunto ao Valkyon. Comprei o picolé e aproveitei para experimentá-lo e cuspi na hora. Era muito salgado e olha que já tomei até picolé de wasabi e gostei.
Fui procurar pela toca, mas não dava porque os portões estavam fechados. Respirei fundo e fui procurar o Valkyon, afinal, ele é o responsável pela minha guarda. Eu o encontrei na sala das portas.
- Ainda bem que te encontrei.
- O que você quer?
- Eu preciso que alguém abra os portões para ir para fora do QG.
- Está fora de questão.
- Eu estou procurando pelo mascote do Mery.
- Ele o perdeu de novo?
- De novo?! Ah, deixa pra lá. Kero disse que ele gosta de ir para uma toca fora do QG, só por isso que estou pedindo para abrirem os portões.
- Eu vou com você.
- Mesmo?
- Afinal, eu fiquei responsável por você, não seria bom se algum bicho te devorasse lá fora.
- Eu posso me cuidar. – Dei tapinhas no cabo do martelo.
- Onde conseguiu isso?!
- Jamon.
Fomos para o lado de fora. O QG se encontrava em cima de um penhasco. Havia planícies em volta e uma floresta, fora o mar. Percebi por causa do inconfundível cheiro de maresia que a brisa trouxe às minhas narinas. Fomos até a tal toca. Não vimos qualquer vestígio. Acabei tentando entrar, talvez eu tivesse finalmente encontrado a toca do coelho branco. Não deu muito certo, então pedi para a Shaneera entrar. Ela retornou balançando negativamente a cabeça.
- Coitado do Mery, o mascote dele não está aqui.
- Pelo estado, parece que a sua Sabali é o primeiro mascote a entrar nessa toca tem muito tempo.
- Como pode ter certeza?
- A terra está seca e o chão limpo. Se um Cryslam tivesse entrado, haveria palitos pela terra.
- E agora?
- Pensaremos em algo.
Iriamos voltar ao QG, mas eu parei no meio do caminho e olhei para a floresta. Talvez fosse a minha chance.
- Não está pensando em fugir, está?
- Você iria me impedir?
- Sabe que sim.
- Por que se importa? Vocês não me queriam aqui para começo de conversa.
- Você é a minha responsabilidade.
- Não preciso ser.
- E vai desperdiçar os esforços do Kero? Ele foi o único a ficar do seu lado desde o começo.
- Chantagem emocional não rola comigo. Além do mais, se tivessem me deixado ir desde o início, não estaríamos aqui.
- Não seja tola, garota. Se você se for, não sobreviverá aqui fora.
- Você não pode ter certeza e mesmo que tivesse, não é da sua conta se vou sobreviver ou não.
- Você é teimosa.
- Já me disseram isso.
- Faremos o seguinte, vamos resolver isso primeiro e depois você estará livre para ir.
- Temos um acordo?
- Temos.
Voltamos para dentro do QG. Agora eu tinha que pensar em um plano. Se iria sair daquele lugar, eu precisava garantir que iria me sustentar. Talvez haja frutas na floresta, um vilarejo próximo, talvez, e eu tinha meu martelo para me proteger. Também teria que pensar na Shaneera.
- Valarian me contou sobre o treino. Ele disse que você se saiu muito bem.
- É, ele foi bem legal.
- E não provou seu humor ácido.
- Também não foi um pau no cu. Nem ele, nem Kero e nem Leifitan.
Ele acabou me deixando em paz. Procurei Kero e o encontrei no refúgio. Contei para ele sobre minhas descobertas, mas não tinha encontrado o mascote. Kero também não tinha tido sucesso, nós estávamos frustrados. E para piorar o Mery apareceu todo alegre pensando que tínhamos achado seu mascote. Tivemos que dar as más notícias a ele.
- É tudo sua culpa! Ele fugiu por causa das suas roupas!
- Escuta aqui ô moleque, eu não tenho culpa se você não sabe cuidar do seu mascote! O mascote é seu, você devia cuidar dele!
- Tingsi! Ele é só uma criança.
- Eu fiquei em um orfanato até os 18 anos, já vi criança o bastante para uma vida, mas nenhuma tão mimada assim.
Eu só o vi ficar com a cara de espanto ao mesmo tempo em que ficou branco feito papel. Eu sempre tive que me cuidar desde criança. Muitas crianças foram adotadas por famílias amorosas, outras por famílias terríveis e outras ficaram até a idade de serem expulsos. Eu aprendi a fazer tarefas básicas como limpar e cozinhar, bem como a me defender dos mais velhos e a cuidar dos mais novos, o resto eu aprendi com a vida. Cada vez que uma criança nova chegava, meu coração se partia. Elas morriam de medo, choravam, se isolavam, eu e alguns adolescentes do orfanato tentávamos fazê-las se sentirem acolhidas, pelo menos quando eu não estava com meu grupo de amigos invadindo lugares abandonados. Mas confesso que nem mesmo quando criança eu não tinha paciência para lidar com birras de crianças mimadas pelos pais.
- Sinto muito, eu não sabia.
- Tudo bem, não tinha como você saber. O que faremos agora?
- Eu acho que tenho uma solução. Mery, o que acha de ganhar um novo amiguinho?
- Um novo amiguinho? – Choramingou o garoto.
- Ele seria parecido com seu antigo amiguinho, mas...
Eu não estou acreditando nisso, ele está sugerindo que substitua o mascote?! Por outro igual?! Deixei os dois porque meu sangue começou a ferver. Eu me recuso a ouvir isso. É como você perder um cachorro e comprar outro cachorro para substituir o antigo e foda-se se o antigo está perdido, passando fome, frio ou possivelmente morto! Eu sou contra isso, me recuso a compactuar com isso. Shaneera puxou a barra da minha calça com a boca. Como se aprovasse o que iria fazer.
- A gente vai achar esse Cryslam nem que seja na marra.
Saímos do QG, pois tínhamos deixado a porta aberta e fomos para o exterior. Eu não sabia por onde procurar. Andei pela planície, mas não havia qualquer sinal de um Cryslam, pelo menos não de um com dono. Resolvi tentar a floresta. Talvez ele estivesse com fome e estivesse procurando alimento. O lugar era enorme.
Fechei os olhos com força e os abri. Nada aconteceu. Desde criança, eu consigo ver e me comunicar com espíritos, às vezes eu consigo ver mais que isso, mas quando isso acontece, é como se estivesse em outro plano.
- Vamos lá, funciona.
Tentei de novo e nada. Fui para outro lugar da floresta e a cada passo que dava, eu ia tentando. Tive que carregar Shaneera no colo, pois suas pernas eram muito curtas para me acompanhar. É uma floresta, algum bicho deve ter morrido aqui! Depois de algumas tentativas, eu iria desistir, até que o cenário mudou. Tudo à minha volta estava um verde-água bem suave com leves tons azulados e vendo as pontas do meu cabelo, vi que estavam rosa vibrante. Consegui! Shaneera urrou em meu colo.
- Está tudo bem. Vamos achar esse Cryslam.
Eu via frutos brilhantes nas árvores, um rastro levemente azulado no ar e uma forte luz dentro de um buraco de uma das árvores. Fui até a árvore e peguei o que estava dentro. Era um fragmento de cristal azul que emanava um brilho poderoso. Guardei comigo e me concentrei no rastro.
Eu segui o rastro. Encontramos uma bola azul aos pés de uma árvore e tudo voltou ao normal. Era uma pequena ovelha com asas. O pobrezinho devia estar morrendo de fome, então dei o picolé. Ele ficou muito agradecido, mas não era o suficiente. Pus Shaneera no chão, peguei um pouco de água da minha garrafa na mão em concha e dei para ele beber. Quando terminou, eu o peguei no colo.
- Você se lembra do caminho de volta?
Ela me guiou para fora da floresta. Eu estava exausta, mas mesmo assim passei pelo portão. Vi Ezarel com Jamon na porta.
- Aí está você! – Gritou o elfo. – A guarda inteira está te procurando!
- Porque quer. Não pedi para ninguém vir atrás de mim.
- Tingsi irresponsável. – Disse o ogro. – Podia ter machucado.
- Eu sou grande o suficiente para saber muito bem o que eu faço. As duas maricotas vão ficar aí discutindo ou vão me ajudar com o mascote?
Os dois não gostaram do que eu falei, mas quando olharam para o que eu estava carregando, ficaram atônitos. O Cryslam estava fraquinho devido à fome, precisava de alimento adequado e mais água também.
- Tem algum veterinário nessa merda?
Nem esperei resposta, passei pelos dois sem nem olhar para trás. No caminho fui encontrando mais gente e mandando à merda também. Estavam mais preocupados em discutir comigo do que em notar o Cryslam que tinha nos braços e ajudar. Não sou obrigada.
Fui até a loja de mascotes com a esperança de que houvesse alguém para cuidar dele. Purreru, um gato siamês que fala gaguejando e me vendeu o picolé, ficou abismado e correu para verificar o mascote.
- Ele precisa se alimentar. Tenho uma poção que pode ajudá-lo a restaurar suas forças também.
- Faça isso.
- Isso irá custar alguns maanas.
- Bota tudo na conta da mãe do Mery, o mascote é dele. Ou então na da Miiko. Eu que não vou pagar por uma conta que não é minha.
- Certamente.
Purreru tratou de ajudar o mascote. Eu saí da loja e me sentei para beber um pouco de água. Até ofereci à Shaneera, mas ela não quis. Aproveitei para comer uma barra de chocolate também, já que não tinha comido nada graças a esses putos!
- Tingsi. – Disse Leiftan surgindo da puta que o pariu.
- Vai à merda.
- Como?!
- Veio me dar sermão, então estou te mandando à merda antecipado.
- Eu não vim te dar sermão.
- Então não vai à merda.
- Embora o que tenha feito seja muito perigoso.
- Então vai à merda.
- Você pode decidir se vai me mandar à merda ou não?
- Isso depende se vai encher o meu saco.
- Soube que estava procurando um mascote. Você o achou?
- Está com Purreru. Ele está cuidando dele.
- Entendo. Isso é....?
- Nem vem, trouxe comigo. Roubei porra nenhuma da sua dispensa.
- Eu não ia dizer isso.
- Depois de me acusarem de roubo, não custa prevenir.
- Sinto muito por isso.
- Não é culpa sua.
- Como você o encontrou?
- Você não iria acreditar.
- Senhorita Tingsi. – Chamou Purreru.
- Sim?
- Vim te avisar que está tudo bem.
- Eu já posso levá-lo para o Mery?
- Acho melhor trazê-lo até aqui. Eu quero ter uma bela conversa com ele.
Me despedi de Leiftan, pois ele tinha mais o que fazer, e fui atrás do menino. Eu o encontrei com Kero no refúgio. Kero estava prestes a me dar sermão, mas assim que eu falei do mascote, Mery não quis saber de mais nada e correu para loja. Tivemos que ir atrás dele. Já na loja, Purreru disse que só veriam o mascote se a mãe do Mery estivesse presente. Kero tentou argumentar que ela estava se recuperando, mas ele não deu o braço a torcer. Mesmo debilitada, a mãe do Mery teve que ir. Purreru deu um belo sermão sobre cuidados com mascotes e informação. Eu nunca o tinha visto tão bravo. Qual é Tingsi, tem nem um dia que você conhece o gato!
De qualquer forma, não era o primeiro mascote dele que fugia se fugisse de novo, ele garantiria que seria o último mascote que o garoto teria e ainda falou para Kero que isso seria problema da guarda a partir de agora e mostrou o mascote. O Cryslam estava se recuperando, ele ainda estava fraco, mas mesmo assim o gato deu o mascote para eles e repassou o preço em maana e seria bom que pagassem. Eu sei que todo mundo ficou de queixo caído, mas pagaram e saíram. O gato ofegava.
- Desculpe por ter presenciado isso, senhorita. – Disse ele se recompondo. – Eu posso vender mascotes, mas ao contrário do que parece, eu me importo com o bem-estar deles.
- Eu entendo e fico feliz por isso. Há pessoas terríveis no meu mundo que tratam animais como um produto.
- Isso é terrível. Mudando de assunto, eu vi como sua mascote não saiu do seu lado. A quanto tempo a tem?
- Eu consegui a Shaneera hoje. Kero deu para mim depois do teste.
- Estou vendo. Vejo que ela gosta muito de você. Bem, Kero tem o costume de designar um Becola, Sabali ou Corko através do teste. Vendo o que fez por aquele Cryslam, eu sei que Shaneera está em boas mãos.
Ela soltou um som estranho e balançou o rabo. Purreru fez carinho nela. Ele foi para os fundos da loja e voltou com dois ovos, um verde e um preto azulado.
- Esses estavam no seu teste. Acho que ficarão melhores com você do que esperando outro novato ou esperando alguém comprá-los.
- Obrigada, mas eu não tenho incubadora. Eu nem sei que tipo de moeda vocês usam, serve euro?
- Nós usamos maana. Eu posso te dar as incubadoras dessa vez.
Enquanto os ovos chocavam, ele me explicou sobre maanas, como podia conseguir vendendo algumas coisas no mercado que meus mascotes poderiam achar na exploração. Mostrei a ele os espanadores, tesouras e regadores e ele me contou que podia usá-los para capturar mascotes e quais capturar com eles.
- São machos. – Anunciou quando eclodiram. – Que nomes dará a eles?
- Acho que vou chamar você de Pandy, já que me lembra um panda. – Falei com o Becola. – Já você... – Me voltei para o Corko que comia o próprio rabo. – O que acha de Sirius?
Foi o único nome que consegui pensar, já que gosto de Harry Potter. Ele ficou tão feliz que se jogou em cima de mim. Demorei um pouco para me levantar, eu ainda estava cansada.
- Talvez fosse melhor você descansar.
- É o que vou fazer.
Fui com os mascotes para o jardim, mais especificamente o chafariz. Pandy e Sirius corriam por aí enquanto Shaneera ficou perto de mim. Sentei na grama com ela. A paz não durou muito tempo. Logo apareceu Valkyon com uma cara não muito boa. Puta merda, eu não tenho um segundo de paz nesse caralho?!
- Que é?!
- Eu ouvi sobre seus feitos. O que te deu na cabeça para ir até a floresta sozinha?!
- Pela última vez nessa caralha! – Fiquei de pé em um pulo. – Eu SEI me virar, eu NÃO preciso que tomem conta de mim e NÃO QUERO babá! Eu achei a merda do mascote, não achei?!
Comecei a despejar um monte, parecia que eu tinha voltado à minha adolescência, quando ninguém me levava à sério e tinha que justificar tudo que eu fazia. Não é à toa que prefiro meus anos de faculdade. Ninguém no campus tinha a ver com a minha vida ou com o que eu fazia, menos quando envolvia polícia, mas isso tinha mais a ver com o fato de ser mulher e mais por brigar por conta de assédio do que reportar um simples furto. Já cansei de bater boca com uns escrotos por conta de mina drogada em balada ou no bar em que trabalhava, a sorte é que meu chefe que mais parecia um ex-presidiário parrudo era um amor de pessoa, odiava esse tipo de comportamento e ficava do meu lado. Levei casos à corregedoria e até a professores de direito que advogavam, mas isso é outra história.
Eu sei que ao final da discussão, eu estava bufando de raiva e extremamente cansada. Procurar espíritos e rastros na floresta acabou comigo. Me joguei no chão e sentei novamente. Eu realmente precisava de um descanso. Meu novo chefe sentou ao meu lado.
- Eu não quis te ofender.
- Não ofendeu, só me tirou do sério. Será que ninguém aqui para pra pensar nas coisas antes de julgar?! Parece que eu estou discutindo um bando de playboy safado!
- Como conseguiu encontrá-lo?
- Não procuramos na floresta, então decidi tentar.
- Você não deveria ter ido sozinha.
- E você não é o meu pai.
Um silêncio constrangedor se formou entre nós. Respirei fundo antes de acrescentar.
- Se você fosse o meu pai, eu ia te mandar tomar no cu por ter ido comprar cigarro há 23 anos e nunca ter voltado.
- Eu nem poderia, temos quase a mesma idade.
- Sorte sua.
- Você tem mesmo 23? Parece que tem 16.
- Porque todo mundo acha que eu tenho 16?! Eu não pareço tão nova assim!
- Na verdade você parece.
- Merda! – A gente riu. – Estou encrencada?
- Não dessa vez.
Eu não ouvi mais nada, pois me deu uma súbita vontade de deitar. Eu acabei adormecendo na grama mesmo. A única coisa que ouvi antes de apagar foi o meu nome.
Chapter 3: Capítulo 3
Chapter Text
Quando recobrei a consciência, olhei ao redor. O cenário era coberto por uma névoa branca, ao fundo era possível ver a silhueta de uma floresta escura e de montanhas ao longe. Era um sonho que eu conhecia bem, mas que não sonhava há muito tempo. Um dragão azul passou voando por sobre minha cabeça.
- Qinglong! – Gritei em plenos pulmões.
- Tingsi? – O dragão deu meia volta e ficou na minha frente. – É você mesma?
- E quem você esperava? O Jô Soares?!
- Faz tanto tempo que você não vem aqui. Desde os 10 anos?
- É, foi por aí que parei de sonhar com este lugar.
- Mas isto não é um sonho.
- É claro que é!
- Você pode trazer aquela montanha para cá? Se for um sonho, você pode fazer qualquer coisa.
Tentei, mas não se moveu. Tentei imaginar outras coisas como comida, um barril de vodca, nada deu certo.
- Viu?
- Se isso não é um sonho, o que é?
- Você vê fantasmas, não vê?
- Às vezes.
- E às vezes você entra em uma espécie de outro plano para vê-los, não?
- Está falando de quando tudo muda de cor?
- Tingsi, esse plano que você entra é só uma camada do mundo espiritual.
- Você está brincando, não é?
- Xuanwu pode te explicar melhor, agora que está crescida.
- Mas vocês são frutos da minha imaginação, não? De quando eu dormia debruçada nos livros de mitologia.
- Mitologia é real. As criaturas, os seres e até mesmo nós somos reais. O mundo em que você está é a prova disso. Eldarya.
- Como sabe...?
- Procure Xuanwu. Não posso lhe dizer mais nada.
Qinglong simplesmente saiu voando por aí. Sem alternativa, fui procurar por Xuanwu. Eu sabia onde encontrá-lo, a tartaruga negra sempre ficava em um enorme lago. Dito e feito, quando cheguei perto do lago, eu o encontrei. A tartaruga negra estava totalmente emergida e fora de seu casco, podendo ver as voltas que a cauda de serpente dava em sua barriga.
- Tingsi? Então você realmente veio.
- Qinglong me disse que você pode explicar o que diabos ele quis dizer com camada do mundo espiritual.
- Você vê espíritos, certo?
- É.
- Às vezes o mundo à sua volta não fica estranho?
- Sim, ele fica como se o sol tivesse virado uma imensa bola de luz negra e tudo virasse neon em tons de verde água ou azul e às vezes tem outras cores. Às vezes o mundo fica branco também.
- Então, quando isso acontece, significa que você está no plano espiritual, plano o qual os espíritos vagam.
- Está dizendo que eu entro no mundo dos mortos?!
- Não, apenas no plano deles. O mundo espiritual tem várias camadas, a que conhece é uma camada mais superficial. Quando o cenário parece uma enorme luz negra, significa que está no limiar entre o mundo material e o espiritual e quando ele fica branco, significa que está em uma camada mais profunda. Há várias camadas, algumas você vai querer manter distância. Até mesmo este lugar é uma camada.
- Mas como? Vocês são mitologia e mitologia....
- Não é real? Algumas coisas são reais, eu e os outros deuses celestiais somos reais. Já algumas coisas são invenções do imaginário do autor. É como reproduzir uma história. Cada vez que ela é contada, os fatos se alteram ou se perdem.
- Então vocês moram aqui?
- Não, este é o plano em que nós conversamos com você. O plano o qual vivemos não pode ser acessado.
- Por que não?
- É mais do que sua mente pode compreender. Não se sinta mal, ninguém fora do plano divino pode. – Outra voz se juntou à reunião, era a de Zhuniao.
O pássaro vermelho do sul estava junto de Qinglong e de Baihu, o tigre branco do oeste. Todos os quatro estavam ali.
- Chegou a hora. – Tornou a dizer.
- Hora do que?
- Tingsi, nós sabemos que não está na Terra, mas sim em Eldarya. – Começou Zhuniao. – Por isso, achamos melhor revelar uma verdade sobre você.
- Você já se perguntou como chegou a este lugar? – Questionou Xuanwu.
- Eu dormi e parei aqui.
- Você entra neste plano desde criança. Já se perguntou como parou neste plano?
- Não, eu nunca soube como vim parar aqui. Eu nem sabia que vocês eram reais.
- Nem nós, garota. – Disse Baihu. – Até descobrirmos que você veio por acidente.
- Acidente? Vocês estão me sacaneando!
- Quem me dera.
- Lembra-se da caixa misteriosa? – Tornou a perguntar a tartaruga.
- Como esquecer? Essa merda vive reaparecendo do nada.
- Essa caixa é um pequeno portal para o plano espiritual. – Contou Zhuniao. – De alguma forma, você a usou de forma inconsciente para chegar até nós.
- Talvez tenha sido graças aos seus livros de mitologia. – Qinglong. – De tanto fascínio pelas escassas informações sobre nós, você nos encontrou.
- Esperem aí. QUE?!
- Não é algo de fácil revelação. – Tornou a dizer o pássaro.
- Por algum motivo você tem em mãos um pequeno portal e graças a ele, conseguiu acessar este plano. – Tornou a tartaruga.
- Por acidente. – Disse o tigre. – É bom lembrar.
- Você não tem controle sobre isso. – Disse o dragão.
- Mas eu posso ter. É só descobrir como.
- Isso é com você.
- Garota. – Retornou Baihu. – Você precisa ser forte. Não está mais no seu mundo.
- Eu posso me virar.
- Espero que sim.
- Estaremos ao seu lado se as coisas ficarem feias. – Disse Qinglong. – Eldarya é um mundo tolerante à magia, mas incrivelmente atrasado em outros pontos.
- Podemos nos manifestar melhor aqui, mas não podemos prometer nada.
- Eu entendi, Baihu. Como eu faço para voltar?
- Isso é com você.
Não sei como, eu consegui voltar. Minha cabeça doía, isso acontecia às vezes quando sonhava com os quatro, se é que aquilo foi realmente um sonho. Algo no meu interior dizia que não era. Me acalmando um pouco, percebi onde estava. Uma cama. Shaneera, Sirius e Pandy estavam comigo e minha bolsa no chão, encostada na cama. Não perdi tempo e peguei a caixa dentro da bolsa. Ela não abria não importa o que tentasse. Frustrada, eu a coloquei de volta na bolsa.
Vendo melhor o cômodo, só tinha a cama, uma cadeira e meu martelo encostado na parede. O cubículo parecia uma prisão do meu mundo. E não tinha qualquer decoração, nem mesmo um armário ou cortina. Pela janela estava de noite, peguei meu celular e só confirmei a hora. Havia um saco com trecos azuis no chão perto da bolsa com um bilhete dizendo serem maanas e assinado pelo Purreru. Procurei por uma tomada, mas como não tinha e meu celular estava descarregando, resolvi colocar um desses trecos junto com a bateria. Humano fazendo merda.
Para a minha surpresa, funcionou. Meu celular carregou instantaneamente. Tentei ligar para alguém, algum amigo, minha colega de quarto, polícia, serviço social, mas não conseguia. Pelo menos dá para acessar a internet. Não sei como, mas a essa altura eu já tinha mandado a lógica para a puta que pariu.
Saí do lugar para dar uma caminhada. O cômodo ficava no corredor das guardas, isso significa que me deram um quarto? Saindo do prédio percebi que não havia mais ninguém na rua. Todos devem estar dormindo. A noite estava tão serena e o quarto crescente da lua apontava alto no céu. Uma grande paz me invadiu. Quando cheguei ao quiosque, apenas fechei os olhos e resolvi fazer tai chi.
Quando eu soube sobre a minha mãe, afinal não é preciso ser um gênio para saber que sou asiática, me interessei pelas origens dela, não é à toa que fiquei fissurada por mitologia chinesa antes de conhecer a grega, a egípcia e a nórdica. Não foi apenas isso. Pensa em uma criança de 5 ou 6 anos desviando do caminho do orfanato para se meter nas aulas de tai chi dos idosos no meio parque, isso quando não matava aula para pegar as aulas de tai chi da manhã. Ninguém sabia o que eu fazia lá, mas não se incomodaram em me ensinar.
Abandonei as práticas na pré-adolescência, afinal, pré-adolescente consegue ser mais idiota que adolescente. Bem mais influenciável, inseguro e louco para fazer as merdas que os adolescentes fazem. Não é à toa que um dia eu dormi emo e no outro acordei usando calça laranja e blusa verde limão para a minha fase colorida. Triste. Retomei a prática quando fui para a universidade porque era a única coisa que me impedia de surtar e tacar fogo na Anteros Academy.
Quase não sentia meu corpo se mover. Os movimentos eram automáticos e fluidos e minha cabeça estava em outro lugar. Parei assim que ouvi um barulho. Infelizmente nem o martelo e nem o canivete estavam comigo. Merda! Calma Tingsi, lembre-se do treinamento mais cedo com Valarian. Se precisar, chute no saco e taca pedra.
Dos arbustos saiu uma figura totalmente estranha, usando uma armadura preta e vermelha com um capacete horrendo e para o desgosto de Edna Moda, usava capa. É, eu vou precisar de uma pedra maior ou de uma turbina de avião. Se bem que um ventilador gigante também viria a calhar.
- Que é, nunca viu?
Ele não falou nada, só foi embora. Perdi totalmente o clima e voltei para o quarto. Desabei na cama e caí no sono, dessa vez, sem sonhos. No dia seguinte, acordei com o alarme do celular.
Cacete, estou atrasada! Levantei correndo da cama e fui caçar uma roupa no armário. Foi então que percebi que não tinha armário, na verdade não tinha porra nenhuma além de uma cama e uma cadeira. Foi então que eu percebi que não tinha sido um pesadelo, mas sim uma verdade fantasiosa que LSD nenhum seria capaz de causar.
- Pelo menos a gente pode ir. – Minha barriga roncou. – Café da manhã primeiro, depois a gente dá o fora desse lugar.
Os mascotes tinham conseguido sua própria comida, então fui até o restaurante para comer. Todos me olhavam estranho, cochichavam pelas minhas costas. Tentei ignorar, comi seja lá o que foi aquele treco horroroso, peguei minhas coisas e meus mascotes e fui para a saída.
- Tingsi, estava te procurando.
- Oi, Valarian. Aconteceu algo?
- Só vim te avisar que não vou poder treinar com você hoje, pois estarei em missão.
- Tudo bem, eu estava de partida.
- Também recebeu uma missão?
- Não, eu vou embora.
- Embora?! Para onde?!
- Qualquer lugar longe daqui já é um começo.
- Tem certeza? Lá fora pode ser perigoso, principalmente na floresta.
- Eu tenho mais medo de dormir no banco de uma praça do que em uma floresta.
- Pode haver bandidos e criaturas medonhas.
- Como se meu mundo fosse um puta lugar seguro. Eu posso ser morta no alojamento da universidade ou na porta do trabalho e nem precisa ser um assaltante para isso.
- Pelo visto não é muito diferente daqui. Nesse caso, eu só posso te desejar boa sorte.
- Obrigada. Se cuida.
- Você mais ainda.
Saí do prédio em direção ao portão. Acabei encontrando Valkyon e Jamon lá.
- Você realmente está disposta a ir?
- Preciso mesmo responder?
- Tingsi rude.
- Tudo bem, Jamon. Eu não vou te impedir. – Suspirei aliviada. – Mas você não vai conseguir voltar para o seu mundo como imagina.
- Eu posso tentar.
- É bem mais complicado que isso.
- E provavelmente você não iria me dizer mesmo.
- Tingsi, eu não a culpo por ser tão desconfiada de nossas intenções. Alguns aqui também são órfãos e tiveram que aprender a se cuidar muito cedo, por isso eu entendo suas ações. Eu também sou uma dessas pessoas.
Aquilo me pegou de surpresa. Primeiro que eu nunca tinha dito a ele que era órfã e segundo, ele também era?!
- Kero quem me contou que você cresceu em um orfanato.
- Sinto muito. – Foi tudo que consegui dizer.
- Não tem problema.
- Tingsi não precisa ir. – Tornou a dizer Jamon. – Guarda pode ajudar a levar Tingsi para casa.
- Ajudou muito quase arrancando meu braço e me jogando na prisão.
- Jamon não queria machucar Tingsi. – Ele fez uma cara tão fofa e tão arrependida, que eu não consegui manter a raiva por muito tempo.
- Eu não estou te pedindo para confiar na gente, mas as suas chances de voltar para casa serão melhores se continuar no QG. Você pode ir se quiser ou pode ficar e usar sua cabeça teimosa para encontrar uma solução que não envolva virar comida de Black Dog.
- O que Xuanwu diria?
A pergunta ecoava em minha mente. Eu finalmente tinha a chance de sair dali, mas ao mesmo tempo eu não sabia nada sobre aquele mundo. Talvez fosse melhor ir com cuidado, um passo de cada vez, como Xuanwu me ensinou há muito tempo.
- Por um tempo. – Falei com firmeza. – Se eu não encontrar qualquer forma de voltar, eu vou embora.
- Ótimo.
- E se eu descobrir que estão mentindo para mim, vão se arrepender.
- E o que você vai fazer?
- Querido, não duvide da capacidade do ser humano de fazer merda. – Eu só o vi franzir as sobrancelhas.
- Não me chame de querido.
- Tingsi desculpa Jamon por ter machucado?
- Sim, eu te desculpo.
- Bem, você já sabe onde é o seu quarto.
- Aquela cela?
- Quarto não é cela. – Disse Jamon.
- Jamon, as celas do meu mundo agora são assim, não mais masmorras. A diferença é que há uma parede com grades para ver o que os prisioneiros estão fazendo.
- É isso ou a prisão.
Supirei derrotada e voltei ao meu quarto com os mascotes. Pensei no que poderia fazer, então peguei um caderno e um lápis e desenhei um esboço. Claro que os mascotes queriam ver toda hora o que era.
- Acho que posso colocar um sofa debaixo da janela. Uma cortina legal, um espelho perto do armário, talvez um grafite naquela parede.... Agora só falta dinheiro para isso.
Já que vou ficar por aqui por algum tempo, pelo menos eu tenho que comprar um pijama, um armário e uma cortina para não acordar com o sol na cara. Olhei para a sacola de maanas e nem sei se era muito, vou precisar pesquisar para saber. Fui à loja de mascotes falar com Purreru.
- Senhorita Tingsi, como vai?
- Estou bem, e você? Como tem passado?
- Muito bem.
- Veio se despedir?
- Eu vou ficar por um tempo. Eu preciso da sua ajuda.
- Aconteceu algo com os mascotes?
- Não, eles estão bem. Eu só queria saber se você sabe de alguém que venda móveis ou que esteja doando. Ou pode ser um quebrado mesmo, eu dou um jeito de consertar.
- Claro, está redecorando seu quarto?
- Na verdade nem decoração ele tem. Eu tenho sorte de ter uma cama e olha que nem colchão tem.
- Isso é terrível. Bem, você pode encontrar alguns no mercado, mas vai precisar de muitos maanas.
- Obrigada, vou dar uma olhada.
Andando pelo mercado, não encontrei bem o que queria, fora que as coisas aqui são um rim, puta que me pariu! Eu precisava de maanas, certo? E os receberia se tivesse missões. Acontece que não havia qualquer missão para mim. Eles insistem em não me dar qualquer missão por achar que não estou no nível e o caramba. Eu só vejo duas opções: eu posso roubar maanas, mas Zhuniao e Baihu me ensinaram que é errado e se eu o fizesse, eles me dariam um puta esporro; ou eu teria que arrumar um jeito de trabalhar para isso.
- Trabalho por maanas! Faço faxina, comida, lavo roupas! Cuido de bebê, lavo janela!
Pensa em uma maluca gritando isso pelo mercado? Prazer, eu, Tingsi Zhu, desesperada por um emprego. A maioria estava desconfiada de mim, mas tiveram aqueles que foram atrás dos meus serviços. Carreguei compras para idosas por 2 maanas, varri a porta da casa de alguns moradores, dei fim ao lixo e lavei janelas. Eu até que estou acostumada com o serviço pesado. Quando trabalhava no bar, às vezes tinha que limpar vômito nos banheiros. Entrei na loja de alquimia para ver se o dono precisava de ajuda.
- Cuidado! – Ele gritou.
Um frasco caiu, mas consegui agarrá-lo no ar. Eu o entreguei ao gato de botas e chifres.
- Ufa, não quebrou. Você é boa.
- Obrigada.
- Precisa de alguma coisa?
- Eu estou fazendo faxina por maanas. Precisa de ajuda?
- Muita.
- Mas eu cobro.
- Mercenária!
- Tempos difíceis. Sou Tingsi.
- Purroy. Se quer mesmo ganhar maanas, o serviço aqui é pesado. Já limpou tubos?
- Sempre há uma primeira vez.
Acabei limpando a loja inteira. Claro que alguns elementos eu tinha que tomar cuidado, mas Purroy me dizia como fazer. Tinha poeira que parecia ser de anos, ainda bem que Shaneera trouxe um espanador. Levou a manhã inteira, mas terminei a faxina e fui paga. Minha barriga roncou, então entrei para tomar um rápido banho de pia e comer. É claro que ninguém entendeu nada, mas nem dei tempo, comi rápido e saí para procurar mais trabalho, dessa vez na loja do Purreru.
- Senhorita Tingsi, precisa de algo?
- Não precisa me chamar de senhorita toda vez que entro aqui.
- O que aconteceu com você?!
- Eu fui limpar a loja do Purroy e tomei um banho rápido na pia do QG. Estou fazendo faxina por maanas, precisa de alguém para varrer o chão e limpar as prateleiras?
- Certo, então.
Novamente limpei as prateleiras e dei um jeito no chão. Havia muitos ovos. Perguntei sobre cada um e Purreru me contou como os tinha conseguido e como capturava cada mascote. Descobri que até mesmo o espanador era uma isca.
- Preciso de roupas novas. – Declarei. – Estou sem uma calcinha limpa.
- Nesse caso, acho melhor falar com a Purriry. – Disse envergonhado. – Ela é dona da loja de roupas.
- Obrigada, farei isso.
Entrei na loja de roupas. A gata que estava lá me olhou dos pés à cabeça.
- O que aconteceu com você?!
- Estou fazendo faxina por maanas. Achei que poderia aproveitar e comprar algumas roupas novas porque eu só tenho essas.
- Achou certo. Vou te mostrar os novos modelos.
Ela me deu um tour pela loja. Me apresentei e ela disse que tinha ouvido falar de mim. Os modelos custavam um rim e eu não podia comprá-los agora.
- Você tem roupas mais baratas? Quem sabe até doação.
- Ora, uma menina bonita precisa de roupas bonitas.
- Mas eu não tenho onde colocá-las. Na verdade, nem armário eu tenho no meu quarto, por isso que estou trabalhando. Para comprar alguns móveis.
- Isso é impossível.
- É sério, eu posso te mostrar, se você quiser.
- Veremos.
Purriry me acompanhou até o meu quarto. Assim que entramos, ela soltou um grito alto.
- Mas isso é um desastre! Como podem te dar um lugar desses?!
- Não te falei?
- E essa cama parece que vai quebrar a qualquer momento!
- Por isso que estou trabalhando. Quero economizar maanas para comprar fazer uma decoração decente. Ou pelo menos ter um armário.
- Ah, mas deixa comigo! Uma garota precisa de um lugar decente para ficar. Tem alguma ideia do que quer fazer?
- Eu fiz um esboço.
Mostrei a ela o meu desenho. Ela fez comentários aqui e ali, pegou meu lápis, rabiscou o desenho todo e depois o levou com ela. Meus mascotes voltaram da exploração com mais alguns itens e espadas de madeira. Ezarel apareceu logo em seguida.
- Você não consegue ficar um dia longe de confusão?
- Eu não fiz nada. Afinal, o que está fazendo aqui?
- Me designaram a uma missão de extrema urgência nesse.... Espera, não me diga que a missão é decorar o seu quarto!
- Eu não pedi por isso.
- Mas eu pedi. – Surgiu Purriry passando pela porta.
- Desculpe Purriry, mas ela não vai ficar aqui por muito tempo. Nós iremos mandá-la para casa.
- Isso não é desculpa para dar um quarto ruim para a garota. Enquanto estiver aqui, precisa de um quarto decente. Quero tudo exatamente como está nesse desenho.
- Sim senhora.
- E você, pode me agradecer comprando roupas novas.
- Que bom, pois estou sem uma calcinha limpa.
- Seu caso é pior do que eu imaginava! Vamos para a loja, eu te dou um desconto em algumas peças íntimas.
Quase como uma ordem, eu voltei à loja de roupas. Comprei tudo o que precisava e mais um pouco.
- Pode deixar que eu me encarrego de levar para o seu quarto quando estiver pronto. Vá tomar um banho e troque essa roupa.
- Você quem manda. Sabe, eu notei que você não vende roupas para mascotes.
- E por que eu venderia?
- No meu mundo, há lojas que vendem coisas para animais de estimação, até mesmo roupas, casacos e acessórios. Muitas pessoas compram para eles não sentirem frio ou para deixá-los estilosos.
- Você tem um desenho sobre isso?
- Não, mas se meu celular pegar internet, eu posso te mostrar.
Tentei acessar a internet e consegui. Eu só não conseguia acessar as redes sociais e ele bugava para compras, mas consegui mostrar algumas imagens a ela. Roupas, sapatos, coleiras, casacos, lacinhos, gravatas.... Ela soltava cada grito quando via cada roupa que gostava, principalmente os casacos de grife. Ela também me pediu para ver algumas roupas humanas.
- Depois dessas imagens, vou abrir uma linha para mascotes com certeza!
- Quando vender, me avisa porque vou juntar dinheiro para comprar.
- Vai ser a primeira a saber. Vou falar com Purreru para saber quais tecidos ficam melhor em cada mascote. Agora se me der licença, tenho muito que fazer.
Saí da loja e fui tomar um banho. Coloquei roupas novas, um short branco, uma blusa azul e preta, um casaco preto que parecia ser de cachorro, umas botas bem legais, meias e uma espécie de luva também. Fiquei procurando o que fazer, já que estava livre, tirando umas pequenas coisas que fazia por maanas, mas nada de faxina.
Foi então que uma ideia cruzou a minha mente. Tinha mascotes no QG, talvez eu pudesse capturar um. Encontrei um coelho com chifres e tentei atrair com o regador. Não deu certo e acabei desperdiçando regador. Tentei de novo e não deu certo. Quando eu fui ver, tinha desperdiçado quase todos os regadores.
- Coelho do caralho! Sirius, mordida nele!
O Corko só olhou para a minha cara e mostrou a língua. Mandei Pandy e Shaneera, mas os dois também não entenderam. Por que eu não caí em Pokémon?! Eu estava prestes a tacar o regador no Pimpel quando ouvi uma voz.
- Nem pense nisso!
- Zhuniao? – Olhei ao redor, mas não vi nada.
- Isso é crueldade. – Escutei a voz de Qinglong.
- Se quiser pegar os mascotes, terá que seguir as regras desse mundo.
- Tente ser gentil com ele.
- Eu tentei, mas não deu certo!
- Quer parar de gritar que nem uma maluca?! – Foi a voz de Baihu. – Todos vão pensar que você é louca.
- Típico. É só uma garota gritar que é taxada de louca.
- Não tiro sua razão, mas para de falar sozinha.
- Tingsi, você não precisa falar em voz alta para te ouvirmos. – Aconselhou Xuanwu. – Conecte seu espírito com seu pensamento, nós poderemos ouvir assim.
- E como eu faço isso?
- Primeiro se acalme. Depois, se concentre em nossas vozes.
Fiz o que me pediu. Tentei me acalmar e depois tentei levar meus pensamentos até eles, onde quer que estivessem.
- Assim? Alô, alguém pode me ouvir?
- Não precisa disso, garota! Nós te ouvimos.
- Perfeito.
- E agora?
- Você é humana, encontrará uma solução.
- Está de sacanagem, Xuanwu! Porra!
- Olhe a boca, menina!
- Zhuniao, agora não é hora. – Ouvi Qinglong pronunciar. – E Xuanwu, você não tinha um conselho mais claro?
- Ora, humanos são seres criativos.
- E também mestres em fazer merda. – Disse Baihu.
- Gente, dá para silenciar? Preciso pensar!
Está bem, eu precisava de um plano. Tive uma ideia, eu poderia atraí-los com comida. Está bem que são selvagens e não daria muito certo, mas é como Xuanwu disse, eu preciso ser criativa. Comprei uma lótus preciosa na loja de mascotes e voltei para os jardins. Soltei o alimento perto da cerejeira e me escondi. Esperei um Pimpel se aproximar e comer o alimento. Foi então que eu joguei a água do regador nele e ele virou um ovo.
- Consegui! – Peguei o ovo e o beijei. – Eu consegui! Vocês viram isso?!
Mas as vozes tinham silenciado. Não fiquei brava com eles, pois se não os tivesse nos sonhos da minha primeira infância, eu seria uma causa perdida. Cada um me ensinou seu atributo. A Tartaruga Negra me ensinou a ter sabedoria, seja em minhas decisões ou resoluções de uma situação, embora eu não tenha dado ouvidos a ela várias vezes. O Pássaro Vermelho me ensinou ética, o que é certo e errado, a respeitar locais sagrados e as pessoas pelo que elas são e independente de suas escolhas, mas mandar tomar no cu está valendo. O Tigre Branco me ensinou a ter honestidade e retidão, a lutar pelas coisas e pelo meu espaço e a não mentir também, mas isso eu não posso prometer. Já o Dragão Azul me ensinou benevolência, pelo menos tentou. Não vou mentir, ele foi o que mais penou comigo. Também como ser boazinha com alguém que te sacaneia? Ou que bate em criança, mulher, idoso ou em bicho? Eu hein, sou Buda não!
- Sirius, aonde você vai?!
Sirius saiu correndo para fora do QG. Ainda não fecharam essa porta?! Que seja. Fomos para fora e lá encontramos Sirius perto de um Crylasm. Tentei capturá-lo e só consegui na segunda tentativa. Passamos o tempo capturando mascotes fora do QG. Quando os mascotes ficaram exaustos, nós voltamos. Eu carreguei dois ovos, os outros dois foram sendo empurrados pelos mascotes. Fomos até a loja do Purreru.
- Oi Purreru.
- Onde conseguiu todos esses ovos?!
- Eu capturei. Quantas incubadoras dá para comprar com os maanas que me restam?
- Uma.
- Duas pelo preço de uma? Por favor....
- Está bem, uma e uma luminária esmeralda para pegar Crowmeros.
- Feito!
O negócio parecia a lanterna do Lanterna Verde. Coloquei o ovo do Pimpel para chocar. Amanhã vou caçar emprego de novo.
- E então, como foi a conversa com a Purriry?
- Produtiva. Decidimos fazer poucos itens para ver como ficariam as vendas. Ela está fazendo duas caminhas para mim.
- Isso é ótimo!
- Ela também me contou sobre o seu quarto.
- É, ela fez o Ezarel decorar enquanto me fez comprar um monte de roupas.
- Isso é bem a cara dela. Por falar nisso, ela pediu para que fôssemos dar uma olhada, até mesmo para ver se os mascotes ficarão em um bom ambiente.
- Claro.
O ovo chocou nesse meio tempo e minha Pimpel nasceu. Eu a ergui para olhar para ela.
- Vou te chamar de Snowyn. Você vai ser a Pimpel mais linda desse mundo.
- Sem querer me intrometer, mas ele é macho.
- O que?!
- E agora é tarde para mudar o nome.
- Droga.
- Você só tem uma chance para dar um nome, então verifique bem se é o que você quer. Se tiver dúvidas, pode perguntar para mim.
- Muito obrigada.
Nós fomos até a loja da Purriry para pegar as roupas que eu tinha comprado e depois para o meu quarto. Ao abrir a porta me deparei com uma cama de verdade, com uma espécie de estrutura para cortina e vitral em cima. Tinha também um banquinho acolchoado aos pés da cama, duas mesas de cabeceira com cristais brilhantes, uma escrivaninha com cadeira acolchoada, alguns quadros, um baú, uma estante de livros, um sofá debaixo da janela com algumas gavetas, cortinas em tom forte, um canto com armário, espelho e uma poltrona, uma jardineira com plantas que eu não conhecia, um lustre e uma fonte. A janela até tinha um vitral. Os mascotes mal entraram e correram para o sofá, exaustos, tirando Snowyn.
- Agora sim, um quarto digno. – Disse Purriry.
- Tem até uma fonte! – Exclamei. – Isso não estava no desenho original.
- Querida, quase tudo aqui não estava no seu desenho, eu remodelei e refiz tudo.
- E a fonte será excelente para os mascotes beberem água e mascotes que precisam de água. – Disse Purreru.
- Há mascotes que precisam de água?
- Sim.
- Espero que goste. – Disse Ezarel.
- Obrigada, eu achava que você ia me sacanear e pintar de laranja.
- Não me dê ideias. – Ele riu. – Mas é claro que não poderia deixar um pedido da Purriry mal-feito.
- Acho bom.
- Purreru, tem algum livro que fala sobre mascotes e suas iscas?
- Infelizmente não.
- Que pena.
- Bem, vamos deixar você aproveitar seu novo quarto. – Disse Purriry. – Eu tenho muito que fazer.
Todos saíram e me deixaram sozinha. Guardei as roupas no armário, exceto o pijama que usaria naquela noite, ele ficou debaixo do travesseiro. Deixei os ovos ao lado do armário, pelo menos até pensar em um bom lugar para colocá-los. Shaneera, Pandy e Sirius estavam muito cansados e eu exausta, mas Snowyn tinha acabado de nascer, por isso estava com muita energia.
- Vai explorar, Snowyn, ainda tenho que guardar algumas coisas.
Ele não entendeu muito bem e se aproximou de mim. Esvaziei minha bolsa para lavar. Escondi as guloseimas e alguns objetos no baú, incluindo meu kit e minhas tintas e deixei o celular na mesa de cabeceira. Fui colocar as minhas roupas para lavar com Snowyn atrás. Eles ainda lavavam na mão, então logo aprendi a como lavar as minhas. Dava trabalho, mas no fim estavam limpas. Tive uma grande ideia. Novamente pedi para Snowyn explorar pelos jardins enquanto eu oferecia meus serviços no mercado.
- Lavo roupa! Tragam suas roupas sujas!
Não demorou muito e surgiram várias pessoas com roupa para lavar. Pelo visto ninguém aqui gosta de lavar roupa. Fui para o local da lavação lavar as roupas de todo mundo. Mas é claro que meu chefe teve que aparecer.
- Você não consegue ficar um dia quieta?!
- O que eu fiz dessa vez?!
- Soube que está fazendo missões de forma clandestina.
- Que missão?! Isso aqui é subemprego. Eu estou trabalhando para conseguir maanas como todo mundo.
- Tingsi, o seu trabalho não é esse.
- E qual é? Ficar mofando enquanto ninguém me diz o que é para fazer ou não me dá essas “missões básicas” achando que eu não dou conta? Para o seu governo, eu dou.
- Estou vendo. Até que sua estada no QG não será tão inútil assim.
- E você acha que nós fazemos o que na Terra? Para vocês, nós não limpamos, não cozinhamos, não trabalhamos, não fazemos porra nenhuma!
- Não foi isso que eu quis dizer. Eu só não sabia sobre suas habilidades.
- Qualquer pessoa que viva sozinha acaba aprendendo a fazer as coisas ou pagando alguém que faça. Eu tenho cara de rica para você? – Ele respirou fundo.
- Faça o que você quiser, mas a partir de amanhã você não vai mais trabalhar a menos que te designem.
- E eu vou fazer o que?!
- Irá se dedicar ao seu treinamento de combate. Eu também te inscrevi nas aulas de forja e alquimia para ter certeza de que não vai causar mais problemas pelo mercado e pelo refúgio.
- Que problemas eu causei?
- Fazendo missões ilegais, perturbando a ordem, gritando aos quatro ventos, fora que conseguiu fazer o Ezarel parar o que estava fazendo para decorar o seu quarto.
- Eu não pedi para a Purriry obrigar o Ezarel a decorar.
- Não quero saber, você está na minha guarda, logo é minha responsabilidade. – Disse de forma firme. – Ouvi reclamações sobre você o dia todo.
- Estão reclamando porque não têm porra nenhuma para fazer. Se estivessem lavando roupa, não teriam tempo para reclamar.
- Eu não vou discutir com você. – Ele parecia mais calmo. – Olha, tente não se meter em confusão. A situação já estava bem complicada antes de você chegar e estamos com poucos membros no QG agora.
- Pode deixar, sem trampo.
- Precisa de ajuda?
- Não, de boa. Eu me viro aqui.
Ele foi embora e eu terminei de lavar as roupas para entregar aos moradores. Ah, mas se eu descubro quem foi o X9 que acabou com meu trampo, vou botar laxante na comida dele. Voltei para o quarto com Snowyn depois de devolver as roupas. Coloquei meu pijama e fui dormir.
Chapter 4: Capítulo 4
Chapter Text
Acordei com os mascotes pulando na cama. Essas criaturas têm muita energia. Ainda grogue pelo sono, peguei meu celular para ver a hora, esqueci que o relógio tinha parado e só indicava se era manhã tarde ou noite. Muito útil.
- Já acordei! – Reclamei.
Levantei puta, afinal, hoje seria minhas aulas de alquimia e de forja, mas aí lembrei que meu querido chefe não tinha me dado os horários. Ótimo. Coloquei uma roupa e abri a porta. Tropecei em algo que estava lá.
- Merda!
Procurei pelo que tinha tropeçado, mas o corredor estava escuro. Espera, ainda é madrugada? Mas que porra! Tateei pelo escuro, mas não tinha interruptor no meu quarto. Acendi a lanterna do celular e quando me acostumei com a claridade cegante, vi que tinha uma caixa de papelão na porta do meu quarto. Havia um papel dobrado ali como meu nome escrito de forma elegante.
- Quem deixou isso aqui?
Empurrei o negócio para dentro e fechei a porta. Os mascotes não paravam quietos. Antes de abrir a caixa, eu desdobrei o papel. A caligrafia era tão rebuscada que tive problemas para entender.
Não pergunte a ninguém sobre o conteúdo dessa caixa, eles não têm ideia do que seja e isso só lhe trará problemas. Eles também não saberiam o que procurar e muito menos trazer para cá.
Um amigo.
Mas que porra?! Entendi nada, mas abri a caixa. Meu queixo caiu. Eu fiquei sem reação, só olhando os itens que estavam lá. Meu notebook que eu tinha comprado com muito custo, minha mesa digitalizadora, escova de dentes, bolsa de remédios, maquiagem, minhas latas de spray, umas poucas roupas e itens pessoais que estavam no meu dormitório da universidade, além de um saco de maanas. A única coisa que não estava ali eram várias das minhas roupas. Aquilo me deixou desnorteada. Como?! Como eles...?!
Eu não via mais nada, tudo era turvo e negro. Mil pensamentos passavam pela minha cabeça, mas não conseguia me concentrar em nenhum deles. Voltei à realidade quando um jato de água jogou na minha cara. Ao perceber o que estava acontecendo, vi Sirius na beirada da fonte. Ele cuspiu mais água no meu rosto.
- Sirius! Que nojo!
Peguei uma toalha para secar o meu rosto e ele cuspiu de novo, dessa vez por diversão. Reclamei com ele, mas o desculpei quando fez uma carinha fofa de cão sem dono. Voltei a olhar a caixa e depois o bilhete. Reparei na caligrafia, se fosse alguém, teria uma letra elegante, talvez eu pudesse descobrir quem era. Pensando bem, não tinha como alguém do QG saber sobre o meu dormitório, eu nem falei o nome da faculdade ou do meu curso! E se essa pessoa trouxe as minhas coisas para cá, isso só pode significar duas coisas: 1- essa pessoa sabe como transitar entre os dois mundos; 2- eu tenho um stalker!
Mano, essa pessoa deve me conhecer do meu mundo! Isso é bizarro, mas então por que me entregar as minhas coisas?! Liguei meu notebook e minha mesa atrás de algum aplicativo espião, mas não havia nenhum. Isso não faz sentido, mas por outro lado, estou feliz de ter minhas coisas de volta. Demorei horrores para pagar as parcelas do notebook e da mesa digitalizadora. Não adianta pensar nisso agora, voltei a dormir. Quem sabe de manhã eu não descubro alguma coisa?
De manhã, a primeira coisa que fiz foi ligar meu notebook e tentar entrar nas redes sociais. Claro que não deu certo, então pus maanas nas baterias dos eletrônicos. Assim como meu celular, tinha acesso à internet, mas não a qualquer meio de comunicação. Frustrada, guardei os eletrônicos no baú para não correr o riso dos mascotes quebrarem e saí do quarto.
Ao amanhecer fui tomar café da manhã. O lugar estava vazio, já que tinham poucas pessoas no QG. Encontrei Nevra tomando o café dele, claro que não perdi a oportunidade de falar com ele.
- Oi Nevra, tudo bem?
- Finalmente decidiu que não pode resistir aos meus encantos?
- Ridículo. Vim perguntar se sabe que horas começam as aulas de alquimia e de forja.
- Por quê?
- Valkyon me inscreveu, mas não me passou os horários.
- Então ele achou um jeito de te manter longe de problemas? Isso é genial.
- Haha, vai sonhando que vai ser fácil assim. Os problemas me procuram até quando estou dormindo.
- Imagino. Bem, as aulas de alquimia devem começar daqui a pouco e geralmente as aulas de forja são depois.
- Obrigada.
- Vê se tenta não melecar a sala inteira.
- Com a sorte que eu tenho, é capaz da sala não ter mais teto.
- Ainda bem que você é responsabilidade do Valkyon.
Terminei o café e fui para a sala de alquimia. Para o meu azar, quem ministrava as aulas era o Ezarel. Tentei dar o meu máximo, mas só saía merda. Ou esse elfo está me passando instruções erradas como vingança ou eu sou uma bosta em alquimia. Ou podem ser os dois. A aula terminou com uma gosma verde e viva ambulante rastejando atrás dos alunos e do elfo, nem preciso dizer que eu quem criei o projeto de Muk. Acontece que a gosma deixou um rastro escorregadio no chão e quem passava, escorregava.
Por sorte a aula de forja iria começar e deixei que o Ezarel se virasse com a meleca. Claro que o Valkyon seria o supervisor das aulas de forja e aproveitou para ficar de olho em mim. A aula foi um desastre, derrubei o metal no chão, passei do ponto, quebrei a lâmina, mas poderia ser pior.
- Me encontrem na cerejeira depois de comer. Irei treinar a turma em combates.
Nós vimos um figurante aleatório escorregar na meleca no chão e dar de cara na parede. Valkyon apenas olhou para mim e arqueou a sobrancelha.
- Eu que não vou limpar. Eu limpo por maanas e você me proibiu de trampar.
- Proibi de que?
- Trampar, trabalhar. Sem maanas, sem trampo.
- Só vai comer e me encontre depois.
E assim o fiz. Terminando o almoço tardio, eu fui para a cerejeira. O próprio Valkyon quem instruiu a pequena turma nos combates. Nem preciso dizer que os outros eram mais avançados do que eu. Eu tive que trocar golpes contra um deles até. Eu já tinha entrado em brigas algumas poucas vezes, mas nada como aquilo, aquilo não era uma briga fora da escola, era combate mesmo.
Meu oponente veio para cima de mim, mas eu desviei de forma totalmente improvisada. Acontece que em um golpe que bloqueei, o infeliz enfiou a perna dele por entre as minhas, me derrubou e ainda pisou no meu tornozelo. Ah, mas esse filho da puta não perde por esperar. Anos tentando imitar as divas pop me ensinaram que o chão é o melhor palco, então no chão mesmo, prendi as pernas dele com as minhas e o derrubei.
Eu me levantei pleníssima. Mentira, minha perna doía para cacete. Ele tentou fazer o mesmo comigo, mas anos de tai chi me ensinaram a ter equilíbrio e movimentos fluidos, então escapei da armadilha e ainda dei um pisão no tornozelo dele. Infelizmente foi com a perna ruim, então ficamos os dois sentindo dor e segurando o local. Ele no chão e eu me recusando a cair no chão.
- Já chega. – Escutei Valkyon falar. – Os dois já para a enfermaria.
Na enfermaria, conheci Ewelein, uma elfa bonita de cabelo azul claro e chefe da enfermaria. Para a minha sorte, eu só torci e o cara também. Tive que tomar uma poção para a dor e colocar gelo para desinchar. Pelo menos eu pude voltar para o quarto, depois de prometer 500 vezes que iria continuar com a bolsa no tornozelo.
Fiquei no meu quarto com a perna em cima de um travesseiro com uma bolsa de gelo em cima e o notebook no colo. Shaneera, Sirius, Pandy e Snowyn tinham voltado trazendo mais coisas e quando me viram naquele estado, rapidamente subiram na cama e não saíram do meu lado.
- Alguém quer ver um filme?
Eles me olharam curiosos, então apontei para a tela. Fui procurar por um filme baixado por vias questionáveis porque eu não sou rica para pagar Netflix. Como eles eram bebês, optei por uma animação. Coloquei A Bela e a Fera para eles assistirem. O movimento na tela chamou a atenção deles com o castelo da Disney sendo desenhado. Eles só desgrudavam os olhos da tela quando eu cantava junto com o filme. Sirius e Pandy até tentavam acompanhar, mas eram dois desafinados.
A cena era da invasão dos aldeões ao castelo da Fera. Prendi a respiração junto com eles, afinal, as coisas estavam chegando ao clímax. O Gaston iria enfrentar a Fera quando algum arrombado bateu na porta. Eu tive que pausar o filme para a minha frustração e o desespero dos mascotes.
- Tingsi, sou eu, o Leiftan. Posso entrar?
- Um momento!
Rapidamente eu semifechei o notebook e o coloquei debaixo da cama para ele não ver. Permiti a entrada dele ao mesmo tempo que disse para a minha turminha não contar para ele sobre o aparelho ou eles ficariam sem saber o final do filme. Os mascotes não estavam com um humor bom para recebê-lo.
- Aconteceu alguma coisa com eles?
- É que você interrompeu uma história que estava mostrando para eles. Aconteceu alguma coisa?
- Eu soube do que a aconteceu no treino e vim saber como você estava. Não foi sério, foi?
- Não, eu só torci. Com as poções que a Ewelein me deu e o gelo, deve ficar bom amanhã.
- É bom ouvir isso.
- Se bem que eu acho que o cara fez de propósito.
- Não duvido. Muitos não gostam de humanos.
- Vocês nem conhecem os humanos para dizer isso.
- Na verdade, os humanos são a razão de terem criado Eldarya.
- Como é?
- Acho melhor perguntar a Kero sobre isso, eu não sou muito bom em história. Pelo que eu sei, Eldarya foi criada para refugiar as criaturas dos humanos.
- Entendo. A gente faz muita merda e por pouca coisa. É só ver a Segunda guerra Mundial.
- Segunda guerra Mundial?
- É, você sabe, Hitler, Roosevelt, Churchill, o Dia D....
- Sinto muito, mas eu não entendo uma palavra do que está dizendo.
- Espere aí, quando foi que se exilaram?
- Eu não sei exatamente, por muito tempo nós não nos preocupamos em documentar a nossa história.
- Qual a última coisa do mundo humano que você ouviu falar?
- Antes de você, bem.... Joanna D’Arc, eu acho.
- Isso foi na Idade Média. – Comecei a fazer conta de cabeça, demorei um tempo até vir a resposta. – Pelo menos uns 500 anos! 590 e alguma coisa! Quase 600!
- 490. Pelo pouco que me lembro das aulas de história, nosso mundo foi criado 100 anos depois da morte de Joana D’Arc.
- Puta que pariu!
Ouvimos batidas na porta. Era Valkyon pedindo para entrar. Leiftan se despediu e saiu, trocando de lugar com meu chefe. Meus mascotes só faltaram surtar.
- Qual é o problema deles?
- Querem saber o final da história. O que veio fazer aqui?
- Vim conversar sobre o que aconteceu no treino.
- O que eu fiz dessa vez?
- Nada. – Me surpreendi.
- QUE?!
- Tingsi, você não fez nada. Se eu soubesse o que iria acontecer, eu teria te colocado para treinar com outra pessoa ou nem teria feito isso.
- Explica aí que eu não estou entendendo nada.
- O golpe que recebeu foi proposital, a lesão poderia ter sido mais grave.
- Aquele filho da....
- Muitos acham que os humanos não são confiáveis. Eu não posso culpá-los por isso.
- Ah, mas você vai ver! Eu vou treinar dia e noite para jogar na cara desse povo!
- Eu mesmo não te acho confiável, mas como está sob minha responsabilidade, eu preciso cuidar de você.
- Eu não preciso ser cuidada, eu preciso de meios para me defender. Vocês não sabem nada sobre os humanos.
- Eu sei que graças a vocês tivemos que criar essa terra para nos exilarmos. Acha que estaríamos no seu mundo se não tivéssemos nos exilado?
- Talvez! Nós mesmos somos filhos da puta uns com os outros, mas também temos pessoas maravilhosas no nosso mundo. Fora que as coisas mudam! Monarquias caíram, escravidão foi abolida há o que, mais de 200 anos?! Hoje em dia pessoas do mesmo sexo podem se casar e alguns templos religiosos fazem o casamento, coisa que no tempo de vocês lá não acontecia. Sabia disso?
- Não...
- Pois é. Nós também temos leis trabalhistas, nós escolhemos os nossos governantes pelo voto, as mulheres não são mais propriedade do marido ou do pai, há leis contra violência doméstica, muitas lutas pelos direitos das mulheres, das crianças, dos gays, das lésbicas, dos trans, das pessoas LGBT+, muito se discute sobre liberdade sexual e até mesmo sobre relacionamentos entre 3, 4,5, mil pessoas. Tem muitos desgraçados que parecem viver no passado e são uns cuzões, tem, mas tem pessoas que estão tentando mudar isso e aos poucos conseguindo. Ainda há muito a ser feito, mas e vocês, o que têm feito nesses 490 anos além de culpar os humanos pelo exílio?
Ele ficou sem saber o que dizer. Eu só escutei Baihu gritar como se fosse o meme do Turn Down for What e Qinglong perguntando se era mesmo necessário, mas eu tenho a impressão de ter ouvido alguém gritar “pisa mais que está pouco”, só não sei se foi a voz de Zhuniao, da serprnte ou de algum espírito que devia ter escutado a discussão.
- A questão que é que não é possível saber como seriam as coisas se vocês nunca tivessem se exilado. Mas se antes as pessoas que eram oprimidas lutaram para terem melhores condições de vida, e hoje ainda lutam, eu não vejo por que vocês não poderiam também. O casamento LGBT+ foi aprovado a muito pouco tempo, há países que ainda é proibido e países em que ser assim dá pena de morte, mas há muita gente lutando para mudar isso. Com a internet então, fica mais fácil se organizar e ter acesso a informações.
- O que é LGBT+ e internet?
Tive que explicar para ele o que significava a sigla, as letras depois do mais e o que era internet. Eu tentava explicar o melhor possível. Também expliquei a ele sobre o que tinha mudado, sobre direitos das mulheres, que alguns países ainda as tratam como propriedade, crimes de guerra, direitos dos animais, poliamor, enfim, muitas questões. Ele ficou chocado com muita coisa e se enrolou com as letras da sigla. As três primeiras ele sabia o que era, mas do T em diante era novo, por assim dizer. Em uma coisa nós pudemos concordar: humanos eram complicados.
- Quando se trata de humanos, nós não somos bons ou ruins. Tem gente que é escrota que nem o cara que tentou quebrar o meu tornozelo, tem gente que é ruim e tem gente que é como o Kero, gentil e que tenta ajudar os outros. Eu tenho que me desculpar com ele.
- Seria bom. Sempre ouvi dizer que humanos eram egoístas e gananciosos.
- Nós somos isso também, mas também podemos ser solidários e gentis. Não somos pretos ou brancos, somos cinza, e talvez sejamos mais parecidos em alguns aspectos do que imagina.
- Como quais?
- Não sei, vamos descobrir.
- Por enquanto se cuida e amanhã estará dispensada do combate, mas só amanhã por causa do tornozelo.
- Entendido, capitão.
Ele saiu do quarto e fechou a porta. Xuanwu me parabenizou pelo diálogo que tivemos e me alertou para tomar cuidado. Eldarya também era evoluída em alguns aspectos, mas era medieval em outros. Peguei o notebook e coloquei no colo.
- Quem quer ver o final do filme?
Os mascotes se animaram e voltamos à assistir a cena. Eles ficaram chocados e maravilhados também, então coloquei Tarzan. É incrível como as músicas têm outro significado quando a gente cresce, ainda mais Two Worlds (Dois Mundos) e Son of a Man (Como um grande homem deve ser), essa então eu me empolguei ao cantar e me identifiquei ao mesmo tempo. Acho que será a música da minha vida nos próximos dias.
No dia seguinte eu só fui para as aulas de alquimia e forja. Meu tornozelo estava melhor, mas assim como Valkyon, Ewelein achou melhor não forçar. Então fui para a loja do Purreru para comprar mais incubadoras. Nesse meio tempo, meus mascotes conseguiram mais um ovo.
- Tem certeza de que vai conseguir lidar com tantos?
- Eu dou meu jeito. Tem gente que tem uns vinte bichos em casa no meu mundo.
- Minha nossa!
- Eles também não dão muito trabalho.
- Eles me parecem felizes.
- É, estamos tirando um tempo juntos.
Os ovos eclodiram. Nomeei o meu Crylasm de Cryn, o Plumbec de Plum, a Liclion de Lily e o Jipinku de Jinp e ainda errei a grafia já que era para ser Jimp, mas agora já era. Ah e também tem o ovo que trouxeram, era um Crowmero que chamei de Crownin. Enquanto os mascotes exploravam e mostravam o lugar para os novos amigos, eu fui até a biblioteca me desculpar com Kero.
- Tingsi, não esperava vê-la aqui.
- Eu vim me desculpar pelo lance do mascote do Mery. Eu acabei não vindo antes, mas eu sinto muito.
- Tudo bem, o que importa é que o mascote está bem, mas você se arriscou muito na floresta.
- Eu não sei o que vocês tanto falam dessa floresta, eu não encontrei nada, nem vivo e nem morto.
- Isso é bom, eu acho.
- Qual é a história desse lugar? Pelo que conversei com Leiftan e Valkyon ontem, teve um exílio 100 anos depois da morte da Joana D’Arc. Isso dá 490 anos e uns quebrados da minha época.
- Quatrocentos e noventa anos?! Em que século vocês estão?
- No século XXI.
- Caramba! E a gente só passou a documentar a nossa história há um século. O que aconteceu por lá?
- Coisa pra um caralho. Vamos fazer uma coisa? Você me conta a história de Eldarya e que raios de exílio é esse e eu te conto o máximo que eu puder do que aconteceu por lá.
- Está bem.
Ele me contou que havia três raças poderosas: os dragões, os daemons e os fenghuangs. Esse último eu conhecia, era chamado de fênix chinesa, embora fosse diferente da fênix egípcia e se assemelhava mais a Zhuniao. Só que antigamente os machos eram chamados de Feng e as fêmeas de Huang, mas acabaram juntando em uma coisa só e transformando em uma entidade feminina para ser comparado ao dragão chinês, uma vez que era tido como masculino.
- Você já ouviu falar deles?
- Eu era viciada em mitologia, se bem que mitologia parece ser real no seu mundo.
- Entendo. Para os humanos nós somos apenas mitos?
- Sim. Há algumas pessoas que acreditam em fadas e sereias ou em vampiros e lobisomens, mas no geral é mais um universo fantástico. O que aconteceu depois?
Ao que parece, os três decidiram que os dragões e os daemons iriam se sacrificar para o bem dos demais raças por serem muito poderosos, só que alguns daemons traíram o rolê e com isso se corromperam e agora Eldarya é infértil e tem uns portais que eles usam para conseguir comida na Terra, mas são inconstantes e ao que parece um cu de abrir e por isso devia ser difícil de me mandar para casa.
Ele também me contou sobre o cristal que foi quebrado e tornou tudo mais perigoso, os habitantes fracos, loucos ou agressivos e o caramba. E alguns eventos também. Sério, eu já li fanfics mais elaboradas que a história desse lugar. Até mesmo a mitologia nórdica que era em sua maioria oral e a celta que além de oral era regional têm mais coisas que a história deles.
Contei ao Kero sobre o que aconteceu com a história humana. Sobre a Peste Negra e as péssimas condições sanitárias, sobre a ascensão da burguesia, sobre o renascimento, sobre as grandes navegações que levaram os europeus a explorarem a América, a África e a Oceania, sobre a revolução industrial, a inquisição, a queda do absolutismo e os modelos da república e o parlamentarismo, o fim da escravidão, as inúmeras guerras que enfrentamos até a primeira e a segunda guerra mundial, a Guerra Fria, a descolonização....
Kero ficava impressionado e ao mesmo tempo chocado e perdido com tudo que eu dizia. Ele sempre me perguntava sobre tudo e eu tentava explicar da forma mais clara possível para ele. Muitas coisas não entravam na cabeça dele, como o fato de termos criado armas de destruição em massa, mas eu também dei exemplos de pessoas boas que ainda existiam por lá. Falei de Gandhi, do Oscar Schindler, da Irena Sendler, da Madre Teresa, que a energia nuclear também pode ser usada para levar luz às casas. Também falei das lutas pelos direitos humanos que estavam acontecendo, dos direitos trabalhistas, do movimento sufragista, o movimento LGBT+, lutas para acabar com o racismo e outras coisas que mostravam que estávamos querendo progredir socialmente. Falei também sobre a corrida espacial e do homem na lua.
- A lua?!
- Por incrível que pareça sim. Alguns acham que é falso, mas não encontramos nada lá.
- Fascinante. Vocês não encontraram os Selenitas?
- Selenitas, que isso?
- É o povo da lua. Dizem que são ancestrais dos Lorialets.
- Que isso?
- Os Lorialets são os filhos da lua. Alguns dizem que se alimentam de raios lunares. Leiftan pode te ajudar, pois ele é um.
- E os Selenitas?
- Sinto muito, eu não tenho muitas informações sobre eles. Não sabemos nem se eles ainda existem ou foram extintos.
- Se existirem, ou eles foram muito espertos em se esconder dos humanos ou o governo dos Estados Unidos está escondendo eles da gente. De qualquer forma, a lua não nos interessa mais. Nós estamos enviando sondas para Marte.
- Isso é possível?!
- É. Ah, Kero, com essa confusão toda, eu esqueci de dizer que eu encontrei uma coisa estranha na floresta enquanto procurava o Crylasm.
- O que?
Mostrei a ele o cristal que achei. Ele me disse para levá-lo até Miiko. Foi o que eu fiz. Ela estava conversando com Leiftan. Quando viu, ela reuniu todos os chefes da guarda para discutir e colocou o fragmento junto ao enorme cristal. O treco começou a brilhar, surgiu uma criatura toda estranha do nada, falando um troço que ninguém entendia e apontou para mim.
- Que porra é essa?!
Tentei chegar para o lado, mas o braço continuava estendido para mim. Saí correndo ao redor da sala que nem uma louca, mas não tinha jeito. Para onde quer que eu fosse, a coisa apontava para mim. Até que ela sumiu.
Todo mundo ficou chocado e se perguntando o porquê daquela coisa ter aparecido para mim, mas eu tinha questões mais importantes. Então respondi a pergunta que tinha feito e fui repreendida porque ela era o Oráculo, espírito do cristal, que aparecia em eventos importantes e o caralho.
- Talvez ela tenha....
- Talvez....
- Não, ela não pode ter.....
- Galera, dá para parar com esse suspense de quinta e ir direto ao ponto?
- Achamos que você possa ter sangue Faery.
- Que droga vocês estão usando?!
Eu que entro em um círculo de cogumelos e esse povo que fuma. Acontece que eu vou ter que fazer um teste para descobrir, mas como estava tarde, deixamos para amanhã. Voltei para o meu quarto e para os meus mascotes. Abracei todo mundo, falei com eles, coloquei os mesmos filmes de ontem para eles assistirem enquanto fiquei no sofa debaixo da janela vendo a lua e desenhando na minha mesa digitalizadora enquanto escrevia algumas anotações no meu caderno. Purreru disse que não havia livros sobre os mascotes, então enquanto eu estiver aqui vou documentar a porra toda.
É estranho que eles só tenham decidido documentar suas histórias nos últimos 100 anos, sendo que nós humanos fazíamos desde a antiguidade. Fora que temos historiadores, arqueólogos, antropólogos e paleontólogos preocupados em resgatar o passado, mesmo sem registros escritos. É engraçado, eles são desconfiados dos humanos, mas nós também estamos preocupados em documentar, pesquisar e nos aprimorar.
Tive uma ideia. Larguei tudo que estava fazendo para pegar a minha caixa. Era um portal para o mundo espiritual, então eu deveria abri-la espiritualmente? Não custa tentar. Sentei com as pernas cruzadas e tentei fazer aquele negócio, eu não esperava ser sugada sei lá para onde. Quando vi, estava ofegante, sem a caixa e no lugar de sempre.
- Devia tomar mais cuidado ao manejá-la. Não irá gostar de parar aleatoriamente em um plano desconhecido.
- Xuanwu! Exatamente quem eu estava procurando.
- Pois diga.
- O que você acha dos humanos?
- O que você acha?
- Às vezes acho que fomos um erro e que seria melhor um meteoro extinguir o ser humano.
- Nada na natureza é um erro. Tudo é criado para haver equilíbrio. Humanos são seres como quaisquer outros, dotados de bem e mal. Nada é dotado apenas de um ou de outro, nem mesmo a luz e as trevas.
- Saquei, Yin e Yang.
- Entendeu mesmo?
- Não. Como é que a luz pode ser ruim e as trevas podem ser boas?
- A luz pode cegar e as trevas podem revelar verdades dolorosas. Humanos são seres complexos, é verdade, ambiciosos, não que isso seja algo ruim.
- E como isso pode ser algo bom?
- Ambição em si não é ruim, os meios que você utiliza para realizá-la sim. Se os humanos não fossem ambiciosos, ainda estariam morando em cavernas.
Fazia sentido. Pensei em tudo que tinha conversado com Kero mais cedo, sobre nossas invenções e o quão longe chegamos. Estávamos enviando sondas para Marte!
- Mas a que preço?
- Essa não é uma pergunta que eu devo responder. – Tradução: se vira para descobrir. – Você mesma disse a vários deles que os humanos também podem ser bons.
- Sim, mas....
- Eles não sabem o que você ou qualquer humano é capaz. Há três palavras que definem os seres humanos.
- Hipócritas, egoístas e gananciosos?
- Ambiciosos, imprevisíveis e adaptáveis. Vou deixá-la meditar sobre isso.
- Xuanwu, espera! E se eu não for uma humana? Sabe....
- Você tem sangue humano, logo é humana. Suponhamos que você não seja totalmente humana, você continuará sendo humana, mesmo que em partes. Não pode mudar sua natureza, Tingsi, mas pode mudar suas escolhas.
- Mostre o lado bom dos humanos. – Qinglong surgiu do nada.
- Qinglong, você estava ouvindo?!
- Eu e Baihu.
- Zhuniao achou um absurdo espionar, por isso não está conosco. Só não entendo por que ele precisa fazer tanto drama para isso.
- Típico. – Falei, afinal, ele tinha como atributo a ética. – E vocês, o que acham?
- Quer mesmo saber?
Vindo de Baihu poderia esperar o pior, afinal o atributo dele é a retidão, além de força, coragem e justiça. Ele nunca mente e às vezes ele é bem direto, o que chega a ser cruel.
- Você mesma disse que vocês também são bons. – Disse Qinglong. – E citou várias benfeitorias que fizeram, inclusive suas lutas por igualdade. Sei que há muito a ser feito, mas se persistirem por esse caminho, talvez um dia possam conviver juntos novamente.
- Isso depois de um monte de guerras e cagadas.
- Estragou todo o clima, Baihu. – Comentei cruzando os braços e batendo o pé.
- Não podemos esquecer que os humanos também possuem uma natureza maldosa, mas os Faeries não são diferentes. Ignorância não tem raça, coloque isso na sua cabeça. E mais uma coisa, você precisa de treinamento.
- Baihu, você sabe que não podemos interferir. – Disse Xuanwu.
- Se orientar fosse interferir, então todos nós temos nossa parcela de culpa.
- E o que você planeja? – Perguntei.
- Eu vou te ajudar a dominar o corpo.
- Eu posso ajudar a dominar o espírito. – Disse Zhuniao aparecendo do nada e chamando a atenção de todos. – Vim pedir para participar da conversa, mas como estão querendo me irritar, vou apenas concordar.
- Então eu irei ajudá-la com os sentimentos.
- Já que vocês estão tão dispostos, eu posso orientá-la a dominar a mente, mas você terá que fazer tudo sozinha.
- Obrigada, eu acho.
- Se bem, que você precisa mesmo é de um psicólogo. – Tornou a dizer Baihu.
- Hei!
Voltei ao meu quarto. Os mascotes não tinham percebido, ainda bem. Quando acabaram os filmes, me deu vontade de ouvir música, então coloquei alguma para tocar. Parecia que a normalidade tinha voltado dentro do possível. Senti saudade da época em que estava com meus amigos tanto da escola quanto da faculdade, quando ia às festas e até do trabalho.
Chapter 5: Capítulo 5
Summary:
Um teste pode mudar completamente sua vida, se para melhor ou para pior, não sei dizer.
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Assim que o dia amanheceu, tive que encontrar todos no laboratório de alquimia. Ezarel quem faria o teste e ele não estava muito feliz com isso. Eu teria que encontrar os ingredientes que nunca tinha ouvido falar na vida.
- E onde eu acho isso?
- Se vira.
Fui até Kero perguntar sobre os ingredientes. Bem, a fruta selenita eu poderia encontrar no mercado junto com outras coisas e as pedras na forja. Tinha os frutos de sei lá o que, eu os encontraria na floresta. Foi o que eu fiz e enquanto passava pelo quiosque, vi os mascotes brincando, Sirius veio carregando um graveto.
- Quer brincar?
Peguei o graveto e o joguei. De novo e de novo até lembrar da minha missão. Eu iria dizer para brincarmos depois, mas Sirius me trouxe um fragmento de cristal no lugar do graveto.
- Onde achou isso?
Guardei no bolso e fui até a floresta. Enquanto procurava pelos frutos, me deparei com um círculo de cogumelos. Eu pulei dentro dele, mas nada aconteceu. Tentei entrar no mundo espiritual, mas não deu muito certo. Tentei mais algumas vezes, mas fui interrompida por uma dupla. Uma tinha a pele bronzeada e escamas azuis pelo corpo enquanto a outra tinha o cabelo ruivo orelhas de coelho.
Quando elas perceberam que eu era humana, queriam me levar até Miiko a qualquer custo. Não importava o que eu tentasse dizer, não me davam ouvidos. Elas iriam me arrastar de volta para o QG. Ah, mas eu não ia mesmo!
- CHEGA! – Gritei o mais alto que pude e me soltei das duas malucas. – Eu já falei com a Miiko, está bem, todo mundo naquela merda daquele QG me conhece e já estou em uma das guardas. Se me dão licença, eu tenho uma missão a cumprir.
Saí de perto quase correndo. Onde eu estava? Ah, a seiva de cedro dourado. Eu preciso descobrir como entrar no mundo espiritual para achar, já que não achei no material. Tentei novamente, mas nada. Se eu estivesse na Terra em um rolê no cemitério com meus antigos amigos do colégio, eu já estaria chorando para sair de lá.
- Poupe suas energias, a brutalidade nunca foi necessária para resolver questões espirituais.
- Zhuniao?
- Eu disse que iria ajudá-la a fortalecer o espírito, não? Se tivesse procurado um médium ou xamã em seu mundo, me pouparia trabalho.
- E como eu iria saber?! Eu não pedi para ver espíritos.
- Eu sei. O espírito é fortalecido quando o corpo e a mente são fortalecidos. Acessar o mundo espiritual requer prática, felizmente você tem facilidade. Respire devagar.
Fiz o que me foi pedido. Zhuniao me passou um exercício de respiração e disse para não me irritar ou teria que recomeçar tudo.
- Concentre-se ao seu redor. Sente o vento? Ouve os sons da floresta? Eles falam. Consegue ouvir suas vozes?
- Que vozes?
- Foco, menina. Esvazie sua mente, relaxe o seu corpo.
- Desse jeito eu vou acabar dor.... AH!
Eu tinha aberto um dos olhos para olhar a floresta e dei de cara com quem? O cara mascarado da outra noite.
- Você de novo?! Que foi, a guarda te mandou para ficar de babá?
- Menina tola, eu não sou da guarda. – Ele disse.
- Aí, só quem me chama de menina é a galinha flamejante do sul.
- Não abuse.
- Se não é da guarda, quem é você?
- Digamos que eu seja um aliado. Pode me chamar de Ashkore.
- Então sabe como eu volto para a Terra?
- Talvez.
- E não vai me dizer, né desgrama?
- Não.
- Que belo aliado eu arrumei.
- Você é muito ingrata, menina.
- Desculpa se eu caí em um mundo onde não conheço ninguém e ninguém aqui me parece confiável.
- Apesar de tudo não é tão tola como pensei. Não preciso te dizer para não confiaria na guarda.
- Não mesmo.
Ele foi embora. Eu não entendi, mas não ligo. O que eu estava fazendo mesmo? Fiquei remoendo um tempão até me lembrar. Voltei a fazer os passos que Zhuniao tinha falado.
- Zhuniao, o que acha desse cara?
- Não estou aqui para julgar, mas para te ajudar com sua espiritualidade, visto que ninguém será capaz disso.
- Então, como estou indo?
- Apenas relaxe e se concentre ao seu redor. Esvazie a sua mente. Quando fizer isso, eleve o seu espírito.
- E como eu faço isso?
- Você sente isso, apenas não force.
Fui refazendo os passos, tentando não me estressar até que senti um grande “boom” interno, como se meu estômago tivesse explodido e cagado tudo, acabei por abrir os olhos. Eu estava na camada que conhecia.
- Obrigada!
- Não perca o foco.
- Zhuniao?
Tudo que eu via era um borrão vermelho brilhante tentando tomar alguma forma.
- Por que você está assim?
- Não posso chegar perto do plano material em minha verdadeira forma, mas receio que isto não venha ao caso agora. Você tem uma missão a fazer, se não me engano.
- Você vai ter que me explicar isso depois.
- No seu devido tempo. Não posso ensiná-la construir uma casa se você não sabe misturar o cimento. Tudo é um processo, a espiritualidade não é diferente.
- Espera!
Mas ele tinha desaparecido. Típico. Voltei a me concentrar onde deveria. Achei a seiva de cedro e voltei para o QG. Entreguei tudo para o Ezarel, que me disse estar faltando um ingrediente.
- Mas não tinha me dito isso.
- Eu esqueci de verificar os estoques. Ele dá um gosto bom à poção.
- Eu vou ter que beber essa coisa?!
- Vai.
- Me diz que é brincadeira.
- Não mesmo.
Eu ainda não vou com a cara dele. É ranço que chamam? Se for, foi o que peguei. Fui para a biblioteca. Anunciei minha chegada em alto e bom som. A coelha de cabelo ruivo apareceu.
- Ah, é você.
- Conseguiu resolver com a Miiko?
- Sim, ela me contou sobre você.
- Eu disse. Sou Tingsi.
- Ykhar.
- Desculpa ter gritado com você e a sua amiga. Vocês não me ouviam por mais que tentasse explicar.
- Tudo bem, eu acho.
- O Ezarel está fazendo uma poção para ver se eu sou faery. Ele me pediu para pegar um olho de changeling que Kero guarda na gaveta.
- Mas não tem nada disso aqui e nem mesmo nessa poção pelo que me lembro. Deve ser alguma brincadeira do Ezarel.
- Eu mato esse elfo desgraçado!
Voltei ao laboratório xingando o elfo horrores. Mandei à merda, que não tinha olho nenhum, quase quebrei o pau com ele. A poção iria demorar, então aproveitei para voltar ao meu quarto e ouvir música ou ver um filme com os mascotes.
- Poderia usar esse tempo para aprender mais.
- E quem disse que não se aprende nada com os filmes da Disney, Xuanwu?
- Todo aprendizado é válido. Você quer documentar os mascotes, certo? Por que escreve tudo sobre eles antes de criar um caderno definitivo?
- Tipo um rascunho? É uma ótima ideia! Eu também posso desenhá-los na minha mesa digitalizadora.
- Onde irá imprimir?
- Merda. Eu faço no papel mesmo.
Chegando no quarto, lá estavam eles. Talvez eu possa treiná-los também.
- Shaneera, pega o martelo.
Ela me olhou confusa. Eu tive que mostrar como se fazia. Tentei com todos, sendo Sirius o mais receptivo, pena que ele estava esperando que eu o jogasse. Algum tempo depois, peguei minha mesa, já que eu acho mais fácil de desenhar e menos desgastante também. Fiquei desenhando, sofrendo com a paleta de cores e escrevendo algumas anotações no meu computador até que bateram à minha porta para falar do tal teste. Salvei o progresso, guardei tudo e saí.
- O que aprendeu?
- Como?
- Nesse curto tempo que você passou com seus mascotes, o que aprendeu? Percebeu algo novo?
- Sim, Crownin tem um grasnado horrível e Lily quer roubar meu espelho.
- É alguma coisa. Façamos o seguinte: todos os dias irá anotar ou digitar tudo que você aprendeu ao longo do dia.
- Ótimo, mais trabalho.
No laboratório de alquimia, estavam os chefes das guardas, a Miiko, o Leiftan, a Ykhar, o Kero e aquela garota que tinha visto com a Ykhar na floresta. Respirei fundo antes de me aproximar do elfo.
- Vamos acabar logo com isso.
- Me dê sua mão. – Olhei desconfiada para ele. – Eu preciso passar essa mistura. Se houver alguma reação, você é faery, mas como é humana, nada deve acontecer.
- Não deve acontecer nada. Você tem cheiro de humana. – Nevra disse.
- A Ykhar disse a mesma coisa na floresta.
- E tem mesmo.
Ezarel espalhou o conteúdo na palma da minha mão. De início não aconteceu nada, mas de repente apareceu uma chama prateada e brilhante que começou a consumir o líquido. Eu gritei mais por ter me assustado do que por qualquer outra coisa. Quando vi, estava tudo branco e não tinha ninguém. Ótimo, só me faltava essa. Não deu tempo para reclamar, pois em instantes eu estava de volta.
- Você está bem? – Perguntou Kero.
- Doeu? – Perguntou a garota que eu ainda não sabia o nome.
- Eu só me assustei. O que foi isso afinal?
- Que você tem sangue Faery correndo por suas veias. – Valkyon falou com convicção.
- Vocês estão de sacanagem comigo! Isso não é possível!
- Tingsi. – Ele chamou minha atenção. – Não há erro. Se a chama aparece significa que você tem sangue Faery em suas veias.
- Isso não pode ser! Eu sou humana! Tenho certeza!
- Eu sinto muito. – Disse Leiftan. – Mas você não é inteiramente humana.
- Eu preciso de ar.
Saí correndo do laboratório de alquimia sem nem olhar o destino. Era como se o mundo tivesse desabando sobre mim. Eu não enxergava nada, sentia as lágrimas escorrerem. Eu só parei quando não aguentava mais correr e caí de joelhos na terra. Quem eu sou? O que eu sou? Toda a minha vida é uma mentira!
- XUANWU!
- Tingsi?!
- Leiftan?! Você me seguiu!
- Você saiu tão transtornada que nos deixou preocupados. Vim ver se você está bem.
- Eu pareço bem por acaso?!
Ele ficou em silêncio enquanto eu tentava segurar as lágrimas ao mesmo tempo em que minha cabeça estava um completo caos. Eu só conseguia pensar em uma única coisa com clareza e era o nome de Xuanwu. Foi como um estalo. Me levantei e tentei ir ao meu quarto, mas Leiftan me segurou.
- Tingsi, tente se acalmar, por favor.
- Eu preciso.... Tenho que falar....
- Respire um pouco. Eu não consigo entender nada.
Eu não sei o que deu em mim e o abracei. Deixei todas as lágrimas saírem. Algum tempo depois, senti um dos braços dele me envolver, ainda que hesitante. Fiquei assim até me acalmar e minha mente clarear um pouco. Eu só me soltei quando percebi o que estava acontecendo.
- Desculpa!
- Está tudo bem. Está mais calma? – Assenti. – Eu não sabia que esse teste mexeria tanto com você.
- Não é isso. Você alguma já se deu conta de que sua vida é uma grande mentira? Já se perguntou quem você é ou o que você é? Se o que você está vivendo é real ou só um pesadelo? Eu já não sei mais o que é real.
- Eu não tenho ideia pelo que você está passando, mas se eu descobrisse que sou algo que não fosse um Lorialet, eu acho que surtaria.
- Você ao menos sabe o que é, eu não tenho ninguém que possa me dizer o que eu sou.
- Se serve de consolo, você não é a única com esse problema. Nós também não sabemos a raça do Valkyon. Ele é um Faeliano, como você.
- Um o que?
- Significa que você é parte humana e parte Faery. Eu realmente queria poder te ajudar, mas infelizmente não posso.
- Tudo bem. Quem sabe essa dor de cabeça toda não me dá uma pista de quem tenham sido meus pais?
- Você é órfã, não?
- Pelo visto a notícia correu.
- É o que parece. Eu também sou.
- Mesmo? O que aconteceu com seus pais?
Ele ficou em silêncio e desviou o olhar. Parece que entrei em terreno perigoso.
- Não precisa me contar se não quiser.
- Tudo bem, só promete que não vai contar a mais ninguém?
- Vou levar para o túmulo.
- Quando eu era mais jovem, as pessoas que me criaram foram assassinadas. Eu vi o assassino e até hoje nutro ódio por ele e pelas pessoas ligadas a ele. Se eu encontrá-lo, tentarei matá-lo.
- As pessoas que te criaram? Quer dizer que não conheceu seus pais biológicos?
- Sinto muito, mas não quero falar sobre isso.
- Eu entendo.
- E seus pais?
- O pai meu se mandou. O desgraçado foi comprar cigarro.
- Cigarro?
- É um negócio que algumas pessoas fumam.
- Tipo fumo?
- É, só que mais cancerígeno. A gente usa essa expressão “comprar cigarro” para o pai que larga a mãe com a criança e some no mundo.
- Entendo.
- O pior é que ele sumiu mesmo. Eu não encontrei nada dele, nem mesmo um nome ou uma foto.
- E a sua mãe?
- Morreu no parto. Solteira, morava em um apartamento alugado, não tinha muitas coisas de valor, nenhum parente próximo. Pelo menos o nome dela está na minha certidão de nascimento e na certidão de óbito dela.
- Eu sinto muito.
- Tudo bem. Mas se precisar de ajuda para ocultar o corpo do assassino dos seus pais adotivos, pode contar comigo.
- Levarei em consideração. É melhor voltarmos e encontrarmos os outros. Eles devem estar preocupados e eles não vão nos encontrar na floresta.
- A gente está na floresta?!
Olhei ao redor para constatar onde estava e realmente estávamos na floresta. Eu nem tinha percebido onde tinha vindo parar. Acabamos voltando para o laboratório de alquimia. Eu estava mais calma, mas era só a calmaria antes da tempestade.
- Vocês sabem o que eu sou?
- Você é uma Faeliana. – Disse Miiko.
- Leiftan me explicou essa parte. Vocês podem determinar a minha raça pelo meu sangue?
- Não é tão simples assim. É difícil determinar a raça quando você não tem nenhum traço físico ou uma capacidade específica, sem contar que você tem uma aparência humana e viveu com eles por muito tempo. São fatores que complicam.
- Capacidade específica?
- Você respira debaixo d’água, tem audição apurada ou algo assim? – Perguntou Nevra.
- Eu vejo gente morta. – Todo mundo congelou. – O tempo todo.
- Me diz que é brincadeira! – Tornou a dizer Miiko.
- Não, não é. Inclusive, vocês ficam me mandando não ir à floresta e até agora não vi um bicho morto lá. Nem voz eu escutei e olha que no meu mundo eu via uma alma penada em cada esquina e ouvia umas vozes cabulosas do além.
- Puta merda. – Escutei Valkyon dizer.
- Fantasmas?! – Disse Ykhar. – Digo, de verdade?!
- Ai caramba! – Exclamou a outra. – Não tem nenhum no QG, tem?
- Ela não está falando sério. – Disse Ezarel.
- Vai falando isso até aparecer uma assombração.
- Eles não são assombrações! – Reclamou Miiko.
- É porque você não viu uns rancorosos e uns psicopatas aí. Tem alguns que quando passam deixam até cheiro de podre pelo lugar.
- Eu ouvi falar desses, mas nunca os vi.
- Isso quer dizer que ela possa ser uma Kitsune? – Constatou Valkyon.
- Deus me livre!
- Se ela fosse, teria pelo menos um rabo.
- Se bem que isso também não é garantia. – Resolvi falar. – Muitas pessoas do meu mundo também veem vultos, espíritos e até trabalham como médium. Não é difícil achar alguém que tenha tido experiências paranormais.
Por que esse povo fica chocado com cada coisa que eu falo? Eu não estou mentindo e definitivamente eles não sabem nada sobre os humanos. Nem mesmo sobre os humanos da época medieval. Ykhar, Kero e Alajéa tiveram que sair enquanto os líderes e Leiftan discutiam sobre meu futuro. Tenho a impressão que eles estão querendo me manter aqui, mas eu vou voltar ao meu mundo, ah se vou.
Decidiram me manter aqui e não me deram mais informações sobre minhas origens. Sabe a tempestade que falei sobre a reunião? Ela veio quando entrei no meu quarto e peguei minha caixa.
- XUANWU! Eu sei que você está aí, porra! Estou falando com você!
- Alguém acordou virada no Jiraya.
- Não começa, Baihu! Você sabia disso também, não sabia?! E nem me contou!
- Eu não podia.
- E você ainda vem me falar de honestidade!
- Eu sempre fui honesto com você!
Uma rajada de vento muito forte atingiu todo o cenário, inclusive a mim. A pressão que a presença de Baihu estava exercendo era tão esmagadora que eu tive uma das piores sensações que já senti na minha vida, a sensação de impotência. É como se eu estivesse nua no meio de um show do Iron Maiden. Aquele poder tão ancestral e tão divino era avassalador.
- Não precisa disso, Baihu. – A bronca saiu de Zhuniao. – Não queremos causar mais danos do que já foram causados.
Baihu recuou e logo não me sentia mais assim. Se esse é o poder de uma besta celestial, espero não ter que lutar contra ele.
- Eu sei que está irritada conosco. – Disse Qinglong. – Mas tem que entender que se não revelamos é para o seu bem.
- Qinglong, essa é a pior desculpa que você pode dar. – Tornou a dizer Zhuniao. – Os humanos e os eldaryanos dão essa desculpa o tempo inteiro. Isso não irá fazê-la entender.
- Você eu até entendo, Zhuniao. Afinal, você é a ética e o cacete, mas os outros?!
- O que você sugere? – Perguntou o Tigre.
- A verdade.
- A verdade é que você....
- Não essa verdade, Baihu. A verdade sobre não podermos revelar.
- É por que são preguiçosos e só querem me ver me foder?
- Lógico que não! Xuanwu pode te explicar melhor, assim que sair de sua casca.
- Xuanwu, sai dessa casca porra!
- Nós precisamos de sua imensa sabedoria. – Disse Qinglong.
- A coisa aqui está mais preta que esse teu casco!
- Ninguém pode dormir em paz?
- Você estava dormindo esse tempo todo?! – Gritamos eu, Baihu e Qinglong, Zhuniao fez uma cara que traduzi como “puta merda”.
- Xuanwu, faça o favor de contar a verdade para a menina. – Pediu o pássaro.
- A verdade é que você não aguentaria a verdade.
- Ajudou muito.
- Tingsi, nós não podemos interferir.
- Mesma velha desculpa.
- Diga-me, como você reagiu à essa descoberta?
- Só pode estar de sacanagem!
- Você ainda está sofrendo os efeitos dela. Sei que quer respostas, mas cabe a você consegui-las e não a nós em dizê-las. Se revelarmos tudo o que sabemos sobre você, temo que sua mente entre em colapso e que seu espírito quebre.
- Por isso não revelamos informações importantes para quem quer que seja. Para não criar um monte de acomodados que precisam de respostas prontas para tudo.
- Não é uma indireta de Zhuniao. A jornada é sua, você decide o que procurar, mas as descobertas nem sempre te farão bem. Lembra quando eu disse antes de fazer o teste?
- “Se tem sangue humano, então é humana.”
- Nunca se esqueça disso.
- Eu nunca me senti tão confusa em toda a minha vida.
- Eu sei.
- Então foi tudo uma mentira?
- Por nós mesmos, não! – Exclamou o dragão. – Tingsi, sua vida não é uma mentira, ninguém te ocultou isso.
- Até porque você nunca procurou por isso e nem as circunstâncias te levaram a isso. – Estranhamente era Baihu falando. – Tudo que você está vivendo é real, garota, mas não posso garantir que a mentira não a ronde.
- O problema não são as revelações, o problema é que você não tem apoio para elas e é nisso que estamos falhando. – Disse o pássaro. – Eu prometi fortalecer o seu espírito, mas não posso fortalecê-lo se sua mente não for fortalecida.
- Isso não é um daqueles jogos de namoro que fazem a protagonista vivenciar situações que destroem seu psicológico e ainda são romantizadas para mostrar o quanto ela é forte e continua com o coração puro. Se você não tiver o devido apoio, sua mente poderá se quebrar, ainda mais em um mundo que não conhece saúde mental ou danos psicológicos.
- Isso é tudo muito bom, mas chega de conversa. – Tornou a dizer o tigre. – Vamos treinar.
- Mas já?!
- Eu fiquei de treinar seu corpo, então vê se me encontra na cerejeira quando sair daqui. Xuanwu pode se juntar a mim para treinar sua mente também.
- Espere aí, eu vou treinar o meu corpo ou a minha mente?
- Você faz taichi, então serão os dois.
Voltando ao meu quarto, não tive tempo a perder. Fui logo para a cerejeira. Ouvi a voz de Xuanwu para começar o taichi. Eu estranhei, não estava com cabeça, mas o fiz mesmo assim. No começo, realmente, estava errando muito. Felizmente nenhum dos dois comentou algo, então continuei. Depois de algum tempo eu consegui deixar os movimentos mais constantes. Aos poucos, fui retomando a prática.
- Sabe o que eu gosto no taichi atual? – Perguntou a tartaruga. – Ele se tornou um mecanismo de meditação em movimento utilizando movimentos de ataque e de defesa do wushu. Você pode refletir sobre qualquer coisa enquanto se movimenta.
- Isso se não perder a paciência e quebrar alguma coisa.
- Meditação não é apenas sobre paciência, é sobre foco. Focar em algo sem esquecer o que está em seu entorno e transcender. Por mais conturbada que sua mente esteja, sempre deve tomar um tempo para a reflexão.
- Está de sacanagem, né?
- Meditação é feita apenas entre você e você mesma. Pense na descoberta que presenciou. O que isso significa para você?
- Isso quer dizer que ou o meu pai ou a minha mãe era daqui?!
- O que te faz pensar que não existem criaturas mágicas ou sobrenaturais em seu mundo?
- Isso não é possível, Xuanwu.
- Não é porque você não as viu que não possam existir.
- Mas ainda assim, um dos dois pode ser um Faery!
- O que te incomoda em ser faeliana?
- Ficar presa nesse lugar miserável e nunca voltar para casa!
- Então não é o sangue que a incomoda, é a ideia de que isso possa de alguma forma te prender a este mundo.
- Você virou psicólogo?
- Se é o que considera, quem sou eu para discordar?
- A Tartaruga Negra do Norte?
Não sei por que, mas a conversa com Xuanwu me fez esquecer o que eu estava fazendo. Os movimentos eram tão fluidos que parecia que não era eu quem estava no controle, meu corpo parecia se mover sozinho enquanto conversávamos. Na verdade, todas as minhas conversas com a tartaruga me faziam me sentir bem. Era como se um grande peso fosse retirado de meus ombros.
- Garota, você está me ouvindo?
- Claro que sim, Baihu.
- O taichi é uma arte marcial. Com o tempo ele foi adaptado e reduzido para uma meditação em movimento, como várias artes que foram adaptadas para danças.
- Onde quer chegar?
- A questão é que os movimentos que você faz podem ser usados para batalha. Você só precisa treiná-los e deixá-los mais rápidos.
- Tipo kung fu?
- Kung fu é um termo americanizado por Hollywood. Nós o chamamos de Wushu. Kung fu para nós engloba não só as artes marciais, mas qualquer tarefa feita com perfeição, inclusive as domésticas.
- E o que você quer que eu faça?
- Está vendo aquele tronco de treinamento? Chuta ele.
- Não sei se é uma boa ideia.
- Chuta logo essa porra!
Eu fiz o que ele me pediu e chutei. Como esperado, eu machuquei o meu pé e fiquei pulando em um pé só por um tempo.
- Caralho!
- Eu falei para chutar e não para meter a bicuda.
- Você é um péssimo professor, Baihu!
Ele acabou me passando os fundamentos do wushu e me explicando como socar, chutar e tudo mais. Ele me fez ficar batendo naquele tronco a tarde inteira, só percebi quando estava exausta, com os membros todos doloridos e o sol estava se pondo.
- Amanhã a gente continua.
- Se eu estiver viva.
- A parte difícil ainda não chegou. Ainda está zangada comigo por hoje mais cedo?
- Não, estou de boa.
- Mesmo?
- Sim.
- Eu sinto muito.
- De boa.
- Você não pode se deixar intimidar porque alguém é mais forte que você, nem mesmo por mim ou qualquer um dos outros.
- Eu não tenho medo de caras grandes, Baihu.
- Aqui o problema não é o tamanho, mas sim as habilidades e você não tem a polícia e nem a internet para recorrer.
- Obrigada.
Depois do treino acabei por tomar um banho e comer algo. Quem cozinha aqui? Parece que é mais para empurrar para dentro do que para comer. Nem no orfanato comia algo intragável assim. Quer saber, vou passar a fazer minha própria comida.
- Tingsi, você está aí.
- Ah, oi Ykhar. Aconteceu alguma coisa?
- Não, a gente só veio ver se você está bem. – Disse Alajéa.
- Estou sim, obrigada meninas. Eu só precisava de um tempo para pensar e esclarecer algumas coisas.
- Tudo bem se a gente se sentar aqui?
Assenti. Passamos a refeição inteira conversando sobre raças. Descobri que a Ykhar e o Mery eram brownies e a Alajéa era uma sereia. Ezarel era mesmo um elfo que nem a Ewelein e o Nevra era um vampiro. Não me lembro se tinha descoberto isso, mas ok. Elas pareciam felizes e mais acolhedoras que os chefes das guardas.
Depois do jantar fui até meu quarto. Os mascotes estavam loucos com a minha chegada. Coloquei Meninas Malvadas para eles assistirem e fui ver com eles. Fazia tempo que eu não via esse filme. Faz tempo também que eu não produzo nada. Eu tenho que repensar isso.
Notes:
O que o destino aguarda a nossa humana nem tão humana assim? A enfermaria vai se tornar o novo quarto dela? A guarda vai ter paz? Descubram no próximo capítulo.
Chapter 6: Capítulo 6
Chapter Text
Na aula de alquimia eu fui introduzida aos corantes para fazer roupas com receitas de pergaminhos e tudo mais. Acontece que eu tentei fazer tinta, mas não qualquer tinta e sim uma tinta que quando arremessada e o recipiente explodisse, criaria uma cortina de fumaça que nem Elena, minha amiga da faculdade, fazia para fugir da polícia. Até porque as tintas que eu tenho comigo são comuns e não quero ser pega grafitando os muros.
Nem preciso dizer que meus experimentos cagaram a sala de alquimia toda e eu tive que limpar. Só que ao invés de limpar, fiz mais experimentos até conseguir o que eu queria. Sou foda! Nem tanto. Agora só preciso de um recipiente.
Durante a tarde, prestei o máximo de atenção na aula de forja. Fiquei até mais tarde para forjar uma lata de alumínio e tentar fazer as modificações necessárias. Estava me encaminhando para conseguir o que queria, afinal, estava me esforçando para isso. Fiz os treinos de Baihu, sendo que dessa vez ele queria que eu ficasse sobre um pé só em cima da mureta da cerejeira. Meu corpo doía do dia anterior, mas ele não me dava trégua.
- Tingsi? Você ainda está aqui?
- Oi Valarian. Estou, mas por pouco tempo.
- O que está fazendo?
- Treinando equilíbrio. Está afim de treinar combate comigo?
- Já que você está pedindo.
Nos preparamos para o combate. Dessa vez eu defendia os golpes dele com o que tinha aprendido com o treinamento de ontem e tentava contra-atacar. Não muito bem, mas o suficiente para sobreviver.
- Você melhorou.
- É que meu corpo ficou doído de tanto socar e chutar árvore.
- Tem certeza de que deveria estar treinando desse jeito?
- Podemos fazer uma pausa?
Ele assentiu. Caí no chão igual pedra. Meu corpo doía mais que ontem.
- O que a fez mudar de ideia?
- Valkyon acha que podem me mandar para casa, mas alguma coisa me diz que eles não vão fazer isso.
- É complicado abrir portais para a Terra. Os ingredientes são raros e geralmente fazem quando o assunto é conseguir mantimentos.
- Espere aí, vocês vão até o meu mundo pegar comida?!
- As terras de Eldarya não são tão férteis. Nada aqui é comestível para nós.
- Vocês já tentaram plantar frutas e legumes do meu mundo aqui?
- Bem, não sei.
- Como não sabe?!
- Desculpe, mas eu realmente não sei.
- E quanto aos alimentos dos mascotes? Tem algum comestível?
- Alguns.
- E por que não comem?
- Sei lá. Acho que é porque não são nutritivos.
Eu não consigo acreditar num bagulho desses. Eu fui até a cozinha com Valarian para fazer a minha janta, já que o Karuto, o sátiro cozinheiro, estava de folga. A comida era racionada, então combinei com Valarian para cada um pegar parte dos ingredientes. Eu peguei o livro de receitas e percebi que estava em uma linguagem rebuscada.
- Isso é da idade média?!
- É um dos poucos livros de receitas que temos em Eel.
- Vocês precisam de novos livros de receita. Quer saber, vou te ensinar a fazer algo que não é complicado.
Decidi fazer espaguete à bolonhesa. Cada um pegou parte dos ingredientes que iriamos usar e eu mostrei a ele o passo a passo. O ruim é que teve gente que sentiu o cheiro e queria também, mas só deu para dois e estava ótimo.
- Onde aprendeu a cozinhar?
- Na cozinha do orfanato, mas algumas coisas foram pela internet. No meu mundo, a gente aprende das mais diversas formas, seja com alguém que você conhece, com livros de receitas ou pela internet.
- O que é internet?
- É meio complicado de explicar.
Tentei explicar para ele o máximo que pude sobre o que era internet. Ao terminarmos a refeição, nos separamos. Baihu me mandou voltar ao treino de equilíbrio, só que dessa vez eu tinha que correr pela mureta que nem uma retardada. Caí diversas vezes e tive que me levantar diversas vezes também.
Quando escureceu, fui tomar um banho e depois desabei na cama. Uma semana se passou com mais aulas de alquimia, de forja e treinos. Às vezes, tarde da noite quando todos estavam dormindo, eu me esgueirava até a biblioteca para aprender um pouco mais sobre aquele mundo e quem sabe uma forma de voltar para o meu. Baihu me fez ir até a floresta para treinar. Parei no lugar onde estava o círculo de cogumelos. Eles me pediram para ir um pouco mais além daquela área, entrando no matagal.
- Tingsi, eu preciso usar o seu corpo para dar continuidade ao seu treinamento. – Disse Qinglong. – Prometo ser breve.
- Tipo uma possessão ou algo assim?
- Exato. Você me permitiria?
- Também será um ótimo treinamento para você. – Escutei a voz de Zhuniao. – Caso algum dia precise incorporar algum espírito ou se proteger de algum que tente possuí-la.
- Agora você está me assustando.
Deixei que Qinglong pegasse meu corpo emprestado. Quando voltei a mim, estava no chão com uma dor de cabeça tremenda.
- Desculpe. Eu não sabia que isso aconteceria. Seu corpo não está preparado para incorporar um deus. Zhuniao precisa trabalhar melhor isso.
- É exatamente o que estou tentando fazer, Qinglong.
- Para vocês roubarem meu corpo e fazerem sei lá o que?
- Não. Para você retomar o controle caso alguém controle sua mente, mas para isso terei que trabalhar com Xuanwu.
Não tive escolha a não ser ficar deitada no chão. As vozes se silenciaram até que eu me recuperasse. Quando a dor de cabeça passou, me levantei e vi uma área plana com enormes troncos de madeira perfeitamente retos e sem nada em cima.
- Mas o que?!
- Meu elemento é madeira. – Explicou Qinglong. – A floresta obedece a mim. Ela plantou esses troncos para você.
- Suba em um dos mais finos.
- Está de sacanagem comigo, Baihu?! Como eu vou fazer isso? Correndo por eles que nem em O Tigre e O Dragão?!
- Poderia, mas ainda não está pronta para isso. Faz que nem a Mulan daquele desenho lá.
Arrumei um pano no QG, envolvi o tronco com ele e subi. Escorreguei duas vezes, mas consegui. O tronco só dava para um pé inteiro, tanto que eu tinha que ficar me equilibrando na ponta dos pés.
- Você vem treinando o equilíbrio há algum tempo. – Começou o dragão. – Sua determinação em aprender a faz progredir rapidamente.
- Agora vai para outro tronco. – Ordenou o tigre.
- Você cheirou cola?!
- Deixa de drama, garota! É apanhando que se aprende. Como quer lutar se não apanhar primeiro?
- Você quer me ver cair de cara no chão, isso sim!
- Não se usar o que Xuanwu lhe ensinou sobre foco.
- Agora, vai logo, garota!
- Quando você quiser.
Respirei fundo e fui para outro tronco. Tive que me equilibrar para não cair. Baihu me incentivou a continuar andando e até pulando entre os troncos estreitos. Em um passo em falso, eu caí de bruços no chão.
- De novo! E sem choradeira.
Nota mental: nunca mais pedir para Baihu me treinar em qualquer coisa. Eu fiquei pulando de tronco em tronco, caindo e me levantando o dia inteiro. Como se não bastasse isso, ainda tive que socar e chutar árvore.
Não sei como consegui voltar ao QG. Estava tão cansada e tão dolorida que eu não sei como não quebrei uma costela. Talvez eu tenha quebrado e a adrenalina ainda não me fez perceber. Estava escuro, mas a grande porta não estava fechada. Não havia ninguém nos jardins do QG, todos deveriam estar dormindo. Grande engano, pois assim que entrei na sala das portas estava a Miiko, o Leiftan e os chefes das guardas, todos ali. Acho que é uma boa hora para fingir um desmaio.
- Onde você estava?! – Começou a patroa cuspindo marimbondo. Saco. – A guarda inteira ficou te procurando o dia inteiro.
- Por quê? Vocês finalmente decidiram me dar uma missão? Ou só estão fazendo a checagem dos prisioneiros?
- Pelo Oráculo, garota, você fala muita merda! – Disse meu chefe. – Ainda mais no estado em que está. O que aconteceu? Você foi atacada? – Deu para perceber a preocupação em sua voz.
- Não, eu só estava treinando.
- Treinando?
- É.
- Você estava sozinha? – Perguntou Nevra.
- E com quem mais eu deveria estar se todo mundo está sempre ocupado com alguma coisa?
Não podia dizer que estava treinando com um tigre e um dragão falando na minha cabeça ou iriam me taxar de louca.
- Eu disse que ia me virar e é o que estou fazendo.
- Como é que você consegue ser tão debochada em uma situação dessas?! – Ezarel estava puto, assim como a Miiko.
- E queria que eu estivesse como? Choramingando?
- Para dizer a verdade, sim, já que você está com esses hematomas.
- Não vai rolar.
- E o que são esses hematomas? – Perguntou Valkyon.
- Devo ter ganhado quando caí de uma árvore.
- O que você fazia em cima de uma árvore?!
- Vocês querem saber que horas eu caguei também?! Porque eu deixei um puta de um troço no banheiro.
Todo mundo ficou chocado, claro. Me desvencilhei deles e fui andando até o corredor das guardas.
- Não é melhor você ir à enfermaria ver isso? – Perguntou Leiftan.
- Depois eu vou. Quando a adrenalina passar.
Consegui chegar até o meu quarto. Deuses! Agora deu para ser vigiada?! Peguei meu pijama e fui tomar um merecido banho. Quando voltei, estava o meu chefe na porta do meu quarto. Inferno.
- Veio continuar o interrogatório?
- Vim ver como você está. A adrenalina passou e você precisa ir à enfermaria?
- Não aja como se você se importasse. Sabemos que não é verdade. – Cruzei os braços.
- Você me odeia?
Confesso que a pergunta me pegou de surpresa. Demorei um pouco para responder.
- Não! É claro que não. Ainda não. O que te faz pensar isso?!
- Então por que age assim?
- Eu só quero ir para casa. – Falei desviando o olhar.
- E você vai.
- Quando?! Tudo o que eu tenho são promessas e nenhuma garantia de que serão cumpridas!
- Você não vai conseguir nada com atitudes assim.
- E você quer que eu aja como?! Como se estivesse tudo bem e eu estivesse feliz de estar aqui?! – Havia começado a fungar e tentava conter as poucas lágrimas que tentavam escapar.
- Está assustada.
- Você acha?!
- Tudo que posso te pedir é que confie em nós. – Virei o rosto para o lado. – Olha, a guarda não é tão ruim. Você não é a primeira órfã a aparecer por aqui, muitos vieram como você, sem ninguém no mundo. A guarda acabou se tornando a família de muitos aqui, inclusive a minha.
- Valkyon, eu não quero uma família. Eu quero viver a minha vida como eu bem entendo, só isso.
- Você pode fazer isso.
- Você não entende. Essa não é a minha vida.
Entrei no quarto e tranquei a porta. Escorei as costas na porta e escorreguei para o chão. Não contive as lágrimas. Nunca tive uma família e não sei como é o amor de uma, mas sempre tive amigos e objetivos claros. Falando assim, só consigo me lembrar da minha colega de quarto da faculdade. Aquela lolzeira que me viciou no universo musical da Riot, me vez gravar um cover de Legends Never Die para o Youtube e juntou nosso grupo de amigos para fazer cosplay e coreografar todas as músicas das K/DA. Ela me fez dançar essa merda num evento que teve. Eu era a Kai’sa.
Eu me lembro dela contando as histórias dos personagens, surtando com as músicas e xingando a Riot de tudo quanto é nome. Ela dizia que seria muito bom se um dia parasse em um mundo de fantasia como Runeterra, como naquelas fanfics doidas que ela lia. Até brincamos que se isso acontecesse, passaríamos o rodo em geral e discutimos o tamanho do pau de cada raça. E pensar que eu estou vivendo o sonho dela e não estou gostando nem um pouco. Sinto falta dela. Sinto falta do meu chefe, do diretor da universidade, dos meus amigos e dos meus outros amigos. Sinto falta de todos. Até daquele professor metido que se achava o Da Vinci eu sinto falta.
Ri sem nenhuma vontade. Os mascotes estavam ao meu redor, escorados em mim. Abri minha carteira e tirei de lá uma foto de uma mulher asiática com longos e escorridos cabelos pintados de preto e olhos castanhos. Quando voltei a Reims com minhas amigas para procurar mais sobre minha mãe, eu conheci uma amiga dela que me deixou ficar com algumas fotos. Me pergunto como as coisas teriam sido se ela estivesse viva e se estaria preocupada.
Guardei a foto com cuidado, peguei meu celular e abri a galeria. Vi as fotos que tinha tirado na Terra. Eu e minha colega de quarto, que tinha se tornado minha melhor amiga, estávamos com mais duas amigas de K/DA, eu e meus amigos vestidos como bruxos de Harry Potter, eu e meus outros amigos depois de fazer um grafite no centro da cidade.... Foi então que lembrei das tintas.
Meu corpo estava dolorido, mas isso não me impediu de pegar as tintas que estavam comigo e as que eu tinha feito e de abrir a janela do meu quarto. A janela dava para um penhasco. Já grafitei em lugares mais difíceis, mas com o corpo dolorido, isso vai ser difícil. Vou pensar nisso depois, é melhor eu ir dormir.
Chapter 7: Capítulo 7
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No dia seguinte, ao abrir a porta do quarto, dei de cara com Ykhar.
- Oi Ykhar, precisa de algo?
- Na verdade, eu estou aqui para entregar a sua missão. Não é uma grande missão, mas é uma missão.
Resumindo a novela porque a Ykar fala demais, eles receberam informações que tinha um jovem kappa perdido na floresta e eu teria que encontrá-lo. Como era a minha primeira missão, eu poderia pedir para alguém me acompanhar. Bem, Ezarel não ia com a minha cara e o resto estava ocupado. Até me perguntaram se eu sabia o que era um kappa. Claro que sei, caralho, viciada em mitologia aqui. Acontece que o único que pôde me acompanhar era o Valkyon. Estou fodida. Mas antes, eu tinha que ajudá-lo a dar comida para a Floppy, a Musarosa dele.
- Eu não sabia que você tinha um mascote.
- A maioria das pessoas do QG tem um.
- Como são os dos outros?
- Você não deve conhecê-los, eu teria que te mostrar antes.
- Entendo.
Ele não tocou no assunto de ontem, foi melhor assim. Depois de alimentar Floppy, fomos para a floresta procurar pelo kappa. Sirius veio conosco. Não encontramos nada na parte em que procuramos na floresta e por sorte não fomos à minha nova área de treinamento. Adentramos um pouco mais na floresta. Era uma parte mais escura. Senti o ar pesar e eu pensei ver algo. Corri atrás, mas era só um Cryslam assustado. Fiz carinho nele.
- Está tudo bem, amiguinho.
- Com quem você está falando?
- Com o Crylasm.
Valkyon apenas ergueu a sobrancelha e Sirius pendeu a cabeça para o lado e depois olhou para ele em busca de respostas. Ouvi um grito e algo parecido com um choro de criança. Dessa vez não era só eu que tinha ouvido. Fomos em direção ao grito e vimos uma sombra enorme em formato de lobo. Um cheiro forte de enxofre tomou conta do ar, misturado a um cheiro horrível que parecia vir do pequeno kappa. Talvez por isso ou por conta dos gritos estridentes que o lobo fantasmagórico não se aproximava dele, mas ele rondava o kappa, prestes a atacá-lo. Valkyon me puxou para trás de uma árvore e Sirius veio atrás da gente.
- Um Black Dog! – Exclamou meu chefe, embora estivesse falando baixo. – Fique aqui, eu cuido dele.
Ele pegou um pedaço de madeira que achou e foi atrás da criatura. Olhei ao redor em busca de outro pedaço, mas estava a metros de distância.
- Sirius, pega! – Apontei para o pedaço.
Enquanto Sirius foi pegar o pau, uma batalha se iniciou entre Valkyon e o Black Dog. O bicho avançou e meu chefe teve que se defender com o bastão. Acabou que Valkyon caiu para trás com o bicho em cima dele, mas com o pedaço de pau na boca. Nem esperei Sirius chegar com minha arma improvisada. Saltei para o campo de batalha.
- Ô bicho feio! Vem me pegar!
Assim que me viu, o Black Dog esqueceu as outras presas e correu na minha direção. Não havia como fugir, então tinha que atacá-lo onde tivesse maior vantagem. Sem nem pensar, entrei no limiar entre o mundo espiritual e o material, a camada que eu conhecia bem. Ele parecia mais sólido e sua aparência havia mudado um pouco, era como se as patas e a boca dele estivessem em brasa e os chifres atrás das orelhas estavam mais visíveis.
- Humano! Sangue humano! Delicioso.
- Nem pense nisso, seu Hell hound maldito!
O bicho parou de correr e me encarou, me circulando.
- Há eras não ouço este nome pronunciado por uma boca que não seja a dos hell hounds. Como descobriu?
- Não interessa. Este é o seu nome, não é? É o que você é.
- Pena que não irá viver para contar essa história.
O bicho avançou, mas eu dei um salto digno de cinema chinês e desviei. Contra-ataquei com a Palma de Buda, que é bater no oponente com a mão aberta, só que no mundo espiritual é outro nível, pois aqui os danos são aumentados e os efeitos especiais são dignos de cinema. O Black Dog voou alguns metros.
- O que é você?!
- Olha, nem eu sei.
Algo acertou a cabeça do Black Dog. Um pedaço de madeira cuspido por Sirius. Ele levou uma pancada de um ser com asas escamosas e forma reptiliana e saiu correndo. Voltei ao mundo material. O Black Dog tinha fugido, Vlakyon estava ali e Sirius tinha vindo para o meu lado resmungando algo que parecia “e não volte nunca mais”, até mostrar a língua para o Black Dog ele mostrou.
- Pelo Oráculo, o que acabou de acontecer?!
- Eu te disse que estava treinando. Como está o kappa?
- Está brincando com o meu cabelo. – Quando vi, estava montado nos ombros de Valkyon.
- Eba, cavalinho! Quero também!
- Nem pense nisso!
Tarde demais. Eu pulei nas costas dele e ele teve que me segurar pelas coxas para não cair todo mundo. O kappa subiu nos meus ombros e começou a brincar com as tranças em formato de arcos do meu cabelo.
- Caramba, Tingsi! Não deixe ele cair!
- Tingsi! – Ele disse o meu nome.
- Ele não vai cair, eu estou segurando.
Ele revirou os olhos. Sirius queria subir também, então ele deu um jeito de pular e escalar o Valkyon e saímos da floresta. Imagine a cena do Valkyon entrando no QG comigo em suas costas, um Corko no ombro e um kappa nos meus ombros. Conforme passávamos, as pessoas ficavam com mais cara de “que porra é essa”.
- Mas o que é isso?! – Exclamou Ezarel quando nos viu. – Eu não sabia que o Valkyon tinha virado um animal de carga.
- Não virei. Me ajude aqui para o kappa não cair.
- Deixa eu ver....
- Ezarel!
- Mas o que é isso?! – Dessa vez foi Nevra. – Por que ela está montada em você e não em vim?
- Quer trocar, é?
- Relaxa, Nevra, eu adoraria sentar em você.
E ficou todo mundo de boca aberta sem dizer uma palavra.
- Eu só não te derrubo porque não quero que o kappa caia. Vocês dois, me ajudem aqui.
- Não. – Disseram abrindo um largo sorriso.
- O que significa isso?
Kero e Leiftan surgiram na sala das portas. Leifitan começou a rir.
- Está rindo de que?
- Desculpe, é que eu achei engraçado.
- Tingsi, cuidado com o kappa. – Kero estava preocupado.
- Tudo bem, Kero. Ele está seguro. – Sirus resmungou. – E você também, Sirius.
- Mas o que é que está havendo?! – Ih, chegou a chefe do chefe. – Mas o que significa isso?!
- Eu posso explicar, assim que o kappa estiver no chão.
- O que estão fazendo aí parados, ajudem-no!
Kero pegou Sirius, Leiftan pegou o kappa e Nevra me pegou no colo. Valkyon e eu acompanhamos Miiko até a sala do cristal levando o kappa. A Ahri paraguaia estava furiosa. Mas aí relatamos a missão. Valkyon ficou com ela para conversarem sobre o Black Dog e eu levei o kappa para a enfermaria. Ewelein disse que cuidaria dele e me pediu para sair para que ele ficasse menos agitado.
Voltei para finalizar o relatório e perguntei o porquê de conversarem sobre o Black Dog sem que eu estivesse presente. Bem, ao que parece são seres noturnos. Decidiram que iriam mandá-lo para casa, mas como morava longe, demoraria alguns dias. Eu iria tomar conta dele, saí correndo antes que me dessem mais coisa para fazer. Bem, ele vai precisar de comida, então fui até Purreru em busca de pepinos. Pelo menos é o que as lendas dizem.
Purreru me vendeu uma caixa de pepinos azuis e eu os levei para a enfermaria. O pequeno só faltou devorar os pepinos. Tive que sair de lá antes que o pessoal da enfermaria me matasse.
- Tingsi.
- Que foi? Eu não fiz nada.
- O que aconteceu na floresta?
- Como assim?
- Você ficou parada na frente do Black Dog com os olhos inteiramente brancos e depois deu aquele salto. Você estava possuída ou algo assim? – Ele estava realmente preocupado. – Eu só quero entender o que aconteceu. Aquilo não é normal.
- É uma longa história. Lembra que eu disse que via gente morta? – Ele assentiu. – Vi um Crylasm antes de encontrarmos o kappa.
- Foi por isso que ficou conversando com o nada? – Assenti.
- Eu.... Eu não sei o que aconteceu depois. – Menti. – Eu não me lembro de nada.
- Nesse caso, há uma poção que....
- Não! Eu estou bem assim. É sério.
- Como preferir. Mas se acontecer de novo....
- Valkyon, pelo amor.... Olha, esquece isso, está bem! Eu não me lembro de nada mesmo.
Saí apressadamente sem olhar para trás. Me escondi no parque do chafariz por um bom tempo, já que não estava afim de começar um treino com Baihu.
- TINGSIIIIII! Finalmente te achei.
- Ah, oi Ykhar.
- O que foi? Você parece tão desanimada.
- Nada, eu só estava pensando em faltar aos treinos hoje.
- Acho que vai ter que fazer isso mesmo, já que está você se ofereceu para cuidar do kappa.
- Eu já posso tirá-lo da enfermaria?
- Sim, só precisa mantê-lo ocupado até a hora de dormir.
E lá fui eu pegar o kappa na enfermaria. Eu já tinha lidado com crianças de todas as idades no orfanato, deve ser a mesma coisa.
- Aqui está o kappa.
- Obrigada, Ewelein. Sabe, eu não aguento mais o povo o chamando de kappa, ele precisa de um nome.
- Ele tem um nome, só é difícil de pronunciar.
- E se dermos outro nome, sei lá, um que a gente conheça?
- É uma boa ideia.
- Só uma pergunta, ele é macho ou fêmea? Porque eu não faço ideia de como identificar.
- Elliot! – Disse o kappa.
- Ok, então você vai ser Elliot.
Saímos de lá. Tive uma ideia sobre o que fazer. Peguei algumas folhas de papel na biblioteca e alguns pincéis, além de um pano, e levei Elliot até a sala de alquimia.
- Tingsi.
- Não toque em nada. Eu tenho uma surpresa para você.
Ele gritou de felicidade. Peguei os corantes em pó, dissolvi em água e misturei com cola. Isso o manteria ocupado.
- O que está fazendo? – Leiftan tinha acabado de entrar.
- Eu que te pergunto. Quase não te vejo no laboratório.
- Vim fazer algumas coisas, e você?
- Estou fazendo tinta para o Elliot.
- Elliot?
- Elliot.
- Você me ajuda a levar para outro lugar quando terminar? Eu não quero que o Elliot fique no laboratório com todas essas coisas.
- Claro.
Terminamos as tintas, sendo que o Leiftan nos ajudou. Levamos tudo para a sala das portas, assim teria sempre gente por perto.
- Olha, Elliot, você pega o pincel, mergulha na tinta, aí faz assim no papel. – Mostrei a ele. – Quando acabar, você lava na água, seca no paninho e faz o mesmo com outra tinta. Vamos lá.
Leiftan nos deixou, ele voltou ao laboratório. Eu fiquei pintando com o Elliot e o ensinando a combinar cores para surgir novas cores. Eu tinha pintado uma bela borboleta toda colorida com as extremidades na cor rosa, alterando as cores bem vibrantes até o centro amarelo, e o Elliot, bem, os desenhos estavam bonitos.
- Pelo visto estão se divertindo. – Disse Leiftan ao retornar.
- Sim, já pintamos alguns desenhos. Quer ver?
- Isso é....?
- Elliot, o que é isso?
- Elliot. Tingsi. – Ele apontou para uma folha com uns troços que deviam ser a gente. – Mar! – Era uma folha que tinha alguma espécie de praia toda cagada. – Sol. – Uma mancha roxa no canto da folha.
- Muito bem. Elliot.
- É, muito bem. – Leiftan estava meio sem graça. – E o que é isso?
- É o meu. – Mostrei a borboleta.
- Você pintou isso?!
- Não quero me gabar, mas eu me formei em artes visuais na faculdade.
- Como?
- Digamos que eu sou uma artista, faço desenho, pintura, grafite, essas coisas.
- Mesmo? Poderia me mostrar alguns?
- Com o maior prazer! Infelizmente deixei meu trabalho na Terra, mas posso fazer novos.
- Vou adorar ver.
- Quer tentar?
- Por que não?
Ele pegou um pincel e ficamos os três desenhando. Fiz mais alguns desenhos com tinta, Leiftan ficava mais tempo me observando do que pintando e Elliot se divertia. Até meus mascotes surgiram do além para ver o que estávamos fazendo e começaram a pintar. Infelizmente o Leiftan teve que nos deixar.
Acontece que o Elliot resolveu imitar os mascotes e fazer pinturas com as mãos. Foi então que eu tive a brilhante ideia de expandir os horizontes e acabamos pintando as paredes. A sala das portas estava vazia também, então ninguém nos viu fazendo arte. Infelizmente alguém nos dedurou para a Miiko e tivemos que correr para fora cobertos de tinta. Eu iria dar banho no banheiro comunitário no Elliot e nos mascotes, mas Ezarel nos viu.
- Você não está pensando em dar banho nessa coisa aí?!
- E qual é o problema?
- Já viu como ele fede?! É melhor fazer isso lá fora.
- Eu não vou até a praia para isso, então se você souber de um lugar, é melhor falar.
- Tem um lugar nos jardins. Não se preocupe, você não vai se perder.
Peguei lavanda no laboratório de alquimia para ver se fazia o Elliot cheirar melhor e levei ele e os mascotes para tomar banho no parque do chafariz. Sabe quando você caga e fica o maior cheiro de merda? E para disfarçar, usa um bagulho de cheiro de lavanda, só que o cheiro piora? Aí fica um cheiro de merda com lavanda? Foi exatamente isso. Ou ele não tem jeito ou esse sabão é vagabundo.
O banho acabou em uma guerra de água e no Jinp chacoalhando na gente que nem um cachorro depois que nos secamos. Acho que ele queria transferir seu cheiro de chiclete para a gente, mas ficamos fedendo a sei lá o que, só sei que era horrível. Voltamos para dentro com a maior cara de pau do mundo. Tinha um garoto de cabelo preto e vermelho e rabo e orelhas de cachorro limpando a sala das portas. Por sorte, a tinta não era muito difícil de tirar.
- Vocês não podiam ter feito menos bagunça? – Disse ele.
- Desculpe, acabamos nos empolgando. Da próxima vez não vai ter tinta no chão.
- E nem nas paredes.
- Isso eu não posso prometer.
- Você é a humana, certo? Nós vamos ter que levar o kappa de volta para casa.
- Desculpe, mas quem é você?
- Chrome.
- Eu sou Tingsi, ele é o Elliot e esses são os meus mascotes.
- Tingsi, você está aí.
- Oi, Kero. Aconteceu alguma coisa?
- Apenas vim lembrá-la para deixar o kappa....
- Elliot.
- Certo. Deixe Elliot na enfermaria. Está ficando tarde.
- Ele não pode dormir comigo?
- Temo que não.
- Está bem, obrigada por me avisar.
- E você precisa ajudar o Chrome a limpar essa bagunça.
- Está bem.
Kero saiu. Peguei os panos, a água e o sabão e distribui para o pessoal, que não entendeu nada.
- Vamos, gente, limpar pode ser divertido.
- Fale por você. – Respondeu Chrome.
- Você nunca limpou do meu jeito. Tem algum rádio ou uma caixa de música por aqui?
- Um o que?
- Como é que vocês ouvem música?
- Com alguém tocando um instrumento, cantando ou por meio de um mascote.
- Saco. Shaneera, Sirius, querem apostar corrida?
Eu os ensinei a apostar corrida esfregando o pano molhado no chão. Fui ensinando eles a esfregar o chão e as paredes. Em um dado momento, fiz sapato de pano e escovas para os mascotes e para mim, peguei meu celular e coloquei os fones de ouvido antes de colocar a playlist de faxina, começando com Cheguei de uma tal Ludmilla. Comecei a limpar, mas em poucos segundos estava dançando, cantando e até coreografando enquanto limpava. Não ficou um mascote parado e todo mundo começou a me imitar, até o Elliot.
- Nossa, mas você é doida mesmo! – Disse Chrome.
- Limpar com música é muito mais divertido e gratificante. Já que não tem rádio, eu faço minha própria música.
- Ainda acho que você foi possuída por algum espírito maligno.
Tinha horas que eu rebolava até o chão, só por rebolar mesmo. A próxima música era Baby One More Time da Britney Spears e eu não resisti. A gente limpou tudo e recolhemos o material durante a coreografia mesmo. Parei a música e tirei os fones satisfeita com o resultado.
- Eu não danço assim tem muito tempo.
- Se quiser, posso te passar todas as missões de faxina.
- Engraçadinho. No meu mundo a gente tem lugares onde podemos dançar à noite inteira.
- Isso é sério?
- Claro que é. Eu voltava para a universidade toda acabada, mas me divertia muito. Aí no dia seguinte tinha que trabalhar.
Olhamos em volta e estava o QG inteiro nos olhando de boca aberta. Na hora bateu a vergonha alheia, mas estou acostumada e nunca tive medo de público. Peguei os baldes e o material.
- Onde eu guardo isso?
Chorme me disse onde. Pedi para que levasse Elliot para a enfermaria enquanto eu cuidava de guardar o material. Fui para o meu quarto, todo mundo me olhava de olhos arregalados e sem saber o que dizer. O único que tinha voltado ao normal era Nevra, que assoviou quando eu passei.
- Nossa, Tingsi, eu não sabia que você rebolava assim.
- Espere até ver o que eu faço entre quatro paredes.
Entrei no meu quarto deixando os chefes da guarda olhando minha porta como se fosse um alienígena. Não que eu estivesse interessada nele, mas que mal faz? Se for para ficar aqui até resolverem me mandar de volta, vou fazer as coisas do meu jeito. Os mascotes já estavam no quarto pedindo alguma coisa e minha cama lotada de coisas que eles trouxeram. Guardei tudo e desabei na cama.
- Desculpa, pessoal, mas hoje estou cansada.
Esperei algum tempo para poder ir tomar banho e me deitar. Ouvi batidas na porta. Era o Elliot.
- Elliot, o que faz aqui?!
- Tingsi! Tingsi!
- Vem, eu vou te levar de volta para a enfermaria.
Ele fez uma cara tão triste que não pude resistir. Acabei deixando ele entrar.
- História!
- Que tal um filme?
Peguei meu notebook e sentei na cama com todos ao meu redor. Coloquei Moana para eles assistirem, cantei aquela música de quando ela tenta navegar pela primeira vez e nos divertimos. Depois coloquei Viva, a vida é uma festa.
- Lembre de mim. Hoje eu tenho que partir. Lembre de mim, se esforce para sorrir. Não importa a distância, nunca vou te esquecer. – Toquei o bico do Elliot. – Cantando a nossa música, o amor só vai crescer.
Eu cantei essa música todas as vezes, menos no final porque eu estava chorando horrores. E aí coloquei Lilo e Stitch. Pra que? Chorei horrores.
- Ohana. – Começou Elliot. – Ohana quer dizer família.
- Família quer dizer nunca abandonar ou esquecer.
Chorei de novo. Escutei batidas na porta antes de alguém abri-la. Era Leiftan.
- Tingsi, você por acaso viu o..... Você está chorando?!
- É que o filme é muito bom. Recomendo.
- Filme?
- Lembre de mim!
- Agora não, Elliot.
- Eu só vim ver se você sabia onde Elliot estava, visto que ele fugiu da enfermaria.
- Eu tentei levá-lo de volta, mas ele não quis.
- Leiftan, você achou....? – A Ykhar apareceu. – Você está chorando?!
- É o filme!
- Lembre de mim!
- Tingsi! – Veio o Valkyon.
- É o filme!
- Mas eu nem falei nada!
Expulsei os três do meu quarto antes que começassem a fazer perguntas sobre o meu notebook. Os mascotes me ajudaram, talvez para não perder seus preciosos filmes. Expliquei a eles a situação e que Elliot não queria ficar na enfermaria, mesmo eu o levando para lá.
- Talvez seja melhor ele dormir com você. – Sugeriu Ykhar. – Pelo menos até o levarmos para casa.
- Eu não vejo problema. – Disse Valkyon. – Irei avisar à Miiko e à Ewelein.
Voltei para o quarto. Elliot queria ver Viva de novo, então coloquei para ele ver. Depois coloquei Up para ele assistir.
Chapter 8: Capítulo 8
Notes:
Eu sei que demorei bastante a postar, mas é porque a vida está muito corrida. Espero que gostem do capítulo.
Chapter Text
No dia seguinte, cuidei do Elliot mais uma vez. Eu tentava ensiná-lo algumas palavras. Desenhei alguns chibis em um pedaço de papel, cortei e começamos a brincar com os bonecos de papel. Claro que a guarda não ia deixar de me vigiar.
- O que estão fazendo? – Perguntou Google Chrome.
- Brincando com bonecos de papel. Nunca fez isso?
- Não.
- O que é isso?! – Perguntou Ezarel pegando o desenho dele com chifres, bigode e cavanhaque.
- Panaca! – Disse Elliot.
- É, Elliot, ele é o panaca.
- Hei! O que você andou ensinando para esse kappa?!
- Algumas palavras.
- Panaca. Jamon!
- É, esse é o Jamon.
- Jamon ser Jamon. – Disse Jamon vendo o Elliot brincar com o boneco de papel dele.
- Jamon! – Elliot estendeu os bracinhos para ele.
Jamon o pegou no colo e foi brincar com ele. Foi uma das cenas muito bonitas. Por trás dessa montanha de músculos, ele é um doce.
- Jamon, você poderia ficar com ele só um pouco com ele enquanto eu treino um pouco?
- Treinar o que?
- Não te interessa Legolas do cabelo azul.
- Elliot ser responsabilidade de Tingsi. Jamon não poder cuidar.
Já que ninguém ficaria com ele, levei Elliot para a toca, para não sermos interrompidos. Decidi que o ensinaria taichi e ao mesmo tempo treinaria também. Fui mostrando os movimentos a ele até ele se cansar e irmos para a floresta bater em árvore. Não ficamos muito tempo, mas foi o suficiente para completar a rotina de exercícios. Voltamos para o QG e para o meu quarto.
- Aqui, Elliot, a tia vai te emprestar as pelúcias dela, mas você precisa me devolver depois.
- Ta.
Peguei as pelúcias que tinha escondido dentro do banco. Elas vieram na caixa que encontrei na porta do quarto. Tinha alguns ursos, cachorros, coelhos, gatos e até um boneco de neve. Os olhos do Elliot brilharam quando tirei as outras 4, as mais preciosas. Quando eu tinha 12 anos, fiz uma amiga na escola que aprendeu a costurar. Eu pedi para ela fazer pelúcias dos animais celestiais. O tigre eu poderia ter comprado, mas não teria as nuvenzinhas ao redor dele, já os outros nem se eu quisesse acharia para comprar. Talvez o pássaro e o dragão, mas não a tartaruga com a serpente. Nós continuamos amigas até a adolescência.
- Genbu!
- Você conhece o Xuanwu?
- Genbu!
Dei a pelúcia da tartaruga negra para ele segurar. Elliot abraçou todo feliz.
- Eu o conheço por Xuanwu. Esse aqui. – Peguei o tigre. – Eu conheço como Baihu. Esse. – Mostrei o pássaro. – Eu chamo de Zhuniao. E esse aqui. – Peguei o dragão. – É Qinglong para mim. Eles andam juntos.
- Genbu.
- Elliot, o que acha de tirarmos uma soneca?
Ele subiu na minha cama abraçando as quatro pelúcias e mais um ursinho e dormiu agarrado com a pelúcia do Xuanwu. Fechei a cortina do quarto, peguei minha caixa e deitei ao lado dele. Aproveitei para falar com os celestiais, afinal, não encheram o meu saco o dia todo.
- Hihihi.
- Elliot?! O que você faz aqui?!
- Tingsi.
- Você tem que tomar cuidado quando usa essa caixa!
- Qinglong!
- Dragão!
- Tingsi Zhu, você tem ideia do que fez?!
- Eu ainda estou tentando processar, Zhuniao. Mas eu preciso mesmo falar com vocês.
- Tingsi.
- Zhuniao, é apenas uma criança. – Considerou Qinglong. – Não precisamos nos preocupar e garanto que Xuanwu ficará feliz.
- O que esse kappa faz aqui?
- Genbu!
Elliot correu para abraçá-lo. Eu tentei impedir, mas Qinglong me impediu.
- Tingsi, você trouxe este kappa?
- Foi um acidente. Desculpe, eu vou levá-lo de volta.
- Não faça isso. Eu posso cuidar dele para você.
- Sério? Obrigada!
- Genbu!
Eu os vi se afastar. A serpente nos deu uma última olhada antes de voltar para dentro do casco.
- Ótimo. – Disse Baihu. – Vamos treinar.
- Eu não vim aqui para isso.
- Já que está aqui, é melhor treinar. Você mal conseguiu treinar hoje.
- Eu posso conversar com vocês antes?
- Claro. – Disse Qinglong. – O que quer saber?
- Como Elliot conhece Xuanwu? Eu fiquei surpresa quando ele disse o nome.
- Para algumas criaturas nós somos deuses e não apenas seres celestiais. – Começou Zhuniao. – Os kappas, os zaratans, as nagas e criaturas ofídias têm Xuanwu como o deus deles.
- Zaratans?
- São tartarugas gigantes cujos cascos parecem ilhas.
- Como Hafigufa?
- Sim, mas zaratans são herbívoros e são tartarugas.
- Como a tartaruga leão de A Lenda de Aang?
- Exatamente.
- Isso significa que você é o deus dos Fenghuangs?
- Era. Assim como também fui das outras fênix, das harpias e de todas as aves e criaturas aviárias. Diferente do que você pode achar, eu não sou uma fênix, sou além delas. Eu represento todos os pássaros que puder imaginar.
- Mas se incendeia e resnace igual. – Provocou Baihu.
- Acontece que não somos os deuses deles há algum tempo. – Confessou Qinglong. – Os seres de Eldarya nos veem como lendas ou criaturas do imaginário infantil. Apenas histórias para dormir.
- Que pena. E você, Baihu? Quem o adorava como um deus?
- Homens-Tigres ou weretiger, nekomusumes, bakenekos, nekomatas, geralmente seres felinos.
- Até os purrekos?
- Sim. Vamos treinar?
Não tive escolha e no mundo espiritual, Baihu era ainda mais carrasco que no material. Me mandava corrigir a postura, às vezes dava com o rabo em uma parte do corpo para isso, me fazia subir pedra, madeira, árvore, o que estivesse ali e às vezes mostrava qual movimento eu teria que executar. Zhuniao não estava longe, ele me ensinava a como respirar e até mandava Baihu dar uma pausa.
- Está melhor? – Perguntou o pássaro durante uma pausa.
- Ele é pior aqui do que no mundo material. Meu corpo está todo dolorido.
- Tingsi, não é o seu corpo que está aqui e sim o seu espírito.
- Como assim?
- No mundo espiritual não é seu corpo que sofre danos e sim seu espírito. Seu corpo ainda está em seu quarto em Eel. O cansaço que você tem não é físico e sim espiritual.
- Agora que você me avisa?! E não era você quem queria treinar o meu espírito?!
- Mas eu estou treinando. Os exercícios de respiração são por causa da pressão. A pressão daqui é diferente do mundo material. Cada camada possui uma pressão diferente.
- E por que eu estou sentindo isso só agora?
- Você veio aqui tantas vezes que aprendeu a respirar, mas nunca precisou lutar. Baihu está apenas lhe mostrando o que você precisa repetir no mundo material, ao mesmo tempo em que está treinando o seu espírito para o caso de precisar lutar fora do mundo material ou do limiar.
Zhuniao olhou para o horizonte. Havia uma grande lagoa próxima, cheia de flores de lótus.
- Como fez isso?!
- Eu diria que é porque eu sou um deus, mas não é apenas por isso. Esta camada está livre de qualquer matéria física, o que significa que você pode fazer o que quiser, por mais absurdo que seja.
- Como assim?
- Se quiser andar sobre a água, apenas ande. Se quiser saltar até aquela árvore, apenas salte. Se quiser escalar a montanha aos pulos, apenas escale. Confie em seu potencial e apenas faça.
- Agora?! Mas eu estou morrendo de cansaço! Não sei nem se vou aguentar outra sessão com Baihu.
- Para descansar o seu espírito, é preciso encontrar a paz interior, estar em harmonia com o ambiente e focalizar sua energia. Venha, eu te mostro como faz.
Zhuniao entrou na lagoa e me pediu para fazer o mesmo. Eu o segui. Ele me pediu para fechar os olhos e assim eu o fiz.
- Esvazie sua mente, deixe as águas levarem toda mágoa em seu coração. Ouça o vento e os sons da floresta.
- Isso é difícil.
- Difícil é aceitar as próprias trevas, enfrentar seu passado e perdoar a si mesmo. O que está fazendo é como respirar para mim.
- Zhuniao, você se arrepende de ter nos abandonado? Tanto humanos quanto eldaryanos?
- Eu nunca os abandonei, menina. Crenças vêm e vão. É mais fácil crer naquilo que você pode ver do que naqueles que não podem interferir. Eu posso fazer aparições, mas não posso resolver os problemas de todos e nem você.
Fiquei mais algum tempo com Zhuniao. Pelo menos até me acalmar. Quando estava pronta, tentei fazer o que ele me pediu, subir uma árvore correndo. Eu fui e caí com as costas no chão. Tentei de novo e caí de novo.
- Fazer tudo que eu quiser, né?
- Você sempre teve o espírito forte, só não sabe focalizá-lo. Ache seu foco, trace um objetivo, livre-se de todas as dúvidas, conquiste-o.
Ok, focar. A árvore é o meu objetivo. Eu posso subir nela. Corri novamente até a árvore e novamente eu caí.
- Ainda possui dúvidas. Não há espaço para a hesitação, mas isso você pode compensar com trabalho duro. Tente quantas vezes for preciso.
- Parece Baihu falando.
- Acredite, todos daremos o mesmo conselho.
Depois de várias tentativas, eu consegui. Zhuniao me disse para fazer de novo e eu fiz. Subi em árvores cada vez mais altas somente correndo por elas, saltei delas para o chão ou de uma para outra e até mesmo fiz nas rochas. Baihu viu e o treino com ele se tornou ainda pior. Sorte que esse plano é livre de qualquer matéria física.
- Ótimo, agora conhece o caminho. – Disse o tigre. – Agora pode reproduzir no mundo material.
- Bebeu?! Se eu fizer isso por lá...!
- Tingsi, ouça com atenção. – Disse Qinglong. – É claro que o mundo material é cheio de limitações e algumas coisas você não pode fazer por lá, mas a maioria do que você aprendeu aqui é possível fazer. Se cair, tente de novo e de novo até conseguir. Não existe resultado sem trabalho duro.
- A menos que você tenha nascido com privilégios e não precise se esforçar para ter um cargo alto.
- Baihu!
- Você pode fazer, garota. Quando cair, lembre-se: se você pode respirar, você pode se levantar. Se você pode se levantar, você pode lutar. O céu é o limite, ultrapasse-o.
- Obrigada, gente.
Xuanwu retornou com Elliot. O kappa estava bem feliz, mas mostrava traços de exaustão.
- Ele deu muito trabalho?
- Não. Foi bom mergulhar com ele e brincar um pouco.
- Por falar em mergulhar....
- Baihu, não aprece as coisas. – Reclamou Zhuniao.
- Vá logo embora antes que o Tigre te dê mais treinamento.
- Não precisa falar duas vezes, Qinglong.
- Antes, preciso compartilhar algo. – Disse Xuanwu. – É uma receita que vai tornar o cheiro do Elliot mais suportável.
- Por favor, me ensine!
Elliot e eu voltamos ao mundo material. Ele ainda estava dormindo, cansado das brincadeiras. Percebi que também estava cansada, mas era um cansaço mental. Um cochilo deve me fazer bem.
Quando acordei, levei o Elliot para a floresta com algumas folhas e tintas. Enquanto ele desenhava, eu treinava ou tentava. Tentei reproduzir o que tinha aprendido, alguns golpes e saltos. Consegui subir nos troncos de madeira com mais facilidade e saí pulando por eles como Baihu me fez pular no mundo espiritual. Claro que caí, mas consegui cair de um jeito que não machucasse tanto.
Para subir nas árvores, eu não podia correr que nem uma retardada em linha reta até o topo. Corri em linha reta até um galho e agarrei nele. Tive que subir e daí por diante foi me equilibrar, balançar nos galhos e saltar para outros galhos. Eu caí? Várias vezes. Me levantei e continuei até meu corpo ficar todo dolorido.
Voltamos para o QG, mas dessa vez fomos para a enfermaria. Ewelein queria verificar como Elliot estava e ainda por cima eu apareci toda fodida.
- O que você andou fazendo para ter tantos hematomas?!
- Treinando.
- Você não devia estar tomando conta do Elliot?!
- Eu estava, mas eu aproveitei para treinar também.
- Ewelein. – Disse Elliot segurando um desenho que tinha feito dela e o dando à elfa.
- Quem é nesse desenho?
- Ewelein.
- Mas que adorável.
Ela examinou Elliot e cuidou de mim. Assim que saímos da enfermaria, fui ao laboratório de alquimia trabalhar na receita que Xuanwu me ensinou. Quando terminei, fui alimentar Elliot e depois dei um banho nele com o sabão especial que tinha criado. Não é que melhorou muito?
À noite, decidi fazer umas travessuras. Coloquei uma roupa toda preta que usava na Terra, óculos de solda, amarrei o cabelo e o coloquei para dentro do capuz, peguei uma máscara de gás para tintas, fones de ouvido e coloquei uma blusa preta de mangas curtas com capuz no Elliot.
Peguei os sprays, coloquei Get Jinxed e Enemy para tocar em loop, mas não muito alto para não me ferrar e comecei a grafitar nos muros do QG com o Elliot. Fiz umas asas de anjo coloridas que pareciam ser de vidro, daquelas que você pode ficar no meio delas para tirar foto; um dragão iridescente; alguém usando uma máscara de gás com detalhes coloridos para parecer neon e um capuz. Elliot só espirrava tinta e tentava desenhar, se bem que ele estava mais feliz espirrando tinta do que qualquer outra coisa.
- Mas o que é isso?! – Puta merda, é o meu chefe!
Sem pensar duas vezes, arremessei a lata que eu segurava no chão e uma grande fumaça colorida se espalhou. Peguei Elliot e vazei dali. Valkyon estava nos procurando pelos labirintos do refúgio de Eel, mas consegui despistá-lo e voltei para o QG sem que ninguém nos visse. Mudei rapidamente de roupa, escondi a prova do crime e dei outro banho em Elliot, dessa vez no banheiro do QG.
Voltamos para o quarto e comecei a contar para o Elliot a história da Chapeuzinho Vermelho. E quem bateu à minha porta? Se você apostou no Valkyon, errou, era a Alajéa.
- Tingsi, você está sabendo? Fomos atacados!
- Atacados? Por quem?
- Eu não sei, mas fizeram uma coisa muito estranha no muro.
- Elliot, você fica aqui. Depois eu termino a história.
Saí do quarto para ver do que se tratava. A guarda estava toda lá vendo meus grafites. Valkyon estava relatando o que tinha acontecido.
- Acha que pode ser Ashkore quem fez isso? – Perguntou Miiko.
- Duvido muito. Era diferente e me atacou com fumaça.
- Nunca vi nada parecido com isso. – Disse Ezarel analisando um dos grafites. – O que acham que pode significar?
- Pelo visto esse trabalho vai recair em mim.
- Quem é Ashkore?
- Você não conhece. – Respondeu o vampiro. – É um mascarado que vive dando trabalho para a gente. Talvez isso seja um aviso.
Eles bolavam teorias da conspiração, cada uma pior que a outra. Eu tinha que me segurar para não rir. Decidiram investigar por aí. Sobramos apenas eu e Leiftan.
- Isso é obra sua, não é?
- Bem, você queria ver meus trabalhos. Essa é só uma parte deles. Se estivesse com minha mesa digitalizadora, te mostraria uns digitais que fiz.
- Digitais?
- É meio complicado de explicar.
- Por que asas com um buraco no meio?
- No meu mundo, alguns artistas fazem asas assim para outras pessoas encostarem no muro e tirar fotos. Pensa como se fosse um retrato automático.
- Acho que entendi, mas por quê?
- Pela ilusão que fica. Se afasta um pouco.
Ele se afastou e eu fui até o muro e encostei nele. Parecia que eu realmente tinha asas.
- Como é que eu estou?
- Realmente, a impressão que tenho é que você pode ter mesmo asas. Mas por que asas?
- É pela sensação de liberdade. Imagina se pudesse ter asas e voar? Poder ir para qualquer lugar que você quiser a hora que quiser, sentir o vento no rosto, desbravar os céus....
- É uma visão um tanto sonhadora, não acha?
- Eu sei disso. Na Terra, se víssemos alguém com asas voando por aí, alguns tacariam pedra ou ele seria atropelado por um avião. Mas eu gosto da ilusão de liberdade. Por isso que fiz as penas parecerem vidro, para mostrar que apesar de parecer que somos livres, é apenas uma ilusão. A liberdade é tão frágil quanto essas penas de vidro.
- Você é mesmo uma artista.
- Percebeu isso agora?
- Tinha minhas dúvidas. Sabe, a Miiko também sabe desenhar.
- Não brinca!
- Falo a verdade. Não é como você, mas ela desenha bem.
- Acho melhor eu ir. Deixei Elliot sozinho com os mascotes.
Nos despedimos e voltei para o quarto. Elliot estava brincando na fonte com os mascotes. Tirei ele de lá, o enxuguei, terminei a história e peguei o notebook. Elliot e os mascotes se uniram para ver 3 filmes do Toy Story e Mulan. Eu amo Mulan, eu sei que não se parece em nada como no conto, mas o filme é bom! Filme desenho, o live action é um caça níquel bonito com história bosta.
No dia seguinte seria a partida para levar Elliot de volta para casa. Eu decidi levá-lo até os grafites e fazer um retrato dele no de asas, pelo menos o esboço. Iria aproveitar cada momento desse último dia juntos. Fiz o desenho, iria pintar mais tarde, mas não podia deixar de treinar. Por isso, inventei de tirar uma soneca como desculpa para irmos ao mundo espiritual.
- Xuanwu, você pode tomar conta do Elliot de novo?
- Está me achando com cara de babá?! – Perguntou a cauda serpente.
- Não há problema. Podemos ensiná-la melhor neste plano.
- Ainda mais agora que vou te ensinar a bater de verdade. – Disse Baihu.
- Nós também iremos auxiliá-la em alguns golpes. – Sentenciou Qinglong.
- Não era só Baihu quem ia me ajudar com o corpo?
- Há várias formas e caminhos no wushu.
- Isso você vai descobrir agora.
Baihu ficou sobre duas patas, virando uma espécie de tigre humanoide.
- Vou te ensinar o básico e depois vamos para o estilo tigre.
- Por que não me surpreendo?
Além de chutar alto, chutar árvore e socar árvore, Baihu me ensinou as posições de luta e de bloqueio antes de me ensinar a garra do tigre. Me fez repetir várias vezes até os exercícios mais básicos ficarem na minha mente. Depois a gente lutou. Quer dizer, eu tentei bater e tomei um pau e olha que ele ficou mais na defensiva e só lançou um ou dois contra-ataques.
- Seus ataques estão muito fracos e que porra foi aquela no final?!
- Você não me deu um descanso desde que começamos!
- Não temos tanto tempo assim. Escute, o estilo tigre usa muito a força explosiva. Há muitos golpes traumáticos, arranhões, torções e até agarramentos. Você vai precisar treinar o dobro no mundo material para conseguir dominar este estilo, mas é o mais prático para você usar em uma luta, além de ser o mais comum.
- Tudo isso e você só me ensinou a bater em linha reta?!
- Claro, porra, você precisa aprender o básico antes de aprender o avançado. E eu te ensinei outros golpes também ou acha que socar e chutar árvore foi puro sadismo? Anda, de novo.
Eu perdi a conta de quantas vezes o ataquei com vários golpes diferentes. Não ganhei dele, mas pelo menos foi menos pior que antes. Decidimos fazer uma breve pausa antes de Qinglong descer dos céus e assumir uma forma humanoide.
- Vamos, quero te ensinar o estilo dragão.
- Vocês dois querem me matar, não é possível!
Lá fui eu aprender o estilo dragão. A garra era mais aberta, tinha uns exercícios de respiração também. Ainda bem que aqui é o mundo espiritual, mas ainda assim já estou chorando pelo que vou ter que fazer no mundo material. Diferente de Baihu, Qinglong era mais brando, mas ao mesmo tempo firme, então não me senti esgotada com ele.
- Minha vez. – Disse Zhuniao.
- Vai me ensinar o estilo fênix?
- Não. Você é dançarina, certo?
- Era.
- Prefiro estilos que combinam dança e luta. Você tem bons movimentos de dança, irei ensiná-la a transformá-los em golpes.
Nunca pensei que o treino com Zhuniao fosse tão legal. Talvez por ele deixar tocar algumas músicas que eu gostava além das tradicionais e por ele aceitar a ideia do pole dance de boa. Embora os movimentos fossem leves e fluidos, treinos de dança são puxados, mas eu me divertia. Eu podia até usar as danças de chão do pop para lutar e me levantar. Quando terminamos, fomos encontrar Xuanwu.
- Ele deu muito trabalho?
- Nenhum. Ele parece estar desenvolvendo uma profunda conexão com você.
- Eu tento fazê-lo se divertir, só isso.
- Aceita uma partida de majong?
- Eu não jogo majong há anos. Tipo, desde que parei de falar com vocês.
- Uma pena. Podemos consertar isso. Gostaria de ensinar ao Elliot?
- Eu mal me lembro de como se joga.
- Talvez possa refrescar sua memória.
- Alguém disse majong? – Perguntou Zhuniao.
- Eu também quero jogar. – Qinglong anunciou prontamente.
- Quem ganhar, sai para eu entrar. – Disse Baihu.
Os quatro tiveram que me ensinar a jogar de novo. O bom é que foram ensinando o Elliot também. Os vencedores iam revezando com quem estava de fora. A gente conversava também, afinal, majong é um jogo de estratégia e socialização.
Assim que Elliot e eu voltamos ao mundo material, eu o levei à floresta para reproduzir os golpes novos e trabalhar os antigos. Para ele parecia ser uma brincadeira. Treinei até meu corpo doer. Elliot e eu voltamos ao QG para tomar banho e comer. Depois de comer, ainda achei milho para pipoca na despensa. Fiz pipoca com manteiga, coloquei sal e pus em uma vasilha. Até dei para o Elliot experimentar.
- Como é que você fez isso?! – Perguntou Nevra.
- Ué, coloquei o milho em uma panela fechada com óleo, como qualquer pessoa do meu mundo faz.
- No seu mundo faz assim?! Aqui a gente cozinha aqueles grãos e não fica bom. Do jeito que você faz fica?
- Experimenta.
Ele experimentou. Pela cara gostou. Eu peguei Elliot, corri para o meu quarto e tranquei a porta. Algum tempo depois estava o Nevra batendo à minha porta.
- Tingsi, divide essa delícia salgada!
- O nome é pipoca e não, não divido com você.
- Por favor!
- Faz para você! É fácil!
- Fácil para você, eu não sabia que dava para fazer de outro jeito!
- E dá para fazer doce ou caramelizada também.
- Tem outras formas?!
- Te vira aí!
- Você é má!
- Me processa então.
- Se eu soubesse o que é isso, te processava!
Coloquei A Pequena Sereia para assistir e fiquei comendo pipoca com o Elliot. A Úrsula era engraçada e ao mesmo tempo dava medo. Botei Tarzan e A Bela e A Fera para ele ver, assim como A Princesa e O sapo. Ele quis ver Lilo e Stitch e Viva, a Vida é Uma Festa mais uma vez. Quando acabou, levei a vasilha de volta para a cozinha.
Coloquei alguns vídeos de música para os mascotes e o Elliot ouvirem, cantarem e dançarem. Admito que não resisti e coloquei as músicas das K/DA para relembrar os momentos em que dancei com minhas amigas na Terra, também cantei aquela Legends Never Die, algumas da Beyoncé, Britney Spears e até botei Harlem Shake. Foi muito divertido.
No dia seguinte, nos juntamos ao Chrome na praia. Chegou a hora de levarmos o Elliot para casa. O barco que iriamos era pequeno, os suprimentos já estavam a bordo e Chrome cuidaria da navegação.
- Eu sou Moana!
- Mas o que...?! Tingsi, o que andou ensinando a ele?!
- Foi uma história que ele viu.
- Aqui no mar!
- Mais de uma história. Vem Elliot, a tia quer tentar uma coisa.
- Você vai fazer o que?
- Estamos no topo do mundo!
Eu peguei Elliot e tentei reproduzir a cena do Titanic. O pequeno ria e parecia que estava voando na proa. Quanto ao Chrome, nem precisava olhar para a cara dele para ver que ele achava que eu tinha muitos parafusos à menos na cabeça.
- Você é muito estranha, sabia?
- Você ainda não viu nada. Para onde a gente tem que ir?
- Para as Terras de Jade, é lá que os kappas vivem. Olhe, tem algo brilhando ali! Podemos ir lá ver?
- Claro!
Fomos até o objeto brilhante. No final, era só uma garrafa vazia em um armário. O dia se resumiu com Chrome nos levando para todas as direções erradas e nos atrasando, mas eu não me importei. Chamei o Elliot para começar uma sessão de taichi, afinal eu tinha que arrumar uma forma de distraí-lo durante toda a viagem.
- O que está fazendo?
- Se chama taichi. É meditação em movimento.
- Meditação em movimento? Parece chato e como pode se concentrar enquanto se movimenta?
- Isso se chama prática. Quer tentar?
- Não.
- Você quem sabe. Vou precisar do mastro depois.
- Para que?
- Treino.
- Está falando sério?
- Sim. Eu vou bater nesse mastro até não aguentar mais.
- Você enlouqueceu?!
Ignorei os protestos do Chrome e continuei o taichi.
- Tingsi. Como ondas.
- É Elliot. A gente se move como as ondas e respira com elas. Dessa forma.
Eu tenho que treinar mais na praia do que na floresta quando voltarmos. A brisa marinha é revigorante. Ficamos assim por mais algum tempo até achar que estava bom e eu ir socar o mastro. Diferente de quando comecei, meus movimentos estavam mais rápidos e constantes.
- Caramba! Como você consegue socar rápido assim?!
- Treino, Chrome. Muito treino.
- Então é isso que você anda treinando?!
- É.
Não soquei muito porque depois tive que correr atrás do Elliot, que insistiu em ser a Moana e pulou no mar. Era sempre a mesma coisa, ele pulava, eu ia atrás e voltávamos ao navio. Tive que me trocar, sorte que deixei meu celular no QG. Teve uma hora que fiz o Elliot tirar uma soneca, só não contava que as músicas de ninar fariam efeito no Chrome e ele dormiu. Aproveitei que estávamos no curso certo para subir na ponta da proa do barco para treinar equilíbrio até que cansei de ficar parada e dei um salto da ponta para o convés. Baihu estava me treinando para pular de um poste de madeira para outro mesmo.
Fiz de novo, dessa vez tentei dar um mortal, mas não deu certo e caí feito banana podre no chão. Elliot e Chrome não tinham acordado. Esperei um tempo para me recuperar e tentei de novo, já que apanhar faz bem para a resistência. Consegui dar um mortal na quarta ou quinta tentativa.
- Pelo visto não esqueceu dos treinos. – Falando no tigre.
- E você iria me deixar esquecer?
- Não é algo que tenha que partir de mim. Está fazendo um bom progresso.
- Claro, se eu quiser sair deste mundo e seus treinos são a única coisa que podem me manter viva, é melhor continuar, não?
- Há várias formas de se manter viva aqui, meus treinos são para que você tenha uma chance de lutar.
- Obrigada, Baihu.
- Não me agradeça. Você sempre foi uma lutadora, Tingsi, só precisa das armas certas. Na Terra você tinha a sua voz e outros meios para lutar. Aqui você precisará dos seus punhos.
- É justamente por isso que tenho que te agradecer. Por me dar as armas que preciso.
O resto do dia transcorreu tranquilamente. À noite, fui dar o jantar do Elliot e Chrome pegou dois salsichões para nós e comeu o dele com gosto. Não reclamei e comi o meu. Claro que Elliot queria música para viajar durante a noite, então resolvi cantar algumas que lembrava, começando I Have a Dream do Abba, que achei apropriada para uma viagem de barco durante à noite.
- Você sabe cantar assim?!
- Há muita coisa sobre mim que você não sabe.
- Tipo o que?
- Tipo muita coisa.
Naquela noite, eu fui me encontrar com os deuses para mais treinamento.
- Vejo que alguém está motivada. – Disse Qinglong.
- Claro! Mal posso esperar para pular de telhado em telhado. Zhuniao, você ainda me deve aquelas aulas de pole dance!
- Tudo ao seu tempo. – Respondeu o pássaro. – Embora aprenda os golpes que ensino com facilidade, há muito a aprender.
- Claro, você sabe que eu amo dançar! Até Break Dance eu sei fazer. Um pouco.
- Queremos ensinar algo novo também. – Tornou a dizer o dragão. – Sabia que você pode usar seu espírito para mergulhar no mar?
- Pensei que Zhuniao quem fosse me ensinar coisas sobre o espírito.
- Um dragão é mais eficiente debaixo d’água que um pássaro de fogo.
E lá fui eu para mais uma rotina de treinamento. Eu tive que mergulhar em um lago que tinha lá, foi umas das sensações mais indescritíveis que já senti. Eu conseguia ver o que tinha no fundo, mas não animais. Aparentemente eu posso fazer isso no plano em que tudo fica branco.
Continuei meus treinos de dança marcial com Zhuniao e claro que Baihu apareceu para me fazer lutar com os estilos que tinha aprendido anteriormente e me deixar exausta. Foi então que Xuanwu apareceu com um novo tabuleiro.
- O que é isso?
- Shogi, também conhecido como xadrez japonês.
- Você está de sacanagem! Eu não gosto nem de xadrez normal!
- Não tem problema, eu te ensino a jogar. É como xadrez, porém mesclado com damas.
- Xuanwu!
- Pelo menos dê uma chance ou jogar comigo é tão entediante assim?
- Bem, você ganha praticamente todas as partidas.
- Não se trata de ganhar ou perder, mas sim de entender o jogo. Podemos?
E lá fui eu aprender a jogar shogi. Era chato, mas Xuanwu fazia parecer menos chato. Perdi todas as partidas, claro. Pelo menos no majong um dos outros deuses conseguia derrotá-lo.
Chapter 9: Capítulo 9
Notes:
Tem sido um mês difícil, mas estou de volta com um novo capítulo para vocês.
Chapter Text
Os próximos dias seguiram da mesma forma. Dessa vez, na hora da soneca dos dois, eu inventei de escalar o mastro. Foi tão satisfatório ver tudo de cima e que o treinamento brutal de Baihu estava dando resultados! Mal posso esperar para sair pulando de telhado em telhado graças ao wushu. Está bem que eu tenho que treinar mais o equilíbrio, mas sinto que estou no caminho certo.
Finalmente chegamos à praia. Escondemos o barco e Chrome foi amarrá-lo. A missão está prestes a terminar, mas já estou sentindo saudades do Elliot. Descemos do barco com as oferendas. Já em terra eu pude constatar melhor o ambiente. A praia era cercada por imensas folhas que brotavam do chão. Também havia algumas estátuas diversas.
- Eu não imaginava que pudessem existir folhas tão grandes assim.
- Nem me fala. Agora eu me sinto pequeno.
- Chrome, você já esteve nas Terras de Jade?
- Não, é a primeira vez.
- Que pena. Eu queria saber o que essas estátuas significam.
- Elas te intrigam tanto assim?
- Não muito, é só curiosidade mesmo. O que mais tem para explorar?
- Haha, vejo que somos parecidos. Eu adoro explorar lugares que visito em missões.
- Então, o que estamos esperando?
Nós adentramos na floresta com folhas grandes. Andamos mais um pouco, eu só conseguia olhar fascinada para aquele lugar. Havia tantos caminhos a seguir e lugares para explorar. O vilarejo não estava muito longe. Senti um grande aperto no coração por deixar o Elliot, mas pelo menos ele estava voltando para casa.
- Eu vou na frente. Fique aqui.
- Por quê?
- Humanos são muito raros por aqui. Eles podem interpretar sua presença como má sorte.
- Está bem, então você carrega a minha parte.
Dei a minha parte das oferendas ao Chrome antes dele ir embora. Me abaixei na altura do Elliot para falar com ele. Querendo ou não, acabei me apegando a ele.
- Isso é um adeus, Elliot. – Ele começou a ficar triste. – Não fique assim. Você está em casa agora.
Elliot começou a chorar e eu só podia fazer uma coisa para acalmá-lo.
- Lembre de mim. Hoje eu tenho que partir, lembre de mim. Se esforce para sorrir. – Ele parou de chorar, pelo menos agora só as lágrimas desciam pelos olhos. – Não importa a distância nunca vou te esquecer. Cantando a nossa música o amor só vai crescer.
- Lembre de mim. – Agora cantávamos juntos. – Não sei quando vou voltar. Lembre de mim, se um violão você escutar. Ele com seu triste canto te acompanhará e até que eu possa te abraçar. Lembre de mim.
A gente já estava chorando e se abraçando.
- Promete que vai escovar os dentes todos os dias e tomar banho também para não ficar com esse futum!
- Banho!
- E que vai continuar desenhando!
- Desenho!
- E chamando o Ezarel de panaca!
- Panaca!
- E não largue a escola!
- Escola!
- Que Xuanwu te proteja!
- Genbu! Lembre de mim!
- Eu vou lembrar!
- Er, Tingsi.
Só então notei Chrome com um velho kappa. O kappa falou algo que parecia japonês.
- Desculpe, eu não falo japonês.
- Reconhece a nossa língua?
- Mais ou menos. Poderia repetir, por favor? – Achei melhor ser educada, já que era o povo que tinha Xuanwu como seu deus e eu não sei se ele vai me dar bronca.
- Disse que estou encantado em conhecê-la.
- Igualmente, senhor.
- Meu nome é.... – Eu não consegui entender porra nenhuma. – Mas não se preocupe em pronunciá-lo corretamente.
- Sou Tingsi Zhu e este é meu companheiro de missão Chrome, mas o senhor pode me chamar de Tingsi.
- Tudo bem, vovô? – Pela cara do velho kappa, ele queria afogar o Chrome.
- Tingsi é um nome um tanto incomum, mas não me é estranho.
Elliot correu para os braços do ancião, foi então que ele entendeu o motivo de nossa vinda.
- Vocês encontraram outros?
- Outros?
- Vários de nossos recém-nascidos foram capturados há algumas semanas.
- Sinto muito, só achamos o Elliot nos arredores do QG de Eel. Não sabíamos que havia outros.
- Elliot?
- É o nome pelo qual o conhecemos.
- Elliot! Elliot!
- Ele parece gostar.
- Eu sinto muito mesmo que não tenhamos achado outros.
- Não se preocupe, minha jovem. O importante é que ele está em segurança.
- Não é por nada não, mas temos que voltar o mais rápido possível. – Disse Chrome.
- Eu entendo.
- Adeus, Tingsi.
- Nunca é um adeus, Elliot.
Depois dessa eu vou chorar em posição fetal ouvindo When I See You Again várias vezes. Chrome e eu voltamos para a praia para irmos embora.
- Chrome, cadê o barco?
- Como assim? Ele está bem.... Cadê o barco?!
Ficamos procurando o barco por pelo menos uma hora e não encontramos. Não havia indícios que tinha sido roubado, mas ele tinha desaparecido. Chrome gritava sem parar.
- Isso não pode estar acontecendo!
- Não é o fim do mundo. Quanto tempo você acha que vai demorar para a guarda enviar uma equipe de resgate?
- Você tem que parar de viver no mundo dos Panalulus, a vida não é feita de algodão doce.
- Sério que você está falando isso logo para mim? Eu sou cria das ruas, ô garoto. Algodão doce é para quem pode sonhar.
- Bem, então deve saber que ninguém vem nos buscar. Você está calma demais para alguém que descobriu que estamos sem barco.
- É porque eu não quero voltar para o QG, eu quero é voltar para Terra.
- Você só pensa nisso?!
- Claro ou acha que quero ficar em Eldarya pelo resto da vida? – Ele bufou.
- Pelo visto não vai me ajudar a voltar.
- Pelo contrário. Vamos falar com o ancião que nossos planos mudaram e ver se eles têm um barco ou algo assim.
Fomos até o vilarejo, dessa vez eu entrei. Os kappas não gostaram muito da minha presença. Reparei que alguns eles jogavam shogi. Nosso pedido não resultou em nada, então teríamos que esperar pelo mascote do Chrome, até lá precisávamos encontrar comida e um lugar para acampar. Chrome sugeriu uma cachoeira atrás do vilarejo e como eu não tinha passe livre, acabei tendo que dar a volta. O lugar era lindo e a água pura, não hesitei em beber.
Na hora de procurar comida, Chrome voltou ao vilarejo enquanto eu fui andar por aí. Me afastei demais da borda do vilarejo. Preferi procurar por lugares mais afastados. Encontrei uma ruína, parecia coisa das primeiras civilizações daquela terra. Havia uma construção estranha em formato de cogumelo cagado. O lugar emanava calma e um vento ancestral parecia vir da construção. Fui até lá.
Não sabia dizer exatamente o que era aquilo, mas parecia estar vazio. Mal explorei o lugar e me deparei com uma estátua antiga cercada de velas e algumas oferendas. Era uma tartaruga brigando com uma cobra enroscada em seu casco. Eu me aproximei e toquei em uma das patas da tartaruga.
- Xuanwu, era isso que você queria me mostrar?
Não houve resposta. Bem ou mal, agora eu tenho abrigo. Fiz uma reverência à estátua e entrei no limiar. Havia uma energia negra emanando dela, mas não era agressiva, pelo contrário.
- Xuanwu! Por favor, me responda!
- Aff, garota, você não sabe se virar não?!
- Não falei contigo, serpente.
- A Serpente sou eu de mau humor. Perdoe-me por não poder ajudá-la.
- Eu não quero sua ajuda! Este lugar, o que é ele?
- Atualmente é chamado de Vestígio dos Monges. Aqui foi onde a primeira civilização das Terras de Jade se instalou. Hoje é o meu templo.
- O que aconteceu com ela?
- É uma ótima história, mas você não possui outras prioridades?
- Eu não quero voltar, mas ao mesmo tempo eu não sei o que fazer. Eu quero voltar para a Terra.
- Eu sei. Você só quer alguém para conversar.
- Eu tenho a impressão de que eu só posso contar com vocês.
- Confiança não é seu ponto forte. Sabe que estarei disponível caso queira conversar.
- Obrigada. Bem, agora preciso encontrar comida.
- Boa sorte.
Graças ao limiar eu consigo traçar melhor meus objetivos. Voltei ao mundo material. Fui para o norte, pois o outro rastro me levaria de volta à floresta das folhas grandes e eu queria explorar mais. Não sei por quanto tempo eu andei, mas cheguei a um lago. Não achei nada, então fui mais ao norte, onde tinha um outro lago com uns sapos azuis. Eles se esconderam quando me viram. Encontrei morangos na beira do lago, então eu peguei um e experimentei. Além de morango tinha gosto de pistache e era muito bom.
Colhi alguns enquanto cantarolava algo e os sapos azuis começaram a cantar também. Aproveitei para cantar Aqui no Mar só para aproveitar a batida e depois, quando terminei, comecei a cantar Como Um Grande Homem Deve Ser, o que me deu uma grande ideia! Um girino azul me seguiu cantarolando. Voltei para floresta de folhas grande e o girino achou um negócio que parecia uma planta em formato de sol. Experimentei por curiosidade e era bem açucarado. Vai para a lista.
Na praia, eu arrumei um graveto e usei meu canivete para fazer uma lança improvisada. Usei o meu espírito para mergulhar naquelas águas e encontrar alguns peixes que poderia pescar antes de voltar e partir para a pesca. Achei algumas pérolas, peguei um mascote enfiado em uma concha e devo ter pescado dois peixes depois de muita luta e quase ter me afogado algumas vezes. Também levei algumas folhas caídas até o templo para servir de colchão e peguei gravetos para uma fogueira.
O tempo passou enquanto eu montava o acampamento com meu novo mascote e o ovo. Demorei a fazer fogo, mas a fogueira estava pronta, minha cama também, o peixe estava assando e os morangos e as frutas açucaradas estavam por perto. Chrome acabou me achando.
- Senti um cheiro bom vindo nessa direção. Você fez tudo isso?
- Não subestime uma humana com fome.
- Estou vendo. Morangos pistache e papaya açucarada?
- Achei por aí, tirando a papaya, isso foi meu novo amigo.
- Outro mascote? Você vai acabar enlouquecendo com tantos mascotes. Qual o nome dele?
- Não sei nem se é macho ou fêmea.
- Entendi.
Comemos e depois Chrome foi explorar um pouco antes de anoitecer. Eu fiquei para treinar alguns golpes. Repeti várias vezes até não aguentar mais, então fui até a cachoeira beber um pouco de água e lavar o rosto. Era noite quando voltei, Chrome tinha chegado na mesma hora que eu. Fomos dormir.
No dia seguinte, fomos convidados a ir ao vilarejo. Não foi diferente de ontem, muitos se esconderam e outros me olharam com frieza, mas caguei. Elliot me viu e se jogou nos meus braços. Fiquei com ele no colo.
- Pensei que minha presença não fosse bem-vinda.
- Toda regra tem uma exceção.
- Que seria?
- Ele.
- Tingsi!
- Também senti sua falta, Elliot.
O Mestre Kappa nos contou que interrogaram o Elliot sobre o sequestro. Ao que parece uma mulher com o cheiro parecido com o meu quem o sequestrou e ele conseguiu fugir. Conversamos mais um pouco sobre como sair daqui e a solução foi fazer uma poção para virarmos sereias e irmos nadando. Fomos pegar os ingredientes para a poção, para isso tive que ir ao limiar mais uma vez. A única coisa que faltava era algo vital de um ser aquático. Chorme disse que conseguiria o dele depois e como não sei o que é isso, deixei de lado.
Voltei aos meus treinos. Tenho a impressão que se ficar muito tempo sem treinar, Baihu vai reclamar. Subi em árvores e pulei de galho em galho, dancei, soquei e chutei árvore, treinei alguns golpes e por fim terminei com uma sessão de taichi na cachoeira. Elliot surgiu por entre os arbustos.
- Tingsi!
- Elliot? Desculpe, eu não posso te dar atenção hoje.
- Poção!
- É, eu tenho que achar os ingredientes da poção.
Ele pegou uma flor em formato de vaso e inclinou a cabeça. A água da cabeça dele caiu dentro da flor.
- Elliot, não!
- Poção! – Ele me deu e então eu entendi.
- Elliot, por que você fez isso? Você pode se machucar!
- Ohana. Ohana quer dizer família.
- Família quer dizer nunca abandonar.
- Ou esquecer. – Terminamos juntos.
Eu o abracei forte. Quando o soltei, ele voltou ao vilarejo. Fui até Chrome com todos os ingredientes para que ele preparasse as poções. O mascote dele tinha voltado, então ele enviou o relatório para Miiko. Enquanto ele foi preparar a poção, eu voltei meu olhar para a estátua. Fiz uma reverência à estátua de Xuanwu como forma de agradecimento antes de colocar a mão sobre ela. A estátua me fascinava, mas não mais que a tartaruga em si. Sorri e fui dormir.
No dia seguinte, acordamos cedo e fomos ver o Mestre Kappa. Iriamos viajar em uma carapaça de tartaruga até uma ilha e de lá iríamos tomar a poção e nadaríamos até o QG. Não fiz perguntas, afinal, às vezes é melhor só seguir o bonde. Levei meus novos mascotes comigo, além das comidas que encontramos.
Viajamos por horas, então resolvi me bronzear um pouco. Depois eu meditei e depois fiz meu espírito mergulhar nas águas. Era noite quando avistei a ilha, mas ainda estávamos longe. Acabei adormecendo no barco, afinal, estava muito cansada. No dia seguinte, acordei quando atracamos. Massageei minhas pernas e saí da carapaça.
- Muito obrigada pela sua gentileza, Mestre Kappa. – Fiz uma reverência.
- É o mínimo que eu poderia fazer, afinal, vocês trouxeram uma de nossas queridas crianças de volta.
- Não vejo Schwarz. Senhor kappa, posso te pedir um favor?
- Qual?
- Se vir o meu mascote, pode pedir para que leve nossas coisas e uma mensagem para Miiko?
Chrome acertou os detalhes com o Mestre Kappa e deixou as coisas dele juntas na areia. Eu fiz o mesmo. Ele me avisou que teríamos que nos despir para não perdermos as roupas. Esperei ele entrar na água e sumir de vista para tirar minhas roupas. Entrei correndo e tentando esconder o meu corpo o máximo possível. Bebi a poção.
Senti uma dor enorme no meu pescoço, minhas pernas se juntaram contra a minha vontade e quando vi, estava com um rabo de peixe azul escuro, guelras, escamas e umas orelhas esquisitas. Mergulhei atrás do Chrome.
- Tudo bem?
- Sim, podemos não falar sobre isso? – Ele pediu.
- Ok. Vamos?
Nadamos por muitas horas. Era complicado nadar com um rabo de peixe. Quando voltar para a Terra, juro que viro adepta do sereismo ou dou um abraço em quem adota esse estilo de vida. A gente nadou por muito tempo, eu já estava ficando cansada.
- Chrome, a gente está muito longe?
- Não muito, por quê?
- Estou cansada.
- Eu também, se bem que estamos nadando por 10 horas sem parar.
- Caramba, a gente nadou tudo isso?! Eu nem senti.
- A gente acabou ganhando algumas características com a transformação.
Descansamos alguns minutos. Olhando para cima, percebi o sol se pôr. Recuperamos um pouco da energia um pouco antes do cair da noite e voltamos a nadar. Não demorou para os raios solares sumirem. Por alguma razão, eu consegui nadar melhor à noite. Talvez fosse pelo fato das profundezas serem assustadoras no escuro ou pela adrenalina do efeito da poção estar acabando. Meu corpo pesava, eu estava muito cansada, mas ainda assim tinha que alcançar o Chrome, custe o que custar.
===Valkyon===
A missão estava demorando muito e eu estava preocupado. Eu sei que Chrome se atrasa em suas missões porque gosta de explorar o lugar, mas não é com ele que me preocupo, é com Tingsi. Estou preocupado que ela esteja aprontando alguma besteira nas Terras de Jade e a gente tenha que resolver depois.
Essa garota é problema. Desde que ela apareceu não tivemos um minuto de sossego e para piorar, ela acabou na minha guarda. Eu tento relevar porque ela é órfã e está assustada, eu sei o que é isso. Eu sei o que é não poder confiar em ninguém, estar sozinho e assustado. Eu sei o que é sobreviver no mundo, mas eu sempre tive meu irmão gêmeo Lance, nós cuidávamos um do outro e essa garota, ela não tem ninguém. Não me admira que ela dificulte as coisas, eu só não imaginava que uma garota tão pequena arrumasse problemas gigantescos.
Os mascotes dela choravam a noite inteira, eles varriam o QG atrás da dona e mijavam a sala das portas também. Tínhamos que distraí-los, o que nos fazia perder mais tempo nas nossas missões. Havia rumores que o mascote do Chrome estava no QG e os outros o estavam procurando. Eu estava ocupado com outras coisas como correr atrás de um Corko, uma Sabali e um Becola carregando a Floppy para fora do QG. Os três fugitivos pararam na praia, onde pude resgatar Floppy deles.
- Você está bem? Esses doidos não te machucaram, foi?
Eles estavam tentando chamar a minha atenção para alguma coisa. Eis que olho para a água e lá estava o barco. Tive que nadar até ele, já que nenhum dos dois me respondia. Quando subi a bordo vi que o barco estava vazio, o kit de navegação do Chrome ainda estava nele, assim como muitos pertences dos dois. Levei o barco de volta para o cais e desembarquei as coisas deles. Isso estava estranho. Voltei para o QG com seus pertences e os mascotes. Acabei encontrando a Ewelein no caminho. Ela ainda estava procurando o mascote do Chrome, o que achei estranho.
- Ainda? Os dois não estão no QG?
- Estão? Eu não os vi.
- Encontrei o barco deles, mas estava vazio e as coisas deles estavam lá.
- Isso é estranho. Vou continuar procurando o Schwarz. Você pode relatar isso à Miiko.
- Primeiro irei ver se estão nos quartos ou se alguém sabe de alguma coisa.
Eles não estavam nos quartos. Tinha deixado Floppy no meu e depois as coisas deles nos quartos deles, mas não havia qualquer sinal de Chrome ou Tingsi. Aquilo estava muito estranho. Achei melhor perguntar se alguém os tinha visto no QG e nada.
Ewelein tinha encontrado o Schwarz e ele tinha uma mensagem. Fomos falar com Miiko. O kappa tinha sido entregue, mas os dois perderam o barco, o que a deixou furiosa. Eles iriam achar uma forma de voltar.
- Isso explica por que o barco estava vazio com as coisas deles.
- Você achou o barco?!
- Estava na costa. Achei que eles tinham voltado, mas pelo visto foi só o barco.
- Menos uma preocupação.
- Como eles vão voltar? – Perguntou Alajéa.
- Eu não sei, eles não disseram na carta. Devemos nos preparar para a chegada deles.
Ainda não conseguia acreditar que Chrome tinha perdido o barco e agora só nos resta esperar e nos preparar. Ewelein foi preparar os remédios, eu pedi a Jamon que me ajudasse a organizar patrulhas para o caso de avistar qualquer um dos dois.
Foi durante a noite que vimos Chrome sair da prisão completamente nu, tentando tapar sua intimidade. Mandei Jamon chamar a Ewelein e corri para a prisão com Nevra e Leiftan. Ao chegarmos lá, as paredes estavam cheias de rabiscos e um desenho da Miiko com x nos olhos e a frase “fuck the fox”.
- Mas que porra é essa?!
- Eu também queria saber. – Disse Nevra. – Primeiro nossos muros e agora a prisão?!
- Não é melhor procurarmos a Tingsi e depois nos preocuparmos com isso? – Perguntou Leiftan.
- Claro.
Tirei minha armadura para entrar na água enquanto os outros dois tiravam o excesso de roupa. Vi algumas bolhas subirem à superfície, mas nada além delas. Decidi que seria lá que mergulharia. Consegui achá-la e trazê-la à superfície. Os arcos do cabelo dela não existiam mais. Ela estava toda descabelada com o cabelo grudado na cara a ponto de eu ter que afastá-lo em uma única passada de mão. Ela ofegava em busca de ar, se agarrava em mim instintivamente a ponto de levar uma das mãos à minha nuca e não soltá-la.
- Achei ela!
- Valkyon? É você?
- Aguente firme, garota.
Eu a levei até a margem e a entreguei para os outros dois. Enquanto saía da água, Leiftan a cobriu com seu casaco. Eu a peguei no colo novamente e partimos para a enfermaria. O caminho todo tentávamos mantê-la acordada. Ao chegarmos na enfermaria, Miiko ordenou que eu a colocasse em uma cama e também que todos os rapazes saíssem. Nevra foi o primeiro a sair.
- Qual é o problema? – Perguntou Ezarel.
- Afinal é só um corpo. – Comentei.
Antes que a Miiko dissesse algo, Tingsi pegou a primeira coisa que conseguiu e jogou na gente, quase acertando Ezarel. Depois disso fomos empurrados para fora. Ficamos eu, Ezarel e Leiftan olhando um para a cara do outro sem entender nada.
- Essa garota é problema. – Disse Ezarel antes de sumir das nossas vistas.
Ykhar passou correndo por nós e voltou com uma muda de roupa. Só depois que pudemos entrar, pois Ewelein queria que a levássemos para o quarto. Obedecemos sem questionar, afinal alguém precisava abrir a porta e lidar com os mascotes enquanto outro a colocava na cama. Leiftan ficou com os mascotes e eu com a garota, que estava mais apresentável desde que a resgatei, o cabelo penteado e com o vestido mais longo que Ykhar tinha encontrado. Devo admitir, a garota pode ser problemática, mas é bonita.
- Acha que ela vai ficar bem? – Perguntou o lorialet.
- Espero que sim. É melhor voltarmos outra hora, para ter certeza que ela está bem.
- Concordo. Ewelein não nos deu uma previsão de que acordaria.
- Se não acordar amanhã, teremos que continuar com as visitas.
Saímos do quarto para que pudesse descansar.
Chapter 10: Capítulo 10
Chapter Text
Acordei zonza e sem distinguir formas. Parecia que eu tinha sido atropelada por um caminhão. A ressaca vai ser foda. Tive um sonho muito estranho e todo doido com animais falantes, eu virei sereia e tinha uns personagens de LoL. Yuna com certeza vai rir e me pedir para contar tudo, se eu lembrar. A claridade castigava meus olhos sem dó.
- Yuna, fecha essa porra. A ressaca hoje está forte.
- Quem é Yuna? – É uma voz masculina?
Foi o suficiente para me despertar. Não acredito que bebi a ponto de parar na casa de um desconhecido! Esperei a visão normalizar para descobrir onde eu estava. A visão foi pior do que imaginei. Eu estava no meu quarto, mas não no da faculdade e sim no meu quarto do sonho com meus mascotes e Valkyon perto da cama. Flashes de memória vieram quase instantaneamente. Enterrei o rosto nas mãos e comecei a chorar. Aquilo não tinha sido um sonho, eu ainda estava presa nesse pesadelo.
- O que houve? Está sentindo algo? Quer que chame a Ewelein? – Neguei com a cabeça. – Tingsi, está tudo bem. Está segura agora.
Não estava tudo bem! Eu queria dizer isso a ele, mas a minha garganta queimava tanto que eu não conseguia verbalizar. Senti a mão dele nas minhas costas, acariciando-as suavemente como se quisesse me acalmar. O choro foi diminuindo, mas a dor que eu sentia não.
- Está com dor?
- Eu só quero ir para casa.
- Vou deixá-la em paz até que esteja mais disposta. Miiko quer te ver, então quando se recompor, vá falar com ela.
Ele saiu. Voltei a deitar, dessa vez enfiei a cara no travesseiro. O choro voltou ainda mais forte. Eu odeio chorar, mas eu não consigo parar. Me sinto fraca demais para fazer qualquer coisa, levantar parece impossível. Tenho a impressão que se cair no chão vou ficar lá o dia inteiro sem conseguir me levantar. Novamente senti uma mão em minhas costas. Achei que Valkyon tivesse voltado e estava tentando me acalmar de novo, mas dessa vez estava sendo mais rápido que o normal.
Tomei coragem para olhar. Era um homem forte e um tanto robusto vestido inteiramente de preto. Suas vestes largas eram claramente orientais e seu rosto estava oculto por um chapéu de palha em forma de cone que nem os antigos agricultores chineses e vietnamitas usavam. Parecia um vagabundo. Rapidamente me afastei dele.
- Não precisa ter medo. – Sua voz era arrastada e monótona, como a de uma tartaruga.
- O que você quer?!
Ele levantou o chapéu, mostrando seu rosto sereno seus olhos inteiramente negros, não dava para diferenciar a íris da pupila. Minha mente deu um estalo.
- Xuanwu?! Não pode ser você! Isso....
- Não pense nisso agora, não irá te fazer bem.
Me joguei em cima dele e agarrei suas vestes em um impulso. Eu não sabia como o reconheci ou se ele me deixou reconhecê-lo, mas estava tão feliz por ele estar por perto e puta por ele ter uma forma humana e não ter me contado! Senti um dos braços dele me envolver.
- Chore o quanto precisar. Não irei a lugar algum.
- Você sabe que eu odeio chorar, Xuanwu!
- Não há fraqueza em chorar, é apenas uma forma de desabafo.
Ouvimos batidas na porta. Era Leiftan e ele queria entrar. Não sei como tirei forças para empurrar Xuanwu e mandá-lo para debaixo da cama. O lorialet entrou no quarto.
- Está melhor? – Neguei com a cabeça. – Se quiser conversar sobre o que aconteceu, você pode contar comigo.
- Valeu.
Voltei a deitar, mostrando claramente que não queria conversar, na verdade, não queria levantar da cama. Ele entendeu e saiu. Só percebi que Xuanwu saiu de baixo da cama quando senti sua mão em minhas costas.
- O que está fazendo aqui mesmo?
- Achamos melhor nos encontrarmos no mundo material, visto que você não está em quaisquer condições de ir ao mundo espiritual.
- Cadê a serpente?
- A Serpente sou eu de mau humor.
- Por que está aqui?
- Eu prometi cuidar de sua mente. Em seu estado atual, sou mais que necessário. Do que se lembra?
Xuanwu tirou o chapéu e eu pude notar que seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo alto com uma franja caindo pela lateral ao estilo Ariana Grande. Gentil e bonito. Contei a ele as poucas coisas que me lembrava. Elliot, o templo, a transformação, toda aquela água ao meu redor, a sensação de sufocamento.... Enquanto eu falava, flashes passavam pela minha cabeça. Toda aquela água, a sensação de não estar respirando, a visão ficando turva, meu corpo não querendo me obedecer....
- Tingsi, respire! – Ele pediu, meus sentidos foram voltando.
- Desculpa, eu....
- Eu sei. Não se preocupe com isso, eu estou aqui.
- Hora de comer!
Entraram dois vagabundos com chapéu de palha no meu quarto. Um deles usava roupas azuis com bordados na saia do quimono, tinha um rosto gentil muito belo e olhos azuis profundos e benevolentes, além de carregar uma tigela com uma colher. Já o outro usava roupas incrivelmente brancas, tinha um rosto másculo e assustador, sobrancelhas grossas e olhos de um azul esverdeado bem claro e honestos.
- Quinglong? Baihu?
- Não, o Jô Soares, sua piranha.
- Baihu! – Repreendeu o dragão.
- Não adianta, o Tigre nunca aprenderá boas maneiras.
- O que você chama de boas maneiras eu chamo de frescura.
- Zhuniao?!
O pássaro vermelho tinha se tornado um homem lindo e imponente de olhos vermelhos. Ao contrário dos outros, suas vestes eram mais nobres, embora simples e com penas. Seu cabelo era longo e estava preso em um nobre penteado antigo com um enfeite de penas, suas sobrancelhas eram finas e modeladas, o deixando com olhos de pássaro. Ele segurava um leque fechado próximo à boca. Se ele não era o imperador de Eldarya, era parente.
- Trouxemos sopa. – Disse Qinglong.
- Obrigada, mas não estou com fome.
- Ô garota, você está há dois dias sem comer. Come logo essa merda antes que eu jogue goela abaixo. – Os outros esfregaram as têmporas, tirando Zhuniao que bateu com o leque na própria cara.
- Dois dias?!
- Isso mesmo. Está achando que aqui tem sonda para te alimentar toda vez que entrar em coma?
Às vezes é melhor seguir o bonde e deixar as perguntas para depois. Aceitei a sopa. Olhei para ela por algum tempo, por alguma razão eu lembrei dos flashes que passaram na minha cabeça. Reuni coragem e comecei a tomar. Estava boa.
- Como conseguiram pegar um pouco sem o Karuto ver?
- Conseguimos tirá-lo da cozinha e fizemos a sopa. – Contou o pássaro.
- Eu e Quinglong. Você ficou reclamando que a sopa ia sujar suas pomposas penas.
- Isso é verdade. – Confirmou Qinglong. – Pelo menos nós distribuímos o que sobrou aos moradores do refúgio.
- Agora estão procurando dois vagabundos e um rico arrogante pelo QG.
- Zhuniao distribuiu sopa com essa roupa? Eu queria ter visto isso.
- Eu não vejo problema em distribuir alimento aos mais necessitados. – Ele disse severamente.
- Mas vê problema quando sujam suas penas.
- Depois reclama quando coloco fogo em seu rabo. Um pássaro não voa se suas penas estiverem imundas.
- Se sente melhor? – Perguntou o dragão.
- Um pouco. Acho que vou ver o que a Miiko quer.
- Se não se sentir bem, não hesite em pedir ajuda ou em descansar um pouco mais.
- Vou ficar bem.
- Poderia nos encontrar na praia mais tarde? – Pediu a tartaruga.
- Vocês querem voltar com os treinos?!
- Garota, no seu estado, você apanharia até do saco de pancadas. – Disse o tigre.
- Então por que querem...?
Eles saíram do quarto. Levantei para ir atrás deles, mas tinham evaporado. Achei melhor tomar um banho para colocar os pensamentos em ordem e vestir algo melhor antes de falar com a Miiko. Notei que tinha um mascote novo, aquele girino azul e um ovo em formato de concha. Minhas coisas da Terra de Jade estavam ali. Notei também que havia um ovo que eu nunca tinha visto antes. Ele era escuro com detalhes em azul.
A Miiko queria saber se eu estava bem e me recuperando e me pediu para ver a Ewelein na enfermaria. Fiz um monte de exames e respondi a um monte de perguntas antes de sair. Ela tinha me dito que eu poderia ter medo de água, dores fantasmas, enfim, um monte de coisas. Fui para a biblioteca fazer meu relatório, Kero e Ykhar iriam me ajudar com isso, mas como não estavam lá, eu levei o ovo e o novo mascote para o Purreru. Fazia tempo que não falava com ele.
- Tingsi, você acordou.
- Todo mundo está dizendo isso. Como estão as coisas?
- Ótimas desde que Purriry inventou de fazer assessórios para mascotes. Todo mundo veio comprar caminhas e cobertores comigo.
- Fico feliz que os negócios estejam indo bem.
- Em que posso ajudá-la?
- Duas incubadoras e o sexo desse girino aqui.
- É um Libleunette macho.
- Libleute.... Foda-se, vou te chamar de Libleu.
- Então esse será o nome dele.
- Cacete!
Esperei os ovos chocarem. A Kiampu, a do ovo concha, eu chamei de Kira por falta de imaginação enquanto a Dalafa Noturna que eu não me lembro de ter capturado, eu chamei de Dala.
- Seus mascotes estavam tentando capturar novos amigos.
- Mesmo?
- Sim. Eles sentiram sua falta enquanto estava nas Terras de Jade.
- Imagino que sim. Obrigada, Purreru. Vou dar um oi para os outros.
Purriry me abraçou super empolgada. O negócio dela de roupas para mascotes estava decolando. Ela também me perguntou se comi e se estava bem. Purroy também ficou feliz em me ver. Fui para a biblioteca e por sorte os Kero e Ykhar estavam lá. Fiz o relatório e fomos comer, mesmo eu não estando com tanta fome, mas foi bom porque soube das missões de abastecimento. Eu só preciso dar um jeito de ir em uma.
Fui para a praia. Meus mascotes me seguiram porque não queriam me largar de jeito nenhum. Os deuses estavam me esperando em sua forma humana na parte mais isolada da praia.
- Vocês não estão com calor?
- Não. – Responderam.
- O que querem?
- Tingsi, você tem medo de água? – Perguntou Xuanwu.
- Claro que não.
- Prove. – Pediu Baihu.
Fui até a beira do mar. Estava calmo, as ondas quase não batiam. Assim que coloquei o pé na água, uma sensação ruim se apoderou de mim e eu saltei para trás. Os mascotes olharam preocupados para mim e Zhuniao pôs a mão em eu ombro, ele ficou segurando o leque com a outra.
- Como imaginávamos. – Disse Qinglong.
- O que está acontecendo?!
- Receio que seu afogamento tenha desencadeado uma situação de estresse pós-traumático. – Concluiu Xuanwu.
- Eu não tenho medo de água!
- Não tinha, você adquiriu.
- Isso não é possível!
- Garota, você quer ouvir pelo menos uma vez?! – Rugiu Baihu. – Não adianta nos convencer do contrário, você mesma viu o que aconteceu!
- Está tudo bem admitir que precisa de ajuda. – Disse Qinglong. – Não há fraqueza nisso.
- Não que a gente não te ajude. – Começou Zhuniao. – Mas nesse caso não podemos te ajudar sem que você dê o primeiro passo.
- E esse passo é admitir que precisa de ajuda.
- Facilite nosso trabalho e use essa coisa que você chama de cérebro.
Pensei um pouco, massageei as têmporas e refleti sobre o que estavam falando. Não adiantava negar, eles mesmos tinham provado isso. Ewelein também tinha falado sobre isso na enfermaria. Eu odeio esse tipo de situação, mas se eu continuar negando é capaz de Baihu perder a paciência e me jogar no mar.
- O que vocês querem que eu faça?
- Admitir seria o primeiro passo. – Disse Xuanwu.
- Está bem, eu estou com medo de água. – Admiti. – Mas eu não vou ficar dependendo da piedade de vocês e de ninguém desse QG, então saiam da frente para eu entrar!
- Admiro seu espírito. – Disse Baihu. – Mas não é te jogando na água que vamos consertar alguma coisa.
- Vamos conversar sobre seu medo de água. – A tartaruga tomou sua pose de psicóloga.
Sentamos na areia e Xuanwu me fez várias perguntas sobre o meu afogamento. Algumas eram um pouco difíceis de responder, mas eu teimava em responder mesmo assim.
- Por hoje é só.
- O que? É só isso?
- Você não está bem e não adianta insistir. Retorne ao seu quarto e descanse.
- Xuanwu, eu posso continuar! Qual é, tem alguma coisa que eu possa...!
- Garota, você quer chutar árvore?! – Perguntou Baihu.
- Não precisa, já estou indo para o meu quarto.
Voltei para o QG com a cabeça doendo. Acabei por encontrar Valkyon no caminho.
- Está tudo bem?
- Estou com uma dor de cabeça dos infernos, só isso.
- Quer que eu te acompanhe até a enfermaria?
- Não vou negar, um pouco de companhia parece ótimo, mas não quero ir à enfermaria.
- Tem certeza?
- Eu só preciso de um pouco de descanso. Está tudo bem? Eu estou vendo gente revirar o QG inteiro.
- É que alguns delinquentes resolveram roubar comida e depois apareceram distribuindo sopa no refúgio.
- Isso é problema? Me parece mais um caso de caridade.
- A comida é racionada e recentemente roubaram alguns mantimentos.
- Acharam esses delinquentes?
- Não. Mesmo um deles usando uma roupa espalhafatosa de penas, ainda não os encontramos. É como se tivessem sumido no ar. – Tentei não rir.
- Vocês estão aí. – Disse Nevra surgindo do nada. – Por acaso conseguiram encontrar três caras, sendo que um usa roupas espalhafatosas de penas?
- Infelizmente não.
- Só estou sabendo deles agora.
- Estou morrendo de fome, vamos comer algo. Tingsi cozinha.
- Por que eu?!
- A gente não sabe, mas você sim.
- Você sabe cozinhar?
- Qualquer um que more sozinho e tenha dois neurônios sabe cozinhar, nem que seja um miojo.
- Um o que?
- Deixa para lá.
Fomos até a cantina. Por algum motivo apareceram novos alimentos, o que deixou muita gente confusa e estavam investigando. Peguei algumas coisas e fui para a cozinha. A gente acabou trombando com o Ezarel também.
- O que a humana está fazendo?! – Perguntou o elfo.
- Cagando, está vendo não?
- Não me digam que ela vai cozinhar!
- O que vai fazer? – Perguntou Karuto.
- Lasanha. Demora um pouco, mas vale à pena.
- Lasanha? Eu não conheço. Como pretende preparar isso?
- Fica olhando porque ainda nem fiz a massa.
- Isso não vai dar certo! Você vai é desperdiçar comida!
- Eu concordo. – Tinha que ser o Ezarel.
- Claro que vai! Eu conheço o prato e já fiz outras vezes. Se quiserem encher o meu saco, saibam que estou com uma puta dor de cabeça e uma vontade maior ainda de quebrar alguém de porrada. Vocês querem mesmo me irritar?!
- Você sabe lutar pelo menos?!
- Quer ir lá para fora descobrir?!
- Está tudo bem, Karuto. – Disse Nevra. – Nós lançamos um desafio para ela em que precisa cozinhar algo diferente e delicioso. Até mesmo porque todo mundo está cansado de vê-la cozinhar a própria comida e ficar à míngua!
- Nevra? – Valkyon tentou chamar sua atenção.
- Você nem me deu um pouco daquela delícia salgada!
- Você está falando da pipoca que fiz outro dia para o Elliot?
- Como faz isso?!
- Precisa de milho.
- O que é milho?
- É tipo um grão amarelo.
- Aqueles grãos amarelos que a gente come colocando na água quente?!
- Vocês não colocam a espiga toda?
- Vem com espiga?!
- Puta merda! Só o grão é para fazer pipoca porque eles são processados para isso. Para cozinhar o milho mesmo tem que ser na espiga porque é natural. Fica uma delícia com manteiga.
- É?! – Todo mundo estava chocado.
- Para a cozinha!
Nevra me empurrou para a cozinha sem o aval do Karuto. Comecei a preparar primeiro a massa e depois cuidaria do recheio. Nevra e Valkyon me ajudavam no que podiam, eu tentava ensiná-los com o máximo de paciência que conseguia reunir. Karuto e Ezarel estavam me irritando, tanto que taquei uma panela neles. Se vierem encher o saco vou usar o estilo tigre, dragão, serpente, bambu, estou pouco me fodendo para qual deles.
- Para quem não começou o dia bem, você já está bem melhor. – Comentou Valkyon.
- Eu não sei se é dor de cabeça, se é porque eu estou de saco cheio de ser criticada, se é Ezarel enchendo a porra do meu saco ou se é tudo junto, mas eu estou com raiva e quero matar alguém.
- Estou vendo.
- Jamon, vai querer também?!
- Jamon não comer carne.
- Não tem problema, faço uma de berinjela para você! Nevra, pega a berinjela.
- Berinjela?
- É um legume roxo que parece um vibrador.
- Eu sei o que é, mas dá para fazer disso?!
- Claro que dá!
- O que é vibrador?
Acabamos fazendo lasanha para o QG inteiro. Juntou a maior galera na cantina esperando para sair, até a Miiko estava lá. O cheiro estava ótimo. Separei a do Jamon só para ele e fomos comer. Eu só ouvia suspiros em tudo quanto era lugar, até o Ezarel não conseguia disfarçar. Comi meu pedaço mais que satisfeita.
- Muito bom! – Disse Miiko. – Não sabia que cozinhava assim.
- Eu tive que me virar a vida toda, né.
- Todo mundo aqui teve que se virar de alguma forma, mas ninguém sabe cozinhar como você.
- É bom que não seja um motivo para me manter aqui porque não é muito difícil causar uma bela dor de barriga ou coisa pior. – Ela engoliu em seco.
Depois disso fui para o meu quarto dormir. Uma boa noite de descanso vai me fazer bem. Contei os mascotes: Shaneera, Sirius, Pandy, Cryn, Plum, Lily, Jinp, Crownin, Snowyn, Libleu e Kira, é, estão todos aqui. Posso dormir tranquila.
Chapter 11: Capítulo 11
Chapter Text
O dia seguinte começou com sessão de terapia intensiva de Xuanwu. Dessa vez ele usava uma roupa um pouco mais nobre de cor preta e trazia um tabuleiro de damas. Eu estava um pouco menos apreensiva de falar sobre o afogamento e ele fazia de tudo para me deixar o mais confortável possível. Era muito bom conversar com ele, fora que jogar damas de distraía.
Depois da terapia, café da manhã. Comi frutas, afinal teria treino com Baihu. A tartaruga julgou que eu estava bem o suficiente para treinos leves, mas é do Tigre Branco do Oeste que estamos falando! Eu o encontrei na floresta, no meu local de treino. Diferente de ontem, ele vestia uma roupa que me lembrou Assassin’s Creed com a blusa aberta mostrando parte do tanquinho e pelos brancos ao redor do pescoço. Estava gato demais. Estranhamente tinha um poste de metal ali com um círculo no topo para não correr o risco de empalamento.
- Duas perguntas: como e por quê?
- Da mesma maneira que a madeira obedece a Qinglong, o metal obedece a mim. Zhuque quer começar seu treino com pole dance o mais rápido possível.
- Ele vai mesmo me ensinar?!
- Está pensando que é fácil? Espere até começar. Vou te ensinar algo que você não tem como aprender sozinha. Lembra do estilo tigre?
- Como esquecer?
- Também serve para agarramentos e torções, assim como os estilos águia e dragão. Irei ensiná-la a agarrar, torcer e se livrar das torções. Pronta?
- Eu tenho escolha?
Tive que atacá-lo em câmera lenta para aprender os golpes de defesa e agarrações, depois é que treinamos para valer. Era muito diferente treinar com alguém, mesmo Baihu diminuindo seu poder e não sendo brutal, era difícil acertá-lo e mais complicado ainda era pegar os golpes dele.
- Defenda-se antes de tentar agarrar. Quer tomar golpe de graça?
Treinamos luta direto, dando algumas pequenas pausas durante as lutas. Eu tinha a impressão que estava aprendendo mais lutando contra ele do que sozinha, mesmo que ele não estivesse me atacando. Não sei quanto tempo treinamos, devo admitir que estava gostando. Em uma das pausas, ele jogou duas laranjas e uma garrafa com.... Suco de bambu?
- Vai precisar de energia.
- Onde você arrumou isso assim do nada?
- Eu sou um deus, criatura ridícula. Não me subestime.
- Deus fraco. – A gente olhou um para a cara um do outro e começou a rir. – Agora eu sei por que tem gente que passa anos estudando. É muita coisa.
- Sim, há muitos caminhos no wushu. Qinglong chegou a trabalhar o estilo serpente com você?
- Sim. Ele estava me ensinando o do macaco e o do bêbado também.
- Esses requerem maior agilidade. Quer tentá-los comigo?
- Para você me dar uma chave de perna e quebrar a minha coluna ou me chutar para o outro lado da floresta? Não, obrigada.
- Você quem sabe.
Agradeci a ele pela comida, comi as laranjas e bebi o suco. Até que não era tão ruim quanto pensei. Voltamos a treinar, mas dessa vez bem mais leve. Baihu subiu em um dos troncos e me pediu para fazer o mesmo. Ele saiu pulando, chutando e fazendo sei lá o que de tronco em tronco. Eu não fui atrás dele, apenas olhei para baixo e para o outro tronco.
- O afogamento afetou sua autoconfiança, não foi? – Ele me perguntou mais brando, até notei um tom de preocupação em sua voz.
- Tudo bem, eu consigo.
- Não se force a fazer algo que não está pronta, garota. Você vai acabar rachando o crânio no chão. Podemos treinar de outra forma.
- O que você sugere?
- Vamos treinar seu equilíbrio.
Ele ficou agachado sobre uma perna enquanto a outra estava em seu colo formando um 4 sentado. Suas mãos estavam unidas em forma de dois socos. Imitei a posição, mas as minhas mãos ficaram uma em soco e outra em palma. Tudo isso foi em cima dos troncos. Para passar o tempo, ele sugeriu meditação. Achei controverso, mas se até Baihu, que tem uma filosofia de força, medita, quem sou eu para discordar?
Depois dos treinos com Baihu, Zhuniao tomou o lugar dele. Ele me deu cinco pares diferentes de leque, sendo dois pares pequenos e três pares grandes. Dos grandes, apenas um par era daqueles leques com véu maravilhosos.
- Leques?
- Leques possuem uma linguagem própria, principalmente na época em que as mulheres não podiam se expressar livremente. Também é um acessório de flerte.
- E você vai me ensinar a falar com o leque.
- E a dançar com ele.
- Me diz que você está brincando.
- Fique lisonjeada, pois sou o primeiro a te ensinar a usar uma arma.
- Você vai me transformar na Kitana?
- Não chegará a tanto, mas sim, é possível usar leques como armas.
Ele abriu o leque que sempre segurava desde que o vi em sua forma humana com a parte das costas para mim. Havia lâminas afiadas nas hastes. Ele o recolheu e me deu um dos que tinha trazido. Abri o meu, estava liso.
- Podemos começar?
Começamos com o famoso bota casaco e tira casaco, só que no caso era abre leque e fecha leque. Além da linguagem secreta dos leques, que eu tive que repetir todos os movimentos e foi chato para um caralho. Ele também me ensinou a como usá-los na dança. A música ficou por conta dos mascotes, inclusive o Libleu adorou. Eu gosto dos treinos com ele por usar justamente a dança, que é uma coisa que eu amo.
- Você aprende rápido quando o assunto é dança.
- Você sabe que eu amo dançar.
- Um dia desses a ensinarei o flamenco.
- Mesmo?! Eu sou doida para aprender.
- Você devia ter feito faculdade de dança.
- Eu sei, mas artes visuais são a minha paixão.
- E eu não sei? O que acha de aprender alguns golpes com o leque? Não se preocupe, usarei um que não tenha lâminas.
- O que está esperando?
Zhuniao me ensinou a como usar o leque como distração contra o adversário, a como golpear com o leque fechado, bloquear e como usá-lo tanto em uma estocada quanto para cortar que nem a Kitana. Realmente, é uma arte perdida, reinventada e usada de várias formas. Eu nem sentia o tempo passar.
- Não irei segurá-la por mais tempo. Qinglong a espera na praia.
- Tenho mesmo que ir? Eu queria passar mais tempo treinando com você.
- Eu também gostaria, mas receio que não deva deixá-lo esperando. Coma e beba um pouco antes de partir. – Ele me entregou uma garrafa e um palito com umas bolas coloridas.
- Água de rosas e dangos, Zhuniao?
- O que eu posso dizer? Meus gostos são bem refinados e eu prefiro hanami dango aos outros.
- Eu nunca comi. Isso é japonês, não?
- Não se esqueça que também tenho nomes em japonês, coreano e vietnamita. Inclusive, alguns podem me conhecer como Zhuque.
Bebi a água de rosas e comi os dangos que me foram oferecidos. Agradeci e fui para a praia encontrar Qinglong. O sol estava se pondo, coisa que só percebi agora. Fiquei tanto tempo assim fora do QG?! Nem percebi, mas ok. Qinglong me esperava na beira do mar. Tive um pouco de receio de ir até ele, mas consegui chegar perto o suficiente.
- Então, o que vamos treinar?
- Eu queria ajudá-la a superar seu medo de água.
- Xuanwu já está cuidando disso.
- Não adianta só conversar e não entrar no mar.
- Você quer que eu entre?! Qinglong, você bebeu?!
- Não vamos nadar, eu prometo. Tingsi, você confia em mim? – Ele perguntou me estendendo a mão.
- Imitar o Aladim é sacanagem.
Aceitei a mão dele. Ele foi me puxando delicadamente em direção ao mar. Eu tentava conter o pânico que se formava em meu interior. Qinglong apenas sorria e me dizia suavemente para olhar para o rosto dele e mais nada. Aí eu corava e desviava o olhar para o pescoço dele e parte da roupa. Ô bicho bonito da porra.
- Está tudo bem?
- Dava para você ser menos gostoso?!
- Você me acha bonito?
- Você, Baihu, Zhuniao, até Xuanwu! Parece até que eu estou em um daqueles jogos de namoro com um monte de caras bonitos! – Ele riu.
- Se isso fosse um jogo de namoro como você diz, eu provavelmente seria um daqueles personagens secundários que todo mundo pediria para ser paquera.
- E a empresa filha da puta não lança a rota. – Ele riu mais ainda.
- Exatamente. Essa é apenas uma de minhas várias formas. Se quiser, eu posso virar um velho careca, barrigudo, desdentado e com cara de tarado.
- Você quer curar a minha fobia ou me dar uma nova?
- Pense bem, eu vou poder usar a minha barriga de cerveja nas lutas.
Nós dois rimos. Tínhamos parado de caminhar. Tomei coragem para olhar e só estava com os pés na água e nem estavam submersos. Olhei para Qinglong, que sorria.
- Viu? Você deu o primeiro passo. Como se sente?
- Eu não sei dizer. Eu realmente estou aqui, não estou?
- Sim, está. Vamos lutar um pouco? Duvido que Baihu tenha trabalhado direito suas pernas.
Saímos da água e fomos treinar na areia. Ele se aprofundou no estilo macaco e no estilo bêbado e olha, eles eram meio complicados, ainda mais na areia, afinal no estilo macaco tinha muitos golpes que eu usava o chão de apoio ou rolava sobre ele. Ainda bem que os meus anos de dançarina e os treinos com Zhuniao ajudavam muito. Já no estilo bêbado, eu só seria autorizada a beber se aprendesse os fundamentos primeiro.
Voltei ao QG durante à noite. Não tinha muita gente andando por aí por conta do horário. Meus mascotes tinham voltado depois do meu treino com Zhuniao, então não me preocupei com eles. Acabei encontrando com Leiftan saindo da cerejeira.
- Leiftan, nossa, você sumiu ontem.
- Eu poderia dizer o mesmo de você. Não a vimos o dia todo.
- É que eu tive que cuidar de uma coisa minha.
- Está tudo bem?
- É disso que estou cuidando.
- Tingsi, o que está havendo?
- Podemos ir para um lugar mais tranquilo?
Fomos para a cerejeira. Eu desabei no chão devido ao cansaço. Estava começando a sentir os efeitos da adrenalina passando e o corpo começando a doer. Não era como no início, mas ainda assim, precisava de um descanso.
- Você não quer ir à enfermaria?
- Por favor, Leiftan, não piore as coisas.
- Eu só quero entender o que está acontecendo.
- A Ewelein te contou sobre o meu estado, não?
- Ela mencionou alguns efeitos pós-traumáticos. Está sofrendo algum deles? – Acenei com a cabeça.
Contei a ele sobre meu medo de água. Não foi fácil, mas como tinham dito, admitir era o primeiro passo. Falei que tinha voltado com os treinos essa manhã para ocupar a minha cabeça e não ficar pensando no que aconteceu, claro que tive que omitir algumas partes.
- Você enlouqueceu?!
- Parece até Valkyon falando.
- Com razão. Como você consegue treinar depois de um choque desses?
- Eu não sei, mas é melhor que estar mofando no meu quarto.
- Você não precisa passar por isso sozinha.
- Eu sei, mas eu quero resolver isso do meu jeito.
- Se continuar obrigando o seu corpo a isso....
- Leiftan, você não entendeu? Eu preciso disso!
Eu sei que Xuanwu está insistindo que ninguém vai me julgar como fraca por conta disso, mas essa não é a impressão que eu tenho. Os treinos me fizeram me sentir melhor, mas quando tive que pular tronco com Baihu, eu simplesmente não consegui. Eu não quero viver assim, eu não quero ser protegida.
- Vem comigo, eu vou te mostrar.
Levantei e fui para a praia. Leiftan me seguiu. Olhei para o mar um pouco receosa, mas tomei coragem e entrei. Quando a água bateu na minha canela, eu simplesmente congelei. Não consegui avançar ou recuar, apenas ficar parada que nem uma idiota. Eu comecei a chorar de raiva, estava com tanta raiva de não poder me mexer, de estar naquela situação. Leiftan me tirou de lá.
- Está tudo bem, não é vergonha se sentir assim. Principalmente depois do choque que você teve.
- Eu odeio isso.
- Você vai superar isso, mas não precisa ser agora. Vamos voltar, está bem?
Ele me levou de volta ao QG e me acompanhou até o meu quarto. No caminho, acabamos encontrando os outros chefes da guarda.
- Onde é que você estava?! – Perguntou Nevra preocupado. – Você sumiu o dia inteiro!
- A Miiko nos fez te procurar o QG inteiro! – Reclamou Ezarel.
- Não acho que agora seja uma boa hora para discussões. – Interviu Leiftan. – Preciso falar com vocês sobre minha última missão.
- Agora? – Perguntou o vampiro.
- Podem ir, eu acompanho a Tingsi até o quarto dela. Preciso mesmo falar com ela.
Os três saíram e foi Valkyon que me acompanhou até a porta do meu quarto.
- O que está acontecendo?
- É coisa minha.
- Você está tendo problemas por causa da poção, não?
- É tão óbvio assim?
- Sim e não estou gostando de vê-la nesse estado.
- Eu vou resolver isso.
- Eu sei que vai, mas você não precisa passar por isso sozinha. Se quiser conversar....
- Já conversei com Leiftan sobre isso. Eu acho que só preciso de tempo.
- Entendo.
Voltei para o meu quarto. No dia seguinte, Xuanwu estava no meu quarto novamente com o tabuleiro de damas e Zhuniao fazia movimentos bruscos com o leque fechado, me dizendo para eu não ser imprudente.
- Zhuniao, se você quer me dizer algo, pode falar com a boca.
- Você foi totalmente imprudente ontem. Conseguiu aumentar o estrago que nós tentamos amenizar. Você podia ter morrido graças à sua teimosia.
- Zhuniao, já chega. – Ordenou Xuanwu.
- Eu sei que você quer que tudo volte ao normal e se livrar dessa agonia. – Disse de forma mais suave. – Mas se continuar agindo desse jeito, vai acabar se machucando ainda mais.
Depois disso, ele girou o leque com a mão esquerda, o que dizia que estávamos sendo observados. Zhuniao abriu o leque bruscamente, me dando um pequeno susto com o barulho, e o carregou com a mão esquerda. Se eu não me engano isso é para falar com ele. Provavelmente vai me fazer decorar essa merda de novo. Ele abriu a janela, se transformou em um lindo pássaro vermelho com uma longa cauda com penas coloridas e voou pela janela.
- Dramático como sempre. – Ouvi Xuanwu suspirar.
- O que ele quis dizer com “estamos sendo observados”?
- Não acha que mais cedo ou mais tarde vão estranhar seus sumiços repentinos?
- Você está dizendo que podem me vigiar? Eu nem sou importante.
- Toda possibilidade é válida. Agora, diga-me. – Ele fez o primeiro movimento no tabuleiro. – Por que fez aquilo?
- O que?
- Sabe do que estou falando.
- É impossível esconder algo de você. – Iniciei um movimento. – Você sabe que eu odeio me sentir assim.
- Às vezes é preciso aceitar que não estamos no controle da situação. – Ele fez outra jogada. – Por mais amargo que o sentimento de impotência seja.
- Não é só isso. Eu não consegui pular os troncos com Baihu. – Movimentei outra peça.
- Está com medo, mas não é sucumbindo ao desespero que irá resolver sua situação.
- E o que você sugere?
- Respire fundo. Tome o tempo que precisar antes de prosseguir. – Ele movimentou outra peça. – Reconheça sua fraqueza e respeite seus limites. Não faça nada sem que esteja pronta.
- E quando sei que estou pronta? – Movimentei outra peça.
- Quando sentir que está.
- E se eu falhar?
- Reflita em que você falhou e trabalhe nisso ao invés de tomar decisões impulsivas ou desesperadas. – Uma de suas peças estava se aproximando de uma das minhas.
- Você sempre faz sessões de terapia usando jogos de tabuleiro ou só quer alguém para conversar? Primeiro majong, depois shogi e agora damas. O que vem depois? Gabão?
- Por que não? Existe uma razão para eu te ensinar a arte dos jogos. O que os jogos têm em comum?
- São extremamente cansativos e provavelmente irei jogá-los quando tiver 60 anos?
- Provavelmente, mas não. Deixarei que encontre a resposta por si mesma.
- Isso é preguiça de me dizer, não?
- Ou seria preguiça sua de procurar?
- Às vezes eu detesto falar com você.
- É compreensível.
Fui me arrumar para tomar café. Karuto ainda estava puto comigo pela história da lasanha, talvez eu me redima depois se parar de me criticar. Fui para o lado de fora, eu iria para a floresta treinar, eu só não imaginava que teria gente no meu pé.
- Tingsi, você está aí!
- Oi Alajéa. Aconteceu alguma coisa?
- Então, a Miiko me pediu para irmos ao porão para.... Procurar uma coisa!
- Que coisa?
- Vamos lá!
Acabamos indo ao porão. Eu ainda mato quem inventou de fazer todas essas escadas.
- O que a gente tem que procurar mesmo?
- É....
- Alajéa?
- Eu esqueci.
- Ok, se lembrar me avisa. Eu tenho mais o que fazer.
- Espera! Eu lembrei.
- O que é? – Ela ficou em silêncio. – Não tem nada para procurar, não é?
- Você é boa. Espera!
Eu tinha saído. Não foi só Alajéa, todo mundo resolveu me pedir alguma coisa ou parar para conversar comigo. Em uma dessas conversas, vi Zhuniao sinalizando com o leque “estamos sendo observados” e quando olhei de novo, ele sumiu. Não precisava ser um gênio para saber o que ele queria dizer. Ignorei todo mundo pelo caminho até o portão, mas Jamon barrou minha passagem.
- Tingsi não passar.
- Por quê?!
- Miiko não deixar.
- Que inferno!
Eu tinha que encontrar os deuses lá fora de alguma forma. Procurei um lugar que ninguém fosse me atrapalhar. Os muros não eram totalmente planos, eles tinham colunas formando quinas. Não sei se vai dar certo, mas vamos lá. Corri até o muro, saltei para ele, usei a quina para me apoiar e depois novamente o muro até chegar em cima e sentar sobre ele. Eu não acredito que dei uma de Jack Chan. Pulei o muro e fui para a floresta. Ninguém me viu, nem mesmo os guardas do portão. Quando cheguei na floresta, estavam todos os quatro me esperando na minha área de treinamento.
- Me atrasei?
- Como passou pelos guardas? – Perguntou Xuanwu.
- Pulei o muro.
- Sozinha?
- Essa é a minha garota. – Disse Baihu.
- Eles estão me vigiando mesmo, não é?
- Depois de ontem, o que você queria?
- Já entendi, Zhuniao.
- Vamos começar. – Disse Qinglong. – Não vamos te prender o dia todo.
- Eu quero pular troncos.
- Tem certeza?
- Eu preciso tentar.
- Podem deixar que vigiarei o perímetro.
Zhuniao simplesmente foi até uma árvore e sumiu de nossas vistas. Eu e Baihu fomos para os troncos enquanto Qinglong e Xuanwu jogavam shogi. Olhei de um tronco a outro. Segui o conselho de Xuanwu e respirar fundo, esperar até estar pronta para pular para outro tronco. Baihu sorriu em aprovação. Aos poucos fui tomando coragem para pular outro e quando me senti confiante, pulei.
Algum tempo depois, estava pulando de tronco em tronco. Não me arrisquei a fazer as acrobacias de Baihu, mas estava indo bem. Depois, ele e Qinglong revisaram meus golpes. Zhuniao saiu do posto de observação e me fez revisar a linguagem dos leques e os golpes com o mesmo. Ele começou a me ensinar também os primeiros passos do pole dance, isso depois dele ficar uns cinco minutos de ponta cabeça no poste. Pode não parecer, mas pole dance é difícil pra porra.
Depois fomos à praia. Novamente segui os conselhos de Xuanwu. Qinglong me puxava devagar. Quando a água encostou no meu quadril, pedi para ele parar e foi o que ele fez. Olhei em volta e recuei. Ele me ajudou a sair.
- Você está indo bem. – Disse o dragão.
- Com você é fácil, o problema é quando estou sozinha.
- Sabe por que é mais fácil comigo?
- Por que você sabe o que está fazendo?
- Porque você confia em mim. As coisas são mais fáceis quando se confia em alguém.
- O ruim é saber em quem confiar.
- Isso é verdade. É melhor voltar.
Voltei ao QG sem que fosse notada. Havia uma parte do muro que era mais baixa, então não tive problemas para escalar da mesma forma que tinha feito antes. Se esse povo vai ficar me vigiando, então tenho que arrumar um jeito de despistá-los ou deixá-los entediados. Então fui para a biblioteca ler um pouco. Tinha alguns livros do meu mundo, até Crepúsculo. Como é que esse povo pega livros de romance e essas merdas e não pegam um livro de receitas pro Karuto?
Tinha uma sessão de arquivos que eu não estava autorizada a entrar, bem, pelo menos não com todo mundo sabendo. Fui para as aulas de forja, coisa que não fazia há tempos. A espiga da minha lâmina ficou uma bosta, mas eu posso me dedicar mais à forja, ainda mais que no wushu tem o uso de armas, então é questão de tempo até resolverem me ensinar algo com armas de verdade. Tirando Zhuniao que está me ensinando a usar os leques. Eu posso incorporá-los ao taichi. Fiz missões simples de limpeza pelo QG e relatórios delas. Aproveitei as maanas para comprar alguns ovos e implorei ao Purreru por uma promoção nas incubadoras.
- Não acha que já tem muitos mascotes para lidar?
- Quanto mais, melhor. Não se preocupe com a comida. Eles conseguem achar um monte e estou vendendo algumas coisas no mercado por bem barato. E eles encontraram um portal até as Terras de Jade que só eles podem usar.
- Seus mascotes são muito ativos.
- Você nem imagina.
Choquei uma Spadel que chamei de Aracne, um Seryphon que chamei de Griffin, um Polpatata que não sei porque dei o nome de Nekopol e uma Beriflore que meus mascotes capturaram recebeu o nome de Fleur. Fui até a loja da Purriry.
- Ora se não é a minha musa preferida!
- Oi, Purriry. Você ainda tem alguma roupa para mascote?
- Muito poucas, elas evaporam como água no deserto.
- Posso encomendar algumas? Para o caso de esfriar e eu não conseguir ir embora até o inverno. Tenho medo que não tenham um gorro para se aquecer.
- Não tinha pensado em uma linha para inverno. Tingsi, você me deu a melhor ideia de todas!
- Se continuar assim, vou pedir desconto em todas as minhas ideias.
- Para você eu faço com o maior prazer. O que quer encomendar?
Falei tudo que queria e fiz questão de já deixar pago, pelo menos algumas coisas. Por falar em mascotes, quando voltei para o meu quarto estava uma confusão que só. Meus mascotes mais velhos liderados pelo Crownin estavam perseguindo um panda vermelho, só que marrom e azul. Sirius deu uma rabada entre as pernas do mascote e Crownin veio voando para cima dele que nem um ganso. Imediatamente eu deixei os novos no chão e peguei Crownin antes que tentasse algo. Isso porque ele é um filhote, imagine ele adulto.
- Mas que bagunça é essa aqui?! – Todos eles apontaram para o panda azul. – Eu não te conheço. Está perdido?
Tentei pegar, mas o mascote tentou me arranhar. Peguei pela nuca, para que não pudesse me morder e o levei até a Miiko. Ela estava conversando com Leiftan, como sempre.
- Algum de vocês sabe de quem é esse mascote?
- Amaya? – Ela se jogou nos braços de Leiftan. – O que você está fazendo com a minha mascote?
- Ela estava no meu quarto e os meus, por alguma razão, estavam atrás dela e agora está tudo de cabeça para baixo.
- Como?!
- Sei nem o que aconteceu. Eu estava indo apresentar os novos mascotes e quando vi, já estava uma bagunça.
- Sinto muito por isso.
- Eu que sinto. Não sei o que aconteceu.
- Precisa de ajuda para arrumar seu quarto?
- Não vou negar. Uma mão extra seria ótimo.
- Ótimo. – Disse Miiko. – Vá ajudá-la, conversaremos depois.
Leiftan aproveitou para deixar Amaya em seu próprio quarto. Quando fomos ao meu, meus mascotes estavam tentando arrumar as coisas de qualquer jeito.
- Parece que passou um furacão aqui.
- Eu te avisei.
- Aquilo na sua cama é xixi?
- O QUE?! AMAYAAAAA!
Ele começou a rir de nervoso pelo que a mascote dele tinha feito. Tivemos que trocar os lençóis, arrumar tudo e lavar tudo. Os meus mascotes tentaram nos ajudar. No fim, estava tudo limpo e arrumado. Kira, Libleu e Nekopol ficaram na fonte, Fleur parece que se deu bem com Jinp, Dala e Pandy. Shaneera, Plum e Snowyn subiram no sofa com Griffin, Lily ficou se admirando no meu espelho, Cryn e Aracne voavam pelo quarto, Sirius estava mordendo o próprio rabo de novo e Crownin resolveu montar guarda na porta. Leiftan e eu nos sentamos na cama.
- Obrigada pela ajuda.
- É o mínimo que eu podia fazer depois do que Amaya fez.
- Por falar nisso, sua mascote é uma peste.
- Acho que ela deve estar com ciúmes.
- Não tem dado atenção a ela?
- Não ultimamente. Tingsi, se importa se eu perguntar como você está?
- Estou bem.
- Mesmo? Depois de ontem....
- Leiftan, é sério. – Respirei fundo. – Eu vou ficar bem, mas você tem que me deixar resolver isso da minha maneira.
- Só se me prometer que vai tomar cuidado e não fazer aquilo de novo.
- Eu posso prometer tomar cuidado, mas uma hora ou outra vou ter que encarar meu medo de água.
- Quer que eu vá contigo na próxima vez?
- Obrigada, mas eu não quero te atrapalhar.
- Não acho que você me atrapalharia.
- Com tanto trabalho que você tem, duvido. Quase não te vejo no QG.
- Recentemente tivemos alguns problemas.
- Sumiu comida de novo?
- Não dessa vez.
- Posso saber o que foi dessa vez?
- Não posso te contar, é confidencial.
- Eu entendo.
Ouvimos batidas na porta. Era Ykhar, pedindo para o Leiftan ver a Miiko. Ele saiu do quarto e quando me virei, havia alguém sentado na cadeira, de costas para mim. Pelo enfeite de penas no cabelo e a roupa vermelha um tanto extravagante, logo percebi que se tratava de Zhuniao.
- Pensei que os treinos tinham acabado.
- A vida é um eterno aprendizado. – Ele sequer se virou para mim.
- Parece Xuanwu falando.
- Eu sei.
- O que quer?
- Disse que precisávamos conversar.
Afastei um pouco os mascotes do sofa e sentei de frente para ele. Ele segurava uma xícara de chá. Havia uma mesa com bule e outra xícara que não estava ali. Ele me ofereceu, mas eu neguei.
- Serei direto. Não podemos usar nossos avatares para vê-la e treiná-la o tempo todo. Está certo que precisa outra pessoa para treinar agarramentos e lutas, mas a situação está ficando cada vez mais perigosa.
- Como assim?
- Uma hora ou outra irão descobrir sobre seus treinos clandestinos e se virem qualquer um de nós, muitas perguntas irão surgir.
- Você quer parar com isso, é isso que estou ouvindo?
- Não. Estou dizendo que iremos cumprir com o que lhe foi dito, mas não podemos usar nossos avatares. Está ficando cada vez mais arriscado.
- Tem alguém nos observando, certo?
- Na verdade só você.
- Só pode ser sacanagem!
- Você é uma humana que caiu em um mundo que não gostam de humanos, arrumou problema com todos, some o dia inteiro e o Oráculo a escolheu. Me surpreenderia se não a notassem.
- Me escolheu para que?! – Ele arqueou uma sobrancelha. – Zhuniao!
- Você sabe o que vou dizer, então não me faça gastar saliva.
- É sempre assim! Nunca podem me dizer nada.
- A jornada é sua, eu sou apenas um elemento dela.
- Podia ser um elemento mais significativo.
- Só se eu a tomasse como esposa.
- QUE?!
Fiquei olhando para ele atônita. Ele riu discretamente, largou a xícara e pegou o leque para se abanar, fazendo até pose. Ah se esse avatar não o tivesse deixado todo gostoso assim! E essa pose esnobe, puta merda!
- Se preferir, também possuo um avatar feminino.
- Mas você também não me ajuda! Tomar no cu!
- Acalme-se, menina. – Ele assumiu uma pose séria. – Meu atributo é a ética. Seria antiético usar de minha posição para me envolver com uma aprendiz.
Esqueci desse detalhe. Pelo olhar sério e o sumiço da mesa e do chá, ele só estava me sacaneando. Até porque, pelo que eu conhecia dele, Zhuniao nunca misturava as coisas, era sempre certinho e responsável.
- Você não veio aqui só para zoar com a minha cara, né?
- Não. Vim aqui para reestabelecer seu elo com o mundo espiritual. Assim poderemos treiná-la sem precisar de nossos avatares e correr menos riscos. Fora que você poderá voltar a entrar no mundo espiritual.
- E como vai fazer isso?
- Você teve um abalo psicológico, Xuanwu está cuidando disso. Seu estado psicológico e emocional interfere em sua conexão com o mundo espiritual. A conexão é mais forte em meus treinos quando envolvem dança tradicional, taichi ou arte.
- Entendi. Você quer que eu pratique mais vezes, certo?
- Quero que volte a ser você mesma porque essa garota que vi nos últimos dias, essa garota não é você.
Ele foi até o local onde eu guardava as latas de tinta. Eu o vi pegar uma e depois ele a colocou em minhas mãos. Zhuniao sorriu, andou até a minha janela, se transformou em um pássaro e partiu. Olhei para a lata em mãos e depois para a janela com um sorriso. Devo admitir, ele sabe fazer uma saída triunfal.
Naquela mesma noite, peguei um dos leques grandes e saí correndo do meu quarto com os mascotes atrás de mim. Eu nem vi e atropelei alguém. Caiu Tingsi, leque, mascote e a pessoa azarada que depois vi se tratar do Chrome.
- Você não olha para onde anda não?
- Desculpe, eu nem te vi.
- Você some por dias e quando te encontro você me derruba.
- Também senti sua falta, Chrome.
- Afinal, para onde está indo com toda essa pressa? – Fodeu, meu chefe estava com ele.
- Eu ia tomar um pouco de ar.
- Com isso? – Ele pegou o leque que tinha deixado cair.
- Estou sem sono, então resolvi praticar um pouco de taichi. – Me levantei e peguei o leque dele.
- O que é isso?
- É aquele negócio que você estava fazendo no barco? É muito chato.
- É meditação em movimento, Chrome. Devia tentar algum dia desses.
- Continua sendo chato.
- Irei com você.
- Quer aprender a fazer também?
- Eu só vou me certificar de que não vai fazer nada imprudente.
- Acredite em mim, você vai querer dormir. – Disse Chrome.
Fomos até a cerejeira. No caminho encontramos Ezarel e Nevra. Os dois ficaram curiosos para ver como era essa tal meditação em movimento. Na cerejeira, encontramos Leiftan. Ele ficou surpreso em nos ver.
- O que estão fazendo aqui?!
- Vim fazer taichi e esse povo todo me seguiu. E você?
- Fiquei sem sono e a luz da lua me acalma.
- Ótimo, assim vai poder ver a meditação em movimento. – Disse Ezarel.
- Devo lembrá-lo que meditação é algo pessoal e não um espetáculo?
- Então para que o leque?
- Para enfiar no seu cu se continuar a me irritar.
- Vocês vão fazer isso aqui? Agora?
- Algum problema?
- Nenhum. Eu acho que vou ficar para ver também.
Mesmo ele parecendo contrariado há pouco tempo, acabou se sentando com os outros. Era difícil ignorá-los. Fechei os olhos e tentei me concentrar em outra coisa. Comecei a pensar sobre a minha vida na Terra, em Yuna, a minha colega de quarto lolzeira, nos meus amigos e em como a gente se divertia junto. Comecei com movimentos suaves e lentos com o leque fechado.
Conforme os pensamentos fluíam, os movimentos ficavam cada vez mais rápidos e eu comecei a executá-los com o leque aberto. Pensei em tudo que tinha acontecido desde que cheguei a Eldarya. No cristal, nos mascotes, o treinamento, Elliot, a missão das Terras de Jade, o barco, tudo, inclusive meu afogamento. Foi inevitável pensar nos avatares dos deuses, como eles se referiram às suas formas humanas. Tinha tantas perguntas.
Esqueci completamente o controle que tinha sobre meu corpo. Se ele fazia taichi ou se ele dançava, eu não sabia, minha mente estava em outro lugar. Senti a brisa acariciar meu rosto e quando abri os olhos por um momento, vi que tinha ido para o limiar. Tornei a fechá-los. Senti a presença de cada criatura viva que estava passando por ali àquela hora, ou que estivesse escondida entre os arbustos.
Os últimos pensamentos foram concentrados em meu treino recente com os deuses, em seus sorrisos e no apoio que encontrei neles. Encerrei a sessão com um movimento suave e o fechamento do leque.
Quando abri os olhos, tinham três chefes da guarda e o braço direito da Miiko de boca aberta e totalmente perplexos. Eu esqueci que eles existiam, apesar de ter sentido suas presenças há pouco tempo. Já os mascotes estavam com os olhos brilhando.
- Isso foi.... – Começou Ezarel.
- Uau! – Exclamou Nevra. – Simplesmente uau.
- Eu devo ter parado com o taichi e começado a dançar em algum momento. Essa foi a primeira vez que usei o leque.
- Foi sublime. – Disse Leiftan.
- Você faz isso sempre? – Perguntou o vampiro.
- Só quando preciso colocar os pensamentos em ordem. Afinal, meditação, né.
- Você tem uma forma estranha de meditar. – Comentou Valkyon.
- Taichi é normal no meu mundo. Além de meditação é uma atividade física. Geralmente idosos fazem nos parques, praia e até academia. Ajuda na circulação, é bom para a respiração e para colocar pensamentos em ordem.
- Uau. – Disseram todos.
- Você não vai fazer mais? – Perguntou o elfo curioso.
- Não. Vocês estão ouvindo o que eu estou falando ou têm problema na cabeça?
- É que a gente não tem esse tipo de coisa aqui. – Respondeu o faeliano um tanto melancólico. – Tínhamos algo parecido com isso, mas infelizmente é uma arte perdida.
- Posso entender isso. Há muitas coisas na Terra que foram perdidas, mas isso é uma longa história e eu estou cansada demais para explicar.
Voltei para dentro do prédio. Nevra acabou decidindo puxar conversa comigo.
- Você gosta de Crepúsculo?
- Que?
- Você sabe, aquele livro que fez sua gente não resistir aos meus encantos.
- Eu estava muito ocupada fazendo merda demais para ler esse troço. Mas tenho que admitir que você é bem encantador quando quer.
- Você ainda não sabe o quanto. Se quiser me conhecer melhor....
- No meu quarto ou no seu?
- Você é bem direta.
- Só tenho uma vida, né? Melhor aproveitar enquanto posso.
- Sabia que uma hora não resistiria a mim.
- Como resistir? Só vou tomar um banho rápido e colocar algo um pouco mais.... Você vai ver. Te encontro no seu quarto então?
- O que você está aprontando?
- Você vai ver. Vou te dar uma noite inesquecível.
Tomei um banho rápido só para tirar o suor do corpo, coloquei uma lingerie ousada que tinha que iria fazê-lo babar, um casaco por cima porque eu não sou doida de andar de calcinha e sutiã por aí e peguei um pano para usar como venda e par de algemas felpudas que tinha ganhado de amigo oculto. Uma vez, em um natal, meus amigos da faculdade quiseram fazer um amigo oculto, só que minha amiga Latifah resolveu fazer um amigo oculto onde os presentes seriam artigos de sex shop. A ideia deu tão certo que fizemos em todos os nossos anos de faculdade.
Com as algemas no bolso, o cabelo totalmente solto e o casaco fechado além de botas, eu fui ao quarto do Nevra. Ele ficou surpreso, mas sorriu maliciosamente quando me viu.
- Pensei que não viria.
- Mas estou aqui.
Abri o casaco revelando a lingerie que usava. Era um espartilho vermelho com renda preta e uma calcinha fio dental combinando. Parecia que o queixo do Nevra ia bater no chão, igual a desenho animado. Retirei e coloquei na cadeira.
- Vai ficar só olhando?
Ele deu um pequeno sorriso. Nevra se aproximou de mim como um predador. Antes que eu percebesse, estava contra a parede. Ele olhou no fundo dos meus olhos e tomou meus lábios. Eu o correspondi da mesma forma e recepcionei sua língua com a minha. O vampiro desceu os lábios pelo meu queixo e depois para o meu pescoço. Senti seus caninos roçarem minha pele, mas não estava com medo, pelo contrário, levei minha mão até sua nuca e o trouxe mais para perto, enrolando meus dedos em seus fios negros.
Nevra se separou de mim apenas para me conduzir até sua cama. Ele voltou a beijar meu corpo, dessa vez o topo dos meus seios. Algum tempo depois, ele estava apenas de cueca que parecia um cinto de castidade e explorávamos o corpo um do outro sem pudor. Ele começou a estimular minha intimidade por cima da calcinha, eu gemia em seu ouvido e arranhava suas costas. O corpo dele era muito frio. Nevra parou de me estimular, abaixou a cueca, colocou o tecido da calcinha para o lado e me penetrou com um dedo.
Algum tempo depois, quando ele achou que estava bom, ele entrou em mim. Ele brincava com os meus seios por cima do espartilho para me fazer gemer mais e mais. Nossos corpos se movimentavam em um ritmo cada vez mais frenético, mas nenhum de nós cedia. Ele fazia de tudo para que eu atingisse o ápice primeiro. Quando conseguiu o que queria, ele se desmanchou dentro de mim.
Não dei tempo para ele se recuperar, mesmo ofegante, eu o virei na cama e fiquei por cima dele. Ele me olhou confuso, mas não me preocupei com isso, mordi seu lábio inferior antes de beijá-lo. Tão repentino foi o beijo quanto foi a quebra dele. Ele estava totalmente confuso. Saí de cima dele, fui até o casaco e peguei o pano e as algemas.
- Sei como podemos nos divertir muito mais. – Voltei para cima dele. – Afinal, eu te prometi uma noite inesquecível.
Eu o prendi na cama com as algemas e usei o pano para vendá-lo. Tornei a beijá-lo, acariciando seu corpo devagar. Ele estava bem sensível ao toque. Desci a boca pelo seu pescoço, depois para seus mamilos e por fim sua barriga. Minhas mãos foram até sua bunda, aproveitei para apertá-la com vontade. Acariciei seu membro de forma lenta e bem torturante, dando leves apertos na ponta e não esquecendo de estimular seus testículos.
- Você quer me matar?!
- Não, torturar para mim já está de bom tamanho.
- Você é má.
- Você não imagina o quanto, mas posso ser boazinha se pedir com jeitinho.
- Você quer que eu implore?!
- Não seria má ideia.
Parei o que estava fazendo para tirar sua venda. Nevra não demorou a se acostumar com a escuridão do quarto, a única luz vinha da lua através da janela. Tirei minha calcinha de forma lenta e provocativa e joguei na cara dele. Em seguida tirei o espartilho. Voltei a estimular suas partes baixas, sendo que dessa vez eu me estimulava acariciando um de meus seios. O vampiro gemia, arfava, falava coisas desconexas. Esfreguei minha intimidade contra a dele para provocá-lo ainda mais.
- Porra! Assim não vale! Quer saber, você venceu. Me fode de uma vez!
- Seu desejo é uma ordem.
Montei nele, encaixando nossas partes, e comecei a me movimentar. Tudo o que eu ouvia era o meu nome saindo pela boca dele pedindo por mais. Não demorou para ele se desmanchar dentro de mim, mas cavalguei um pouco mais para atingir o meu ápice. Pelo visto acabei com toda sua energia. Saí de cima dele e desabei em seu peito.
- Você é ótima.
- Você também.
Ele não demorou a adormecer. Peguei minhas coisas, fui tomar um novo banho rápido e depois fui para o meu quarto.
Chapter 12: Capítulo 12
Notes:
Primeiramente, feliz ano novo atrasado! Eu sei que estou há muito tempo sem postar, mas é porque a vida está um pouco corrida. Espero que gostem desse capítulo. ^^
Chapter Text
- TINGSIIIIIIIIIII!
O QG acordou com os berros do Nevra. Demorei a me vestir, coloquei uma calça branca, uma blusa rosa e sapatos cor de rosa, um capuz e óculos escuros antes de sair do quarto. Muitos membros da guarda tinham mudado violentamente o tom de pele para vermelho e saíram correndo do quarto do Nevra morrendo de vergonha.
Antes de sair, eu não retirei as algemas do Nevra e nem o cobri, tudo que eu fiz foi colocar uma almofada em sua virilha com um bilhete. Ou seja, o líder da Guarda Sombra estava algemado nu com uma única almofada cobrindo suas partes íntimas e um papel escrito que a chave estava debaixo daquela almofada.
Dentro do quarto estavam Ezarel, Valkyon e Leiftan juntamente com a Miiko. Alajéa estava do lado de fora com Ewlein cuidando de sua hemorragia nasal, Ykhar estava pior que uma pimenta, o Chrome teve um piripaque que nem o do Chaves, Kero queria nem olhar e o Jamon, coitado, a carinha de vergonha dele me deu pena. Havia alguns curiosos na porta, então me infiltrei entre eles.
Dos quatro que estavam no quarto, Ezarel estava gargalhando alto, Leiftan também ria, mas menos que Ezarel, Valkyon estava se esforçando para não rir, até a Miiko estava rindo. Que estranho.
- Eu vou matar aquela humana!
- Ela realmente te enganou. – Comentou Valkyon.
- Isso não é engraçado!
- Como não? – Perguntou Ezarel. – Você foi enganado por uma garota e está preso na cama.
- Ok, foi engraçado, agora me tirem daqui!
- Isso parece com os grilhões que temos na prisão. – Averiguou Valkyon. – Porém mais leves e com esse negócio macio.
- Não seria melhor alguém pegar a chave? – Perguntou Leiftan.
Um olhou para o outro se perguntando quem iria tirar a almofada e pegar a chave.
- Miiko, é com você. – Disse Ezarel vindo para a porta, mas ela o puxou de volta.
- Por que acha que eu vou pegar essa maldita chave?! Vocês quiseram essa humana na guarda, então isso é problema de vocês!
- Mas eu não quero mexer ali embaixo!
- Valkyon, para você um corpo é só um corpo, não? – Perguntou Leiftan.
- Não quer dizer que eu quero mexer ali. – Todos olharam para ele, mas não consegui ver seus olhares. – Tudo bem, eu vejo.
Acontece que eu não deixei chave nenhuma ali. Valkyon tirou a almofada e começou a tatear em busca da chave. Pela cara do Nevra, ele queria que o sufocassem com o travesseiro.
- Valkyon, pode parar! A menos que queira cuidar desse novo “problema”.
Saí de lá o mais rápido que pude. Dei meu disfarce para os mascotes o levarem de volta ao quarto e fui para os jardins do QG. Eu fiquei me escondendo dos membros da guarda enquanto eles procuravam por mim feito loucos. Quando me encontraram, eu estava sentada em cima do piano no Jardim da Música cantarolando Power das Little Mix com alguns mascotes em volta.
- Tingsi, onde esteve?! – Exclamou Valkyon. – Estamos te procurando o dia todo!
- O que eu fiz dessa vez?
- Você sabe muito bem o que você fez! Precisamos da chave para soltar o Nevra.
- Está falando dessa chave? – Mostrei a chave a ele e ao Ezarel.
- Sim. Pode nos entregar?
- Não.
Eles vieram tentar pegar a chave. Fiquei em pé em cima do piano, dei um salto com direito a um mortal e caí atrás deles. Saí correndo. Ficamos nessa correria por um tempo e quando vi que iam me alcançar, lancei a chave para Cryn. O pequeno Crylasm voou em outra direção. Eles foram atrás dele e eu também junto a outros mascotes. Leiftan e Chrome estavam mais à frente quando ouviram gritos para pegar Cryn. Imediatamente gritei para ele se livrar da chave. Cryn jogou no chão e Snowyn pegou. O Pimpel saiu correndo em outra direção.
- Mas o que está acontecendo? – Perguntou o lorialet.
- Aquele mascote pegou a chave para soltar Nevra. – Disse Ezarel recuperando o fôlego.
- Precisamos recuperá-la. – Disse Valkyon.
Os quatro saíram correndo atrás do Pimpel quando ordenei que se livrasse da chave. Crownin quem pegou e saiu correndo e voando baixo. Três marmanjos e um adolescente atrás de uma galinha, não consigo descrever melhor essa cena. Crownin passou a chave para a Aracne, a jovem Spadel que era menor que a chave. Ela não ficou muito tempo, pois quem pegou a chave foi Plum, montado em Dala. A bebê Dalafa Noturna era mais rápida do que eu esperava. Só quando ela se cansou que o Plomobec passou para mim. Os mascotes e eu ficamos alternando para ver quem pegava a chave até que Sirius correu feito um cachorro para pegá-la, só que ele engoliu a chave.
- Só pode ser brincadeira! – Exclamou Chrome.
- Pela primeira vez eu concordo com o cachorrinho. – Reclamou o elfo. – Como é que a gente vai pegar a chave?!
- É só esperar ele cagar, aí mexe na bosta dele e pega. – Falei sem escrúpulos.
- Você fará isso!
- Por que eu faria? Se virem aí.
- Tingsi, você não acha que já causou problemas o suficiente? – Perguntou Valkyon.
- Então por que ainda me mantém aqui? Você sabe que eu quero voltar ao meu mundo, mas pelo visto ninguém aqui pretende me mandar de volta.
- A gente não pode.
- E pretendia me dizer quando? Vocês pensam que eu sou idiota, não é?
- Não é que a gente não queira, é só que é complicado,
- Acho melhor conversarmos sobre isso depois. – Comentou Leiftan. – Como Valkyon disse, é complicado.
- Não vai ter depois, Leiftan. Estou caindo fora.
- Pessoal! – Gritou Ykhar antes de nos alcançar. – Miiko precisa de todo mundo! Mery desapareceu!
- Puta merda, mais essa agora!
Enquanto Ykhar nos explicava os detalhes, eu peguei o grosso e fui para a floresta o mais rápido que pude. É claro que Valkyon me seguiu.
- Perdeu o juízo?!
- Ah claro, uma criança some e você acha que vou ficar parada.
- Você deveria ser mais prudente, não ouviu os últimos relatos?
- Não, estava ocupada demais com outras coisas.
- Escute, Mery não é o primeiro a desaparecer. Recentemente algumas crianças desapareceram.
- E vocês não fizeram nada?!
- Nós tentamos. – Ele estava visivelmente abatido e frustrado. – Mas não achamos pistas sobre o paradeiro.
- Valkyon. – Toquei seu braço. – Eu não te conheço, mas você deve ter tentado o seu melhor. Nós vamos achar o Mery. Eu sei que vamos.
- Você não vai voltar se eu pedir.
- Pode crer que não.
Nós adentramos mais na floresta. Eu insistia em ir mais fundo depois de explorarmos as áreas mais próximas. Encontramos o Mery, ele me abraçou quando me viu. Ele tremia muito, mas estava bem. Eu o acalmei e Valkyon o carregou no colo. Ele estava exausto e acabou adormecendo.
- Pelo menos ele está bem. – Comentei.
- É. Às vezes eu não te entendo. Uma hora você está perturbando a paz no QG, outra hora você parece se importar mais que qualquer outra pessoa.
- Admita, sem mim, sua vida seria um saco.
- Seria bem mais tranquila, isso eu não duvido. Mas eu não sei se alguém no QG cuidaria de Elliot ou procuraria o mascote do Mery com tanta dedicação.
Quando voltamos, o QG tinha tomado o estado de fortaleza. Ezarel estava perseguindo Sirius de um lado para outro e resmungando. Nós levamos Mrey à enfermaria para a mãe dele e depois fomos falar com a Miiko. Ela queria falar com o Valkyon sobre a busca das crianças desaparecidas e dos relatórios. Eu fui ao meu quarto, peguei a chave reserva e fui até o quarto de Nevra. Ele estava do jeito que eu deixei.
- Ah, olha só quem finalmente apareceu.
- Eu estava ocupada. O Mery sumiu, mas Valkyon e eu cuidamos disso.
- Como?!
- Não se preocupe, ele está bem. Eu vim te soltar, mas só se aceitar o meu acordo.
- Diga.
- Bem, o meu Corko Sirius engoliu a chave e nesse momento Ezarel está atrás dele esperando que ele cague para enfim pegar a chave e te soltar.
- Eu queria ver essa cena.
- Você pode. Eu tenho a chave reserva. Eu posso te soltar, mas você não pode aparecer para o Ezarel, pelo menos não até ele terminar de pegar a chave da bosta do Sirius.
- Você sabe mesmo como tornar as coisas interessantes. – Ele sorriu travesso. – Eu aceito com todo o prazer do mundo.
Eu o soltei. Peguei um de seus pulsos e o massageei, ele deve ter ficado muito tempo sem circulação ou no mínimo estava doendo. Fiz o mesmo com o outro quando achei que estava bom.
- Você deu sorte que meus pulsos estão doloridos ou eu teria te algemado.
- Você poderia tentar, mas não seria bom para você.
- Agora saia que eu tenho que me vestir. Não quero perder um segundo disso.
- Não se esqueça que ninguém pode te ver. Porque se alguém contar para ele antes....
- Eu sei.
Recolhi as algemas e saí dali. Agora só faltava encontrar Ezarel de novo. Eu o encontrei no caminho dos arcos correndo atrás de um Sirius enérgico. Chrome estava escondido em um dos arbustos, então me juntei a ele.
- Fico surpresa que seja Ezarel a correr atrás dele e não você ou Leiftan.
- Eu escapei antes que ele pudesse me ordenar e Leiftan é muito ocupado.
- Ele podia ter pedido para outra pessoa.
- Acho difícil. Ninguém iria querer uma missão dessas e ele jamais confiaria algo assim a Alajéa.
Algum tempo depois, Sirius fez uma montanha de cocô. Ezarel tapou o nariz antes de pegar a chave, mas não parou de reclamar. Ele lavou no parque do chafariz e foi até a Miiko e o Valkyon informar que tinha recuperado a chave. Fiz Chrome segui-los junto comigo. Eles nos perceberam.
- O que vocês dois estão fazendo? – Perguntou Miiko.
- Só viemos ver se pegaram a chave das algemas. – Comentei como se não fosse nada demais.
- Para o seu governo sim e você vai até lá para se desculpar com Nevra.
- Está bem.
Fomos todos ao quarto de Nevra. Assim que abriram a porta do quarto, não havia ninguém. Ficou um olhando para a cara do outro com cara de bunda e se perguntando onde estava o vampiro, afinal, não tinha como ele escapar.
- Oi, pessoal, o que vocês estão fazendo?
Nevra apareceu atrás de nós, ele estava encostado na parede em frente ao quarto. As caras que fizeram foram impagáveis. Não aguentei e comecei a rir. O vampiro se juntou a mim, pois as caras deles estavam tão engraçadas.
- Mas o que significa isso?! – Miiko estava puta.
- Eu tinha a chave reserva, então soltei o Nevra.
- A propósito, Ez, como você não conseguiu alcançar um bebê Corko?
- Você viu?!
- Só a parte do Sirius. O acordo foi que eu o soltaria se ele não se mostrasse para ninguém, principalmente para o elfo.
- Eu pensei que você não fazia parte disso, Nevra. – Resmungou Valkyon.
- E não fazia, mas a nossa Tingsi aqui sabe ser bem persuasiva.
- Transformei ele de vítima em cúmplice.
- E valeu à pena. Quem diria que eu veria o nosso querido Ez catando cocô de mascote.
- VOCÊS DOIS ME PAGAM!
- Mas agora eu sei que você me ama mesmo. Até mexeu no cocô de um mascote por mim. – Ele jogou um pouco de charme.
- Nevra, seu maldito!
Por incrível que pareça, Valkyon começou a rir. Fiquei assustada, já que não esperava por isso. Ele parecia ser tão responsável.
- Você não tem jeito. – Ele disse. – Mas não achei que fosse se juntar a esta delinquente.
- Ora, vocês me conhecem. Como eu posso dizer não a uma garota bonita? – Ele passou o braço pelos meus ombros.
- JÁ CHEGA! – Gritou a Miiko prendendo nossa atenção. – A situação é séria.
Miiko começou a falar da missão das crianças desaparecidas, que estariam organizando equipes de busca, do toque de recolher e do fechamento do portão. Foi por isso que Valkyon e eu tivemos que nos identificar quando trouxemos Mery. Eles foram para a sala do cristal. Recuperei a chave do Ezarel e fui ao meu quarto. Fiquei lá com os mascotes. Comecei a treiná-los para fazer coisas também e só saí para comer.
Pensei em retomar as aulas de forja e de alquimia, então fui ver se tinha alguma aberta. Como não tinha aulas, resolvi revisar o que sabia de alquimia, afinal, mesmo não tendo ouvido os deuses o dia todo, eu precisava me ocupar. Como treinar estava fora de questão a menos que eu quisesse socar e chutar árvore, sobrou isso. Resolvi dar um tempo e sair para respirar. Leiftan acabou trombando em mim e por pouco quase caímos no chão.
- Desculpe, eu não te vi.
- Tudo bem. Você está sempre de um lado para outro de tão ocupado.
- Na verdade, eu estava te procurando.
- Eu? É sobre prender o Nevra na cama e fazer o Ezarel mexer em cocô de mascote em vão?
- Eu soube dessa última parte da história, mas não é sobre isso. Você vai mesmo embora?
- Vou. Primeiro eu vou ajudar a achar as crianças ou o que sobrou delas. – Minha voz falhou nessa última parte. – Depois eu vou embora, mas vou sentir sua falta.
- Minha falta?
- É, você foi uma das poucas pessoas que foi legal comigo desde o começo e não me entregou para o Valkyon por causa do grafite.
- Entendo. Este lugar ficará tedioso sem você.
- Pode apostar.
- No entanto, receio que não possa partir até reabrirem os portões.
- Merda. Então, quando vão nos dar as instruções?
- Amanhã de manhã na cantina.
- Espero que esse pesadelo acabe logo.
- Eu também.
Voltei para o meu quarto e fui dormir. No dia seguinte fui até o local da reunião. A reunião foi longa, mas basicamente iriamos nos separar em grupos e procurar em uma área da floresta. As duplas foram atribuídas e eu caí com o Valkyon. Ao final da reunião, Ykhar entregou um relatório para estudarmos. Esperei todos saírem para andar até Valkyon.
- Parceiros de novo?
- Ao que parece, sim.
- Vamos resolver tudo.
- Você está bem otimista.
- Bem, já resgatamos o Elliot, achamos o Mery, acho que a gente forma uma boa dupla quando se trata de missões na floresta.
- É verdade. Tingsi, sobre ontem, você vai mesmo embora?
- Vou. Eu te disse que ficaria por um tempo. Assim que esses portões se abrirem, vou pegar minhas coisas e partir.
- Sinto muito por não poder te levar de volta. – Ele abaixou o olhar.
- O que quer dizer com isso? Vocês não estavam querendo me manter aqui em primeiro lugar?
- Não é tão simples. Os ingredientes são difíceis de consegui e muito caros, sendo utilizados por pessoa. Não podemos nos dar a este luxo, ainda mais que sua viagem será só de ida e não poderemos nos reabastecer.
- Eu não poderia enviar comida pelo círculo de cogumelos?
- Infelizmente é preciso de um ser vivo para passar pelo círculo.
- Comida e uma barata? – Ele arqueou a sobrancelha. – Você disse ser vivo, isso inclui insetos, minhocas, fungos e bactérias.
- Não é assim que funciona. Em todo caso, não acho que você terá sorte em reuni-los se partir.
- Eu vou dar um jeito.
- Você é teimosa.
- Já me disse isso.
- E não vai desistir.
- Não mesmo.
- Aprecio isso em você. – Ele pôs a mão em meu ombro. – Embora use essa teimosia para causar problemas.
Valkyon saiu da cantina. Senti uma nova mão no meu ombro. Era Jamon.
- Tingsi deve fazer treinamento.
- Faço isso todo dia.
- Você dominar arma ou combate?
- Que arma?
- A que Jamon te deu quando chegou.
- Não, essa não.
- Pegar arma e encontrar Jamon no jardim.
Fui até meu quarto para pegar meu martelo, aproveitei para pegar os leques com lâminas também. Jamon estava me esperando na cerejeira. Ele me disse para deixar a arma de lado e começou a me dar socos laterais, os quais me esquivei ou defendi usando o que aprendi com wushu. Eu também o contra-ataquei como fazia no meu treinamento, o acertando no estômago com a garra de tigre. Ele não esperava por isso.
- Onde você aprender isso?
- Pela vida. – Ele não parecia satisfeito. – Uns amigos me ensinaram lá na Terra. Lá é cheio de academias com todo tipo de luta.
- Mesmo?
- É.
- Ok. Agora pernas.
- Jamon, eu não realmente não quero te machucar. – Ele corou.
- Tingsi não machucar Jamon. Você muito fraca.
- Você quem pediu.
Uma coisa que aprendi no wushu é que força não importa e sim habilidade e onde você acerta. Eu estou acostumada a chutar alto e a chutar árvore, então eu chutei acima do quadril, bem no baço, pâncreas, vesícula biliar, sei lá que órgão eu acertei, mas doeu.
- Jamon, me desculpe! Você está bem?!
- Jamon bem. – Ele fez uma carinha tão fofa mesmo tentando não admitir que estava com dor. – Tingsi boa em combate.
- Obrigada.
- Saber usar arma?
- Eu não treino com ela desde que você me deu.
Treinei meu martelo com ele. Embora fosse uma arma pesada, ele era surpreendentemente leve. Após algum tempo de treino, fui comer algo antes de voltar ao meu quarto e ler o relatório. Valkyon veio me buscar, então fomos para a floresta.
- Então só temos que achar pistas ou seja lá o que for que está causando problemas?
- Isso.
- E depois?
- Partimos em retirada.
- A gente não deveria enfrentar ou pelo menos observar a criatura? A gente conseguiu espantar o Black Dog, não foi?
- Pode não ser um Black Dog. O ideal seria atacá-la, mas nem todos estão dispostos a lutar ou têm força para isso. Você mataria seu inimigo?
- Eu não sei, eu nunca matei antes.
- Espero que demore o máximo possível para isso acontecer.
Fiquei quieta enquanto entrávamos na floresta. Quanto mais adentrávamos, mais eu tinha uma sensação ruim. Ouvi um barulho, mas Valkyon parecia não ouvi-lo, então fui na direção dele. Eram apenas galhos quebrados por um mascote.
- Tingsi, o que deu em você?!
- Eu só vim verificar o que era.
- Não se afaste assim. Não sabemos com o que estamos lidando.
Fomos até uma pilha de pedras. Não tínhamos encontrado nada, o que me deixava frustrada, mas algo me deixava inquieta, tinha alguma coisa errada.
- Você também tem a impressão de que há algo errado?
- O que quer dizer?
- Eu não sei explicar. Estou com uma sensação ruim. Como se nada aqui estivesse certo.
- Vamos voltar.
- Não! A gente tem que continuar.
- Já exploramos o que tínhamos que explorar por hoje e não podemos invadir a área dos outros.
- Vamos procurar só mais um pouco. Eu sei que tem algo por aqui.
- É inútil continuar procurando, confie na minha experiência. E você não me parece bem.
Não adiantava discutir, então iríamos voltar. Mal dei alguns passos e algo passou por entre as árvores de relance. Virei para ver o que era e vislumbrei a silhueta de alguém. corri até o local, mas não havia nada.
- Tingsi, eu falei para não se afastar!
- Eu achei que tinha visto alguém.
- Pode ter sido outro grupo.
- Então por que não tem ninguém aqui?
- Talvez tenha sido impressão.
- Valkyon, você tem que acreditar em mim, tinha alguém aqui!
Procuramos os arredores, mas não havia ninguém. Acabamos voltando frustrados e em silêncio. Ele só falou comigo quando cruzamos o portão.
- Como está se sentindo?
- Melhor, a sensação sumiu.
- Eu sei que está frustrada, mas não tínhamos muito o que fazer. – Soltei um suspiro cansado. – E fazer ronda na floresta não é a coisa mais divertida do mundo.
- Mas também não foi entediante. Por incrível que pareça, eu gosto da sua presença.
- Você gosta? Eu pensei que você detestasse me ter por perto.
- Por que acha isso?
- Bem, as suas atitudes às vezes me fazem pensar o contrário.
- Ou talvez essa seja a minha forma de lidar com as coisas. Vamos parar com esse sentimentalismo, estou sóbria demais para esse tipo de conversa.
Fizemos o relatório antes de irmos beber no refeitório. Fazia tempo que eu não bebia, com todas as frustrações que tive hoje, aproveitei para encher a cara. Hoje eu vou beber até acordar com a cabeça dentro da privada.
===Valkyon===
Se eu soubesse o quanto essa garota iria beber, eu nem teria deixado ela consumir bebida alcóolica. Ela bebia uma garrafa de cerveja atrás da outra e até perguntou se tinha vodca, tequila e whisky, seja lá o que isso for. Eu já vi Ezarel e Nevra bêbados uma vez, eles se abraçaram e começaram e cantaram Enquanto Seu Lobo Não Vem. Tingsi começou a cantar uma música estranha e a fazer uma dança mais estranha ainda em cima da mesa. Para piorar a situação, mesmo bêbada ela canta bem e dança bem, mesmo sendo uma dança estranha. Ela não oscilou ou tropeçou.
- All we go hard! Till we get it, get it, we go hard! We so in it, in it We pop stars! Only winning winning now.
- Alguém desça essa garota da mesa! – Reclamou Karuto.
- Estou tentando, mas está difícil.
- We're wide awake now, our eyes are wide open! We're running this world, we keeping it turning. We're living like giants, yeah, giants. We're bigger than giants, we’re giants! Woah!
Como é que ela consegue cantar naquele tom mais alto estando bêbada e não desafinar? Pelo menos não tanto como eu esperava. A cantina encheu de curiosos. Ezarel, Nevra, Ykhar, Alajéa e até mesmo Leiftan apareceram.
- Hoje é o festival de música e não me contaram? – Perguntou Ezarel.
- O que ela está cantando? – Perguntou Alajéa.
- Eu sei lá. Nunca ouvi nada assim antes. Me ajudem a tirá-la da.... Mas o que?!
Ela resolveu pular pelas mesas e rodopiar enquanto cantava alguma música que eu não conhecia. Nesse momento éramos eu e Leiftan tentando pegá-la, Alajéa tentando fazer o mesmo, Ykhar tentando descê-la, Karuto gritando e Ezarel e Nevra rolando no chão de tanto rir. Em um dado momento ela conseguiu apagar a luz. Foi uma confusão até que ela acendeu um abajur que conseguiu sei lá onde. Tingsi estava sentada em uma das mesas com as pernas jogadas o cabelo solto e uma colher de pau perto da boca.
- At first I was afraid, I was petrified. Kept thinking I could never live without you by my side.
- Mas que porra é essa agora?! – Resmungou Karuto.
Quando eu pensava que não podia piorar, ela começou a performar enquanto escapava da gente. Eu não sei o que deu no refeitório que muita gente começou a gritar I will survive sem qualquer motivo aparente.
- Agora já chega. – Consegui tomar a colher de pau dela. – Vamos embora.
- Cadê Yuna?
- Quem é Yuna? – Perguntou Leiftan que estava do meu lado.
- Eu não sei.
- Yuna! – Ela saiu entre a multidão procurando essa tal Yuna, tanto que tivemos que segui-la. – Latifah! – Esse nome é novo. – Elena! Damiana! Yeva! Felix! – Isso é um nome masculino? – Cadê minhas amigas?
Nevra, Ezarel, Leiftan e eu nos entreolhamos sem dizer uma palavra. Todo e qualquer resquício de graça se esvaiu de nossos rostos. Toda coragem que eu tinha que ter como chefe da Obsidiana desapareceu. Foi Leiftan que se aproximou dela.
- Tingsi. – Ele começou hesitante. – Sou eu, Leiftan. De Eldarya.
Ela agarrou as roupas dele e começou a chorar. Essa cena chegava a ser familiar, com a diferença que o olhar do lorialet estava totalmente perdido.
- O que eu faço?
- Deixa que eu assumo.
Peguei a pequena bêbada no colo e a coloquei por sobre o ombro como se fosse uma criança. Eu a levei até o quarto enquanto Ezarel e Nevra ficaram para se juntar com Alajéa e outros bêbados que subiram nas mesas para cantar e infernizar Karuto e Leiftan ficou para ajudar Ykhar. No caminho para o quarto, ela resolveu mexer no meu cabelo.
- Valkyon?
- Hum?
- Você até que é um cara legal.
- E você não é uma bêbada ruim.
Abri a porta e fui atacado pelos mascotes, mas quando viram que eu estava com a dona deles, me deixaram passar. Coloquei Tingsi na cama. Tinha um aparelho estranho na cabeceira, era um retângulo preto estranho. Eu o peguei e analisei para ver como funcionava. Senti uma espécie de botão na lateral e apertei todos que consegui. O negócio se iluminou e apareceram umas pessoas estranhas com umas roupas mais estranhas ainda.
Reconheci a Tingsi, ela estava de braços dados com uma garota de cabelo curto e roxo com mechas azuis, óculos e traços parecidos com os dela. Havia duas garotas de pele negra retinta, sendo que uma tinha o cabelo castanho escuro preso em um monte de tranças e um penteado que parecia algum tipo de coroa e a outra tinha o cabelo preto e crespo preso em dois pompons. Uma garota de pele intermediária, cabelo preto e olhos bem verdes chamou minha atenção e ao lado dela uma loira alta de cabelo liso e olhos roxos. Havia um rapaz de pele retinta e cabelo preto em várias tranças curtas e outro branco com roupas coloridas, cabelo rosa e pernas totalmente abertas em uma posição estranha. Como ele fez aquilo sem esmagar os testículos é um mistério.
Aquilo era uma espécie de desenho que eu não conhecia? Se eu perguntar a ela provavelmente terei uma dor de cabeça desnecessária. De qualquer forma, não preciso ser inteligente para perceber que aqueles eram os amigos da Tingsi. Coloquei o que quer que seja de volta no lugar e olhei para minha subordinada.
- Sinto muito por não poder te mandar de volta.
Chapter 13: Capítulo 13
Chapter Text
Acordei com uma ressaca daquelas. Eu teria ficado o dia todo na cama, mas o universo não gosta de cooperar comigo. Ouvi batidas na porta.
- Tingsi, sou eu, Leiftan. Posso entrar?
Demorei um pouco para assimilar as coisas. Minha cabeça latejava e acordar em outro mundo também não ajuda. Permiti sua entrada, assim os mascotes não o incomodariam. Ele me estendeu um frasco.
- Beba isso.
- Para que serve?
- Para ajudar na sua ressaca. Sua dupla hoje será o Ezarel.
- Puta merda, o universo me odeia!
Comecei a tomar seja lá o que fosse enquanto massageava as têmporas. Não sei o que era, mas senti a ressaca começar a ir embora aos poucos. Leiftan me entregou uma fruta também.
- O que aconteceu?
- Você bebeu um pouco mais do que deveria e começou a cantar e a dançar no refeitório.
- O Karuto deve ter ficado puto.
- Você não imagina o quanto. O que é isso? – Ele perguntou pegando meu celular.
- Ah, isso, é complicado.
- Sua arte é surpreendente.
- Isso não é um desenho, é uma foto. É complicado e a ressaca está foda. Não fui eu que fiz, foi esse aparelho.
- Eu não entendi.
- Vou te mostrar.
Desbloqueei a tela do celular, mostrei a ele onde tinha que apertar, botei no ícone da câmera e em poucos instantes apareceu o chão do meu quarto.
- Agora é só mirar onde quiser e apertar esse botão. – Com ele vendo, mirei em Plum em cima de Fleur e bati a foto. – Viu? Agora ela vai ficar na galeria, até eu decidir se excluo ou deixo aí.
- Nunca tinha visto esse tipo de feitiço.
- Isso não é magia, é tecnologia. É outra história. Mas se quiser uma imagem melhor, o certo seria usar uma câmera. Isso não é muito bom, mas é prático.
- Tem como melhorar?
- Tem como fazer de vários tipos como preto e branco, sépia, mexer na luminosidade, um dia eu te explico.
- Qual a finalidade disso?
- Captar momentos. Ajuda a registrar as lembranças. Aqui ficam várias fotos. – Fiz todo o processo para a galeria.
- O que é isso? – Ele apertou na parte dos vídeos.
- São vídeos, mas isso é outra história. Não aperta aí!
Ele apertou em um vídeo que estávamos eu e minhas amigas coreografando Talk Dirty To Me do Jason Derulo. A música preencheu o quarto, os mascotes começaram a dançar, o vídeo estava na tela e ele se assustou com isso.
- Isso sou eu e minhas amigas dançando feito retardadas. Não pergunte mais nada. – Tirei do vídeo, ainda bem que não foi o que estávamos bêbadas dançando One More Time com o Felix.
- Suas amigas parecem ser enérgicas.
- Elas são doidas, isso eu garanto.
- Mais do que você?
- Provavelmente.
- São as que estão na “foto” dessa coisa?
- Sim, deixa eu te mostrar. – Coloquei na foto que tinha definido como bloqueio de tela. – A loira é a Yeva, ela é russa, adora uma vodca e bebe pior que carro velho.
- O que é carro?
- É uma forma de transporte. A de cabelo ondulado e olho verde é a Elena, ela é da Colômbia. A de cabelo crespo é a Damiana, ela é do Brasil e faz cada doce bom. A com esse penteado maravilhoso é a Latifah, o cabelo dela é um cacheado lindo, mas às vezes ela faz tranças e ela é americana. Esse garoto aqui atrás é o Jaden, ele é do meu grupo de grafite.
- Aqueles desenhos que você fez no muro?
- Isso. Essa do meu lado é a Yuna, minha colega de quarto da faculdade e também minha melhor amiga, ela é coreana. E esse fazendo espacate é o Felix. Ele é muito divertido.
- Como ele fez isso?
- Eu também queria saber.
- E quem é o rapaz que está com você na outra foto dessa coisa?
- Esse? É o Isaiah, o meu melhor amigo desde a adolescência.
Mostrei mais algumas fotos deles ao Leiftan ao mesmo tempo em que descrevia as cenas ou o que fazíamos que não estava nas fotos. Também mostrei alguns vídeos que não fossem muito constrangedores. Senti uma saudade imensa deles e das merdas que fazíamos. Também falei que dava para colocar música, jogar, acessar algumas coisas e ligar, mas eu não conseguia entrar em contato com ninguém da Terra. Mas aí lembramos da missão e eu tinha que encontrar Ezarel. Leiftan foi embora e eu fui me encontrar o aprendiz de Gintama. Culpe Yuna.
- Nossa, chegou cedo. Quase hora do almoço.
- Não se preocupe, ainda dá para fazer sua caminhada matinal pela floresta para colher ervas.
- Engraçadinha.
Fomos para a floresta. Encontramos Chrome fugindo da Alajéa e um bugbear super estranho. Ezarel e eu entramos ainda mais na floresta do que eu já tinha entrado com Valkyon. A sensação de que havia algo errado estava ainda mais forte.
- Tingsi, você está ouvindo?
- Eu não prestei atenção. Tem algo errado aqui.
- Mesmo, o que é?
- Eu não sei. É uma sensação ruim. Sabe quando uma pessoa está mentindo, você sabe que é mentira e não consegue provar?
- Bem, não há nada aqui. Já cobrimos a nossa área e não há nada suspeito além daquele cara.
- Eu sei. Eu estava com essa mesma sensação ontem com Valkyon.
- Agora que você falou, algumas braçadeiras sumiram ontem.
- Estão desistindo da busca?
- Eu não sei.
Voltamos ao QG. No dia seguinte minha missão foi com Nevra. Enquanto estávamos indo para a nossa área, Ezarel veio nos avisar sobre a perda de mais braçadeiras. Nevra e eu avançamos ainda mais. A sensação voltou mais forte do que antes.
- Você está bem?
- É uma sensação ruim que venho tendo. Tem algo errado, mas não consigo saber o que é. Sabe quando uma pessoa está mentindo, você sabe que é mentira e não consegue provar? É mais ou menos isso.
- Entendo.
- Você também sente?
- Não, mas sei o que quer dizer. De qualquer forma, vamos voltar, já averiguamos a área que nos foi atribuída.
- Não podemos continuar um pouco mais? Ainda não fomos por ali.
- Está fora dos nossos limites e ninguém passou por aqui nos últimos dias.
Iriamos voltar, mas a sensação não diminuía. Algo passou por mim. Era um mascote.
- Está tudo bem?
- Sim, foi só aquele Crylasm.
- Que Crylasm?
- Aquele bem.... Você não consegue ver, não é?
- Tingsi, não tem nada ali.
- Aos seus olhos. Esqueceu que eu vejo gente morta? De qualquer forma, não custa dar uma olhada.
- Espere, você está vendo mesmo um espírito ou é uma desculpa para me fazer ir para lá?!
Eu o ignorei e fui até a nova área. Nevra me seguiu. Entramos em uma espécie de clareira com uma árvore grande e torta. Uma dor enorme atingiu o meu coração, tanto que eu segurei o local.
- Tingsi, nós vamos voltar agora!
- Não! Fiquem.
- Você ouviu isso?
- O que?
- Uma voz.
- Tingsi, isso não tem graça.
Continuei ouvindo a voz, mas Nevra não ouvia nada. Me obriguei a me aproximar da árvore, foi quando uma mão me agarrou. Um calafrio percorreu a minha espinha. Nevra imediatamente me soltou. Uma mulher com pele verde e cabelo e roupa de folhas apareceu.
- Me desculpe, eu não quis te machucar.
- Você é uma hamadríade? – Perguntou Nevra.
- Sim e esta é a minha árvore.
- Qual é o seu nome?
- Yvoni.
- Você vende produtos de beleza? – Não resisti.
- Não, por quê?
- Nada não.
Enquanto Nevra conversava com ela, a dor no meu peito aumentou e tudo piorou quando vi a silhueta de um homem. O cenário começou a mudar diante dos meus olhos, mas só foi por um segundo. Era como uma TV velha e sem sinal cuja imagem voltava ou fugia quando mexia na antena. Um cheiro horrível atingiu minhas narinas. Alguma coisa estava errada, meus sentidos gritavam isso, meu corpo estava em alerta e embora meus olhos estivessem fechados, eles lacrimejavam. Agarrei o pulso do Nevra por impulso.
- Nevra, me tire daqui!
- Tingsi! O que...?
- Me tira daqui, Nevra!
Eu o senti me pegar no colo e ele começou a correr comigo pelo caminho. Algo explodiu de dentro de mim e depois senti um grande alívio, que não durou pouco, pois Nevra começou a gritar.
- PELO ORÁCULO!
- Nevra, fique calmo! – Gritei.
Olhei ao redor e o cenário tinha mudado. Cores vibrantes tomavam conta do lugar, mas a paisagem não era das melhores. Vimos sangue por toda a floresta, uma trilha levava ao caminho que acabamos de fazer e também havia mascotes e pessoas. Nevra possuía duas pequenas asas de morcego e presas enormes. Desci de seu colo, mas sem deixar de tocá-lo. Segurei sua mão.
- Aconteça o que acontecer, não me solte está bem?
- O que é isso?! Tingsi, o que você fez?!
- Respire um pouco. Se você se acalmar primeiro, eu te explico. – Ele respirou fundo duas vezes até que se acalmasse nem que fosse um pouco. – A gente está no limiar entre o mundo material e o espiritual.
- Como isso é possível?!
- Eu não sei. É algo que eu faço desde criança.
- Isso não é possível! Digo, você realmente pode entrar nesse lugar sempre que quiser?!
- Na verdade, eu caio aqui por acidente desde criança. Aquelas pessoas e mascotes que você viu eram espíritos dos que morreram aqui ou em algum lugar próximo. Este sangue que estamos vendo, ele é real.
- Mas quando passamos por aqui não havia nada!
- Este lugar mostra como as coisas realmente são, sem mentiras ou enganações. Você mesmo tem asas de morcego e parece mais vampiro ainda. – Ele olhou para as próprias asas. – Como eu pareço? Tem algo estranho em mim?
- Você continua a mesma. Espere, tem um leve brilho em você, mas é só isso. Nunca tinha se visto nesse mundo?
- Não. Eu não queria que isso acontecesse, mas eu não tenho controle sobre isso.
- Temos que falar com a Miiko sobre isso quando voltarmos. Como nós voltamos?
- Você pode voltar se me soltar, já eu, bem, deixa eu tentar.
Voltamos ao mundo material. O cenário estava pior do que antes. A floresta estava escura e enevoada, havia sangue por todo lado e uma trilha enorme e fresca por onde acabamos de vir. Eu caí de joelhos e Nevra veio me acudir. Os grupos de Valkyon e Ezarel vieram nos encontrar.
- O que aconteceu?! – Perguntou Valkyon.
- Seja lá o que vocês fizeram, vocês quebraram algum tipo de feitiço ilusório. – Disse Ezarel.
- Eu não fiz nada, foi a Tingsi. Eu nem sei o que aconteceu.
- Nem olhem para mim. É a primeira vez que algo assim acontece.
- Você não disse que entrava no limiar entre o mundo material e o espiritual?
- Uma coisa não tem a ver com a outra. Eu entro, mas isso nunca aconteceu.
- Do que vocês dois estão falando? – Perguntou o elfo.
- Este sangue está formando uma trilha. – Constatou Valkyon. – Talvez seja melhor verificar.
Ezarel concordou e seguiu com ele, mandando seus companheiros ficarem onde estavam. Eu tinha a impressão de que estava esquecendo de algo. Minha mente e a de Nevra estalaram simultaneamente enquanto nos encarávamos. Sem perder tempo, nós corremos atrás deles. Aquela trilha de sangue levava à árvore da Yvoni.
Assim que chegamos, nos escondemos nos arbustos. Aquela árvore retorcida estava sem folhas e ensanguentada, havia corpos e sangue pelo chão além do cheiro de podre da decomposição. A hamadríade tinha os cabelos em galhos, os dentes pontudos, a boca coberta de sangue e suas roupas eram galhos espinhosos. Ezarel e Valkyon estavam lutando contra galhos ao redor do pescoço.
- Temos que destruir a árvore. – Disse o vampiro. – Isso irá matá-la.
- Você não pode estar falando sério!
- Lamento, mas é a única maneira. Um de nós precisa fazer isso.
- Eu distraio ela então.
Não era o melhor plano e nem sei como ele iria derrubar aquela árvore, mas tínhamos que fazer alguma coisa. Eu não estava à vontade com a ideia de matar a Yvoni, mas Valkyon e Ezarel precisavam de nós. Fui até eles e cortei os cipós com os leques que tinha ganho de Zhuniao.
- Finalmente resolveu aparecer?
- Isso é entre nós duas agora. – Coloquei os leques em posição de luta.
- Mestiça imunda, acha que eu sou idiota e não percebi seu plano? Que não sei que um de seus amigos está tentando se aproximar da minha árvore?
Ela atirou uma flecha em Nevra, que gritou vários palavrões. Valkyon se levantou e investiu contra ela. Ivoni tentou prendê-lo mais uma vez, mas Nevra foi mais rápido em cortar seus galhos. Ezarel tirou algo da bolsa e atirou em alguns cipós que tentavam me pegar. Eles pegaram fogo e Yvoni urrou de dor.
- Não há de que. Era a minha única poção incendiária. – Fogo, madeira, é isso!
- Você tem algum tipo de óleo com você?
- Que raios de pergunta é essa?!
- Eu preciso de óleo, um frasco vazio e de qualquer coisa inflamável que não dissolva no óleo, você tem algo assim?!
- Pessoal, vocês bem que poderiam nos ajudar! – Exclamou o vampiro.
- Se o Ezarel colaborar, eu te ajudo.
- Como assim se “o Ezarel colaborar”?!
- Você tem o que eu quero ou não?!
- Tenho.
Guardei os leques e Ezarel tirou da bolsa o que eu pedi, menos o frasco vazio. Tive que esvaziar uma de suas poções para isso. Ele choramingou, mas caguei. No frasco coloquei primeiro o óleo e depois parte de uma poção que ele disse ser inflamável. Rasguei um pedaço da roupa dele.
- O que você pensa que está fazendo?!
- Eu preciso disso para terminar o Molotov.
- Molo o que?!
- Você tem boa pontaria?
- Só porque eu sou elfo você acha que eu tenho boa pontaria?!
- Ezarel!
- O que?
É, eu sei fazer um coquetel Molotov. Nunca usei, mas na adolescência tinha amigos que usavam em protestos e aprendi a fazer. Retorci o pano e coloquei parte dele no frasco. Usei o resto da poção para encharcar a outra parte sem tocar nela. Peguei o isqueiro na minha bolsa, acendi o pano e joguei com toda a força que tinha na árvore.
Assim que o frasco se chocou contra a madeira, ele explodiu. O fogo se espalhou juntamente com o óleo e consumiu a árvore inteira. Yvoni gritou de dor e também foi incendiada. Não consegui tirar os olhos daquela visão hedionda. Não havia jatos de água, gás lacrimogênio ou cassetete da polícia, apenas a visão clara da Yvoni sendo queimada viva na minha frente. Pela primeira vez, eu vi alguém morrer daquela maneira.
- Tingsi!
Mesmo em chamas, ela ainda lançou cipós na minha direção. Ezarel se atirou sobre mim e salvou minha vida, mas mesmo assim eu não conseguia me mover ou tirar os olhos da cena. Senti meu estômago se revirar. Por instinto, consegui chegar a um arbusto próximo e vomitei tudo o que tinha. Senti uma mão afagar minhas costas, uma mão grande.
- Está tudo bem. – Ouvi Valkyon dizer. – Acabou.
Eu não conseguia me mexer. Parecia que meu corpo tinha travado. Não conseguia respirar direito. Com muito custo consegui me virar para ele, mas não conseguia vê-lo. Eu o agarrei por instinto. Meu corpo tremia, minha mente girava, mas eu só tinha uma certeza: eu tinha matado a Yvoni.
Quando voltei a mim, estava na enfermaria com Ewelein fazendo um monte de procedimentos e uma dor de cabeça dos infernos. Estava mais calma, mas a minha cabeça ainda girava. Fui escoltada até o meu quarto por Valarian e tombei na cama. Algo surgiu no meu campo de visão. Uma garrafa de líquido transparente balançando.
- Achei que gostaria de um pouco de vodca.
- Baihu!
- Deixe que o álcool faça o seu trabalho.
Destampei a garrafa e comecei a beber que nem louca. Não conseguia pensar em mais nada, não queria lembrar de mais nada, apenas desligar meu cérebro agitado.
Chapter 14: Capítulo 14
Chapter Text
Quando acordei, percebi que tinha dormido tanto que nem sofri com a ressaca, embora estivesse com dor de cabeça. Não era por causa do álcool e sim pela imagem da Yvoni sendo queimada por minha causa. Esfreguei as têmporas tentando afastá-la.
- Este mundo conseguiu te dar mais cicatrizes em dois meses do que a Terra durante sua vida inteira.
- Xuanwu!
Estava feliz em vê-lo. A Tartaruga Negra do Norte estava sentada na cadeira perto da cama enquanto o Tigre Branco do Oeste estava esparramado no sofá debaixo da janela brincando com uma adaga. Nunca esperei ver essa combinação, os dois são tão diferentes.
- Talvez seja melhor lavar o rosto antes de começarmos.
- Você está com uma cara horrível.
Xuanwu pôs uma bacia com água no meu colo e me entregou uma toalha. Lavei o rosto e depois ele recolheu os itens.
- Nada de jogos de tabuleiro dessa vez?
- Não hoje, ao invés disso trocarei por isto aqui.
- Um ursinho de pelúcia?!
- Quem é o profissional?
Suspirei cansada e aceitei o ursinho. Fiquei algum tempo parada só olhando para ele. Agora que percebi que ele estava usando umas roupas bem profissionais, óculos e segurava um bloquinho. A vontade de rir era grande.
- Você oficialmente se tornou meu terapeuta.
- Nesse caso, vou começar a cobrar pelas consultas.
- Estou fodida de dinheiro e maanas. Aceita um rato? Tomate? Alface? Ou seja lá o que uma tartaruga com cauda de serpente come.
- Acho que ficarei com um beijo. – Engasguei com a minha própria saliva e ele começou a rir da minha cara. – É bom ver que ainda podemos te distrair, principalmente depois do que aconteceu ontem. – Engoli em seco.
- Eu....
- Garota, ninguém aqui está te julgando. – Fiquei surpresa, mas vindo do Tigre Branco do Oeste é verdade. – Você fez o que tinha que fazer.
- Então por que eu me sinto tão mal com isso?!
- Seria um problema se você se sentisse bem. – Disse a tartaruga. – Diga, o que você sentiu naquela hora?
- Por que você faz perguntas que já sabe as respostas?
- Porque não sou eu quem precisa de respostas.
É foda conversar com Xuanwu. Desabafei tudo o que sentia. Conforme ia falando sobre os eventos, as imagens deles iam passando pela minha cabeça e tudo o que eu sentia naquele momento veio à tona, tanto que sem perceber, eu apertava o ursinho. Achei que vomitaria de novo, felizmente não aconteceu.
- A imagem dela queimando não sai da minha cabeça.
- E nunca vai sair. – Disse Baihu cruzando os braços e olhando fixamente para mim. – Ninguém esquece a primeira vez, ainda mais de forma tão hedionda.
- Obrigado por destruir o meu trabalho, Baihu.
- Disponha. O negócio é que você não pode deixar isso te consumir.
- Falar é fácil.
- Por que a matou?
- Eu....
- Não tenha pressa. – Disse Xuanwu. – Pense em tudo o que passou desde o início da missão.
- Eu.... Queria salvar os meus amigos, mas isso realmente justifica?
- O que você acha?
- Porra, Xuanwu, você adora enrolar! Garota, no mundo dos fortes a única justificativa é a sobrevivência. Você fez o que tinha que fazer porque tinha que sobreviver.
- O que Baihu está tentando dizer é que se culpar não vai ajudar. O que você fez foi horrível, mas se não o fizesse....
- Estaria morta. – Ele se sentou do meu lado. – Garota, você não é fraca. Não há fraqueza em chorar, vomitar ou se afastar para tomar um tempo. Fraqueza é ignorar traumas e nós vamos te ajudar com eles. – Sua mão tocou meu ombro.
- Ele está certo. Você é uma lutadora. Sempre foi.
- E cá entre nós, esse povo não sobreviveria metade do que você sobreviveu se acabasse na Terra. Mesmo se fosse na cidade mais tranquila da Europa.
- Valeu, gente.
- Não estamos falando isso para você se sentir melhor. Bem, Xuanwu pode estar, mas eu não mentiria.
- A propósito, você não comeu ainda.
- Eu vou ao refeitório.
- Tem certeza? Não precisa encará-los agora.
- Eu preciso.
- Certo, conversaremos depois.
Eles sumiram. Me troquei e fui ao refeitório. Era surpreendentemente cedo, considerando que eu dormi ontem à tarde. Não me dei conta que estava com fome, provavelmente não conseguiria comer quando acordei. Valkyon se sentou na mesma mesa que eu.
- Como você está?
- Sobrevivendo.
- A primeira vez é a mais difícil.
- Não quero falar sobre isso.
- Encontramos um pedaço do cristal no local. Achamos que ela tenha ingerido.
- Isso é loucura.
- Eu sei. Fiquei preocupado. Eu queria ficar na enfermaria e te levar ao seu quarto....
- Está tudo bem. Eu só preciso de um tempo. – E de muita terapia.
- Vocês estão aí. – Disse Nevra chegando com Ezarel. – Como você está?
- Sobrevivendo. Então, vocês vão ficar parados que nem dois postes ou vão se juntar a nós?
O clima ficou mais descontraído. Em dado momento pedimos bebidas sem álcool, pois Valkyon não queria repetir o incidente, já Ezarel e Nevra me garantiram que quando ele não estivesse olhando, me dariam todas as bebidas que eu quisesse se fosse para deixar o Karuto irritado de novo. Sem querer acabei derrubando a bebida no cachecol do Nevra. Foi só tirar que a mulherada acendeu o fogo no cu e veio para cima dele.
- É sempre assim?
- Depois você se acostuma. – Disse o elfo. – E você está me devendo uma túnica nova.
- Pague a dívida com Purral que eu penso no seu caso.
- Você virou assistente dele nas horas vagas?
- Eu tenho algum crédito. Vocês dois também devem fazer sucesso entre as garotas daqui.
- Como assim? – Perguntou Valkyon.
- Fala sério. Vocês são chefes da guarda, gostosos.... O Ezarel nem tanto. – Eles se entreolharam confusos.
- Eu não entendi. – Admitiu o faeliano.
- No meu mundo, gostoso é gíria para bonito para um caralho ou sexy.
- Além de ser brilhante, engraçado e bonito, eu sou abençoado pelo oráculo. – Ezarel estava se mostrando.
- Esqueceu de dizer irritante, dramático e ruim de mira.
- Hei, minha mira é boa!
- Tão boa que quem jogou o Molotov fui eu.
- Você desperdiçou duas boas poções demoradas e complicadas de fazer!
- Mas soube fazer algo de fabricação caseira mais efetivo que sua poção.
- Ora sua...!
- Você me acha bonito? – Perguntou Valkyon extremamente corado.
- Você não tem espelho?! Você é um puta de um gostoso!
- Eu não estou acostumado a ser elogiado dessa forma, mas obrigado.
Nevra voltou algum tempo depois nos contando o que conseguiu. Pelos diálogos, parece que eles sairiam em missão por alguns dias. Escutei a voz de Xuanwu me pedindo para voltar ao meu quarto. Quando cheguei lá, ele estava sozinho com um baralho na mão.
- Sabe jogar truco?
- Isso soa mais com você.
- E pelo visto está mais animada também. Gosto de vê-la assim.
- Uma vez Zhuniao me disse que meu estado psicológico e emocional interfere na minha conexão com o mundo espiritual. Ele queria que eu voltasse a ser eu.
- Todos nós queremos.
- Obrigada por cuidar do meu psicológico.
- Obrigado por conversar comigo.
- Por que está me agradecendo?
- Às vezes ser um deus é bem estressante e um pouco solitário. Não que eu não goste dos outros, mas eles me dão dor de cabeça.
- Irmãos são assim. Não que eu tenha tido irmãos, mas só de pensar em cada coisa que passei com os meus amigos, eu não sei como a gente ainda não se matou.
- Dizem que amigos são os irmãos que escolhemos.
- Depende. Tem uns que não valem a bosta que cagam.
- Realmente. Vamos intensificar seu treinamento.
- O que?
- Os problemas só estão se acumulando e ainda não terminamos com seu medo de água. Com as portas do QG fechadas, isso pode ser um problema.
- Vocês não disseram que não podiam se arriscar?
- Isso foi antes de sua conexão com o mundo espiritual ser novamente comprometida.
- Xuanwu, tem algo que você não está me dizendo?
Escutei batidas na porta. Era Chrome me pedindo para ver a Miiko. Como sempre, o deus tinha sumido. Fui ver o que ela queria.
- Nevra me disse que você pode entrar no limiar, é verdade?
- É.
- Desde quando?
- Não sei, faço a minha vida inteira.
- Entendo. Você também foi responsável por quebrar o feitiço da hamadríade.
- Eu não faço ideia de como fiz isso.
- Talvez isso tenha a ver com sua ancestralidade faerie. Estou começando a achar que talvez tenha uma possibilidade de que você talvez seja uma kitsune.
- Eu não sou uma kitsune.
- Bem, é só uma possibilidade.
- Segure minha mão.
Ela segurou e eu nos levei para o limiar. As caudas da Miiko brilhavam como nunca tinha visto. O cristal também. Sua luz era tão forte e eu conseguia ver a silhueta do oráculo ali dentro.
- Viu? Nenhuma cauda.
- Impressionante. Infelizmente não há pistas sobre sua ancestralidade também.
Voltamos ao mundo material. Miiko me pediu para falar com Kero para investigar mais a fundo minha ancestralidade. Conversei com ele por algum tempo e descobrir que o Bugbear se chamava Crylllis e ele estava pelo QG. Ele iria queimar Yvoni antes da gente. Ainda estava tendo o controle de saída, então fui treinar chute em árvore.
- Venha para a floresta. – Era a voz de Baihu.
- Como?
- Você já escalou o muro uma vez, o que te impede de fazer de novo?
Foi o que eu fiz. Pulei o muro do QG e fui para a floresta. Lá todos eles me esperavam. Zhuniao segurava a minha caixa estranha e Qinglong me entregou o meu celular.
- Seus treinos com Zhuniao mostraram que você aprende melhor com música. – Disse o dragão. – Então tomamos a liberdade de preparar uma playlist de treino para você.
Dei uma olhada na playlist. Tinha músicas como The Eye of The Tiger, I'll Make a Man Out of You e Son of Man da Disney, as duas músicas dos filmes antigos do Mortal Kombat 1 e 2 e Awaken e Legends Never Die do LOL.
- Vocês querem comer o meu cu?!
- Exatamente. – Disse o tigre.
- Sabia que sua caixa também pode reproduzir música? – Perguntou o pássaro. – Assim não precisamos forçar seu celular.
- E você me diz isso só agora?! E qual é a dessa caixa afinal?!
- Não damos spoilers. – Qinglong disse travesso.
Passei os próximos dias tendo terapia com Xuanwu, treino com os demais, treino de nado com Qinglong, além de frequentar as aulas de forja e alquimia e de treinar os mascotes. Eles estavam comendo o meu cu naqueles treinos, mas pelo menos me julgaram apta a aprender armas, então me deram um bastão de madeira.
Além dos golpes e diversos estilos, Baihu me fez saltar pelos troncos, coisa que eu melhorei e muito por sinal. Qinglong me ajudou a superar meu medo de água e me colocou para nadar no oceano. Quando Zhuniao viu que eu tinha avançado no pole dance, ele me fez treinar com tecidos com promessas de usar trapézios em breve. Quando questionei, ele disse que o circo era uma arte e também me ensinou tango, salsa e flamenco, sendo ele o meu par. Já Xuanwu além da terapia continuava querendo jogar.
- Por que você quer ficar o dia inteiro jogando enquanto os outros me treinam?
- Mas eu estou te treinando. Ainda não percebeu?
- Bem você me fez jogar majong, shôgi, damas, truco, buraco, pôquer, jogo do mico e agora gabão!
- Qual é a semelhança entre eles?
- Não tem semelhança.
- Mesmo? Pense um pouco. O que você teve que fazer em cada um deles? – Minha mente deu um estalo.
- Está me ensinando estratégia?!
- Finalmente percebeu. Na próxima vamos jogar xadrez antes de irmos para War ou talvez Detetive.
- Você tem métodos bem doidos.
- Porém eficazes.
Durante à noite, eu vestia uma roupa toda preta, colocava uma máscara de gás, óculos de solda e capuz e ia grafitar os muros do QG. Às vezes alguém me via e rolava perseguição, mas nada que um parkour básico não resolva, resultado de tanto pular tronco.
Purriry lembrou de entregar minhas encomendas e eu consegui mais mascotes. Dessa vez um Chead que batizei de Spider, uma Pinigin que chamei de Joy e um Xylvra que chamei de Frostbite. Lembrei que tinha missões para fazer, afinal, mascotes para alimentar. Fui pedir uma missão à Ykhar e ao Kero. Eles ainda estavam quebrando a cabeça com minha ancestralidade, mas me deram uma missão. Infelizmente eu tinha que limpar as cinzas da Yvone. Acabei indo pedir ajuda do Leiftan.
- Você vai mesmo fazer essa missão?!
- Ninguém mais quer e também, é uma forma de enfrentar os meus demônios. – Ele pareceu incomodado. – O que foi?
- Nada, não estou familiarizado com essa expressão.
- Enfrentar seus demônios quer dizer enfrentar seus problemas. Eu acho que aqui seria algo como enfrentar seus daemons.
- Entendi. No caso demônios são como vocês chamam os daemons no seu mundo.
- Isso. Tem alguma palavra para anjos?
- Anjos?
- É. Pela mitologia cristã existem os demônios que ficam no inferno e os anjos que ficam no céu. Se demônio é daemon aqui, teria uma palavra para anjo?
- Como eles são no seu mundo?
- As pessoas acham que são diferentes, anjos são bons e demônios são maus, mas se for analisar a mitologia cristã, os primeiros demônios são anjos caídos, corrompidos. Eu acho que eles são a mesma coisa.
- Como assim?
- Bem, as pessoas acham que demônios são ruins, mas se for parar para pensar, eles estão mais para guardas de prisão enquanto os anjos estão mais segurança particular. E os primeiros demônios eram anjos que não concordavam com o seu criador. Por isso acho que no fundo não são muito diferentes. Vocês chamam os dois de daemon, não?
- Sim, mas não acho que os dois sejam. Acho que a palavra que você estava procurando é aengel. Ouvi dizer que era assim como eram chamados, mas é só um palpite.
- Aengel? Faz sentido.
- Você acredita nisso? Digo que esses “demônios” que fala sejam ruins?
- “Acredito que até mesmo os demônios possam ser perdoados”. – Ele me olhou boquiaberto. – Tirei isso de um livro do meu mundo. Heresia, é um livro muito bom, o problema é que como é um suspense histórico você pode não entender muita coisa.
- Como assim?
- É que teve uma época a igreja católica estava fazendo tanta merda que algumas pessoas se desvincularam e acabaram surgindo igrejas protestantes, várias delas. É complicado, mas nesse momento tinha duas igrejas cristãs com ideias similares e diferentes ao mesmo tempo. Uma não gostava da outra, acusava uma a outra de heresia, aí uma mandava pessoas para a fogueira e a outra para a forca.
- Mas por que vocês fariam algo assim? Digo, vocês são todos humanos, não?
- A gente briga uns com os outros por qualquer merda. Seja por ouro, por terra, religião, cor de pele, sexualidade, time de futebol, até por biscoito!
- Parece complicado.
- Nem me fala. Cada hora é uma merda diferente. Puts, eu estou aqui te enchendo e quase esqueci da missão.
- Eu não acho que você me perturbe. Eu gosto de conversar com você.
- Eu também gosto. Quer me ajudar, se não estiver muito ocupado?
- Eu posso tratar dos meus assuntos depois. Uma pausa me faria bem.
- Obrigada!
Conforme passávamos, víamos meus grafites nos muros. Quando passamos pelo portão, os guardas sussurraram seu nome, mas só conversamos quando estávamos longe.
- Já falei que adoro a sua arte?
- Acho que sim.
- Você não teve problemas para fazê-la por causa do protocolo?
- Um pouco, mas não é como se eu não estivesse acostumada.
- Entendo.
- E fala a verdade, o QG está bem mais bonito assim.
- Há quem discorde.
- Poxa, Leif. – Fingi indignação.
- Leif?
- Saiu sem querer.
- Está tudo bem, eu acho. É que tirando Alajéa, ninguém me chama assim há muito tempo. – Ele abriu um sorriso fraco.
- Te incomoda?
- Não, você pode me chamar assim se quiser.
- Tudo bem. Meus amigos me chamavam de Ting quando eu estava na Terra.
- Ting. – Ele falou como se estivesse apreciando o apelido. – Parece o som de algum tipo de sino.
- O Jaden me chamava de Ting Ling por causa disso. Só de sacanagem. Ri não, caralho!
- É engraçado.
- É horrível!
- Eu não acho.
A gente riu e foi para o lugar da árvore queimada. As cinzas estavam espalhadas por todo lado em contraste com a grama verde. Não era mais aquela imagem hedionda de quando descobrimos sua natureza, agora era só uma paisagem melancólica. Leiftan e eu arrancamos o tronco e varremos as cinzas. Ele também derramou uma poção que fez a grama crescer instantaneamente. Eu ouvi sons e uma voz o tempo todo, então vez ou outra eu verificava.
- Quem estiver fora de sua jurisdição apareça imediatamente. Você não foi muito discreto nos espionando. Caso se negue, vou garantir que seja expulso do quartel general.
- Está bem, eu me rendo.
Uma menina de cabelo metade preto e metade rosa além de olhos verdes e brilhantes saiu dos arbustos. Suas roupas nas cores preto e rosa me lembraram as de um bobo da corte.
- Eu devia ter imaginado que era você, Karenn. Quando vai parar de abusar de seu cargo?
- Quem é ela?
- A irmã do Nevra.
- Aquele puto tem família?!
- Hei, eu estou aqui!
- Sabemos disso. – Disse o lorialet.
- Você não vai me punir, vai?
- Dessa vez vou deixar passar.
- Obrigada e sinto muito. É que precisava de ar fresco. Eu não aguento mais ficar trancada dentro do QG.
- Eu entendo, todos estamos sofrendo com essa situação, mas temos que ser pacientes.
Falem por vocês, pois eu saio. Consegui reestabelecer minha conexão com o mundo espiritual esses dias, mas tem vezes que eu preciso pular o muro para treinar também, principalmente para cuidar do medo de água. Qinglong fez um bom trabalho.
- E você é a humana, não é?
- Tingsi.
- Eu sou Karenn. Já ouvi falar muito de você, mas nunca te encontrei pessoalmente. Nem mesmo depois do que você fez ao Nevra.
- Ele também não é santo, ficou para ver o Ezarel catar cocô de Corko.
- Acho melhor voltarmos. – Disse Leiftan. – Vocês poderão conversar no caminho.
E com isso voltamos ao QG. Karenn me perguntava tudo que tinha acontecido desde minha chegada. Fiz o relatório e o entreguei. Agora estava livre.
Chapter 15: Capítulo 15
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Mal saí e fui recebida por um abraço da Alajéa. A gente conversou um pouco e eu saí para ficar com os mascotes. Desde que descobri que minha caixa podia reproduzir música, eles ficaram enlouquecidos. Eu os treinava com a condição de que ouviriam música mais tarde.
Shaneera, Sirius, Pandy, Snowyn, Cryn, Plum, Lily, Jinp, Dala, Kira e Crownin cresceram nesse meio tempo. Cryn e Dala davam coices poderosos, Pandy só queria saber de sombra e água fresca, Plum era pirado, Fleur ainda era ativa por isso tinha que aproveitar enquanto não crescia. Purreru me disse que quando Beriflores cresciam, eles só queriam saber de dormir o tempo todo. Crownin virou um Crowmero de guarda, ninguém entrava sem o seu aval. Ele corria atrás dos outros feito um ganso enfurecido, fora o seu grasnado horrível que virou meu despertador.
Mesmo sendo novos, eu estava ensinando Aracne a espionar e Spider a arrombar fechadura. Purreru me disse que as patas dos Cheads ficam longas quando adultos, perfeitas para abrir fechaduras. Vai que o Nevra quer se vingar e me algema em algum lugar?
Eu gostava desse tempo com eles, pois além de dançar e cantar, eu via memes, filmes e até ria com eles. Mostrei Harlem Shake a eles e adoraram. Agora eles não param quietos, nem mesmo no parque do chafariz.
- Pessoal, nem tem música tocando, então sem harlem shake! Joy e Griffin, não pulem daí! Jinp, pare de jogar água do seu corpo nos outros! Plum, o que você está fazendo em cima desse cachorro?! Crownin, deixe a Amaya em paz!
- Todos esses mascotes são seus? – Perguntou Karenn.
- São sim. Não parece, mas eles são inofensivos. – Crownin passou correndo enfurecido pela gente atrás da Amaya. – Tirando o Crownim.
- É a primeira vez que vejo Shaitan deixando outro mascote andar em suas costas.
- É o seu mascote?
- É do Nevra, mas mesmo assim eu tomaria cuidado com ela.
- Sirius, não!
Tarde demais. O Corko pulou na água com Floppy em sua cabeça e começou a nadar junto com Libleu e Nekopol.
- Valkyon vai me matar.
- Eles são bem divertidos.
- Quando não estão me enlouquecendo. Alguém segura o Crownin antes que Leiftan apareça?!
- Eu vou fazer um lanche na praia com uma amiga amanhã. Você quer vir?
- Claro. Eles já vão abrir o portão?
- Vão.
O resto do dia se resumiu em eu tentando colocar ordem nos mascotes, resgatar a Floppy, salvar Amaya do Crowmero e tentar colocar todo mundo dentro do quarto. Eu só consegui porque ameacei a não colocar filme de noite.
No dia seguinte, lá pela tarde, Karenn veio me buscar com Alajéa. Nós fomos até o portão, que felizmente estava aberto. Karenn estava decidindo onde iríamos quando mencionou a praia. Alajéa gritou que não e começou um debate. Pelo visto ela tem medo de água.
- Não sou só eu que não quero ir, Tingsi também não.
- Mas eu quero ir. – Falei.
- Mas você não também estava com medo?
- Um amigo me ajudou a superá-lo há algum tempo.
- Que amigo?! – Perguntou Karenn interessada.
- Um amigo aí.
- Qual é o nome dele? – Perguntou a sereia.
- Você está escondendo alguma coisa.
- Não importa. Vamos para a praia ficar na areia. Eu posso te ajudar com o seu medo de água se quiser.
Acabamos indo para a praia. Alajéa falava para a Karenn sobre sua missão na floresta, mas eu preferi ficar quieta. Quando chegamos, estendemos a toalha na areia. Não pude deixar de me sentir um pouco frustrada por não ver Qinglong. Eu acho que me acostumei com seus avatares e agora que os estou vendo normalmente no mundo espiritual, menos quando tem treino, sinto falta deles.
- Você está olhando para o oceano faz tempo. – Comentou Karenn.
- Eu só estava pensando em como é bom sair do QG de vez em quando. E também se a missão dos chefes vai demorar muito.
- Você está esperando ver alguém em especial?
- Não. Eu até estou gostando das férias que estou tendo do Ezarel.
- Vai dizer que você não se encantou por nenhum dos belos rapazes?
- Bem, eu estava ocupada com outras coisas. E vocês duas, estão interessadas em alguém?
- Eu não.
- Eu.... – Começou Alajéa. – Eu também não.
- Nem mesmo o Nevra? – Ela corou e ficou em silêncio.
Conversamos um pouco mais e comemos as delícias que Karenn tinha trazido. Alajéa resolver ir para a água com o incentivo de Karenn. Ela ainda estava temerosa, então tirei os sapatos, fui para a frente da sereia e estendi as mãos.
- Segure minhas mãos.
- O que você vai fazer?
- O mesmo que meu amigo fez comigo.
- Está bem. – Ela segurou minhas mãos.
- Olhe para mim e não para a água.
Comecei a fazer o mesmo que Qinglong tinha feito comigo. Eu a guiei até nossos tornozelos entrarem na água e aí eu parei.
- Pode olhar.
- É só isso?
- Você conseguiu, já é alguma coisa.
- Você está indo bem, Al. – Incentivou Karenn.
- Você quer ir um pouco mais longe ou está bom por hoje?
- Podemos continuar.
- Então continue olhando para mim, não olhe para a água. Você sente falta do oceano?
- Sim. Às vezes tenho impressão que ele me chama.
- É normal. Você deve ter vivido boa parte nele. – Avancei até nossos joelhos baterem na água. – Eu acho que aqui está bom por hoje. Vamos voltar.
- Está bem. – Ela não fez menção de se soltar ou sair.
- Alajéa? Tem alguma coisa errada?
- A água está vermelha?
- Onde?
- Por todo lugar. Tem sangue na água.
- Alajéa, olhe para mim. – Peguei o rosto dela e a fiz olhar em meus olhos. – Não tire os olhos de mim, está bem?
Puxei seus braços com um pouco mais de força e fiz uma curva para sair da água. Fui conversando com ela e falando para só olhar para mim.
- Isso, está indo bem. Continue olhando para mim.
Foi um alívio quando atingimos a areia. Ela parecia perdida. Contei para Karenn o que tinha acontecido e nós a levamos à enfermaria. Nós a deixamos com a Ewelein e saímos.
- Karenn, o que aconteceu com ela?
- Eu não posso te contar, mas tem a ver com o que ela viveu antes de chegar aqui.
- É um trauma muito forte, eu não sei se vou poder ajudar.
- Você já ajudou muito. Aquilo que você fez na praia foi um começo.
- Talvez seja melhor ela falar com alguém, sabe? Com você ou a Ewelein e ir voltando ao oceano aos poucos. Mas sempre com alguém supervisionando.
- Eu não sei. Alajéa se culpa por muita coisa, o que é um erro.
- Faça ela perceber isso. Vai mostrando a ela que se culpar só vai fazer mal a ela. Não vai acontecer do dia para a noite, mas se ela perceber que você está do lado dela, vai ser mais fácil enfrentar os medos dela.
- É o que eu sempre vivo dizendo a ela, mas você também tem um ponto. Eu vou ficar até ela sair ou Ewelein me deixar entrar.
- Eu vou para o meu quarto ver como estão os mascotes.
Fiquei mal pela Alajéa e espero que ela fique bem. Felizmente meus mascotes conseguiram me distrair, isso depois de me obrigarem a colocar alguma música. Karenn bateu à minha porta.
- O que é isso?
- É música.
- Eu sei, mas de onde isso vem?
- Desse negócio. – Mostrei a caixa chinesa a ela. – Descobri que esse troço pode tocar música e os mascotes adoram.
- Onde conseguiu isso?
- Sei lá. Eu tenho esse troço desde que nasci.
Eu não tenho problemas em mostrar essa caixa porque toda vez que eu a perco, jogo fora, dou para alguém ou é roubada, ela sempre volta para mim.
- Eu nunca ouvi esse tipo de música.
- É do meu mundo. Tem vários tipos de música e os mascotes adoram.
- Estou vendo que sim.
- E Alajéa, está bem?
- Sim, eu passei para dizer que ela está bem. Eu vou ficar com ela essa noite.
- Você se importa muito com ela, mas não se preocupe tanto. O pior não aconteceu.
- Eu sei, mas não é só por isso que estou preocupada. Nevra devia ter voltado ontem, assim como Ezarel e Valkyon.
- Talvez as missões deles fossem mais complicadas do que eram no começo e eles tiveram que ficar mais tempo. Ou estão cansados demais para voltar agora e vão ficar mais um dia para recuperar as forças ou simplesmente se atrasaram. A gente não pode pensar no pior agora.
- Acho que tem razão.
- Se preocupe em cuidar da Alajéa agora. Uma coisa de cada vez.
- Certo.
Fui ver um filme com os mascotes para arejar um pouco a cabeça. Botei Shrek. Vimos os quatro filmes e os especiais. Ri, me diverti e Plum me fez voltar algumas músicas para performar.
No dia seguinte continuei com a minha agenda. Eu até vi um livro sobre os portais e as guerras que causaram, além dos ingredientes. Enquanto ninguém olhava, usei meu celular para tirar fotos dos ingredientes e de como fazer para ativá-los. Voltei para o quarto para transferir as fotos para o computador em uma pasta especial dentro da pasta de imagens para deixá-las seguras.
As missões eram algo à parte, geralmente limpeza, manutenção ou trabalho na cozinha com o Karuto, então eu usava todo esse tempo para treinar tudo o que eu sabia. Os deuses não apareciam mais em seus avatares, apenas quando tínhamos que lutar. Eu já saltava de tronco em tronco e de telhado em telhado, dominava meu martelo e o bastão que me deram, mas os leques eu tinha que treiná-los constantemente. Estava mais segura no pole dance e tinha avançado nos tecidos.
Quando cheguei à minha área de treinamento, havia um monte de troncos estreitos do mesmo tamanho e Qinglong estava em cima deles. Eu já tinha um bom equilíbrio, então subi também.
- É bom que tenha trazido suas armas.
- Não me diga que vamos lutar aqui em cima.
- É exatamente o que vamos fazer.
- E você não vai usar armas?
- Não preciso.
- Claro, pergunta idiota.
Fomos lutar. Quer dizer, fui virar saco de pancadas, pois ele me desequilibrou várias vezes e teve que me segurar para que eu não caísse no chão. Quando acabamos, fomos meditar. Eles adicionaram isso ao final de toda sessão de treinos.
- Vamos nadar? – Perguntei.
- Hoje não. Aproveite sua folga.
- Eu não sei como tenho aguentado todos esses treinos.
- Talvez seu corpo tenha se acostumado ou sua força de vontade seja maior do que pensa e você tem motivos para isso. De qualquer forma quase não a estamos treinando mais, você está praticando sozinha.
- Você acha?
- Já ensinamos todos os principais estilos, tanto que estamos treinando estilos menos conhecidos. Só nos resta as armas e você já sabe algumas.
- Bem, Jamon tem me ajudado com o martelo e Baihu aprofundou isso de forma que eu nem sabia que podia. E tem os leques e o bastão também.
- Domine mais um pouco o bastão e estará apta para a lança. Seu progresso com o martelo é impressionante, mas não iremos trabalhar armas mais pesadas, pelo menos não agora. Está indo bem com os leques antes mesmo de usar adagas e punhais, então começaremos seu treino com lâminas mais curtas. Xuanwu também acha que deve treinar sua pontaria, então começará seus treinos com o arco.
- Vocês querem me foder, né?
- Eu sei que você gosta de treinar com a gente. Se dominar as adagas, iremos prosseguir com lâminas mais longas e te ensinarei a espada, combinado?
- E eu tenho escolha?
- Você pode abandonar todo treinamento, continuar confortavelmente aqui, se casar, comprar um terreno, viver da terra ou de trabalhos menores e ter um monte de filhos eldaryanos.
- Ok, me dê a porcaria do arco, das facas e da espada.
Voltei ao QG para tomar banho e pegar algumas missões mais leves, dessa vez sem limpeza. Fui ajudar os purrekos no mercado. Minha relação com eles tinha aumentado consideravelmente nesses dias. Dala apareceu e saiu correndo e causando confusão.
- Dala, volte aqui!
Fui atrás dela. A Dalafa Noturna era rápida, eu mal conseguia acompanhá-la devido ao cansaço. Quando eu a alcancei, ela estava parada em frente a um homem, feliz por ele estar lá. Eu mal acreditei.
- Valkyon!
Me joguei nele por impulso. De certa forma, estou feliz que ele esteja bem. Senti seus braços me envolverem depois de algum tempo. Percebi o que tinha acabado de fazer, então me separei dele.
- Eu.... Estou feliz que esteja bem. – Pus o cabelo atrás da orelha de nervoso.
- Eu também. – Ele parecia mais envergonhado do que eu.
- Como foi a missão?
- Ocorreu tudo bem.
- Deve estar cansado, não vou te atrapalhar.
- De jeito nenhum! Digo, você não está me atrapalhando. Eu gostei de tê-la em meus braços. – Ele se deu conta do que disse. – Não foi o que eu quis dizer.
- Não precisa se explicar. Vai cuidar das suas coisas.
Ele saiu. Eu recostei na cerejeira suspirando. Mas que porra acabou de acontecer?! Dala me olhava de forma estranha e tinha um sorriso estranho também, se é que dá para chamar aquilo de sorriso.
- E você nunca mais faça isso de novo! Eu me sinto uma idiota. – Ela me lambeu. – Dala!
Saí de lá envergonhada com a Dalafa Noturna em meu encalço. Estava tão envergonhada que trombei em alguém. Só percebi quando estava nos braços do Nevra.
- Nossa, sentiu tanto a minha falta assim?
- Você nem imagina. Até dormi na sua cama de tanta saudade.
- Eu sabia que você não resistiria a mim.
- Eu trocaria os lençóis se fosse você. Menstruei esses dias e caguei seu lençol todo.
- Espere, o que você fez?! Tingsi, volte já aqui!
Saí correndo e rindo. Acabei encontrando Ezarel também. Parece que todo mundo voltou.
- Olha só quem está aqui.
- Que droga, acabaram as férias.
- Oh, assim você parte o meu coração.
- Você tem um?
- Que cruel!
Ele estava mais dramático que Zhuniao, então não pude evitar de rir. Voltei com Dala para dentro do QG, atrás de Leiftan.
- Leiftan, os três voltaram!
- Mesmo?
- É, estava correndo atrás da Dala e eu encontrei com eles.
- Você parece feliz com a volta deles.
- Estou feliz que estejam bem. Ah, se você ouvir o Nevra gritando que quer me matar de novo, não estranhe.
- O que você fez dessa vez?
- Nada. Só menti para ele de ter dormido no quarto dele.
- Como assim?
- TINGSIIIIII!
- Não falei?
A nova missão foi evitar Nevra até a hora de dormir.
Chapter 16: Capítulo 16
Chapter Text
O dia começou com um anúncio na sala das portas para explicar o atraso dos chefes da guarda. Isso porque eles tiveram uma nova missão mais importante. Tinham atacado os Ren-Fenghuang e todo mundo começou a comentar. Ao que parece são uma família muito importante por aqui. Acontece que eles recuperaram uma flauta que eu me lembro ser do Flautista de Hamelin e a emissária dessa família viria buscar, então teríamos que acolhê-los.
Eu me lembro de ter falado sobre os fenghuangs com Kero nos meus primeiros dias e que são figuras da mitologia chinesa. Zhuniao é o deus deles. Assim que o anúncio terminou, voltei ao meu quarto, peguei minha caixa e fui para o mundo espiritual, onde o tigre me recebeu.
- Bem na hora de começar o treino.
- Baihu, eu não estou aqui para isso agora. Queria falar com Zhuniao antes.
- Já estamos sabendo, então se prepare para passar raiva.
- O que quer dizer?
- Que só Xuanwu irá te treinar antes de voltar. O resto ficará para mais tarde.
A tartaruga apareceu e a serpente me entregou um arco e uma aljava. Fiquei um bom tempo aprendendo me posicionar, corrigir a postura, respiração e mira até finalmente disparar a primeira flecha. A flecha nem chegou no alvo. Fiquei um bom tempo aprendendo até ter que voltar ao mundo material.
Fui fazer as missões que me davam para ajudar no acolhimento da emissária. No caminho vi Purriry tentando convencer os rapazes a trocar de roupa e comprar um traje novo. Ela não estava nada feliz.
- Aí está a minha musa preferida!
- Oi Purriry. Precisa de algo?
- Que tal algo para usar na visita da emissária?
- Eu estou bem assim.
- Mas uma garota bonita precisa de uma roupa bonita para uma ocasião única como essa.
- Eu não sei por que todo mundo está animado para isso.
- Não me ouviu? É uma ocasião única. Eu te dou um desconto.
- Eu estou em missão no momento, podemos conversar sobre isso depois? O Purral vai reclamar se eu demorar muito.
- Está bem. Mal posso esperar para ver como você vai ficar.
Ela saiu toda animada e eu fui terminar minhas missões. Quando tive um tempo, fui praticar com o arco que tinha feito em uma das aulas de forja. No almoço descobri que Karuto tinha decorado o refeitório.
- Ficou bonito.
- Não poupei esforços. Olhe este drapeado fino, essa costura, esta renda.
- São muito elegantes.
- Espero que vá usar uma roupa melhor que essa.
- Não há nada de errado com a minha roupa.
- Não para uma plebeia tirar a poeira e fazer faxina.
- Não tem nada de errado em ser pobre ou fazer faxina!
- Não foi isso que eu quis dizer, mas seria bom que tivesse algo mais adequado no seu armário.
Saí furiosa de lá. Ele acha que eu sou rica por acaso?! Se quiser que eu me vista “adequadamente” que pague a merda da roupa.
- Tingsi, você está aí.
- Oi Purriry.
- Vem, eu tenho o traje perfeito para você!
Antes que eu pudesse protestar, Purriry me empurrou para a loja dela. Ela me mostrou o traje. Era lindo, um vestido amarelo claro com mangas que pareciam asas de libélulas, luvas, calças e um body da mesma cor com detalhes dourados e botas marrons. Ela começou a elogiar o traje e eu tive uma grande ideia.
- É lindo, mas você teria algo mais impactante?
- Como assim?
- Sei lá, um traje que parecesse que está pegando fogo.
- Você não gostou?
- Eu gostei, é só que eu acho que amarelo não é minha cor e esse preço está bem acima do meu orçamento.
- Um traje como você quer sairia bem mais caro. Como você me deu a ideia da minha linha para mascotes, eu posso fazer um desconto nesse, o que acha?
- Está bem então.
Justamente quando estava saindo, encontrei Purral. Ele me parou e começou a querer me vender um diadema. Eu comprei, afinal, ele era lindo, mesmo meu plano ter ido por água abaixo com o traje da Purriry. Ele queria me vender um colar também, mas estava sem maanas, então recusei. Acabei trombando com Leiftan na saída. Ele ficou perplexo.
- Leiftan, você está bem?
- Não, eu.... Você....
- Leif?
- Você está deslumbrante. – Foi então que notei que ainda estava com o traje da Purriry e corei.
- Obrigada. É para a chegada dos emissários, mas não acha muito exagerado?
- Acho que está na medida certa.
- E com este colar ficaria perfeita. – Disse Purral.
- Eu já disse que não tenho maanas.
- Tudo bem, eu pago.
- Leif, você não precisa....
- Mas eu quero e eu te devo isso pelos problemas que Amaya te causou.
- Eu não posso....
- Aceita logo! – Gritou o purreko.
Eu deixei com que ele pagasse e colocasse o colar em mim. Estremeci quando um de seus dedos roçou na minha nuca. Olhando no espelho, eu estava linda. Leiftan não parava de me encarar. Senti um calor subir e o meu rosto queimar.
- Tem algo no meu rosto?
- Não. Eu preciso ir.
- Vai para o prédio? Se for, podemos voltar juntos.
- Não vejo problema.
- Vai usar uma das criações da Purriry também?
- Não, eu provavelmente ficarei muito ocupado e irei usar essas roupas mesmo. Você por outro lado está mais que preparada.
- É só porque conseguiram encher o meu saco.
Voltamos para prédio. Me despedi dele, fui para o meu quarto e guardei o traje e os acessórios. Peguei a caixa e fui visitar os deuses de novo. Zhuniao me esperava pousado em uma árvore. Um par de adagas estava fincado na terra.
- Justamente quem eu estava procurando. O QG não para quieto por causa da sua emissária.
- Quer saber como ela é?
- Quero saber por que é tão importante.
- É como receber a visita do presidente.
- De qual país? Dependendo do presidente é melhor enxotar.
- Não seria cortês e muito menos ético. Pegue as lâminas, vamos começar.
Os próximos dias foram dias de muitas missões, mas eu consegui arrumar espaço para treino. Fleur cresceu e agora ela dorme o dia inteiro. Já Joy, Libelu e Nekopol ficaram mais ativos depois que viraram adultos. Griffin parece ter adquirido um gosto por livros, mesmo que ele só os folheasse. Comecei a treinar com a lança também e me dei surpreendentemente bem com as adagas.
Um dia Karenn entrou no meu quarto como um foguete. Crownin a colocou para correr na mesma hora. Quando fui falar com ela já fora do quarto, ela pediu para me vestir porque os emissários tinham chegado. Coloquei a roupa da Purriry, o diadema do Purral e o colar que Leiftan comprou para mim. Apesar dessa palhaçada, eu iria tratar o povo de Zhuniao muito bem.
A comitiva Fenghuang estava no caminho dos arcos. Todos usavam roupas em estilo chinês, o que eu amei. Só uma pessoa não usava roupas desse tipo. Era uma garota aparentemente da minha idade com cabelos ruivos claros extremamente ondulados e olhos alaranjados. Suas roupas eram mais leves e esvoaçantes, além de refrescantes e amarelas. Ela estava junto de uma mulher muito gostosa de pele negra e olhos e cabelos castanhos além de um velho de barbicha.
- Bissexualidade é uma merda.
- O que você disse? – Perguntou Nevra ao meu lado, nem tinha percebido.
- A mulher ali, gostosa demais. Se ela quiser sentar na minha cara, eu deixo. – Ele e Karenn ficaram espantados.
- Ela te interessa tanto assim?
- Nevra, eu sou bissexual, gosto tanto de homem quanto de mulher.
Ele e a Kareen ficaram surpresos. Eu vi um sorriso malicioso e divertido se desenhar no rosto do vampiro, já a irmã dele esfregou a mão na própria cara.
- Não sabia disso.
- Ora, quem ignora buraco é prefeitura.
- Sua safadinha e você escondendo o jogo.
- Eu nunca escondi, você que nunca perguntou.
- Eu nunca te vi olhando para as garotas do QG.
- É que elas não chamam muito a minha atenção. Mas se pintar, quem sabe?
- Você não se incomoda de eu falar sobre elas para você, não é?
- Está brincando? Pode falar. Inclusive me avise se estiver saindo com alguém para não sair com a mesma pessoa.
- Garota, a gente vai se dar muito bem.
- Isso não vai prestar. – Ouvi Karenn sussurrar.
- A propósito, você está linda.
- E você poderia estar muito mais gostoso com a roupa que Purriry queria te vender.
- Eu não preciso, já sou lindo assim.
- Meme Cristiano Ronaldo de qualidade.
- Não entendi.
- Nada não.
Miiko encontrou a comitiva e eles foram para a sala do cristal. Nevra se separou de nós e Karenn e eu fomos para um lugar mais tranquilo.
- Eu não gosto nem um pouco da chegada dessa Huang Hua. – Ela confessou.
- Por quê?
- Por causa das habilidades dos fenghuangs. Eu não gosto da ideia de alguém penetrar minha mente ou ler o meu coração.
- E se a gente pensar um monte de merda na presença deles? Tipo um frango assado dançando?
- De onde você tira essas coisas?
- Acredite, de onde eu venho tem muita coisa bizarra. Sei lá, vamos pensar em um bebê beriflore usando um tutu enquanto dança. Assim a gente vai saber quando estiverem lendo nossa mente.
- Isso é bem engraçado mesmo. Vamos fazer isso.
Pelo menos consegui animá-la. Nos separamos. Eu iria arrumar o que fazer quando Ykhar me disse para encontrar Miiko na sala do cristal. Lá fui eu encontrá-la. Antes que eu pudesse falar algo, a mulher estranha quase saltou para cima de mim.
- Então é ela?! Ela é adorável! Ainda mais com essa roupa! É em minha honra?!
- Mas que porra...?! – O velho me olhou de cara feia.
- Tingsi, por favor tenha modos. – Pediu a kitsune. – Huang Hua, por favor, deixe-a em paz.
- Miiko, querida. Você sabe muito bem que só tenho olhos para você. – Meu casal!
- Você poderá fazer o que quiser com ela mais tarde.
- O que quiser o cacete! Não sou puta paga não. – Os olhos de todos se arregalaram e Miiko esfregou as têmporas.
- Deixe-me apresentá-los oficialmente. – Ela retomou o controle. – Como vocês já sabem, esta é Tingsi.
- Tingsi Zhu. – Fiz uma pequena reverência. – É uma honra conhecê-los. – O queixo da Miiko caiu.
- O prazer é nosso, Tingsi Zhu. – Disse a garota ruiva fazendo o mesmo. – Me chamo Dagma. Deixe-me apresentá-la formalmente a Feng Zifu e à Dama Huang Hua.
- Só Tingsi está bom.
- Em todo caso, acho melhor repousar, Dama Huang Hua.
- É verdade, Dagma. Nossos companheiros estão cansados. Tingsi, nos vemos mais tarde.
- Irei chamá-la assim que a Dama Huang Hua acordar. – Disse Feng Zifu.
Os três iriam sarám da sala, me deixando sozinha com a Miiko.
- O que você queria?
- Huang Hua me pediu para que você fosse sua dama de companhia durante sua estadia.
- Está de sacanagem!
- Infelizmente não estou.
- E quanto à Dagma? Ela estava com ela.
- Eu sei, mas você é o novo capricho dela. Não é todo dia que vemos humanos e você a fascina.
- Capricho o cacete! Se está pensando que eu sou a porra de um animal exótico para a exibição pode muito bem ir tomar no....
- TINGSI! – Ela se irritou.
- Vou receber para isso? Eu não vou virar babá de dondoca de graça.
- Você é impossível. Mas de qualquer forma você não tem escolha.
- Quer apostar que eu tenho?
- É só por um tempo. Consegue fazer isso?
- Está bem, mas só porque eu não quero decepcionar um amigo meu.
Miiko me deu instruções de como servir à Huang Hua, as quais não vou seguir porque não sou obrigada. Não vão me pagar para isso e não sou empregada desse povo. Saí da sala. Dama de companhia uma porra. Ah se eu não fosse amiga de Zhuniao! Preciso me acalmar, então fui para o meu quarto pegar o meu martelo, as adagas e os leques para treinar. Ykhar me viu no corredor.
- O que você está fazendo?!
- Indo treinar, ué.
- Treinar?! Você enlouqueceu?!
- Qual o problema?
- Nenhum, Huang Hua vai adorar seu perfume com fragrância de suor, fora que você não vai ter tempo de tomar banho quando Feng Zifu vier te buscar.
- Eu não vou demorar tanto assim, só vou revisar algumas coisas.
- Mesmo assim. Huang Hua aprecia o seu cheiro de jasmim, não ouse a começar a suar.
Desisti e voltei para o quarto para guardar as armas. Só de sacanagem abri um desodorante íntimo que ganhei de presente e nunca usei e coloquei como perfume. Resolvi meditar um pouco até que Feng Zifu viesse me buscar no quarto. Ele torceu o nariz e fomos para a sala do cristal sem dizer uma palavra sequer.
- Chegou a mais linda! – Disse Huang Hua.
- Mas que cheiro é esse?! – Perguntou Miiko.
- Desculpe, Miiko. Eu confundi o perfume com um desodorante de boceta que tinha.
A cara da Miiko foi impagável, assim como a de Feng Zifu e a da Dagma. Vou chamá-la assim porque ela não usou o Huang na frente do nome. A Ahri paraguaia vai me matar depois, mas vai valer à pena.
- Seus pais não te deram educação?! – Reclamou Feng Zifu.
- Que pais? – Os visitantes arregalaram os olhos, então lembrei de minha conduta. – Perdão, Dama Huang Hua, permita-me acompanhá-la em uma visita pelo QG.
- Pode parar! Nada de “dama” ou de “madame”. Pode me chamar apenas de Huang Hua ou de “você”. Eu só tenho 70 anos! E mais uma coisa....
- Dama Huang Hua, contenha-se. Mesmo diante dessa pretenciosa.
- Teu cu! – Saiu automaticamente.
- Tingsi, venha aqui! – Miiko me catou pelo braço e me puxou para um canto. – É bom você se comportar e cuidar bem de Huang Hua. É uma amiga preciosa e faço questão que seja tratada da melhor forma.
- Não estou recebendo para isso. – Zhuniao que me perdoe, mas não resisti. – Mas pode deixar, cuidarei bem dela.
Quando iríamos sair da sala, o Oráculo apareceu. Ela ficou entre mim e a tal Dagma e tocou nossos antes de sumir. Senti uma espécie de calor estranho. Ficamos tentando entender o que tinha acontecido.
- Dama Huang Hua...?
- Isso não foi por acaso, Dagma. Nada é por acaso. Não sei o que o Oráculo quer, mas envolve vocês duas.
- Está dizendo que nossos destinos podem estar cruzados?
Mordi minha língua para não falar. Puta merda, só me faltava essa agora! Saímos da sala e encontramos meus mascotes dançando Harlem Shake no meio do corredor. Minha Sabali estava dando coices no ar, meu Polpatata agitando os tentáculos, meu Crowmero virando de um lado para outro e grasnando, meu Libleunette fazendo break dance, meu Corko correndo atrás do rabo, meu Crylasm sobre duas patas, minha Pinigin e meu Plumobec pareciam que tinham tomado LSD, meu Pimpel usando minha Beriflore de trampolim, meu bebê Xylvra tentando pegar o ar, minha bebê Spadel voando como louca, meu bebê Chead dançando na parede e minha Liclion, meu Becola, minha Kiampu e meu Seryphon só dançavam mesmo. Era um desastre.
- Esses mascotes estão doentes? – Perguntou Feng Zifu.
- Não, eles só estão reproduzindo uma dança do meu mundo.
- Uma dança do seu mundo? – Perguntou Dagma.
- Que dança é essa? – Huang Hua estava curiosa. – Parece muito confusa.
- É para ser algo engraçado e fez sucesso no passado. Mas não se preocupe, ninguém mais dança assim. Ela já saiu de moda, mas os meus mascotes adoram.
- É muita irresponsabilidade deixá-los soltos no corredor desse jeito. – Disse o velho gagá.
- Não se preocupe, logo você se acostuma e com o tempo, a gente nem o ouve mais. – Disse Huang Hua.
- Espero que sim.
- Eles parecem estar se divertindo. – Comentou Dagma.
- Sim. Quando eles pararem, pode brincar com eles. Só tome cuidado com o Crowmero, ele morde. Então, tem algum lugar que queira ir?
- Eu não sei. Zif, você quer ir a algum lugar? – Perguntou Huang Hua.
- Parece que essa velha construção possui jardins suntuosos, embora eu tenha minhas dúvidas já que o pouco que vimos era bem triste e desinteressante. – Xuanwu me dê paciência porque se me der forças eu vou dar na cara desse velho.
- Vamos, me leve a um lugar belo e fresco para conversarmos melhor.
Mal saímos do prédio e veio um bando de criança pedir para a Huang Hua contar uma história. Ela contou a história do Flautista de Hamelin, a mesma flauta que a guarda resgatou. As crianças a abraçaram e pensei que o velho ia entrar em colapso. Depois ela as dispersou.
- Crianças são maravilhosas, não acha?
- Depende. Tem umas que são o demônio. – Eles arregalaram os olhos. – Cresci em orfanato, eu sei como crianças podem ser cruéis quando querem.
- Sinto muito.
- Está tudo bem. A história que contou, ela parece com um conto que tem no meu mundo.
- Não é um conto, é a história de um dos meus ancestrais.
- Um de seus ancestrais? Espere, ele era o flautista de Hamelin? Aquela cidade na Alemanha?
- Não, é um vilarejo do Sacro Império Romano-Germânico.
- Ih, isso foi na idade média. Agora se chama Alemanha e parte dele é da Itália.
- Desde quando sua “idade média” acabou?
- Tem uns 600 anos. Muita coisa mudou desde então.
- Como o que?!
- Tivemos as grandes navegações, mais guerras, a revolução industrial.... É muita coisa para resumir.
- Eu estou curiosa para saber de tudo!
- É muita coisa, mas evoluímos bem. Atualmente falamos em direitos para pessoas LGBT+, direitos trabalhistas, proteção das espécies, combate ao preconceito, enfim.
Fui explicando mais ou menos como eram as coisas agora sem falar das inovações tecnológicas. Isso seria uma dor de cabeça explicar e ela era bem curiosa e Feng Zifu vez ou outra soltava um comentário desagradável. Finalmente chegamos ao jardim da música. Huang Hua tirou os sapatos, levantou a saia bem acima do joelho e colocou as pernas na água. Feng Zifu foi brigar com ela para se vestir. Eu respirava fundo e pensava em Zhuniao. Dagma, ou outro lado, deixou só a blusa e entrou. Nem esperei convite ou autorização, arranquei as botas, dobrei a calça até o joelho e sentei.
- Você é sempre tão quieta assim? – Perguntei à Dagma.
- Eu só não tenho muito a acrescentar.
- Você não é uma fenghuang.
- Como você sabe?
- Os homens usam Feng antes do nome e as mulheres Huang. Você não tem nenhum dos dois.
- Você está certa. Eu sou uma ninfa.
- Que legal! É uma ninfa do que?
- Da água, do que mais seria?
- Floresta, das montanhas, oceano, tem uma vasta classificação de ninfas na mitologia.
- Mitologia?
- É como chamamos histórias com deuses e seres fantásticos. Para vocês pode ser sua história, mas para o povo da Terra são mitos e lendas. Pelo menos para a maioria.
- Entendo. Pelo visto você entende das diversas espécies de ninfas por causa da mitologia.
- Sim. No meu mundo não achamos que vocês existam de fato, mas acho que é melhor assim.
- Mesmo?
- Alguns acreditam que sereias e vampiros podem existir, algumas cidades acham que lobisomens existem. Eu já vi gente gastar muito dinheiro em cirurgia acreditando ser um elfo.
- Por que fariam isso?!
- Tem maluco para tudo. Por isso que acho que é melhor continuarem como mitos. Alguns abraçariam enquanto outros, bem, poderiam ver como uma ameaça.
- Estranhamente é o que eu acho sobre você.
- Eu também não sei se posso confiar em você.
- Vocês duas estão se dando bem? – Perguntou Huang Hua.
- Podemos dizer que em termos, minha senhora. – Disse a ruiva.
- Isso é bom. Tingsi, tire a calça para ver as suas pernas bonitas.
- Só a calça?
Resolvi flertar e para que? Feng Zifu veio dar um sermão e Dagma não sabia onde enfiar a cara. Huang Hua resolveu mudar de assunto.
- De onde você é?
- Reims, na França. Vivi lá até ir para a faculdade.
- O que é isso?
- Instituição de ensino superior. É como uma escola para seguirmos uma profissão.
- Mesmo e você é o que?
- Eu ia começar no ramo da arte, mas infelizmente caí em um círculo de cogumelos e estou presa aqui.
- Eu não diria que foi um evento infeliz. As coisas acontecem por um motivo, não existem coincidências.
- Nosso encontro não foi planejado e nenhum outro deus meteu o bedelho. – Escutei Baihu dizer. – Às vezes as coisas acontecem por acaso e temos que improvisar. É tipo jogar The Sims. Por mais que você controle a vida dos seus sims, uma hora a merda vai acontecer.
- Fico mais tranquila de ouvir isso de você. Espere, quer dizer que nós somos um jogo de The Sims para vocês?!
- Quem me dera. Evitaria muita merda.
Conversamos mais um tempo até que eles decidiram passear um pouco mais. Encontramos alguns curiosos pelo caminho e eu já estava cansada de ficar de serva e de saco cheio do Feng Zifu me criticar. Encontramos Ezarel, que a cumprimentou e beijou sua mão.
- Espero que a senhora perdoe a ofensa de tê-la deixado com uma doméstica dessas.
- Ah, vai pra porra capacho de anão!
- Sério que está usando esse linguajar?! Ainda por cima na frente de alguém tão importante.
- Finalmente alguém sensato. – Disse o velho chato. – Senhorita Tingsi, queira corrigir seu linguajar.
- Ah, vai tomar no cu você também!
- O que disse?!
- Isso mesmo que você ouviu. Eu já estou cansada de ter que aturar essa tua arrogância.
- Nos dê licença por um minuto!
Ezarel pegou meu pulso e rapidamente correu dali. Ele só parou quando nós estávamos longe o suficiente deles.
- Você enlouqueceu?!
- Eu estou o dia todo me esforçando para não mandar aquele velho do caralho à merda e servindo de chaveirinho, você está afim de me irritar mais ainda?!
- Você tem ideia do quanto isso é importante?! Não podemos aturar suas birras.
- Então lide com isso você, pois eu não sou empregada desse povo não!
- Hoje você é! Essa missão foi atribuída a você. Sabe quantas pessoas matariam para estar no seu lugar?
- Então podem continuar se matando porque eu me demito!
- Você não pode se demitir!
- Acabei de fazer.
- Tingsi!
Deixei Ezarel falando sozinho e fui para o meu quarto com raiva. Que saco! Preciso colocar os pensamentos em ordem, mas logo vão vir encher o meu saco. Rapidamente tirei aquelas roupas e deixei em cima da cama. Coloquei o short e as botas que tinha comprado aqui e sempre usava e uma camiseta preta com a estampa “I speak fluente sarcasm” a qual fiz uma amarração na bainha. Dei minha caixa a Dala e pedi para levar à praia antes de abrir a janela.
Havia um vão estreito entre a janela e o precipício, mas era o suficiente para bancar a Amy Lee no clipe de Bring Me To Life. Subi no vão e fui me escorando na parede do QG. Adquiri um bom equilíbrio, não olhei para as ondas batendo e segui meu caminho. Quando passava por uma janela, eu olhava para ver se ninguém me via. Em uma dessas janelas, vi Leiftan conversando com o tal homem mascarado, mas isso não importa agora, eles não podem me pegar aqui. Passei a janela dele e continuei.
- Pelo oráculo! – Puta merda, ele me descobriu! – O que você está fazendo?!
- Leiftan, eu juro que se gritar ou vier atrás de mim, eu me jogo!
- Acalme-se, por favor. Seja o que for, a gente pode....
- Eu quero ficar sozinha! Será que é pedir demais?!
Continuei avançando o mais rápido que pude. Alcancei a ponta do penhasco e saltei para a terra. Corri para a praia. Dala estava lá. Pedi para que voltasse. Peguei minha caixa e fui para a parte mais isolada de lá, indo para mais além da rocha, para perto da formação rochosa. Sentei no chão, respirei fundo e fui para o mundo espiritual.
- Porra!
- Está descontando aqui para não matar alguém? – Perguntou Zhuniao pousado em uma rocha.
- O que você acha?! Eu não aguento mais! Eu juro que tentei ser respeitosa com o seu povo da mesma forma que fui com o de Xuanwu.
- Eu não te pedi isso.
- Eu sei que não, achei que não custava nada. Mas porra! Eu não sou obrigada a ser educada com pau no cu! Eu nem sequer estou recebendo para ser dama de companhia!
- Admito que às vezes os fenghuangs possam ser prepotentes, embora os Ren-Fenghuangs preguem benevolência e altruísmo. Eles admiram a humildade.
- Humildade é uma coisa, romantizar humilhação e submissão excessiva é outra. Não sou um capricho e muito menos escrava desse povo!
- Fico feliz que saiba a diferença.
- Vai me dar um sermão?!
- Deveria, mas como eu disse, eu sei que às vezes meu povo pode ser prepotente. E sei que você não é um capricho e muito menos obrigada a trabalhar para quem julga desagradável. Eu tenho uma ideia muito melhor.
- O que pretende fazer?
- Te pedir para se desculpar com Huang Hua.
- Nem fodendo!
- Não estou te pedindo para se desculpar sobre o que disse a Feng Zifu e sim à Huang Hua por ter fugido. Eles irão colocá-la em seu devido lugar, isso é, no que pensam que é o seu lugar.
- Essa é a sua ideia?!
- Tudo que posso te pedir é para que confie em mim.
- O que está aprontando, Pássaro?! – Perguntou a cauda serpente de Xuanwu.
- Apenas uma forma de mostrar que nossa amiga aqui não é um mero capricho.
- Por mim, quebrava o velho de porrada. – Disse Baihu.
- Você não pode brigar com todo mundo, Baihu. – Disse Qinglong. – Zhuque, eu não gosto desse olhar. Principalmente conhecendo sua natureza vingativa.
- Apenas confie em mim, menina. Por favor.
- Eu confio em você, Zhuniao. Eu confio em todos vocês.
- Ótimo. Então vamos treinar.
- Você não muda, Baihu.
Chapter 17: Capítulo 17
Chapter Text
Nunca pensei que uma sessão de treino me faria bem, mesmo que tivesse sido só no mundo espiritual. Consegui descarregar todo o estresse nos golpes. Também fui mergulhando cada vez mais fundo na água. Quando voltei, estava mais calma.
- Tingsi, finalmente você acordou.
- Leiftan, o que está fazendo aqui?
- Você me deixou preocupado.
- Desculpe. Eu não queria te preocupar.
- Mas me preocupou. Por que você fez aquilo?!
- Eu precisava ficar sozinha e respirar. Leiftan eu te juro que se fosse possível ficar no meu quarto, eu não teria feito aquilo.
Eu o abracei, mais para conter o nervosismo dele do que qualquer outra coisa. Ele demorou a corresponder o meu abraço. Senti sua respiração desacelerar um pouco.
- Me desculpe, mesmo, mas eu precisava ficar sozinha. Eu não iria conseguir meditar no meu quarto depois de ter mandado aquele velho tomar no cu.
- Ezarel me contou. Não faça isso de novo.
- Não posso te prometer nada. – Disse mais travessa.
- Que cheiro é esse?
- Eu coloquei desodorante íntimo no lugar de perfume só de raiva. – Me separei dele. – Em minha defesa, eu nunca usei e detesto essas coisas.
- Você não existe. Se você não gosta, por que comprou?
- Eu não comprei, eu ganhei de uma amiga. O cheiro é horrível, não é mesmo?
- Já senti piores.
- A gente precisa mesmo voltar?
- Sim. Ainda haverá uma celebração ao ar livre esta noite e precisamos estar lá. Principalmente você, que está na missão de acompanhar a Huang Hua.
- Eu me demiti. Podem me expulsar, mas não vou virar capacho desse povo.
- Sente-se comigo esta noite. Estarei com os outros chefes da guarda, então sei que se sentirá mais à vontade.
- Muito obrigada, Leif.
Decidimos voltar para o QG. No caminho, encontramos Valkyon, Ezarel e Nevra.
- Tingsi, finalmente te encontramos! – Exclamou Valkyon.
- Pelo Oráculo, você nos deu o maior susto! – Dessa vez foi Nevra. – Ficamos preocupados.
- Eu não achei que você ficasse tão abalada com uma brincadeira.
- Não foi a sua brincadeira, Ezarel. Eu já estava me controlando para não mandar o velho à merda o dia todo. Você só deu o empurrão que eu precisava.
- Foi tão ruim assim? – Perguntou o vampiro.
Contei a eles todos os desaforos que tinha ouvido desde que estive na sala do cristal. Foi bom desabafar com eles e aliviar qualquer resquício de raiva que sentia.
- Estou impressionado que você não pôs fogo na roupa dele ou algo assim. – Disse o elfo.
- Ainda mais que você não aguenta desaforo por muito tempo. – Comentou meu chefe. – Até com Karuto você arrumou confusão.
- E jogou uma panela no Ezarel. – Lembrou Nevra. – E esse cheiro não é perfume, é?
- Desodorante íntimo.
- Para que serve isso?!
- Sei lá, só sei onde usa.
Voltamos ao QG. Eu tinha que encontrar Huan Hua e me desculpar. Tenho que confiar em Zhuniao. Chegando ao quiosque central, Karenn veio ao nosso encontro.
- Vocês a acharam?!
- Calma, eu estou bem aqui, Karenn.
- Ainda bem e você está com a caixa. Você pode me emprestar? Eu meio que falei dela para a Ykhar e vamos precisar dela, já que não temos músicos no QG. – Foi então que todo mundo notou a caixa que eu carregava.
- Vocês podem explicar o que está acontecendo? – Pediu o vampiro mais velho.
- Descobri que essa coisa aqui pode reproduzir qualquer música, não importa o mundo.
- Onde arrumou isso? – Perguntou Ezarel.
- Eu tenho desde que nasci. Não é algo do meu mundo, acreditem, se fosse comum lá, todo mundo teria uma.
Ezarel pegou e analisou minuciosamente. Era uma caixa de chá azul cobalto com entalhes prateados em forma de coelhos, pequena o suficiente para carregar na bolsa e seu fecho tinha o formato de um círculo prateado sem lugar para chave. Ele tentou abrir, mas nada aconteceu. Olhou de todos os ângulos para ter certeza. Até me pediu para tocar uma música. Apenas pus a mão em cima do objeto. Ele os entalhes começaram a brilhar e começou a tocar Numb do Linkin Park, o que assustou todo mundo.
- Eu nunca vi algo assim.
- Se passa por uma caixa normal do meu mundo, mas garanto que nenhuma delas faz isso.
- Também se passa por uma das nossas, mas não conheço nenhuma que faça isso. Talvez esteja enfeitiçada.
- Faz sentido.
- Conversarei com Kero sobre ela mais tarde.
- Até lá, ela vai para o salão principal para a comemoração. Levo assim que terminar de me arrumar.
- Por que não deixa que eu cuido dela? – Perguntou Karenn.
- É um pouco complicado. Garanto que te entrego assim que entrar lá.
- Está bem.
Fui em direção ao prédio. As pessoas estavam de um lado para outro procurando as melhores roupas para usar e todo mundo que eu encontrava me dizia para não ir à comemoração vestida daquela maneira, afinal, eu acompanharia Huang Hua e minhas roupas não eram adequadas. Purriry quase teve um treco quando me viu, mas eu a confortei dizendo que não queria estragar seu traje. Finalmente encontrei Huang Hua e sua comitiva no corredor. A única que trocou de roupa foi Dagma, que vestiu algo mais social.
- Tingsi, estou tão feliz em te ver! – Disse a emissária. – Você está melhor? Ezarel me disse que você estava com dor de barriga.
- Estou sim, obrigada por perguntar. Eu gostaria de me desculpar pelo meu comportamento. Eu não deveria ter agido daquela forma.
- Realmente, seu comportamento foi deplorável. – Disse Feng Zifu. – Onde já se viu...?!
- Eu estou me desculpando por ter deixado a Huang Hua sozinha não por ter te mandado à merda, pois eu ainda te acho um pau no cu. – Ele ficou vermelho e o resto chocado. – Estou pouco me fodendo para o que você acha, mas pelo menos eu sou honesta em minhas ações.
- Como ousa?!
Eu os deixei sozinhos e fui tomar banho. Ykhar passou no meu quarto para confiscar meu desodorante íntimo e me dizer para usar a roupa que eu estava antes, afinal, eu ainda tinha que bancar a dama de companhia da Huang Hua. Saco. Assim que fechei a porta e me virei, o avatar de Zhuniao estava segurando o traje da Purriry em um cabide.
- Vai usar isso? Amarelo definitivamente não é a sua cor.
- E eu tenho escolha? Fiz o que me pediu, confiei em você.
- Eu vi. Estou aqui para a segunda parte do meu plano, que inclui te ajudar a se vestir.
- Virei sua boneca agora?
- E por que não? Aliás, tenho o vestido perfeito para você.
Ele pegou um vestido vermelho de finas alças douradas com um decote profundo que ia quase até o umbigo. A parte do tórax era toda bordada em fios de ouro e ia se esvaindo quando ia para a saia. A saia era curta na frente e longa atrás, formando uma cauda de pavão com bordados de ouro e forro dourado. As mangas eram luvas 7/8 presas no dedo médio com desenhos de plumas bordadas com fios de ouro. Os desenhos faziam o traje parecer que estava pegando fogo. Zhuniao também segurava um par de sapatilhas chinesas de salto vermelhas com detalhes em dourado.
- É lindo!
- É um dos meus vestidos favoritos. Pode usar o colar que Leiftan te deu com ele.
- Eu não posso aceitar.
- Claro que pode. É emprestado e não dado.
- Mesmo assim, é tão....
- Esse é o meu plano. Eles esperam uma linda dama de companhia, mas você é mais do que isso. Você tem voz. Não deixe que a ponham em uma gaiola.
- Você afrontaria o seu próprio povo?
- Por que não? Pelo que eu saiba, a Guarda de Eel os está recepcionando como anfitriões, não a Miiko. E mantenha entre nós, eu adoro um bom drama.
- Isso é novidade? – Rimos.
Vesti o traje que ele me pediu. Depois ele me pediu para sentar na cadeira em frente ao espelho e começou a pentear o meu cabelo. Ele fez uma espécie de penteado antigo, preso na parte de cima e solto embaixo, além de colocar adornos de ouro no meu cabelo. Ele também me maquiou. Fez um delineado perfeito, a sombra era nas cores vermelha e amarela contornadas de preto, parecendo fogo, mas não passava da área dos olhos ou era exagerado.
Ele era tão bonito e tão atraente, podia ver o delineado nos olhos dele e a fina sombra vermelha. Não sei o que deu em mim, eu tentei beijá-lo, mas ele pôs o indicador nos meus lábios.
- Não faça isso. Não quero iludi-la ou lhe dar falsas esperanças.
- Desculpe, eu não sei o que deu em mim.
- Estou quase acabando.
Ele aplicou um batom vermelho em meus lábios. Ele também desenhou uma espécie de flor de lótus vermelha na minha testa. Olhei no espelho, eu estava linda. Poderia facilmente ser da antiga família imperial chinesa. Zhuniao pôs o colar que Leiftan comprou para mim e me entregou uma fina capa branca de corpo inteiro indo até o chão para cobrir todo o traje e minha cabeça.
- Quando estiver na cerejeira, coloque fogo na capa. Causará um belo impacto.
- Você quer recriar aquela cena da Cruella revelando o vestido vermelho na frente de toda a festa?
- Captou a minha referência.
- Mas você é afrontoso mesmo.
- Eu sei. Quase ia me esquecendo, aqui está seu leque. Há lâminas nele para eventuais emergências e aposto que vai gostar da estampa.
Era um leque vermelho de hastes pretas. Ao abrir, vi as lâminas afiadas. Do outro lado estavam letras douradas grafais formando um grande “foda-se”. Não pude evitar de sorrir. Ético, vingativo e afrontoso, esse é o Pássaro Vermelho do Sul que eu conheço.
- Conceder-me-ia o prazer de admirá-la, senhorita Zhu? – Perguntou fazendo uma reverência antes de me estender mão.
- É claro, senhor Zhu. – Rimos e aceitei a mão dele, que me rodopiou para ver como eu estava.
- Vermillion é uma cor magnífica para nós Zhu. Embora cobalto, púrpura e índigo sejam suas cores.
- Achei que fosse rosa.
- Rosa a deixa fofa, mas cobalto, púrpura e índigo.... Acho que deveria experimentá-los algum dia.
Zhu quer dizer vermelho em chinês, mais especificamente vermillion, um tom de vermelho bem forte, também conhecido como vermelhão. Curiosamente é o tom de vermelho do vestido que estou usando. Está bem que Zhu é uma variação do sobrenome Zhou, que é até que comum, mas vale o trocadilho.
Ele borrifou um pouco de Hypnotic Poison em minhas roupas e colocou a capa em mim. Prendi o leque no vestido, peguei a caixa e saí do quarto. Encontrei Karenn no quiosque central junto com Karuto. Entreguei a caixa a ela e expliquei o que devia ser feito.
- Você vai entrar vestindo isso?
- Qual é o problema?
- É inapropriado. Ainda mais que você está acompanhando Feng Zifu e Huang Hua.
- É, tem razão.
Fui para lá mesmo assim para o desespero do Karuto. Quando cheguei, a decoração estava linda, as mesas espalhadas pelo lugar com as toalhas elegantes do Karuto, lanternas de papel decoravam a cerejeira e iluminavam todo o ambiente. Não era só Karuto que estava em desespero. Muitos membros ao ver meu traje começaram a se perguntar o que eu estava vestindo, o olhar de Feng Zifu era de total desaprovação. Sorri com a cena.
Risquei um fósforo e o deixei cair na capa. Em questão de segundos ela se incendiou, revelando o traje vermelho e dourado que tinha por baixo, além do meu penteado e maquiagem. Por onde quer que eu olhasse não conseguia encontrar uma boca fechada. Eu ainda olhei para cada um que estava julgando minhas roupas antes com a cara mais debochada que consegui.
- E agora? Minha roupa está adequada para vocês?
- Isso é um ultraje! – Gritou o velho pau no cu. – Senhorita Tingsi, sugiro que se troque imediatamente!
- É senhorita Zhu para você. – Peguei o leque e comecei a imitar Zhuniao sem abri-lo. – E ainda que você pagasse o meu salário, você não é o meu dono para exigir que eu ou qualquer um aqui se troque. Se pensa que sua criada, pensou errado.
- Tingsi, será que você pode se comportar pelo menos uma vez?! – Perguntou Miiko. – Pelo menos na presença de....
Eu só abri meu leque despretensiosamente revelando o grande foda-se que estava lá. Uns estavam tentando não rir enquanto outros estavam chocados. A Miiko ficou putassa.
- Eu não acredito que vocês estão tão preocupados com um pedaço de pano. – A voz de Dagma se fez presente.
- Senhorita Dagma não entende que esta garota está nos afrontando?!
- Se você se sente afrontado por conta de uma vestimenta, você precisa rever seus conceitos. A meu ver, ela só gostou da moda fenghuang.
- Mas o leque é totalmente ofensivo.
- Mesmo? – Pus lenha na fogueira.
- É óbvio que é.
- Foda-se! – Falei em tom de brincadeira.
- Isso não tem graça! – Reclamou Karuto. – Desculpe-se com Feng Zifu, agora.
Dei de ombros e fui andando. Ele tentou pegar o meu pulso de forma enfurecida. Fui mais rápida, retirei o meu pulso, agarrei o pulso dele e torci em um reflexo defensivo.
- Não toque em mim. Nunca mais.
Eu o soltei e fui até a mesa dos chefes da guarda. Não havia cadeiras disponíveis, apenas os quatro. Estranhei.
- Você enlouqueceu?! – Perguntou Ezarel.
- Eu já nasci doida. Eu pensei que a gente fosse sentar juntos.
- Conversamos com a Miiko, mas Huang Hua quer você na mesa dela. – Disse Leiftan derrotado.
- Não tem problema.
Me sentei no colo do Nevra. Claro que eles arregalaram os olhos e não só eles, o recinto inteiro. Muitas garotas cochichavam. Nevra enlaçou a minha cintura.
- Mas você não tem limites! – Resmungou o elfo.
- Quem tem limite é município. E não é como se eu não tivesse sentado aqui antes.
- Pode dizer, eu sou irresistível e quer repetir a dose. – Nevra começou a se gabar.
- Inclusive te algemar de novo, de ponta cabeça dessa vez.
- Primeiro vai ter que me levar para o quarto.
- Olha, isso não é muito difícil. – Olhei para os outros dois. – Não me olhem com essas caras, eu me sentei aqui porque não queria deixar vocês dois desconfortáveis e o Ezarel me jogaria no chão. Já Nevra não presta tanto quanto eu.
- Hei! – Todos da mesa riram. – Se é assim, eu vou te tirar daqui.
- Eu sento na mesa.
- Já não acha que causou confusão demais? – Perguntou Valkyon.
- Eu queria que parasse, mas cada hora acontece uma merda diferente.
Por algum motivo, Dagma e Huang Hua vieram à nossa mesa. De início estranharam me ver sentada no colo do Nevra e não em uma cadeira.
- Tingsi, você está aí! – Começou Huang Hua. – Venha, sente-se com a gente.
- Eu prefiro sentar com os meus amigos.
- Sentar com eles ou sentar em cima deles? – Perguntou a ninfa.
- Eu preferia sentar neles, mas é a vida. Sentem com a gente. Isso é, se não for problema.
- Problema nenhum. – Disse a emissária. – Mas assim a Miiko vai ficar tão sozinha, acho melhor eu ficar com ela. Dagma, por que você não fica com eles?
- Como quiser, Dama Huang Hua.
Huang Hua nos deixou. Algum tempo depois ela estava sentada no colo da Miiko. Feng Zifu só faltava ter uma síncope e Miiko que lide com esse B.O. Arrumaram duas cadeiras para nós. Eu me sentei entre Nevra e Leiftan e Dagma entre Ezarel e Valkyon. Sendo que o Ezarel estava ao lado do Nevra e o Valkyon teve que ir para o lado do Leiftan.
- Valeu por ter tentado me defender naquela hora.
- Acho que eu quem devo te agradecer. Eu também te devo desculpas. – Me surpreendi.
- Pelo que?
- Eu não gosto de covardia. Vi como Feng Zifu te tratou o dia inteiro e não disse nada. Quando você o enfrentou, eu fiquei pensando no porquê da sua atitude. Eu nunca vi alguém que discordasse ou ofendesse um fenghuang.
- Ninguém nunca fez isso?
- Por que questionaria? Digo, eu questionava algumas coisas quando fui viver entre eles e pela primeira vez em anos, eu comecei a me questionar novamente.
- Que vida merda.
- Perdão?
- Não poder questionar nada e nem ninguém. Como se fosse parte de um rebanho, sei lá. Mentalidade de rebanho me assusta.
- Por que acha ruim?
- Porque forma idiotas úteis capazes de defender com unhas e dentes a bolha em que vivem sem ouvir a opinião contrária ou enxergar a realidade bem na frente deles. Tem muitos desses no meu mundo, o diálogo se torna quase impossível. Se sair nem que seja um pouco da linha, seus iguais começam a atacar gratuitamente.
- Por isso que você é assim? – Perguntou Valkyon.
- Devia ter me visto na adolescência. Eu era literalmente uma delinquente, apesar de nunca ter roubado.
- Por que você...?! – Começou Ezarel. – Deixa para lá.
- O movimento que você fez, eu não lembro de ter te ensinado. – Valkyon voltou a falar. – Aliás eu não me lembro de tê-la visto treinar com nenhum membro da guarda.
- Eu posso não treinar com os membros da guarda.
- E com quem você treina? – Perguntou Nevra.
- Quer dizer que o chefe da Guarda Sombra não tem todas as informações, afinal.
- Você também não fala nada. O que era aquele negócio de senhorita Zhu, afinal?
- Zhu é o meu sobrenome.
- Você deve ser importante para a sua família ter um nome. – Disse Leiftan pela primeira vez.
- Talvez em eras passadas. Agora todo mundo na Terra tem um, até mesmo para fins de registro. Como esse era o sobrenome da minha mãe, ela me registrou com ele.
- Ela não tinha morrido no seu parto?
- Sim, mas é possível registrar o filho ainda no hospital, um pouco antes de parir ou depois. Ou pedir para um enfermeiro fazer isso.
- Como ela sabia que você era menina? – Dessa vez quem perguntou foi Ezarel.
- Existe um aparelho que ajuda a ver alguns nos nossos órgãos internos e até bebês. Dá para ver o sexo, mas pode não ser muito confiável. Tem um exame de sangue específico que dá para saber qual o sexo biológico da criança.
- Ewelein vai adorar saber disso.
As bebidas começaram a chegar. Conversamos mais um pouco ao som de alguma música que eu não conhecia. Dagma até que não era ruim, apenas comportada demais e ela parece que se deu bem com o irritante do cabelo azul. Teve uma hora que as pessoas se levantaram para dançar algum tipo de dança medieval que eu só vi em filmes e feiras do tipo. Não que eu frequentasse, mas Yuna, Damiana e Elena me arrastavam para todas as que tinham, fora os eventos de anime.
- Essa caixa toca músicas do seu mundo, não? – Karenn perguntou quando veio à nossa mesa.
- Toca.
- Pode tocar algumas? Estou curiosa quanto a elas.
- Depende, você quer algo mais dançante, algo para sofrer, para cantar, pular na frente de um palco alucinadamente ou só para ouvir e apreciar?
- Tudo isso?!
- Tem muitos estilos. Acho que sei o que colocar.
Fui até onde tinham deixado a caixa, que era perto da mesa da Miiko e da Huang Hua. Karenn avisou que iria colocar algo do meu mundo para tocar. Coloquei Boogie Wonderland do Earth, Wind & Fire. Eu não me contive e comecei a dançar que nem o Driss dos Intocáveis.
- O que é isso? – Perguntou Kero.
- Não fala comigo porque estou em transe.
Algumas pessoas começaram a se animar e eu as puxava para dançar comigo, isso quando não eram outras que as puxavam. No final da música, puxei Karenn e Alajéa para perto de mim.
- Façam como eu meninas.
Eu tive que ensinar Single Ladies para elas antes de começar a tocar. Foi bem legal a gente dançando a música da Beyoncé. Duas músicas e três copos de bebida depois, eu estava coreografando Pop Stars do K/DA com uma galera tentando me imitar e depois More. Mais dois copos de bebida, eu estava rasgando a garganta com Giants do True Damage. Uma música depois, eu cantei Black Magic Little Mix em cima da mesa.
Foi passando Fifith Harmony, Beyoncé, Rihanna, Madonna, Shakira até chegar Britney Spears. Aí o povo, que à essa altura estava mais louco que o Batman, começou a se soltar ainda mais. Quando eu vi, estava dançando Despacito com Nevra, Dagma, Ykhar, Alajéa e Jamon e o Ezarel estava batucando na mesa. Nem comento do Karuto e do Feng Zifu putos com o povo cantando We Will Rock You e batendo nas mesas. Esses dois se merecem.
Coreografei Boombayah com o Nevra, o Ezarel e a Dagma, depois eu e Dagma nos juntamos à Karenn e a Alajéa para cantar e coreografar Kill This Love. Dancei Woman Like Me com a Miiko em cima da mesa e liderei uma legião em One More Time. Nem comento da performance de Power com Miiko e Huang Hua em cima das mesas com direito a pole dance em algum poste de iluminação.
Eu ainda me lembro de ver o povo se soltar completamente ao som de I Will Suvive, nem o Karuto e o Feng Zifu ficaram parados. Aquele povo bêbado dançando essa música, claro que não ia prestar. Eu estava tão bêbada que quando dei por mim, eu estava dançando Dancing Queen com Ezarel e Nevra completamente bêbados em cima da mesa. A última coisa que eu me lembro foi de estar sozinha com o Nevra no meio da multidão. Eu me virei para ele e disse:
- Duvido você beijar o Ezarel.
Ele me deu um sorriso malicioso, agarrou o elfo pela nuca e deu aquele beijo de novela. Os dois pareciam sedentos por mais. Depois disso, eu não me lembro de mais nada.
===Valkyon===
Estávamos esperando Tingsi chegar com a caixa misteriosa. Por algum motivo, ela não queria deixá-la conosco. Faz sentido, visto que ela disse possuir aquela caixa desde seu nascimento. Leiftan não estava na mesa que nos foi designada, ele conversava algo com Miiko enquanto eu, Ezarel e Nevra tínhamos tomado nossos lugares.
- Por que está tão quieto? – Perguntou Ezarel.
- É, você nem prestou atenção no que eu disse sobre a Dagma.
- Eu estava pensando. Há algo que não contei a vocês.
- O que seria?
- Lembram quando comentei que tinha encontrado a Tingsi quando voltamos da missão? Eu não apenas a encontrei como ela se jogou nos meus braços.
- Estamos falando da mesma pessoa?! – Ezarel tornou a perguntar.
- Ez....
- Eu só estou surpreso, só isso. Ela não deixa ninguém se aproximar.
- Fale por você. – Começou Nevra. – Comigo ela se abriu muito mais.
- E te deixou algemado e nu o dia todo.
- E te fez ficar atrás de mascote para coletar o cocô.
- Em todo caso, por que está nos contando isso? Te afetou de alguma forma?
- Eu não sei. Minha cabeça chega a doer quando penso no assunto.
Os dois se entreolharam por um instante e depois olharam novamente para mim. Nevra quem começou a falar.
- Valkyon, você gosta da Tingsi?
- Claro, como gosto da Ykhar, da Ewelein....
- Não é disso que eu estou falando. Digo, ela é atraente, é bonita, esperta, meio doida, mas a loucura compensa.
- Poupe-me dos detalhes, Nevra.
- Ela é encrenca, isso sim. – Disse Ezarel.
- De qualquer forma, é bom você chegar à uma resposta antes que seja tarde demais e outra pessoa roube o coração dela.
- Quer dizer, você?
- Não, eu gosto da minha vida de solteiro.
Leiftan veio até nossa mesa e se sentou. Ele parecia exausto e ao mesmo tempo frustrado.
- Aconteceu algo? – Perguntei.
- Tentei convencer a Miiko a deixar com que Tingsi se sentasse conosco, mas Huang Hua quer que ela se sente com ela. Isso vai dar dor de cabeça.
- Concordo. – Disse Ezarel. – Eu devia ter trazido algodão para tampar meus ouvidos sensíveis.
Algum tempo depois, Tingsi chegou coberta inteiramente por uma capa branca. Já sabíamos que iria arrumar confusão, principalmente por estarem preocupados com o traje dela. Quando ela colocou fogo na capa e revelou o vestido por baixo, meu queixo caiu.
Nunca tinha visto tanta beleza na vida. O cabelo verde-água contrastando com o céu noturno e a lua brilhante, seu traje se destacando na multidão, a maquiagem chamativa. Ela parecia uma princesa fenghuang como nas histórias. Mal me importei com a confusão ou com a afronta, eu não conseguia pensar em mais nada até ela se aproximar e se sentar no colo do Nevra, me deixando surpreso e ao mesmo tempo me dando uma pequena pontada de tristeza. Mesmo que se ela resolvesse se sentar no meu fosse muito estranho. Não tive coragem de dizer o quanto estava magnífica, apenas perguntei se ela não se cansava de arrumar confusão.
Quando a primeira música humana começou a tocar, ela começou a dançar de forma estranha e divertida, fazendo os demais se juntarem a ela. As músicas foram trocando e as bebidas estavam cada vez mais presentes. Quanto mais ela dançava, mais eu me via encantado, como uma espécie de feitiço.
- Dagma, você acha que ela talvez possa ser uma ninfa?
- Sabe que eu estava me perguntando a mesma coisa? Talvez seja uma lâmpade.
- Uma ninfa do submundo? – Perguntou Leiftan.
- Pelo pouco que eu ouvi dizer dela, está sempre metida em confusão, quebrando regras ou desrespeitando os superiores.
- Entendo.
Eu tinha bebido e dançado uma música ou outra, mas não demorou para que eu, Leiftan e Kero virássemos mães de bêbados e levássemos as crianças para suas devidas casas. As coisas estavam fugindo do controle, pois até Miiko dançava em cima da mesa, até mesmo Huang Hua. Tingsi também fez uma performance sensual para mim, Ezarel e Leiftan.
- You can dance, you can jive, having the time of your life! See that girl, watch that scene, dig in the Dancing Queen!
Quando eu vi, estavam Tingsi, Ezarel e Nevra cantando, dançando e fazendo performance. Nevra ficou deitado na mesa como uma musa até ser pego pela mão pelos outros dois. Estava engraçado, mas eu estava ocupado demais ajudando Kero a separar uma briga.
- Valkyon, acho que está na hora de começarmos a dispersar as pessoas. – Disse Leiftan tentando lidar com Alajéa.
- Também acho.
Ao me virar vi Ezarel e Nevra se beijando com voracidade, ambos sem camisa. Pelo Oráculo! Esses dois devem ter bebido mais que o normal. Separei os dois e levei cada um para o seu quarto antes que fizessem alguma besteira. Quando eu voltei, estava a Huang Hua se jogando para cima da Miiko, que se jogou em Kero para sair daquela situação. Eu mal cheguei até eles, pois vi Tingsi de ponta cabeça na cerejeira beijando uma garota. A garota saiu, mas um cara apareceu e a desceu de lá. Ele tinha o cabelo preto comprido e usava roupas azuis. Ele a guiava para fora da cerejeira. Eu interceptei os dois.
- Não se preocupe. – Ele disse. – Sou apenas um amigo.
- Eu nunca te vi por aqui antes. Quem é você?
- Sou aquele que você nunca conheceu, aquele que sua raça há muito esqueceu e aquele de quem precisará um dia. Posso confiá-la a você?
O homem tinha olhos incrivelmente azuis e benevolentes, não parecia uma ameaça de forma alguma. Ele entregou Tingsi aos meus cuidados. Ela estava tão bêbada que tive que segurá-la nos braços.
- Adeus, Valkyon.
Quando o homem passou por mim, eu senti uma sensação familiar e tranquila, como se eu o conhecesse e ao mesmo tempo como se fossemos íntimos, sendo que eu nunca o vi na vida. Ele andou pela multidão. Ninguém parecia se importar com sua presença e tampouco ele se importava com o que estava acontecendo. Eu o perdi de vista.
- Qinglong sabe fazer saída dramática também?
- Quem é esse?
- O dragão que passou na sua frente.
- Não há dragões há séculos.
- Mas você é cego.
- E você está bêbada.
Eu a levei para o quarto, felizmente os mascotes dormiam. Quando voltei para a cerejeira, a música tinha cessado e a caixa tinha sumido.
Chapter 18: Capítulo 18
Notes:
Esse capítulo será do ponto de vista do Leiftan. As ordens cronológicas dos eventos estarão diferentes, pois tem coisas que são antes da Tingsi aparecer em Eldarya e coisas que aconteceram durante sua passagem, mas do ponto de vista dele. Algumas coisas também aparecem no spin off dele. Dito isso, boa leitura.
Chapter Text
===Leiftan===
Ashkore tinha atacado o QG de surpresa em plana luz do dia. Eu estava cuidando para que as crianças ficassem em segurança. Após levar todas as crianças para casa, retornei à sala do cristal para relatar à Miiko quando vi o Jamon levando alguém para a prisão. Era barulhenta, mas claramente era uma voz feminina. Não era aquele irresponsável.
- Vi Jamon levando alguém para a prisão, finalmente prendemos o responsável pelo ataque?
- Eu não sei. – Miiko começou a falar. – Em todo caso ela conseguiu entrar na sala do cristal.
- Ela? Era alguém do refúgio?
- Não, uma humana.
- Estranho. Os feitiços estão funcionando?
- Foi a primeira coisa que verifiquei. Ninguém poderia se teleportar para esta sala ou entrar, já que eu estava na escadaria com Jamon.
Aquele miserável tem sorte. Discutimos mais algumas medidas de segurança e por fim fui procurar o meu sócio. Eu o encontrei na sala de alquimia com a lágrima de dragão nas mãos. Ele estava mais satisfeito que o de costume.
- Como podem deixar um objeto tão precioso ao alcance de qualquer um? Mas que imbecis.
- Se já terminou de se divertir, siga-me. Temos que sair daqui.
Eu o levei ao meu quarto. Ele estava tão despreocupado enquanto analisava a joia que pedi para que roubasse. Eu peguei a lágrima antes de pressioná-lo contra a parede. Ele abriu um sorriso debochado.
- Ora, tão cedo?
- Cale-se, seu irresponsável! Tínhamos decidido que seu ataque seria durante à noite e não durante o dia com todos acordados.
- Nós? Você decidiu. – Ele levou os dedos da mão livre para tocar meu rosto. – Que diferença faz qual hora do dia eu ajo? O importante é que eles sabem que eu posso atacar a qualquer hora.
- Eles podiam ter te capturado.
- Você está com medo que eu faça “dodoí” nas crianças? Sabe, um dia elas vão crescer e se tornarão iguais aos animais que mataram a sua família. – Eu apertei seu pulso, pois estava furioso.
- Você teve sorte que uma humana apareceu na sala do cristal. Caso contrário os esforços estariam concentrados em você.
- Uma humana, é? Não é grande coisa. Já que estamos aqui, por que não aproveitamos esse tempo?
Sua mão foi parar em minha nuca. Eu apenas respirei fundo, o soltei, pus a lágrima em cima da cômoda e me encaminhei para a porta.
- Preciso tirá-lo daqui. Enviarei Amaya quando tudo estiver calmo.
Eu saí. Eu não consigo acreditar no quão despretensioso e mesquinho ele é. Me pergunto como foi que ele se tornou líder da Guarda Obsidiana. Preciso de um plano para tirá-lo daqui sem que os outros o vejam, por isso recorri a Chrome. Ele fez uma lista de planos, um mais absurdo que o outro até que tive uma ideia. Fomos à sala do cristal, eu iria convencer Miiko a me deixar vigiá-lo e depois fingiria que fui atacado por Ashkore, Chrome iria dizer que o viu em qualquer outra direção que não fosse a cerejeira e Amaya enviaria minha mensagem ao irresponsável.
O plano deu certo. Me feri para parecer mais realista, mas não foi grave. Miiko voltou e tentou me convencer a ir para a enfermaria quando os outros membros entraram na sala com a humana. Não nego que era bonita, o cabelo verde-água parcialmente preso em arcos, os olhos lilases um pouco puxados, os lábios rosados. À primeira vista ela parecia inofensiva e perdida, mas foi só abrir a boca que eu percebi que ela poderia ser uma bela distração para a guarda. Era exatamente o que estava precisando. Kero e eu convencemos os outros membros a deixá-la ficar, pelo menos até que voltasse ao seu mundo.
Respirei aliviado, mas meu alívio durou pouco, pois não deu uma hora e descobri que aquela garota era problema. Mery tinha perdido seu mascote novamente e tido problemas com Tingsi. Ela tinha sumido quando Kero falou em arrumar um novo mascote. Ele desabafou comigo.
- Leiftan, se por acaso encontrá-la, seja gentil. Ela deve estar com medo.
- Por que acha isso?
- Pelo pouco que descobri, ela é órfã e viveu em um orfanato até os 18 anos.
- Não, se preocupe, eu serei.
Mesmo que eu não quisesse, eu não conseguia evitar de me colocar no lugar dela. Eu sei o que é ser órfão e não ter uma família, pelo menos não mais. Eu sei o que é crescer sem ninguém e estar com medo, ela deve estar apavorada. Quando eu soube que ela voltou com o mascote, fui atrás dela.
- Tingsi.
- Vai à merda.
- Como?! – Eu não tive reação.
- Veio me dar sermão, então estou te mandando à merda antecipado.
- Eu não vim te dar sermão.
- Então não vai à merda.
- Embora o que tenha feito seja muito perigoso.
- Então vai à merda.
- Você pode decidir se vai me mandar à merda ou não?
- Isso depende se vai encher o meu saco.
Decidi mudar de assunto e perguntar como o mascote estava. Dava para ver que ela estava preocupada e ao mesmo tempo arisca. No lugar dela também ficaria desconfiado. Ela acabou se tornando o pesadelo do Valkyon. Eu tinha que avaliar se ela era uma ameaça ou não, então fui conversar com ela e descobri algumas coisas sobre o mundo humano.
Miiko desconfiava que ela pudesse ser faeliana pela aparição repentina do Oráculo. Eu não estava muito convencido, mas fizeram o teste, que deu positivo. Ela entrou em negação e saiu correndo da sala. Os presentes queiram ir atrás dela.
- Deixem-na, é muito para digerir. – Pediu Miiko.
- Mesmo assim, irei procurá-la. – Me prontifiquei. – Para ter certeza de que ela não vai fazer nenhuma besteira.
- Faz bem. – Disse Valkyon. – Você e Kero são poucas as pessoas que ela não considera desagradáveis.
Eu fui atrás dela. Pelo pouco tempo em que ela esteve aqui, encontrou dois pedaços de cristal e colocou o QG de cabeça para baixo. Eu tinha que ter certeza de que ela não seria uma ameaça aos meus planos. Aquele foi o meu maior erro.
Infelizmente eu não a encontrei no QG, somente quando estava perto da floresta é que ouvi o seu grito chamando por um nome: “Xuanwu”. Nunca tinha ouvido esse nome. Será que ela tinha conexões com alguém? De qualquer forma, ela estava tão transtornada que era inútil perguntar, por pouco não fugiu de mim. Em um ato de desespero, ela se jogou em meus abraços. Fiquei em choque. Demorei a envolvê-la em meus braços. Eu precisava acalmá-la antes de voltar. Ela se separou de mim.
- Eu não sabia que esse teste mexeria tanto com você.
- Não é isso. Você alguma já se deu conta de que sua vida é uma grande mentira? Já se perguntou quem você é ou o que você é? Se o que você está vivendo é real ou só um pesadelo? Eu já não sei mais o que é real.
- O tempo todo. – Foi o que pensei.
Seria isso o que eu teria respondido se fosse sincero. Vivo escondendo minha verdadeira raça e mascarando minhas intenções, então, sim, minha vida é uma mentira. Vivi com esse medo por toda a minha vida para sobreviver. Esse medo se tornou ódio e será com ele que concretizarei meus planos. Todas as noites quando vou me deitar preciso ser cauteloso para não ser descoberto. Todas as manhãs quando eu acordo, eu sei que preciso fingir mais um dia. Esta é a minha realidade e o meu pesadelo.
Respondi outra coisa e chamei sua atenção para o fato de ser órfã. Era algo que tínhamos em comum e assim, ela confiaria um pouco mais em mim. Foi complicado falar sobre as pessoas que me criaram, eu ainda lamento muito sua perda. No entanto, diferente do tradicional discurso que deveriam ser boas pessoas ou que eu fazia bem em não procurar vingança, ela se ofereceu para me ajudar a esconder o corpo de seu assassino. Essa garota realmente existe?
Não a encontrei nos próximos dias, embora quisesse muito. Estava muito ocupado com o trabalho que Miiko me dava e as minhas conspirações. Novamente Ashkore estava no meu quarto, deitado na minha cama com se fosse a dele.
- Encontrei aquela humana na floresta outro dia.
- E?
- Não é tão tola quanto imaginei, mas ainda é estranha.
- Não acho que ela seja um problema para nós. Enquanto estiver dando problemas à guarda, podemos aproveitar cada oportunidade.
Ashkore retirou seu elmo, revelando sua verdadeira aparência: um homem de pele bronzeada, curtos cabelos brancos, olhos azuis e cicatriz no nariz. Aquele era Lance, irmão mais velho de Valkyon, que acreditava estar morto e agora era o meu aliado. Lance caminhou até mim com um sorriso cínico e me pôs contra a parede.
- Nós sabemos como isso vai terminar. – Comentei sorrindo da mesma forma.
- Dessa vez será diferente.
Ele tomou meus lábios com ferocidade. Eu já estava acostumado, então o correspondi da mesma forma. Nossas roupas foram atiradas ao chão. Ele começou a lamber meu peito e sugar meus mamilos apenas para me provocar. Apertei sua bunda e o aproximei ainda mais, roçando nossas genitálias.
Lance me jogou na cama e pôs sua virilha em meu rosto. Segurei seu pênis ereto e comecei a lambê-lo de forma lenta e torturante enquanto ele agarrou meu cabelo. Não demorei a enfiá-lo em minha boca, seu aperto em meu cabelo ficou maior, me fazendo ir mais fundo. Ele grunhiu quando enfiei um de meus dígitos em sua entrada e comecei a movimentá-lo. Inseri outro dígito e ouvi mais um grunhido de satisfação.
Senti o gosto do pré-gozo, então o afastei e o virei na cama. Sem cerimônia, deslizei para dentro dele como o de costume. Lance poderia tentar quantas vezes quiser, mas no final eu quem o possuía. Não demoramos a derramar nossos sêmens, ele em nossos abdômens e eu dentro dele. Me retirei de dentro dele e me deixei cair na cama, deleitando-me com o momento.
Lance se vestiu e saiu do quarto, ele precisava ir de qualquer forma. Fiquei observando a porta com um sorriso travesso. O que tínhamos era apenas isso, sexo bruto e sujo. Um usava o outro seja para satisfazer suas necessidades ou alcançar seus objetivos, mas seja em um ou em outro, eu estava no comando.
Algum tempo se passou e aquela humana continuava me impressionando. Eu tinha elogiado o desenho dela, que estava muito bonito por sinal, e tinha dito que queria ver mais de seu trabalho. Qual foi a minha surpresa quando em uma noite a guarda se reuniu para ver desenhos estranhos nos muros do QG? Soube imediatamente que tinha sido ela, pois nunca havia visto desenhos como aqueles antes e também quem desenharia um dragão e asas de aengel nos muros?
- Por que asas com um buraco no meio? – Eu estava realmente curioso quanto a isso.
- No meu mundo, alguns artistas fazem asas assim para outras pessoas encostarem no muro e tirar fotos. Pensa como se fosse um retrato automático.
- Acho que entendi, mas por quê?
- Pela ilusão que fica. Se afasta um pouco.
Eu me afastei enquanto ela foi até o muro e encostou nele, de forma que parecia que aquelas asas eram dela. Uma bela ilusão que daria um retrato.
- Como é que eu estou?
- Realmente, a impressão que tenho é que você pode ter mesmo asas. Mas por que asas?
- É pela sensação de liberdade. Imagina se pudesse ter asas e voar? Poder ir para qualquer lugar que você quiser a hora que quiser, sentir o vento no rosto, desbravar os céus....
Enquanto ela falava dava para ver um brilho sonhador em seus olhos. Não pude evitar contemplá-la. Eu tinha asas, podia voar, mas não podia por conta do meu disfarce. Sua visão era muito sonhadora.
- É uma visão um tanto sonhadora, não acha?
- Eu sei disso. Na Terra, se víssemos alguém com asas voando por aí, alguns tacariam pedra ou ele seria atropelado por um avião. Mas eu gosto da ilusão de liberdade. Por isso que fiz as penas parecerem vidro, para mostrar que apesar de parecer que somos livres, é apenas uma ilusão. A liberdade é tão frágil quanto essas penas de vidro.
Suas palavras me fizeram refletir. Era irônico. Asas poderiam ser um símbolo de liberdade para os humanos, pois eles não voavam, mas para mim eram reais. Eu tinha minhas asas, as plumas negras como o breu da noite, outrora brancas. Podia voar para qualquer lugar de Eldarya e ainda assim eu não era livre. Como se elas estivessem acorrentadas pela criação deste mundo, me marcando desde o meu nascimento. No final das contas eu era apenas um pássaro com asas de vidro.
A missão nas Terras de Jade levou mais tempo do que eu gostaria. Chrome tinha perdido o barco e dessa vez eu nem coloquei Ashkore dentro dele. Os dois voltaram nadando após criarem caudas de sereia, só que Tingsi se afogou. Valkyon, Nevra e eu a salvamos, mas ela tinha sequelas da experiência.
Tudo só piorou quando ela quis me provar que estava bem e entrou no mar. Ela congelou e eu tive que tirá-la de lá antes que as coisas piorassem. Foi uma cena de cortar o coração e eu sequer lembrava que uma vez tive um. Mal sabia que essa seria apenas a primeira vez.
Na noite seguinte, eu me encontraria com Ashkore na cerejeira. Meus planos foram atrapalhados quando Tingsi surgiu com os chefes da guarda para fazer uma espécie de meditação em movimento. Dei uma desculpa qualquer e não pude recusar, mas por dentro estava tenso. Esperava que não demorasse ou que Ashkore não fizesse nenhuma besteira.
Ela começou a se movimentar de forma dura, como se estivesse tensa e com muitos pensamentos na cabeça. Conforme ela se movimentava, parecia que suas dúvidas se esvaíam, dava para ver em seu rosto. Tingsi passou a se movimentar sozinha e com aquele leque de forma tão fluida e graciosa que parecia natural. Em algum momento ela deve ter começado a dançar.
Eu só conseguia olhar maravilhado para ela, hipnotizado por seus movimentos. Não apenas eu, mas os outros também e parece que a natureza também. O vento brincava suavemente com seus cabelos enquanto carregava pétalas das flores da cerejeira, a lua a iluminava com sua luz prateada, a grama se mexia com o farfalhar do vento e os sons dos mascotes noturnos compunham a cena. Eu nunca tinha visto tanta beleza e tanta graça, ainda mais da mulher que há poucos minutos estava ameaçando a enfiar o leque no orifício de Ezarel. Infelizmente o espetáculo acabou e todos foram embora, mas eu permaneci. Ashkore apareceu.
- Já tinha visto algo tão belo, Ashkore?
- Ah, por favor! Não vá me dizer que caiu nos encantos daquela garota. – Ele zombou.
- Não sabia que iria ter tanto ciúme.
- Meu caro daemon, por que acha que eu teria ciúmes de uma humana tão insignificante?
- É aengel e Tingsi é faeliana. Ainda não sabemos sua ancestralidade.
- Talvez ela seja uma lorialet e depois dessa noite seu disfarce irá por água abaixo.
Aquilo me deixou inquieto. Não tinha pensado sobre o assunto, na verdade, a ancestralidade de Tingsi não me importava. Preciso descobrir e ter certeza que ela não é uma lorialet ou arrumar alguma forma de mandá-la de volta ao seu mundo. Caso contrário terei que eliminá-la e isso seria uma pena.
Quando ela ficou extremamente bêbada a ponto de transformar o salão principal em um teatro musical, ela começou a procurar pelas amigas. Nenhum de nós queria dizer que elas não estavam ali. Eu me aproximei e me identifiquei, logo ela percebeu que não estava em seu mundo, me agarrou e começou a chorar. Eu não sabia o que fazer, então deixei Valkyon cuidar disso. Mesmo assim, me senti mal por ela.
Visitei seu quarto no dia seguinte. Tinha passado a noite em claro pensando em como tinha sido sua vida na Terra, pensando do que a estávamos privando. Quando eu imaginaria que faria algo assim? Descobri o celular e conheci seus amigos, pelo menos por fotos. Suas amigas eram lindas e muito diferentes umas das outras e como aquele cara conseguiu fazer aquela pose sem esmagar os testículos?!
Soube que ela ficou em choque após ter eliminado minha primeira aliada, Yvoni. Ela já era instável antes de vender a ideia de um mundo de paz. Com o passar do tempo ela enlouquecia cada vez mais, principalmente depois de ingerir um pedaço do cristal. Eu teria que eliminá-la cedo ou tarde.
Tingsi recebeu a missão de limpar suas cinzas. Fiquei chocado com isso, mas quando ela mencionou algo sobre enfrentar seus “demônios”, entramos em uma discussão interessante sobre anjos e demônios e como os humanos os viam. Resolvi fazer uma pergunta arriscada.
- Você acredita nisso? Digo que esses “demônios” que fala sejam ruins?
- “Acredito que até mesmo os demônios possam ser perdoados”.
Não tive palavras para rebater esta frase, na verdade eu mal esperava ouvir esta frase na vida.
- Tirei isso de um livro do meu mundo. Heresia, é um livro muito bom, o problema é que como é um suspense histórico você pode não entender muita coisa.
Ela começou a falar do livro e de seu mundo novamente. Fomos limpar as cinzas da Yvoni juntos. Eu gosto de conversar com ela. Tingsi tem uma mente tão aberta e pensamentos que me fazem refletir. Me pergunto como ela reagiria ao me ver como eu realmente sou. Ficaria com medo de mim? Com raiva? Me odiaria? Me perdoaria? Só de pensar nisso sinto um embrulho em meu estômago juntamente com a possibilidade de eliminá-la.
Quase não a vi desde então. Estava ocupado com os preparativos da chegada da Huang Hua e dos fenghuangs. Eu andava entre a sala do cristal e o mercado quando fui falar com Purral e a encontrei com uma roupa em honra à Huang Hua. Ela estava deslumbrante, linda como eu nunca a vi. Eu me ofereci para pagar o colar para ela, depois eu percebi o quanto tinha gastado naquele colar. Afinal, por que eu gastei 400 maanas em um colar para aquela humana?!
- O que está acontecendo comigo?!
Era o que eu me questionava após me sentar na beirada da cama bagunçando meus cabelos. Amaya estava do meu lado. Não conseguia acreditar o quanto tinha me apegado àquela humana. Amaldiçoei o dia em que ela pôs os pés em Eldarya. Tingsi me deixava confuso, no entanto eu gostava de sua amizade, de nossas conversas, de seus pensamentos e até de sua forma sincera de se expressar. Era só o que me faltava. Eu me aproximando de uma humana.
Huang Hua finalmente chegou ao QG. Em pouco tempo de conversa eu percebi o quanto essa mulher me irritava. Algo em seu comportamento me levava a acreditar que era dos mais falsos e hipócritas. Eu não conseguia acreditar que uma personalidade tão tagarela e cheia de maneirismos pudesse ser sincera. Para piorar, Miiko cedeu ao capricho de Huang Hua para tornar Tingsi sua escolta. Algo me diz que isso não vai prestar.
Me reuni com Ashkore em meu quarto. Ele havia se esgueirado até lá e queria agir, mas eu precisava mantê-lo sob controle. Estava dando um sermão para ele não ser imprudente e não tentar nada por enquanto, ainda mais agora com os fenghuangs e que teria que ser paciente.
- O que aquela idiota está fazendo?!
Quando me virei, eu só consegui vislumbrar o cabelo e a mão de Tingsi pela minha janela. Meu coração deu um pulo, fui até lá correndo. Se ela nos viu podemos ficar encrencados e também, as janelas dão para o penhasco. Corri até a janela e a vi caminhando pelo estreito parapeito que tinha. Eu abri a janela por impulso.
- Pelo oráculo! – Gritei sem perceber. – O que você está fazendo?!
- Leiftan, eu juro que se gritar ou vier atrás de mim, eu me jogo! – Aquilo não parecia ser uma brincadeira.
- Acalme-se, por favor. Seja o que for, a gente pode....
- Eu quero ficar sozinha! Será que é pedir demais?!
Ela estava tão furiosa que eu recuei com um medo irracional de que ela fosse cumprir a promessa. Ashkore me trouxe de volta à realidade.
- Ela nos viu?
- Eu não sei. Está tão furiosa que provavelmente vai fazer alguma besteira.
- Por que ela pode se divertir e eu não?!
- Ela não faz parte dos nossos planos. – Fui categórico.
- Sabe que se ela for lorialet....
- Eu sei o que eu tenho que fazer.
Eu precisava segui-la, então voltei para a janela, abri minhas asas e voei. Fiquei aliviado quando ela saltou para terra firme. Tomando todo cuidado para não ser visto por ninguém, eu a segui. Ela foi para a praia, onde pegou uma caixa estranha com a Dalafa Noturna e se afastou. Ela passou a rocha isolada e foi para ainda mais longe, onde se sentou com a tal caixa no colo e fechou os olhos em meditação. Mais aliviado, eu voltei ao meu quarto.
- E então?
- Ela está bem, mas tenho a impressão de que a dor de cabeça só está começando.
Não deu dois minutos e Ezarel bateu à minha porta. Eu a abri com cuidado e saí.
- Leiftan, você viu a Tingsi? Ela não está no quarto.
- Não, o que houve?
- Eu fui implicar com ela só de brincadeira e ela mandou Feng Zifu tomar naquele lugar. Eu tentei contê-la, mas ela se demitiu do cargo de serviçal e você já deve imaginar a situação.
- Reúna Valkyon e Nevra, nós vamos procurá-la. Não vamos causar uma cena. Diga à Huang Hua que Tingsi está indisposta. Invente alguma emergência.
- Certo.
Voltei a entrar no quarto. Ashkore estava morrendo de rir.
- Quer dizer que a garota problemática mandou o velho fenghuang tomar no cu? Eu queria ter visto isso.
- Aproveite a situação para sair daqui.
Me reuni com os chefes da guarda e começamos a procurá-la. Quando me afastei deles, fui para o exato local em que ela estava. Tingsi estava na mesma posição que a tinha deixado, imóvel, parecendo uma pedra. Chamei pelo seu nome, mas nada aconteceu. Pensei em tocá-la, mas eu me lembrei do relato de Nevra que ela podia entrar no limiar entre o mundo material e o espiritual. Ela poderia estar lá e isso seria uma péssima ideia.
Eu estava preocupado. Sua atitude imprudente, a fúria em seus olhos, a possibilidade de ter me visto com Ashkore, seu estado atual, a incerteza sobre sua raça e se deveria matá-la. Fiquei aliviado quando ela abriu os olhos. Ela se desculpou várias vezes e me abraçou. Demorei a corresponder. No fim, estava aliviado que estava tudo bem e ela só precisava se acalmar.
Encontramos os outros e ela nos contou os desaforos que ouviu durante o dia. Tive que concordar com Ezarel: como ela ainda não tinha posto fogo nas roupas de Feng Zifu? Retornamos ao QG para os últimos preparativos e em momento algum ela comentou sobre Ashkore comigo. Fui falar com Miiko.
- Miiko, será que Tingsi pode se sentar na mesa dos chefes da guarda?
- Sinto muito, Leiftan, mas Huang Hua quer que ela se sente conosco. Ela mesma quem a escolheu para guiá-la pelo QG.
- Pelo que eu saiba, ela se demitiu do cargo.
- Eu sei, Ezarel me contou. Vocês a acharam?
- Sim e é por isso que estou te pedindo esse favor. Creio que ela ficará mais confortável conosco e seria bom evitarmos uma cena.
- Sim, eu pensei nisso. Eu queria muito poder te fazer esse favor, mas infelizmente minhas mãos estão atadas. Acredite, eu tentei convencer Huang Hua, mas ela está tão curiosa a respeito da Tingsi e o mundo humano que não vai abrir mão dessa escolta facilmente.
Era uma batalha perdida. Fui para a mesa dos chefes da guarda comunicar o que tinha acontecido. Todos nós concordamos que isso seria uma péssima ideia. Foi quando Tingsi entrou com uma capa branca e capuz chamando a atenção negativa de todos. Ela colocou fogo naquele traje e ele revelou um ainda mais bonito e usando o colar que eu comprei para ela. Não pude impedir meu queixo de cair. Tudo o que eu fazia era contempá-la, mesmo que ela estivesse afrontando os outros. A noite parecia favorecer sua beleza. Ela veio até nossa mesa e se sentou no colo de Nevra. Admito que fiquei incomodado com aquilo.
- Não me olhem com essas caras, eu me sentei aqui porque não queria deixar vocês dois desconfortáveis e o Ezarel me jogaria no chão. Já Nevra não presta tanto quanto eu.
- Hei!
Nós rimos. É verdade que Nevra não vale um maana, mas quem aqui vale? Huang Hua apareceu, mas só deixou Dagma em nossa mesa. Aquela ninfa que pensei só ser enfeite parece que tem voz. Miiko tinha me contado sobre a nova aparição do Oráculo, provavelmente unindo os destinos de ambas.
Pensei que seria uma noite tranquila, mas desde a chegada de Tingsi ao QG a tranquilidade passou a ser um artigo de luxo. As músicas do mundo humano começaram a tocar e as pessoas a se embriagar com a bebida. Tingsi dançava e cantava em meio as pessoas. O que me surpreendeu foi a quantidade de pessoas que foram dançar, inclusive também tive vontade de dançar. Dancei algumas músicas antes de voltar a me sentar junto com Valkyon e Dagma.
- Dagma, você acha que ela talvez possa ser uma ninfa? – Perguntou Valkyon.
- Sabe que eu estava me perguntando a mesma coisa? Talvez seja uma lâmpade.
- Uma ninfa do submundo? – Perguntei.
- Pelo pouco que eu ouvi dizer dela, está sempre metida em confusão, quebrando regras ou desrespeitando os superiores.
- Entendo.
Lâmpades são as chamadas ninfas do submundo. Dizem que elas são filhas das almas do mundo dos mortos e possuem uma luz que brilha na mais profunda escuridão, mesmo que seja causada por magia. Tingsi é faeliana, bonita, com uma voz maravilhosa, adora as artes, vê espíritos e é problemática como o inferno. É possível que ela seja uma lâmpade. Fiquei mais aliviado. Se for verdade, não preciso me preocupar em matá-la para ocultar meu disfarce.
A festa ia ficando cada vez mais animada e cada vez mais fora de controle. Tingsi fez uma performance sensual para mim, Ezarel e Valkyon, Ykhar veio flertar comigo e eu tive que descer Alajéa das costas do Jamon pensando que ele era uma espécie de montaria.
- Valkyon, acho que está na hora de começarmos a dispersar as pessoas.
- Também acho.
Fomos eu, Valkyon e Kero apaziguar as pessoas antes de enviá-las às suas casas. Em um momento vi Ezarel e Nevra se beijando de forma intensa, seus torsos inteiramente despidos. Esses dois devem ter bebido mais do o normal, pois isso nunca tinha acontecido. Valkyon cuidou deles. Algum tempo depois, eu o vi de novo, mas dessa vez com Tingsi e um homem que não consegui identificar. A música cessou um pouco antes de Valkyon retornar.
- Cadê a caixa da Tingsi?
- Você não a levou junto com ela?
- Não, eu levei só a Tingsi.
- Eu não prestei atenção. Pelo menos sem música eles devem se acalmar um pouco e voltar para suas casas.
- Isso se não dormirem pelos jardins. De qualquer forma, cuidarei disso amanhã.
Deixamos os bêbados e voltamos aos nossos quartos. Eu estava exausto com tudo o que tinha acontecido naquele dia. Mais do que nunca eu precisava do corpo de Lance para ocupar meus pensamentos, mas ele já tinha ido há muito tempo.
Chapter 19: Capítulo 19
Notes:
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Chapter Text
Acordei com uma ressaca dos infernos. Minha cabeça girava, então nem me levantei. A cortina foi aberta com violência, fazendo o sol fritar o meu cérebro.
- Mas que porra?!
- Bom dia, milady. Dormiu bem?
- Zhuniao! Mas que merda você está fazendo aqui?!
- Vim pegar meu vestido de volta. Também vim te entregar isso. Seja uma boa menina e beba tudo.
- O que é isso?
- Suco de abacaxi com hortelã e gengibre. Ótimo para a ressaca.
Bebi o suco. Tentei me lembrar dos eventos da noite anterior, mas nada vinha à cabeça. Depois eu penso nisso, primeiro tenho que lidar com a ressaca e o vestido.
- O que achou do espetáculo?
- Simplesmente divino. Principalmente com você dançando Dancing Queen com o vampiro e o elfo e liderando a cantoria em I Will Survive.
- Eu fiz isso?! Espere, como eu vim parar aqui?!
- Isso importa? Eu só vim pegar meu vestido de volta.
Me troquei e entreguei o vestido, os sapatos e os adereços de cabelo a ele. Ele entrou no meu armário e foi para Nárnia. Pouco tempo depois bateram à minha porta. Era Kero me pedindo para ver a Miiko na sala do cristal. Terminei o resto do meu suco, saí do quarto e fui lavar o rosto. Inferno, nem tomei café da manhã.
- O que é, Miiko?
- Pode falar mais baixo?! Minha cabeça está doendo. – Pelo visto ela está com mais ressaca do que eu.
- Não é melhor a gente cuidar da ressaca antes de me dar uma missão? Ainda nem tomei café.
- Podemos fazer isso.
Fomos até o salão principal. Preparei outro suco de abacaxi com gengibre e hortelã além de pegar algumas frutas para comermos. Não confiei em Karuto, do jeito que ele gosta de mim, iria cuspir na minha bebida.
- O que aconteceu ontem? – Perguntei.
- Eu não sei muito bem. Não me lembro de muita coisa.
- Nem eu. Tem algum feitiço que faça a gente se lembrar?
- Na verdade tem, mas não é uma boa ideia. No entanto, pode ser que a gente tenha esquecido alguma coisa muito importante.
Acabei tendo que juntar a Miiko, Leiftan e os chefes da guarda no laboratório de alquimia. Eu só estava junto porque insisti muito e Valkyon concordou comigo para ver as minhas merdas, senão ia só a elite mesmo. Karenn também veio, mais para fofocar e descobrir os nomes das músicas. Eles fizeram uma espécie de poção que funcionou como um grande flashback. Ezarel explicou que ela só podia reviver memórias de no máximo uma semana. Começou com o que eu lembrava até que chegou a Pop Stars.
- Eu me lembro dessa dança. – Disse Valkyon.
- Não é possível, ela é bem recente.
- Você dançou da primeira vez que estava bêbada no meio da cantina. E cantou também.
- Qual o nome dessa música? – Perguntou Karenn. – Ela é bem legal e a dancinha também.
- Pop Stars. É se um grupo chamado K/DA. São personagens de um jogo, mas a empresa que o criou fez uma espécie de universo paralelo em que eles são estrelas da música.
- Como os personagens cantam?
- Eles não cantam. São cantores de verdade que emprestam suas vozes para eles.
- Entendi. – Começou a parte de More.
- Essa música também é do grupo, se chama More.
- Tem mais?
- Sim. Tem The Baddest e as músicas solo de cada uma das integrantes que são Villain, Drum Go Dum e I’ll Show You.
- Posso ouvi-las?
- Claro, só preciso pegar a caixa.
- Tingsi, sobre isso.... – Começou Valkyon. – Não achamos a sua caixa em lugar nenhum ontem.
- Está no meu quarto, apareceu lá hoje de manhã. Karenn, está ouvindo essa música que está tocando?
- O que tem?
- É de uma das interantes do grupo com outros personagens. Eles formam o True Damage.
E começou uma seleção pop muito boa com todo mundo dançando. Eu nunca imaginei o Jamon dançando Despacito. Parecia o Hulk dançando. Eu nem me lembro de ter me juntado à Dagma para coreografar Womanizer com o Nevra. Nós duas o jogamos em uma cadeira e ficamos sensualizando e dando foras nele.
- Isso eu não me lembro. – Comentei.
- Mas a música é bem a cara dele. – Provocou Ezarel.
- Eu não sou mulherengo.
- E eu odeio mel.
- Poxa, Ez.
O povo começou a cantar We Will Rock You batucando nas mesas e o Karuto e o Feng Zifu estavm putos. Eu me vi dançando Boombayah com o Nevra, o Ezarel e a Dagma e depois eu e Dagma nos juntamos à Karenn e a Alajéa para cantar e coreografar Kill This Love. Pelo visto a Karenn gostou de K-pop porque ela insistia em voltar naquela lembrança, mas infelizmente não podia. Me vi coreografando Woman Like Me com a Miiko na mesa, sendo que ela parecia a Madonna nas poses.
- Que vergonha. – Disse a Kitsune cobrindo o rosto.
- Não sabia que movimentava as pernas assim. – Provocou Nevra.
- Ou que você sabia se divertir. – Dessa vez foi Ezarel.
- Já chega vocês dois!
- Admita que você se divertiu. – Falei.
- Um pouco.
Liderei uma legião em One More Time com Ezarel e Nevra super empolgados e fiz uma performance de Power com Miiko e Huang Hua com uns movimentos de pole dance que nem sabia fazer ainda. Nós performamos de novo, dessa vez ao som de The Baddest junto com a Dagma, só as patroas, e eu nem me lembrava.
- Karenn, essa é uma das músicas que falei. Eu nem me lembrava disso.
- Eu também não. – Admitiu Miiko.
- Mas vocês conseguiram quebrar as regras e os corações em dois. – Ela estava se divertindo com aquilo. – Eu gostei dessa também.
Vimos o povo saindo do armário ao som de I Will Survive, até o Karuto e o Feng Zifu estavam dançando juntos, o que foi uma cena no mínimo tenebrosa e ainda foi Ezarel se meter no meio. Os três começaram a performar juntos.
- Só para constar, eu estava bêbado. – Defendeu-se o elfo.
- Mas eu nem falei nada. – Nevra morria de rir ao meu lado.
- Nevra!
Escutei a conversa de Valkyon, Leiftan e Dagma sobre eu ser uma possível ninfa do submundo.
- Sério isso?!
- Você sabe cantar, dançar e influenciar os outros com isso. – Disse Valkyon.
- E é extremamente problemática também. – Disse Ezarel.
- Eu não influenciei ninguém, foi a bebida.
- Mesmo que não seja uma lâmpade, é provável que seja uma ninfa. – Disse Leiftan.
- Tem algum teste para comprovar?
- Talvez seja melhor perguntar à Dagma. – Disse Miiko. – Não sabemos muito sobre elas.
Eu sei que depois, as coisas ficaram ainda mais loucas. Ezarel tirou a parte de cima de suas roupas e rodopiou a camisa ao som de Super Junior, eu e Nevra coreografamos For Your Entertainment do Adam Lambert, sendo que eu sensualizava para Ezarel, Valkyon e Leiftan e ele para algumas garotas antes de sensualizarmos juntos. Ele até arrancou a camisa. Vi Ezarel, Nevra, Karuto e Jamon dançando YMCA e rachei de rir.
Depois estávamos eu, Ezarel e Nevra dançando Dancing Queen pelo lugar, sendo que Nevra fazia umas poses de diva muito engraçadas. Teve uma hora que eu e Nevra não sei por que começamos a nos desafiarmos a beijar determinados tipos de garotas. Eu não me lembro de nada disso. Todos me olharam espantados com exceção do vampiro, que também estava recebendo os olhares.
- A nossa Tingsi aqui é bissexual. – O vampiro passou o braço pelos meus ombros.
- Significa que eu gosto tanto de caras quanto de garotas. – Expliquei. – O Nevra descobriu ontem e já está se aproveitando disso.
- Eu? Imagine.
- Eu sabia que essa amizade não ia prestar. – Comentou Karenn.
- Vocês dois juntos conseguem ser piores que só Nevra e Ezarel juntos! – Exclamou Valkyon.
- Eu te disse que a gente não prestava.
- Fale por você. Eu presto. – Disse o vampiro convicto.
- Para vender colchão, só se for.
Ezarel começou a rir e Nevra fez uma cara sinistra, mas ela durou pouco. Eu tinha desafiado o Nevra a beijar o elfo e assim foi feito. Os dois começaram a se beijar de forma sedenta e estavam sem camisa. Parecia que eles tinham tesão encubado. Na mesma hora os dois ficaram vermelhos e quietos enquanto assistiam à lembrança. Valkyon quem os separou e levou cada um para o quarto enquanto Leiftan e Kero tentavam colocar alguma ordem naquele cabaré.
Eu tinha ido dançar com outras pessoas, gritei “olha o corno” quando vi o Karuto, por sorte ele não tinha visto que fui eu, comemorei o beijo de um casal como se fosse a Copa do Mundo e resolvi reproduzir o beijo do Homem Aranha com uma garota na cerejeira. Quando ela saiu por pouco eu não caí, ao invés disso eu fui descida por Qinglong e entregue ao Valkyon, que lançou uma conversa muito estranha. Eu nem lembrava disso, para falar a verdade a última coisa que eu realmente me lembro é do beijo do Ezarel e do Nevra.
- Quem era aquele homem? – Perguntou Leiftan.
- Eu não faço ideia. – Disse Valkyon. – Já o tinha visto?
- A última coisa que eu me lembro foi do beijo do Ezarel e do Nevra. Nem das piruetas eu me lembro.
- Você o chamou de dragão.
- Valkyon, eu estava muito bêbada. Eu chamei o Karuto de corno!
- Isso explica por que alguns engraçadinhos estavam gritando isso para o Karuto. – Disse Miiko.
Ezarel e Karenn abriram sorrisos travessos. Pelo visto esse meme vai durar. O flashback acabou. Todos saíram da sala, menos eu e Miiko.
- Tingsi, eu ainda preciso falar com você.
- Sobre?
- Você ainda tem acompanhar Huang Hua em sua visita oficial ao QG.
- Nem fodendo! Olha Miiko, eu não tenho nada contra a Huang Hua, ela parece ser bem espirituosa, mas eu não suporto aquele velho!
- Eu sei. Infelizmente Huang Hua quer especificamente você. Não tem muito o que eu possa fazer.
- Que tal mandar para a casa do caralho? Eu realmente tentei, Miiko, de verdade.
- Tente só mais dessa vez. Prometo que não vai demorar muito.
- Ok, mas se pau no cu do Zifu vier encher o meu saco, eu quebro ele de porrada.
- Eu não faria isso. Ele é bom lutador.
Nesse caso eu fui me encontrar com eles com dois leques só por garantia. Os deuses me ensinaram a desarmar uma pessoa sem precisar de arma, mas é bom me garantir. Eu os encontrei no salão principal. Karuto, como sempre, estava todo dengoso para cima do velho. Aproveitei para me desculpar com ele por qualquer inconveniente quando estava bêbada, mas não sóbria. Ao contrário do que pensavam, eu estava com a mesma roupa que fui para a praia no dia anterior.
- Bem, vocês já conhecem uma parte do jardim. Posso mostrar o resto e os arredores. Tem uma floresta e tem a praia.
- A praia seria ótimo. – Disse Huang Hua.
- Madame, eu não acho....
- Não seja tão protetor, Zif.
Mostrei a eles e me segurei para não encher o velho de porrada. Preferi conversar com Dagma.
- Então, como você acabou com esses dois?
- Eu queria explorar o mundo. Minha mãe disse que desde criança eu era curiosa. Quando alcancei a maioridade, ela disse que estava na hora de responder o meu chamado, então parti.
- E você explorou Eldarya inteira?
- Não, só uma parte. Eu acabei parando no templo da Dama Huang Hua para conseguir alguns maanas em troca do meu trabalho. Eu não iria ficar por muito tempo, mas me senti tão bem acolhida e fiz amizade com a irmã dela que eu acabei ficando.
- Ela tem uma irmã?
- Tem duas. A princesa Huang Jia se mudou para o templo para auxiliá-la, já a princesa Huang Chu mora com os pais em terras mais distantes.
- Você e essa Huang Jia são boas amigas?
- Sim. Eu gosto muito dela.
- Como é a cidade das ninfas?
- Não é bem uma cidade, nós moramos em uma vila ao longo de um rio. E a Terra?
- É um lugar com muitas cidades, paisagens de todo tipo, prédios altos.
- Vocês estão falando sobre o mundo humano? – Intrometeu-se Huang Hua.
- Mais ou menos. O que quer saber?
- Tudo.
- Tudo é muita coisa. Tem algo mais específico?
- Como vocês vivem?
- Depende. Cada país tem seu modo.
- Como você vivia? – Perguntou a ninfa.
- Bem, eu estava morando no dormitório da faculdade com minha colega de quarto, estudava, trabalhava em um bar para pagar as contas, saía com os amigos, via memes na internet....
- O que é isso?
Lá fui eu de novo tentar explicar o que era internet para o povo enquanto eu mostrava a floresta e a praia. Tentei explicar que usávamos para pesquisar coisas, comprar coisas, jogar, enfim, tudo isso com um clique.
- Isso é incrível! – Huang Hua estava maravilhada.
- Eu não sabia que existia esse tipo de magia na Terra. – Tornou a dizer a ninfa.
- Se existe magia, é bem rara e ninguém sabe usar. O que temos é tecnologia, o resultado de anos de pesquisas, aprimoramentos e invenções. Lembrei de um jogo que uma amiga me mostrou uma vez. Vocês sabem o que é RPG?
- Não. – Responderam todos.
- Basicamente é um jogo de ficção que você pode criar um personagem do jeito que quiser, mas é claro que rem umas regras a serem seguidas dependendo do universo. Tem um monte de regras também e eu não sei explicar direito. É muito complicado.
- Se não sabe explicar e é complicado, por que está falando disso? – Perguntou o pau no cu.
- Já vou chegar lá, velho chato. – Ele ficou puto. – No universo desse jogo tem deuses de várias raças: elfos, anões, vampiros, minotauros.... Uma das deusas, que é a deusa da ambição, da aventura e criadora dos humanos tem um lema muito bom.
- Que seria?
- “Se todos fossem felizes com o que já têm, ainda estaríamos vivendo em cavernas!”. – Todos ficaram surpresos. – Pode ser apenas um jogo fictício, mas é isso que define os humanos. Nunca estamos parados no mesmo lugar.
Voltamos ao QG e Huang Hua queria que eu fizesse parte da reunião. Eles estavam em uma discussão sobre onde ia ficar a flauta. Fiquei de saco cheio e falei para ficar com os fenghuangs, afinal era deles, então que fizessem o que quisessem com ela, nem que fosse para enfiar no rabo. Bem, eu não falei essa última parte, mas deu para entender.
Enquanto acertavam os detalhes, fui comer e treinar. Revisei todas as armas e golpes que sabia o máximo que pude e pulei entre os troncos. Voltei só à noite, que foi quando eu chamei a Karenn para ouvir as músicas que tinha prometido. Ela foi ao meu quarto com Alajéa. Conversamos um pouco e depois as expulsei do meu quarto. Liguei o notebook e fui atrás de um PDF de A Arte da Guerra.
- Eu sempre preferi a mídia física. – Disse Xuanwu aparecendo de repente.
- Eu também prefiro, mas não quero correr o risco na biblioteca e não tenho esse livro.
- Pode pegar o meu. Não se preocupe, eu tenho outros exemplares.
- Quer jogar alguma coisa?
- Escolha o jogo.
- Majong. Eu sei que não é divertido só com duas pessoas....
- Majong está ótimo.
Surgiu uma mesa de majong no quarto. Fechei o notebook e fui jogar.
- Por algum motivo eu sempre gostei de majong.
- Talvez seja apenas sua preferência.
- Xuanwu, eu sei que essa jornada é minha e vocês não dão spoilers, mas você acha que eu posso ser uma lâmpade?
- Posso achar muitas coisas e estar errado sobre todas elas.
- Meus amigos estão muito preocupados com meu sumiço? – Não pude evitar sentir uma pontada no peito.
- Você fez bons amigos, talvez mais do que isso. Eles não param de pensar em você. Tem lido algo ultimamente?
- Eu mal tenho tempo para ler ou acho livros interessantes. Afinal, já saiu aquela série de livros nova? Eu estava louca para ler.
- Aquele romane policial que se passa em uma Helsink vitoriana?
- Esse mesmo.
- Já. Quer saber minha opinião?
- Claro!
Conversamos sobre livros e histórias até ficar exausta. Gosto de conversar com ele, mesmo que seja sobre o tempo. No dia seguinte, a comitiva fenghuang estava pronta para partir. Me despedi da comitiva no portão. Achei que teria o dia livre, mas Miiko me deu uma missão.
Notes:
O livro sobre o qual estão conversando é um projeto de fanfic minha de Hetalia que nunca terminei. XD Espero que tenham gostado, se possível comenetem para eu saber o que estão achando da história. =D
Chapter 20: Capítulo 20
Chapter Text
A missão me levou até Balenvia com Valkyon. Era um vilarejo de arquitetura medieval sem muita coisa para fazer. Chrome já estava lá com Valarian desde a vinda dos fenghuangs, mas eu nem tinha prestado atenção. Ele estava reclamando sobre estar plantado lá há uma semana.
- Deve ser um saco mesmo não ter nada para fazer.
- Ainda bem que você me entende!
- O que está acontecendo mesmo? Eu meio que dormi durante a explicação.
- Tem uma doença estranha na região. O ponto em comum é a caverna, todos passaram por lá, mas não encontraram nada. Ontem mesmo o guarda da vila ficou doente.
- Quais eram os sintomas mesmo?
- Sei lá, eu pareço médico para você?
- Não é por nada não, mas cavernas não deixam as pessoas doentes a menos que seja relativo à umidade.
- Eu sei disso.
- Deve ter alguma coisa lá.
- Está falando o óbvio.
- Vamos falar com Valkyon.
Fomos até a entrada da caverna ver Valkyon. No caminho refleti o que estava acontecendo. Ewelein ia e vinha a semana toda para acompanhar os doentes. Tinha alguma coisa na caverna que os estava deixando doentes, o que não fazia sentido.
- Chrome, Tingsi, o que estão fazendo aqui?
- Viemos ver como estão as coisas. Alguma notícia?
- Nada. Irei dar outra olhada na caverna.
- Podemos ir com você? – Perguntou Chrome.
- Não até descobrir com o que estamos lidando. Não quero arriscar vocês.
- Valkyon, a gente é grande o suficiente e não é você quem diz que a experiência faz a força?
- Sim, mas desde a última visita do Ezarel a situação está fora de controle. Não quero que aconteça algo com vocês.
- Não seria melhor proibirmos o acesso à caverna e isolarmos a área? – Perguntei.
- A caverna é importante para os moradores, pois é aqui onde pegam musgos e ervas medicinais, além de muitos habitantes serem mineradores.
- E é aí onde estão adoecendo. É mais lógico proibir o acesso até a gente resolver.
- A gente pode até tentar, mas isso não vai impedi-los de entrar.
- Era só o que me faltava, um monte de retardado furando bloqueio sanitário!
- Tingsi! Não fale assim dos moradores.
- Valkyon, as pessoas entram nessa caverna, elas ficam doentes e estão pouco se fodendo para isso. Quanto tempo você acha que vai levar até alguém morrer?!
Os dois ficaram chocados. Valkyon entristeceu, mas alguém precisava dizer.
- Você acha que alguém vai morrer? – Perguntou Chrome.
- Tenho certeza. Não faz muito tempo e meu mundo enfrentou uma pandemia, um vírus que estava adoecendo pessoas. Enquanto não achavam uma vacina, nós tínhamos que ficar em casa, usar máscaras nas ruas, lavar bem as mãos e o mais importande: não aglomerar ou tocar em outras pessoas. O comércio, as escolas, tudo ficou fechado e só serviços indispensáveis e essenciais estavam funcionando.
- Acha que pode ser esse vírus?
- Claro que não, Chrome. Até porque parecia como uma gripe, só que com dificuldade para respirar nos casos mais graves. Acontece que nesse tempo teve muito retardado fazendo festa com 200 pessoas, gente sem máscara na rua, gente cagando e andando para as normas de segurança. O que aconteceu? O vírus se espalhou, começou a matar gente e mesmo assim o povo estava cagando para isso. Não é muito diferente do que está acontecendo aqui.
- Vocês conseguiram achar uma cura para esse vírus? – Perguntou Valkyon.
- A gente conseguiu desenvolver vacinas, mas isso demora até mesmo para testarem a eficácia. Demoramos um ano para encontrar, testar e comprovar a eficácia e aprovar as vacinas e outro para imunizar a população. Teve problema na distribuição e tem lugares que demoraram mais para conseguir vacinar a população. Outros nem conseguiram vacinar toda sua população.
- Isso é triste. – Disse Chrome. – Como foi que isso começou?
- Eu não me lembro, mas não foi em uma caverna com certeza.
- Vocês podem questionar os moradores.
- De novo?!
- Sim.
As ordens do Valkyon foram só para dar alguma coisa para a gente fazer porque no final foi a mesma coisa. Informações vagas, alguns me tratando com desconfiança porque eu sou humana, mas me respondendo porque sou da guarda e eu tinha que me segurar para não mandar tomar no cu. Comecei a me questionar se não era algum vazamento químico vindo daquela caverna.
- Chrome, eu acho que estamos fazendo tudo errado.
- O que quer dizer?!
- Talvez a gente deva interrogar os doentes para saber o que estavam fazendo e perguntar se houve escavações recentes e encontraram alguma coisa que não devia.
- Não custa tentar, mas muitos doentes foram levados ao QG e não podemos ir para lá.
- Merda.
Não tivemos muitas informações, tínhamos que ir até as grutas. Valkyon tinha voltado de lá e contamos a ele sobre nossa investigação.
- A gente precisa ir até lá. – Falei.
- É arriscado demais. Não quero que sejam contaminados pelo veneno.
- Espere aí, veneno? Valkyon, você só me diz isso agora?!
- O que tem?
- Isso muda tudo! Não é uma doença qualquer. A gente tem que descobrir que veneno é esse.
- É o que Ewelein está fazendo. Mas até lá, vocês dois não devem entrar nas grutas.
- Vem Tingsi, vamos até a estalagem.
Segui Chrome até lá. Minha cabeça fervilhava de pensamentos e frustrações.
- Eu sei por que ele não quer que a gente entre nas grutas.
- E só agora você me diz?!
- Eu vi o caderno dele enquanto vocês discutiam. Enquanto conversava com os habitantes, eles disseram que podemos ver longas galerias.
- Chrome, se importa em ir direto ao ponto?
- Valkyon escreveu a palavra basilisco e o nome da Huang Hua ao lado da palavra antídoto. Se minha memória das aulas sobre répteis não falha, apenas um fenghuang pode curar os males do basilisco.
- Como? Digo, eu li sobre eles aqui e suas lágrimas não têm esse poder.
- Eu sei, mas existe um remédio poderoso que só eles sabem fazer e pode curar qualquer envenenamento. Acho que seu encontro com a Huang Hua foi um presságio que iríamos enfrentar um basilisco.
- Só que há alguns furos nessa sua teoria.
- Como quais?
- No meu mundo, o basilisco mata só de você olhar nos olhos dele, mas se for indiretamente só paralisa. E para uma cobra te envenenar ela precisa te morder primeiro. Todos estão vivos e não relataram esse tipo de encontro.
- E qual é a sua teoria então?
- Venenos não entram no nosso organismo sem mais nem menos. É preciso ser picado, se cortar com algo envenenado ou ingerir.
- Está sugerindo que eles podem ter sido picados por alguma coisa?
- Ou ter passado a mão no que não deviam e levado ao rosto. Tem uns que são absorvidos pela pele ou são transmitidos pelo ar.
Minha mente deu um estalo e eu me amaldiçoei por ter deixado minha máscara de grafite no QG. Se tiver essa possibilidade, eu preciso pensar em alguma coisa. Se bem me lembro das aulas de história, na 1ª Guerra Mundial usavam panos embebidos em urina por causa do gás mostarda, antes das máscaras de gás.
Fomos dormir. Quando amanhecesse, eu iria entrar de uma forma ou de outra. Coloquei um pano na bolsa e enchi minha garrafa com água por precaução. Valkyon me acordou de madrugada para me avisar que Ewelein trouxe remédios para combater venenos.
- Vamos explorar as grutas.
- Nós dois?
- Do jeito que você é teimosa, você entraria lá com ou sem a minha permissão. Prefiro que esteja comigo para o caso de acontecer alguma coisa.
- Claro, deixa eu só pegar a minha bolsa.
- E se vestir. Ainda está de camisola.
- Merda.
Fomos para as grutas, mas antes trocamos algumas palavras com Ewlein, que me pediu para beber a poção e quem sabe trazer algumas amostras. Explorando as grutas, nós acabamos no nível superior, onde passamos por uma passarela que dava para ver o lado de fora.
- E pensar que estávamos ali.
- É.
- É tão bonito. Imagine ao anoitecer.
- Não vamos ficar tanto tempo. Podemos continuar?
- Certo, chefe. – Bati continência.
- Pare com isso.
- É, não. – Imitei o Michael Kyle.
Andamos mais um pouco e achamos um monte de pedras com vinhas e olhos.
- Um Grookhan aqui?
- Não são comuns?
- Não.
- E o que seria isso?
- É um mascote. Pode tentar capturá-lo se quiser. Tem um fragmento de estátua com você?
- Sim e uma incubadora que ganhei do Purral.
- Você está mesmo preparada.
Capturei o Grookhan e pus o ovo na bolsa. Fomos explorar os níveis inferiores. Colhi alguns musgos e rochas para Ewelein mais tarde. Acabamos encontrando Chrome, que queria ajudar.
- Chrome, eu admiro suas iniciativas, mas dessa vez é melhor voltar para a vila.
- Está bem.
- Ah, leve essas amostras para Ewelein. – Pedi. – Para a viagem não ser em vão.
- Pode deixar.
Entreguei as amostras ao Chrome antes de voltar ao trabalho. Exploramos o perímetro o dia todo e não encontramos nada de anormal ou relevante. Estávamos frustrados, então resolvi jogar conversa fora para ver se o moral subia um pouco.
- Então, como se tornou chefe da guarda?
- Não quero falar sobre isso. – Pelo visto toquei em um ponto sensível, parabéns para mim.
- Tem a ver com essas cicatrizes? Se é que posso perguntar.
- Não tem a ver com elas. Na verdade, prefiro falar sobre elas do que sobre o outro assunto.
- Como as conseguiu?
- Depende de quais cicatrizes está se referindo. Quer as histórias gloriosas ou constrangedoras?
- As duas.
- Bem, estas eu tive quando enfrentei um ankou. – Ele mostrou duas que estavam na barriga. – Ele me atingiu com uma lâmina dupla. Fique 15 dias de cama e perdi muito sangue.
- Atingiu um órgão vital?
- Felizmente não.
- E essa no seu pescoço? – Ele ficou quieto. – Toquei em um ponto sensível?
- Não, é só uma lembrança de uma antiga conquista.
- Então quer dizer que meu chefe é um conquistador? – Comentei divertida.
- Está parecendo Nevra. Por que isso te interessa tanto?
- Por nada. Eu falo tanto de mim e não sei quase nada sobre você.
- Não sou uma pessoa muito interessante.
- Eu não acho. Gosto de conversar com você.
Havia um túnel que eu tinha visto e não entrávamos nele ou Valkyon não queria entrar. Eu segui por ele.
- O que está fazendo?!
- Já olhamos esse lugar mil vezes e não encontramos nada. Vamos olhar mais a fundo.
- Tingsi, espere!
Ele me pegou pelo pulso e em um ato de desespero, me puxou de encontro a ele. Eu bati em seu peito duro e minha cabeça bateu na parte da armadura em seu peito. Como consegui? Não sei. Esfreguei o lugar.
- Você está bem?
- Vou ficar.
- Deixe-me ver. – Ele colocou uma mão de cada lado da minha cabeça e me examinou. – Não há sangue. Você tem a cabeça muito dura.
- Engraçadinho. – Ele começou a rir. – Está rindo do que Ezarel 2.0?
- Dessa sua cabeça dura. Vem, vamos ver a Ewelein.
Ele me guiou para fora das grutas e me levou para a Ewelein. Ela e Chrome trabalhavam arduamente e ainda tinham que cuidar da minha cabeça. No dia seguinte, encontrei Valkyon conversando com a decana Haglaé. Nós voltamos às grutas, onde ele deu as ordens para Chrome e Valarian protegerem a saída.
- Vamos explorar mais a fundo.
- Está bem. Tem alguma teoria?
- Um basilisco, mas nada sugere que seja. Talvez seja outro tipo de criatura.
- Chrome e eu discutimos sobre isso e talvez eles tenham inalado o veneno pela pele ou pelo ar.
- Você acha isso?!
- Sim.
Voltamos ao mesmo lugar de ontem discutindo nossas teorias e revisando tudo que sabíamos.
- Me espere aqui.
- Nem pensar, vou com você.
- Não. Eu não quero que você se machuque.
- Eu não sou de vidro.
- Eu sei que não é, mas eu quero ter certeza de que o perímetro é seguro.
- Ok, mas volte logo.
- Certo, chefe.
Ri de sua imitação fajuta e ele foi mais a fundo. Sentei no chão e comecei a desenhar o que seria um esboço do seu rosto. O desenho ainda não estava pronto, mas pelo tempo que estou desenhando ele está demorando muito.
- Valkyon?! – Gritei por ele.
Fui atrás dele até me deparar com uma galeria. Entrei no mundo espiritual para encontrá-lo, pois eu não sabia quantos túneis e galerias tinham ali. Quando entrei, vi um monte de esporos.
- Merda.
Voltei ao mundo material, rasguei o pano em dois, enchi de água e improvisei uma máscara. Fui correndo pelos túneis atrás de Valkyon. Eu entrava no mundo espiritual sempre que encontrava uma galeria para saber por onde ele tinha ido. Eu ia cada vez mais fundo até que o encontrei caído no chão.
- Merda, merda, mil vezes merda!
Peguei a outra parte do pano, enchi de água e o amarrei em Valkyon, como uma máscara improvisada igual à minha. Em um ato de desespero comecei a puxá-lo para a saída. Mesmo ele sendo pesado, eu consegui tirá-lo de lá.
- Tingsi, o que aconteceu?! – Perguntou Valarian.
- E por que você está cobrindo a boca com esse pano?
- Eu explico no caminho.
Contei a eles sobre o que tinha acontecido nas grutas e sobre a solução improvisada que achei. Claro que não contei a origem dela, mas não dava tempo. Chegamos até a vila e o levamos para Ewelein. Ela rapidamente mediu seu pulso.
- Me ajudem a tirar as roupas dele.
- Você enlouqueceu?!
- Chrome, quando eu estava no mundo espiritual, eu vi esporos. Essas coisas grudam nas roupas e no cabelo. Precisamos tirá-las e lavá-las além do Valkyon. Não podemos correr o risco de tocarmos nelas por acidente e depois na boca, olhos e nariz dele. Acredite, eu sou formada em duas temporadas de The Last of Us.
- Duas temporadas de que?!
- Ela tem razão. – Disse Ewelein. – Vocês deveriam fazer o mesmo.
- Eu vou te ajudar.
- Deixa que eu faço isso. – Valarian se ofereceu.
Fui para o meu quarto tomar banho enquanto eles despiam Valkyon e trabalhavam. Me vesti na velocidade da luz, mas eles ainda estavam trabalhando. Valarian tinha contado à Ewelein sobre o meu relatório um pouco antes de eu sair de lá.
- Você está bem? – Perguntou Valarian.
- Sim, eu só....
- Ele vai ficar bem. Valkyon é forte.
- Sim, não se lamente por isso, não é tão grave. – Disse Haglaé. – Seu amigo está vivo graças a você.
Eu odeio receber palavras de consolo. Elas me dão mais vontade de chorar do que a própria tragédia. Entrei na estalagem e fui sorrateiramente ao seu quarto. Valkyon já estava deitado na cama apenas com uma calça limpa, Ewelein e Chrome trabalhavam incessantemente.
- Por favor, me digam que têm boas notícias.
- Estamos fazendo o possível. – Disse a elfa.
- Mas?
- Não vou mentir, ele não está na sua melhor forma.
- Ewelein, só me fala se é grave.
- É crítico. No estado em que está, não podemos levá-lo ao QG.
Meu coração pulou uma batida. Deixei o quarto, encostei na parede e me deixei escorregar para o chão. Eu não queria chorar ou vomitar, mas não podia acreditar no que estava acontecendo. Mas também não posso ficar parada. Eu preciso achar a fonte desse veneno, assim Ewelein poderá criar um antídoto, eu espero.
Voltei à caverna com uma nova máscara improvisada. Eu queria pelo menos ter trazido meus óculos de solda. Voltei para o lugar onde encontrei Valkyon. Comecei a explorar o lugar. Ouvi risos e quando vi, tinha um monte de cogumelos ambulantes correndo de um lado para outro. Eu os segui. Pareciam ser crianças cogumelo. Quando me viram, eles começaram a correr, então fui atrás deles, mas outro apareceu no meu caminho.
- Quem é você?
- Tingsi, e você?
- Minha mãe me disse para não falar com estranhos.
- Sua mãe é uma pessoa inteligente.
- Você pode me ajudar? Meu amigo está preso.
- Onde?
Segui o cogumelo azul como Alice seguiu o coelho. Encontrei o amigo dele preso entre dois rochedos e o ajudei. Eles me levaram para uma entrada onde tudo parecia mágico, o mágico mundo dos cogumelos. Só podia ser isso!
- Quem é você? – Perguntou uma cogumelo elegante. – E por que está com esse pano?
- Tingsi Zhu da guarda de Eel. Fomos chamados pelos moradores de Balenvia. Um dos meus amigos foi envenenado.
- Me desculpe. Acho melhor você falar com o nosso patriarca Ethel.
Por onde quer que eu andasse tinha cogumelos para todo lado. Encontrei com o patriarca. Era um cogumelo com vários cogumelos brilhantes na cabeça e raízes que pareciam chifres.
- Bom dia, senhorita.
- Bom dia, você deve ser o patriarca Ethel.
Expliquei a situação a ele e ele me contou sua história. Eram myconides e estavam lá desde o Grande Exílio, onde fizeram a casa dele e fornecem pedras e musgos para os habitantes daquela vila e que apagavam as memórias de quem os encontravam.
- Olha, eu adoraria ouvir mais sobre sua história, mas meu amigo está morrendo e eu preciso de uma amostra do veneno para nossa médica fazer um antídoto.
- Isso é possível?
- Temos que tentar. Pode fazer isso?
- Claro. Reparei que soltamos muito mais esporos durante à noite e....
- Moço, eu realmente não tenho tempo.
Entreguei um frasco de alquimia e ele colocou a amostra de seus esporos. Saí correndo para fora dali. Eu me sentia cansada, a água tinha secado, mas eu não podia parar. Minha visão ficou turva, mas consegui sair da caverna. Encontrei o borrão de Valarian na porta do vilarejo e entreguei o frasco a ele antes de desmaiar.
Acordei no meu quarto no QG. Estava anoitecendo, então tinha dormido o dia todo. Eu não entendia o que tinha acontecido ou porque estava ali. Fui até a sala do cristal falar com Miiko e tentar descobrir alguma coisa.
- Você está de pé?! E de camisola?!
Eu não tinha percebido que estava com uma camisola azul cobalto de alças, o cabelo solto e sem sapatos. Estava tão preocupada que esqueci de me vestir.
- Miiko, o que aconteceu em Balenvia?
Seu rosto ficou sombrio. Ela me contou que Ewelein trazido a mim e Valkyon de volta. Ela tinha conseguido criar um antídoto que nos salvou, mas o veneno era mais volátil que um vírus, então nenhum antídoto ou vacina duraria por muito tempo. A guarda mediou negociações entre os balenvianos e os myconides. Os cogumelos não podiam deixar a gruta para sua raça não entrar em extinção e do outro lado, os moradores não queriam deixar as terras onde cresceram.
As negociações estavam indo bem até que uma idiota entrou nas grutas para pegar ervas e morreu. Aí o marido dela ficou puto e queria matar os cogumelos e um monte de retardado aderiu à ideia. Os myconides fecharam a entrada da caverna para ninguém entrar e o veneno não sair. E agora Balenvia não nos quer lá.
- Mas que povo filho da puta!
- Tingsi, eles....
- Por que aquela retardada entrou na caverna?! Vai ser burra assim no inferno!
- Tenha empatia com os mortos.
- Miiko me desculpe, mas gente que fura bloqueio sanitário tem mais é que se foder! – Ela ficou chocada. – Porra, as cavernas estavam cheias de veneno, uma porrada de gente envenenada, o Valkyon, que é chefe da guarda e tem quase dois metros de altura quase morreu! Como é que essa imbecil achou uma boa ideia entrar lá?! Povo burro do caralho.
A Miiko não dizia nada e eu estava puta com a burrice daquele povo. E para piorar ainda estavam putos com a gente. Tomar no cu. Foi então que percebi, não tinha visto o Valkyon. Meu sangue gelou e acho que empalideci.
- Cadê o Valkyon?
- No quarto dele. Tingsi!
Corri até lá e abri a porta. O quarto dele tinha paredes de pedra, era cheio de armas, cristais e geodos, além de uma fornalha pendurada que devia ser uma lâmpada. Havia peles sobre a cama também e um retrato, na verdade um desenho, de Valkyon e um homem que não consegui identificar. Era bem um quarto de viking ou rei bárbaro medieval. Eu não tinha percebido que a noite tinha caído. Valkyon estava deitado na cama coberto, seu peito parcialmente à mostra subia e descia devagar. Ele estava acordado. Me aproximei de sua cama e sentei na beirada.
- Tingsi?
- Você está bem?
- Sim, eu só preciso de repouso. Eu fui imprudente.
- Não importa. – Falei afastando as mechas de cabelo do seu rosto para olhá-lo melhor. – Você está vivo, isso é tudo que importa.
- Graças a você. – Ele pegou minha mão suavemente e a segurou de encontro ao seu peito. – Obrigado.
Me inclinei para beijá-lo. Um beijo calmo e suave combinado com um grande alívio que se formou em meu peito. Éramos iluminados pela luz prateada da lua e pela fornalha. Por um momento tive a impressão de estar em um sonho.
Chapter 21: Capítulo 21
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
- Eu não sei o que deu em mim!
O dia tinha amanhecido e Qinglong estava no meu quarto. Eu andava de um lado para o outro. Minha mente estava tão agitada que eu não tinha conseguido dormir. Até choquei o ovo do Grookhan para ocupar meus pensamentos e o batizei de Gronk, mas não deu muito certo.
- Em um momento eu estava aliviada por ele estar vivo e no outro eu estava quase me enfiando nos lençóis dele. Tive que pedir desculpas e correr dali antes que ele pensasse que eu queria uma transa. Qinglong, está me ouvindo?!
- Zhuniao tem razão. Cobalto é a sua cor.
- QINGLONG!
- Acalme-se, não há nada com o que se preocupar.
- Como não?! Eu estou surtando aqui!
- Isso quer dizer que a nossa pequena Tingsi está desenvolvendo sentimentos por alguém?
- Vire essa boca para lá! Isso não pode acontecer!
- Essas coisas simplesmente acontecem, quer queira ou não.
- E quando voltar para a Terra?!
- Não desistiu dessa ideia?
- Você sabe muito bem que não.
- E que nunca iria. Você é daquelas pessoas que só é feliz no lugar que escolheu para ser o seu lar, mesmo que acabe sozinha com 50 gatos. Pode ter tudo o que quiser aqui, mas Eldarya nunca a fará feliz.
- Entende por que eu não posso me apegar? – Me sentei na cama. – Isso só traria mágoa.
- Este mundo irá partir seu coração. – Ele se sentou ao meu lado e segurou minhas mãos. – Mas isso não quer dizer que não crie bons laços aqui.
- Eu quero ir embora.
- Eu sei. Saiba que vou te ajudar no que puder. Vou estar sempre com você.
- Você me disse isso quando criança e sumiu.
- Você nunca mais me visitou.
- É justo.
- Agora vamos. Sua pontaria não irá se aprimorar sozinha.
Troquei de roupa e fiz um rabo de cavalo simples caindo por sobre o ombro. Não estava com humor para fazer meu penteado costumeiro. Iria sair do QG sem falar com ninguém. Era melhor evitar todo mundo, ainda tinha muita coisa para digerir. Mal abri a porta do quarto e encontrei Leiftan.
- Está tudo bem? – Ele me perguntou.
- Foi só uma noite mal dormida.
- Quer conversar? – Eu não disse nada. – Não precisa me dizer nada se não quiser.
Voltei para o quarto e permiti que ele entrasse. Xuanwu podia esperar. Me sentei na cama e ele me acompanhou. Fiquei quieta por um bom tempo.
- Soube da sua missão em Balenvia?
- É.
- Você e Valkyon nos deixaram preocupados.
- Eu sei. Miiko me contou o que aconteceu depois.
- E me contou sobre seu ataque de fúria.
- E queriam o que? Eles sabiam que as pessoas estavam sendo envenenadas, Valkyon por pouco não morreu e aquela idiota resolveu entrar nas grutas, ainda mais no meio da negociação.
- Ela tinha boas intenções. Queria pegar material para fazer remédio para a cunhada.
- De boas intenções o inferno está cheio. Será que ninguém pensou que se continuassem indo para lá, cedo ou tarde alguém iria morrer?! Eu falei para o Valkyon para isolar o lugar, mas parece que esse povo ia cagar para isso mesmo assim.
- Às vezes a ignorância é assustadora.
- Eu pensei que fosse apenas reservada aos humanos, mas agora eu sei que é só hipocrisia dos faeries. Não gostam dos humanos, mas não são diferentes deles.
- Eu não sei como são os humanos. Você é a primeira que eu realmente conheço.
- Como é que vamos resolver essa merda agora?
- Não podemos. A situação é bem mais delicada.
Ele começou a explicar a situação, mas eu não estava ouvindo. Minha cabeça estava em outro lugar. Estava pensando no que tinha acontecido ontem, no que Qinglong me disse e principalmente no meu lar.
- Tingsi?
- Desculpe, eu não estava ouvindo.
- Estava pensando na missão?
- Estava pensando em casa.
- Você ainda pensa na Terra?
- Todos os dias. Eu quero voltar para casa.
- Eu sei. Eu também fui muito ligado às origens, por isso te entendo perfeitamente.
- Você é um lorialet pelo que me lembro.
- Sabe o que é isso?
- Os filhos da lua. Isso é mesmo verdade?
- Segundo nossas lendas sim, mas não acredito muito nisso. E apesar do que ouvimos, também não acredito na existência dos selenitas. Você disse que os humanos foram à lua, não?
- Isso foi há uns 50 anos mais ou menos. Não encontramos ninguém lá ou eles se escondem muito bem.
- Vou te deixar em paz.
- Eu preciso mesmo esfriar a cabeça.
- Talvez seja melhor ver seus amigos.
- Eu tenho outros planos.
- Você se fecha muito em sua concha.
- É um hábito.
Ele saiu e eu também, carregando o arco. Xuanwu me pediu para encontrá-lo na praia. Ao invés de arco e flecha, ele sugeriu que fizéssemos taichi. Do jeito que estava a minha cabeça, eu acho que não encaixaria uma flecha direito. Com a cabeça no lugar, fomos à floresta praticar um pouco. Atirei flechas até a minha mão sangrar. Um bom dia de treino às vezes é tudo que eu preciso e um bom dia de arte também. Grafitei a parte externa dos muros do QG. Eu voltei para dentro e encontrei justamente quem eu estava tentando evitar o dia todo: o meu chefe.
- Ah, oi Valkyon.
- Esteve treinando?
- É.
- Você nunca deixa ninguém acompanhar esses treinos.
- Eu prefiro assim.
- Podemos conversar?
Voltei à praia, mas dessa vez fui ao rochedo.
- Sobre ontem à noite....
- Eu não sei o que deu em mim. – Admiti sinceramente. – Acho que foi porque eu estava aliviada por ver que você estava bem.
- Eu também fiquei aliviado em te ver. Por que fugiu?
- Entrei em pânico. Olha, Valkyon, eu não quero te magoar. Você sabe o quanto eu quero voltar ao meu mundo e....
- Compreendo.
- Sinto muito.
- Não fique assim. – Ele segurou o meu queixo para olhá-lo. – Eu teria feito o mesmo no seu lugar. Digo, estou aliviado por estar bem, é isso.
Fui tomar banho antes de voltar ao meu quarto. Demorei muito tempo refletindo. Fiquei feliz de esclarecer as coisas com ele, mas ao mesmo tempo me sentia mal. Fui direto para a cama dormir. Minha cabeça ainda está girando.
No dia seguinte, Ykhar me pediu para ver a Miiko. Ela me falou sobre um grupo de mercenários humanos. Como minha existência tinha sido muito comentada, eles estavam procurando por mim para me “salvar”. Ela me perguntou o que eu sabia sobre Eldarya e se alguém procuraria por mim.
- Puta merda!
- O que foi?
- Estou há quase três meses aqui. Significa que vai fazer três meses que eu não pago as minhas contas e parcelas. Já estou vendo meu nome no Serasa.
Claro que eles me olharam como se fosse doida. Só agora que me dei conta que pelo tempo que estou aqui, perdi meu emprego no bar, meu plano telefônico não foi pago e nem as prestações da mesa digitalizadora, sem contar meu financiamento estudantil. O Serasa só vem. Eu tenho que arrumar um jeito de sair daqui ainda esse ano ou o Imposto de Renda vai me caçar até aqui. Já estou até vendo meu nome entre os devedores da Receita Federal.
De qualquer forma, suas perguntas foram estranhas, como naqueles filmes de espião. O que eu sei e se tem alguém me procurando. Alguma coisa está acontecendo. Acho melhor procurar saber mais sobre os humanos em Eldarya. Algo me diz para fazer isso. Como Damiana diria, tem caroço nesse angú.
===Valkyon===
Quando Tingsi entrou no meu quarto, por um momento eu esqueci como respirava. Estava aliviado por ela estar bem e ao mesmo tempo chocado com a forma que ela estava: apenas uma camisola azul e o cabelo completamente solto. Não sei se ela percebe quão encantadora ela fica sob a luz da lua.
Conversamos um pouco, ela estava tão aliviada em me ver que não se continha em suas atitudes. Ela me beijou de forma calma e suave, tão terna e tão delicada. Eu não entendo por que simplesmente a beijei de volta. Ela se afastou bruscamente.
- Desculpa.
Foi tudo o que ela disse antes de correr para fora do quarto. Fiquei a noite toda pensando naquele beijo e me perguntando por que tinha me deixado inquieto. Por que ela tinha feito aquilo? Milhões de pensamentos inundaram minha cabeça, mesmo assim não consegui uma resposta. Eu só saberia se perguntasse a ela. No dia seguinte, a procurei por todo o QG e só a encontrei muito tempo depois. Fomos ao rochedo conversar.
- Olha, Valkyon, eu não quero te magoar. Você sabe o quanto eu quero voltar ao meu mundo e....
- Compreendo.
- Sinto muito.
- Não fique assim. – Segurei seu queixo para ver seus olhos lilases. – Eu teria feito o mesmo no seu lugar. – Percebi o que tinha dito. – Digo, estou aliviado por estar bem, é isso.
Mas é claro que ela queria a Terra. É seu desejo desde que pôs os pés neste lugar. Se ela se envolvesse com alguém, alguém se magoaria, ela teria que escolher entre a Terra e essa pessoa. Eu só não esperava que eu poderia ser essa pessoa.
Por alguma razão eu me sentia frustrado. Não tenho qualquer relacionamento com ela fora o profissional, mas essa garota consegue me dar mais dor de cabeça que qualquer outro recruta que já tive. Seja em suas traquinagens ou em bagunçar meus sentimentos. Tive várias conquistas no passado, não amei nenhuma delas por mais que tentasse, mas eu nunca me senti confuso dessa forma com elas. Talvez seja melhor que ela volte ao seu mundo. O problema é que isso não é possível.
Miiko tinha chamado os chefes da guarda à sala do cristal no outro dia. Ezarel tinha feito uma missão muito importante e não tínhamos como enviá-la de volta. Para piorar a situação, um grupo de mercenários humanos a estavam procurando. Tínhamos interrogado Tingsi sobre o que ela sabia e Miiko teve uma ideia.
- Eu sei que é uma solução extrema, mas eu não quero colocar em risco os habitantes do QG. Eles já sofreram muito.
- Não podemos fazer isso com ela! – Disse Nevra.
- Mas também não podemos correr o risco de sermos atacados. – Me pronunciei. – No entanto é de Tingsi que estamos falando. Ela já é complicada de lidar e essa decisão pode tornar as coisas ainda mais difíceis.
- Tenho que concordar com Nevra. – Dissse Ezarel. – Não podemos tomar essa decisão por ela e Valkyon também está certo. Ela vai ficar insuportável.
- Por quê? Vocês acham que ela aceitaria? Eu não gosto desse procedimento, mas não temos outra opção. A menos que vocês tenham outra ideia.
Eu não quero fazer isso com ela, mas temos que nos proteger e evitar um ataque, já temos problemas demais. Algo grita em meu interior para não fazê-lo. Tingsi nunca vai me perdoar por isso e tenho a impressão que algo muito ruim vai acontecer se eu o fizer, mas que escolha nós temos? Não vejo outra saída.
===Tingsi===
Fui conversar com Kero no salão principal. Fazia tempo que não conversávamos, então contamos as novidades antes de eu entrar no assunto “humanos em Eldarya”. Era raro eles chegarem em Eldarya e a maioria tinha sangue faeliano. Muitos dos povos que os acolhem conseguem enviá-los de volta, mas algo em mim dizia ser uma meia-verdade. Eram os poucos que não voltavam que me preocupava.
Fui à biblioteca com o pretexto de consultar a história de Eldarya e saí procurando sobre os humanos. Eles não são bem-vindos aqui, então imagino que muita coisa ruim tenha acontecido. Infelizmente os registros não ajudaram, as poucas informações que tinham era sobre não serem feitos para viver em Eldarya e sua fragilidade. Por que tenho a impressão que muitas coisas foram ocultadas ou perdidas na história? Eu devia ter virado arqueóloga ou algo assim. Frustrada, eu saí da biblioteca. Acabei esbarrando em alguém. Uma jovem da minha idade de cabelo.... Espere, é a Dagma?
- Dagma? Achei que tivesse ido com os fenghuangs.
- Eu fui. Estava conversando com Huang Jia e eu pensei que seria melhor integrar a guarda.
- Por quê?
- Nós acreditamos que a aparição do Oráculo não seja por acaso e seria mais fácil descobrir o que significa se eu estiver aqui.
- Boa sorte com isso então. Já falou com a Miiko?
- Ia fazer isso agora mesmo.
- Certo. Antes de ir, você sabe algo sobre humanos em Eldarya?
- Por que pergunta?
- Curiosidade.
- É um assunto complicado.
- Nos vemos depois que falar com a Miiko então. Vou esperar no caminho dos arcos.
- Certo.
Nos despedimos e fui ao local indicado. Alguns dos meus mascotes estavam por lá, então resolvi treiná-los um pouco. Dagma apareceu depois com uma fuinha de asas branca e rosa.
- É um Valuret. – Ela explicou. – São extremamente difíceis de aparecer e Valentine está comigo há um tempo.
- Ela é linda. Entrou em qual guarda?
- Na Absinto.
- Meus pêsames. Vai ter que aturar o Ezarel.
- Não acho ele ruim, só irritante. Sobre o que quer saber sobre os humanos daqui?
- Tudo.
- Bem, eles não são bem-vindos, eu garanto. Alguns lugares ainda guardam rancor por eles.
- O que resulta em morte, experimentos científicos e sabe mais o que?
- Como sabe disso?
- Imaginei. Não seria muito diferente do meu mundo se o governo pusesse as mãos em um faerie.
- O governo?
- O governo e o povo não são necessariamente a mesma coisa. Às vezes um não gosta do outro, mas isso é complicado. São mais de 200 países para levar em conta.
- Duzentos países?!
- Então, tem um grupo de mercenários e acham que podem estar me procurando.
- Isso não é bom. Nosso templo foi atacado por mercenários humanos, acho que devem ter sido os Templários.
- Eu achei que a ordem tinha acabado quando o último grão-mestre morreu depois que a igreja católica os dispensou e perseguiu.
- Como assim?
- Pelo que eu sei, na Idade Média tinha os templários, que eram cavaleiros religiosos e criaram as primeiras instituições financeiras, os hospitalários, que eram cavaleiros médicos e criaram os primeiros hospitais de fato, os teutônicos lá da Prússia, que eram focados nas práticas militares, e tinha a ordem dos assassinos que eu não me lembro bem, mas fizeram uma franquia de jogos baseados nela.
- E essa ordem se extinguiu do seu mundo?
- Sim, todas elas, mas os bancos e hospitais ficaram. E parece que a dos hospitalários também persiste, a chamada Ordem de Malta.
- E quanto aos Maçons e os Illuminatis?
- Acreditamos ser sociedades secretas, mas a primeira existe e a segunda está mais para teoria da conspiração. Pelo menos é o que a gente acha.
- Eles pegam em armas?
- Não, pelo menos não espadas. Não as usamos há séculos. De qualquer forma não são uma força militar.
- Entendo. Nossos mundos são muito diferentes.
- Você não imagina o quanto. Por isso que eu quero saber sobre os humanos daqui. Se eles eram da Terra ou se são descendentes daqueles que os seguiram durante o Grande Exílio.
- Acho que um pouco dos dois. Sabe, não são todos que conseguem voltar e você é a primeira que ouvimos em anos. Se quer a minha opinião, acho que os humanos que temos são diferentes dos da Terra.
- Por que acha isso?
- Chame de instinto, mas acho que se na nossa geração o humano errado caísse em Eldarya e estivesse vivo, tenho a impressão que estaríamos em apuros.
Ykhar veio me procurar e me pediu para ver a Miiko. A kitsune tinha a solução para o meu problema e eu não tinha muita escolha. Uma poção que mascararia minha presença em Eldarya, iria esconder meu cheiro e minha aura para os outros. Uma espécie de alerta acendeu na minha cabeça.
- E em que isso iria me esconder dos humanos?
- Como assim?
- Nosso olfato não é tão apurado e gente que vê aura é tipo, muito rara. Pressentir é uma coisa, mas ver, tem que ter a sensitividade elevada à casa do caralho para isso.
Ela empalideceu, mas me convenceu que tinham escravizado alguns mascotes rastreadores e essa poção era um camuflador de presença. Eu ainda não estava convencida, mas não tinha muita escolha. Eu tinha que fabricar essa poção sozinha também, só que meu conhecimento em alquimia é uma merda.
- É melhor a pedir ao Ezarel, ao Nevra ou ao Valkyon, eles conhecem a receita. Aconselho a pedir ao Ezarel, ele pode ser insuportável, mas é o melhor alquimista.
Mesmo com uma sensação estranha, eu fui ver o Valkyon, afinal chefe tem que servir para alguma coisa. Quando pedi ajuda, ele me disse que não era bom em alquimia, mas me ajudaria a preparar essa poção. Outro alerta surgiu na minha cabeça. Eu não sabia explicar, mas eu tinha a sensação de que algo estava errado, a mesma sensação antes de encontrar Yvoni.
- Quais são os ingredientes?
- Vamos precisar de água de lete, grãos de café em cacho, geleia real comestível, aguardente e morangos pistache para dar gosto.
- Água de leite?
- Lete, não leite.
- Lete.... Eu já vi esse nome em algum lugar.
- Onde?
- Eu não me lembro.
Lete, foi outro alerta na minha cabeça. Com toda certeza algo estava errado, eu podia sentir. Será que era outra ilusão como a da floresta? Não, não deve ser isso. Ele me deu uma lista e eu reuni todos os ingredientes. Mesmo meu instinto gritando que tinha caroço nesse angú, eu fui ao laboratório de alquimia.
- Aqui, chefe.
- Exelente.
Ele parecia preocupado, sua postura não parecia a do Vlakyon que eu conhecia. Ele estava preocupado e até culpado.
- Algo errado?
- É coisa minha.
- Valkyon, você está escondendo alguma coisa?
- O que te faz pensar isso?
- É uma impressão que tenho.
- Não é nada. Poderia voltar mais tarde? A purificação da aguardente é muito delicada e eu tenho dificuldade para me concentrar.
- Certo.
Lete, onde eu já vi esse nome antes? Já que estou de bobeira, talvez deva fazer uma visita ao velho senhor Google. Voltei ao quarto e tranquei a porta antes de pegar o notebook. Os mascotes se animaram.
- Não vamos ver filmes agora. Preciso pesquisar sobre algo.
Uma rápida pesquisa pelo Google me levou ao Rio Lete. Claro, o rio do esquecimento! Eu li sobre ele em A Divina Comédia e também nos livros de mitologia grega. Era um rio do Hades que quem bebesse se esqueceria de suas memórias. Essa água era de lá? Bem, eu preciso perguntar a um especialista. Encontrei com Ezarel e Nevra. Ambos conversavam sobre a vinda de Dagma ao QG.
- Por que você sempre apronta com as garotas da minha guarda?!
- É na sua guarda que entram as garotas mais bonitas.
- Pelo que eu estou vendo, sair com Nevra parece ser um tipo de iniciação à guarda.
- Não dê ideias a ele.
- E por que não? – Ele começou a bancar o sedutor.
- Está querendo completar o álbum de DST, Nevra? – Perguntei de brincadeira.
- Poxa, você tem uma imagem muito negativa de mim.
- Afinal, o que você quer, feiosa?
- Nada. Eu só estou passeando enquanto Valkyon termina o ingrediente para a poção de camuflagem de presença.
- Poção de que?! – Perguntou Ezarel. – Espere aí, Valkyon está sozinho no laboratório?!
- Está.
Eu só vi Ezarel correr desesperado em direção ao laboratório. Nevra o seguiu, ele parecia preocupado. Fui ao mercado, mais especificamente à loja de alquimia.
- Purroy, justamente quem eu estava procurando.
- Tingsi, que bom que está aqui. Essas estantes precisam ser limpas e os ingredientes....
- Não estou em missão. Na verdade, eu preciso da sua ajuda.
- Mesmo? O que vai querer? Espere, você não comprou algumas coisas na minha loja hoje?
- Sim. Eu só vim perguntar sobre um ingrediente.
- Quer saber se tem reembolso?
- Na verdade eu queria saber para que serve a água de lete.
- Água de lete? Para que você precisa disso?
- É para uma poção. – Ele ficou sério.
- Que poção é essa?
- Eu não sei bem, só que é o ingrediente de uma poção. Para que serve isso?
- A água de lete é usada em poções de esquecimento.
- Então é melhor eu não beber por acidente.
- Não, ela precisa ser preparada propositalmente em uma poção. Que ingredientes mais tem essa poção?
Mostrei a lista que Valkyon me deu e falei da aguardente.
- Tingsi, quem te deu isso?
- Por que isso é importante?
- Porque são ingredientes de uma poção proibida. Seja lá quem te deu essa lista está querendo ser apagado da existência de alguém.
Foi então que eu entendi tudo ou quase. Não existia nenhuma poção de camuflagem de presença, aquilo era uma poção do esquecimento e pior, para apagar a existência de uma pessoa. Não tem caroço no angú, na verdade nem tem angú, é um prato cheio de caroço!
- Aquele filho da...!
- Tingsi?
- Purroy, muito obrigada mesmo. Deixa que eu resolvo do meu jeito. Ah, mas ele vai ver só!
Voltei ao laboratório de alquimia. As coisas tinham se acalmado. Os três chefes me olharam com espanto e um pouco de culpa. Ezarel e Nevra saíram de lá. Estão todos envolvidos, tenho certeza.
Valkyon me deu as instruções do que fazer. Eu obedeci, precisava sacar qual era a dele. Ele me disse para colocar toda a minha energia e carregar positivamente os ingredientes e para isso pensar nas pessoas que eu gostava na Terra e todas as lembranças do meu mundo. Então era isso, eles queriam me apagar da vida das pessoas que eu amo, dos meus amigos, meus professores, meu grupo de grafite, de todo mundo?!
- Valkyon, tem alguma coisa sobre essa poção que você queira me contar? – Ele empalideceu.
- O que quer dizer?
- Por que eu deveria pensar nas coisas da Terra e não nas de Eldarya?
- Porque são os humanos que estão te procurando e não os eldaryanos.
- Está mentindo para mim?
- Vamos continuar.
Na hora que ele desviou o olhar, eu soube que ele estava mentindo. Fiquei com raiva e com tristeza ao mesmo tempo, mas ele não podia saber que eu sabia. Ele vai ver só. Ao invés de pensar nas pessoas que eu amava, eu pensei em qualquer outra coisa que me fizesse rir tipo memes e um frango cru rebolando a raba.
Ele me pediu para escrever o nome completo dos meus amigos no papel para usar a energia de ligação e potencializar o feitiço. Eu escrevi tudo errado ou nomes aleatórios. Tive que jogar uma mecha de cabelo no caldeirão. Derrubei um recipiente de propósito e enquanto ele estava distraído, peguei qualquer pelo que estava no laboratório e joguei ao invés do meu cabelo. Repeti um feitiço em uma língua estranha, mas o final era Menmosine. Esse não era o nome da deusa da memória?
- Terminamos. Agora só precisamos esperar até a próxima lua para que você possa engolir a poção.
- Em dois dias, certo?
- Sim. É o tempo necessário para que ela decante um pouco.
Ainda bem que não pedi ajuda ao Ezarel, ele com certeza teria notado que eu sabotei a poção. Naquela noite, Shaneera, Pandy e Sirius invadiram o laboratório junto comigo. Dala estava de vigia. Achei o pote de mel escondido do Ezarel, iria dar à Dalafa Noturna em troca dos seus serviços.
- O que vocês acham de incrementarmos ainda mais essa poção?
Segurei a Sabali de forma que ela pudesse fazer xixi no caldeirão. Pandy, o Becola, cagou lá dentro e aproveitei que Sirius estava resfriado e pedi para que cuspisse um baita catarrão lá dentro. Era um lembrete para não ter que tomar esse troço de jeito nenhum, mesmo sendo sabotado.
Os dias passaram e chegou a noite. Recebi um bilhete de Ashkore para me alertar sobre a água de lete, como se eu não soubesse. Só quero ver até onde ele vai com essa mentira. Assim que cheguei, a poção já estava engarrafada.
- Você não espera que eu realmente tome isso, não é?
- E por que não?
- Você acha que eu sou idiota?! Eu sei o que é essa poção. Eu sei sobre a água de lete e que você me enganou para fazer uma poção de esquecimento!
- Tingsi, me desculpe por ter escondido a verdade de você. – Seu olhar era de culpa.
- Eu te dei a chance de me dizer a verdade e mesmo assim você escondeu de mim! Você mentiu para mim! Todos vocês mentiram!
- Sinto muito.
- Não, não sente!
A essa altura a raiva tinha tomado conta de mim, minha garganta queimava e eu tinha que me segurar para não chorar de raiva. Meu peito doía, meu coração estava machucado. Não acredito que aqueles em quem estava começando a confiar puderam me enganar e levar essa mentira por dois dias!
- Se sentisse, teria me dito a verdade ou o melhor, nem teria feito o que fez!
- Eu sei, mas se você soubesse, você recusaria. Nós temos que proteger o QG e seus membros. A ameaça potencial que você representa assusta muito à Miiko.
- Vocês podiam ter me mandado embora no primeiro dia! Eu só fiquei aqui porque você me prometeu que iriam achar uma forma de me mandar para casa! No final, era tudo mentira!
- Eu queria te mandar de volta no dia que você chegou, mas não....
- Eu estou cansada de ouvir as mesmas desculpas e as mesmas promessas vazias! É por causa daquela porra daquele oráculo que vocês me mantêm presa aqui?!
- Eu....
Me virei para sair, mas ele segurou o meu braço e me fez olhar para ele. Ele mantinha um olhar arrependido e ainda tinha a poção nas mãos.
- Nós temos pessoas a proteger, então por favor, beba a poção.
- Pro inferno com essa poção!
Dei um tapa tão gande no braço dele, que consegui fazê-lo me soltar. Eu iria me virar, mas ele me segurou de novo e tomou a poção em um gole, fazendo uma careta de nojo. Me lembrei dos ingredientes dos mascotes. Antes que eu pudesse me libertar de novo, ele me beijou. Imediatamente o chutei seu saco e o empurrei para trás. Saí correndo dali.
- Tingsi, está tudo bem?!
Nevra surgiu na minha frente e eu o ataquei sem pensar. Depois foi a vez de Ezarel tomar um cacete. Eu estava indo para o meu quarto quando vi a Miiko. Já fui dando um soco nela antes de seguir para o quarto e fechar a porta. Escorei as costas na porta enquanto levava as mãos até minha boca, eu ainda estava chocada com aquilo.
A última vez que alguém me beijou à força, eu tinha 12 anos e um cara me seguiu da escola e me puxou para um beco. Felizmente eu consegui escapar e pedir ajuda. Achei que essa cicatriz tivesse sarado, mas aquele beijo na sala de alquimia a abriu como um pacote de batata frita.
Me permiti escorregar pela porta até o chão e chorar. Não tirei a mão da boca em nenhum momento. A traição, a impotência, a quebra de confiança, o horror, a náusea, tudo isso fazia meu corpo doer. Meu coração sangrava e meu estômago doía. Eu queria que parasse, que fosse só um pesadelo. Só então eu percebi que única forma de realmente deixar Eldarya era a morte. Eu queria desaparecer.
===Valkyon===
Não era para isso ter acontecido. Aquela poção tinha um gosto horrível, o pior que já experimentei em toda a minha vida. Eu iria transmiti-la através do beijo, mas ao invés da falta de reação, ela me atacou desesperadamente de forma eficaz. Eu estava no chão segurando minhas partes íntimas. Me pergunto de onde ela tirou tanta força.
Senti meu sangue congelar quando seu olhar pousou sobre mim. Não havia raiva ou ódio ali, não, seu olhar era de puro horror, um olhar tão apavorado que eu nunca vou esquecer. Antes que eu pudesse chamá-la, ela fugiu. Naquele momento eu percebi que cometi o maior erro da minha vida.
Corri atrás dela na medida do possível. Passei por Ezarel e Nevra com a cara inchada e esfregando alguma área do corpo e Miiko com um olho inchado. Cheguei até sua porta, mas estava trancada. Comecei a bater nela.
- Tingsi, abra a porta, por favor! Nós podemos conversar. – Não houve resposta. – Tingsi, por favor.
- Valkyon, o que houve? – Perguntou Ezarel.
- E por que você saiu correndo feito um Candilla manco? – Perguntou Nevra.
- Deu tudo errado.
- Como assim deu tudo errado?! – Perguntou Miiko.
- Eu....
Senti uma fraqueza repentina e meu corpo desabou no chão.
- VALKYON!
Notes:
A partir daqui as coisas vão ficar mais sérias, os avisos de gatilho irão aparecer. Se alguém tiver gatilhos, por favor, não leia a menos que esteja bem ou pronto para enfrentar o que vier. Estou pedindo, cuide bem de sua saúde mental.
Chapter 22: Capítulo 22
Notes:
AVISO DE GATILHO: Neste capítulo terá coisas relacionadas a depressão e suicídio, então se você tem gatilho com algum desses temas, CUIDADO.
Se não estiver bem para ler, não leia, volte outra hora. Se estiver lendo e der alguma coisa, pare imediatamente, descanse um pouco e só continue quando estiver pronto ou mais preparado. Se este tema é muito sensível para você, não leia. Cuide de sua saúde mental, se possível procure ajuda. Estou pedindo a você leitor que se cuide, não vou ficar triste se não quiser ler, sua saúde mental é preciosa demais para ser desgastada.
Chapter Text
===Dala===
Dala Dalafa Noturna de Tingsi. Dala adora mel, por isso Dala ficou de guarda na alquimia. Dala ganhou mel. Mascotes de Tingsi sabiam que tinha coisa estranha. Shaneera contou que mijou em poção. Mascotes mandaram Aracne ficar de olho. Aracne Spadel de Tingsi, muito pequena para os outros notarem. Aracne não voltou, Tingsi sim. Mascotes ficaram ao redor dela para apoiar. Tingsi triste, muito triste. Não parava de chorar.
Tingsi levantou e mascotes tiveram que impedir de pular pela janela. Janela não segura, morte certa. Agora Tingsi dorme, mas não acorda. Respira, mas não acorda e nem come. Está vários dias assim.
- [O que mascotes vão fazer?] – Perguntou Sirius.
- [Mascotes têm que animar Tingsi.] – Disse Plum, o Plumobec.
- [Tingsi não acorda.] – Disse Snowyn, o Pimpel. – [Parece Fleur.]
- [Tingsi triste com o que aconteceu.] – Informou Aracne. – [Valkyon beijou Tingsi com força para beber poção. Guarda sabia.]
- [O que mascotes fazem?] – Perguntou Jinp, o Jipinku.
- [Mascotes cuidam de Tingsi.] – Dala falou. – [Mascotes dão lição na guarda.]
- [Dala tem plano?] – Perguntou Libleu, sapo azul.
- [Dala tem. Crownin, Dala e Cryn protegem o quarto. Fleur dorme, Lily e Nekopol fazem companhia a Tingsi. Gronk abre e fecha porta. Aracne e Spider espiões. Mascotes distraem Karuto. Sirius joga catarro na comida.]
Gronk abriu a porta e mascotes foram em missão. Dala e Cryn ficam de guarda. Coices de Dala e de Cryn poderosos.
===Aracne===
Aracne voou até enfermaria. Valkyon mal por ter bebido poção com xixi de Sabali, cocô de Becola e catarro de Corko. Valkyon de cama, Ezarel e Nevra perto dele.
- Eu não sei como isso pôde acontecer. – Nevra lamenta.
- A poção foi sabotada, Nev. Tingsi sabia que a estávamos enganando e queria ter certeza que essa poção estava tão sabotada quanto fosse possível. – Ezarel segurou o ombro dele. – Do contrário não poria urina de Sabali, fezes de Becola e catarro de Corko na poção.
- Por que você tinha que ter posto aquilo na boca?!
- Achei que fosse a única forma de fazê-la beber. – Valkyon tossiu. – Eu não sabia que estava sabotada. Eu não devia ter tentado isso.
- E com razão!
- Eu falo do beijo. Vocês não viram o olhar dela. Eu nunca vou esquecer o horror que vi naqueles olhos. – Ezarel e Nevra chocados.
- Valkyon, aconteceu alguma coisa com a Tingsi? – Ezarel perguntou.
- Eu não sei. Como ela está?
- Ela não sai do quarto há dias.
Aquilo deixou Valkyon mais triste. Aracne ver Miiko. Miiko também triste e come para curar tristeza. Aracne foi para a cozinha. Plum e Snowyn fizeram um inferno na vida de Karuto, Sirius cuspiu catarro na sopa.
- [Missão cumprida.] – Spider disse.
===Qinglong===
Tingsi se fechou neste plano, que é basicamente nosso quintal. Ela chora copiosamente enrolada em minhas escamas. Tudo o que eu posso fazer é abraçá-la, roçar uma garra em seu cabelo e ouvir seu choro. Ver minha amiga nesse estado me entristece muito. Quero assumir um de meus avatares e enxugar suas lágrimas, mas eu preciso me manter em minha forma original.
O Tigre se enfureceu e quer ir à Eldarya tirar satisfações, o que causará muitos problemas. Nós não podemos interferir, pelo menos não diretamente, e o Pássaro quem cuida para que não interfiramos. Faz um bom tempo que eles estão brigando. A Tartaruga entrou na batalha ao lado do Pássaro, pois o Tigre está tão furioso que será preciso nós três para pará-lo.
Ao invés de ajudá-los, fiquei para cuidar de Tingsi, talvez por ser o mais benevolente entre meus irmãos. Eu sabia que esse mundo iria quebrar seu coração, mas não imaginei que também quebraria seu espírito. Trazer um antigo trauma à tona é perigoso, certas feridas não cicatrizam completamente. Antes fosse só o trauma, a traição e a mentira também tiveram um papel fundamental e eu não estou incluindo os novos traumas que ela adquiriu desde sua chegada. Estou preocupado, pois ela está aqui há um bom tempo. Seu espírito está fraco, não terá forças para voltar, seu corpo físico definha naquela cama dia após dia e eu não posso fazer nada além de assistir com o coração apertado.
Zhuniao finalmente pousou à minha frente. Ele remexia em suas penas, estressado como toda vez que brigava com Baihu.
- Ele finalmente se acalmou?
- Ele se trancou em seu palácio. Terá que construir um novo, pois quebrará até o último tijolo.
- Por que não me surpreendo?
- A raiva que Baihu está sentindo é apenas a forma que ele tem de lidar com sua tristeza.
- Ele está triste?
- Sim, dá para ver em seus olhos. Você sabe que ele não demonstra tristeza em nossa presença. Também me entristece vê-la assim. Eu deveria ter cuidado melhor de seu espírito.
- Nem todo treinamento do universo pode proteger os mortais das feridas a alma. Não é apenas o trauma antigo que a aflinge, a traição e a mentira também tiveram seu papel.
- Além de ter passado por outras situações traumáticas há pouco tempo. Às vezes penso em hibernar e deixar o caminho de Baihu livre nessas situações.
- Mas como você é a ética, jamais fará isso.
- Exatamente. Pensei em delegar essa tarefa a Xuanwu por ser o mais sábio entre nós, mas às vezes tenho a impressão que ele gosta de ver o circo pegar fogo.
- Mais do que você?
- Engraçadinho.
- O que te dá essa impressão?
- Quando Tingsi apareceu naquela celebração usando um dos meus vestidos, a Serpente gritou “queima quengaral”. – Não pude evitar uma pequena risada. – Você parece abatido, Dragão.
- Como não ficar, Zhuque? Nossa amiga desistiu. O brilho e a vivacidade de outrora agora são cinzas.
- Depressão é o câncer da alma, mas são das cinzas que renascem as fênix. – Ele pôs uma de suas asas em cima dela. – No entanto, não são somente as dores dela que lhe chateiam.
- Estou decepcionado, Zhuniao. A decepção dói em mim como a traição dói nela.
- Quebraram sua confiança. Sua e dela, Qinglong, mas eles ainda precisam de sua benevolência.
O Pássaro ficou ao meu lado, cuidando de nossa amiga junto comigo. De todos os meus irmãos, Zhuniao era o mais próximo de mim, não por acaso em tempos antigos eu fui associado à figura do imperador e ele à da imperatriz.
===Purreru===
O QG está doente, Ewelein está trabalhando igual uma louca com o surto de gripe que teve, tudo porque um certo Corko resolveu espirrar na sopa três dias seguidos. Fui falar sobre isso com Tingsi, mas sua porta está sempre trancada. Há semanas não a vejo pelo QG e todos que a conhecem estão preocupados. Ninguém a viu e ela nunca se recusa a ajudar na minha loja.
Um dia, Sirius veio à minha loja com Shaneera e Jinp. Ele estava muito doente. Eu não acreditei no que vi. Quando ela chegou aqui, fez o impossível para encontrar o mascote do Mery e agora encontro o Corko dela nesse estado?! Dei uma poção que o curaria em algumas horas. Eles ficaram agitados.
- O que vocês querem me dizer?
Os mascotes começaram a me empurrar ou a puxar minhas roupas. Os outros purrekos me viram com os mascotes e vieram saber o que estava acontecendo. Os mascotes começaram a fazer o mesmo com eles.
- Acho que eles querem nos mostrar alguma coisa.
Nós os seguimos até a porta do quarto de Tingsi. Um Grookhan abriu a porta para permitir nossa entrada. Eu não tinha visto esse mascote ainda. Quando entramos, nós a encontramos na cama, mas seu aspecto era terrível. Ela dormia, mas estava muito magra e muito pálida, apenas pele e osso, seu cabelo bagunçado e sem brilho e seus olhos inchados de tanto chorar, mas fechados.
- Ela.... Ela.... – Purroy não conseguia terminar a frase.
- Ainda respira. – Verifiquei seu pulso e respiração.
- O que aconteceu com você? – Perguntou Purriry compassiva.
- Temos que levar ela para Lein.
Os mascotes se agitaram. Aquilo era um grande não. Havia alguma coisa muito grave acontecendo para não quererem que chamássemos a Ewelein.
- Eles não querem levá-la à Ewelein. – Alertei.
- Vou fazer uma poção fortalecedora. – Disse Purroy. – Não acho que ela possa se levantar de qualquer maneira.
Purroy voltou com a poção. Nós a viramos e a fizemos beber com cuidado. Ela acordou, mas seus olhos estavam vazios e sem vida, não eram nem sombra de antes.
- Graças ao Oráculo! – Exclamou Purriry.
Ela só nos olhou, Dala deu uma fruta de mel para ela comer, mas ela ignorou e voltou a deitar. Ficamos olhando uns para os outros para tentar entender o que estava acontecendo, mas a resposta era óbvia, ela não queria sair dali, não tinha forças para se levantar mesmo a poção fortalecendo seu corpo, acho que ela não queria nem acordar.
- Isso não pode ficar assim! – Exclamou a única fêmea entre nós. – A gente tem que fazer alguma coisa!
- Eu vou pegar mingau. – Disse Purral. – Ela vai precisar.
- Ótimo! Cryn, me ajude com ela. Vamos dar banho nela.
- E nós? – Perguntei.
- Troquem a roupa de cama dela. Tingsi, por favor, me deixe te dar banho e trocar suas roupas.
Com algum custo, nós a colocamos em cima do Crylasm. Purriry pegou uma sacola onde pôs uma muda de roupa e toneladas de produtos e saiu com Cryn e Lily, a Liclion. Purral tinha ido até a cozinha e Purroy e eu trocamos seus lençóis e os colocamos para lavar. Purral chegou com o mingau e Purriry chegou algum tempo depois. Admito que fiquei um pouco aliviado ao ver Tingsi caminhando escorada em Cryn ao invés de ser carregada por ele.
- Tingsi?!
Leiftan surgiu no momento em que elas estavam entrando no quarto. Ele estava tão chocado quanto nós. Por algum motivo, Cryn e Lily começaram a rosnar para ele. Achamos melhor trazê-la para dentro e fechar a porta. A sentamos na cama. Eu a alimentava com o mingau enquanto Purriry secava e escovava seu cabelo com a ajuda de Lily.
===Leiftan===
O trabalho e as conspirações não acabavam, mas não era somente isso. Havia alguma coisa acontecendo no QG que eu não sabia. Desde que se recuperou da gripe, Valkyon ia ao quarto de Tingsi todos os dias e todas as noites, mas a porta estava sempre trancada. Eu o encontrei um dia desses, ele estava abatido, olheiras debaixo dos olhos, o olhar de culpa e arrependimento, algo estava errado.
- Está tudo bem?
- Leiftan? Eu....
- Está com uma cara péssima. O que aconteceu?
- Cometi um grande erro e agora....
- Valkyon?
Ele apenas se calou e foi embora. Fiquei algum tempo tentando entender o que tinha acontecido. Tentei perguntar à Tingsi o que tinha acontecido, mas sua porta estava trancada. Pensando bem, eu não a tinha visto desde que acordou da missão em Balenvia. Sempre que pude, visitei sua porta e nada mudou. Comecei a me preocupar. Ezarel e Nevra estavam preocupados com Valkyon e ostentavam olhares de culpa.
O trabalho e as noites com Ashkore tinham me deixado bastante ocupado até o dia que encontrei Tingsi no corredor com seu Crylasm, sua Liclion e Purriry. Eu mal acreditei quando a vi. Seu aspecto era terrível. Tão pálida e magra, os olhos sem vida. Aquela garota à minha frente era o retrato da morte. Um nó se formou em minha garganta.
Os mascotes rosnaram para mim e os purrekos a levaram para dentro. Eu não conseguia me mover, estava paralisado pelo horror daquela visão. Ela era a carcaça vazia da mulher que eu conheci, da mulher que pintava os muros do QG. Minha mente girava, eu tinha que descobrir o que aconteceu e para isso, teria que esperar os purrekos. Eu esperei até que todos eles saíssem.
- O que você continua fazendo aqui?! – Purriry estava furiosa. – Já não basta o que você fez?!
- Purriry, eu não fiz nada!
- Não se faça de sonso, Leiftan!
- Mas é verdade. Eu não vejo Tingsi desde que ela acordou da missão de Balênvia. Estive tão ocupado que mal percebi. Por favor, eu só quero saber o que aconteceu com ela.
- Não sabemos. – Purreru estava cabisbaixo. – Os mascotes nos trouxeram até ela hoje e ela não nos disse nada. É como se algo tivesse se quebrado dentro dela.
- Vocês têm alguma ideia do que pode ter acontecido? Qualquer informação que ajude. Eu só quero entender o que aconteceu tanto quanto vocês.
- Eu acho que pode ter acontecido algo depois que eu a vi pela última vez. – Disse Purroy.
- Você está escondendo algo, Purroy?! – Reclamou Purral.
- Me diga tudo o que você sabe. – Pedi a ele.
- Tingsi veio me perguntar para que servia a água de lete.
- Água de lete?
- É, para poções de esquecimento.
- Não me diga que ela está tentando esquecer alguma coisa!
- Não, Purriry, ela não sabia. Até me deu a lista de ingredientes para uma poção do esquecimento e ela parecia furiosa depois que descobriu que era para uma poção que apaga as pessoas da existência.
- Ela disse para que finalidade queria essa poção? – Perguntei.
- Eu não sei, só que alguém iria ver uma coisa.
- Muito obrigado.
- Eu iria até Lein para pedir para examiná-la, mas os mascotes não nos deixam tirá-la do quarto.
- Pode deixar que levarei Ewelein até ela.
Eu não podia acreditar no que acontecia. Busquei Ewelein a enfermaria e a levei ao quarto de Tingsi. Os mascotes queriam proibir a minha entrada, mas Ewelein conseguiu convencê-los que eu iria ajudá-la. Ela ficou tão chocada com o aspecto de Tingsi quanto eu. Expliquei brevemente à Ewelein sobre minha conversa com os purrekos, omitindo algumas partes, claro.
- Temos que levá-la à enfermaria.
Os mascotes protestaram, então tentamos convencê-los. Percebemos que não era porque eles não queriam nossa ajuda, na verdade era porque Tingsi não queria ir. Ela sequer queria levantar ou talvez não conseguisse.
- Por que não quer ir à enfermaria? – Ewelein perguntou. – Por acaso quer ficar aqui e definhar até morrer?
Nosso sangue gelou quando vimos um aceno de cabeça positivo. Ewelein não estava falando sério quando fez aquela pergunta, mas aquele aceno era sério. Ajoelhei à beira da cama e segurei sua mão como se fosse a único vínculo entre a realidade e o horror.
- Você está certa disso?
Com um novo aceno positivo, ela soltou a minha mão com algum custo. Tive que ir para os jardins para poder respirar. Todo meu sangue frio não servia de nada. Uma coisa era matar, outra coisa era ver alguém desistir da vida assim. Eu tinha que fazer alguma coisa. Busquei pelos eventos que poderiam contribuir para isso em minha memória, os últimos acontecimentos deveriam ser a chave. As peças pareciam se encaixar e quanto mais eu pensava nisso, mais eu ficava furioso. Fui ver a única pessoa que poderia saber o que realmente aconteceu naquelas semanas.
- Miiko, o que você fez? – Eu tentava esconder minha raiva, não podia colocar tudo a perder, não agora.
- Do que está falando?
- Tingsi. O que você fez com ela?
Ela arregalou os olhos e depois assumiu uma expressão culpada. Miiko me pôs a par de tudo que tinha acontecido. Os mercenários, a poção de esquecimento, Valkyon, o surto de gripe no QG. Eu tive que me conter para não liberar minha forma aengel.
- Miiko, você enlouqueceu?!
- Eu estava tentando nos proteger, Leiftan.
- Mas não desse jeito! Demoramos muito tempo para que ela confiasse em nós e fazemos um ato terrível como esse?!
- O que está acontecendo?! – Perguntou Nevra entrando na sala do cristal com os outros dois.
- Eu sei o que vocês fizeram, ou o melhor, o que tentaram fazer. Vocês deviam se envergonhar. – Eles olharam para o chão. – Entendo que devemos proteger os habitantes do QG, mas isso? Não tenho palavras para descrever.
- Eu sei. – Disse Valkyon. – Se vocês vissem o horror em seus olhos, aquele pavor grotesco.... Eu queria me desculpar, mas ela não fala comigo. Ela nunca vai me perdoar.
- Se desculpar não vai ser o suficiente.
- Conseguiu falar com ela?
- Ela está o retrato da morte. – Todos ficaram sem reação. – Ela não quer mais viver.
Por pouco as palavras não morreram em minha garganta. Ao pronunciá-las novamente senti uma espécie de nó me sufocando. Vi a cor sumir dos rostos de cada um dos presentes enquanto suas faces adquiriam expressões apavoradas. Valkyon deixou a sala do cristal imediatamente. Respirei fundo antes de deixar a sala e voltar ao quarto de Tingsi.
Me surpreendi ao encontrar Valkyon lá. Ewelein queria saber o que estava acontecendo, pedi para conversarmos mais tarde, quando os sentimentos se acalmassem, visto que a situação era delicada. Ela saiu do quarto. Valkyon se ajoelhou à beira de sua cama e Tingsi usou de suas forças para virar o rosto para o lado.
- Me desculpe. Eu sei que não é o suficiente, mas eu queria dizer o quanto eu sinto muito.
- Já não acha que fez o suficiente?
A voz vinha de um homem muito bonito, cabelos longos e negros, traços que lembravam aos de Tingsi ou os fenghuangs, vestes azuis muito vívidas e fluidas e olhos azuis benevolentes, mas com um sentimento que não consegui identificar. Ele estava encostado na escrivaninha. Nós dois nos colocamos em alerta.
- Você é o homem da celebração em honra aos fenghuangs.
- Quem é você? – Perguntei.
- Depende. Para você. – Ele se dirigiu a Valkyon. – Sou aquele que está decepcionado com os últimos de meu povo. Você me decepcionou. – Seu semblante demonstrava claramente a decepção. – Já para você. – Ele passou ao meu lado sem eu perceber e sussurrou em meu ouvido – Eu sei quem você é, daemon, ou prefere aengel?
Eu estremeci, meu rosto empalideceu. Como ele sabe? Somente meus aliados sabem disso. O estranho contornou a cama em gestos elegantes e leves.
- O que faz aqui? – Perguntou Valkyon.
Ele nos ignorou, ficou do outro lado da cama e começou a acariciar o cabelo de Tingsi. Valkyon tentou pará-lo, mas antes que conseguisse segurar o braço do homem, o desconhecido agarrou o punho do chefe da Obsidiana com delideza e se aproximou tanto de seu rosto que por um momento pensei que fosse beijá-lo.
- Aconselho a não fazer isso novamente.
Ele o soltou, se ajoelhou ao lado dela e segurou sua mão. Fiquei ao lado do chefe da Obsidiana para observá-lo melhor e para o caso de eventual ataque.
- Meu coração estristece ao vê-la assim. – Ele suspirou tão sincero e melancólico. – Como as coisas puderam chegar a esse ponto?
- Eu não deveria tentando obrigá-la a tomar aquela maldita poção. Melhor, eu não deveria ter aceitado essa missão.
- Você fez mais do que isso. Dizem que a confiança é como um espelho quebrado. Você pode consertar, mas ainda verá a rachadura. O que acontece quando esse espelho se espatifa em mil pedaços?
- Eu sinto muito. Se pudesse voltar atrás....
- As pessoas pensam muito no “se” ao invés de “o que posso fazer agora”, não acham?
- Qual o seu propósito aqui? – Perguntei.
- Está fazendo a pergunta errada.
- E qual deveria ser a certa?
- Não é óbvio? Afinal, o que vieram fazer aqui?
Nos entreolhamos por um instante, mas antes que pudéssemos responder, o estranho saiu do quarto. Fui atrás dele, mas ele já tinha sumido. Quem era ele afinal? Voltei para junto de Valkyon. Ele estava em silêncio olhando para o aspecto de Tingsi, a preocupação e a culpa estampadas em seu rosto. Minha raiva inicial tinha se esvaído. Toquei seu braço.
- Eu sei que ela não vai me perdoar, mas eu prometo que farei de tudo para compensá-la, não importa o que tenha que fazer.
- Iremos pensar em algo.
Saímos do quarto e fomos à enfermaria. Contar para a Ewelein foi uma grande dor de cabeça. Precisávamos de sua ajuda mais do que nunca e para isso teríamos que contar toda a verdade. Claro que Ewelein deu uma bela bronca na Miiko e nos chefes da guarda. Para piorar a situação, Karenn estava ouvindo atrás da porta e começou a discutir com Nevra.
Eu já não sabia mais o que pensar dessa situação. Minha cabeça doía e tudo que eu queria era entrar naquele quarto e estar com ela, mas o que eu iria fazer ali? E tinha aquele estranho que sabia sobre minhas origens. Eu nunca o tinha visto antes.
- O que podemos fazer?
- Valkyon, eu sinto muito, mas não posso fazer muita coisa. – Disse Ewelein. – Para deixar claro: não é birra dela ou algo assim, se trata de uma doença da alma.
- Doença da alma?
- Sim, ela tem se tornado frequente nos últimos anos. Eu posso hidratar seu corpo, alimentá-la, mas sua alma está machucada. Ela pode ficar fisicamente saudável, mas por dentro é como se uma ferida muito grande não conseguisse cicatrizar. Infelizmente eu não tenho muito o que fazer.
As palavras da Ewelein foram desanimadoras. Minha cabeça girava, acho que todos ali se sentiam da mesma forma além de terem um olhar de culpa. O problema com os mercenários não importava mais, nada mais parecia importar.
===Tingsi===
Sabe aquela sensação de vazio que não importa o que você faça, ela não vai embora? Aquela vontade de dormir para amenizar essa sensação esperando que tudo fique bem quando acordar? Acontece que o acordar só me fez me fez lembrar de toda a dor. Meu interior sangra como uma ferida que não cicatriza.
O peso da realidade é demais para mim. Levantar se tornou uma tarefa árdua, é como se meu corpo pesasse toneladas. Respirar se tornou incômodo, viver se tornou incômodo. É como se eu estivesse em estado de coma, mas ao mesmo tempo consciente da presença das pessoas. Ironicamente minha caixa começou a tocar Comatose do Skillet. Queria não ter acordado.
- Desculpe a demora. – Era a voz de Qinglong, sentado no chão ao meu lado. – Eu tive que fazer uma saída dramática.
- E depois eu que sou o dramático. – Zhuniao estava sentado no sofá debaixo da janela.
- Viemos te fazer companhia. – Xuanwu estava sentado na beirada da cama. – Você não precisa passar por isso sozinha.
- Não importa o que você decidir, vamos estar ao seu lado. – Tornou a dizer o dragão. – Para o melhor ou para pior.
A música trocou para The Last Night do Skillet e depois Falling Inside The Black, Never Too Late do Three Days Grace e Bring Me To Life do Evanescence. Elas ficaram se repetindo em looping. Correndo os olhos pelo quarto não vi o avatar de Baihu. Ele deve estar muito decepcionado.
- Não se preocupe com Baihu. – Disse a tartaruga. – Ele se trancou em seu palácio.
- Tivemos problemas para impedi-lo de vir aqui e destruir todo o QG pelo que tentaram fazer com você. – Disse o pássaro. – Não pense que ele não gosta de você, ele só é teimoso em admitir quando está triste.
Escutei a porta se abrir. Merda, será que eu não posso morrer em paz?! Eu sei que posso parecer egoísta pensando assim, mas não consigo me importar, eu só quero acabar com tudo. Xuanwu, Qinglong e Zhuniao rapidamente se transformaram em um jabuti, um dragão de komodo e um pássaro vermelho lindo.
- Então é verdade! – Escutei a voz de Karenn.
- Você está tão magra. – Era a voz de Alajéa. – Chrome, você está chorando?
- Não estou.
Ele estava choramingando. Me sinto péssima em deixá-los assim, mas ao mesmo tempo, ao contrário do que deveria me incentivar, tenho cada vez mais vontade de desaparecer. Essa vontade é maior do que eu. Não pude evitar voltar a chorar.
- Você não pode ficar assim. – Escutei escutei o lobisomem. – Não você.
- Sim. – Concordou a sereia. – A gente pode te animar.
- Você vai sair dessa. Ewelein pode encontrar uma cura.
Eu sei que estão tentando me animar, mas eu só consigo me sentir pior. Não demorei a ouvir gritos e vi o pássaro voar em direção à porta. O dragão de komodo os tinha colocado para correr e o pássaro foi atrás dele.
- Qinglong, perdeu o juízo?!
- Sinto muito, Zhuniao, mas eu não podia deixar isso continuar.
- Se ele não fosse, eu iria em uma de minhas formas de serpente. – Vi o jabuti sair debaixo da cama. – Sei que suas inteções são boas, mas às vezes é melhor não falar nada do que abrir a boca e piorar a situação.
- Por isso que agi. Me desculpe por isso, Zhuque, mas tem vezes que ser positivo pode ser prejudicial e fazer com que as pessoas se sintam ainda piores.
- Nessas horas é preciso ser mais compreensivo ao invés de positivo.
- Eu sei que se trata da nossa amiga, mas não me obriguem a ter que lutar contra vocês. – A voz dele não era firme e sim cansada e até compreensiva. – Vocês sabem que não podemos interferir diretamente nas vidas dos mortais por qualquer motivo.
- Da mesma forma que sabemos que é seu trabalho nos impedir caso cruzemos essa linha. – A voz de Xuanwu consegue ser calma até nessas horas.
Eles voltaram aos seus lugares sem dizer nada e nem precisavam, a simples presença deles me acalmava. Eram os únicos amigos com quem eu podia contar naquele momento.
===Leiftan===
Minhas costas se chocaram contra a madeira. Lance distribuía chupões pelo meu pescoço enquanto apertava um de meus mamilos. Depois de tudo que aconteceu, eu precisava ocupar minha mente e Ashkore queria sexo. Ele abaixou minhas calças, no entanto, eu usei de minhas forças para empurrá-lo ao chão.
Tomei seus lábios com voracidade enquanto meu joelho esfregava em sua virilha. Abaixei suas calças e enfiei meus dedos em sua entrada para prepará-lo. Algum tempo depois, estava deslizando para seu interior. Nos movemos freneticamente até chegarmos aos nossos ápices. Esperei minha respiração normalizar para vestir minhas roupas antes de partir.
As portas do QG se encontravam fechadas para a segurança dos moradores. Tive que assumir minha forma e voar. Era madrugada, ninguém estaria acordado àquela hora, o que me dava liberdade para voar. Antes de ir ao meu quarto, achei melhor verificar como Tingsi estava, iria dar apenas uma olhada pela janela e nada mais.
Antes de alcançar sua janela, tive um leve vislumbre de seu cabelo ao vento. Fiquei surpreso e estranhamente aliviado em saber que tinha se levantado da cama, porém esse sentimento logo se esvaiu. Quando me aproximei mais um pouco, notei que ela estava sentada no parapeito da janela, sua camisola longa e branca esvoaçando ao vento juntamente ao seu cabelo. Suas pernas estavam do lado de fora e seus olhos estavam perigosamente fixos nas ondas abaixo de nós.
Um pavor silencioso se apoderou de mim. Ela não iria tão longe! Ou era isso que eu queria acreditar? Eu precisava fazer alguma coisa, mas se ela me visse, eu não sei o que poderia acontecer. Voltei ao meu quarto e saí pela porta. Estava trêmulo ao girar sua maçaneta, mas eu tinha que ser prudente. Adentrei devagar e me aproximei o mais silenciosamente possível da janela para não assustá-la.
Meu coração batia aceleradamente em meu peito, meu corpo tremia e eu só tinha um pensamento em mente: tirá-la de lá. Consegui chegar até ela depois do que pareceu ser uma eternidade, agarrei seu braço e a puxei ao meu encontro. Eu a abracei por impulso, tenho a impressão que qualquer coisa que eu disser vai piorar a situação. Seu corpo estava tão trêmulo quanto o meu, suas lágrimas molhavam meu peito enquanto meus olhos marejavam e meus dedos estavam enroscados em seu cabelo.
- Ting.... – Minha voz era fraca. – Não faça isso, por favor. Eu não quero te perder. Não assim.
Eu a beijei. Um beijo melancólico e ao mesmo tempo senti uma pontada de alívio. Foi um impulso, eu sei, mas nenhum de nós estava pensando direito naquela situação. Ela me empurrou para me separar e eu a abracei em outro impulso.
- Você é uma amiga muito querida para mim. – Tratei de me justificar. – Se algo acontecer com você, eu não sei o que fazer.
Ficamos assim até que ela se acalmasse. Minha cabeça girava com tudo aquilo, mas estou aliviado por ter chegado a tempo. Percebi a música que tocava, falava sobre ser a última noite que alguém ficaria sozinho.
- Leif.... – Sua voz não era nada mais que um sussurro devido ao estado em que estava.
- Estou aqui.
- Que cheiro de porra é esse?
Não pude evitar soltar uma risada enquanto uma sensação mais serena me invadia. Não sei se ria de nervoso ou de alívio ou os dois, mas naquele momento minha única reação era rir. Um momento de paz desde que esse pesadelo começou.
- Tudo bem se eu dormir com você esta noite? – Ela negou com a cabeça.
- Cryn pode fazer isso.
- Se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, pode contar comigo.
Quando eu olhei, estava o Crylasm deitado na cama. A Dalafa Noturna fechou a janela com ajuda do Pimpel, não pude evitar sorrir para eles. Preferi não insistir e saí do quarto. Ao retornar ao meu quarto, fechei a porta e escorei as costas contra a mesma. O que deu em mim para beijá-la?! Deve ter sido o susto e a adrenalina, apenas isso. Essa situação está mexendo com os nervos de todos de qualquer forma.
===Tingsi===
Fiquei algum tempo encarando a porta do quarto. Quando finalmente tinha reunído forças para me levantar e tomar um pouco de ar, eu me vi encarando o abismo. Algum tempo atrás, quando banquei a Amy Lee em Bring Me To Life, eu tomava cuidado para não cair e agora a queda parecia tão tentadora. Era como se as ondas me chamassem.
Graças a Leiftan eu não cometi uma grande besteira. Se bem que hoje mais cedo eu não hesitaria em cometê-la. O melhor que posso fazer é dormir, meus mascotes já cuidaram de tudo. Mal me virei para ir para a cama e o avatar de Baihu estava diante de mim. Eu não conseguia ver suas expressões por estar contra a luz.
- Baihu, eu.... – Por impulso, ele me abraçou.
- Não precisa dizer nada. – Sua voz estava alterada, não era aquela voz confiante que eu conhecia. – Eu não vim antes porque odeio te ver assim.
- Desculpa.
Foi tudo que consegui dizer. As lágrimas começaram a sair de novo, o que me deixava com raiva. Eu odiava tanto chorar, odiava o estado frágil que me encontrava, não podia deixar de me sentir patética. Ele deve estar decepcionado.
- Garota, eu não odeio a fraqueza e sim a covardia. Se precisar chorar, gritar, o cacete que for, apenas faça, está bem?
Ele fungou. Foi então que percebi meu cabelo estava molhado. Ele também esteve chorando? Digo, é possível deuses chorarem? Ainda mais se tratando do Tigre Branco do Oeste?
- Até os mais fortes têm suas fraquezas. Ninguém está imune a elas, nem mesmo os deuses.
Eu não sabia o que responder, eu não tinha nem reação além de retribuir seu abraço. Baihu me guiou até a cama e me pediu para deitar ao lado de Cryn. Ele tomou o lugar que Qinglong esteve algumas horas antes. Impressão minha ou começou a tocar Whispers in The Dark desde que ele apareceu?
- Você não é fraca, garota, só está doente e nenhum de nós está decepcionado com você. Conversaremos melhor amanhã, está bem? – Assenti, mesmo que fracamente. – Estarei sempre ao seu lado, mesmo que não me veja.
Chapter 23: Capítulo 23
Notes:
Aviso de gatilho: depressão e suicídio
Mesmo que as cenas do segundo sejam implícitas no pensamento, ainda podem gerar algum gatilho. Se você tem problemas com ambos os temas, espere um pouquinhoi, vai tomar uma água, espere ficar bem e volte só quando estiver pronto. Terapia é importante, todo mundo deveria ter acesso. Cuide de sua saúde mental.
Chapter Text
===Tingsi===
- Se sente menos pior?
Eu assenti. Qinglong e Xuanwu estavam sentados na beira da cama. Não havia sinal de Zhuniao ou de Baihu pelo quarto. Eles provavelmente devem querer falar sobre ontem, eu não quero falar sobre aquilo.
- Baihu finalmente deixou seu palácio. – Tornou a dizer a tartaruga. – Ou o que restou dele.
- Ele destruiu seu palácio? – Perguntei um pouco incrédula.
- Ele sempre faz isso quando tem acesso de raiva. Ele queria vir ao plano material e dar uma bela surra em toda a Guarda de Eel.
- Deveriam tê-lo deixado.
- O que acha que aconteceria se tivéssemos feito?
- Ele destruiria todo o lugar?
- Inclusive os inocentes. Zhuniao e eu tivemos dificuldade em contê-lo, principalmente sem Qinglong.
- Onde ele estava?
- Ao seu lado. – Respondeu o próprio. – Disse que não sairia do seu lado e nunca saí.
- O que pretende fazer hoje?
- Eu não sei. – Admiti. – Provavelmente devo ficar aqui. Não tenho vontade de sair. Xuanwu, eu sei que vocês dois estão loucos para falar sobre ontem, mas....
- Lembra quando você quase se afogou?
- Como esquecer?
- Você e Baihu foram saltar sobre os troncos, mas você não conseguiu. O que ele fez?
- Me disse para não me forçar a fazer algo que não estivesse pronta.
- Reintero o que ele disse.
- Achei que psicólogos gostassem de colocar o dedo na ferida.
- Só quando a pessoa está aberta ao diálogo.
Baihu e Zhuniao entraram no quarto com torradas, geléia, mel e um carrinho de chá. Eles colocaram ao lado da cama.
- Karuto deixou vocês pegarem tudo isso?
- E eu lá ligo para Karuto? – Perguntou o tigre. – E nós repomos por produtos mais frescos de qualquer forma, é como se usássemos os nossos.
- Eu só fui para impedir que ele fosse dar uma surra nos chefes da guarda.
- Eu te falei que não iria atrás deles.
- Mas nada impede que os encontre por acaso no caminho e muito menos que você resolva trocar alguns socos.
- Trocar socos o caralho. Iria descer o cacete neles sem sequer encostarem em mim.
Eles deixaram o ambiente mais leve e descontraído enquanto eu comia e tomava chá de lavanda. Aos poucos fui recuperando a vontade de conversar. Foi então que decidi conversar sobre ontem ou pelo menos tentar.
- Eu não queria realmente me jogar, mas a queda parecia tão tentadora.
- Já ouviu aquela frase “quando se olha para o abismo, ele olha duas vezes para você”? – Perguntou Xuanwu.
- Já.
- O suicídio e a depressão são como esse abismo. À primeira vista você tem receio de chegar até a beirada e quando olha para baixo seus instintos gritam para sair dali. Até que um dia você resolve olhar de novo e não parece tão ruim quanto imaginava. Você começa a contemplá-lo cada vez mais até que uma hora ele começa a te chamar. Cada vez que você olha para esse abismo, mais você escuta seu chamado e mais se inclina na beirada, até que você cai.
Ele respirou fundo, os outros não ousaram interrompê-lo. A Tartaruga Negra segurou a minha mão.
- Haverá horas que muitas coisas lhe parecerão tentadoras: a sua janela, uma lâmina, uma ferida aberta.... Eu poderia pedir para pensar nos seus amigos da Terra nessas horas, mas isso só a faria se sentir pior e teria o efeito contrário.
- E ao contrário do que você possa pensar, nada disso te torna fraca. – Disse o Tigre Branco. – Todo mundo tem problemas, só que tem pau no cu que não enxerga ou caga. Fraquezas existem para nos lembrar que temos nossos limites. Às vezes não é fácil superá-los e às vezes não estamos prontos.
- Baihu está certo. – Disse o Dragão Azul. – Tudo tem seu devido tempo e você pode contar conosco também. Somos seus amigos.
- Eles quebraram suas asas. – Disse o Pássaro Vermelho. – Mas nós podemos ajudá-la a voltar a voar.
- Mas não por aquela janela, pelo amor de nós mesmos.
- Baihu!
- Obrigada, gente. De verdade. Eu vou fazer de tudo para sobreviver e voltar ao meu mundo. Não importa o que eu tenha que fazer, mesmo que eu tenha que matar de novo.
- Ah, importa sim! – Zhuniao começou de drama. – Nem pense em roubar, mocinha. Quanto a matar, Qinglong, fale alguma coisa!
- Apenas demonstre misericórdia aos seus inimigos.
- Mas você também não me ajuda!
- Não é você quem vive dizendo que só podemos orientá-la e não interferir em suas decisões por piores que sejam?
- Não use minhas palavras contra mim.
- Por que tenho a impressão de que isso vai dar merda? – Comentou Baihu.
- Porque vai dar merda. – Nunca pensei que veria Xuanwu falar palavrão, se bem que deve ser a serpente. – Vamos cuidar do seu psicológico primeiro, depois conversaremos sobre matança.
Por dois dias fiquei sob terapia intensiva com Xuanwu. A porta do meu quarto vivia trancada, só permitindo a entrada dos deuses depois de pegar algum alimento na cozinha ou quando eu saía para usar o banheiro e tomar banho de madrugada. Às vezes eu tinha a impressão de que alguém me olhava pela janela, mas não via ninguém. Às vezes revisávamos alguns golpes para que eu fizesse alguma atividade física, às vezes treinávamos mascotes e às vezes eu só rabiscava na mesa digitalizadora. Xuanwu resolveu ler A Arte da Guerra comigo.
- Não imaginava que fosse chato.
- Não é de fácil compreensão, mas este livro é a compreensão mais pura de estratégia já escrita, tanto para campos de batalha quanto para negociação ou para a vida.
- Conhecer o seu inimigo com a você mesmo, sei.
- Conhecer as forças e fraquezas de seus adversários bem como as suas, o campo em que irão se encontrar, as condições do campo e as adversidades. Por exemplo, você aguentaria conversar com todos os habitantes do QG no estado em que está?
- Talvez nem todos, mas o que isso tem a ver?
- É comum que pessoas que tenham ansiedade ou depressão, ou as duas, tenham crises caso se aborreçam, se chateiem ou se estressem. Algumas delas podem ser bem violentas, principalmente para quem tem tendências suicidas.
- Está me dizendo para não sair agora?
- Estou apenas te dando um conselho. A última coisa de que precisa agora é de uma crise. O que você vai fazer não é problema meu.
- Olhem o que eu trouxe. – Zhuniao entrou muito animado no quarto com um bule de chá e me deu uma xícara. – É um chá gelado de saúde feito com limão, fruta de mel, melão picante e gengibre.
Bebi um gole. O gosto era forte, picante, refrescante e revigorante. Larguei a bebida no mesmo instante. Era mais forte do que eu poderia imaginar.
- É ótimo para a imunidade.
- Agora fiquei com sede e vontade de correr pelas paredes! Tem pimenta nesse troço?!
- Não, é só o gosto do melão picante. Também serve para animar e dar vigor.
- Ah, que ótimo! Era tudo que eu precisava!
- Poderia usar essa energia para treinar e ocupar sua mente. – Disse Baihu.
- Ah, claro. O espaço desse quarto é perfeito para isso.
- Ou você pode dar uma de Amy Lee de novo e nos encontrar na floresta. Assim não precisa encontrar gente.
- E continue bebendo. Sua imunidade foi comprometida durante esse tempo.
Acabei bebendo mais do chá e saindo do quarto pela janela. Tomei o máximo de cuidado para ninguém me ver e fui para a floresta. Fizemos exercícios bem leves até, mas mesmo eu não tinha ânimo para aquilo, nem mesmo para fazer os de Zhuniao. Logo os dele que eu mais gostava.
- Eu realmente não estou com ânimo, Zhuniao.
- Com ânimo ou não, só de você sair e tomar um pouco de ar já é uma vitória. Vamos para a parte mais isolada da praia? Melhor, vamos além.
Apenas concordei. Fomos além do rochedo, sendo que estávamos apenas eu e Zhuniao. Ele resolveu se sentar na areia, tomando cuidado para que as penas de seu traje não ficassem sujas de areia. Eu fiz o mesmo.
- Cuidado para não sujar!
- Você é tão pilhado com limpeza assim?
- Eu já lhe disse uma vez que pássaros não voam se suas penas estiverem imundas. A sujeira pesa e atrapalha o voo. Às vezes é preciso arrancar penas velhas para nascerem novas. Se quiser voar, é preciso trabalhar seus traumas um a um.
- Eu queria poder voar de verdade.
- Para onde iria? – Ele foi para trás de mim e começou a mexer no meu cabelo para fazer alguma espécie de penteado.
- Qualquer lugar longe daqui.
- Às vezes não ter rumo pode te colocar no rumo certo.
- Parece Xuanwu falando.
- Todos nós temos nossa própria sabedoria, ele apenas a tem como seu atributo. Até você tem a sua própria.
- Como se servisse para alguma coisa.
- Conhecimento inútil ou não ainda é conhecimento. Você não comprou aquele jogo cheio de cores?
- Do que você está falando?
- Daquele jogo da menina de vestido preto que não fala, a trilha sonora é bonita e triste e cada fase é uma cor.
- Gris? O que isso tem a ver?
- Eu gosto dele. A forma como as cores são usadas para expressar sentimentos, a trilha sonora, tudo naquele jogo é lindo. Ele fala sobre luto, não?
- Eu sei o que está tentando fazer, mas eu realmente não estou no clima para criar nada. Nem dançar eu tenho conseguido.
- A arte não está em criar, mas em sentir. Quando você faz taichi, você não pensa, você sente. Quando dança, você não pensa nos passos, você sente a música. Quando você desenha, você apenas sente para onde sua mão deve ir. Sentir é uma dádiva.
- Não estou certa quanto a isso.
- E quando você está certa quanto a alguma coisa, menina? – Ele soltou meu cabelo e me deu um espelho.
Parte do meu cabelo estava presa em dois pompons, mas eles não eram pompons, eram tranças que formavam rosas, uma de cada lado da cabeça. Também havia duas pequenas tranças de cada lado e um adereço de penas em uma mecha interna de cabelo. Elas lembravam as de um pavão, mas elas eram longas e vermelhas alaranjadas ou com amarelo forte. A impressão que dava era que as penas eram incandescentes.
- Um adereço de penas?
- São minhas penas velhas. Mantenha-as sempre com você, mas tome cuidado para quem irá mostrá-las.
- Suas penas são lindas e têm uma coloração tão viva.
- São da minha cauda.
- Devo mandar fazer uma varinha com elas?
- Se encontrar uma loja Olivaras por aí, quem sabe? O céu esteve cinzento o dia todo. Devemos voltar por causa da chuva.
- Eu não teria saído do meu quarto se não fosse aquele chá e vocês querendo me treinar.
- Se você comparar o quartel general com uma prisão, alguns minutos de liberdade não devem fazer mal.
Atualmente é a minha prisão, mas ele está certo. Quando avistamos os muros começou a chover. Zhuniao pôs sua asa sobre mim para me proteger da chuva. Sim, seu braço tinha virado uma asa grande o suficiente para que eu não me molhasse. Voltei ao meu quarto pelo lado de fora, tomando cuidado para não escorregar e cair. Também olhei bem para as janelas para ver se tinha alguém, afinal, não podia ser vista. Já no quarto, peguei minha mesa digitalizadora. Fechei os olhos e comecei a desenhar sem olhar, apenas sentir como o Pássaro disse. A caixa começou a tocar a seleção musical triste de sempre. Abri os olhos e resolvi melhorar meus rabiscos. Por algum motivo a caixa começou a tocar Not Gonna Die sem parar. Quando terminei, tinha desenhado uma garota olhando para um abismo e no fundo dele havia um olho demoníaco gigante. A visão do desenho era de cima, claro.
- É um tanto sombrio. – Disse Xuanwu.
- Isso diz tanta coisa. – Dessa vez era Zhuniao.
- Apenas segui seu conselho e não consegui tirar a conversa com Xuanwu da cabeça. Olhando para isso, percebo o quanto esse abismo pode ser assustador. Eu quero voar.
- E vai, no seu devido tempo. Nós também queremos que você voe.
- Você tem que revidar, garota. – Era Baihu falando. – Ambos os mundos são cruéis, então foda-se eles. Você precisa revidar.
- Mostrem o caminho.
- Você já o conhece. – Disse Qinglong.
Passei o resto do dia treinando alguns golpes com eles dentro do quarto. Aquele desânimo que tinha mais cedo simplesmente sumiu. Xuanwu disse que isso era comum. Haveria dias que eu não teria ânimo para nada e depois me animaria e dias em que eu me sentiria completamente normal e depois seria atacada pelo desânimo, dias em que eu me sentiria completamente normal e dias em que ficaria completamente desanimada. Era como brincar de roleta russa com o seu psicológico. Além de Not Gonna Die, a caixa resolveu revezar com Awake and Alive.
No dia seguinte, resolvi sair do quarto. Zhuniao tinha me ensinado a fazer aquele penteado de ontem, então foi o que eu fiz e ainda usei duas de suas penas como brincos. Coloquei uma calça preta e um top de mangas de cor azul que os mascotes trouxeram, além das botas de cardaços azuis. Acabei encontrando com Chrome no corredor.
- Tingsi, você está....
- Viva? E bem acordada também. – Ele me abraçou e se esforçou muito para não chorar.
- Eu fiquei preocupado! Você não abria a porta! E teve aquele bicho que tentou me devorar!
- Com medo de um mascote?
- Não era um mascote, era um monstro grande e feio. – Comecei a rir.
- Vem, vamos comer alguma coisa. Estou morrendo de fome.
Andamos até o refeitório. As pessoas que encontrávamos pelo caminho nos olhavam espantadas e cochichavam. Esse povo não tem mais o que fazer? Estou me sentindo a Brittney Spears em My Prerogative. Quer saber? Vou fazer que nem ela na música e tocar o foda-se.
- Everybody's talking all this stuff about me. Why don't they just let me live? I don't need permission, make my own decisions. That's my prerogative.
- O que é isso?
- Uma música.
- Às vezes você é tão estranha.
- Confesse, sem mim sua vida seria um tédio.
- Isso é verdade.
Entramos no refeitório e fomos pegar nossos pratos. Karuto parecia que tinha visto um fantasma.
- Pelo Oráculo, é você mesma?!
- Claro que sou.
- Eu não acredito. Você deixou todo mundo preocupado.
- Depois do que aconteceu vocês queriam o que?
- O que aconteceu?! – Os dois realmente estavam preocupados, talvez não saibam.
- Eu não quero falar sobre isso, pelo menos não agora.
- TINGSIIIIIII! – Karenn me abraçou. – Eu não acreditei quando ouvi que você tinha saído do quarto.
- Ficamos preocupados. – Disse Kero. – O que aconteceu?
- Não quero falar sobre isso agora.
- Como não? – Perguntou Alajéa. – Você ficou trancada todo esse tempo sem um motivo aparente.
- Está tudo bem? – Perguntou Ykhar. – Ouvi dizer que você estava a cara da morte.
- Eu já disse que não quero falar sobre isso! É tão difícil entender?!
Saí de lá no mesmo instante e fui para fora do prédio. Esfreguei as têmporas. Eu sei que todos estão preocupados, mas senti minha garganta queimar quando tocaram nesse assunto. Bem que Xuanwu disse que eu poderia ter uma crise, espero que isso não aconteça, não hoje. Vi os purrekos vindo em minha direção. Ótimo. Quanto mais eu rezo, mais assombração me aparece.
- Tingsi, é você mesma! – Purriry soltou um gritinho. – Eu rezei tanto ao Oráculo para te ver de novo.
- Ela até fez promessa para o antigo deus Byakko que iria te dar um baita descontão se você aparecesse. – Disse Purroy. – Graças a ele você está aqui!
- É, digamos que ele me deu uma ajudinha.
Sem mais nada para dizer, eu saí de lá e me escondi no Parque do Chafariz. Minha cabeça latejava, eu só tinha vontade de deitar e descansar. Tive o vislumbre de um traje azul. Qinglong havia sentado ao meu lado na grama.
- Eu não devia ter saído do quarto hoje.
- Mas o fez. É uma pequena vitória.
- Vitória para quem, Qinglong?! Para virem encher o meu saco?! Não tem nem 10 minutos e eu não aguento mais ver gente!
Ao invés de falar algo, ele me abraçou e colocou minha cabeça em seu peito. Senti vontade de chorar, mas aguentei firme para não fazê-lo.
- O fardo se torna menos pesado quando se tem alguém para dividi-lo. Eu sei o quanto as coisas mais simples estão sendo difíceis para você agora, mas eu estou aqui.
- Obrigada.
Ficamos assim até que eu me acalmasse. Quando me acalmei, ele tratou de arrumar dois croassants de chocolate com mágica e um chá de camomila. Aquele foi meu café da manhã.
- O que aconteceu com o “não podemos interferir”?
- É por uma boa causa. E combinei com Baihu de sabotar o guarda-roupa no palácio de Zhuniao para ele não vir me impedir.
- Você vai ouvir um monte depois.
- Eu sei, mas não me importo.
- Pena que você não está disponível para paquera.
- Fazer o que? Eu te falei que a empresa não iria fazer minha rota.
- Sacanagem.
- Esse tipo de relação é complicado. Você sabe que eu não sou o que está vendo.
- Eu sei, eu já vi sua verdadeira forma. Agradeço por sermos amigos.
- Tingsi, você está aí.
Era Dagma que tinha acabado de aparecer e Qinglong evaporou, quase me fazendo cair na grama. Vi uma salamandra azul na grama, era ele. Ele fez um gesto como se dissesse para me virar porque já se expôs demais.
- Onde conseguiu isso?!
- O que?
- As penas da fênix! Isso pertene aos fenghuangs! Onde foi que...?!
- É só uma pena de pavão tingida que eu trouxe comigo! O que diabos você veio fazer aqui, Dagma?
- Estavam todos te procurando. Você saiu correndo do salão principal.
- Eu precisava ficar sozinha.
- Então você não deve participar da sua avaliação hoje.
- Que avaliação?
- Ykhar pode explicar melhor. É melhor eu ir, eu não quero te incomodar.
- Dagma, você pode me fazer um favor?
- Claro.
- Pode reunir os purrekos, Kero e os outros na cantina? Eu preciso falar com eles, mas não fale nada aos outros reluzentes. Eu realmente não quero lidar com eles agora.
- Tudo bem.
Tomei mais um tempo para respirar antes de voltar ao salão principal. Todos que pedi estavam ali, inclusive Dagma. Eles vieram se desculpar por qualquer coisa que poderiam ter feito. Eles estavam preocupados. Respirei fundo antes de começar a falar.
- Gente, não é nada contra vocês. É que esses dias têm sido muito difíceis para mim e falar sobre eles me deixa mal. Eu prometo que vou contar tudo a vocês, mas agora eu prefiro não pensar no assunto.
- Entendo. – Disse Kero. – Desculpe por te pressionar.
- Eu só vou pedir que tenham paciência.
- Acho melhor você não participar da sua avaliação hoje.
- Eu estava dizendo isso a ela antes de vir para cá. – Disse a ninfa.
- Que avaliação é essa?
- As guardas avaliam os novos membros para ver como estão se saindo. – Explicou Ykhar. – Como somos da Obsidiana, geralmente o Valkyon nos testa em combate.
- Que bom, estava querendo muito encher meu chefe de porrada. – Falei socando a palma da minha mão e surpreendendo a todos.
- Não sei se isso é possível. – Disse Chrome.
- Valkyon é um guerreiro habilidoso e bem.... – Karenn começou a falar. – Você não parece estar nas melhores condições.
- Para encher ele de porrada, eu estou sim. Vou só me trocar.
- Coma alguma coisa antes. – Disse Karuto. – Você não pode ir de estômago vazio.
Comi algum prato preparado pelo Karuto enquanto tomava um suco qualquer. Eles me atualizaram do que tinha acontecido. Valkyon tinha adoecido e não parava de vomitar além de ter febre. Ezarel descobriu que ele tinha bebido uma poção preparada de forma errada, mas eu sei a verdade. Ele teve que reverter os efeitos da poção. Os mascotes fizeram uma grande bagunça na cozinha e Sirius cuspiu catarro na sopa, dando início a uma epidemia de gripe no QG. Agora o pessoal tem medo quando ele espirra.
Quando estava voltando ao meu quarto, esbarrei em Leiftan no corredor. Ele mal acreditou quando me viu e segurou meus braços para ver se eu era real. Eu os puxei contra mim por impulso, o deixando confuso.
- Você está...!
- Awake and alive.
- Como?
- Você não entenderia a referência.
- Fico feliz em vê-la de pé. Eu queria ver como você estava, mas sua porta nunca mais se abriu. Achei que nunca mais fosse vê-la.
- É o que parece.
- Podemos conversar por um momento?
- Não estou a fim de conversar.
- Entendo. Eu só queria exclarecer sobre aquele beijo.
- Eu não pensei nisso. Não precisa se explicar, você achou que iria me sentir melhor com aquilo.
- Na verdade eu não sei o que deu em mim. Acho que foi porque fiquei aliviado em te ver à salvo, mesmo que me odeie agora.
- Você sabia?
- Eu descobri depois. Não concordo com o que fizeram e te ver daquele jeito foi demais para mim. – Ele colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. – Só quero que saiba que pode contar comigo, sempre que precisar conversar.
Em seguida ele passou a mão na pluma que estava no meu brinco. Em um medo irracional, eu a tirei da mão dele. Ele me olhou confuso.
- Obrigada, mas eu realmente não quero falar sobre isso agora.
Voltei correndo para o meu quarto e fiquei aliviada ao deslizar as costas pela porta até o chão. Peguei os brincos e as outras plumas que tinha e as escondi dentro do ursinho que Xuanwu tinha deixado comigo. Uma delas eu resolvi que usaria como cordão por debaixo da blusa, mas não iria fazer isso agora. Pus um top de ginástica e uma calça preta e simples, desfiz o penteado e fiz um rabo de cavalo. Não foi difícil encontrar o local de treino. Valkyon estava com outros membros da Obsidiana na Cerejeira Centenária. Ele me olhou espantado.
- Tingsi, você está...!
- Acordada e viva.
Ele me abraçou. Fiquei sem reação e sem entender nada, mas o empurrei com todas as minhas forças. Ele endireitou sua postura.
- Fico feliz que esteja bem.
- Eu pareço bem para você?!
- Eu.... Você tem toda razão em ficar brava, mas podemos conversar em outra hora?
- Eu não vim conversar, vim lutar.
- Tem certeza?
- Mais do que pensa.
Ele me atacou, só que ele não esperava que eu fosse desviar e dar uma rateira nele. Ele deu de cara no chão e rapidamente segurei seu braço e o torci. Ele girou para se livrar de mim e eu caí no chão, mas levantei com um giro de break dance. Foi a minha vez de atacá-lo. Ele tentou defender e contra-atacar, só que eu defendi seu contra-ataque e entrei com um socão na fuça.
- Onde foi que aprendeu a lutar assim? – Ele perguntou passando a mão no queixo.
- Não te interessa.
Só então ele percebeu que eu queria machucá-lo e não mostrar minhas habilidades. A luta ficou mais frenética e ele levou a pior. Teve um ataque que ele segurou que eu consegui usar o joelho dele como apoio para subir e chutá-lo. Em outro ataque, eu usei o estilo fênix para acertar a garganta dele e depois entrei com a garra de tigre no estômago. A cerejeira tinha lotado de gente para ver. Eu só parei quando uma mão grande me pegou e me suspendeu no ar.
- Tingsi parar. Valkyon não ser inimigo.
- Fale por você! E me solte, Jamon, eu realmente não quero te machucar!
- Tingsi ter que se acalmar!
Me acalmar é o caralho! Ao ver que ele ia me levar dali, eu o golpeei com o nó do dedo na curva interna do cotovelo, que é um ponto muito sensível. Graças a isso consegui a minha liberdade e o Jamon virou meu oponente com o machado dele de brinde. Escutei um barulho no canto e vi que Jinp segurava um bastão de madeira com a língua. Desviei do Jamon, corri até a cerejeira com o Jamon puto atrás de mim, subi correndo na árvore, dei um impulso e pulei por cima dele. Jinp arremessou o bastão para mim, eu o peguei, aterrisei e fiz uns movimentos com ele. Só escutei exclamações dos espectadores.
Com uma arma em mãos, a luta ficou mais equilibrada. O bastão é muito versátil. Eu usei toda a minha habilidade com ele e encaixei golpes que me ajudaram a derrubar o ogro. Inclusive um que finquei o bastão no chão e girei na horizontal para executar um chute.
- Mas o que é isso?! – Miiko apareceu furiosa na multidão, fazendo todo mundo ficar quieto.
- E você é a próxima, raposa!
- Aposto 20 na humana.
- 50 que a Miiko arregaça.
- E o elfo e o vampiro também!
- Não me inclua nessa! – Gritou Ezarel desesperado.
- Nós não somos seus inimigos! – Nevra estava na defensiva.
- Não são?! Vocês mentiram para mim e tentaram me obrigar a tomar uma poção para todo mundo na Terra esquecer que eu existo!
- Eu sei que você está brava, mas você realmente quer fazer isso?!
- Quero! Porque não foi a sua existência que tentaram apagar, foi a minha!
E contei tudo o que tinha acontecido para todo mundo ouvir. Quebrei um barraco que ninguém naquele QG vai esquecer. Mesmo com a garganta ardendo, tendo que conter o choro e tendo uma crise depressiva gritando a plenos pulmões que se a única forma de sair dali era estando morta, deixando todo mundo mais alarmado que o normal, eu consegui dizer tudo o que tinha para dizer.
Fui amparada por um mendigo de chapéu de palha que estava na multidão. Karenn veio me abraçar e depois o Purreru, o Kero, Purroy, Chorme, Alajéa, Purral, Valarian e até o Jamon. Coitadinho, me sinto mal por ter descido o cacete nele. Purriry foi esculachar a Miiko e Ykhar foi junto.
- Estou orgulhoso. – Disse o mendigo e eu percebi quem era.
- Baihu. – Sussurrei enquanto eu o abraçava cada vez mais forte.
- Vamos sair daqui. Deixem-na respirar! Circulando! Tem porra nenhuma para ver aqui!
Baihu me conduziu para fora dali. Somente sua presença era capaz de fazer a multidão se abrir. Aproveitei para correr para o mais longe possível dali. Só percebi para onde ia, quando uma mão me agarrou. Reconheci Qinglong. Uma onda se quebrou em nós e foi então que percebi estar dentro do mar. Ele me puxou para fora dali e me abraçou. Baihu surgiu logo em seguida e esfregou a mão nas minhas costas. Eles ficaram comigo até que eu me acalmasse. Estava exausta depois de tudo aquilo.
- Zhuniao que me perdoe, mas isso está ficando fora de controle! – A voz era de Xuanwu, que surgiu do nada. – Duas crises no mesmo dia?! Ainda mais que esse é primeiro dia que você deixou aquele quarto?!
- Xuanwu, ela está exausta. Deixe para dar bronca depois. – Pediu Qinglong.
- Não me tome por idiota, Dragão! Dar bronca em alguém que acabou de ter uma crise?! Quer que ela se mate de vez?! Eu vou dar bronca em outras pessoas.
- Então finalmente podemos revogar a lei do não interferir diretamente? – Perguntou Baihu.
- Quem disse que será diretamente? Vocês esqueceram que podemos aparecer das mais diversas formas para aconselhar ou ensinar lições?! Eu vou ter uma conversa com essa guarda e é agora.
- É a serpente falando? – Perguntei a eles.
- Serpente, Tartaruga, ambas são o Guerreiro Negro. – Disse o Dragão. – Está familiarizada com o mito, certo?
Segundo a mitologia chinesa, além do deus que conhecemos, Xuanwu era um príncipe que saiu de casa para estudar taoísmo e se tornou um guerreiro que ficou conhecido como Guerreiro Negro. Há muitas histórias sobre ele, inclusive da sua transformação de Guerreiro Negro para Guerreiro Perfeito ou Zhenwu.
Uma das histórias diz que antes de se tornar imortal, ele retirou suas vísceras e as lavou em um rio para purificar seus pecados, só que esses pecados viraram uma serpente e uma tartaruga que começaram a tocar o puteiro. Então, ele já imortal teve que botar ordem no cabaré e assumiu a tartaruga e a serpente como símbolos. Por isso que dos animais celestiais ele é o único cuja tradução é Guerreiro Negro, se bem que wu também é usado para wugui, que quer dizer jabuti e não tartaruga e preto é hei segundo o tradutor, mas que isso importa? Meu chinês é horrível, o que eu aprendi foi muito pouco.
Tudo é história já que na mitologia chinesa são cinco animais porque no centro estaria Huanglong, um dragão dourado que dizem ser a encarnação do Imperador Amarelo e que representaria a terra, enquanto na japonesa, na coreana e na vietnamita não há um quinto elemento ou uma quinta besta no centro. Isso também porque o Imperador Amarelo é uma figura chinesa e esses povos têm treta para um caralho.
- O mito dele é meio confuso e não sei se é real.
- E você acredita mesmo que alguém é capaz de arrancar o próprio intestino para lavar e repor sem morrer? – Disse o tigre.
- Só preciso saber que ele é brabo.
- Não é educado falar dos outros como se não estivessem presentes. – Disse Xuanwu. – Podemos voltar?
Nós voltamos ao QG. Encontramos Zhuniao na grande porta, balançando seu leque calmamente enquanto tinha um olhar penetrante para os outros.
- Não tente nos impedir, pelo menos dessa vez. – Pediu Xuanwu.
- Acalme-se, eu sei que você não fará nada imprudente, pelo menos não em seu juízo perfeito. Irei com vocês para ter certeza de que ninguém irá cruzar a linha.
- Está falando de mim, Pássaro? – Perguntou Baihu.
- De você principalmente.
Voltei para o prédio escoltada pelos quatro. Xuanwu ia à minha frente, Qinglong e Baihu cada um de um lado e Zhuniao ia atrás e era o que mais chamava atenção. Os ânimos estavam inflamados, as pessoas preocupadas e quando a gente passava, todo mundo comentava. Eu fui de My Prerogative da Britney para Rumors da Lindsay Lohan. Assim que entramos na sala das portas, a confusão estava armada. Miiko tentava explicar que a prioridade agora era me encontrar. Nosso grupo abriu caminho até ela e os chefes da guarda.
- Eu não acredito nisso. – Disse Miiko. – É você mesmo?
- Olá Miiko. – Saudou Xuanwu. – Faz muito tempo desde nosso último encontro. Poderíamos conversar? Os membros da Guarda Reluzente também poderão fazer parte dessa conversa.
- Eu também irei. – Prontificou-se Zhuniao. – Para ter certeza de que tudo ocorrerá bem.
- Você! – Exclamaram Valkyon e Leiftan ao mesmo tempo.
- Não faz muito tempo que nos encontramos. – Disse Qinglong antes de se virar para Baihu. – Pode acompanhá-la até o quarto? Eu faria isso, mas este assunto me interessa também.
- Você fala como se eu fosse descer o cacete em alguém na primeira oportunidade.
- E você vai?
- Só nos que me irritarem.
Baihu me acompanhou até o meu quarto. Ao chegar lá, desabei na cama, exausta de tudo. Ele sentou em uma das cadeiras.
- Isso é um pesadelo. – Ele resmungou.
Baihu pegou minhas tintas e uma cartolina que não sei de onde ele tirou e começou a escrever algo. Ele apenas abriu a porta para pendurar com fita adesiva e a fechou. Ele se sentou ao meu lado.
- Não sabia que Xuanwu conhecia a Miiko.
- Não exatamente. Às vezes aparecemos para os mortais para aconselhá-los ou ajudá-los. Xuanwu sempre aparece para os líderes da guarda quando estão prestes a assumir o cargo. Podemos até ser aquela velhinha do ônibus que se senta ao seu lado para um embuste não te incomodar.
- Ela sabe quem ele é?
- Não. Para os outros somos qualquer coisa, mas para você é diferente. Garota, você nos reconhece em qualquer forma. Não importa qual forma tomamos.
===Leiftan===
Demorei a acreditar que aquela garota lutando contra o Jamon era Tingsi. Eu sequer sabia que ela lutava daquele jeito. Mal ela saiu do quarto e já estava dando uma surra em Valkyon e no Jamon, não pude evitar de sorrir. Essa garota me surpreende cada vez mais. E pensar que hoje de manhã ela estava com o que parecia ser duas penas de fênix. Como as conseguiu, ainda é um mistério para mim.
Depois que ela desapareceu, os moradores e membros da guarda vieram nos perguntar se aquelas acusações eram verdadeiras e suas suspeitas só foram confirmadas. Eu estava preocupado com Tingsi, nossa prioridade era achá-la antes que fizesse alguma besteira, mas tínhamos que resolver a bagunça que ela deixou com aquele escândalo. Essa garota é mesmo impossível.
Fiquei aliviado ao vê-la, mas ela estava cercada por quatro belos homens estranhos. Bem, um deles não era tão estranho assim. O que trajava branco foi acompanhar Tingsi ao seu quarto. Tanto eu quanto os presentes queríamos ir atrás dela, mas o homem de azul e o de vermelho nos impediram.
- Eu não faria isso se fosse vocês, principalmente porque ele estará com ela. – Aconselhou o homem de olhos gentis.
- E se ele resolver lutar contra vocês, será uma grande dor de cabeça acalmá-lo. – Não gostei do tom que o homem de vermelho usou.
Seguimos para a sala do cristal. O de azul tinha um semblante triste e uma presença tranquilizadora, mas ainda assim ele conseguia ser ameaçador. O de vermelho eu achei bem arrogante, seus olhos vermelhos eram penetrantes e sua presença era uma ameaça silenciosa. Já o de preto era o mais misterioso deles. Ele parecia calmo, mas meus instintos me alertavam para tomar cuidado com ele.
- Miiko, quando foi que você se perdeu? – Pronunciou o homem de preto.
- Eu só estava tentando proteger os habitantes do QG.
- E você não pensou que suas ações teriam consequências desastrosas? Principalmente depois dos traumas que ela adquiriu?
- Achei que fosse o melhor a fazer, os habitantes já sofreram tanto.
- Em três meses essa garota foi afogada, descobriu suas origens de uma forma inesperada, matou alguém, quase morreu envenenada, soube que a missão de Balênvia foi um desastre, foi traída por aqueles em quem confiou, quase perdeu tudo que amava, entrou em depressão e teve duas crises depressivas no mesmo dia. Três meses, ainda não chegamos ao quarto mês. Que mente aguentaria tudo isso em apenas três meses?
- Miiko, quem é ele, afinal? – Perguntei.
- É um antigo confidente. Ele me ajudou a lidar com a pressão quando assumi a liderança da Guarda de Eel.
- Então era você que sussurrava aos ouvidos de Miiko e aos poucos enfraqueceu a guarda?
- Se quiser envenená-la, apenas cuspa em sua bebida. Suas palavras são venenosas o suficiente para isso.
Fiquei sem reação. Os outros o olharam confusos, mas eu tentava esconder minhas emoções. Ele sabia que eu estava liderando uma conspiração? E que eu não era um lorialet? Olhei para o homem de azul, que apenas me deu um sorriso fraco. Tive minha confirmação ao olhar o homem de vermelho, que apenas abriu um sorrisinho discreto antes de cobrir a boca com o leque para disfarçar, seu olhar parecia ler minha alma. Quem ou o que eram eles?
- Às vezes o desespero por evitar o resultado pode se tornar uma ferramenta para concretizá-lo. – Tornou a dizer o de preto. – Você não pensou nas consequências de seus atos.
- Não precisa ficar esfregando na minha cara. Tingsi já fez este favor. – Apesar de defensiva, dava para perceber que ela se sentia culpada.
- Ah, mas precisa. – O de vermelho chamou a atenção de todos. Sua pose esnobe me irritava e ele não escondia seu desgosto por nós. – Permitam-me enumerar. – Ele fechou o leque e começou a batê-lo nos dedos abertos. – Fizeram uma série de promessas vazias, enganaram a menina para fazer uma poção proibida que a prejudicaria, fizeram uma poção proibida, mentiram para todo o QG.... De quantas violações éticas vocês precisam?
- A Miiko fez o que achava certo! – Nevra tentou defendê-la.
- Já pararam para pensar que esse seu plano de “salvar” os habitantes poderia tê-los condenado? Oh, eu esqueci. Pensar não tem sido seu ponto alto nos últimos dois anos.
É possível concordar com alguém que conheci há pouco tempo e já desprezo completamente? O homem de azul apenas soltou um suspiro cansado antes de se pronunciar.
- Não precisa ser tão severo com eles.
- Uma pena que minha sinceridade incomode. Você ainda está abatido, irmão?
- Apenas profundamente decepcionado com os últimos de meu povo. – Seu olhar buscou Valkyon. – Tive esperanças de que poderia ser diferente, mas no fim acho que devo me contentar com a extinção.
Os outros dois arquearam as sobrancelhas. O de vermelho assumiu uma expressão mais compadecida, guardou o leque, se aproximou do de azul e tocou seu ombro.
- Não somos responsáveis pelas escolhas deles. Seu povo fez uma escolha impulsionada pelo meu, mas no fim não somos responsáveis pelas escolhas de ninguém.
- Eu sei, mas não posso evitar a tristeza. Às vezes eu penso que este mundo foi um erro.
- E depois o dramático sou eu.
O homem de vermelho fez um gesto teatral com a mão livre e pronunciou a frase de forma igualmente teatral que arrancou uma pequena risada do homem de azul. A cumplicidade de ambos me fez esquecer por um momento que eu desprezava o de vermelho e comecei a achá-lo uma boa pessoa. De uma coisa era certa, o de azul tinha um estranho interesse em Valkyon e se dizia decepcionado com ele desde nosso último encontro. Os últimos de seu povo, será que...? Não pode ser.
- Dramático? Você é o drama ambulante.
Um calafrio percorreu minha espinha quando o homem de branco apareceu. Seu aspecto era rude, seus olhos embora fossem claros e honestos eram cheios de selvageria e ele exalava uma aura dominante, explosiva e perigosa. Ele se juntou aos outros.
- Como ela está? – Perguntou o de azul.
- Dormindo. Deixei um aviso na porta para ninguém incomodar.
- Provavelmente alguma promessa de maldição e um boneco malfeito na porta. – Provocou o de vermelho.
- Bonecos malfeitos com sangue de galinha, esqueceu dessa parte.
- Você não tem jeito.
- Essa situação não pode continuar desse jeito. – Tornou a dizer o homem de preto para Miiko. – Eu sei que tinha boas intenções, mas ações valem mais do que intenções. Miiko, o que você vai fazer?
- Eu ainda não sei. Podemos conversar a sós?
Saímos da sala. Valkyon sumiu de minha vista, Ezarel e Nevra foram procurar por ele. Fui em direção ao quarto de Tingsi. Ao chegar na porta, havia um papel enorme com letras vermelhas grafais e hediondas com as seguintes escrituras: “Entrada não autorizada! Se entrar, sujeito a paulada.”. Havia alguns bonecos hediondos e ensanguentados que davam calafrios e aquilo era um coração?!
- Um coração de boi? – Perguntou o homem de vermelho me assustando. Eu não sabia que ele estava ali. – Sério?
- Você não perguntou do coração. – Disse o homem de branco.
- Por que eu ainda me surpreendo com você?
- A menos que queira deixar um ganso e um pinscher de guarda, duvido que tenha ideia melhor.
- Que tal só trancar a porta? Retire essas coisas hediondas da porta.
- Tire você mesmo se está tão incomodado.
Preferi deixá-los sozinhos e voltar outra hora. Eles me assustavam e eu precisava encontrar Ashkore de qualquer forma.
Chapter 24: Capítulo 24
Notes:
Aviso de gatilho!
Nesse capítulo além de depressão também tem tentativa de estupro. Por mais que seja através de um diálogo e não esteja gráfico, esse assunto pode gerar gatilhos. Se você tem problemas ou não gosta desse assunto, não leia. Não vou ficar chateada, eu vou entender. Conte para alguém de confiança, mesmo que seja só para desabafar. Se possível faça acompanhamento psicológico e cuide de sua saúde mental. Todo mundo precisa de terapia, não é vergonha procurar ajuda.
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Chapter Text
===Valkyon===
Quando Tingsi disse que queria lutar, eu não imaginei que ela soubesse lutar. A forma como ela desferia os golpes e se movimentava não era parecida com nenhuma que tivesse visto. Ela era rápida e ágil, era difícil acompanhar seus contra-ataques. Nem mesmo Jamon conseguiu segurá-la.
Depois da confusão, eu queria ir atrás dela, essa devia ser a nossa prioridade, mas tivemos que lidar com um monte de broncas, perguntas e pessoas em pânico. Fiquei aliviado quando a vi novamente, mas dessa vez cercada por aquele estranho e mais três. Acabei tendo que ir à sala do cristal para descobrir quais eram as intenções deles. O homem de preto estava disposto a conversar com Miiko e expôs tudo o que fizemos.
- Você ainda está abatido, irmão? – Perguntou o homem vestido de vermelho.
- Apenas profundamente decepcionado com os últimos de meu povo. – Seu olhar se encontrou com o meu. – Tive esperanças que poderia ser diferente, mas no fim acho que devo me contentar com a extinção.
Senti uma pontada de tristeza e mais uma vez o sentimento de culpa me consumiu. Eu estava cansado dele, eu só queria consertar tudo, mas tenho a impressão de que Tingsi realmente me odeia. O de vermelho mudou sua expressão e tocou o ombro do de azul.
- Não somos responsáveis pelas escolhas deles. Seu povo fez uma escolha impulsionada pelo meu, mas no fim não somos responsáveis pelas escolhas de ninguém.
- Eu sei, mas não posso evitar a tristeza. Às vezes eu penso que este mundo foi um erro.
- E depois o dramático sou eu.
Quando fomos dispensados, tive que conter o impulso de correr até o quarto de Tingsi. Ao invés disso fui ao encotro do homem de azul. Não percebi que estava tão tarde e estava começando a anoitecer. Eu o procurei em todo lugar até que o encontrei na praia. Ele estava sentado na areia apenas admirando as ondas.
- Por que demorou?
- Estava me esperando?
- Você queria falar comigo, aqui estou. Sente-se.
Assim o fiz, mas mantive uma distância segura dele. Ele me intrigava e havia alguma coisa que não se encaixava.
- Quem é você?
- Sou aquele que você nunca conheceu, aquele que sua raça há muito esqueceu e aquele de quem precisará um dia. E também aquele que você decepcionou.
- Como eu te decepcionei?
- Você sabe como.
- Eu sinto muito. Eu não queria....
- Você não foi coagido. Ninguém colocou uma lâmina no seu pescoço e te obrigou.
- O que você quer que eu faça?!
- Prove que estou errado. Prove que não é minha maior decepção.
- Você se diz decepcionado com os últimos do seu povo, como eu posso ser sua maior decepção?!
- Não é óbvio?
Isso não era possível. Não éramos do mesmo povo, eu sequer sei quem ele é. A menos que ele seja.... Não, isso não é possível.
- Está dizendo que nós dois, digo, você...! Você é um dragão?!
- Eu sou mais que um dragão.
- O que pode ser mais que um dragão?
- Vou deixar que medite sobre isso. – Ele apenas sorriu de forma triste, mas acolhedora.
- É por isso que tem esse interesse em mim? Eu sou um dos últimos da nossa raça? Eu achava que éramos só eu e....
Foi então que me lembrei de Lance, meu querido irmão. As lembranças de sua morte ainda eram dolorosas, mas eu tinha esperança de que ele ainda estivesse vivo. Éramos os últimos dragões.
- Lance.
- Sinto muito pelo seu irmão. – Ele tocou meu ombro e me deu um sorriso triste.
- Eu ainda tenho esperanças de que ele ainda esteja vivo.
- Compreendo. Sinto muito, deve me achar um egoísta vago, mas a verdade é que estou preocupado com a minha amiga.
Foi então que eu lembrei daquela noite quando teve a celebração dos fenghuang ao ar livre. Ele tinha descido Tingsi da árvore e a confiado a mim. Um nó se formou em meu estômago. Ela o tinha chamado de Qinglong.
- Seu nome é Qinglong, certo?
- Não esperava que lembrasse da conversa de uma bêbada.
- É difícil esquecer quando ela disse que você era um dragão. Ela não quer me ver.
- Eu também não iria depois do que aconteceu. Há um trecho de uma música que diz: “Quando tudo que você ama está partindo, você se segura no que você acredita”. Você entende o peso dessas palavras?
- Que música é essa?
- Not Gonna Die, peça a Tingsi para te mostrar um dia.
- Se ela quiser falar comigo. Eu nunca vou esquecer o olhar dela.
- Sabe por que ela te olhou daquele jeito?
- Não.
- Talvez seja melhor descansar sua mente agitada por agora. Ficar se remoendo não vai ajudar.
- Você é um bom homem, Qinglong.
- A benevolência é a minha maior qualidade.
Ele colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. Havia algo familiar em seu gesto. Ficamos algum tempo admirando o sol se pôr. Quando olhei para o lado, ele tinha desaparecido. Esse sujeito ainda me intriga.
Fiquei mais algum tempo na praia tentando pôr os pensamentos em ordem, mesmo sendo noite. Voltei para o QG tarde da noite. O único som que eu escutava era o farfalhar do vento nas folhas. Chegando ao quiosque central, eu encontrei Tingsi. Assim que me viu, ela deu meia volta.
- Veio tomar um ar?
- Vinha.
- Eu só queria te parabenizar pela luta. Não sabia que lutava daquela forma.
- Certo.
- Podemos conversar? Por favor.
- Ok.
Um nó tinha se formado em meu estômago, mas eu precisava tentar. Pedi para irmos à cerejeira, seria melhor.
- Me desculpe. – Comecei. – Entre todas as pessoas daqui, eu sei o que é crescer sem ninguém e também o que é perder alguém. Eu tinha um irmão, Lance, ele era o antigo líder da Obsidiana. Quando ele morreu, eu me tranquei no meu quarto. Estava com raiva, eu queria ter ido no lugar dele.
- Por que está me dizendo isso?
- Porque quando tudo o que amamos está partindo, a gente se agarra ao que acredita.
- Está parafraseando uma parte da música do Skillet?
- Não conheço, mas uma pessoa me disse isso. Eu sei a dor que é perder alguém importante e tentei fazer o mesmo com você. Mesmo não tendo ninguém, seus amigos são importantes para você e eu quase te tirei deles. Eu realmente sinto muito. Não espero que você me perdoe pelo que eu te fiz. Eu nunca deveria ter forçado aquele beijo. Foi repugnante da minha parte.
- Repugnante foi pouco. – Ela estava ofegante e se esforçando para conter o choro. – Quando eu tinha doze anos, um cara me seguiu da escola e me puxou para um beco. Ele me beijou à força e colocou a mão dentro das minhas calças.
Ela fez uma pausa tentando conter suas emoções e retomar sua narrativa. Eu não sabia o que dizer, estava aterrorizado com tal descoberta. O olhar dela naquele dia, aquele pavor que assombra até hoje, agora tudo faz sentido!
- Eu mordi o lábio dele e chutei suas bolas. Consegui escapar e entrei na primeira loja que vi. Uma das funcionárias conseguiu e acalmar e me levou à delegacia. Eu consegui denunciar, eu não era a primeira vítima dele. Ele foi preso, mas.... – Ela fez outra pausa e eu esperei o tempo que foi preciso. – Eu não conseguia dormir à noite. Tinha pesadelos com ele, não ia para a escola e tinha medo de estar sozinha com um adulto. Eu andava com medo pelas ruas. Mesmo quando ele morreu na prisão, eu estava apavorada. Tive que fazer terapia com um psicólogo do governo. Fiquei dois anos nesse inferno até voltar a confiar nas pessoas.
- Eu sinto muito. Sinto mesmo.
- Você me fez lembrar do pior dia da minha vida. Me fez me sentir como se fosse aquela garota de 12 anos agachada no banheiro daquela loja outra vez.
Não contive meu impulso em abraçá-la. Foi então que percebi o quanto seu corpo tremia. Não deve ter sido fácil para ela me contar isso. Senti suas lágrimas molharem minha roupa. Eu não tinha ideia do quão quebrada ela estava. Não só por isso ou pela história da poção, desde seu quase afogamento ela estava fragilizada. Estávamos ambos quebrados.
- Eu sinto muito. Eu não sabia. Se eu soubesse....
- O que?! Você teria arrumado outra forma de me fazer beber aquela merda daquela poção?! – Ela tentou me empurrar.
- Eu não deveria concordado com aquela poção em primeiro lugar. Eu sei que não mereço seu perdão, mas eu não quero que sofra mais por minha causa.
- Deveria ter pensado nisso antes. Eu te dei a chance de me dizer a verdade! Duas vezes!
- Eu sei e eu fui um idiota em não te dizer. Gostaria de reparar meus erros e te fazer feliz.
- Como pode dizer uma coisa dessas como se fosse simples assim?
Novamente ela me empurrou. Peguei seus punhos e os coloquei em meu peito. Ela estava tremendo, se de raiva, medo ou tristeza, eu não sei dizer. Eu também tremia um pouco. Só então notei que tinha começado a chover.
- Se quiser me bater, apenas vá em frente. Eu sei que mereço. Se é o que vai te ajudar a se sentir melhor, pode fazer.
Ela me golpeou. Senti a parte de metal em meu peito ressoar quando a parte debaixo da palma da sua mão atingiu o local. Outro golpe foi desferido em meu tronco e ela alternou entre meu tórax, abdômen e meu rosto. Seus golpes eram rápidos, precisos e eu estava com dificuldades em ficar impassível a tudo, mas a dor que ela me causava não se comparava com a que eu causei a ela. Eu não parava de me desculpar. Chovia mais do que eu eu imaginei que choveria.
A chuva fina e constante não tardou em nos enxarcar. Ela me deu um chute que me jogou na grama. Até então só tinha me dado socos ou golpes com a mão em garra. Tingsi veio para cima de mim, posicionou um joelho de cada lado do meu corpo e me pegou pela gola, me obrigando a sentar. Seu rosto estava vermelho de tanto chorar, mas suas lágrimas tinham sido perdidas na chuva. Toquei seu rosto e o trouxe de encontro ao meu peito. Eu a abracei. Senti seu aperto afrouxar e me soltar. Agora ela retribuía meu abraço. Eu não disse nada, apenas afaguei seu cabelo. De alguma forma, sabíamos estávamos quebrados.
===Leiftan===
Consegui me reunir com Ashkore na floresta. Ele tinha ouvido falar sobre o ocorrido e eu tive que ouvi-lo resmungar sobre como aquela humana conseguiu fazer mais estrago do que ele. Esperei que ele terminasse seu ataque de pelanca para contar minha descoberta, ou melhor, minhas suspeitas sobre aquele homem ser um dragão. Ele riu com escárnio.
- Um dragão? Leiftan, seu cérebro foi afetado durante a epidemia? Um dragão?!
- Ele deu a entender que era um dragão.
- Se houvesse outro dragão além de mim e do meu irmão, eu sentiria.
Tenho minhas dúvidas. Impressão minha ou começou a chover forte de repente? Lembro que o céu estava limpo quando deixei o QG e que o clima é regulado pelo grande cristal, tanto que é incomum chover em Eel. Aparentemente algo alterou esse fenômeno.
- Meu irmão é muito dramático, não acham? – O estranho estava encostado em uma árvore próxima a nós. Como ele...?! – Não vim atrás de você, aengel. Minha conversa é com ele.
- Ora, então você é o famoso estranho de azul.
- E você é a minha maior decepção, mais até que seu irmão há algumas horas. Até quando vai seguir por este caminho, Lance?
A postura de Ashkore ficou tensa. Eu me surpreendi. Como ele sabia o verdadeiro nome de Ashkore? Quem era ele, afinal? Eu até queria falar algo, mas optei por ficar quieto. Ele ainda emanava uma aura triste e compassiva, porém estava mais severa e bem mais perigosa do que antes. Tenho a impressão de que mesmo se o enfrentarmos juntos, ambos sairemos derrotados.
- Como você sabe o meu nome?!
- Eu sei mais do que pensa. O que não entendo é porque se tornou tão amargo.
- Você pensa que sabe algo sobre mim, mas não sabe nada!
- Você e Valkyon são os últimos dragões, por muito tempo tiveram que se esconder.
- Cale a boca!
- Você não tem motivos para seguir por este caminho tão obscuro.
- Ashkore, não faça nenhuma tolice. – Pedi.
Mas o idiota não me ouviu. Ele atacou o estranho com sua adaga envenenada, entretanto não teve êxito. O estranho agarrou seu pulso, o girou e o desarmou. Ashkore tentou revidar com um soco. Ele desviou facilmente e empurrou Ashokore ao chão, que caiu como um saco de batatas. O mascarado ficou sujo com a lama que tinha se formado com a chuva.
- Não tente isso de novo. Não vim te ferir.
- E o que você quer, afinal?!
- Que você repense suas atitudes. Entendo a causa de vocês, mas suas ideias são muito distorcidas, Lance. Pense bem se este é o caminho que vale à pena. Do contrário, não poderei te ajudar.
- Eu não preciso da sua ajuda!
O estranho suspirou tristemente e abraçou o próprio corpo. Ele virou as costas e começou a caminhar para outra direção quando Ashkore o atacou de novo. Uma força sobrenatural o jogou para longe. Ashkore rolou na lama antes de atingir uma árvore. Ele tentou se levantar e revidar, mas raízes o seguraram e se uniram em um bloco de madeira retorcido, o imobilizando. O homem de azul se aproximou e arrancou sua máscara. Ele emanava um poder ancestral tão imponente que eu me senti pequeno, como um grão de areia na praia. O estranho segurou o rosto apavorado de Lance com uma das mãos.
- Admito que este mundo não era para ter existido, mas você.... Você joga o sacrifício de nosso povo na lama. Pensei que haveria a mínima chance de salvá-lo, mas agora eu vejo o quão obscuro é o seu coração. Você se julga forte, mas é apenas um covarde atrás de uma máscara. Você é a minha maior decepção, Lance.
O estranho o soltou e veio em minha direção. Recuei até minhas que costas estivessem escoradas em uma árvore. Embora ele não emanasse mais aquele poder avassalador, meu instinto me mandava recuar. Ele apenas parou ao meu lado e olhou para mim.
- Deveria escolher seus aliados com mais cuidado. – Ele iria embora.
- Espere. – Pedi. – Quem ou o que é você?
- O que você acha? – Ele se virou para mim gentilmente. – Tem alguma suspeita?
- Você é um dragão?
- Eu sou mais que um dragão.
Ele se virou e foi embora. A prisão de madeira de Ashkore sumiu sem deixar vestígios, o fazendo cair na lama. Aquele homem, quem é ele afinal?
===Tingsi===
Usei mais um lenço de papel para conter o espirro. Acordei gripada no dia seguinte. Os deuses estavam no meu quarto em seus avatares masculinos com uma infinidade de chás e uma sopa quente.
- Está feliz agora, seu dramático do caralho?! – Perguntou Baihu.
- Achei apropriado para a situação. – Defendeu-se Zhuniao. – Afinal, o que é um pedido de desculpas sem um pouco chuva?
- Um pouco?! Foi um toró! Você fez por mero drama, isso sim!
- Não é verdade. Também estou punindo a Guarda de Eel pela sua conduta antiética.
- E como isso vai puni-los apropriadamente?!
- Na verdade, toda essa situação é pior que qualquer punição que eu possa aplicar. Então decidi que no que eu puder fazer para atrapalhar suas vidas, irei fazer. Como alagar os jardins, por exemplo.
- Essa sua vingança resfriou a garota!
- Menos mal, pois ela não terá que lidar com a lama e o trabalho de limpeza que terão. Em contrapartida, todos estarão ocupados demais limpando aquele lamaçal e a deixarão em paz com suas milhares de perguntas. No final, todos ganham.
- Você é pior que Xuanwu.
- Não me envolva nesta conversa. – Pediu Xuanwu sentado ao meu lado recolhendo os restos da sopa.
- Como não? Você é tão vingativo quanto Zhuniao.
- Disse aquele que está sempre querendo brigar com os outros.
- Admito que quero encher os outros de porrada, mas você quando quer se vingar, consegue ser cruel.
As brigas entre Baihu e Zhuniao são divertidas. Embora eles briguem constantemente, eles também se ajudam e se apoiam, como os irmãos que são. Enquanto os três discutiam, Qinglong estava alheio à conversa. Levantei e fui até ele.
- Qinglong, está tudo bem? – Passei a mão gentilmente pelo seu braço.
- Não consigo disfarçar, não é mesmo? Não se preocupe, é um problema meu.
- Você quer falar sobre isso?
- Eu não posso. Problemas de deus.
- Pelo visto nem os deuses estão livres de problemas.
- Isso é verdade. Obrigado por se preocupar.
- Se houver alguma coisa que eu possa fazer, é só falar.
- Eu quero que você se cure, está bem? – Ele afagou meu rosto. – Xuanwu, será que podemos conversar?
- Claro. Vocês dois deveriam deixá-la repousar.
- Se cuida, garota. – Disse o Tigre.
- E não se esqueça de beber o chá. – Disse o Pássaro.
- Com a quantidade de chá que você me deu, vou passar o dia todo mijando.
Como Zhuniao é dramático, ele resolveu ir até a janela, virar uma ave do paraíso e voar por ela, ele só não contava que Baihu fosse virar um gato e pular nele. Ele começou a reclamar enquanto eu ria com Xuanwu e Qinglong. Pelo menos conseguiram fazê-lo sorrir. Xuanwu decidiu saltar pela janela e virar uma serpente, enquanto Qinglong escolheu ser uma salamandra. Eles sumiram em pleno ar.
Fechei a janela e voltei para a cama. Engraçado como os últimos acontecimentos nos aproximaram. Tratei de beber um dos chás preparados por Zhuniao. Escutei batidas na porta e Valkyon entrou. Não esperava vê-lo. Ontem pude descontar toda a minha raiva e a minha frustração nele, eu até me senti mais aliviada. Mas no final, sem dizer mais nada, acho que nos entendemos. Ele está arrependido e eu profundamente magoada. Voltamos sem trocar uma única palavra e seguimos nossos caminhos.
- Está melhor?
- Chama ficar gripada de melhor?
- Não era isso que eu me referia.
- Um pouco. Não está doente?
- Eu dificilmente fico doente. – Sirius resmungou. – A menos que tenha um Corko distribuindo catarro por aí.
- Aceita uma xícara? Um amigo deixou esse monte de chá e eu sou uma só.
- Qinglong?
- Não, outro amigo.
- Certo.
Ele pegou a que tinha melão picante, gengibre, limão e sei lá mais o que e sentou na cama. Mesmo magoada, me surpreendia como a conversa estava fluindo. As coisas ainda estavam um pouco estranhas entre nós, então achei melhor dar uma trégua, pelo menos até a gripe passar.
- Esse é bom.
- Cuidado para não subir pelas paredes. Como conhece Qinglong?
- Nós conversamos algumas vezes quando você estava.... Naquele estado.
- O que ele queria com você?
- Eu não sei bem. Ele disse estar decepcionado comigo e preocupado com você.
- Ele é legal.
- Sim.
Ficamos em silêncio, mas não estava tão desconfortável assim. Terminei de beber a minha xícara e recostei no travesseiro. Valkyon passou a mão gentilmente pelo meu antebraço.
- Farei de tudo para não te ferir de novo. Eu prometo.
- Suas promessas são vazias.
- Não mais. De agora em diante, irei protegê-la.
- Eu sei me defender.
- Eu sei. Como é aquela música? A do trecho de ontem.
- Not Gonna Die?
A caixa começou a tocar. Mesmo sendo dois versos, eles eram impactantes, assim como toda a música. A música inteira fala sobre revidar, pegar sua vida de volta e lutar. Essa música tem tocado muito ultimamente.
- O que achou?
- É como se descrevesse os últimos acontecimentos.
- É porque você não ouviu as de quando eu estava na pior. Teria tido um treco, com toda certeza.
Eu as coloquei para tocar e por algum motivo, a caixa decidiu acrescentar How To Save a Life à lista. Eu já estava meio saturada delas, mas o Valkyon, bem, ele parecia que estava contendo o choro. Passei a mão pelo seu braço e segurei seu antebraço.
- Não precisa ficar assim por causa de algumas músicas.
- Eu não fazia ideia de que era assim que você estava se sentindo. Eu sinto muito.
- Pare com isso, só vai me fazer me sentir culpada por ter te mostrado.
- Não vou mais te deixar sozinha.
Ele levou a mão até o meu rosto e o acariciou, me deixando sem reação. Segurei a mão dele que estava em meu rosto e a levei ao meu colo. Estava apreensiva e não conseguia soltá-la. Ele entendeu que eu precisava de tempo até que me acostumasse de novo com ele e as coisas voltassem ao normal. Se é que algum dia elas voltariam ao normal.
- Como tem passado? – Perguntou Leiftan se sentando na minha cama.
- Gripada, não está vendo?
Ele tinha vindo na parte da tarde para me ver. Eu sei que o deixei preocupado e que não conversamos desde ontem.
- Vê-la em seu humor habitual é um grande alívio, mas não foi a isso que me referi.
- Estou menos pior. Aceita uma xícara?
- Eu estava me perguntando por que tem tantas aqui.
- Um amigo deixou para mim por causa do resfriado, mas eu vou acabar o dia todo no banheiro.
- Nesse caso, irei aceitar uma. Também estou um pouco resfriado. – Ele pegou uma das xícaras. – Esse amigo seria o homem de azul, por acaso?
- Está falando de Qinglong? Não foi ele. Foi outro amigo.
- Foi um dos homens de ontem?
- Por que está tão interessado?
- Estou apenas querendo puxar assunto. Além do mais, eles me intrigam. Eu não sabia que a Miiko conhecia aquele homem vestido de preto, ela nunca me falou dele.
- Está falando de Xuanwu? Eu também não sabia, mas quem sou eu para julgar?
- Tem razão.
Ficamos em silêncio, apenas bebendo chá. Eu olhava para a porta e suspirava.
- Algo a preocupa?
- Amanhã, querendo ou não, vou ter que lidar toda essa merda. Eu só estou me preparando mentalmente.
- Imagino que esses últimos dias não tenham sido fáceis para você.
- Nem um pouco. Xuanwu me disse essa doença é assim mesmo. Alterações de humor repentinas, haverá dias que até levantar será um desafio e que preciso tomar cuidado para não ter uma nova crise.
- Ewelein me disse que é uma doença da alma e que não pode fazer nada. Esse Xuanwu parece que sabe mais sobre isso do que nós.
- No meu mundo são doenças que afetam o psicológico. Há remédios que ajudam, mas também é preciso haver acompanhamento com um psicólogo, paciência e apoio. Infelizmente muitas pessoas não as levam a sério.
- Eu nunca tinha ouvido falar delas até você chegar.
- Talvez vocês só as tenham ignorado ou achado que era frescura. Acontece muito por lá.
- Acho que pode ser isso. Se houver alguma coisa que eu possa fazer para tornar seus dias melhores....
- Você não me aborrece, isso já é muito. – Segurei o pulso dele. – Posso te pedir uma coisa?
- O que você quiser.
- Se por acaso eu tiver uma nova crise, me tire de cena na mesma hora e não me diga para me acalmar. Isso não ajuda, na verdade, só piora.
- Entendo. – Ele segurou a minha mão. – Farei isso, eu prometo.
- Obrigada. Se você não tivesse aparecido naquela noite, eu não sei o que faria.
Leiftan sorriu, colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha e acariciou o meu rosto.
- Você não tem que lidar com isso sozinha. Você pode contar comigo.
- Obrigada. – Peguei sua mão e a levei ao meu colo.
- Só não faça mais aquilo. Fiquei muito preocupado.
- Infelizmente eu não posso te prometer. Podemos mudar de assunto?
Conversamos um pouco mais até ele sair e voltar para o quarto para se recuperar do resfriado. Eu não tenho ideia do que vai acontecer daqui para frente e nem sobre o que vai acontecer, mas não adianta pensar nisso agora. Preciso me concentrar em como vou contar para os outros. Peguei A Arte da Guerra para ler. Quem sabe não me ajuda a pensar em alguma coisa?
Notes:
Espero que tenham gostado.
Chapter 25: Capítulo 25
Notes:
Nesse capítulo os eventos vão se passar na visão da Dagma desde que ela saiu de onde morava até o momento presente da história.
Chapter Text
===Dagma===
Quando eu era apenas uma menina e morava na vila das ninfas, eu sonhava em sair e ganhar o mundo. Nunca entendi o porquê, eu tinha tudo ali. Minha mãe me disse que era devido à minha natureza curiosa. Ela apenas permitiu quando eu cresci o suficiente para me cuidar sozinha. Às vezes eu queria nunca ter partido.
Entrei para a Guarda de Eel, pois não só os fenghuangs acreditavam que a aparição do Oráculo significava que algo importante iria acontecer como também a Huang Hua estava curiosa com aquela humana. Devo admitir que à primeira vista eu a achei rude, mas então percebi que além de grosseira ela é louca e por incrível que pareça nos demos relativamente bem.
Tingsi e eu não seremos as melhores amigas do mundo, mas devo admitir que sua visão sobre as coisas é bem interessante e ela também vive sua vida de forma bem intensa. Soube dos acontecimentos de Balênvia assim que cheguei ao Quartel General e do que ela fez para salvar Valkyon.
- Muito bem, você irá integrar a guarda Absinto. – Disse Keroshane depois de realizar meu teste.
- Muito obrigada.
Eu teria que me apresentar ao chefe da minha guarda. Ao sair da biblioteca, encontrei Nevra, o chefe da Guarda Sombra. Ele sorriu ao me ver.
- Dagma, eu pensei que não nos veríamos mais.
- Olá, Nevra. Sabe onde posso encontrar o Ezarel?
- Isso depende, o que eu ganho com isso?
- O que está insinuando?
- Só estou brincando com você. O que a traz ao nosso humilde QG?
- Eu vim fazer parte da guarda.
- Mesmo?! Nossa, que legal. Já fez o teste?
- Sim, fui designada para a Guarda Absinto.
- Pena que não foi para a minha. Você se sairia melhor lá e não teria que aguentar o Ezarel.
- Eu não acho que me encaixaria na sua guarda, sou melhor em alquima, mas concordo na parte do Ezarel.
- É por isso que quer falar com ele? Eu te levo até ele.
- Obrigada.
- Se quiser mudar de guarda, ainda há tempo.
- Vou pensar.
Ele me levou ao encontro de Ezarel. Ele estava no laboratório de alquimia. Nevra chegou sorrateiramente por trás de Ezarel e deu um sonoro tapa em sua bunda. O elfo pulou assustado e o experimento que ele fazia explodiu.
- Nevra, seu energúmero! Olha só o que você fez!
- Acalme-se, Ez. Você pode fazer outro.
- Você sabe quantas horas eu gastei com este experimento?! Quando não é Tingsi destruindo este laboratório, é você.
- Faz algum tempo que ela não vem às aulas de alquimia. Deixa para, lá, eu tenho novidades para você.
- Ezarel. – Chamei sua atenção.
- Dagma? Houve algum problema com os fenghuangs?
- Não, para falar a verdade eu vim porque queria me juntar à Guarda de Eel. Está olhando para a mais nova membra da Guarda Absinto.
- Ótimo. Nesse caso, eu tenho uma missão importante para você.
- Já?!
- Sim. Pode começar a limpar a bagunça que o Nevra fez.
- O QUE?!
- Estamos atrasados para a reunião com Miiko de qualquer forma.
- A gente se vê mais tarde.
Nevra pegou minha mão e depositou um beijo. Senti meu rosto esquentar com o gesto. Ezarel o empurrou para fora do laboratório de alquimia. Respirei fundo e comecei a limpar. Resolvi dar um passeio com Valentine depois disso. Encontrei com Tingsi e conversamos sobre os humanos e nossas teorias. As organizações que nos causam problemas têm outro papel na Terra, sequer são organizações armadas, ainda mais com espadas. Agora me pergunto, se eles não usam espadas, o que eles usam como armas?
Me empenhei nas missões de limpeza e manutenção, além de ajudar Ezarel no laboratório. Ele sempre arrumava um jeito de me irritar ou irritar alguma outra pessoa. Ele não tinha distinção quanto a isso, mas pelo menos descobri que ele odiava ser tocado. Por isso, quando ele me perturbava, eu dava um jeito de tocar nele.
- Você é doida?! Não somos tão íntimos assim!
- Mas poderíamos ser. – Seu rosto ficou corado e as pontas de suas orelhas ficaram vermelhas.
- Já não basta Nevra, agora tem você para me aporrinhar também?!
- Não me diga que o mestre da apurrinhação tem um ponto fraco.
- Me mande à merda, mas não toque em mim! – Só por isso, eu cutuquei suas costelas. – Dagma, eu estou falando sério!
- E você vai fazer o que se eu continuar?
Eu continuei o provocando e cutucando em diversas partes do corpo enquanto ele tentava pegar meus pulsos. Eu me esquivava com facilidade dele. Continuamos assim até que eu esbarrei em algo e me segurei para não cair. Infelizmente eu tinha segurado o pulso do Ezarel. Nós dois fomos ao chão. Quando percebi, ele estava entre as minhas pernas e o rosto perigosamente perto do meu pescoço. Como um belo cretino que ele era, ele segurou meus pulsos e sussurrou perto do meu ouvido:
- Parece que o jogo virou, não é mesmo?
- Ez, você viu...? – Nevra entrou no laboratório naquele exato instante. – O que você está fazendo com o meu jantar?!
- Não é nada do que você está pensando, seu pervertido! Seu jantar que estava me perturbando!
- O que aconteceu com “fique longe das garotas da minha guarda”?
- Você pode ser uma excessão bem irritante.
- Eu sabia que você se importava comigo! – Nevra ronronou e o abraçou por trás, o fazendo se arrepiar e suas orelhas ficarem rosadas.
- Hei! Pare com isso! – Ele soltou um dos meus pulsos para tentar se livrar do vampiro, então eu segurei seu ombro. – Você também!
- O que foi? Eu só quero te dar um abraço.
- Nem pense nisso!
- Ez, não seja tão arisco. – Pediu Nevra manhoso. – Abraço em grupo!
- Parem vocês dois!
Nevra e eu ficamos importunando ele com abraços e toques até que ele conseguiu se livrar da gente. Ele estava tão vermelho que chegava a ser engraçado. Ezarel começou a ajeitar suas roupas e a recuperar sua compostura enquanto eu me levantei ajudada pelo Nevra.
- Ainda bem que Tingsi só me manda ir à merda.
- Se quiser, eu posso chamá-la também.
- Nem pense nisso! Afinal, o que você veio fazer aqui?
- Eu vim te perguntar se viu o Chrome por aí.
- Não, eu não vi. Ele se soltou da coleira de novo?
- Preciso comprar uma mais resistente.
É engraçado como a amizade desses dois funciona. Eu os deixei discutir seus assuntos e me concentrei em ajudar Karenn na limpeza. Todos ali pareciam tão amigáveis e solícitos.
Eu estava no meu quarto quando ouvi a confusão do lado de fora. Fui ver o que estava acontecendo e vi que os chefes da guarda estavam carregando Valkyon pelo corredor e Miiko estava com um olho roxo. Todos tinham semblantes preocupados.
- O que está acontecendo?
- Dagma, há quanto tempo está aí? – Perguntou Miiko.
- Acabei de chegar.
- Não importa, temos que ir à enfermaria imediatamente.
Nós o levamos à enfermaria. Ewelein fez exames minuciosos no chefe da Obsidiana. Ezarel e Nevra estavam preocupados com ele. Vi Ezarel sair correndo e fui atrás dele. Ele entrou no laboratório de alquimia. Havia um líquido marrom estranho espalhado pelo chão. Nos entreolhamos e fomos fazer um teste rápido para saber o que era aquilo. Não conseguimos, mas havia um pequeno caldeirão dele.
- Se descobrirmos quais ingredientes foram usados, talvez saibamos que poção é essa. – Sugeri.
- E assim podemos descobrir o que há de errado.
Nós fizemos um feitiço para analizar os ingredientes. Eles estavam muito bem misturados a uma espécie de água, mas tinha cocô e catarro na poção. Ficamos confusos até entendermos que a poção foi sabotada.
- Acha que Valkyon bebeu essa poção sabotada? – Seu rosto assumiu uma expressão de culpa.
- Vamos apenas jogar isso fora.
Foi o que fizemos. Quando Valkyon acordou, ele estava com febre e vomitando muito. Tivemos que preparar uma poção forte para aliviar os sintomas. Aquilo foi só o começo do pesadelo. Um Corko resolveu cuspir na comida do QG e deixar várias pessoas doentes. Eu estive na cozinha para ver como ele conseguia. Parece que uma trupe de mascotes perturbava Karuto e o Corko cuspia na comida. Aqueles eram os mascotes da Tingsi?
Eu não a vi durante a epidemia de gripe no QG e nem nas semanas seguintes. Às vezes encontrava Valkyon voltando da direção de seu quarto com uma cara terrível. O clima do QG também estava tenso. Ninguém a tinha visto e os chefes da guarda estavam sempre abatidos. Um dia desses, Nevra passou por mim e nem me galanteou.
- O que está acontecendo? – Perguntei ao vampiro.
- O que, como assim?
- Nevra, eu posso não conhecê-los há tanto tempo, mas tem alguma coisa errada aqui. O que está acontecendo?
- Eu acho que fizemos uma coisa terrível.
- O que?
- Sinto muito, Dagma, mas não posso discutir esse assunto com você.
Aquela situação perdurou por mais algum tempo. Eu tinha ouvido boatos que Tingsi tinha saído do quarto e estava o retrato da morte. Aquilo não saía da minha cabeça. Eu só a vi algum tempo depois, quando Ezarel estava fazendo a avaliação da Absinto. Ele nem mesmo tentava me irritar. Eu fui excelente em minha avaliação. Uma pessoa simplesmente abriu a porta do laboratório.
- Venham ver! A humana está enfiando a porrada no chefe da Obsidiana!
O sujeito saiu correndo, assim como boa parte da guarda. Alajéa e eu nos entreolhamos antes de seguirmos Ezarel porta a fora. Encontramos com Nevra, Chrome e Karenn na cerejeira. O lugar estava cheio de curiosos. Tingsi e Valkyon lutavam ao centro. Todos ao meu lado estavam chocados.
- Ela sabe lutar?! – Perguntaram os dois chefes da guarda olhando um para a cara do outro.
- Ela é incrível! – Exclamei animada, chamando toda a atenção.
Os movimentos que ela realizava lembravam as artes marciais que tinha visto com os fenghuangs, na verdade os que vi eram resquícios do que sobrou de uma arte marcial. Ela se movia com tanta destreza, agilidade e sabia onde acertar cada golpe de forma que não fosse fatal. Jamon tentou fazê-la parar, mas acabou se tornando apenas mais um adversário. Um mascote jogou um bastão de madeira que ela começou a usá-lo em seus golpes e esquivas. Eu só conseguia olhar para aquilo admirada.
- É tanta vivacidade! Tanta habilidade! Eu quero enfrentá-la! Será que ela me treina?
- Você está louca?! – Perguntou Ezarel.
- Detesto concordar com ele, mas você enlouqueceu?! – Perguntou Chrome.
- Desculpem, eu não sei o que deu em mim. Às vezes fico bem empolgada quando vejo demonstrações de luta. Eu nunca tinha visto algo assim na vida!
- Você ao menos sabe lutar?
- Sim. Aprendi com os fenghuangs, eles dizem que eu aprendo rápido. Mas eu nunca vi golpes assim ou um bastão de madeira virar uma arma.
Eles só se entreolharam sem dizer uma palavra. Ninfas não são guerreiras natas, eu não sei de onde herdei minha aptidão para lutas. Minha mãe me disse que se eu não desobririsse nas minhas viagens, ela me contaria. Admito que fiquei curiosa com o que ela tinha para me contar, talvez ela finalmente falasse sobre o meu pai. Eu não sei quem ele é, nem mesmo o seu nome, mas isso acabou não fazendo importância.
- Mas o que é isso?! – Miiko apareceu furiosa na multidão, fazendo todos ficarem quietos.
- E você é a próxima, raposa! – Tingsi gritou com uma raiva que arrancou exclamações da multidão. – E o elfo e o vampiro também!
- Não me inclua nessa! – Gritou Ezarel desesperado.
- Nós não somos seus inimigos! – Nevra estava na defensiva.
- Não são?! Vocês mentiram para mim e tentaram me obrigar a tomar uma poção para todo mundo na Terra esquecer que eu existo!
- Eu sei que você está brava, mas você realmente quer fazer isso?!
- Quero! Porque não foi a sua existência que tentaram apagar, foi a minha!
Se eu já estava confusa com sua atitude, o que ela disse em seguida me deixou perplexa e preocupada. Ela contou sobre como a guarda mentiu para que ficasse no QG, a enganou para beber uma poção do esquecimento, ela desabafou tudo e mais um pouco e até insinuou que a única maneira de sair do nosso mundo seria rasgando a própria garganta. Fiquei muito preocupada com essa parte, pois ela não estava brincando. Para piorar a situação, os semblantes de culpa da Miiko e dos chefes da guarda, junto com seus pedidos de desculpas só confirmaram meus temores.
Ela foi abraçada por um mendigo vestindo roupas brancas demais para um mendigo e por seus amigos do QG. Eu mal conseguia me mover enquanto Purriry e Ykhar foram brigar com a Miiko. Eu não sei o que Tingsi fez depois, eu só consegui correr até o banheiro e vomitar. Minha cabeça girava, eu estava entre a raiva, a piedade, o choque, a tristeza, a decepção e a preocupação. Voltei ao meu quarto para tentar acalmar os ânimos.
Decorei meu quarto com uma fonte e várias plantas, como se fosse um bosque. Eu queria ir para o ar livre, mas não queria ouvir fofocas e murmúrios. Só quando me acalmei é que saí do quarto para conversar com os outros. Eu tinha acabado de encontrar com Karenn, Chrome e Alajéa quando Tingsi entrou no prédio escoltada por quatro homens. Embora desconhecidos, eu recuei um pouco, algo me dizia que eles eram bem mais fortes do que aparentavam. Eu não os tinha visto pelas redondezas com exceção do de vermelho. Às vezes ele aparecia no templo fenghuang. Huang Hua não gostava muito dele, já Huang Jia me contou que nas poucas vezes que conversaram, ele não era de todo ruim.
- Quem eram eles? – Perguntou Alajéa.
- Eu não sei, nunca os tinha visto por aqui. – Disse Karenn. – Nem sabia que a Miiko conhecia algum deles e muito menos a Tingsi. Eu preciso descobir quem são.
- Eu já vi um deles antes. – Comentei.
- Qual?! Quando?! – A vampira não resistia a uma fofoca.
- O de vermelho. Eu o vi uma ou duas vezes no templo fenghuang.
- O QUE?!
- Achei que fosse algum fenghuang, mas suas vestes são mais pomposas. E a impressão que ele passa divide opiniões. Eu não sei quem ele é, mas não é alguém que eu gostaria de enfrentar.
- Você sabe o nome dele?
- Não, sinto muito. Nem os fenghuangs do templo sabem quem ele é. Ouvi dizer que uma vez Huang Hua o confrontou e ele disse que o templo era mais dele do que dela.
- Esse cara é maluco?! – Perguntou Chrome.
- Não é educado e muito menos ético falar dos outros por suas costas.
Nossas espinhas gelaram. Atrás de nós estava o homem de vermelho com o seu leque aberto em uma pose pomposa. Mas nós o vimos ir para a sala do cristal e não vimos ninguém sair de lá. Ainda mais considerando que a entrada da sala estava bem a nossa frente.
- Se têm algo a dizer, digam na minha frente.
- Você não estava...?! – Começou Chrome apavorado. – Ali?
- Talvez eu ainda esteja, talvez não ou talvez haja dois de mim.
- Você é homem do templo fenghuang. – Foi tudo que consegui dizer. – Digo, você é um fenghuang, não é?
- Eu sou mais que um fenghuang.
- O que pode ser mais que um fenghuang? – Perguntou Alajéa.
- Se colocarem suas cabeças para funcionar ao invés de tentarem espionar, talvez descubram a resposta. Vocês estão preocupados com ela, não estão? – Ele estava bem mais compassivo do que na frase anterior.
- Sim, ela é nossa amiga. – Disse Karenn. – A gente quer entender o que aconteceu e porque ela disse aquelas coisas.
- Porque é verdade. Tingsi também é minha amiga, por isso digo que o melhor é deixá-la em paz no momento, principalmente depois de uma crise como aquela.
- Crise?!
- É uma consequência de uma doença da alma.
- Não era para ela estar acompanhada? – Perguntei. – Ficar sozinha não poderia ser perigoso?
- Ela não está sozinha, meu irmão está com ela. Aconselho a não entrar naquele quarto com ele lá dentro. Sua paciência é volátil.
- Isso não o torna perigoso?
- Para ela não, para aqueles que podem prejudicá-la, sim. Tudo é uma questão de ponto de vista. Agora, dispersem-se. Se os encontrarem só somarão problemas. Suas respostas virão com o tempo.
Acabamos sendo enxotados pelo homem de vermelho. Consegui compreender por que os fenghuangs tinham opiniões tão diversas sobre ele. Ele é extravagante, cheio de pose, mas ao mesmo tempo honesto e não é má pessoa. Eu até poderia compará-lo a Feng Zifu, se Feng Zifu não fosse tão crítico.
Tive que procurar uma forma de me ocupar até obter as respostas que eu queria, por isso passei o dia inteiro no parque do chafariz com Valentine. Brincar com minha mascote me distraiu um pouco dos problemas.
Quando vi que a reunião tinha acabado, ou pelo menos os chefes e os estranhos tinham se dispersado, achei melhor conversar com algum deles. Leiftan passou por mim e nem me viu. Eu vi o homem de vermelho e o de branco discutindo na frente da porta de um dos quartos. Aquilo são bonecos de magia e um coração?! Melhor não chegar perto deles.
Concentrei na minha missão de procurar os chefes da guarda, mas eu não era a única. Boatos se espalham mais que gripe e todos queriam saber o que tinha acontecido. Tentei procurar pelo Ezarel no laboratório de alquimia, mas não o encontrei. Ele também não estava em lugar algum. Nem mesmo Karenn sabia e ela estava procurando Nevra desde cedo.
Havia uma escadaria que levava até o porão, a equipe de limpeza guardava os materiais lá. Desci para ver se encontrava alguém e nada. Desci para a prisão, alguma coisa me dizia para fazê-lo. Encontrei Nevra, sentado e admirando o lago verde. Então era aqui que ele estava escondido.
- Nevra.
- Dagma, o que faz aqui?
- Eu estava procurando um de vocês. Aquilo que ela disse, era verdade? Vocês fizeram tal ato? – Ele permaneceu em silêncio e desviou o olhar. – Por quê?
- Eu só estava cumprindo ordens, está bem! – Ele disse em defesa. – Miiko estava com medo que os mercenários humanos que atacaram o templo dos fenghuangs viesse atrás da Tingsi. Por isso achamos melhor apagar os vestígios dela da Terra. – Dava para ver que ele estava arrependido.
- Isso é loucura! Eldarya e a Terra são mundos diferentes! Dá para perceber isso pelos portais de comida. Se o acesso fosse tão fácil assim, vocês a teriam mandado para casa há muito tempo! – Respirei fundo. – Eu conversei com ela sobre os humanos daqui e sabe qual a conclusão que chegamos? Que não tem qualquer conexão!
- Como pode ter certeza?
- Ela disse que eles vivem em um mundo que não luta mais com espadas, não há magia e eles já foram à lua sem magia. Eles não param quietos, Nevra. Se os humanos daqui tivessem contato com os da Terra a ponto de saber sobre uma garota desaparecida, provavelmente estaríamos em apuros!
- Mas e....
- Eles foram para a lua sem magia e não lutam mais com espadas! Acha mesmo que se tivessem contato com os humanos daqui eles não estariam traficando armas ou sei lá o que eles usam para lutar agora?!
Ele estava boquiaberto e pareceu pensar por um momento. Seu semblante voltou a ficar como nos últimos dias, triste, cabisbaixo e se recusando a olhar qualquer um nos olhos.
- Tem razão. E agora me sinto pior por ter deixado isso acontecer. Ela nunca vai me perdoar por isso.
- Nem mesmo um faerie perdoaria se isso acontecesse.
- Eu sei. Ela nunca vai me perdoar. Eu também não me perdoaria.
Em um impulso, eu me ajoelhei ao seu lado e o abracei. Ele se surpreendeu com minha atitude, mas era claro que ele estava precisando de um abraço.
- Dagma....
- Eu sei que não tenho o direito de me intrometer, mas eu não aguento ver quando tem alguém triste. É mais forte do que eu. Posso ver o quanto essa história está mexendo com todos do QG.
- Obrigado. – Ele retribuiu meu abraço. – Eu não sei o que fazer.
- Bem, pedir desculpas é um bom começo.
- Tem razão. Vou fazer isso.
- Acho que você vai ter problemas maiores para se preocupar agora.
- Pior que isso não pode ficar.
- Karenn estava te procurando. Ela parece enfurecida.
- Retiro o que eu disse.
- Também estou preocupada com Ezarel e com Valkyon. Aquele elfo não me irrita há dias.
- Isso é grave. Acho que sei onde ele pode estar.
Eu o segui de volta à sala das portas. Nevra enrolou o cachecol de forma que cobrisse seu rosto para não ser reconhecido e então saímos do QG. Fomos até a planice depois da toca, mais especificamente para perto do penhasco. Ezarel estava ali, com um olhar perdido e um Alfeli como companhia.
- Ez! – Nevra o chamou.
Ezarel nos olhou sem ânimo. Nevra sentou ao seu lado e o puxou para um abraço, colocando a cabeça dele em seu peito. Eu me aproximei, hesitante se deveria tocá-lo ou não.
- Deu tudo errado, Nev. Eu não sabia, eu não queria....
- Eu sei. A gente fez merda, não foi?
- O que fizemos foi imperdoável, mas eu não sabia que ela levaria tudo tão longe.
- Vamos lidar com isso depois.
- Estou mais preocupado com o Valkyon. Ele quem ficou de ajudá-la a preparar e fazê-la beber aquela maldita poção.
- Eu também.
- Não é ele ali na praia com o homem de azul? – Indaguei.
Os dois se aproximaram do penhasco para ver a cena. Ele conversava calmamente com o homem vestido de azul. Nevra, com sua audição sensível tentava captar o que estavam falando. Até pensamos em ir à praia, mas não queríamos que nos notassem.
- Seus pais não os ensinaram a não espionar os outros?
Tomamos um grande susto e nos sobressaltamos. Atrás de nós, nos olhando calmamente estava o homem vestido de preto. Ele tinha um rosto gentil e olhos afiados.
- Eu esperava isso de você, Nevra, afinal é o líder da Guarda Sombra. Mas de Ezarel e de você, senhorita Haugen? Que comportamento lamentável.
- Meu nome é....
- Dagma Haugen. É um nome de forte pronúncia. Nórdico antigo, não? Uma variação de Dagmar e Haugen é colina.
- O que você quer aqui?! – Nevra perguntou se colocando à minha frente.
- Apenas avisar que minha conversa com Miiko terminou. Vim apenas me despedir.
- Nos despedir. – Disse o homem de vermelho, de onde ele surgiu?! – Até você está querendo testar a minha paciência, irmão?
- Perdoe-me, acho que cometi um deslize.
- Poupe-me de suas desculpas, você sabe exatamente o que faz. Vamos embora, já terminamos o que viemos fazer aqui. Foi um prazer conhecê-los. – Ele disse de forma cordial.
Os dois se despediram de nós e foram embora. Nos entreolhamos e decidmos voltar ao QG. Valkyon parecia bem à vontade com o estranho de azul e Nevra ainda tinha que se explicar à Karenn. Ezarel e eu fomos direto ao corredor das guardas. Ele abriu a porta do seu quarto.
- Precisa de companhia? – Ofereci. – Ficaria feliz em poder conversar.
- Obrigado, Dagma, mas no momento prefiro ficar sozinho. Estou com um pouco de dor de cabeça.
- Precisa de uma poção ou de um chá?
- Chá seria bom. Se puder trazer um pouco de mel, eu agradeceria.
Fui até a cozinha preparar um pouco e voltei com uma xícara para Ezarel. Ele me agradeceu e eu voltei ao meu quarto. Escrevi uma carta à Huang Hua contando tudo o que tinha acontecido e a enviei com um feitiço. Boatos se espalham rápido e prefiro que os fenghuangs saibam por mim do que por qualquer outra pessoa. Escrevi uma carta à minha mãe também, contando minhas aventuras até ali, inclusive sobre os estranhos e por um deles ter me chamado de Dagma Haugen. Isso não saía da minha cabeça.
No dia seguinte, encontramos os jardins alagados e lama para todo lado. Era estranho, pois quando fui dormir o céu estava limpo. Alguns relataram ter chovido muito de madrugada. Nevra e eu nos encontramos quando fui tomar café da manhã, ele me convidou para sentar junto com Ezarel e Leiftan. Ezarel reclamou que teríamos que limpar o dia inteiro e que odiava isso, Nevra só concordava e Leiftan parecia um pouco gripado. Acabamos nossas refeições e fomos à sala das portas para o anúncio da limpeza. Nos encontramos com Valkyon, ele parecia bem melhor.
- Valkyon, onde esteve?! – Perguntou Nevra. – Não te vimos à noite toda.
- Eu fui esfriar a cabeça na praia e perdi a hora.
- Está sabendo da chuva de ontem? – Perguntei. – Achei que o céu estava limpo quando fui dormir.
- Foi de madrugada, mas não reparei que estava tão ruim.
Ezarel e Nevra trocaram olhares preocupados, até mesmo Leiftan percebeu a tensão que tinha se formado. O lorialet espirrou chamando a atenção dos outros.
- Desculpem, eu estava sem sono e fui dar um passeio. Acho que não tive sorte, pois fui pego pela chuva.
- Não é melhor você ir ver a Ewelein? – Sugeri. – Vocês dois, já que estavam naquele temporal.
- Não precisa, é apenas um resfriado. Obrigado por se preocupar.
- E eu estou bem. – Garantiu Valkyon. – Dificilmente fico doente.
- Mesmo assim não é melhor tirar o dia de folta? – Sugeriu Ezarel. – Principalmente depois de ontem.
- Estou bem. Irei ver como Tingsi está.
- Ainda não conseguiu conversar com ela?
- Consegui. Acho que nos entendemos.
- Quando foi isso?! – Perguntaram o elfo e o vampiro ao mesmo tempo.
- Ontem, um pouco antes de começar a chover. Não quero falar sobre isso agora.
- Certo. Se precisar de algo, é só pedir. – Disse sincera.
- Obrigado.
- Vamos, ainda temos jardins para limpar. – Disse Leiftan antes de espirrar e assustar os habitantes de Eel. Nevra até pulou no colo do Ezarel.
- É melhor você ficar de folga, Leiftan. – Sugeriu o elfo. – Até mesmo para não assustar os habitantes por causa de uma nova epidemia de gripe.
- É. – Concordou o vampiro. – Sirius já traumatizou Eel o suficiente.
- Tem razão.
Valkyon e Leiftan foram para os corredores dos quartos enquanto eu fui me encontrar com Karenn para começarmos a limpar aquela lama. As cobranças sobre o assunto de ontem foram deixadas de lado, pelo menos por um tempo. Acho que essa chuva veio em boa hora.
Chapter 26: Capítulo 26
Chapter Text
===Tingsi===
Levantar até que não foi difícil, difícil mesmo foi girar a maçaneta. Perdi as contas de quantas vezes respirei profundamente me preparando para sair do quarto. Não posso evitar essa merda para sempre, é melhor acabar com isso. Saí do quarto. Novamente tinha feito o penteado que Zhuniao tinha me ensinado, eu gostei dele, e vestido roupas mais confortáveis para o caso de descer a porrada em alguém. Nunca se sabe.
Assim que entrei no salão principal, Karuto ergueu os olhos da cozinha. Eu mesma iria preparar minha comida como de costume, mas ele me impediu.
- Deixa que eu faço.
- Não estou inválida, sabia?
- Eu sei, mas achei que depois do que aconteceu, bem....
- Tudo bem. Eu só estou um pouco exausta com essa merda toda. Ainda fiquei devendo a todos aqui uma explicação.
- Entendo. O que vai querer?
- Acho que um pouco de torta de framboesa e muita cachaça.
- Álcool logo cedo?!
- Para lidar com o armagor.
- Tingsi!
Alajéa não se conteve em me abraçar. Karenn veio logo em seguida juntamente com Chrome.
- Como você está? – Perguntou a vampira.
- Menos pior. Podemos conversar depois que eu comer?
- Tudo bem, eu acho.
Comi a torta enquanto eles falavam de assuntos mais leves, além da lama no dia anterior. Pedi para reunírem todo mundo, pois eu não ia falar duas vezes. Quando todos estavam reunidos, Dagma e os purrekos inclusos, eu comecei a falar o que tinha acontecido. Às vezes eu tinha que tomar um copo inteiro de cachaça para conseguir falar. Ainda era difícil conversar sobre o assunto entre eles, principalmente sobre o beijo forçado e meu antigo trauma. Aí foi que esvaziei a garrafa. Karuto não se opôs a me deixar beber.
Preferi evitar contato visual. Não queria ver seus olhares de choque, pena ou piedade. A única coisa que eu queria era acabar com aquilo tudo e tirar aquele gosto amargo da boca, que nem a cachaça era capaz. E também acabar com a queimação de choro que se formava em minha garganta. Eu a odiava tanto. Mas de alguma forma eu me sentia mais leve por desabafar sobre isso.
- O resto vocês já sabem.
- Ah, mas pode deixar que eu dou um jeito neles! – Gritou Purriry furiosa. – Onde já se viu fazer uma coisa dessas?!
- Conte comigo também! – Dessa vez era Purral.
- Eu nunca pensei que fossem tão longe. – Disse Chrome.
- Você falou com Valkyon depois disso? – Perguntou Dagma.
- Sim.
- Como foi?
- A gente meio que se entendeu e meio que deu uma trégua.
- Ah, eu já ia esquecendo! – Disse a purreko fêmea. – Vamos para a loja, vai ter um desconto muito especial e eu vou te dar uma das minhas criações de graça.
- Purriry, realmente não precisa.
- Claro que sim! Eu fiz uma promessa ao antigo deus Byakko, não se faz promessas aos deuses antigos se você não tem intenção em cumpri-las. Eu não te dei o traje antes e olha a chuva que caiu!
Se ela soubesse que não foi Baihu quem mandou aquela chuva e sim Zhuniao, ou como eles devem conhecer, Suzaku. Eu não sei o que ela faria, mas é melhor deixar quieto. Acabei tendo que ir para a loja da Purriry comprar algumas roupas com as meninas. Ela ainda me deu uma roupa de graça, um vestido élfico formal, daqueles bem de fantasia com gola alta e sem mangas. Melhor, as mangas eram separadas do resto do vestido. Ele era azul claro e branco com joias prateadas, muito leve a ponto de parecer flutuar e de gala.
- Purriry, eu não tenho ocasião para usar isso.
- Um dia ela virá. Experiemte.
Eu experimentei. Ele ficou maravilhoso em mim e o penteado que eu tinha feito pareceu combinar. A purreko soltou gritinhos de satisfação quando me viu.
- Você fica linda com cores frias.
- Eu nem sei o que pensar.
Fui tirar o vestido. Iria levá-lo comigo junto com outras compras que tinha feito. Um pensamento cruzou minha cabeça, então resovi falar com a Purriry.
- Não sabia que você era seguidora do Byakko.
- Eu não sou. Byakko é um deus antigo forte e poderoso e tem uma natureza protetora, além de ser um tigre, claro. Dizem que ele é o rei dos animais e que favorece os fortes e protege os fracos. Os purrekos o adotaram como um deus antes do Grande Exílio, mas agora ele não é muito popular. No entanto, alguns ainda rezam para ele quando precisam de força.
Não está de todo errado, na verdade nem errado está. Mitologia e religião variam conforme a época, os povos e a região, não é por acaso que vários mitos da mitologia grega mesmo têm duas ou três versões.
- Quando eu te vi naquele estado, achei que se o Oráculo não pudesse ajudar, talvez ele pudesse, mas há um preço a se pagar.
- Do que está falando?
- Bem, não se promete nada aos deuses antigos se você não tem a intenção de cumprir. Eu não sei se é verdade, mas dizem que eles são temperamentais.
- Ainda mais o Tigre Branco do Oeste. Na Terra, diziam que ele era o guardião do quadrante oeste, o rei dos animais e senhor das montanhas e o atributo dele era a retidão. Alguns o colocavam até como deus da guerra. Imagino que no lugar dele também odiaria promessas não cumpridas.
- Faz sentido.
- Você ouviu? – Escutei uma moça dizer. – Um membro da guarda foi atacado ontem à noite.
- E eu pensei que hoje teríamos um dia de paz. – Disse outra. – Já não bastava todos os problemas que estávamos tendo.
- Principalmente depois que aquela humana chegou.
- Aquela humana tem nome. – Falei me intrometendo. – Se vocês têm algum problema comigo podemos resolver aqui e agora. Caso contrário, guardem suas opiniões para vocês.
As duas se calaram e saíram da loja super sem graça. Mal vejo a hora de voltar para minha cama. O dia mal começou e já me sinto cansada.
- Não liga para elas. – Disse Dagma segurando meu ombro.
- Eu não ligo, mas não quer dizer que vou aceitar merda pelas minhas costas.
- Alguém realmente foi atacado? – Perguntou Alajéa.
- Sim. – Disse Karenn. – Não deixam ninguém entrar na enfermaria e eu não sei quem foi. Não falei nada porque.... – Ela olhou para mim e percebi que estava medindo suas palavras.
- Já entendi. – Falei. – Não tem problema. Vou para o meu quarto, estou cansada.
- Mas você mal tomou café da manhã. – Disse a sereia.
Preferi não discutir. Voltei ao meu quarto com minhas compras e desabei na cama. Queria dormir, mas parece que o universo me odeia.
- Como se sente após a conversa? – A voz de Xuanwu se fez presente e Baihu estava com ele.
- Cansada, mas de certa forma aliviada.
- Ótimo.
- Eu não aguento mais essa roleta russa psicológica. Quando isso vai terminar?
- Pode levar semanas, meses ou alguns anos.
- Eu não tenho alguns anos, Xuanwu!
- A questão não é quanto tempo você tem, mas o quão profundas essas cicatrizes são.
- Às vezes demora algum tempo para reunir forças e revidar. – Disse Baihu. – Você precisa revidar, mas antes precisa reunir forças.
- Descanse um pouco.
- Ainda mais que estou sentindo o cheiro de missão.
- Puta merda! Missão, já?!
- Ótimo, Baihu. Olhe o que você fez.
- Se vai ficar trancada nesse quarto, então é bom fazermos algo construtivo.
- E o que você quer que eu faça?
- O que acham de meditarmos um pouco? – Sugeriu a Tartaruga. – Você pode fazer deitada se quiser.
- Não tenho nada a perder.
Xuanwu foi me explicando sobre a postura que eu deveria ter ao deitar na cama, exercícios de respiração, essas coisas e Baihu foi criando um ambiente tranquilo com música mais relaxante, queima de incenso e expulsão dos mascotes do quarto. Os dois sentaram no chão em posição de lótus um de cada lado da cama e começaram a meditar.
Foquei na minha respiração e não pensei em nada em especial. Não dormi, pois apesar dos meus olhos estarem fechados, eu ainda estava consciente. Abri os olhos no susto quando bateram na porta.
- Tingsi, posso entrar?
Assenti, mesmo querendo resmungar que não. Os deuses já tinham sumido mesmo. Valkyon entrou no quarto, mas não olhei para ele.
- Estava dormindo?
- Não exatamente.
- Como está se sentindo?
- Menos pior.
Ficamos em silêncio por um bom tempo. Diferente de ontem, ele não sentou na beirada da cama, acho que estava analisando se era seguro se sentar.
- Precisamos da sua ajuda.
- Como?
- Enthraa foi atacada e não sabemos o que aconteceu. Você é boa em investigação. Digo, se estiver tudo bem para você.
- O que sabem sobre o ataque?
Valkyon me contou que aconteceu na prisão, então fui até lá colher as provas. Como tem uma passagem que leva ao mar, talvez algumas pistas tivessem sido levadas para a praia. Sei disso porque foi por ela que vim com Chrome. Já na praia, encontrei algas, cabelo e escamas, mostrando que o ataque tinha sido ali. Colhi tudo e fui para a parte mais isolada. Enthraa ainda estava na enfermaria, então subi na rocha, fiquei em um pé só e comecei a meditar. A brisa marítima me fazia bem e ajudava a organizar meus pensamentos. Troquei de perna.
- O que está fazendo? – Perguntou Nevra.
- Não devia estar aplicando medidas de segurança junto com os outros?
- Eu vim te avisar que Enthraa acordou e você pode pegar o depoimento dela.
- Ok. – Desci da rocha.
- Tingsi. Eu.... Desculpe. Eu não fui te ver porque achei que precisava de espaço, eu não achei que ficaria desse jeito. Eu não queria ter concordado com aquilo. Deveria ter lutado mais.
- Não adianta lamentar, o dano está feito. Estou tentando sair dessa.
- Se houver algo que eu possa fazer, qualquer coisa....
- Eu realmente preciso de tempo. Não estou com cabeça nem para essa investigação.
- Eu posso te ajudar. Podemos perguntar aos demais habitantes se viram alguma coisa no caminho até a enfermaria.
- Ok. Você anota, eu não sei se vou conseguir me concentrar.
Ele concordou, então colhemos os depoimentos das pessoas e até dos nossos amigos. Também tivemos que tomar o depoimento de Enthraa, a sereia das profundezas. Ela era estranha, mas era bonita, se tiver um universo em que todos tivessem gêneros trocados, eu sentaria na versão masculina dela.
Entreguei as outras provas à Ewelein para análise. Nevra e eu tomamos o depoimento de Enthraa e descobri que o QG tinha o seu próprio portal por perto. Uma pena que não tenho conseguido acessar o limiar ultimamente. Dagma apareceu com algumas poções que tinha feito para ajudar Enthraa e Nevra e eu saímos da enfermaria.
- Está bem para fazer o relatório à Miiko?
- Não tenho cabeça para enfrentar a Miiko agora.
- Entendo. Eu falo para ela. O que você acha que deve ter atacado Enthraa?
- Foi uma criatura do mar, com escamas e tudo mais. Não pode ter sido um kraken, ele é muito grande e Enthraa não o viu, fora que a criatura falava algo em um dialeto estranho. Não sei se Krakens falam.
- Aparentemente não. Não deve ter sido isso.
- Há leviatãs em Eldarya?
- Está falando do antigo deus Leviatã? Eu não acho que possa ter sido. Quer dizer, deuses não existem ou pelo menos não esse. É só uma história que contam às crianças para deixá-las com medo.
- Acha que poderia ser uma sereia?
- É provável ou talvez um Magygr. Irei falar com Miiko de qualquer forma. Ah, posso te pedir uma coisa?
- O que?
- Pega leve com o Ezarel. Ele também sente muito, mas não está sabendo lidar com a situação. Até parou de irritar as pessoas.
- Definitivamente ele está doente.
- É melhor eu ir.
Eu me recusava a ficar no meu quarto, então fui para a minha área de treinamento na floresta. Ali ninguém apareceria para encher meu saco. Olhei para os troncos com certa nostalgia e melancolia. Não faz muito tempo que eu estava obistinada a aprender os fundamentos do wushu para sair daquele mundo e treinava todos os dias e agora era uma mera sombra daquela garota que caiu aqui há três meses.
Afastei esses pensamentos e as memórias o mais rápido que pude. Tentei reproduzir alguns fundamentos que aprendi, golpes e até movimentos com o leque. Parecia que aquilo era tudo que havia restado de mim. Eu me recuso a continuar assim.
Aumentei a velocidade dos golpes, giros piruetas e chutes voadores. Eu só pensava em tudo que tinha acontecido, nos meus momentos de treinamento com os deuses, nas minhas amigas da Terra e até no pessoal do QG. A cada golpe executado eu já emendava outro e depois outro. Meu corpo se movia sem que eu percebesse como quando eu fazia taichi. Eu sentia uma sensação crescendo dentro de mim, uma vontade, uma força estranha e delicada, eu quase conseguia ouvir um som instrumental ao fundo. De repente, senti como se tivesse quebrado a barreira do estado em que me encontrava, poeticamente uma janela de vidro. Um sentimento de liberdade se apossou de mim.
- Tão inspirador!
- Zhuniao?! Você estava aqui o tempo todo?!
- Não, acabei de chegar, mas eu sabia o que estava fazendo. Trouxe algo para comer.
Aceitei de bom grado. Nos sentamos à sombra de uma árvore. Ele trouxe chá de sakura, algumas frutas, dangos e baozi. Não tinha percebido o quanto estava com fome.
- Fico feliz que tenha encontrado uma forma de se expressar.
- Eu não estava fazendo isso.
- A arte vai muito além do que imagina, ou já esqueceu que é possível combinar luta e meditação com dança?
- Sinto falta dos seus treinos.
- Não seja por isso. Podemos retomá-los quando acabar de comer. Dança tradicional é ótima para equilibrar corpo, mente e espírito. Aliás, eu tenho uma coisa para te contar, mas só amanhã, se estiver disposta.
- O que?
- Não adianta perguntar, pois será em vão.
- Você é cruel.
Ele apenas riu. Depois do nosso almoço, nós retomamos os treinos de dança. Ele preferiu algo mais tradicional e milenar. Dança tradicional não é fácil, mas a forma como ele ensinava era tão leve e divertida e eu sempre aprendi passos de dança bem rápido. Depois nós fomos para estilos mais modernos, voltei com o flamenco e o tango, até me animei a tentar alguns passos de pole dance. Zhuniao encerrou me ensinando o básico do balé.
À noite, fui ver filme com os mascotes, coisa que não fazia há tempos. No dia seguinte, acordei extremamente feliz. Era estranho, pois nos últimos dias eu mal tinha disposição para levantar da cama. Até Karuto estranhou.
- Que felicidade é essa?
- Não sei, apenas acordei de bom humor.
- Espero que esse bom humor dure. Prefiro vê-la assim do que naquele estado de antes.
Acabei me reunindo com as meninas para tomar café.
- Fazia tempo que eu não te via assim. – Disse Karenn um pouco mais feliz.
- Então você não está mais triste? – Perguntou Alajéa.
- Estranhamente hoje não.
- Isso é ótimo!
- Dagma, algo te preocupa?
- Sim, eu fiquei encarregada de capturar a criatura com os chefes da guarda e a Ewelein. Ewelein e eu vamos sedá-la e ter certeza de que não está corrompida. Quer participar? Uma mão extra seria ótimo.
- Sinto muito, mas vou tirar o dia para treinar. Meu corpo desacostumou por ficar tanto tempo parada.
- Mas quando você estava lutando contra Valkyon e Jamon....
- Deve ter sido a raiva. Acredite, fiquei fatigada depois.
- Dagma, você está aí. – Disse Ezarel entrando no salão principal. – Tingsi.
- Oi Legolas da Deep Web.
- Pelo visto já melhorou senhorita-criei-um-barraco-gigante-depois-de-quase-matar-meu-chefe.
- Encantador como sempre.
- Vai se juntar a nós na nova missão?
- Vou treinar. Faz tempo que não faço e já estou enferrujando.
- Você quem sabe. Dagma, será que podemos revisar os detalhes do plano?
- Sim. Nós podemos....
- Dagma! – Chamou Nevra. – Está pronta para.... Tingsi?!
- Oi Nevra.
- Está de bom humor hoje.
- Sim. Acordei renovada.
- Isso é ótimo. Venha nos ajudar na missão.
- Não posso. Fiquei de treinar hoje.
- Treinar aqueles golpes que você usou contra o Valkyon? Afinal, onde você aprendeu aquilo?
- Não vou contar.
- Sabe que eu posso te punir por isso.
- Não fui eu que acabei algemada à cama da outra vez.
- Você teve sorte que eu estava cansado demais para qualquer coisa, caso contrário....
- Você não veria Ezarel atrás do Sirius esperando ele cagar para pegar a chave.
- É verdade. Mas na próxima eu te mordo, com certeza.
- Que história foi essa? – Perguntou a ninfa super animada. – Agora eu quero saber!
- Nem queira saber! – Reclamou o Elfo. – E vocês estão proibidos de falar nessa história outra vez!
Eu e Nevra nos entreolhamos com sorrisos maliciosos e depois olhamos para ele. Ezarel engoliu em seco quando viu nossos olhares. Valkyon chegou algum tempo depois procurando Dagma.
- O que está acontecendo aqui?
- Apenas estávamos lembrando de quando Ezarel ficou o dia inteiro atrás do meu Corko.
- E tudo isso para me salvar. Meu herói!
- Ah, claro, tudo isso para salvar a princesa prometida que nem se deu o trabalho de me dizer que estava salva.
Enquanto os dois ficavam de palhaçada com direito a piadinhas de Karenn, indiretas de Alajéa e uma Dagma que eu nem sabia que podia ser uma verdadeira peste se quisesse, Valkyon veio para o meu lado.
- Como você está?
- Bem.
- Fico aliviado por isso. Eu não aguentava mais vê-la daquele jeito.
- Está tudo bem agora, não precisa se preocupar.
- Fico feliz. O que pretende fazer hoje?
- Treinar.
- Isso é ótimo. Sinto sua falta nas missões.
- Eu preciso estar forte para elas, não? Melhor eu ir.
- Certo. Nós também precisamos ir.
Fui até a área de treinamento da floresta. Encontrei os deuses em seus avatares. Seus rostos tinham expressões preocupadas.
- Gente, está tudo bem?
- Não exatamente. – Disse o Dragão.
- Estamos preocupados com você. – Disse o Tigre.
- Por quê?
- Como está se sentindo? – Perguntou a Tartaruga.
- Muito bem por sinal.
- Isso é o que nos preocupa. – Dessa vez foi o Pássaro que disse.
Eu não entendi o que queriam dizer com aquilo. Xuanwu me pediu para me sentar ao lado dele e foi o que eu fiz.
- Lembra quando eu lhe disse que haveria dias bons nos quais iria parecer que a doença nunca existiu?
- Está dizendo que esse é um desses dias?
- Não quero mentir para você, mas o que está sentindo é a calmaria antes da tempestade. É ainda mais preocupante que a própria tempestade, ainda mais pela falsa sensação de estar tudo bem.
- É uma doença traiçoeira. – Disse Qinglong. – Não é difícil as pessoas usarem esse estado de alegria para se despedir daqueles que amam antes de....
Ele ficou calado, mas não precisou terminar a frase. Era como se tivessem jogado um balde de água fria em mim. Eu não tinha percebido o quão ruim era essa doença, infectando minha mente e minha alma como um vírus mortal.
- Mas não vamos ficar pensando em coisa ruim. – Disse Baihu. – Vamos usar essa energia para algo produtivo, então se prepare porque hoje você terá um treino digno.
- Estou até com medo do que você vai fazer.
- Não se preocupe, estaremos aqui caso Baihu se precipite. – Garantiu Zhuniao.
- Fico mais tranquila com isso.
- Então vamos ocupar essa cabeça.
===Qinglong===
A Tartaruga Negra do Norte e eu decidimos aconselhar alguns membros da Garda de Eel acerca da condição de Tingsi. Xuanwu conversaria com Ewelein e eu com os chefes da guarda. Uma das vantagens de ser um deus é que podemos tomar diversas formas e ter diversos avatares ao mesmo tempo. Agora mesmo, o Pássaro Vermelho do Sul está presente no treinamento de Tingsi, está confortando a atual fênix sobre sua morte, está avaliando cada um dos candidatos ao posto, está sentado ao lado de uma garota no ônibus para livrá-la de um embuste e também está tentando tirar o marido da Cleide de alguma trapalhada no estilo Agostinho Carrara que ele está fazendo.
Enquanto um de meus avatares estava treinando Tingsi, o outro foi ao encontro dos chefes da guarda. Eles estavam revisando o plano com Dagma na sala de alquimia. Vi o outro avatar de Xuanwu entrando na enfermaria enquanto eu abria as portas da sala de alquimia.
- Precisamos conversar.
- Você está pensando que aqui é a casa da mãe?! – Perguntou Ezarel.
- Há algum problema, Qinglong? – Valkyon perguntou.
- Valkyon, você o conhece? – Perguntou Dagma.
- Não exatamente. Estou tão no escuro quanto vocês. – É uma meia verdade.
- Viu o estado que Tingsi se encontrava hoje de manhã?
- Ela estava bem. Não acho que seja um problema.
- Bem até demais.
- O que está insinuando?! – Perguntou Nevra.
Tive que respirar fundo. Faz muito tempo que aconselhamos humanos e eldaryanos acerca de algumas doenças, pedimos para ter paciência e até ajudamos a como lidar com elas. Podemos ser aquela velhinha no ônibus que te encoraja, aquele desconhecido que te ajuda em uma hora ruim ou aquela pessoa do outro lado da linha. Os humanos evoluíram no que diz respeito à saúde mental, mas os eldaryanos ainda estão presos no passado nesse quesito. Nem mesmo estresse pós-traumático causados pelas guerras é levado à sério por aqui.
- É uma doença traiçoeira. É mais preocupante quando está feliz do que naquela condição que ela estava, pois cria-se a ilusão de que está tudo bem quando na verdade é o extremo oposto. Vocês já lidaram com ela antes, lembram-se de um homem chamado Willor e como ele estava no dia anterior à sua morte?
Os três arregalaram os olhos. Não foi o primeiro caso na guarda ou em uma de suas missões que isso aconteceu. Em alguns casos, as pessoas estavam com o psicológico precário ou em meio a uma crise, em outros, elas pareciam muito bem no dia anterior antes de tentar alguma coisa. Eu como um deus não posso interferir em suas escolhas ou no curso natural das coisas, não por acaso Xuanwu está sempre aconselhando os novos líderes da guarda a como evitar e lidar com esse tipo de situação. Infelizmente a maioria ignora seus conselhos. Talvez seja por isso que ele goste tanto dos kappas, eles levam sua sabedoria em consideração.
- Haverá dias que serão muito bons e dias muito ruins. Dias que começarão bons e terminarão ruins e dias que começarão ruins e terminarão bons. É como se sua mente jogasse uma moeda para decidir o que vai fazer. Hoje pode ser um dia bom, mas este pesadelo está longe de acabar.
- Onde ela está agora? – Perguntou o dragão.
- O que o faz pensar que eu sei? Não se preocupe, irei atrás dela. Parece que vocês têm preocupações maiores nesse momento.
Preferi sair e deixá-los refletir. Meu papel aqui acabou, então desfiz este avatar e voltei a me concentrar em outras coisas, inclusive no treinamento de Tingsi.
===Tingsi===
O treinamento de hoje foi puxado. Meu corpo estava dolorido graças a um certo tigre branco que resolveu me fazer pular de tronco em tronco, sendo um mais estreito que o outro enquanto lutávamos com bastões. Pelo menos Zhuniao o obrigou a colocar uma rede de proteção entre os troncos para evitar que eu fosse parar no necrotério.
- Além da mente, está tentando quebrar seu corpo também? – Perguntou Zhuniao. – Eu preciso dela inteira.
- Ela está inteira. Por enquanto.
- Obrigada, viu! Pior professor do mundo!
- Quando eu acabar contigo, garota, será a maior guerreira que Eldarya já viu.
- Isso se não me transformar em presunto antes!
Descansei um pouco antes da minha próxima tarefa. Para a minha sorte, Qinglong apenas quis fazer taichi. Baihu deixou meu corpo tão dolorido que até os movimentos mais simples doíam. Xuanwu teve que me ensinar a fazer um relaxante muscular com ervas e Zhuniao me deu um chá de erva doce com eucalipto. Mais uma pausa se seguiu com direito a almoço antes de começar os treinos de dança. Tinha uns trapézios pendurados em árvores.
- Trapézios?!
- Eu te disse que iríamos treinar a arte circense com tecidos e mais tarde trapézios.
- Eu não terminei nem o tecido e o pole dance!
- Eu sei, mas você aprende rápido. Também quero incrementar o du zhu piao.
- Vai começar. – Resmungou Baihu.
- Já viu os vídeos de uma mulher peformando em cima de uma vara de bambu no meio de um lago?
- Oi?!
Ele pegou o meu celular e me mostrou os vídeos. Eram lindos! Ela usava roupas tradicionais chinesas, ia se equilibrando em uma vara de bambu para ir até o meio do lago como se fosse uma canoa, outra vara de bambu fazia o remo e ela dançava sobre as duas varas, fazia passos de balé e performava de forma elegante. Era lindo.
- Você quer me foder, não é?!
- Será bom para o seu equilíbrio, concentração, foco, domínio sobre suas habilidades e peformance.
- E onde é que você vai arrumar um lago?!
- Podemos criar um sem problemas.
- O QUE?!
- Não me envolva nisso. – Tornou a dizer o tigre.
- Ninguém vai àquela parte da floresta mesmo. É bem densa e não cuidam direito deste matagal. Poderia muito bem ter um lago ali.
- Não seria má ideia. – Disse Qinglong. – Os mascotes dessa floresta precisam de uma fonte de água permanente.
- Por que não usam da gruta que tem ali? – Perguntou Baihu.
- É muito escura e não é de fácil acesso. – Disse Zhuniao. – Precisamos treinar seu equilíbrio em cima de uma barra de bambu.
- Por favor, me digam que isso é só uma brincadeira.
- Equilíbrio em barra de bambu parece ser interessante. – Ponderou o tigre.
- Todos aqueles a favor de criar um lago, levantem a mão. – Pediu Xuanwu e os quatro levantaram as mãos. – Quatro contra um. Preciso do seu corpo.
- Vai começar. – Suspirei derrotada.
Tive que emprestar meu corpo para Xuanwu. Não me lembro do que aconteceu quando ele o possuiu, apenas fiquei deitada no chão com uma forte dor de cabeça. Quando melhorei, havia um lago muito bonito.
- Por enquanto vamos ficar apenas com os tecidos. – Declarou Zhuniao. – Podemos começar?
Me enrolar em tecidos foi mais difícil do que me lembrava, mas era divertido. Pelo menos ele não me botou no trapézio logo de cara. Recuperei meu celular e voltei ao QG mais cedo do que previa, afinal ainda estava dolorida. Acabei encontrando Dagma em seus passeios.
- Você viu Alajéa?
- Não, eu cheguei agora. Capturaram a criatura?
- Sim. Era uma sereia, como Nevra disse.
- Nem para pôr meu nome nos créditos esse puto presta.
- A ideia foi sua?
- Nossa. Estávamos discutindo teorias.
- Entendo. Como foi seu treinamento?
- Doloroso. Eu te ajudo a procurá-la.
- Tem certeza? Você parece estar com dor.
- E estou, mas não custa nada.
Procuramos Alajéa até a encontrarmos. Dagma disse a ela que Miiko queria vê-la para prestar mais informações sobre a sereia. Nos despedimos no corredor e eu fui tomar uma ducha quente para relaxar os músculos. Passei um pouco mais de relaxante muscular caseiro e tomei chá antes de me atirar na cama, isso até minha porta se abrir bruscamente.
- Tingsi, você viu Alajéa?!
- Ela não estava com você quando foi ver a Miiko?
- Eu não sei o que aconteceu. Ela surtou e não sei onde ela está.
- Inferno. O que exatamente aconteceu?
Dagma me contou em detalhes o que tinha acontecido enquanto saíamos dos corredores. Alajéa iria dar sua opinião sobre a sereia, ela entrou em choque, começou a gritar um monte de coisa desconexa e saiu correndo. Eu sei que ela gosta de ficar nos jardins, então fomos para lá. Felizmente a encontramos com Karenn.
- Alajéa, graças ao Oráculo te encontramos! – Exlamou Dagma.
- Estávamos preocupadas com você! – Falei. – Dagma me contou que você saiu correndo, o que houve?
Ela não falou. Sugeri que fôssemos conversar no meu quarto. Eu sei que ela gosta de mascotes e eu tenho tantos que poderiam amenizar o clima. Fomos as quatro para lá. Os mascotes pressentiram que ela precisava de ajuda e vieram para perto de nós. Tentamos deixá-la o mais confortável possível enquanto eu desabei na cama.
- Desculpe, estou dolorida do treino de hoje. Aceita chá de erva doce?
- Obrigada.
Servi o chá e Alajéa começou a contar sua história. A sereia que eles capturaram se chamava Colaia e era irmã dela. As duas faziam parte de uma tribo que saía dos mares do leste para o sul todo ano e em uma dessas viagens, sua tribo foi atacada por um kraken, que matou a mãe das duas. As duas se separaram e Alajéa achou que sua irmã estivesse morta. Ela nadou tanto que chegou às terras de Eel. Sua história me deixou atordoada. Karenn e Dagma seguraram suas mãos enquanto eu acariciei seu antebraço em um gesto de apoio.
- Estou arrependida. Eu abandonei a minha irmãzinha.
- Pare de dizer isso! – Pediu Karenn. – Você não a abandonou, você pensou que ela estivesse morta assim como os seus pais.
- Ela não está! Então eu...!
- Você não tinha como saber. – Me intrometi de forma calma. – Se tivesse ficado, provavelmente iriam as duas.
- Ela está viva. – Disse Dagma. – Isso é tudo que importa agora.
- Essa é a sua chance de consertar tudo. De alguma forma Colaia voltou para você, ela precisa de você naquela prisão, então não a deixe sozinha, Allie.
Nem me toquei que a chamei pelo apelido que sua família a chamava, mas ela não viu problema. Ainda bem.
- Ela está certa. – Disse Karenn. – Devemos nos concentrar nisso agora.
- Vocês acham que eles vão machucar a Colaia?
- Acho que isso vai depender se ela estiver contaminada ou não. – Disse Dagma.
- Eles que tentem. – Falei simplesmente. – E talvez ela nem esteja contaminada e a Miiko esteja surtando como foi comigo.
- Você acha?
- Olha, pelo que Dagma me contou da missão, ela estava muito assustada enquanto tentava fugir da guarda. Talvez ela só esteja com medo, achou que Enthraa era uma possível ameaça e tentou se defender.
Karenn decidiu que informaria Nevra da situação e até usar de chantagem emocional com ele. Eu e Dagma ficamos tentando animar Alajéa. Ela nos contou mais sobre sua irmã e seus pais. Dagma falou de sua mãe, uma amorosa e muito sábia ninfa. Por mais idiota que fosse, agradeci por não ter pais. Eu não queria imaginar a dor que sentiria estando presa em outro mundo sem que eles tivessem notícias minhas. Se já era difícil pensar em como meus amigos deviam estar lidando com o meu desaparecimento, imagina se eu tivesse pais. Um nó se formou em meu estômago.
- Eu não sei vocês, mas eu não sou contra algumas guloseimas e bebidas para aquecer nossos corações. – Disse Alajéa.
- Podemos pegar algumas delas com Karuto. – Sugeriu Dagma.
- Vão vocês, eu estou acabada, mas posso ajudar com uma sessão de filmes.
- Uma o que?
- Bem, quando eu estava na Terra, às vezes eu e minhas amigas víamos filmes para descontrair, sofrer, animar ou se assustar mesmo.
- O que são filmes? – Perguntou a sereia.
- Sabem teatro? – Elas assentiram. – É parecido, só que eles gravam, fazem um grande trabalho de edição e efeitos especiais e a gente assiste em telas. Quantas vezes a gente quiser.
- Você tem isso?
- Sim, mas é segredo, não saiam falando para ninguém.
As duas saíram para pegar algumas guloseimas e bebidas enquanto eu peguei meu notebook e abri meu piratão para ver filmes. As duas voltaram rindo e perguntaram o que era aquilo. Os mascotes já se posicionaram à espera do filme.
- Isso é o meu notebook. Aqui eu guardo trabalhos da faculdade, minhas artes, documentos importantes, fotos com meus amigos, making offs e filmagens que fizemos, meus joguinhos....
- Tudo isso nessa caixa? – Perguntou a ninfa.
- Não é uma caixa. Então, vocês gostam de histórias de comédia, de terror, drama, sátiras, animações, do que vocês gostam?
- Não seria melhor esperarmos a Karenn? – Perguntou Alajéa.
- Sim, mas eu só vou fazer uma lista dos filmes que a gente vai ver. Para poupar nosso trabalho.
- Então não tem problema. Tem algum de romance?
- Tem vários.
Mostrei os que eu conhecia e falei da premissa de cada um. Também mostrei de outros gêneros. As duas não tinham ideia do que escolher. Começamos a tomar um pouco das bebidas enquanto elas discutiam para ver qual era o melhor e pediam minha opinião. Acabei por montar uma lista com alguns clássicos, alguns favoritos das minhas amigas, alguns de comédia e umas três sátiras. Estávamos nos divertindo até Karenn entrar no meu quarto com uma expressão de raiva e lágrimas nos olhos. Tentamos acalmá-la para que nos contasse o que aconteceu.
- A guarda quer matar a Colaia!
- O QUE?! – Gritamos as três incrédulas.
- Ah, mas eu vou tirar essa história a limpo e é agora!
Saí fuiriosa do meu quarto, as outras me seguiram. Estranhamente Jamon estava na porta e havia um selo também.
- Jamon, a reunião já acabou?
- Ainda não. O que Tingsi quer?
- Botar juízo em algumas cabeças.
- Tingsi, precisa de algo? – Perguntou Leiftan descendo as escadas.
- Quero que explique que merda vocês comeram! Que história é essa de vocês quererem matar a Colaia?! Já não basta a merda que vocês fizeram?!
- Tudo bem, Jamon. Acho melhor vocês participarem dessa conversa.
Subimos as quatro com o Leiftan até a sala do cristal. Eu estava pronta para bater em alguém e tive que me segurar quando olhei para a cara da Miiko, mas quebrei o barraco mesmo assim. Ewelein nos explicou que estavam discutindo os métodos e que não deixaria que fizessem mal a Colaia. Nos explicou de um teste experimental para a contaminação. Ela foi uma mediadora e tanto. Foi então que começamos a especular como foi que ela ficou assim.
- Minha amiga Damiana fazia parte de uma ONG que resgatava animais abandonados ou de rua. Uma vez ela me explicou que às vezes, quando um animal é abandonado, ele pode se tornar selvagem para sobreviver. Acho que o que aconteceu com a Colaia foi justamente isso.
- É possível. – Pontuou Ewelein. – Nesse caso, Alajéa pode ser uma peça fundamental na sua reabilitação.
- E a gente vai junto para ter certeza de que nada de mal vai acontecer com ela.
- Eu prometo que nada de ruim vai acontecer a ela.
- Mesmo a conhecendo há pouco, nesses dias em que estive a ajudando a cuidar de Enthraa, percebi que ela é confiável. – Disse Dagma.
- A Ewelein pode ser, mas e os outros?
A Guarda Reluzente prendeu a respiração. Eu não estava querendo briga, mas estava pronta para uma. Afinal, como confiar neles depois de todas as suas mentiras?
- Acho que precisaremos de um espelho novo. – Leiftan olhou para Valkyon depois de trocar o olhar com ele.
- Do que vocês estão falando? – Perguntou Ezarel.
- É uma longa história. – Respondeu Valkyon. – Não farei qualquer mal à Colaia, mesmo que você não acredite.
Valkyon e eu estávamos em terreno perigoso. A gente meio que se entendeu outro dia, mas as coisas entre nós continuavam estranhas. Era como se pisássemos em vidro. Não foi muito difícil para os outros perceberem isso, a tensão era palpável.
Descemos até a prisão para ter certeza de que tudo ficaria bem. Colaia tinha acordado e reconhecido Alajéa, que a abraçou através das grades. As duas começaram a conversar e depois Ewelein a adormeu para fazer o teste. Deu negativo. Ela começou a conversar com a gente sobre a reabilitação enquanto subíamos as escadas.
- Então, as guloseimas ainda estão no meu quarto. Vamos voltar para lá?
- É mesmo! – Exlamou Alajéa.
- E eu também estou curiosa para ver o que você quer nos mostrar. – Disse Dagma.
- Como assim?! – Perguntou Karenn indignada. – O que foi que aconteceu quando eu saí?
- A gente te explica depois. Estávamos preparando terreno para a sua chegada.
- Tipo uma festa surpresa?
- Não, mas é legal.
- Você disse guloseimas? – Perguntou Ezarel com um sorriso sacana.
- Eu não te chamei, Dobby!
- O que é isso?
- Nunca leram Harry Potter?!
- Quem é esse? – Estava todo mundo com cara de tacho.
- Vocês não têm Harry Potter na biblioteca, mas têm Crepúsculo?! É bom repensarem seriamente nos seus gostos literários.
- Você já leu? – Perguntou a ninfa.
- Eu vi os filmes, só li tempos depois porque Yuna me obrigou. Podemos ir?
As três saíram correndo de volta para o meu quarto. Miiko me pediu para ir até a sala do cristal.
- Me desculpe. Eu não vou me justificar, pois o que eu fiz foi imperdoável. Eu não medi as consequências e tomei a essa decisão por desespero. Me desculpe. Se quiser culpar alguém, que seja a mim, mas não culpe Valkyon inteiramente por isso.
Saí de lá sem dizer nada. Ainda tenho que pensar sobre isso, vou conversar com Xuanwu na próxima sessão de terapia. Voltei para o meu quarto e estavam as três estavam perto da cama analisando meu notebook.
- Estão prontas?
- Como exatamente funciona isso? – Perguntou a vampira.
- É complicado. Isso tem várias funções. Vamos começar com um clássico que todo mundo conhece no meu mundo?
Coloquei Meninas Malvadas. Eu tinha que explicar como eram as coisas e como funcionavam, além de lembrar que aquilo era um teatro gravado e cheio de efeitos. Daí fui para As Branquelas, um dos filmes preferidos de Damiana e que a gente sempre via na dublagem brasileira com legenda porque no resto era sofrível.
- Não sei por que, mas os brasileiros amam esse filme. Damiana disse que foi pela dublagem.
- O que é isso? – Perguntou Dagma.
- É quando você empresta a voz para um ator ou um personagem. É mais fácil de explicar com as animações. Eles fazem isso para trazer o filme para o nosso idioma sem precisar ler as legendas.
- Não é mais fácil só ler as legendas? – Dessa vez foi Karenn.
- Algumas pessoas não conseguem acompanhar o filme e as legendas ao mesmo tempo e tem dias que a gente fica sem saco para ler mesmo. Fora que é uma espécie de emprego.
Coloquei Intocáveis, pois era muito bom. Eu tinha que explicar todas as novidades da Terra para elas e às vezes algumas piadas. Também pus De Repente Trinta e Os Vampiros que Se Mordam. Eu tive que explicar à Karenn que era uma sátira de Crepúsculo e era muito melhor que o filme original e o livro.
- Eles fazem filmes de livros também?!
- Claro que fazem. Só que eles precisam tirar muita coisa e adaptar outras para caber em duas horas de filme, caso contrário daria pelo menos umas oito horas.
- Mesmo?!
Botei Splash, filme velho, mas Elena era apaixonada por ele, Viva, a Vida é uma Festa, que fez todo mundo chorar, Até Que A Sorte Nos Sepere, outra sugestão de Damiana, O Tigre e O Dragão, que o povo ficou comparando minhas técnicas com o filme.
- Mas cinema chinês é assim mesmo. Eles colocam umas cenas de Kung Fu, umas piruetas também, umas pessoas voando mais do que é possível....
- Mas você sabe fazer isso. – Disse Dagma.
- Eu sei alguns golpes, andar no ar desse jeito não dá. Mas absurdo mesmo são os filmes indianos. Eles exageram no absurdo.
- Como assim?
- É gente voando, botam dança no meio, melhor vocês verem.
Coloquei um filme indiano que Yeva tinha achado uma vez. As cenas de luta tinham cada absurdo que eu começava a rir. Apesar de ter que explicar muitas coisas, a sessão de filmes foi agradável e serviu para dar uma boa animada na Alajéa.
===Valkyon===
- Está muito pensativo hoje.
Qinglong se sentou ao meu lado no parque do chafariz. Eu tinha ido lá com Floppy depois de toda a história da Colaia. Eu ainda não tinha passado um tempo com ela. Eu não o tinha visto ali, na verdade eu sequer o tinha ouvido se aproximar. Ele era bem silencioso.
- O que queria falar comigo?
- Tingsi não confia em mim.
- Deveria?
- Eu só.... Acha que algum dia as coisas vão voltar a ser como antes?
- Não. Isso jamais será possível.
Suspirei pensaroso. Eu já imaginava que seria assim de qualquer forma. Eu o vi pegar uma espécie de flor cor de rosa com muitas pétalas.
- Ela pode te perdoar, te odiar, retomar sua amizade, quem sabe possam dividir uma vida juntos ou apenas serem bons amigos ou talvez grandes inimigos, podem sair mais fortes dessa situação ou transformar tudo em cinzas, mas as coisas jamais voltarão a ser o que eram antes. Vocês não são mais as pessoas que eram naquele tempo, você também não é o mesmo de algumas horas atrás.
Eu o vi soltar a flor no lago. Ela ficou boiando na superfície sendo empurrada pelo vento. Havia muita delicadeza em seus movimentos.
- Não é possível voltar ao passado, mas é possível aprender com ele. O mundo está em constante movimento, sempre para frente, nunca para trás. – Ele finalmente olhou em meus olhos. – Você pode consertar um espelho quebrado, mas ainda verá a rachadura. O que acontece quando esse espelho se espatifa em mil pedaços?
- Substituo por um novo? Era isso o que estava querendo me dizer naquele dia?
- Era isso que teria pensado se sua mente e seu coração não estivessem tão agitados. Humanos são criaturas fascinantes, não acha? Eles estão sempre evoluindo. Seja para o bem ou para o mal, mas nunca estão parados no mesmo lugar.
- Isso ainda é a resposta da minha pergunta?
- Claro, afinal, é uma pergunta inspiradora. Eu posso passar o dia todo filosofando sobre o passado e seguir em frente, mas já tem a sua resposta de todo modo. O que acha dessa situação?
- Eu não sei. Ela não confia mais em mim, mas não parece me odiar.
- Como no primeiro dia?
- É. É exatamente isso. Obrigado Qinglong, agora eu sei o que fazer.
- Poderia ficar mais um pouco? Quero apreciar cada segundo deste momento.
- O que quer dizer?
- Terei que deixá-lo em breve.
- Vai sair em uma missão importante?
- Não, mas não iremos nos encontrar tão cedo.
- Por que diz isso?
- Porque você não precisa mais de mim. Pelo menos por enquanto. – Ele abriu um sorriso gentil. – Você cresceu tanto nesses últimos dias.
- Então isso é um adeus.
- Nunca é um adeus. A propósito, quero que fique com isto.
Ele me entregou uma aliança de ferro com entalhes rudimentares e gravações em uma língua que eu não conhecia. Fiquei um bom tempo analisando o objeto.
- Era de sua mãe.
- Você conheceu a minha mãe?!
- Conheci tanta gente ao longo das eras. Está na hora de partir.
- Espere. Você realmente...?
- Não sou eu quem devo lhe dar as respostas, você deverá buscá-las. Se quiser.
O vento começou a soprar as flores da cerejeira até o parque do chafariz. Não era um vento forte como deveria ser para esse evento, apenas um vento suave que fazia seu cabelo flutuar. Aquilo era muito estranho. Qinglong andou em direção a cerejeira. Tentei segui-lo, mas ele havia sumido. Olhei para a aliança que tinha nas mãos. Acho que eu nunca saberei quem ele é afinal.
Chapter 27: Capítulo 27
Chapter Text
===Tingsi===
A noite de filmes tinha sido boa, mas acordei com uma sensação vazia no peito. Talvez fosse saudade ou talvez fosse o buraco que estava me sugando nos últimos dias, tentando me fazer olhar para o abismo.
- Parece que teve uma noite agitada.
- É, não foi ruim. Xuanwu, por que vocês criaram algo tão horrível assim?
- Não criamos. As coisas foram evoluindo e se adaptando. No fim, somos autores que perderam o controle sobre sua própria narrativa.
- Conversei com a Miiko ontem. – Resolvi mudar de assunto. – Ela me disse para não culpar Valkyon inteiramente pelo que aconteceu.
- A velha história de mandante e executor. O que você acha?
- Eu não sei. Não é como se ele fosse coagido a isso. Eu quero entender o lado deles, mas não consigo.
- Decisões tomadas pelo desespero podem ser incrivelmente mais danosas do que benéficas.
- Eu quero acreditar que ele não teve escolha, mas ao mesmo tempo não consigo.
- O mesmo com Miiko?
- Eu acho que sim. Não faz sentido.
- Às vezes o que não faz sentido faz mais sentido ao invés daquilo que deveria fazer sentido.
- Ótimo, você acabou de dar um nó na minha cabeça.
- Desculpe, força do hábito.
- Deve ser um fardo ser um sábio o tempo todo.
- Às vezes. Tem vezes que eu gosto de desligar meu cérebro e deixar as coisas fluírem em seu curso.
- Já se arrependeu?
- Vocês mortais têm uma visão em que deuses são perfeitos e não cometem erros, não têm arrependimentos, são inteiramente bondosos ou arrogantes a níveis extremos. Eu diria que vocês nos interpretam da forma como bem entendem e tentam impô-la aos outros.
- Por falar em deus, Nevra outro dia disse algo sobre Leviatã ser uma espécie de deus antigo que é mais história para boi dormir. Ele realmente existe?
- Eu não o vejo há muito tempo. Leviatã foi selado nos mares de Eldarya e não pode mais governá-los.
- Por quê?
- Alguns o acham um deus maligno, quando na verdade ele é apenas temperamental e facilmente irritável. Ele já causou alguns estragos na Terra e ainda os causa, mesmo em sua prisão. Não o leve à mal, ele apenas visa o bem-estar dos seres marinhos.
- Até imagino que ele jogue toneladas de lixo que estão nos mares nos humanos quando ele sair e for para a Terra.
- É provável que Zhuniao o impeça de fazer isso. Afinal, não podemos interferir diretamente.
- E você estando aqui e me treinando não seria uma interferência?
- Seria, se a relação mestre e aprendiz não fosse uma exceção. Quem você acha que ensinou as primeiras artes aos primeiros seres?
O bom de conversar sobre Xuanwu é que posso falar tudo o que eu penso e perguntar sobre tudo, se ele vai responder o que eu quero é outra história.
- Como está sua relação com os membros da guarda?
- Indo.
- Quanto aos chefes?
- Nevra e Ezarel eu não consigo sentir mais raiva deles, nem de Leiftan. Estou com um pé atrás em relação à Miiko e Valkyon, bem, estou magoada, mas não mais com raiva.
- Entendo. Está preparada para se reconectar ao mundo espiritual?
- Acho que sim. Vamos treinar agora de manhã?
- Acho melhor tirar o dia para as tarefas. Podemos nos encontrar depois.
- Obrigada, Xuanwu. Eu não sei o que faria sem você.
- Eu apenas dou orientações.
- Mas você não sabe o quão importante é para mim. – Segurei sua mão. – Ainda mais nesse momento.
- Cuide-se, está bem?
Saí do quarto para tomar café e começar o dia. Ouvi rumores sobre flores estranhas terem surgido no parque do chafariz, então fui vê-las.
- Mas são flores de lótus.
- Mesmo?! – Perguntou Kero. – Eu nunca as tinha visto.
- Bem, não vou dizer que são comuns de onde eu venho, mas na Ásia elas são.
Realizei algumas missões para os purrekos, eles estavam felizes em me ver. Purral me pediu para pegar algo na floresta. Trombei em alguém e tive que me desculpar até ver quem era. Era o velho fodido do Feng Zifu.
- Senhorita Tingsi, estava à sua procura. Queira me acompanhar até a sala do cristal.
- Depois, tenho mais o que fazer. – Eu posso estar no estado que for, mas não vou deixar esse cuzão me ver destruída.
- Senhorita Tingsi!
- É senhorita Zhu para você. E eu estou em uma missão dos purrekos. A menos que você queira ir até o Purral e se oferecer para compensar pelos danos, é bom me deixar fazer o que eu tenho que fazer.
Fui para a floresta e deixei o velho plantado lá. Peguei tudo que tinha de pegar e fui entregar para o Purral antes de seguir para a sala do cristal. Jamon nos deixou passar sem dar um pio. Huang Hua estava lá e dando um esporro na Miiko na frente da Guarda Reluzente e de Dagma. Fui até a ninfa.
- Dagma, que porra eles estão fazendo aqui?
- Escrevi à Huang Hua sobre o que tinha acontecido. Isso a coloca em uma posição delicada, pois compromete a reputação da dinastia Ren por causa da aliança que fizeram com a guarda.
- Eu acho que a Miiko está ciente até demais do que ela fez. Ela até me pediu desculpas ontem.
- Você aceitou?
- Eu não sei se devo.
- Quer conversar sobre isso?
- Conversei com um amigo, mas ele se recusa a se intrometer nas minhas decisões, mesmo que sejam ruins.
- Ele ainda é seu amigo?
- É complicado.
Huang Hua decidiu ficar para supervisionar até ter certeza que a Guarda de Eel está cumprindo com seu papel. Elas estavam discutindo também a promoção de Ewelein à Guarda Reluzente. Dagma sugeriu que puséssemos um fim ao conflito entre os balenvianos e os myconides. Miiko concordava e Huang Hua e os rapazes se juntaram a ela para cochichar.
- Como você está? – Peguntou ninfa.
- Indo.
- Você não esconde quando não está bem.
- Um amigo me disse que não é fraqueza admitir que precisa de ajuda, fraqueza é ignorar traumas.
- Seu amigo é muito sábio.
- Você não imagina o quanto.
- Eu queria ser mais como você.
- Nem queira. Minha amiga Latifah é pior que eu e a gente vive somando problemas. Eu gosto da Dagma peste.
- Pena que só consegui recuperar essa parte aqui com vocês.
Como esperado, todos concordavam que tinham que resolver as divergências, mas ninguém tinha uma solução. Pedi para que relembrassem qual era o problema mesmo, já que eu estava tão puta com aquele povo que tinha esquecido. A maluca morreu por furar bloqueio sanitário e a guarda temia entrar em confronto com o povo escroto. Também pensaram em entrar em contato com os myconides, mas tinha o lance do envenenamento. Então deram um desafio de 72 horas para Dagma.
- Nem vai precisar de tudo isso. – Falei.
- Por que, você já tem a solução perfeita?! – Perguntou Miiko.
- Está bem aqui. – Fiz uma apresentação dramática para Huang Hua.
- Eu?!
- Bem, você é influente e carismática e não tem ligações diretas com a guarda. Pode entrar em contato com a Hanglaé e retomar as negociações.
- Isso mesmo! – Exclamou Dagma. – Ninguém vai se opôr à aprendiz de fênix, mas e se mesmo assim tiver um confronto direto?
- Bem, se tiver alguma poção que faça os outros adormecerem ou que os acalme, podemos soltá-la para acalmar os ânimos.
- Me diz que você não está falando sério.
- No meu mundo a polícia usa gás de pimenta, jatos de água, cassetetes e balas de borracha para dispersar pessoas durante as manifestações e dependendo do governo manda matar mesmo. Quer uma solução mais agressiva?
- É O QUE ISSO AÍ?! – Perguntaram os faeries.
- Vocês acham que aprendi a fazer Molotov por qual motivo?
- Acho que uma poção calmante deve resolver, mas seria uma péssima ideia. Poderíamos estar no meio do fogo cruzado.
- Tudo vai depender de como as negociações fluírem. Podemos fazê-las no portão da vila por ser território neutro. Também teremos que falar com os myconides.
- Mas não dá para chegar até eles. Vamos morrer envenenados.
- Me dá papel e caneta.
- Como?
- Só me dá logo. – Comecei a rabiscar. – No meu mundo nós manipulamos gases de diversos tipos. Seja para agricultura, tinta, combater pragas, mas boa parte da tecnologia se desenvolve com a guerra. O que acham? – Mostrei a eles o desenho de uma máscara de gás. – Vai dar para respirar, o problema é fazer isso aqui.
- É perfeito! A gente pode usar fragmentos de oxigênio nesses compartimentos. Posso ver isso com Ewelein ainda hoje!
- Isso estava rabiscado nos nossos muros antes de limparmos. – Disse Valkyon incrédulo. – Foi você?!
- Vocês que não foram, não sabiam nem o que era isso.
- Mas mantivemos o desenho de asas. – Assegurou Leiftan. – As crianças o adoram.
- Espere aí, era você que estava rabiscando as paredes do QG inteiro?! – Surpreendeu-se Ezarel. – Até do lado de fora você fez!
- Isso é arte, está bem?!
- Onde que isso é arte?!
- Grafite é arte de rua, ora.
- Pelo Oráculo!
- Na próxima eu faço uma caricatura sua, Dobby.
- Não ouse!
- Vai ficar lindo de bigode.
- Eu vou te matar!
- Parem com isso já! – Ordenou Miiko. – É uma boa ideia e você conseguiu resolver o problema mais difícil, vejam com Ewelein.
Discutimos mais um pouco para acertarmos os detalhes. Huang Hua estava encantada com o meu conhecimento do mundo humano. Eu não contei a eles como as máscaras surgiram, senão teria que entrar na história do gás mostada na 1ª GM. A solução provisória que os canadenses encontraram foi encharcar um pano com urina e tapar o nariz, mas acabaram adotando essas máscaras tanto para gente como para cavalos e cachorros.
Passamos o resto do dia para nos organizarmos. Iríamos montar o acampamento na floresta próxima da caverna e achar outra entrada ou então cavaríamos uma. Iríamos pedir aos Myconides para assinarem um acordo de intervenção, a Guarda Absinto manteria os lacres para impedir que mais algum idiota furasse a barreira sanitária e para a segurança dos myconides, a Guarda Obsidiana iria impedir o povo de se matar e fazer merda como uma guerra civil.
Aproveitei para ir ao laboratório de alquimia. Claro que rejeitaram a ideia de jogar poção calmante, então preparei Molotov mesmo, do tipo que não precisava acender um pano, era só agitar e jogar. Espero não precisar. Também coloquei a minha máscara de gás na bolsa junto com os óculos de solda, vai que eu preciso dela dessa vez. Também comprei um traje todo preto e de corpo todo para o caso dos esporos. Eu sei que a Ewelein verificou que a pele não absorveu os esporos em mim e no Valkyon, mas se a gente tirar a máscara e coçar o nariz ou o olho, fodeu!
Me ofereci para encontrar os Myconides, afinal eu sei onde estão e sou a única com acesso ao limiar. Dagma viria comigo, pois era o desafio dela que eu roubei. Os rapazes queriam vir conosco às grutas, assim como a Hua. Tirei o resto do dia para treinar.
- Aonde você vai? – Perguntou Dagma.
- Treinar.
- Posso ir com você? Eu também queria te pedir para me ensinar os seus golpes.
- Não.
- Por quê?
- Olha, eu não estou 100% ainda e não estou nem sombra do que era antes daquela maldita poção. Eu também não consigo entrar no mundo espiritual.
- Mas você garantiu que....
- Eu sei e é por isso que preciso ir sozinha. É algo que eu preciso fazer sozinha e nenhum de vocês pode me ajudar com isso.
- Entendo.
- Um dia, quando eu aprimorar minhas habilidades, eu te ensino, pode ser?
- Claro!
- Vai socar e chutar árvore que nem uma condenada.
- Se depender de você, vai mesmo.
Fui para a minha área de treinamento. Não vi nenhum avatar de deus nenhum, mas eu estava mesmo planejando retomar o controle do limiar. Da última vez consegui com o taichi, então foi assim que tentei. Não funcionou com o taichi, mas minha mente estava mais clara naquele momento. Comecei a dançar para expressar toda a minha dor e as minhas alegrias recentes. Consegui recuperar em partes, é melhor não forçar.
Meditei, treinei meu equilíbrio e revisei alguns golpes com as armas que tinha aprendido. Me ajudou a focar bastante e por fim fiz mais uma sessão de taichi. Dessa vez retomei o controle, então resolvi treinar adentrando no limiar. Taichi no limiar era tão diferente, não sei explicar, mas me fazia bem.
Miiko anunciou nossa missão no dia seguinte, bem como a partida de Kero. Ele não concordava com o que tinham feito e por isso queria sair da guarda. Expressei meu apoio a ele e desejei que fosse feliz. Os purrekos estavam estudando a máscara, então passei o resto do dia treinando. Os avatares dos deuses retomaram meu treinamento onde parei, melhorando as habilidades com a lança, as adagas, o martelo, o arco e os leques. Gronk tinha se tornado um adulto, então fiz dele meu companheiro de treinos, o que foi uma péssima ideia. O Grookhan era forte, também o que eu podia esperar de uma montanha de pedra?
Eu também meditava e entrava no mundo espiritual, quando tudo ficava branco, para mergulhar no lago ou no mar. Eu conseguia ver as pedras no fundo, as algas, mas não a vida marinha, no máximo espíritos. Era estranho, assustador, mas bem interessante.
- Vai ficar olhando essa pedra até quando? – Perguntou Zhuniao, ele estava em sua forma original, embora estivesse meio turva.
- Eu só estou apreciando. Não é todo dia que entro neste plano. Posso fazer o que eu quiser aqui?
- Nem tudo, mas pelo menos seu corpo estará a salvo, embora desprotegido por algum tempo.
- Quanto tempo?
- Depende de quanto tempo ficar aqui. O tempo funciona de forma diferente em cada plano.
Durante à noite eu ficava por entre as árvores, observando um Black Dog que passeava no entorno do QG. Achei por bem estudar seu comportamento, já que pouco sabia sobre eles.
- O que está fazendo?! – Perguntou Leiftan do chão.
- O que você está fazendo?! Suba já nessa árvore.
- Como?!
- Anda!
No instante que ele subiu na mesma árvore que eu, o Black Dog apareceu. Eu não tinha dúvidas que era o mesmo que tinha atacado a mim e ao Elliot naquele dia, mas ele parecia diferente. Ele rosnou para nós enquanto Leiftan escalava o galho onde eu estava.
- Precisamos fazer alguma coisa.
- Não vamos fazer nada. – Falei. – Vamos ficar aqui até ele ir embora.
- Mas....
- Não precisamos fazer nada. Eu tenho o observado. O que faz aqui?
- Eu estava sem sono, então achei que um passeio me faria bem.
- Na floresta? Ainda mais nessa profundidade?
- Eu não queria ficar dentro dos muros do QG e fiquei preocupado quando não a encontrei em lugar algum. O que você faz a essa hora da noite na parte mais profunda da floresta?
- Eu estou estudando o comportamento do Black Dog. Achei uma boa ideia saber mais sobre eles.
- Entendo. Devemos enfrentá-lo?
- Pelos deuses, não! Nós é que estamos invadindo o território dele.
- Território dele?
- Ele não é diferente dos animais selvagens do meu mundo. Ele vai atacar se estiver com fome, assustado ou para proteger seu território. É como um lobo.
- Então devemos nos retirar com cuidado.
- Eu quero falar com ele.
- Não acho que isso seja possível.
- Quando entrei no limiar naquela missão do kappa, nós conseguimos conversar por lá. Quer vir comigo?
- Não acho que seja uma boa ideia. Deveríamos voltar, nossa missão não será fácil.
- Eu sei. O que espera dessa missão?
- Espero que ocorra tudo bem.
- É o que eu gostaria de acreditar.
- Algo sobre esta missão a incomoda?
- Não é bem sobre a missão, é a ignorância desse povo. Eu sei o que um bando de idiotas é capaz de fazer quando estão juntos, um bando de idiotas armados é ainda pior.
- Não irei deixá-los te machucar. – Ele segurou a minha mão.
- Não é comigo que estou preocupada. Eu tenho medo de que algo de ruim aconteça e vire uma confusão generalizada.
- Vamos cuidar para que isso não aconteça. Eu prometo.
- Não devia prometer coisas que você não será capaz de cumprir. Isso não depende só de você, Leif.
- Vem cá. – Ele me puxou cuidadosamente para que ficasse no colo dele. – Não vamos pensar nisso, está bem? Não adianta sofrer por antecipação.
- Tem razão.
Descansei minha cabeça em seu ombro observando o Black Dog se afastar. Mesmo ele estando bem longe, nós não saímos daquela posição, até eu perceber que estava realmente cansada. Descemos da árvore e voltamos para o QG juntos.
Finalmente chegou o dia de partir. Antes de irmos, Alajéa nos apresentou à sua irmã adequadamente. Colaia estava com o cabelo curto e pernas, ela parecia tímida e pelo que elas nos disseram, a reabilitação estava indo bem. Pelo menos uma boa notícia.
Fomos até o local de acampamento usando montarias e armamos nossas barracas. Eu tive que ir com Valarian, pois estava em um dia que eu não queria ter saído da cama. Chegamos ao local alguns dias depois e montamos acampamento. Eu iria dividir a tenda com Dagma e Ewelein, pois como ela estava ajudando Ezarel no laboratório e Dagma tinha sido de grande ajuda com Enthraa na enfermaria e Ewelein estava ciente da minha condição, era melhor eu ficar perto delas.
Ainda era dia, mas todos estavam exaustos da viagem. Dagma e eu fomos à tenda juntas quando escutamos Ewelein discutindo com Ezarel. Rapidamente ela pegou meu braço e me levou para um esconderijo.
- A menos que você tenha um problema médico, é bom que saia daqui! – Escutamos a elfa dizer.
- Ewe, eu sei que não te disse toda a verdade, mas você não pode fingir que eu não existo.
- É exatamente o que estou fazendo.
Eles discutiram mais um pouco, mas era visível que Ewelein estava indignada. Ela até citou o que tinham tentado fazer comigo, mas isso não era tudo.
- Você nunca levou isso a sério!
- Ewe, espere!
Ewelein passou por nós correndo sem nos ver. Decidimos sair do esconderijo na mesma hora que Ezarel saiu da tenda.
- Dagma? Tingsi? Desde quando vocês estão aqui?
- Acabamos de chegar. – Respondeu a ninfa. – O que aconteceu com a Ewelein?
Ele simplesmente abaixou a cabeça e foi embora. Antes que ela pudesse dizer algo, entrei na tenda e desabei na cama. Do jeito que eu estava cansada, dormiria até no chão. Não que fosse um problema para mim.
- O que você acha que aconteceu?
- Não sei e nem quero saber.
- Mas o Ezarel....
- Dagma, isso é problema deles. Se eles quiserem falar, que falem. A gente não pode se meter assim.
Adormeci. Acordei no meio da noite ouvindo soluços, Ewelein estava chorando. A ninfa também estava desperta. Nos entreolhamos e sabíamos que tinha o nome de Ezarel. Suspirei. Quando a elfa percebeu que estávamos acordadas, ela enxugou as lágrimas.
- Ewelein, está tudo bem? – Perguntei.
- Sim, está. Eu só estou cansada.
- É por causa do Ezarel, não? – Disse Dagma.
- Como?
- Ouvimos sua discussão com ele.
- Estávamos esperando vocês terminarem de conversar para desabarmos na cama. – Justifiquei.
- Ele te fez algo? Você pode nos contar se quiser.
- Ezarel e eu começamos a sair juntos há um ano. – Já vi tudo.
- Então vocês eram....
- Não. Nós concordamos que não seria nada sério, apenas diversão. Ele é bonito e eu gosto dele....
- Esqueceu de irritante e com senso de humor duvidoso. – Complementei e recebi um olhar irritado da ninfa.
- Vocês devem achar que eu sou fácil.
- Se você é fácil, eu sou o tutorial. Esqueceu que eu algemei o Nevra durante o sexo e apostei com ele para ver quem pegava mais mulher? O que você faz da sua vida é problema seu, ninguém tem o direito de te julgar se você dorme com o Ezarel, o Jamon, a Miiko ou todos ao mesmo tempo.
- O que ela quer dizer é que não ninguém deveria te julgar por isso.
- Obrigada.
- Deixe-me adivinhar, você se apaixonou pelo cretino de cabelo azul.
- Exatamente. Eu sei que é burrice de minha parte e ele sempre foi muito claro sobre isso.
- Você não tem culpa por isso, isso às vezes acontece. Não dá para mandar no coração e nem obrigar uma pessoa a corresponder esse sentimento. Às vezes a gente se ilude.
- Pelo menos ele não foi um cretino e te iludiu com um monte de promessas. – Lembrou Dagma.
- Sim. Devo desculpas a vocês.
- Que isso, a gente está aqui para isso mesmo, certo, Tingsi?
- É. Vamos dormir, amanhã vai ser um dia cheio.
Elas concordaram e voltamos a dormir. No dia seguinte, eu sabia que ia ser um daqueles dias. Para começar, eu mal conseguia levantar da cama.
- Tingsi, nós precisamos ir. – Disse Dagma. – Estão todos esperando.
Tentei me levantar e caí igual bosta no chão. Percebendo que eu estava em um daqueles dias, a ninfa foi até sua mochila e pegou um frasco.
- Eu achei que isso poderia acontecer, então touxe um elixir do bem-aventurado.
Ela me ajudou a beber o elixir e eu tive a pior sensação que poderia ter. Senti uma felicidade tomar conta do meu ser e fiquei bem-disposta, mas ao mesmo tempo eu estava tão cansada da vida a ponto de levantar da cama ter sido um desafio. Se tivesse um ônibus passando na minha frente, eu iria me jogar na frente dele.
Encontramos com os chefes da guarda e a Huang Hua na saída do acampamento. Nós entraríamos nas grutas primeiro. Eles estranharam eu estar feliz, claro, eu estava sorrindo o tempo todo.
- Vejo que alguém acordou bem-disposta. – Disse a Huang Hua alegre.
- Sim! – Respondi entusiasmada. – Principalmente se for para pular de uma ponte. – Eles me olharam com uma cara que matou todo o clima.
- Ela não estava conseguindo se levantar da cama, então dei a ela um elixir do bem-aventurado.
- Agradeço sua intenção, Dagma. – Disse Nevra fazendo um cafuné na cabeça dela.
Valkyon massageava as têmporas em um “puta merda” silencioso e Ezarel preferiu não dizer nada. Fomos até o local da caverna com os três chefes e encontramos outra entrada. Eu disse que lembrava o caminho, então Valkyon iria comigo. Ezarel até se propôs a ir conosco ou então que levássemos Dagma, mas a ninfa disse que era melhor ela ficar na entrada com Karenn e Chrome enquanto Ezarel e Nevra seriam nossa retaguarda. Colocamos nossas máscaras e entramos. Elas estavam funcionando bem.
- Valkyon, você está preocupado?
- Estou. Como você está verdadeiramente? Sem levar em conta os efeitos da poção.
- Vou ser sincera, eu não queria levantar da cama.
- Entendi.
Eu o senti me puxar para trás. No lugar onde eu estava havia um buraco e eu quase caí. Não consegui desgrudar os olhos daquele buraco. Senti Valkyon apertar meus braços.
- Vamos continuar.
Apenas concordei. Ele não saiu do meu lado, às vezes ele se deixava ficar atrás de mim para ver o que eu faria. Finalmente chegamos ao ninho dos myconides. Muitos estavam estirados no chão em mau estado. Era como uma cena de enfermaria de um filme de guerra. Era uma cena de partir o coração. Agradeci mentalmente à Dagma pelo elixir ou teria uma crise de choro.
Somente eu poderia falar com Ethel, ele estava deitado em uma espécie de altar em condições precárias. Fiz meu melhor para explicar nossa vinda e detalhar os acordos que queríamos estabelecer. Valkyon não saiu de onde estava nem por um segundo.
- E você Tingsi, por que está aqui?
- Eu já expliquei.
- Não foi esse o objetivo da minha pergunta.
- Eu não sei. Eu não queria nem levantar da cama, mas preciso seguir em frente de alguma forma, não? E não posso deixá-los nas condições em que estão. Eu sei o que é definhar até morrer, perder seus sonhos, esperanças, confiança no mundo externo e não desejo isso para ninguém.
- Eu sei o que você viveu, posso ler o sofrimento em seus olhos. Nós podemos apagá-lo se quiser, é isso que você quer em troca da sua ajuda? Podemos alterar a memória.
- Mesmo que façam isso, já está gravado na minha alma! É um mal silencioso que me consome independente das minhas memórias! – Baihu me dê forças e Qinglong um abraço, acho que o efeito da poção está passando ou isso é mais forte que ela. – Mesmo que eu esqueça, eu já estou condenada, só terei mais motivos para deixar de viver! Então não, eu não estou aqui para uma troca idiota, ainda mais uma tão absurda assim!
- Lamento muito pelo que aconteceu com você. – Tive que morder minha língua para não responder. – Temos um acordo. A Guarda de Eel pode intervir.
Voltei até Valkyon, que me abraçou. Ezarel e Nevra chegaram algum tempo depois para assinarem o acordo. Também deixamos mantimentos e remédios para eles. Os myconides começaram a chorar de emoção quando viram os mantimentos. Minha cabeça girava, meu coração doía ao vê-los naquele estado, mas Valkyon não me soltava. Ele me tirou da caverna e retirou minha máscara quando estávamos do lado de fora. Eu desabei no chão feito bosta e comecei a chorar. Ele voltou a me abraçar e acariciou meu cabelo. Eu me agarrei em suas roupas.
- Valkyon, o que está acontecendo?! – Ouvi a voz de Dagma.
- É uma crise.
===Dagma===
Karenn e Nevra tinham se despedido com um abraço. Parecia que seria a última vez que se veriam, espero que não seja. Eu fiquei com ela e Chrome na entrada da caverna alerta a qualquer sinal de balenviano. Se víssemos um, teríamos que sair o mais rápido possível. Aproveitei para ficar sob o sol.
Não sei quanto tempo se passou, mas Valkyon voltou trazendo Tingsi com ele. Ele passou por nós e nem os olhou direito. Claramente ela não estava bem. Assim que ele arrancou sua máscara, ela desabou no chão e começou a chorar. Ele a abraçou e tentou confortá-la. Karenn, que já estava nervosa por causa do Nevra, parecia em choque.
- Chrome, fica com ela.
- Não precisa nem dizer.
- Valkyon, o que está acontecendo?!
- É uma crise. Dagma, fale para Huang Hua ir sem mim. Ezarel e Nevra encontrarão com vocês no caminho com o tratado.
Voltei correndo para o acampamento. Os outros ficaram surpresos ao me ver, Huang Hua percebeu que havia alguma coisa errada.
- Dagma, o que houve?
- Valkyon não vai conosco até a vila.
- Por que não?
- Tingsi está tendo uma crise, ele vai ficar com ela. Ele disse para você ir, Ezarel e Nevra te encontrarão no caminho.
- Não precisa, irei até a entrada da caverna. Assim vocês poderão me explicar o que aconteceu. Ache Leiftan para mim.
Assim que encontrei Leiftan, fomos correndo à entrada da caverna. Ezarel e Nevra tinham voltado e Karenn estava abraçada ao irmão. Leiftan correu até Valkyon e tentou confortar Tingsi. Valkyon nos explicou o que aconteceu.
- É culpa minha. Eu dei o elixir do bem-aventurado a ela.
- Não é culpa sua. – Disse Valkyon. – Eu ouvi algumas partes da conversa dela com o Patriarca Ethel. Ela parecia bem, mas alguma coisa que ele disse acabou a deixando chateada e desencadeando essa crise. Isso somado ao que vimos na caverna.... Acho melhor voltarmos ao acampamento.
- Não deixe que a vejam nesse estado. – Disse Leiftan colocando seu casaco sobre ela. – Isso só vai piorar a situação.
Valkyon assentiu. Nós os deixamos e seguimos para o vilarejo. Huang Hua se apresentou como emissária da guarda e dos myconides e queria falar com seu líder. A decana Haglaé pediu para que ela a seguisse.
- Dagma, fique com os rapazes. Leiftan, venha comigo.
Os dois entraram no vilarejo enquanto eu fiquei com Ezarel e Nevra. Nos sentamos no chão na trilha para as grutas enquanto esperávamos. Ezarel resolveu desenhar no chão com um galho enquanto Nevra foi ver como Karenn estava.
- Não adianta ficar se culpando pelo que aconteceu. – Disse o chefe da Absinto.
- Se eu não tivesse dado aquele elixir....
- Ela não teria levantado da cama e teríamos problemas para negociar com os myconides. A culpa maior é nossa que tomamos aquela decisão ridícula. Vamos falar sobre outra coisa?
- Como se tornou chefe da guarda?
- Nada de especial. O antigo chefe era um mercenário e resolveu voltar à vida de antes. Como eu era assistente dele, ele me elegeu.
- E o Nevra e o Valkyon?
- O Nevra se tornou chefe da guarda logo depois de mim. A chefe dele resolveu se aposentar. Já o Valkyon, é complicado.
- O que aconteceu?
- O antigo chefe da Obsidiana era o irmão dele. Valkyon assumiu depois de sua morte.
- Sinto muito.
- E você, por que decidiu abandonar sua vila?
- Quando eu era pequena, eu sonhava em viajar o mundo. Eu senti o chamado da aventura, então saí.
- Só isso?
- Eu realmente tentei ficar e me tornar uma boa ninfa, mas eu não tinha muito jeito e o chamado era mais forte do que eu. Era como se eu quisesse mais que uma vida pacata.
- Entendo.
Ficamos conversando por horas. Contei a ele algumas travessuras que fazia na vila, minha mãe ficava louca. Ezarel também me contou como fazia para roubar mel da cozinha quando era criança. Huang Hua veio com Leiftan, ele exausto e ela com ótimo humor.
- Trégua assinada. – Ela anunciou feliz.
- Devemos esperar retaliação dos habitantes? – Perguntou elfo.
- Vamos voltar ao acampamento para conversarmos calmamente.
Nós voltamos, mas antes encontramos Nevra. Huang Hua chamou os chefes da guarda e o Leiftan para a tenda principal. Ela me pediu para dar o recado a Valkyon, então voltei para a minha tenda. Tingsi dormia e ele estava do lado dela.
- Como ela está?
- Um pouco melhor. Acho melhor a deixarmos dormir.
- Pode deixar que eu assumo. Huang Hua precisa de você na tenda principal.
Ele se foi e eu assumi seu lugar. Karenn e Chrome apareceram na porta da tenda perguntando se ela estava bem. Respondi o que Valkyon tinha dito e avisei que ficaria com ela, afinal, a tenda era minha também.
Algum tempo depois, Huang Hua fez o anúncio, mas antes ela reclamou que todos estavam tentando espionar a tenda. As negociações foram bem, no entanto Haglaé e o prefeito discordavam um do outro. Embora o prefeito tenha aceitado o acordo, a decana achava que ele poderia formentar uma pequena rebelião. Voltei para a tenda para descansar.
Acordei no meio da noite. Tingsi não estava em seu leito, então saí para procurá-la. Eu a encontrei perto da entrada da caverna, olhando o céu estrelado. Ela parecia melhor.
- Estive te procurando. Como está?
- Menos pior. O ar noturno tem me feito bem.
- Bom saber. Sobre mais cedo, me desculpe pelo elixir.
- Não foi o elixir que causou a crise. Eu fiquei puta com a conversa que tive, antes eu só me jogaria de um precipício, mas não estava fodida para entrar em crise.
- Quer falar sobre isso?
- Não.
- Está bem. Já te contaram?
- O que?
Contei a ela sobre o anúncio da Huang Hua, sobre as negociações e as suspeitas de Haglaé. Tingsi apenas bufou.
- Que merda.
- Espero que as coisas não fiquem difíceis.
- Eu também. Tem alguma coisa nessa história que não está batendo.
- O que quer dizer?
- As grutas, elas parecem estranhas. Essa história do veneno também, tem alguma coisa que me incomoda.
- Talvez a gente deva dar uma outra olhada de manhã. – Sugeri. – Dessa vez vou com vocês.
- Então vamos juntas.
Voltamos ao acampamento para dormir. Algo me dizia que teríamos um longo dia pela manhã.
Chapter 28: Capítulo 28
Chapter Text
===Tingsi===
Fui acordada por Karenn no dia seguinte com o anúncio que os aldeões estavam pegando em armas. Eu não tenho um segundo de paz nesse caralho! Quando não é depressão batendo é alguma merda externa. Huang Hua estava nos pedindo para pôr as armaduras e até pediu que eu ficasse no acampamento para evitar outra crise. Porra nenhuma, fui mesmo assim.
Os membros da Absinto fizeram uma barreira mágica em volta do vilarejo para nenhum imbecil sair, os membros da Sombra usariam de todos os artifícios para enganar os balenvianos enquanto os membros da Obsidiana deveriam usar suas armas e escudos para se defender, mas não deveriam atentar contra as vidas dos balenvianos e não deveríamos fazer mal a eles. Minha rola. Se existe algo que aprendi com o Batman é que matar não pode, mas traumatismo craniano é de boa.
Partimos para Balênvia. Quando chegamos na entrada da gruta, vi o Oráculo bem na frente da entrada que escavamos.
- Sou eu ou o Oráculo resolveu dar uma voltinha?
- Eu também estou vendo. – Disse Dagma ao meu lado.
- Onde?! – Perguntaram os outros.
- Na entrada das grutas.
- Parece que ela quer que a gente a siga. – Constatou a ninfa.
- Não estou vendo nada. – Disse Nevra.
Dagma e eu descemos das nossas montarias e fomos para as grutas, claro que colocamos as máscaras no caminho. Valkyon, Ezarel e Huang Hua vieram correndo atrás de nós. As grutas tinham mudado completamente e a névoa estava ainda mais intensa.
- Não estava assim ontem. – Valkyon disse.
- Tenho a impressão de que não iremos encontrar os myconides. – Disse Huang Hua. – Como se as grutas fossem nos impedir. Temos que achar a causa deste problema.
Adentramos mais nas grutas, mas a impressão era que andávamos em círculos. Eu tinha uma lata de tinta na bolsa, então discretamente marquei um X verde fluorecente que brilhava no escuro na parede.
- Estamos andando em círculos! – Disse Ezarel. – Estamos perdendo tempo.
- Não seja pessimista, Ezarel. – Pediu Dagma.
- Não é por nada não, mas ele está sendo realista. A gente já passou por aqui. – Apontei para o X verde fluorecente.
- Quando foi que você fez isso?! – Perguntou Valkyon.
- Há algum tempo.
- Vamos continuar. – Disse a ninfa. – Tenho certeza que vamos encontrar algo.
- Certo, mas se eu vir esse X de novo, nós vamos ter que pensar em outro plano.
Dagma tinha muita energia, parecia que ela não se cansava. Pedi para pararmos um pouco, foi quando percebi que estávamos sozinhas. Nós chamamos pelos outros, mas sem sucesso. Foi quando o Oráculo apareceu e apontou para um corredor. Decidimos seguir na direção indicada e encontramos os outros. Falamos do Oráculo e fomos na direção que tinha apontado.
Encontramos com o Oráculo de novo, mas só Dagma e eu que conseguíamos vê-la. Decidimos seguir suas indicações e o que veio a seguir foi a gente andando em círculos por toda a gruta com o Oráculo mais perdido que cego em tiroteio. Aquilo estava começando a me irritar e eu não era a única. Ezarel também estava visivelmente irritado.
Finalmente encontramos alguma coisa, mas infelizmente era um desabamento. Tivemos que nos escorar na parede para nos salvarmos. Infelizmente tínhamos perdido os rapazes. Merda. Fomos procurá-los até que encontramos Ashkore.
- Ora, quem diria, a própria Huang Hua Ren-Fenghuang veio sujar suas mãos em um lugar tão sórdido como este.
- Você?! – Dagma e eu nos pusemos em posição de luta, estava claro que ele queria problemas.
- Foi uma boa ideia essa sua máscara. – Ele brincou com um fragmento de oxigênio entre os dedos. – Fiz umas pequenas modificações.
- Eu já o vi antes. Eu conheço você.
- Foi aquela peste da kitsune que te falou sobre mim?
- Não, essa aura, eu já a vi.
- Bem, eu já vim pegar o que vim procurar mesmo, não preciso perder tempo com vocês.
Ele soltou um tipo de bomba que tivemos que fechar os olhos para nos protegermos, mas ainda assim não era tão eficaz quanto as bombas de efeito moral ou as granadas flash do meu mundo. Sim, um amigo meu da adolescência conseguiu uma e por pouco não cegou todo mundo por acidente. Valkyon e Ezarel nos encontraram graças ao flash de luz.
Continuamos percorrendo uma eternidade de corredores sem lógica nenhuma caçando a merda do Oráculo. Os deuses não podem nos ajudar, eu já estava frustrada com tudo aquilo. Aconteceu outro desabamento, mas eu não fui rápida para perceber, só soube quando fui jogada contra a parede. Dagma tinha salvado minha vida, mas nossas máscaras tinham quebrado. Rapidamente, Valkyon arrancou minha máscara e pôs a dele em mim, já Ezarel tirou a da ninfa e pôs a dele nela.
- Por que está fazendo isso? – Ela perguntou a ele.
- Você é da minha guarda, portanto minha responsabilidade. – Ele tossiu.
Enquanto eles convesavam, rasguei o casaco do Ezarel de novo. Ele iria reclamar, mas o mandei calar a boca. Molhei ambos os panos com uma garrafa de água e os amarrei tapando seus narizes e bocas.
- É uma solução provisória. Saiam logo daqui! A gente segue sem vocês.
- Irei com eles para ter certeza que estarão bem. – Disse Huang Hua. – Vocês duas encontrem o Oráculo e descubram o que está acontecendo aqui.
Os três sumiram das nossas vistas. Dagma estava prestes a recomeçar, mas eu a impedi segurando seu pulso.
- Tingsi, a gente precisa....
- Eu sei. Só me dá a sua mão e não solte por nada.
- Tudo bem.
Ela segurou a minha mão. Antes que déssemos o primeiro passo, eu levei nós duas ao limiar entre o mundo material e o espiritual. Vendo-a nesse lugar, percebi que uma luz dourada e brilhante irradiava dela.
- O que é isso?!
- É só o limiar.
- Então é assim como ele é? E por que minhas mãos estão brilhando?!
- Você toda está brilhando. Este lugar mostra como as coisas realmente são.
Dito isso, olhei para a minha mão. Havia uma fina aura prateada e brilhante ao meu redor, como se reagisse à aura dela. Nossas mãos juntas formavam uma aura negra de contorno vermelho muito estranha. Mil perguntas surgiram na minha mente.
- Nevra tinha asas de morcego e presas maiores quando veio comigo da última vez.
- Isso significa que as ninfas brilham?
- Dagma, você já pensou que talvez não seja uma ninfa?
- O que quer dizer?!
- Ninfas são seres de pura luz? Digo, a sua é bem cegante.
- Por que você nos trouxe aqui? – Ela resolveu mudar de assunto, dava para ver que estava incomodada.
- Porque estou cansada de andar em círculos. Está vendo aquele feixe de luz brilhante? Vamos segui-lo, vai nos levar a o quer que seja.
Ela concordou e nós seguimos o feixe. Nos deparamos com um corredor que não tínhamos explorado. Havia algo brilhando intensamente à nossa frente, algo maligno e corrompido. Decidi nos levar de volta ao mundo material. As paredes tinham veias espalhando sua corrupção por toda a caverna.
- O que é isso?!
- Eu não sei. – Falei. – Vamos olhar mais de perto.
Eram cristais, corrompidos, mas eram os cristais. Dava para sentir a aura maligna e corrompida emanando deles. O Oráculo estava apontando para eles.
- O que a gente faz?
- Acho que ela quer que a gente remova.
- E comos vamos fazer isso?
- Tem uma picareta com você?
- Não, claro que não.
- Então vamos na mão mesmo.
Assim que agarrei um cristal, senti minha mão queimar. Era uma dor imensa, mas eu estava puta o bastante para não soltá-lo. Assim que o retirei, uma sensação de alívio tomou conta de mim. Com Dagma não foi diferente, mas ela estava determinada a continuar. Nós tiramos os cristais na força do ódio até que não sobrasse nenhum. Quando arrancamos o último, uma luz branca se espalhou pelo lugar, as veias sumiram e o ar se tornou puro e respirável de novo. Desabamos no chão exaustas.
- Conseguimos. – Falei.
- Quer dividir os cristais?
- Não, leve todos com você. Minha bolsa está cheia.
- Está bem. Podemos ver os myconides antes de voltarmos?
- Só espere um pouco. De onde é que você tira tanta energia?
- Eu acho que sempre fui assim.
Descansamos por alguns minutos antes de irmos até a morada dos myconides. Apresentei Dagma a eles e explicamos a Ethel o que tinha causado tudo aquilo. Ele decidiu vir conosco. Mal saímos da caverna e Dagma arrancou a máscara, rodopiando feliz em sentir o sol em sua pele enquanto eu tive que me proteger de sua luz cegante. Huang Hua parecia estar rezando, a angústia que tinha no rosto sumiu quando nos viu. Dagma a abraçou alegre.
- Vocês estão bem! Conseguiram encontrar o que estava causando tudo isso?
- Sim, olha! – A ninfa mostrou a bolsa cheia de cristais.
Contamos a ela tudo o que tinha acontecido, inclusive sobre nossa experiência no limiar. Ethel saiu das grutas se protegendo do sol. Ele tinha lágrimas nos olhos, devia estar naquelas cavernas há muito tempo. Os dois se cumprimentaram e começaram a conversar sobre a situação.
- Onde estão Ezarel e Valkyon? – Perguntei.
- Na enfermaria. Não se preocupe, eles ficarão bem.
- Irei vê-los.
- Então eu vou com você. Prontificou-se Dagma.
Voltamos ao acampamento. Os dois estavam descansando na enfermaria, mas fora de perigo. Nevra e Leiftan estavam com eles. Nós os abraçamos e contamos tudo o que tinha acontecido. Aproveitei para beber água e comer alguma coisa. Estava exausta.
- Você conseguiu entrar no limiar?! – Perguntou Nevra.
- Sim, eu estava treinando isso antes de sairmos do QG.
- Esses brilhos que você viu em si mesma e na Dagma, o que acha que significam? – Perguntou Leiftan.
- Não sei. Se for para chutar, talvez tenha a ver com nossas raças. Eu fiz com Nevra e Miiko e só confirmou as raças deles.
- Você pode entrar de novo? – Perguntou Ezarel.
- Do jeito que estou, vou acordar na enfermaria do QG se tentar.
Fechei os olhos por um instante, meu corpo pedia por um cochilo. Acabei deitando no chão mesmo e cochilando. Fui acordada algum tempo depois, estava na hora de encontrar os balenvianos. Saco. Como eu e Dagma estivemos nas grutas, era nossa obrigação ir. Saco duplo.
Fomos até o vilarejo com Huang Hua e Ethel. Vimos membros da Absinto mantendo uma barreira invisível. Havia uma multidão do outro lado com forcados e foices. Ainda bem que vim armada. Após o comando da fenghuang, eles pararam com a barreira. Ela invocou a trégua e avançou com Ethel. Dagma e eu avançamos com Nevra e Leiftan. Segurei uma garrafa de Molotov por cima da bolsa. Entrar sob murmúrios não era boa coisa, mas isso não parecia abalar Huang Hua.
Haglaé e o prefeito abriram caminho entre a multidão para nos encontrar. A anciã cumprimentou o patriarca e Huang Hua foi anunciar as boas novas. Ela contou o que tinha acontecido nas grutas. Estava tudo ocorrendo bem, até que o marido da mulher que furou o bloqueio veio causar tumulto. Xuanwu me dê paciência. Só por garantia fui para o lado do myconide. Ele conseguiu acalmá-lo e veio uma cena de choradeira e apoio.
Tudo acabou bem, mas desgraça pouca é bobagem, pois um imbecil se aproximou e tentou meter a faca no Ethel. Haglaé se jogou na frente dele. Eu agarrei o pulso dele e o golpeei de forma que a faca foi para o pescoço dele. Foi tudo muito rápido que eu só percebi o que tinha acontecido quando o cara estava com a faca presa na garganta. Todo mundo estava chocado com o que tinha acontecido. Leiftan se aproximou de mim e me puxou pelo ombro de encontro a ele.
- É bom você não tirar essa faca daí, a menos que queira morrer. – Alertei com a voz trêmula. – Ewelein, precisamos dela.
Tinha um grupinho que estava enfurecido com Ethel, mesmo com a cena da choradeira. Um deles tentou se aproximar de mim e de Leiftan com uma foice. Eu me soltei do lorialet, defendi usando a garra do tigre antes de agarrar o braço do balenviano e fiz um movimento de torção que o quebrou. Não era apenas aquele grupinho, muitos estavam com armas escondidas e seria um conflito armado. Peguei uma garrafa de Molotov da bolsa, puta da vida.
- Ninguém se move ou taco fogo na porra toda!
- Isso é aquela poção incendiária que você usou na harmadríade?! – Perguntou Nevra já sabendo do que se tratava.
- Não é uma poção! Deixa para lá.
- Tingsi, abaixa isso.
- Então fala para esse povo parar de agir como um bando de retardado e largar as armas.
- Vocês a ouviram, larguem as armas!
- Ela não teria coragem!
Só de sacanagem eu agitei a mistura e joguei no maluco de disse aquilo. Ele pegou fogo assim que a garrafa se quebrou nele, o óleo se espalhou para pessoas próximas juntamente com o fogo. Imediatamente peguei outro. Eu vi um monte gente antes enfurecida e portando armas, correndo, deitando no chão e rolando para apagar o fogo e olhares horrorizados sobre mim.
- Acabei de ter.
- Tingsi, eu avisei que não era para atentar contra a vida dos balenvianos. – Disse Huang hua.
- Eu só estou nos defendendo, principalmente de covardes. Já não bastavam os humanos do meu mundo e eu tenho que presenciar esse tipo de comportamento aqui?!
- Não nos compare com aqueles....
- Comparo sim porque vocês estão agindo iguais a eles! Ou até pior. Larguem as armas ou eu inceideio essa caralha dessa cidade! – No mesmo instante todo mundo largou as armas. – As que estão escondidas também.
Eu nunca vi tanta faca na vida. Alguns tinham várias escondidas. Mandei que chutassem para longe do alcance de qualquer um ali.
- Agora vocês vão sentar e discutir como gente civilizada. Quem estiver ferido, espere pela nossa médica na porta da vila.
- E por segurança iremos levá-la de volta para não causar mais nenhum tumulto. – Disse Nevra atrás de mim.
O povo abriu caminho para que eu, o vampiro e a ninfa passássemos sem grandes problemas. Já fora da vila, eu guardei o Molotov com um grande e cansado suspiro. Não percebi que estava tremendo. Nevra me pegou pelos ombros.
- Você enlouqueceu?! Agora eles te odeiam!
- Eles já não gostavam de mim antes! Se acham os humanos ruins, então eu vou mostar o pior que podemos fazer.
- Tingsi, você não era assim. – Ele disse magoado.
- Depois daquela poção, eu prometi que iria sobreviver, Nevra. Não importa o eu tenha que fazer.
Ele ficou quieto, eu não percebi o quanto eu tremia diante dele. Um misto de emoções passava por mim. Raiva, medo, mágoa, ressentimento, ódio e principalmente exaustão. Dagma afastou Nevra me abraçou, eu realmente precisava disso. O calor que ela transmitia me ajudava a me acalmar.
- Vamos voltar ao acampamento. – Ele disse chateado.
Assim que chegamos ao acampamento, passei por todos sem responder as suas perguntas e fui direto para a minha tenda. Nem mesmo me lavei, desabei na cama e apaguei completamente de tão exausta que estava.
Quando acordei já devia ser madrugada, pois todos dormiam. Aproveitei para me lavar e trocar de roupa no banheiro improvisado. Resolvi dar um pequeno passeio pelos arredores, na floresta.
- Sem sono? – Perguntou Leiftan surgindo de caralho nenhum.
- É. Você também?
- Sim.
- Então, podemos dar essa missão por encerrada?
- Ainda não.
- Eles não chegaram a um acordo? – Pela cara que ele fez, algo ruim tinha acontecido. – Leif, o que aconteceu?
- Só conto se você prometer não incendiar o vilarejo.
- Eles mataram o Ethel?!
- Não, mas bem que tentaram.
Ele me contou que depois que eu saí, eles conseguiram acalmar os ânimos e retomaram as negociações após prometerem que os protegeriam de mim. Eles e Haglaé ainda deram um esporro nos habitantes que tentaram causar tumulto, mas tudo ocorreu muito bem. Os tratados foram assinados e estava fora de perigo, até que o grupo resolveu sair do vilarejo acompanhado de Haglaé. No instante em que se distraíram, um filho de uma puta parideira resolveu, como diria Damiana, meter a peixeira no Ethel. Foi muito rápido que nem Leiftan e Valarian puderam reagir. Só que a Haglaé se meteu na frente do myconide e morreu. Os dois se despediram antes dela morrer e com a morte da anciã é que eles perceberam a merda que fizeram e Huang Hua conseguiu enfim a paz entre os dois povos.
- Mas que cambada de arrombado do caralho! Como é que eles conseguem ser tão imbecis a este ponto?!
- É por isso que temo que você incendeie o vilarejo.
- Incendiar?! Eles merecem coisa pior que um incêndio, isso sim. E depois a minha raça que não presta.
- Os humanos nos fizeram sofrer muito.
- Como se os faeries fossem diferentes, né? Eles fizeram tudo que um bando de alienados do meu mundo faria e eu nem entro em outros méritos.
- O que quer dizer?
- Eu pesquisei sobre os humanos em Eldarya na biblioteca. Vocês não são diferentes deles.
- Por que acha isso?
- Porque vocês também têm medo do que é desconhecido, algumas cidades têm mentalidade de rebanho, entram em guerra uns com os outros por causa de bobagem ou de recursos, podem ser compassivos ou cruéis. Todos somos bons e maus, só que alguns são muito bons e outros muito maus. E idiotice também não tem raça. Estou falando demais, né?
- Um pouco, mas eu gosto da forma como expõe sua visão de mundo. Eu sempre tenho que pensar um pouco quando tenho que debater com você. Lembra quando conversamos sobre anjos e demônios?
- Sim.
- Você seria amiga de um daemon se eles ainda existissem?
- Se ele não fosse um pau no cu, sim.
- O que você faria se encontrasse com um?
- Está fazendo uma pergunta que depende da situação.
- O que quer dizer?
- Depende se a gente se encontrou em um bar, se ele está tentando me matar, se estamos no meio de uma guerra, se ele está precisando de ajuda, são muitas possibilidades.
- Entendo.
- Quando vai ser o funeral?
- Amanhã.
- Sei. Vou voltar para a minha tenda.
- Bons sonhos.
- Você também.
Voltei para a tenda e fiquei pensando no que fazer. Achei melhor voltar a dormir. Quando amanheceu, me falaram do funeral. Todos foram convidados a comparecer, balenvianos, myconides e a Guarda de Eel. Os balenvianos tinham receio que eu fosse, Huang Hua queria que eu fosse de qualquer jeito, mas eu disse que iria acompanhar o funeral de longe para evitar maiores problemas.
Com todos ocupados com o funeral, voltei para a tenda vesti roupas pretas com o capuz e peguei meus óculos de solda, minha máscara de grafite, fones de ouvido e as tintas. Também peguei algumas coisas antes de ir até o vilarejo. Evitei o portão e escalei o muro graças ao wushu. Encontrei a parede perfeita e comecei a trabalhar no mural. Terminei meu trabalho um pouco antes do pôr do sol.
- O que você está fazendo?!
Lancei uma lata de tinta no chão para fugir do balenviano. Eu já terminei de qualquer forma.
===Leiftan===
Haglaé estava sentada em seu trono sobre um altar de madeira decorado com flores. Todos estavam com flores e lanternas em mãos. Ezarel e Valkyon tinham deixado a enfermaria para se juntarem ao funeral e ter certeza que não haveria mais problemas. Eu só conseguia pensar em Tingsi.
Refleti muito sobe nossa conversa na noite anterior quando ela nos comparou aos humanos. Eu não gosto dos humanos, mas ela me deixa em dúvida. Não vou mentir que fiquei atônito quando ela segurou aquela poção incendiária incomum e a lançou no grupo de desordeiros e mais ainda ao perceber que ela tremia quando tirou o segundo frasco da bolsa. Ela poderia ter quebrado os ossos de todos ali e incendiado o vilarejo, mas não o fez. Ela apenas os obrigou a colocarem as armas de lado e conversar, como uma mãe obriga duas crianças a parar de brigar. No entanto, todas as confusões do dia anterior ocorreram por causa dos balenvianos, que não deixaram de tentar matar o patriarca até derramar sangue inocente. Tingsi apenas adiou o inevitável.
Era irônico. A humana que eles não gostavam tinha o poder de destruí-los, mas optou por usá-lo para realizar a negociação enquanto os faries que tinham concordado com a trégua e com as negociações tentaram assassinar o líder dos myconides. Eu já sabia que nem os humanos e nem os faeries prestavam, mas depois de ontem percebi que eles não eram tão diferentes assim. Se for analisar tudo o que ambos os grupos fizeram, ficarei enojado.
Finalmente atearam fogo ao corpo desfalecido da anciã, desabrochando as flores que liberaram esporos de diversas cores. O patriarca Ethel fez seu discurso e soltamos nossas lanternas. Nenhuma confusão ocorreu durante o funeral.
- Fomos invadidos! – Gritou um homem na multidão.
A guarda foi conversar com ele. Ele disse ter visto uma criatura estranha que liberou uma espécie de gás e o fez fugir. Pedimos para que nos indicasse onde tinha visto a tal criatura. Quando chegamos ao local, seguidos por curiosos, havia uma pintura de Haglaé com flores silvestres e velas na calçada próximas ao muro, como se fosse um memorial ao ar livre.
- Olha mamãe, alguém fez um memorial para a anciã. – Escutei uma criança dizer.
Algumas crianças em sua ingenuidade foram depositar suas flores aos pés da pintura. Huang Hua e o patriarca Ethel prestaram homenagens ao presente que foi deixado aos balenvianos enquanto os chefes da Guarda de Eel estavam de boca aberta, decidindo se aquela pintura era boa ou ruim, se tomariam ou não providências e tentando entender o porquê. Essa humana não para de me surpreender.
Eu não iria ficar para a celebração. Fui com Chrome em direção ao acampamento, pois ele queria explorar as grutas antes da refeição. Encontramos Tingsi encostada nos portões arremessando uma espécie de lata como se fosse uma moeda.
- Vi o memorial que preparou, embora eu não entenda o motivo.
- Eu gostava da Haglaé, então achei que seria uma boa ideia eternizá-la em um mural.
- Foi gentil da sua parte.
- Como fez aquilo? – Perguntou Chrome. – Você tem um pincel mágico ou algo assim?
- Talvez um dia eu mostre.
Ela guardou a lata. Fomos em direção ao acampamento, mas antes deixamos o Chrome perto das grutas.
- Eu estive refletindo e não acho que os faeries sejam como os humanos.
- Por que acha isso?
- Porque embora possamos ser parecidos, vocês são imprevisíveis. Eu mesmo não sei o que você está pensando ou o que vai fazer. A imprevisibilidade faz parte da sua natureza assim como a ambição.
- “Se todos estivessem satisfeitos com o que têm, ainda viveríamos em cavernas”. É uma frase de um RPG que meus amigos jogavam. Atribuíram à deusa da ambição, da aventura e dos humanos nesse jogo.
- É bem apropriado.
- Tem outra frase dela que é “eu criei os humanos para superarem os deuses”.
- Isso seria exagero.
- É só um jogo, Leiftan.
- Você gosta desse tipo de jogo?
- Não muito, eu gostava da bagunça que ficava quando jogávamos. Uma vez Jaden se casou com um trasgo.
- Mesmo? Como isso aconteceu?
- A gente estava jogando e tínhamos que passar por um lugar. Todo mundo estava fodido e toda vez que ele ia atacar, só saía número baixo no dado. Até que ele perdeu a paciência e quando rolou o dado, deu 20.
- Vinte? Mas um dado não tem seis lados?
- Os normais sim, mas os de RPG podem ter 4, 6, 8, 10, 12, até 20 lados. Yuna comprou um de 100. É praticamente uma bola que ela usa de decoração.
- Eu não sabia que isso era possível.
- Nem eu. Achei até que ela estava cheirando cola, mas existe.
A Terra era um lugar que não me interessava e eu até duvidava de vários feitos dos humanos, como ir à lua por exemplo. No entanto, conversando com uma humana, percebi que os rumores não eram tão absurdos assim e existiam coisas mais absurdas ainda, como celular.
- Retornaremos ao QG amanhã. – Resolvi mudar de assunto.
- Finalmente. Não vejo a hora de me ver livre desse lugar. A Miiko vai me matar quando souber da história do Molotov.
- Não se preocupe. O máximo que pode acontecer é você ter que limpar os banheiros e a prisão.
- Eu te contei que trabalhava em um bar antes de vir para cá? A cozinha e os banheiros de lá ganham da sua prisão.
- Posso imaginar. Uma vez entrei em uma cozinha de uma taverna, tive pesadelos por três dias. Por falar nisso, se sente melhor?
- Mais ou menos.
- Você sabe que pode conversar comigo.
- Eu sei, mas eu prefiro fazer isso com Xuanwu.
- O homem vestindo preto?
- É, ele tem me ajudado muito desde o meu afogamento. Se não fosse por ele, não sei o que poderia acontecer.
- Você teria sucumbido muito antes. – Segurei seu ombro para demonstrar algum apoio, além de minha preocupação.
- Ou talvez eu poderia surtar, me vingar de todos vocês e mandar a tudo à merda.
- Não acho que você faria isso. Você é boa demais para ser uma vilã.
- Devo lembrá-lo que taquei fogo em um monte de gente e esfaqueei a garganta de um cara?
- Você tinha as razões certas.
- E as atitudes erradas.
- Pelo menos você tem consciência. Você poderia ter incendiado o vilarejo, mas optou por fazer um memorial. Mesmo tendo atitudes questionáveis, não acho que você seja uma pessoa ruim.
- Valeu.
Ela retornou à sua tenda. Várias vezes me perguntei se ela seria uma ameaça e várias vezes tive essa confirmação. Se Ashkore soubesse metade do que eu sei sobre ela, ele a mataria. Esse pensamento faz minha espinha gelar ao mesmo tempo em que sinto minha ira despertar. Eu gosto dela viva e não deixarei que lhe façam mal, principalmente depois dos eventos recentes.
===Tingsi===
Levantamos acampamento do dia seguinte e voltamos para o QG. Tivemos que dar um longo relatório à Miiko sem esquecer os detalhes. Claro que ela ficou puta por eu ter incendiado algumas pessoas e me deu como castigo limpar a prisão e os banheiros. Eu já trabalhei em bar, limpar a prisão não é tão ruim quanto cozinha e banheiro de bar.
Também demos os cristais à Miiko, que os retornou ao grande cristal. Claro que também veio um discurso de sermos especiais porque estamos ligadas ao Oráculo e eu só estava pensando que graças a isso as minhas chances de voltar para a Terra estavam mais limitadas e minha dívida no Serasa vai aumentar.
- Dagma, está tudo bem? – Resolvi perguntar quando saímos da sala. – Você voltou tão quieta.
- Está sim, com licença.
Alguma coisa me diz que ela está mentindo. Cumprimentei os membros que tinham ficado, descobri que Kero não ia embora afinal, conversei mais com ele e fui cumprir logo o meu castigo. Como imaginei, limpar a prisão não foi tão ruim.
No dia seguinte, Miiko convocou todos para uma reunião onde explicou tudo que aconteceu na missão. Ela também deu as boas-vindas à entrada de Leodille e Milo à guarda, anunciou a promoção de Ewelein à Guarda Reluzente, além de me apresentar oficialmente como membro da guarda e um pedido de desculpas público direcionado a mim. Vi Xuanwu em meio a multidão e abri caminho até ele quando a reunião acabou. Eu o abracei.
- Xuanwu, que saudade!
- Você poderia ter me visitado. Faz tempo que não vem me visitar.
- Desculpe. Não estive com cabeça para isso.
- Eu sei. Também soube da sua crise.
- E o que você não sabe?
- É uma boa pergunta.
- Está tudo bem se eu falar de você para os outros?
- Que tipo de guerreiro eu seria se não soubesse lidar com o meu nome em algumas bocas?
- Você é incrível, sabia?
- Sou apenas o que sou. Perdoou a guarda?
- Eu não sei. Dizem que o tempo cura todas as cicatrizes.
- Algumas, outras ele apenas ajuda a suportá-las. Gostaria de uma partida de xadrez?
- Eu prefiro majong, mas é ruim jogar apenas duas pessoas.
- Damas?
- Damas está ótimo.
Fomos jogar na cerejeira e começamos a sessão de terapia. Eu sentia que estava progredindo, embora muitas vezes minha mente me traísse. Eu me sentia bem conversando com ele, desenhando, treinando e dançando. Mal posso esperar para voltar com essa rotina.
- Tingsi, você está aí. – Disse Leiftan chegando de surpresa. – Você deve ser Xuanwu.
- O próprio. Está procurando um terapeuta para os seus traumas? – Ele perguntou.
- Não, obrigado.
- Leif, aconteceu algo?
- Você viu Dagma? Não a encontramos em lugar algum.
- Ela não está com Ezarel ou no laboratório de alquimia?
- Ela não apareceu para trabalhar e não está em seu quarto. Ezarel e Huang Hua estão preocupados.
- Xuanwu, eu preciso procurá-la.
- Não tem problema. Sempre teremos tempo para outra partida.
- Obrigada.
Saímos da cerejeira o deixando lá. Não me espantaria se ele desaparecesse no momento em que viramos as costas.
- Você confia nele?
- Sim. Xuanwu é um bom amigo.
- Entendo. – Ele parecia chateado.
- É ele quem está cuidando do meu psicológico.
- Eu sei. Devo agradecê-lo por isso.
- Vamos procurar Dagma. Esse sumiço é muito estranho.
Nos separamos para cobrir uma área maior. Não era apenas Leiftan e Ezarel que a estavam procurando, todo o QG estava. Decidi por procurá-la do lado de fora. No topo do penhasco, eu pude ver seu cabelo ruivo na praia isolada. Fui até lá.
- Dagma, o que aconteceu?! Está todo mundo te procurando!
- Desculpe.
- Você não está nada bem. Tenho uma ideia, faça como eu, está bem?
Percebi que ela estava com os olhos vermelhos de choro. Iniciei uma série de exercícios de respiração para tentar acalmá-la. Acabou funcionando. Quando ela estava mais calma, me sentei ao seu lado e acariciei suas costas.
- Precisa conversar?
- Eu não sei por onde começar.
- Pelo começo parece uma boa ideia.
- Eu não sei se você vai lembrar, mas sabe quando você teve aquela crise sobre a poção e voltou escoltada por quatro homens?
- Sim.
- Ezarel não estava bem. Nevra e eu fomos procurá-lo e o de preto nos encontrou.
- Está falando de Xuanwu?
- Você o conhece?
- É um bom amigo meu. Ele está me ajudando a lidar com essa merda toda. É um bom psicólogo se você quiser falar com ele.
- Ele me chamou de Dagma Haugen. Eu achei estranho e até curioso, então escrevi isso para minha mãe junto com as coisas que aconteceram. – Esperei que ela continuasse. – Eu também contei o que aconteceu nas grutas e sobre minha experiência no limiar.
- E então?
Dagma me estendeu um pedaço de pergaminho amassado. Eu o peguei e li.
Minha querida Dagma,
Fico feliz que esteja bem e fazendo novos amigos, mas ao mesmo tempo temo que a hora chegou. O estranho que te chamou de Dagma Haugen não mentiu para você, este é o seu nome. No momento, é tudo que eu posso lhe dizer. Precisamos conversar seriamente quando vier para casa me visitar. Apesar de tudo, lembre-se que eu te amo, minha querida filha.
Com amor, sua mãe Aria.
Um nó se formou em meu estômago. Eu não sabia o que dizer, então só a abracei e a consolei. Eu não sei o que ela está sentindo, eu não sei que conselhos dar ou me colocar no lugar dela, mas eu queria apoiá-la nesse momento. Embora faça pouco tempo que a gente se conheça, eu consegui me conectar com ela.
- Vamos voltar. Vou avisar Ezarel que você não está em condições de trabalhar hoje.
- Eu não sei se quero voltar.
- Deixa que eu cuido de tudo. Podemos até fazer uma sessão de filmes e muito sorvete no seu quarto. Sempre funciona com os meus amigos.
- Sorvete?
- É uma sobremesa gelada. Eu também posso te emprestar a minha caixa, música também ajuda um pouco.
Voltamos ao QG. Eu iria levá-la ao seu quarto e pegaria algumas coisas no meu, além de preparar o sorvete. Acabamos encontrando Nevra no caminho, que a abraçou sem pensar.
- Dagma, finalmente. O que aconteceu?
- Nevra, me empresta o seu cachecol.
- Por quê?
- Só me dá logo essa merda!
Ele tirou e me deu o cachecol. Eu o abri e enrolei em Dagma para esconder seu rosto dos demais. Ele entendeu que ela não queria falar sobre aquilo agora, então a conduzimos até seu quarto. Voltei ao meu para buscar a caixa misteriosa e começou a tocar Untitle do Simple Plan sem que eu fizesse nada. Pelo que eu vejo essa coisa deve ter preparado uma seleção emo. Em seguida fomos para a cozinha. Eu peguei os ingredientes para fazer o sorvete.
- O que vai fazer? – Perguntou Karuto.
- Sorvete. Dagma não está muito bem e sorvete ajuda.
- Como se faz?
Indiquei aos dois o que deveriam fazer. Fizemos de chocolate, baunilha, fruta da meia noite, lavanda, morango pistache e até fruta de mel. Eu os coloquei para congelar numa espécie de freezer antigo.
- Agora é só esperar ficar duro e está pronto.
- Dá para fazer de vários sabores? – Perguntou o sátiro.
- Sim. No meu mundo dá para fazer de tudo quanto é sabor, desde as frutas até algumas flores e sabores exóticos. Uma vez eu já tomei picolé de wasabi.
- E é bom?
- Eu gosto, mas não é todo mundo que vai gostar.
- Será que você pode me dizer o que aconteceu com ela agora? – Perguntou Nevra.
- Sim, vamos só reunir os outros. Eu não quero ter que explicar duas vezes.
Nevra e eu reunimos os rapazes, a Miiko e a Huang Hua na sala do cristal. Contei a eles sobre a carta que recebeu da mãe dela, do encontro dela com Xuanwu, que Nevra e Ezarel decidiram complementar, e da nossa conversa nas grutas.
- Está dizendo que talvez ela não seja uma ninfa? – Perguntou Huang Hua. – Mas Dagma cresceu entre elas, a mãe dela veio visitá-la em meu templo uma vez.
- Ela também acha que isso não é possível, mas o limiar não mente. Eu não sei se ninfas brilham, então posso estar interpretando errado.
- Se a gente pudesse ao menos provar. – Disse Ezarel.
- E se entrarmos no limiar? – Perguntou Nevra. – Dá para fazer isso?
- Sim, mas eu nunca fiz com tanta gente. Na verdade, eu só tinha feito sozinha. Você, Miiko e Dagma foram os primeiros que levei até lá.
- Mas você pode fazer, certo?
- Sim. Eu posso ficar cansada, mas dá para fazer. Também podemos descobrir a raça do Valkyon. – Lembrei de repente.
- Como assim? – Perguntou ele.
- O limiar mostra as coisas como realmente são, então talvez a gente possa ter uma ideia da sua ancestralidade.
- Talvez uma próxima vez. – Ele parecia contrariado. – Eu tenho trabalho a fazer.
- Eu também precisarei recusar. – Disse Leiftan. – Lembrei de alguns detalhes da missão que precisam ser adicionados ao relatório.
Os dois saíram da sala do cristal a passos rápidos. Eu não sei por que Valkyon parecia contrariado, mas de qualquer forma não é problema meu. Não vou obrigá-lo a entrar ou entrarei perto dele. Pedi para todos darem as mãos e logo entramos no limiar. Foi engraçado ver Ezarel com enormes orelhas pontudas. Nevra continuou com as asas e as presas enormes, Miiko dava para ver as caudas e orelhas brilhantes e Huang Hua tinha uma aura flamejante e uma cauda de fênix, além de parecer com um ser da floresta com folhas pelo corpo e muito mais cabelo do que deveria. O brilho prateado que eu emanei na caverna agora era sutil, quase inexistente.
Voltei ao mundo material pouco tempo depois, me soltei de Ezarel e Nevra e desabei no chão. Estava exausta. Rapidinho me arrumaram uma garrafa de água e uma poção de estamina. Conversamos sobre o que tínhamos visto, sobre o cristal ter brilhado ainda mais em azul e sua força e de nossas aparências. Huang Hua revelou ter raízes azizas, por isso a tínhamos visto daquela forma. Nevra e eu ainda sacaneamos Ezarel por conta de suas orelhas.
- Você também tem orelhas pontudas!
- Mas as minhas não ficam grandes no limiar.
- O mesmo não pode ser dito sobre suas presas.
- Acreditam agora? – Perguntei.
- Sim. – Disse a fenghuang. – Por isso que você acha que ela não seja uma ninfa?
- Olha, eu nunca vi uma ninfa antes e não sei como seria e entrássemos no limiar.
- Talvez seja algo relacionado ao pai dela. – Sugeriu Miiko. – Ela pode ter nascido com mais traços da raça dele.
- Em todo caso, Dagma teria que ouvir o que sua mãe tem a dizer sobre isso. Vou reunir as meninas para distraí-la e tentar conversar com ela sobre isso quando estiver mais calma.
Elas concordaram. Chamei Karenn, Alajéa e Colaia para assistirmos filmes no quarto de Dagma. Eu levei meu notebook para lá e os mascotes nos seguiram. Também peguei o sorvete na cozinha e quase que Nevra roubou um pote depois que provou. Foi um final de tarde bem descontraído com muito sorvete e filmes de cachorrinho e comédias românticas.
- Então, você está pensando em visitar a sua mãe? – Perguntei a ela antes de me despedir.
- Eu não sei ainda.
- Se quiser eu posso ir com você. A gente leva mais alguém se não quiser ir sozinha.
- É muita gentileza sua. Vou pensar sobre isso.
- Certo. Qualquer coisa, sabe onde é o meu quarto.
Voltei ao meu quarto com meus mascotes.
Chapter 29: Capítulo 29
Notes:
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Chapter Text
===Tingsi===
Estava quente como o inferno, também, estávamos no meio de um deserto. Miiko achou que talvez fosse uma boa ideia sairmos em missão para ocuparmos nossas cabeças, então mandou eu, Dagma, Valkyon e Nevra para Ra’kar, uma cidade em meio ao deserto. Tivemos que trocar nossas roupas por roupas mais leves de linho e bem fantasiosas.
Optei por uma blusa de linho branco, uma túnica verde-água assimétrica e longa na frente além de um grande decote, calças caramelo, botas marrons e uma capa marrom com capuz além de um cachecol da mesma cor.
Nevra tinha tirado um monte de roupa, mas tinha mantido o cachecol, o tapa olho e as botas. A regata e as calças ele tinha substituído por peças de linho da mesma cor. Ele tinha deixado os braços desnudos, arrumado uma capa preta, substituído as luvas por bandagens.
Dagma resolveu usar um sutiã drapeado sem alças de cor laranja, uma saia vermelha e amarela aberta dos lados, bandagens nos braços, pulseiras e sandálias, além de uma capa marrom.
Já Valkyon estava sem camisa com a calça cinza que sempre usava, botas marrons, um cinto vermelho enrolado na cintura, bandagens vermelhas no antebraço e uma capa com cachecol marrom.
Nevra e eu tínhamos levado um estoque considerável de uma poção que vou chamar de protetor solar porque era isso que ela fazia. Também, uma missão no deserto para um vampiro deve ser uma tortura, tanto que ele arrancou parte das roupas e se abanava com a mão além de carregar uma sombrinha. Estávamos nós dois morrendo de calor e os bonitos do Valkyon e da Dagma sem a capa com a pele completamente exposta ao sol e brilhando de suor totalmente de boa. Dava para o meu chefe ser menos gostoso?!
- Como é que vocês dois não estão sentindo calor?! – Reclamou Nevra. – Eu estou morrendo aqui!
- Eu gosto do calor. – Respondeu Valkyon.
- Eu também. Não tem nada melhor do que o calor do sol.
- Então vocês dois podem dar as mãos e pular dentro de um vulcão. – Foi a minha vez de reclamar enquanto me abanava com um leque. – A gente não podia viajar durante à noite, que é mais frio?
- Eu concordo com ela. – Disse Nevra.
- Devemos aproveitar a luz do dia para ver aonde estamos indo e não podemos correr o risco de encontrarmos bandidos ou mercenários no caminho. – Pontuou Valkyon.
- Já que é assim, me empresta esse leque pelo menos.
- Ninguém mandou não ter o seu.
- Você é má! Eu vou morrer aqui e você não se importa!
- Você já tem a sombrinha, o único que não pode reclamar do sol aqui é você!
- Mas eu estou morrendo!
- Deixa de ser dramático. – Disse Dagma. – Um pouco de sol não vai te matar.
- Dagma, esqueceu que eu sou um vampiro?! É claro que vai me matar! Eu vou ficar com queimaduras!
- Se for o caso, Dagma pode criar um elixir ou emplasto para tratar suas eventuais queimaduras. – Interrompeu Valkyon.
- Vendo por esse lado, eu não vejo problema em ter algumas queimaduras. – Ele voltou à sua postura galanteadora.
- Mas você não presta. – Foi a minha vez de dizer e ainda arranquei uma risada da ninfa.
Foram três dias de caminhada montados em camelos mutantes com direito a variações de humor até chegar à cidade. Nos hospedamos em uma taverna, Nevra e eu literalmente corremos até o chuveiro. Demorei mais tempo que o habitual. Estava estressada e muito cansada não só fisicamente, mas mentalmente e emocionalmente também. Nem sequei o cabelo direito, desabei na cama olhando para o nada. Valkyon veio ao meu quarto, mas não levantei a cabeça para vê-lo.
- Como está se sentindo?
- Cansada.
- Deveria secar o cabelo, está quase anoitecendo e você pode pegar um resfriado.
- Não me importo.
- É um daqueles dias, certo? – Apenas acenei com a cabeça. – Lamento por não poder enviá-la ao seu mundo, mas pode ter certeza de que farei de tudo para tornar seus dias melhores.
- Está dizendo isso por culpa.
- Estou dizendo por que me importo com você.
- Você queria me usar de isca.
- Isso foi antes de te conhecer.
- Você nem me conhece!
- Posso não conhecê-la muito bem, mas eu sei que quando você coloca alguma coisa na cabeça vai até o fim. Eu sei que você não abaixa a cabeça por nada. Você é inteligente e apesar de causar problemas você é uma boa pessoa, você se importa. Eu também sei que você é leal com aqueles com quem se importa, é criativa e eu te acho bonita.
Ele começou a acariciar meu rosto, afastando meu cabelo molhado enquanto eu chorava. Eu odeio chorar, eu me sinto tão mal e odeio me sentir assim. Por que eu me sinto mal se não tenho motivos para isso? Sua mão recuou, então peguei seu pulso e o puxei de encontro ao meu peito em um pedido silencioso para que ficasse. Ele pareceu entender, pois não saiu mais do meu lado.
===Dagma===
- Está pronta para ir até a casa do prefeito?
Nevra tinha vindo ao meu quarto depois do banho. Ele estava sem camisa, gotículas de água escorriam pelo seu peito. Tenho que admitir que ele é bonito e carismático também, talvez por isso ele seja um grande mulherengo.
- Você não ia com o Valkyon?
- Tingsi não pareceu estar bem no caminho para cá, então ele disse que se não voltasse em 10 minutos seria porque iria ficar com ela.
- Entendi, a doença da alma.
- É. Teremos que ser nós dois a coletar mais informações.
Ele terminou de se vestir e saímos da estalagem. Precisávamos de toda informação possível para saber com o que estávamos lidando nessa missão e traçar nossos planos. Ra’kar era uma cidade linda localizada em um oásis com construções de arenito, tapeçarias e especiarias do deserto. Havia alguns dijins entre os habitantes, mas não eram muitos.
- Como você está? – Ele perguntou de repente.
- Bem.
- Eu soube que você teve problemas familiares.
- Isso não é da sua conta.
- Eu sei, mas eu vi como você ficou naquele dia. Eu quero ajudar no que for possível, mesmo que seja prestando apoio de longe. Por isso quero saber como você está lidando com isso.
- Eu não sei. A verdade é que eu não sei o que pensar. Por que a minha mãe escondeu aquela informação de mim?
- Talvez tenha a ver com o seu pai.
- Ela nunca me falou dele. Acha que ele a fez sofrer?
- Isso você só vai saber se perguntar a ela. – Ele segurou meu ombro gentilmente. – Se quiser podemos ir com você.
- Obrigada, Nevra.
Chegamos à casa do prefeito. Uma droga estava sendo distribuída em Ra’kar, ela é altamente viciante, mas também deixava os usuários passando mal com sérios problemas intestinais. Algumas pessoas estavam internadas e outras perderam suas vidas.
Quando saímos, estava frio. A temperatura tinha caído bruscamente como era de se esperar. Durante a viagem tínhamos armado nossas tendas um pouco antes do sol se pôr e não tínhamos saído delas. Eu não tinha enfrentado as baixas temperaturas até agora. Abracei meu próprio corpo, mesmo tendo uma temperatura corporal mais elevada, eu não sou totalmente imune ao frio e estava ventando também. Nevra tirou seu cachecol e o enrolou em mim.
- Não precisava ter feito isso.
- Não aja como se eu não tivesse percebido. Você estava tremendo.
- Mas você não vai ficar com frio?
- Não se preocupe, não é como se eu estivesse desprotegido. – Ele fez um movimento com a capa. – Vamos voltar à estalagem.
- Não seria melhor a gente começar a investigar?
- Eu prefiro fazer isso sozinho. Não quero colocar nenhum de vocês em risco.
- Eu sei me cuidar.
- Sabe tanto que não percebeu que está desarmada.
- O que?
Quando eu vi, Nevra tinha as adagas que ganhei dos fenghuangs em mãos. Ele saiu correndo pelas ruas e eu tive que ir atrás dele para recuperá-las. Ele era rápido, escorregadio e bem traiçoeiro. Nevra só parou de correr e devolveu minhas armas quando chegamos à estalagem. Ele fez um cafuné em minha cabeça antes de entrarmos.
- Deixe isso comigo.
- Vai precisar disso. – Devolvi o cachecol a ele.
Nevra sorriu mostrando seus caninos e saiu do recinto. Decidi ir para o meu quarto, pois não tinha nada para fazer. Achei melhor passar no quarto de Tingsi, pelo menos para conversar com Valkyon.
- Como ela está?
- A mesma coisa. Às vezes acho que ela está melhorando, mas às vezes tenho a impressão de que tudo pode desabar.
- Não deve ser fácil lidar com uma doença da alma. Se ao menos houvesse um jeito mais eficiente de tratar ou uma poção que curasse.
- Acho que só podemos confiar naquele homem, Xuanwu. Leiftan nos disse que ele vem cuidando do psicológico de Tingsi e ele também é um confidente de Miiko.
- Eu não gosto muito dele. Tem algo nele que é estranho.
- Como assim?
- Ele sabia qual era o meu nome antes de mim. Como isso é possível?
- Eu não sei. Onde está Nevra?
- Ele disse que queria investigar sozinho.
Contei a ele o que tinha acontecido na casa do prefeito nos mínimos detalhes. Óbvio que omiti alguns feitos do Nevra que não eram importantes para a missão.
- Entendo. Nevra fez bem em ir sozinho.
- Eu não concordo.
- Eu sei, mas a Guarda Sombra é especialista em infiltração, espionagem e roubo de informação. Eu não possuo esse tipo de habilidade e você é nova na Absinto.
- Falando assim parece mais uma guilda de ladrões.
- Não é muito diferente, para ser honesto.
- Acha que ele vai fazer alguma coisa perigosa?
- É do Nevra que estamos falando. Ele vai ficar bem.
- Espero que sim.
Voltei ao meu quarto. Sozinha com os meus pensamentos, eu me perguntava o porquê da minha mãe ter escondido coisas de mim. Talvez Nevra esteja certo e tenha a ver com o meu pai, mas algo dentro de mim diz que há algo a mais nessa história. Eu nunca vou descobrir se não for até lá.
===Tingsi===
Acordei completamente coberta e Valkyon não estava lá. Me vesti e fui encontrar com os outros para tomar café da manhã e depois seguimos todos para o quarto de Nevra. Ele me pôs a par do que estava acontecendo. Ele também nos falou de sua investigação e que nos levava a uma espécie de boate chamada a Rosa do Deserto.
- Você acha que é o local de fabricação, de distribuição ou os dois? – Perguntei.
- Eu não sei quanto a fabricação, mas a principal distribuição ocorre por lá.
- Vamos entrar e investigar então.
- Não podemos simplesmente fazer isso. – Disse Valkyon.
- E vocês não têm experiência com infiltração, ao contrário de mim.
- Nem precisamos. Só precisamos de um disfarce.
- Não é uma ideia ruim. Valkyon e eu podemos nos apresentar como clientes.
- E quanto a nós? – Perguntou Dagma.
- Vocês precisarão ficar de fora enquanto executamos todo o serviço.
- Eu tenho uma ideia que vai funcionar e vai ser bem mais efetiva que a sua.
- Como tem tanta certeza?
- Porque eu sei. Quer apostar? – Nevra abriu um sorriso enorme.
- Depende, o que você quer apostar?
- O que você sugere?
- Metade das suas rações e você vai ter que cozinhar para mim.
- Só isso? Eu esperava mais de você, Nevra. Até porque seremos eu e Dagma contra você e Valkyon.
- Tenho a impressão de que vou me arrepender. – Reclamou Valkyon.
- Nesse caso, o que acha de um beijo?
- O que acha de uma punheta?
O silêncio reinou na sala. Nevra e Dagma estavam surpesos e a cara do Valkyon estava muito engraçada, mas ao mesmo tempo eu sentia pena dele. Eu estava brincando, ou será que não?
- Você é louca, garota, mas não deixa de ser uma proposta interessante. Isso é, se todos estiverem de acordo.
- Não acho vantajoso. – Disse Dagma. – Se o método deles for mais efetivo, nós teremos que fazer isso neles, mas se o seu....
- Eles terão que fazer na gente.
- Vocês vão mesmo apostar esse tipo de coisa?! – Perguntou Valkyon escandalizado.
- Vocês podem me deixar encher o QG de grafites sem reclamar também ou fazer todas as missões de limpeza pela gente pelo resto da vida.
- Isso inclui arrumar nossos quartos, dar banho nos nossos mascotes.... – Parece que a ninfa entrou mesmo na aposta.
- Até você, Dagma?!
- Hei, eu não sou pura. E nunca participei de uma aposta tão louca assim.
- Você nunca fez loucuras na sua adolescência? – Perguntei.
- Admito que aprontava de vez em quando e tive alguns namoradinhos, mas nada do tipo. Os fenghuangs não são muito festeiros fora um festival ou outro. Na verdade, suas celebrações são bem pacíficas sem muitas confusões, mesmo quando há muita bebida.
- Garota, você está precisando viver mais.
- Eu concordo. – Disse o vampiro. – Está apostado então, quem perder vai ter que masturbar o outro.
- Feito.
- Vocês vão mesmo seguir em frente com isso?! – Perguntou o faeliano.
- Sim! – Respondemos os três ao mesmo tempo.
Saímos as duas do quarto já que Nevra queria planejar com Valykon como fariam para convencer que eram clientes. Achei melhor irmos para fora do hotel, bem longe dos ouvidos do Nevra.
- Então, qual é o seu plano?
- Vamos pedir um emprego lá.
- Esse é o seu plano?!
- Vamos ter acesso aos bastidores, à cozinha e até os funcinários. Eu trabalhava em bar, servir mesas não é um problema para mim.
- E se te colocarem como dançarina?
- Eu sei requebrar o quadril. Vamos fazer uma espécie de ensaio e revisar nossas habilidades?
- Como?
- Vamos para o meu quarto. Eu te ensino a rebolar e você me diz como as bebidas de Eldarya são feitas.
E assim fizemos. Eu a ensinei a rebolar e simulei uma bandeja usando livros para ela equilibrar e ela revisou as receitas de Eldarya comigo. As ninfas amam uma boa festa. Dagma achou por bem levar um frasco com uma poção da verdade para o caso, então tive a ideia de usarmos frascos pequenos dentro da roupa íntima para ninguém perceber.
Um pouco antes do sol se pôr, nós fomos até a tal boate com uma história combinada. Era um salão que parecia aquela boate de Casa Blanca com mesas, instrumentos e palcos para as dançarinas. Dagma e eu nos apresentamos como Ruby e Saphira. Fizemos testes para poder trabalhar de garçonete e graças a Shakira e a Britney Spears eu consegui a vaga de dançarina.
Nós começamos a nos arrumar com roupas de linho que consistiam em um top, uma saia, sandálias e joias. No caso da Dagma, que usava roupas vermelhas e um lenço na cabeça, a saia era menos reveladora que a minha. Minhas roupas eram azuis, mais leves e algumas partes transpatentes. Dagma foi servir os primeiros clientes enquanto eu estava me arrumando no camarim com outras dançarinas. Uma delas parecia estar escondendo alguma coisa. Aproveitei da situação para dar uma espiada. Era um frasco da tal droga.
- O que você está olhando? – Perguntou ela.
- Depende. Essa parada é da boa? – Ela escondeu rapidamente o frasco.
- Se der uma palavra sobre isso....
- Isso vai depender. Como consigo uma dessas? Quero experimentar uma parada nova.
Continuei conversando e consegui o contato com o fornecedor, além de mais informações sobre a droga. Havia alguém que vendia aqui no clube, mas era uma imitação barata e sem o mesmo efeito.
===Dagma===
Os primeiros clientes começaram a chegar. Eu e outras pessoas começamos a servir as bebidas enquanto algumas meninas dançavam. Eu tinha passado por todas as mesas e vi quais teriam a melhor visão para a boate. Vi Valkyon e Nevra passar pela porta. Estavam bem-vestidos, como se fossem clientes importantes. Eu fui até eles.
- Os cavalheiros estão procurando por uma mesa? – A cara que fizeram foi engraçada, até porque não esperavam me ver. – Tenho a mesa perfeita para ambos, sigam-me.
Eu os levei ao camarote no andar de cima. O que eu escolhi dava para vigiar todo o lugar e como eram reservados, não teríamos problemas desde que fosse eu a atendê-los.
- Dá ou não dá para ver tudo daqui?
- O que você está fazendo aqui?! – Perguntou Nevra em um tom mais baixo.
- Tingsi achou uma boa ideia fazermos parte dos funcionários.
- Dagma, você tem noção do quanto isso é perigoso?! E onde está Tingsi?!
- Ela foi contratada como dançarina. – O queixo dele caiu. – A propósito, o meu nome é Ruby, se quiserem eu posso ser sua garçonete exclusiva por esta noite. – Comentei em um tom mais alto e pisquei para ambos. Gostariam de beber alguma coisa?
- Qual é a especialidade da casa? – Valkyon perguntou, para manter o disfarce.
- Eu vou trazer.
Saí rebolando o meu quadril de forma bem provocativa enquanto sentia os olhares dos dois sobre mim, os rostos mortos de vergonha. Tive que conter uma risada. Estava tudo ocorrendo bem, eu andava para todo lado com as bebidas e os aperitivos, recebia alguns flertes ou mais pedidos e levava coisas para Nevra e Valkyon comerem ou beberem. Trocávamos informações sempre de forma discreta e Nevra se aproveitou que eu estava de garçonete para me lotar de serviços.
- Espero que tenha como pagar por tudo isso depois.
- Posso pagar com um beijo?
- Só um beijo?
- Talvez algo mais quente.
- Claro. Vou informar ao gerente que você vai estar de quatro na cama dele para pagar pelos aperitivos e pelas bebidas.
- Que cruel!
- Como está Tingsi? – Valkyon perguntou em um tom baixo. – Tem notícias dela?
- Eu não sei, eu não a vejo desde que o expediente começou. Era para ela estar em alguma dessas apresentações.
- Estou preocupado.
- Eu sei. Irei ver por que Saphira está demorando tanto a se apresentar. – Falei antes de sair.
Eu também estava preocupada. Estava tão concentrada na missão para achar o traficante e em manter o meu disfarce que eu não tinha visto Tingsi em lugar algum. Resolvi ir até os fundos, algumas dançarinas estavam aglomeradas. Uma delas estava passando mal. Estavam o dono, o gerente e outras dançarinas por perto até que alguém trouxe uma poção para fazê-la se sentir melhor.
- O que aconteceu? – Perguntei.
- Ela passou mal. – Disse Tingsi surgindo ao meu lado.
Ela me puxou para o lado enquanto todos prestavam assistência à moça. Outros cochichavam. Ela começou a falar baixo.
- Ela usou aquela droga nova. Vou dar um jeito de distrair todo mundo e você pega a droga.
- Nevra e Valkyon já identificaram o fornecedor.
- Esse é peixe pequeno, faz o que estou te pedindo.
Vimos o chefe ir até as coisas dela e tirar o frasco com a tal droga. Ele pediu para duas moças levá-la a um médico. Ele disse que apesar da dançarina principal não poder se apresentar, o show teria que continuar. Tivemos que mostrar todos os nossos pertences pessoais para provar que ninguém mais tinha aquela porcaria guardada.
Quando Tingsi subiu ao palco com outras dançarinas, meu queixo caiu. Eu já sabia que ela cantava e dançava, mas não que mexia o quadril daquele jeito. Foco na missão, Dagma. Aproveitei que todos estavam distraídos para me esgueirar até o escritório do chefe e roubar o frasco da droga. Escondi entre minhas roupas.
===Tingsi===
Santa Shakira, ainda bem que fiquei anos tentando imitar seu requebrado. O chefe tinha pedido para a segunda dançarina principal assumir o lugar da outra, eu resolvi me sobressair sobre ela, então comecei uma batalha de dança e rebolado silenciosa. Ficamos as duas tentando mostrar quem rebolava e seduzia melhor, só que eu aprendi com as grandes divas Britney Spears, Shakira, Beyoncé e Jennifer Lopez a rebolar, a usar o chão de palco e a limpar a parede com a bunda. Eu só precisei performar.
Dava para ver as caras do Valkyon e do Nevra no camarote acima de mim, coitados. Desci do palco para performar por entre as mesas e até roubei uma bebida. Ainda bem que estou em um momento bom porque fiquei com muita vontade de deixar esses dois putos. A outra dançarina veio fazer o mesmo e até rebolar no colo de alguns clientes. Vi um suporte de metal que era do cenário, então pus minhas aulas de pole dance em prática. Dei uma olhada nos dois. Nevra não se movia por nada e o Valkyon estava tão branco quanto o cabelo dele. Resolvi acabar com o show e voltei para o camarim.
- Minha nossa, Saphira, isso foi inacreditável! – Escutei o chefe me elogiar.
- O show tinha que continuar, não é mesmo?
- Eu quero que seja a minha estrela principal.
- Sabe que não tenho intenção de ficar por muito tempo na cidade. Saphira não fica muito tempo em um só lugar.
- Talvez possa reconsiderar.
- Acho difícil.
Depois do expediente, Dagma e eu nos livramos daquelas roupas e fomos encontrar com Valkyon e Nevra na abordagem do fornecedor. Era um cara metido a agiota e cagão que só, ele produzia a droga em casa também. Eles recuperaram a droga.
- Você adultera essa coisa, não é?
- Do que está falando?
- Cadê a que eu pedi para você pegar?
Dagma mostrou o vidro para os presentes. Ela cheirou ambos os recipientes e constatou que eram diferentes.
- Essa é pura, onde conseguiu isso?
- Pura? – Perguntou meu chefe.
- Ele quem vai dizer.
- Olha, eu não sei de nada. Eu só tento replicar e ganhar a vida, mas a minha nem é tão boa assim.
Nevra sempre carregava uma espécie de poção da verdade e o cara soltou a língua. Ele tinha ouvido falar sobre essa droga nova, arrumou um frasco, alterou alguns componentes para render mais e começou a vender na boate, mas havia um cartel que só o deixava vender a porcaria dele porque acabava tirando a atenção das autoridades deles enquanto a verdadeira droga circulava pela cidade. Foi então que falei da menina da boate e do fornecedor dela. Nevra queria investigar sozinho, mas eu bati o pé e fui junto.
- Nem pensar, é perigoso demais!
- Eu sei me defender.
- Tingsi, você não acha que se arriscou demais naquela boate? – Perguntou Valkyon ligeiramente preocupado.
- É para isso que faço terapia.
- Você pode me atrapalhar. – Tornou a dizer o vampiro.
- Se for uma missão de invasão, saiba que eu invadi mais lugares do que posso contar.
- Como é que é?!
Fui andando até o local, Nevra se quisesse que viesse atrás, e ele veio. Encontramos o fornecedor, que interrogamos e no final acabamos em um armazém fora da cidade. Nós nocauteamos os guardas e os amarramos. Nevra usou um lockpick medieval para entrar no armazém. Fomos os dois na maior furtividade nocauteando quem aparecia pelo caminho e avançando. Descobrimos que lá funcionava a fábrica e que a droga era feita com uma substância retirada dos vermes da areia. Pegamos todas as provas, destruímos o local, levamos até o líder, enfim, missão cumprida. Voltamos para a estalagem exaustos.
- Parece que vencemos a aposta. – Comentei.
- Você vai mesmo levar isso até o fim?! – Perguntou Valkyon.
- Não sei por que está tão surpreso.
- E aposta é aposta. – Disse Nevra. – Eu e Dagma vamos por aqui. Divirtam-se vocês dois.
Antes que pudéssemos dizer alguma coisa, Nevra empurrou a ninfa para o seu quarto e deu uma piscadinha enquanto eu e Valkyon ficamos no meio do corredor olhando para a porta à nossa frente sem reação. Acabamos indo para o meu quarto. Valkyon estava no mínimo desconfortável.
- Não precisa fazer isso se não quiser.
- Mas você não ganhou a aposta?
- Por isso mesmo. Ganhei e posso te liberar da aposta, se te deixa tão desconfortável.
- Eu só não quero te machucar ainda mais.
- Eu não sou de vidro, sabia?
- Eu sei, eu só não sei como reagir ao seu psicológico.
- Eu também não, por isso que estou fazendo terapia.
- Está funcionando?
- Sim. Xuanwu é um ótimo profissional. – Decidi mudar de assunto, pois não queria falar sobre aquilo. – Gostou do show? – Soltei uma pequena risada quando o vi esfregar as têmporas.
- Eu realmente não sei o que pensar daquilo.
- Por quê? Você acha que eu sou pior que o Nevra?
- Não digo isso, mas você sabe como me deixar louco.
- Porra, desse jeito você ia bater punheta para todos os videoclipes que vi!
Sabe quando você não sabe se ri de nervoso ou se engasga com o ar? Foi o que ele fez, o que acabou me fazendo rir também.
- Não sabia que meu chefe além de conquistador era um grande pervertido.
- E eu não sabia que minha nova recruta conseguiria ser pior que eu.
- Imagina, eu sou quase uma santa.
- A santa da sacanagem.
- Você é pior que o Ezarel.
- Com quem você acha que ele aprendeu?
- Nem fodendo!
A gente começou a rir. Não me lembro da última vez que tivemos um momento tão descontraído assim. Parece que faz uma vida.
- Vai querer pagar a aposta então? – Perguntei.
- Você não vai se arrepender ou se machucar?
- Se eu tiver qualquer coisa, eu te aviso, combinado?
Ele concordou. Pedi para que ele se sentasse na cama enquanto abri a janela, pois embora a noite fosse fria, o quarto era abafado como o inferno. Arranquei as calças e me sentei no colo dele para mostrar que não estava com medo e para mandar meu nervosismo à puta que o pariu. Não sei por que de repente fiquei nervosa, já fiz muita loucura nessa vida, inclusive mandar um e-mail de amor para um menino que eu gostava na faculdade quando estava bêbada, mas enviei para o diretor sem querer. Isso é uma longa história. É, comparado com isso, não tem porque ter vergonha nessas horas.
Valkyon começou a esfregar os dedos por cima do tecido da minha calcinha. Ele estava bem cauteloso e caralho, que mão grande e calejada ele tinha. Movimentei um pouco meus quadris em busca de mais contato. Ele percebeu que estava tudo bem, então seus movimentos se tornaram mais firmes. Não demorei a sentir minha calcinha umedecer e se tornar incômoda. Valkyon arriou a peça e pude sentir melhor seus dedos roçando em minha vagina. Cravei as unhas em seus ombros quando senti um dedo entrar.
- Te machuquei? – Neguei com a cabeça.
Ele movimentou o dedo dentro de mim, já eu me remexi buscando mais contato. Senti o segundo dedo entrar. A forma como ele me tocava me fazia estremecer, dava para ver que era experiente no assunto, mas eu me reusava a ser totalmente passiva.
- Valkyon. – Disse entre um gemido e outro. – Eu quero mais.
- Eu também.
Segurei seu rosto entre minhas mãos e o beijei. Em nenhum momento ele parou o que fazia ou me afastou durante o beijo, nem quando deslizei minha língua para dentro de sua boca. Fui descendo minhas mãos pelo seu torso, querendo sentir cada músculo do seu corpo, não tive pudor algum ao esfregar minhas mãos pelo seu peitoral ou pelo seu tanquinho. Desci uma de minhas mãos para o meio de suas pernas e comecei a acariciar seu membro semi-desperto por cima da calça, o fazendo arfar. Puta merda, é um cano hidráulico essa porra!
Valkyon quebrou o beijo e usou a outra mão para me segurar enquanto seus lábios desciam pelo meu pescoço. No momento seguinte estávamos lutando para arrancar as roupas um do outro. Ele me deitou cuidadosamente na cama beijando cada centímetro do meu corpo. Agarrei sua nuca enquanto ele me beijava e acariciava um dos meus seios. Cada toque dele era carinhoso, cuidadoso e gentil. Aproveitei também para apertar sua bunda e que bunda ele tinha.
Eu o virei na cama e fiquei por cima. Foi a minha vez de beijar cada centímetro do seu corpo enquanto massageava suas bolas e seu pênis, e puta merda, era mais grosso do que eu pensava. Belisquei um de seus mamilos enquanto beijava seu pescoço. Ele se agarrava em mim e acariciava minhas costas. Tomei seus lábios novamente, mas dessa vez dei uma leve mordida em seu lábio inferior. Quando achei que estava bom, me posicionei em cima dele.
- Quer trocar de posição?
- É melhor.
- Prometo que serei gentil, mas se doer, me avise.
- Está bem, Latrell.
Ele me olhou confuso e eu só ri. Valkyon ficou por cima e começou a entrar devagar em mim. Ele me beijava e estimulava meus seios ao mesmo tempo em que me penetrava devagar. Doía, mas quem disse que o mandei parar? Eu o agarrava e o arranhava. Ele esperou com que eu me acostumasse para começar a se movimentar, devagar e com cuidado, até que eu toquei o foda-se e comecei a rebolar meu quadril de encontro a ele. Não sei como, eu consegui inverter a posição e comecei a quicar no pau dele, mas com certo cuidado para não me ferrar depois.
Tudo que se ouvia naquele quarto eram nossos gemidos, súplicas, um monte de coisa que não vou me lembrar depois e o som de nossos corpos se esfregando. Minhas mãos estavam em seus ombros e as dele em meus quadris. Uma hora a gente estava se beijando com voracidade e na outra estávamos dizendo coisas desconexas um para o outro. Arqueei minhas costas sentindo meu interior se contrair, soltei um grito mais agudo do que deveria quando atingi o ápice. Valkyon não demorou a vir, senti seu sêmen escorrer pelo meu interior.
Saí de cima dele e desabei na cama. Valkyon deitou ao meu lado e começou a acariciar o meu cabelo. Me aconcheguei em seus braços e acariciei seu peito. Não falamos nada, o silêncio entre nós era confortável. Ficamos desse jeito até adormecermos.
===Dagma===
Quando Nevra me empurrou para o quarto dele, eu já imaginava que ele iria dar um sorriso sacana e cumprir a aposta, mas parece que imaginei errado. Ele apenas tirou as botas, deitou na cama e ficou olhando para o teto. Pisquei várias vezes tentando entender.
- Por que você fez isso?
- Porque aqueles dois ainda precisam se resolver.
- Eles já não tinham se resolvido?
- Não totalmente. As coisas estavam bem estranhas entre eles e eu não aguentava mais ver o Valkyon daquele jeito.
- Eu não o conheço tão bem como você, então do que você está falando?
- Ele estava se sentindo culpado em relação à Tingsi e bem, não preciso dizer o porquê. – Ele olhou para a janela, eu sabia que ele estava se referindo aos eventos recentes. – É só um palpite, mas eu acho que ele gosta dela.
- O que te faz pensar isso?
- Antes disso tudo acontecer, eu já suspeitava que pudesse haver algo entre os dois ou talvez fosse impressão minha. Valkyon não é do tipo que sabe lidar muito bem com seus sentimentos e Tingsi, ela tem algo a mais.
- Nevra, você gosta da Tingsi?
- Tem como não gostar? Ela é doida, mas a vida no QG seria entediante sem ela. E você, decidiu o que fazer em relação à sua mãe?
- Eu não sei. Não é como se eu pudesse adiar essa conversa para sempre. O que você faria no meu lugar?
- Difícil dizer, mas acho que você deve uma chance para ela se explicar. Você não precisa fazer isso sozinha, podemos organizar um grupo com seus amigos para ir com você.
- Obrigada, acho que é isso que vou fazer.
- Ai que droga!
- O que foi?!
- Eles vão mesmo cumprir a aposta.
- Eu pensei que você quisesse cumprir a aposta.
- Eu até poderia.
- E o que está te impedindo?
- Você quer?!
- Bem, eu nunca recebi uma masturbação feminina. – Admiti envergonhada.
- Nunca alguém enfiou um dedo em você? – Neguei com a cabeça, ainda mais envergonhada com aquilo. – Já recebeu um oral? – Fiquei mais vermelha que o meu cabelo. – Com que bosta de cara você andou se relacionando?!
- Bem.... – Eu não tinha palavras para expressar que os rapazes com os quais me relacionei não faziam esse tipo de coisa.
- Isso agora é uma questão de honra.
Ele se sentou na cama e estendeu a mão para mim. Hesitei em pegá-la, mas quando a peguei, ele me puxou delicadamente até ele e depositou um beijo na minha mão. Nevra tomou meus lábios em um beijo calmo. Aos poucos ele foi aprofundando o beijo e passou a mordiscar meus lábios sempre que nossas bocas se separavam. Em dado momento sua língua deslizou para o interior da minha boca.
Eu segurava e apertava sua blusa enquanto suas mãos passeavam pelas minhas costas. Ele me trouxe para o seu colo e deslizou uma das mãos para debaixo da minha saia. Senti seus dedos acariciarem minha intimidade por cima da minha calcinha. Soltei um pequeno gemido com aquilo. Nevra parou de me beijar e passou seus lábios pelo meu pescoço, seus caninos roçaram na minha pele.
- Seu cheiro é tão bom.
Ele colocou o tecido da calcinha para o lado antes de me penetrar com um dedo, me fazendo gemer em resposta. Ele se movimentava cada vez mais antes de enfiar um segundo dedo. Não pude evitar buscar mais contato enquanto gemia. A intensidade com a qual ele me beijava e se movia despertava uma sensação que não tinha sentido antes. Eu estava em êxtase. Quando ele retirou os dedos de dentro mim e me deitou na cama, soltei um gemido de frustração. Nevra abriu as minhas pernas, me fazendo corar de vergonha. Vi sua língua percorrer seus lábios antes de ele se inclinar e adentrá-la na minha cavidade. Agarrei os lençóis por impulso enquanto ele me proporcionava mais daquela sensação maravilhosa.
- Nevra, eu quero você.
Vi um sorriso iluminar seu rosto. Ele colocou seu membro para fora das calças e dentro de mim. Ele voltou a me beijar enquanto movimentava seus quadris. Embora nossas roupas fossem um incômodo, o máximo que fizemos foi abaixar meu top para que ele pudesse beijar os meus seios. Uma sensação de êxtase se apoderou de mim, mais intensa que a anterior. Senti um grito quando Nevra cravou suas presas em meu ombro. Era uma mistura de dor, de prazer e extâse, mas havia algo errado, pois ele mal bebeu o meu sangue e gritou também. Ambos tínhamos chegado aos nossos ápices e a semente dele escorria pela minha perna.
- Nevra, está tudo bem?
Ele parecia que tinha comido algo picante e pude jurar que ele estava cospindo fogo. Eu tive que pegar o meu cantil e dar para ele beber. Ele estava sedento. Aproveitei enquanto ele matava sua sede para limpar o sangue em meu ombro.
- Nevra?
- Desculpa, eu não consegui me controlar.
- Você é um vampiro, é normal que isso aconteça.
- Mas eu te machuquei.
- Não foi ruim. Eu só gritei porque você me pegou de surpresa. Por que você gritou?
- Seu sangue fez a minha garganta queimar.
- Como assim?
- Quando eu o bebi, a sensação foi a mesma que tomar suco de pimenta ou pior. O gosto é delicioso, mas a ardência me assustou.
- Tem certeza?
Ele pegou o pano que tinha usado para limpar meu sangue e passou a ponta da língua.
- Absoluta. Seu sangue é bem apimentado.
- Então podemos dizer que estamos quites, já que um assustou o outro.
Ele se deitou na cama e me puxou para dormir com ele. Não briguei ou relutei, apenas me deitei em cima dele. Nevra fez um cafuné na minha cabeça e acabamos adormecendo.
Notes:
Eu baseei essa missão em uma missão do Skyrim chamada The Raid, onde está tendo tráfico de uma droga chamada skooma e a gente tem que investigar.
Chapter 30: Capítulo 30
Chapter Text
===Tingsi===
Acordei no dia seguinte com um calor do caralho. Demorei algum tempo para processar que estava em uma missão no meio do deserto. Eu não conseguia me levantar direito, meu quadril doía e minha xana parecia que tinha parido um hipopótamo. Lutei para abrir os olhos. Vi o rosto de Valkyon, tranquilo em seu sono, sua respiração suave fazendo seu peito subir e descer, sua expressão relaxada o deixava ainda mais bonito. Afastei uma mecha de cabelo de seu rosto.
De repente senti como se tivesse levado um tapa. Me levantei bruscamente, mas tudo que consegui foi cair no chão feito uma banana, pelo menos levei o lençol junto. Valkyon acordou sobressaltado e me encontrou no chão, puxando o lençol e xingando pra caralho.
- Está tudo bem?
- Valkyon, a gente transou!
- Está arrependida?
- Se eu me arrependesse de cada merda que fiz, não teria te conhecido.
- Isso não faz sentido.
- Você é o meu chefe!
- Sim.
- A gente transou!
- Sim.
- E sem camisinha!
- O que é camisinha?
- Puta merda!
Já de banho tomado e eu andando feito um cowboy todo cagado, nós descemos para tomar café da manhã. Valkyon não entendeu por que eu estava me enchendo de chá de canela. Pelo menos não foi no cu, senão nunca mais teria prisão de ventre.
- Tingsi, o que eu fiz de errado?
- Nada, é só que você é meu chefe e eu acabei dormindo com o meu chefe, no caso, você. Não acha isso meio estranho?
- É isso que te preocupa?
- Não exatamente, deixa para lá.
- Você está arrependida?
- Não, é só que.... Eu não estou procurando por relacionamento no momento e a minha vida está um caos. Eu não quero te magoar e nem te trazer para essa bagunça.
- Eu entendo.
- O máximo que posso fazer no momento é manter as coisas casuais, mas eu não posso te prometer nada. Não é pessoal, é só que eu não sei o que pensar disso tudo. Uma hora eu estou rindo e na outra eu quero me jogar de um telhado, então eu não estou com cabeça para relacionamentos e não quero envolver ninguém nessa bagunça.
- Não precisa se explicar. – Ele segurou a minha mão e a esfregou com o polegar. – Também acho que manter as coisas de forma casual seja o melhor a fazer, pelo menos por enquanto.
- Obrigada. Queria deixar as coisas claras para não causar nenhuma dor de cabeça.
- Agradeço sua sinceridade.
- Já começaram a comer antes da gente? – Perguntou Nevra chegando com Dagma.
- Eu quero acertar alguns detalhes antes da nossa partida. Virá comigo?
- Claro.
Dagma e eu ficamos responsáveis por escrever o relatório enquanto Valkyon e Nevra acertavam os últimos detalhes. Quando eles voltaram, pegamos nossas coisas e partimos para o QG.
Mal voltamos e já tínhamos trabalho para fazer. Fiquei entre as missões de limpeza e o treinamento dos mascotes, afinal, eles precisavam aprender a se defender e queriam me imitar. Eles precisam urgentemente de uma reforma trabalhista. Eu também não podia negar missão porque lembrei da lista dos ingredientes para usar no portal e fui ver quanto saía cada item, praticamente um rim. E tinha a minha rotina de treinamento, que eu estava voltando aos poucos além das sessões de terapia intensiva.
Três dias tinham se passado desde a missão em Ra’kar. Eu estava treinando com a lança na floresta, Baihu quem estava me instruindo. Nesses três dias, tinha aprimorado minhas habilidades com o pole dance e com os tecidos, começado o trapézio, retomado boa parte dos meus golpes, assim como meu treinamento em armas. Eu também tinha começado a treinar a me equilibrar em bambu.
- Basta por hoje. – Disse o tigre.
- Ainda bem. – Desabei no chão.
- Você quem cismou em treinar desde o nascer do sol até tarde da noite com direito a missões para pegar maana.
- Eu sei. Eu não vou descansar até voltar para casa e se treinar é o que vai me manter viva, é o que vou fazer.
- Admiro sua persistência, mas também não pode sobrecarregar seu corpo. Como está seu treinamento com Xuanwu?
- Está se referindo a jogos de tabuleiro e truco?
- Você sabe que ele está te ensinando estratégia, não sabe?
- Sim.
- E o taichi?
- Em dia. Você já sabe de tudo isso, então por que está me perguntando?
- Prefiro ouvir da sua própria boca. Vá descansar, progredimos o bastante.
- Eu ainda posso continuar.
- Quer socar e chutar árvore?
- Deixa pra lá.
Acabei voltando ao QG. Embora tenha voltado a treinar, ainda tenho dificuldade com algumas armas. O bastão e a lança são de boa, assim como a adaga e o leque, o martelo tem uma mecânica diferente que estou tentando adaptar ao wushu, mas o meu maior problema é o arco.
- Tingsi, você está aí. – Disse Dagma vindo ao meu encontro.
- O que foi?
- Eu decidi ir até a vila das ninfas e encontrar minha mãe. Eu queria que você viesse junto.
- Vou arrumar minhas coisas.
Eu sei que Dagma está com problemas e precisa de apoio. É incrível como em pouco tempo de convivência a gente se deu bem. No dia seguinte, quando iríamos partir, descobri que nossos companheiros seriam Leiftan e Ezarel.
- A gente não ia ver a sua mãe? Eu pensei que a Karenn e a Alajéa viriam com a gente.
- Infelizmente ambas não puderam vir e eu irei tratar de alguns acordos com as ninfas. – Disse Leiftan.
- Mas você não para de trabalhar, puta merda. E Ezarel?
- Ele é um bom amigo quando não está me perturbando no laboratório.
- Te perturbando? Você que não para de me tocar!
- Vocês estão se comendo? – Perguntei.
- NÃO! – Gritaram os dois ao mesmo tempo.
- Vocês não param de se tocar.
- Não nesse sentido senhorita-tenho-um-monte-de-esterco-na-cabeça!
- E ele também vai para coletar algumas plantas que têm lá.
- Ezarel adora umas ervas, marijuana principalmente.
- Por que eu ainda converso com você?!
Fomos até a cidade natal da Dagma. Demoramos algum tempo para chegar lá e valeu à pena. A vila das ninfas de nome difícil de pronunciar era um lugar bem escondido às margens de um rio. As casas eram feitas em troncos de árvores muito altas. Dagma ficaria com sua mãe enquanto nós ficaríamos na estalagem da vila. Havia muitas flores também. A maioria das ninfas e dos ninfos estava na porta das casas ou nas janelas, observando nosso grupo chegar.
Fomos recebidos por uma ninfa de pele negra, olhos cor de rosa, os lábios pintados de rosa. Seu cabelo preto era ondulado e ia até o joelho e seu vestido rosa claro era brilhante, meio transparente e esvoaçante. Ela tinha uma flor no cabelo e não usava sapatos.
- Dagma, há quanto tempo, minha filha!
- Mãe! – Ela a abraçou. – Senti tanto a sua falta.
- Eu também senti a sua.
- Mãe, estes são os meus amigos, Ezarel, Leiftan e Tingsi.
- A humana que você tanto escreve. É um prazer conhecê-los, podem me chamar de Aria.
- O prazer é nosso. – Adiantou-se Leiftan. – Se não se importar, gostaríamos de ir à estalagem antes de começarmos a discutir nossos assuntos.
- Eu posso acompanhá-los.
Fomos até a estalagem deixar nossas mochilas. Em seguida, Aria nos levou até o conselho da vila, onde deixamos Leiftan. Ezarel e eu ficamos livres para andar pela vila. Ele foi fazer as coisas dele e eu fiquei sozinha e entediada, então voltei à estalagem para pegar minhas armas e perguntar por algum lugar onde poderia treinar.
===Dagma===
É bom estar de volta. Nada mudou desde que fui embora. Não sei se isso é bom ou ruim, mas não importa. Eu estava feliz de encontrar minha mãe e ao mesmo tempo apreensiva. Desde que recebi sua carta para conversarmos, eu tenho estado inquieta. Tenho tantas perguntas e receio das respostas.
Fomos até nossa casa. Minha mãe foi para a cozinha enquanto eu fui para o meu antigo quarto deixar minhas coisas. Ele estava da mesma forma que eu deixei, embora meus livros de alquimia estivessem guardados ao invés daquela bagunça. Minha mãe entrou no quarto trazendo um pouco de chá. Bebemos o chá em silêncio.
- Está tão quieta.
- Estou apenas pensando.
- Está reunindo coragem para me perguntar? – Ela riu da minha cara de surpresa. – Você nunca soube esconder sua curiosidade muito bem, mesmo quando está com medo.
- Mãe, que história é essa de Dagma Haugen?
- Dagma, antes de tudo, quero que saiba que eu te amo, independente de qualquer coisa.
- Tem a ver com o meu pai, não?
- Eu não sei quem é o seu pai. A verdade, é que você também não é uma ninfa.
- Isso não é possível! Como eu posso...?
- Dagma, você é adotada.
Foi como se o chão se abrisse sob os meus pés. A minha mãe, digo, a mulher à minha frente, ela não era a minha mãe?! Ainda bem que eu estava sentada, caso contrário cairia no chão.
- O que houve com os meus pais?
- Eu não sei nada sobre o seu pai, mas a sua mãe, eu a conheci porque eu a ajudei em seu parto. Ela se chamava Helga Haugen e ela era humana.
- Isso não pode ser verdade! Não pode! Não pode. Não, não, não!
- Dagma!
Senti as lágrimas brotarem em meus olhos. Eu não conseguia acreditar no que ouvia. Eu era humana todo esse tempo?! Eu era adotada?! Por mais que isso faça sentido, já que eu não tinha qualquer poder das ninfas além de uma estranha imunidade ao fogo, eu não conseguia acreditar. Uma humana!
Não queria ficar ali, não queria ouvir mais nada. Saí correndo sem rumo. Eu só parei de correr quando tropecei em uma raiz. Apesar de ter ralado o joelho, eu não me levantei, não queria me levantar, tudo que eu queria era que a terra me engolisse.
- Dagma! – Escutei a voz de Ezarel. – O que aconteceu?!
Não respondi, não queria falar com ninguém. Ele tentou iniciar um diálogo e até me perguntou se estava ferida, mas não o respondi em momento algum.
- Ezarel, o que está havendo? – Era a voz de Tingsi. – Ai, cacete, o que aconteceu com ela?!
- Eu não sei. Acho melhor levá-la até a mãe dela.
- NÃO! – Gritei com todas as minhas forças. – Eu não....
Não consegui dizer mais nada, eu só conseguia chorar. Minha garganta ardia devido ao choro, eu queria gritar para me deixarem em paz, mas eu não conseguia. Ezarel me tomou nos braços e por instinto me agarrei nele.
- Vamos levá-la até o seu quarto na estalagem. – Ouvi Tingsi dizer. – Lá a gente dá um banho, faz um curativo e deixa ela descansar.
- Por que não no seu?!
- Eu tenho cara de chefe da Absinto por acaso?! E qualquer coisa você sabe alguma coisa de primeiros socorros.
- Certo.
- Fique aqui, vou catar Leiftan e ver se ele me empresta o casaco dele.
Ezarel me segurou nos braços até que Tingsi voltasse com o casaco de Leiftan e me cobrisse. Ele me pegou no colo e começou a andar. Só voltei a prestar atenção ao meu redor, quando ele me colocou na banheira, com roupa e tudo.
- Vai até a mãe dela e tenta descolar uma roupa para ela.
- Por que não usa uma das suas?!
- Fica com ela enquanto eu pego alguma roupa e falo para a mãe dela descolar uma calcinha.
- Você só pensa nisso?!
- Você quer que eu empreste a minha calcinha para ela?!
Tingsi me deu banho, me enxugou, me vestiu e chamou Ezarel para ajudá-la a me levar para a cama.
- Não tinha uma roupa mais decente? – Escutei o elfo perguntar.
- Você queria que eu emprestasse uma das minhas, não disse se tinha que ser da Terra ou de Eldarya.
- Aria vai te matar quando vir isso.
Embora o diálogo deles não me interessasse, eu não deixei de me preocupar com o que poderia estar vestindo. Ezarel começou a me examinar e depois me deixou em paz. Depois disso, preferi dormir.
Quando acordei, Leiftan estava no quarto junto com Tingsi e Ezarel. Olhei para o espelho do quarto e vi que não só meus olhos estavam inchados de tanto chorar como eu estava usando um vestido preto e largo que parecia uma camisa escrito em letras brancas “Fuck it all I don’t give a shit anymore”. É isso o que as pessoas na Terra usam? Eu mal me reconheço com ele. Se bem que eu não achava que uma peça de roupa preta fosse ficar bem em mim.
- Está melhor? – Perguntou Leiftan.
- Um pouco.
- O que aconteceu? – Perguntou Ezarel. – Você nos deixou preocupados.
- Eu sou humana.
- O que?!
Respirei fundo e contei a eles a conversa que tive com Aria. Ezarel e Leiftan estavam mortificados, já Tingsi se sentou ao meu lado, segurou a minha mão e acariciou minhas costas.
- Você deve estar se perguntando se toda a sua vida é uma mentira, não é?
- Como você sabe?
- Eu senti a mesma coisa quando descobri que era faeliana.
- Eu nem sei mais quem eu sou.
- Ser humana te incomoda tanto assim?
- Eu não sei, eu nunca pensei que.... Eu não sei o que fazer!
- Não precisa pensar nisso agora. Descanse um pouco, é muita coisa para absorver. Quer dormir comigo hoje?
- Deixe-a comigo. – Disse Ezarel. – Posso preparar uma poção calmante ou alguma outra se precisar.
Os outros dois assentiram e saíram do quarto. Ezarel começou a trabalhar em uma poção calmante e depois me entregou um frasco. Ele iria preparar sua cama improvisada no chão.
- Ezarel, pode dormir comigo?
- Está com medo que um monstro puxe o seu pé durante à noite? – Não tive ânimo para responder. – Tudo bem, eu durmo com você.
Ele se deitou ao meu lado na cama. Bebi a poção e dormi. Acordei melhor no dia seguinte e cheia de fome também. Tingsi quem trouxe algo para eu comer.
- Menos pior?
- Não seria “melhor”?
- Depende da situação. Conseguiu descansar bem essa cabeça?
- Sim. Eu entendo melhor agora porque era diferente das outras ninfas, mas ainda é difícil acreditar. Eu nem sei como é ser humana.
- Talvez seja melhor ser só você independente de ser humana ou faery. Eu só não sei como ninguém descobriu ainda.
- Deve ser porque eu cresci aqui e não dá para detectar o meu cheiro.
- Sua mãe está aqui. Ela veio te ver várias vezes ontem, mas você estava dormindo e achamos melhor que ela viesse te ver quando estivesse mais calma. Ela está morrendo de preocupação.
- Eu não sei se quero vê-la.
- Por que ela não é sua mãe de verdade? Aquela mulher te criou, ela merece pelo menos a chance de se explicar. Se for problema, eu fico contigo.
- Certo.
Assim que Aria entrou no quarto, ela me abraçou. Me fez milhões de perguntas sobre eu estar ferida e se tinha comido algo. Ezarel e Leiftan também estavam lá como uma espécie de apoio silencioso.
- Por que nunca me contou? – Foi tudo o que eu consegui formular.
- Para te proteger.
- Me proteger?! Você não tinha o direito de esconder isso de mim!
- Dagma, além de humana, a sua mãe era templária. Se alguém mais soubesse, sua vida correria perigo.
Foi como se a construção desabasse e eu tivesse caído em um enorme buraco. Ezarel e Leiftan estavam tão atônitos quanto eu. Uma templária?! Um dos inimigos declarados de Eldarya?! Minha cabeça girava.
- Isso não faz sentido! – Escutei Leiftan dizer. – Por que você ajudaria uma templária em seu parto?!
- Você sabe como é um parto? No dia que tiver uma prisão de ventre tão ruim a ponto ficar horas dentro do banheiro sem conseguir defecar, mesmo com ajuda de elixires que soltam o intestino, talvez você chegue perto da sensação. – Ela se virou para mim. – Sua mãe estava fugindo deles.
- O que?!
- Mas isso não faz sentido! – Exclamou Ezarel. – Por que ela fugiria? Se nossas informações estiverem corretas, a família Haugen é uma das mais importantes entre eles.
- Eu não sei qual é a política deles com os faelianos, afinal, metade do sangue de Dagma é faery. Uma templária grávida de um faery é um escândalo em qualquer parte de Eldarya. Mesmo agora, com você não tendo qualquer contato com eles, terão faeries que irão te querer mal.
- Sempre tem um pau no cu. – Disse Tingsi. – Quando é que vão entender que os filhos não têm culpa dos pais que têm?! E que as pessoas não podem pagar por algo que elas não fizeram?!
- Infelizmente é assim que o mundo gira.
- Não precisa ser.
- Como era a minha mãe?
- Era a pessoa mais corajosa que eu conheci. Mesmo com as dores do parto ela ergueu a espada para me enfrentar. Ela só largou a espada quando não aguentava mais de dor e mesmo assim relutou em aceitar minha ajuda. No fim, ela te pegou nos braços e lhe deu um nome.
- O que aconteceu com ela? – Tingsi leu meus pensamentos.
- Como eu disse, ela estava fugindo de outros templários. – Ela respirou fundo, embora se mantivessse firme, dava para ver que ela estava se esforçando para não se abalar. – A gente mal tinha dito nossos nomes quando eles apareceram. Ela me confiou sua filha junto com um amuleto, o mesmo que você carrega para todos os lados, e me fez prometer que se algo acontecesse a ela, deveria criá-la como minha e mesmo tendo acabado de parir, ela lutou contra eles para que eu pudesse fugir.
Meu coração estava apertado com tudo que eu estava ouvindo. Não estava sendo fácil para ela me contar aquilo, eu também não esperava ouvir aquilo tudo. Embora eu pudesse advinhar qual seria o resultado, eu não tinha certeza se queria ouvir.
- Eu tinha visto em seus olhos que não haveria volta e ela sabia disso. Helga lutou com todas as suas forças, matou vários deles e preferiu a morte à sua captura. Sua mãe fez de tudo para te proteger e te manter segura. Eu apenas honrei o último pedido dela.
- Mãe!
Eu a abracei e começamos a chorar juntas. Fiquei pedindo desculpas enquanto ela dizia estar tudo bem. A gente apertou o abraço. Eu nunca tinha visto minha mãe chorar daquele jeito. Mesmo não sendo minha mãe biológica e guardado isso por tanto tempo, Aria continua sendo a minha mãe.
===Tingsi===
Eu já estava me contendo para não chorar com o final da história. Ezarel, Leiftan e eu não dissemos nada e saímos do quarto, acho que todos concordamos em dar espaço a elas. Leiftan veio me consolar.
- Desculpe, é mais forte do que eu.
- Eu também fiquei comovido com a história.
- Ez, você está chorando?
- Claro que não feiosa, é só suor.
- O que vai acontecer agora?
- Vamos manter essa história entre nós. – Sugeriu o elfo. – Conversarei com Valkyon e Nevra quando voltarmos. Eu confio minha vida a eles e sei que não vão contar para ninguém. No entanto, nós não podemos contar nem para a Miiko.
- Eu concordo. – Disse Leiftan.
- Estes lábios estão selados. – Os dois me olharam surpresos.
- Você sabe o peso dessas palavras? – Tornou a perguntar Ezarel.
- Sim e pode ter certeza que eu não vou contar.
Leiftan foi tratar da parte política da viagem, Ezarel foi cuidar das suas coisas de alquimia e eu fui ao meu quarto pegar a minha caixa para ir ao mundo espiritual. Tinha alguém com quem eu precisava falar.
- Você fez de propósito, Xuanwu! Foi por isso que você foi falar com ela naquele dia?! Para que essa história viesse à tona?!
- Não se deve fazer perguntas das quais já sabe a resposta. – Respondeu a serpente. – É irritante.
- Achava que deuses não pudessem se intrometer diretamente. Zhuniao permitiu isso?
- Não, mas eu tenho as minhas razões para ter feito o que fiz. – Respondeu a tartaruga.
- E quais são? – Tanto pela cara da tartaruga quanto da serpente, eu ficaria sem resposta. – Você sabe o que a gente é, por que não me diz?!
- Porque é complicado. O Oráculo uniu o destino de vocês duas por uma razão.
- Seus destinos já estavam atrelados antes, mas esse Oráculo fez a merda de uni-las até mesmo no número de crias que vocês vão parir. – Tornou a dizer a serpente. – Até as gravidezes serão em épocas próximas.
- O que?!
- Sua vida agora está ligada ao Oráculo. – A tartaruga voltou a dizer calmamente. – Se ela morrer, você e Dagma também morrerão.
- Mas que filha da puta! Como eu me livro disso?!
- Quando chegar a hora, saberá. Deixe-me contar uma história. Havia duas irmãs, uma dourada e uma prateada. A irmã dourada era brilhante, sua acolhedora luz podia ser vista de longe. Todos a idolatravam e ansiavam por sua chegada, porém sua luz da mesma forma que os acolhia e trazia alegria, os cegava. Já a irmã prateada vivia à sombra de sua irmã e era rodeada pela escuridão. Ela não tinha luz própria, pois dependia da irmã, o que fazia muitos acreditarem que sua luz era falsa. Apesar de sua luz vir de forma passiva, era o suficiente para enxergar através da matéria e da escuridão das pessoas.
- O que isso tem a ver?
- Nada, mas eu gosto dessa história. – Esse é Xuanwu. – Ambas eram diferentes, mas ao mesmo tempo muito semelhantes entre si, o que constantemente causava brigas, mas uma não podia viver sem a outra. No entanto, suas brigas causavam consequências inimagináveis, então elas decidiram se separar, mas não estariam distantes uma da outra. A irmã dourada construiu um reino de ouro imerso em luz enquanto a irmã prateada construiu um reino de prata envolto em escuridão, mas que não deixou de receber a luz do reino de sua irmã. A trégua se deu por conta de seus filhos. Os filhos da irmã dourada, fortes e vigorosos, firmaram um acordo com os filhos da irmã prateada, místicos e espirituosos, que cada um cuidaria de suas vidas e não interfeririam nem nos reinos uns dos outros e nem em qualquer outro que existir, mas poderiam visitá-los quando bem entendessem.
- E esse é o fim da história? Não tem nenhuma lição de moral nem nada?
- Algumas histórias não precisam de lição de moral.
- Eu pensei que eles fossem entrar em guerra ou algo assim.
- Oh não. Já houve guerras demais. Ambos os lados eram tão poderosos que qualquer guerra seria capaz de destruir o mundo. Se relacionarmos com o Sacrifício Azul, se apenas um filho da irmã dourada e um da irmã prateada se sacrificassem, Eldarya seria completamente independente da Terra e autossuficiente. Não haveria portais de um mundo para outro, apenas realidades paralelas que nunca se encontrariam.
- Eu ainda não entendo por que me contou essa história.
- Apenas me responda uma coisa: por que o Oráculo te escolheu?
- Eu sei lá, cacete! Eu não tenho bola de cristal ou a sua sabedoria.
- Não, mas é inteligente o bastante para descobrir por si mesma.
- Às vezes eu odeio falar com você.
- Eu sei. Já que está aqui, o que acha que conversarmos sobre sua situação? Já faz um tempo desde sua última crise.
E tome terapia intensiva. Apesar de estar progredindo, às vezes acho que não é o suficiente. Agradeço muito por Xuanwu estar me ajudando a lidar com meus traumas. Até que dessa vez não demorou tanto. Pouco tempo depois que saí do mundo espiritual, Dagma veio ao meu quarto devolver a blusa que emprestei.
- Como está? – Perguntei.
- Melhor. Espero que isso não mude nada entre a gente.
- Por que mudaria?
- Eu estava falando por causa do Ezarel e do Leiftan.
- Se eles tiverem problema com isso, pode ter certeza que esporro não vai faltar.
- Obrigada.
Fui tomar um merecido banho. Não queria ficar no quarto, então pensei em dar um passeio noturno. Assim que saí da estalagem, eu vi Leiftan com a papelada.
- Dia cheio?
- Sim. Desculpe não ter podido passar algum tempo com você durante esses dias. Estive tão atarefado e essa história da Dagma não têm me feito bem.
- Não tem problema. Quer falar sobre isso?
- Se você não se importar.
- Vou pedir alguma coisa para tomarmos enquanto você toma banho. Algum pedido específico?
- Nada com álcool, chá está ótimo.
- Certo. Te encontro no seu quarto então.
Voltei para a estalagem para pedir duas xícaras de chá. Eu não conhecia nenhuma das ervas, então pedi o que mais me atraiu. Quando o chá estava pronto, subi até o quarto do Leiftan. Ele já tinha posto a calça e estava sem camisa, como se fizesse grande diferença, já que ele andava com a barriga de fora mesmo, mas não deixava de ser atraente. Entreguei uma das xícaras a ele.
- Está melhor? – Perguntei.
- Eu quem deveria te perguntar isso.
- Você parece mais afetado com essa história do que eu.
- Não vou negar, eu me inseri em algumas partes da narrativa.
- Sinto muito. Eu não posso imaginar o que deve ser perder alguém dessa forma.
- Espero que não precise passar por isso tão cedo.
- O que você acha sobre esse lance de templários e tal?
- Eu entendo a preocupação da Aria. É melhor fazermos como Ezarel sugeriu e mantermos essa história entre nós. E você, como está?
- Bem, eu acho. Não tenho tido crises há algum tempo.
- Isso é ótimo.
Bebemos o chá em silêncio. Leiftan estava visivelmente exausto. Achei melhor não tocar nesse assunto, já que ele teve os pais adotivos assassinados e provavelmente não conheceu os pais biológicos.
- Deve ser trabalhoso ser um mediador.
- Você não imagina o quanto.
- Na verdade, eu imagino. Minha amiga Latifah, antes de se formar em direito, fez um curso de mediação por exigência da firma em que estagiava. Eu não sei como ela não deu com a mesa na cabeça de alguém.
- Realmente, é um trabalho cansativo.
- Você gosta dele ou só está fazendo porque é um trabalho chato e ninguém quer fazer?
- Um pouco dos dois. – Admitiu um pouco envergonhado. – Depende com quem estou negociando e sobre o que. – Ele esfregou o pescoço, provavelmente dolorido.
- Se estiver cansado, a gente pode continuar amanhã. Não quero te atrapalhar.
- Você não me atrapalha, pelo contrário. Conversar com você me ajuda a não pensar no estresse diário.
Enquanto terminava de beber o meu chá, eu só conseguia ver o quão tenso e esgotado ele estava. Uma ideia surgiu. Coloquei a xícara na mesa, andei atrás da cadeira em que ele estava sentado e comecei a massagear seus ombros. Por pouco ele não pulou da cadeira.
- O que está fazendo?!
- Apenas te ajudando a aliviar a tensão. Relaxa esses ombros, você está mais duro que o Gronk!
Ele soltou um suspiro cansado e fez o que eu pedi. Sem brincadeira, os ombros dele estavam duros feito o meu Grookhan. Quanto mais eu massageva seus ombros, mais relaxado ele ficava.
- Isso é bom.
- Eu sei.
- Você costumava a fazer nos seus amigos?
- Sim, fazíamos uns nos outros. Especialmente quando estávamos prestes a chorar de desespero na semana de provas.
Quando achei que estava bom o suficiente, parei a massagem. Quando fui sair detrás dele, ele segurou a minha mão e a colocou em seu ombro.
- Poderia continuar? Isso é tão bom.
- Deita na cama.
Ele me obedeceu e deitou de bruços. Comecei a massagear suas costas, dava para ver pela cara dele e pelos gemidos de satisfação que ele estava gostando. Percorri cada músculo de suas costas, descendo um pouco. Sua coluna estalou quando eu a pressionei um pouco, a colocando no lugar. Percorri meus olhos um pouco mais abaixo, até o cós da calça e pelos deuses, que bunda bonita e redondinha! Mas o que eu estou pensando?! É impressão minha ou ficou quente de repente?
- Tingsi?
- O que foi?
- Está tudo bem?
- Está meio abafado, não?
Fui até a janela para abri-la e deixar o ar da noite entrar. Leiftan veio até onde eu estava e colocou a mão no meu ombro. No instante seguinte estávamos nos beijando. Fomos até a cama, onde eu o empurrei e ele caiu sentado. Estava com um tesão do caralho sem explicação e as calças dele tinham um volume considerável. Um lampejo de lucidez passou por ele.
- Do que era aquele chá?
- Mel de fogo e amormallow, algo assim.
- Você pegou um chá afrodisíaco?!
- Puta merda! Eu não sabia. Do que você está rindo caralho?!
- Desculpe, é o nervosismo. Essa situação seria cômica se não fosse trágica.
- Pior que é verdade. Quer continuar com isso ou eu volto para o meu quarto, cada um toca uma e fingimos que nada aconteceu?
Ele levantou da cama, segurou meu rosto com ambas as mãos e tomou meus lábios em resposta. Novamente eu o empurrei na cama, mas dessa vez sentei no colo dele antes de iniciar um novo beijo. Sua língua deslizou pela minha boca, então eu a chupei. Acho que ele ficou surpreso, mas não dei tempo para ele pensar, pois ataquei seu pescoço. Ele gemeu e colocou as mãos por debaixo da minha blusa, explorando meu corpo sem pudor. Quem diria que por trás daquele rosto angelical ele seria um diabinho?
Me afastei dele para tirar a minha blusa e o sutiã. Resolvi chupar um de seus mamilos, obtendo uma reação positiva por parte do lorialet, ele era bem sensível naquela parte. Desci com beijos por seu abdomên. Quanto mais eu descia, mais sensível ele ficava. Estava arriando suas calças quando ele me pegou pela nuca e me puxou para outro beijo ainda mais sedento. Sua mão livre arriou minhas calças e apertou a minha bunda antes de seguir para as minhas coxas. Eu gemia entre o beijo, mas não fiquei parada, agarrei seu pênis por cima da cueca mesmo e comecei a brincar com ele. Leiftan subiu sua mão para a minha calcinha e começou a esfregar os dedos na minha vagina por cima do tecido. Parecia até uma competição para ver quem levava o outro à loucura primeiro.
Não demorou para arrancarmos os tecidos remanescentes e eu o montasse. Leiftan inverteu as posições e agora eu me encontrava deitada na cama com ele chupando um dos meus mamilos. Eu girei para o lado e suas costas foram de encontro ao chão, o controle era meu novamente. Ele se levantou comigo no colo e me prensou contra a parede, prendendo um dos meus pulsos enquanto sua outra mão apertava minha coxa. Minha outra mão estava em sua nuca enquanto ele me beijava, mas eu a desci para apertar sua bunda. Aproveitei de sua distração para lançá-lo novamente ao chão, só que ele me virou e me prendeu no chão.
Suas costas se arquearam e ele soltou um gemido rouco quando chegou ao orgasmo, já eu não contive um grito agudo quando cheguei ao meu. Ele saiu de dentro de mim e desabou ao meu lado. Ambos estávamos ofegantes e satisfeitos como o que fizemos. Quando nossas respirações se normalizaram, Leiftan me beijou carinhosamente, me pegou no colo, me pôs na cama e deitou ao meu lado. Eu me aconcheguei em seus braços. Trocamos um olhar cúmplice antes de adormecermos.
===Dagma===
Foram muitas emoções nesses últimos dias, mas no final ficou tudo bem entre mim e minha mãe. Resolvi dar um passeio noturno fora da vila, seguindo o rio. Me sentei no leito e pus os pés na água. Peguei o amuleto que sempre carregava, uma espécie de brasão com um pássaro em uma colina, e o fiquei olhando como se pudesse me dizer alguma coisa. Eu ainda não tinha coragem de enfrentar os outros. Tingsi não conhece este mundo, então não terei problemas com ela, muito pelo contrário. Estou mais preocupara é com Ezarel e Leiftan, eu não sei o que eles podem fazer depois de ouvir essa história.
- Dagma, finalmente te encontrei. – Estava tão ocupada perdida em pensamentos que não percebi a aproximação de Ezarel. – Acalme-se, sou apenas eu.
- Desculpe, é que não percebi que estava aí.
- Deu para perceber. Como você está? – Ele perguntou se sentando ao meu lado.
- Eu não sei. É muita coisa para refletir e são muitas emoções ao mesmo tempo. Eu entendo o que a minha mãe fez, digo, o que minha mãe adotiva fez, mas eu ainda não consigo acreditar que sou humana, ou pior, que eu não sei o que eu sou. Eu sequer tenho uma pista do que possa ser a raça do meu pai ou de quem ele seja.
- Eu não tenho ideia do que dizer sobre isso. Não consigo imaginar como seria estar no seu lugar.
- O que vai acontecer comigo?
- Nada. Leiftan, Tingsi e eu decidimos manter essa história entre nós. Também falarei com Nevra e Valkyon sobre isso.
- Não sei se é uma boa idea.
- Os dois são meus melhores amigos e eu os conheço bem. Eles são de confiança e não vão dizer nada. Eu não vou deixar ninguém te fazer mal.
Eu o abracei. Achei que ele teria uma síncope ou não retribuísse, mas para a minha surpresa o Ezarel cheio de não me toques retribuiu e afagou o meu cabelo. Eu estou sonhando ou substituíram o Ezarel?
- Eu não vou deixar ninguém te machucar, é uma promessa.
Sem poder explicar, meus lábios foram atraídos para os dele. Eu não sei se foi um momento de loucura, de vulnerabilidade, se foi por pena ou se realmente substituíram o Ezarel por um clone mais gentil, pois ele me correspondeu. Continuamos nos beijando enquanto íamos nos despindo calmamente. Não havia urgência em nossos atos.
Suas mãos passeavam delicadamente pelo meu corpo enquanto as minhas repousavam em seu peito. Senti um de seus dedos acariciar minha intimidade. Algum tempo depois, ele me penetrou com seus dedos longos e finos. Eu sentia um formigamento cada vez maior no meu baixo ventre, querendo por mais. Ele retirou seus dedos e me jogou no rio.
- Sempre quis fazer isso.
Para o azar dele, eu vivi a minha vida naquele rio, então peguei o seu pulso e puxei para a água. Ele xingou um monte, então joguei água nele. Jogamos água um no outro feito duas crianças até ele me pegar pela cintura e me beijar de novo. Eu não resisti aos seus beijos e quando dei por mim, eu me entreguei a ele. Ezarel movimentou meus quadris de encontro aos dele até que ambos chegássemos ao ápice.
Saímos do rio apenas para começar tudo de novo e quando finalmente tivemos nosso segundo ápice, ele desabou em cima de mim. Com cuidado ele se retirou do meu interior e se deitou na grama. Deitei em cima dele e dormimos na relva.
Chapter 31: Capítulo 31
Chapter Text
===Tingsi===
Quando acordei, Leiftan ainda estava dormindo ao meu lado em um sono tranquilo. Vendo sua face angelical e serena nem parecia que eu estive com um verdadeiro demônio na noite passada. Fui me levantar, mas seu braço envolveu a minha cintura e me impediu.
- Fique. – Me pediu ainda grogue de sono. – Por favor.
- Não posso. Se alguém me vir saindo do seu quarto nesse estado, a gente vai ter problemas.
- Isso seria um problema? – Ele pegou a minha mão e começou a acriciá-la.
- Eu vou te dizer a mesma coisa que disse para o Valkyon: eu não estou procurando relacionamento agora. Minha vida está uma bagunça, a minha mente está um caos e você viu o que eu quase fui capaz de fazer. Eu não quero arrastar ninguém para essa bagunça, eu só quero me curar e voltar para casa. O máximo que posso fazer é manter as coisas casuais, pelo menos por enquanto.
- Entendo. No momento um relacionamento casual parece a melhor opção para mim também.
- Obrigada por entender.
Ele me soltou, então vesti minhas roupas e voltei para o meu quarto. Tomei um bom banho, vesti uma camiseta cor de areia escrito “Keep calm and drink coffee”, uma calça marrom que comprei na Purriry e um sapato que comprei lá também. Fiquei com preguiça de fazer os arcos, então só prendi o cabelo em marias-chiquinhas mesmo.
Algum tempo depois estávamos eu e Leiftan tomando café da manhã, sendo que ele só olhava para a quantidade de chá de canela que eu estava bebendo. Ele também estava de banho tomado, mas parece que o povo aqui é tipo desenho animado, pois tem 500 peças da mesma roupa no armário.
A gente estava tomando café calmamente na estalagem, apenas apreciando a companhia um do outro, quando Ezarel entrou pela porta da frente com a roupa amassada, cheia de grama e com manchas de terra. Pela cara que ele estava, claramente tinha dormido fora e tomado um pé na bunda também. A gente só olhou para a cara um do outro. O elfo subiu as escadas enquanto eu e o lorialet trocamos olhares cúmplices.
- Ele transou.
- Não deveríamos fazer esse tipo de comentário acerca da vida alheia. – O comentário foi sensato, mas a cara do Leiftan dizia outra coisa.
- Ainda há esperanças que ele saiu rolando por um barranco enquanto estava procurando erva.
- Seria uma possibilidade.
Algum tempo depois, Leiftan teve que sair para lidar com os tratados que a Miiko pediu a ele. Eu aproveitei para andar pela vila e conhecer mais da cultura local, ver se vendia doces, pois estava morrendo de vontade de comer um docinho. Encontrei uma lojinha de artesanato muito fofa, vi uma apresentação musical no coreto, algumas aulas de música, dança e artesanato ao ar livre e consegui os doces que queria. Não tinha visto Ezarel ou Dagma o dia todo, provavelmente ela deve estar se acertando com a mãe e o Ezarel, bem, melhor deixar quieto. À noite, Leiftan veio ao meu quarto.
- Ué, já veio para outra noite?
- Não é por isso que estou aqui, mas a proposta é tentadora. Preciso conversar com você sobre Qinglong, Xuanwu e os outros dois.
- Por que isso agora?
- Eu não queria te sobrecarregar ou te chatear devido ao seu estado. Todos os dias eu via como estava sendo difícil para você e não queria aborrecê-la ainda mais. Quando soube que Xuanwu estava te ajudando, fiquei mais aliviado por não estar passando por isso sozinha e porque alguém sabia como lidar com sua condição no QG.
- O que exatamente quer saber? – Era como se um alerta tivesse ligado na minha cabeça.
- Você confia neles?
- Por que quer saber?
- Apenas preciso saber se eles são confiáveis. Xuanwu foi confidente da Miiko por um bom tempo e ela sequer sabia o nome dele. Dagma alega ter visto o homem de vermelho várias vezes no Templo Fenghuang e ninguém sabe seu nome. Você parece ser próxima deles.
- O que você realmente quer saber, Leiftan? Sem rodeios.
- O que são eles?
- Bons amigos, gente muito boa, bons conselheiros, é como se fossem entidades que te orientam quando você mais precisa. E Xuanwu é um bom psicólogo também, caso você precise.
Ele pareceu meditar sobre o que eu disse. Não ia dizer que são deuses, até porque é uma resposta absurda demais e ao que parece os nomes deles em chinês não devem ser famosos por aqui. Elliot chamava Xuanwu de Genbu.
- Vocês têm lendas por aqui?
- Acho que lendas é o que não falta.
- Uma vez, Elliot disse um nome estranho. Genbu significa algo para você?
- A Tartaruga Negra do Norte? Há várias histórias entre os kappas, dizem até que era adorada como um deus.
- Verdade?! Acho que ouvi falar de algo assim no meu mundo. Não eram quatro?
- Sim, além de Genbu tinham Seiryu, o Dragão Azul do Leste, Suzaku, o Pássaro Vermelho do Sul, e Byakko, o Tigre Branco do Oeste. Sinto muito, mas eu não sou muito bom em lendas antigas.
- Não tem problema.
Ainda bem que eu sou meio chinesa e os chamo pelos nomes em chinês. Esse povo já é surtado por qualquer coisa, imagina o surto que teriam se eu os chamasse pelos nomes que conhecem. Lembro que quando eles apareciam em alguma mídia, Yuna os chamava pelos nomes em coreano e se recusava a usar o nome em japonês, que apesar de ser o mais difundido, a origem deles era a chinesa. Lá vou eu pensando em coisa nada a ver de novo.
Resolvi mudar de assunto e ficamos conversando até tarde da noite. No dia seguinte, nós deixamos a vila e voltamos ao QG. Eu mal podia esperar para tomar um bom banho e descansar da viagem, mas não, os deuses me chamaram para treinar, até porque Zhuniao enfiou na cabeça que me faria dançar no meio de um lago em cima de uma vara de bambu. Eu não estou brincando, procurei por vídeos de du zhu piao para estudar um pouco mais a fundo, mas só achei um ou dois vídeos e um monte de coisa nada a ver. Pelo menos deu para encontrar umas músicas legais. Então pesquisei por duzhu drifting e me arrependi. Difícil é pouco para aquilo. Tive mais sucesso com bamboo drifting.
- Vocês querem comer meu cu, só pode!
- Você dizia o mesmo no começo. – Disse Baihu.
- Apenas respire. Não adianta treinar o equilíbrio furiosa. – Disse Zhuniao meditando. – No du zhu piao apenas equilíbrio não é o suficiente.
- Sua mente está no treinamento ou por acaso estaria em outro lugar? – Xuanwu perguntou do nada.
- Está em lugar nenhum, só estou cansada. Mal tive tempo para respirar. Nem quando eu trabalhava no bar ficava tão exausta assim.
- Vamos tentar algo diferente. Lembra daquelas músicas chinesas que você encontrou enquanto pesquisava pelo du zhu piao?
- Andou me espionando?
- Somos deuses, sabemos o que você faz até entre quatro paredes.
- Eu não precisava saber disso.
- De qualquer forma, fizemos uma playlist delas para você. – Disse Qinglong segurando o meu celular e a minha caixa.
- Vocês têm que parar de mexer nas minhas coisas sem eu saber.
- O que eu tenho a te propor é um treinamento diferente. – Tornou a dizer Xuanwu. – Vamos para o lago.
E lá fomos nós para o lago atrás da área de treinamento. Eles o deixaram mais fundo e colocaram algumas pedras lisas como as usadas para fazer caminho, mas estavam espalhadas aleatoriamente pela superfície. Xuanwu estendeu a mão para mim como se me chamasse para dançar. Eu a aceitei e fomos para o lago, sendo que eu fiquei sobre uma pedra e ele sobre a água.
- Apenas faça como eu. Não há problema se não ficar igual, apenas me acompanhe.
A caixa começou a tocar uma das músicas melódicas chinesas que eu tinha ouvido. Acho que era xue hua piao piao ou algo assim. Já falei que eu só sei uma palavra ou outra em chinês? Assim que a música começou a tocar, ele começou com movimentos básicos de taichi. Não o questionei e o imitei. Depois os movimentos ficaram mais fluídos como se ele estivesse performando, então tive que imitá-lo.
Enquanto nos movimentávamos, eu sentia minha cabeça esvaziar como no taichi. Eu só me concentrava na performance e em nada mais. De repente ele passou de forma graciosa para o lado de outra pedra e me olhou como se me perguntasse se eu não iria. Fui para a outra pedra e recomeçamos.
E assim foi o treinamento. Ele se movia por sobre a água para o lado das pedras que ele queria que eu fosse e eu ia. Estávamos dançando enquanto eu me equilibrava pelas pedras, passando por cada uma de forma que não interrompesse a coreografia. Até que ele resolveu dançar comigo.
A música também ajudava. Ela já tinha mudado para uma que eu só soube qual era por causa de The Untamed. Dessa vez foi mais culpa minha do que de Yuna. De repente Qinglong apareceu e tomou o lugar de Xuanwu. Nós dançamos juntos, meu corpo fluía conforme a música e minha mente se esvaziava, parecia que eu tinha feito aquilo a vida toda.
Quando Zhuniao tomou o seu lugar, as coisas ficaram mais intensas. Nossas performances estavam sincronizadas tanto nas músicas mais tristes quanto nas mais agitadas e a gente se tocava também para fazer alguns movimentos de dança. Ele se movia com muita graça e beleza. Quando Baihu tomou o lugar dele, me surpreendi ao ver tanta graça nele, o que quase me fez cair no lago, mas ele me segurou.
- Preste atenção e não se distraia.
Retomei o meu rítimo com ele, ainda admirada pela graciosidade de seus movimentos. Bem, ele é um tigre, tigres são animais majestosos com um andar gracioso, então não tenho motivo para ficar espantada. Na vez dele teve uma música que tinha um tambor para dar um pouco de força. Teve de tudo um pouco, uma espécie de sapateado, correria, movimentos agitados e alguns bem leves também.
Eu alternava a dança entre os deuses e às vezes dançava com dois deles, três e às vezes com todos juntos. Eu me sentia em paz, embora estivesse começando a ficar cansada. Em um deslize, pisei em falso e caí na água. Subi em uma das pedras.
- Acho que já chega por hoje. – Disse a tartaruga.
- O que vocês fizeram?
- Nós? Nada que já saiba.
- Mas eu nunca tinha feito aquilo.
- Você é boa de improviso.
- Menina, você é o tipo de pessoa que executa melhor as tarefas ouvindo música. Dependendo da música, você consegue realizar tarefas diferentes, como se conectasse seu espírito com a melodia. Use-a ao seu favor.
Voltei para o QG mais animada do que nunca e cansada também. Tomei um bom banho antes de me jogar na cama. Poderia dormir o dia todo se meu estômago não reclamasse. Fui até a cantina comer algo e encontrei Chrome.
- Hei, sumida.
- Hei, atrasado. Quais as novas?
- Isso vai ter que perguntar para a Karenn. Você sumiu.
- Isso é por causa das missões e do treino. Eu não tenho um minuto de paz.
- Você está treinando aqueles golpes?
- Sim.
- Pode me ensinar?
- Claro. Pode começando a socar e chutar árvore umas 500 vezes.
- Por que eu faria isso?
- É a sua primeira tarefa.
- Se não quisesse me ensinar era só ter me falado.
Desde que desci a porrada no Valkyon, sempre recebo convites para treinar ou para ensinar. Eu falo para socar e chutar árvore e logo mudam de ideia. Qual é o problema de socar e chutar árvore?!
- Bom ver que tenho um aluno dedicado.
- Fala sério, socar e chutar árvore? Isso parece bobo.
- Pode usar um saco de areia se a dondoca está preocupada em machucar a mão.
- Tem vezes que você é pior que o Ezarel.
Voltei para o meu quarto, deitei na cama e coloquei a playlist das músicas chinesas para tocar. Me viciei nelas e uma vez viciada, preciso ouvir mil vezes até enjoar. Não pus os fones de ouvido, pois da última vez que fui ouvir música cansada com fones, eu acabei dormindo e acordei no susto por causa de uma música do Skillet. Troquei a música.
As músicas eram tão relaxantes que eu logo pegaria no sono, isso se não fossem pelos meus macotes entediados querendo mudar a música. No que eu ia dormir ouvindo uma música relaxante, acabei rebolando em frente ao espelho usando uma escova de cabelo como microfone ao som de Born This Way da Lady Gaga. Dessa vez a culpa é do Felix, saudades daquele maluco.
- Mas o que...?!
- Caralho!
Eu simplesmente arremessei a escova de cabelo no Nevra com tanta força, que ele teve que se jogar no chão em uma típica cena de filme de ação. Crownin foi para cima dele e eu tive que segurar o crowmero encapetado.
- Não sabe bater, não?!
- Eu bati, mas você não respondeu, então resolvi entrar.
- O que você quer?
Ele teve o cuidado de olhar o corredor antes de fechar a porta. Eu parei a música e escondi o celular. Ele estava sério.
- Ezarel me contou o que houve.
- E?
- Como ela está?
- Por que não pergunta para ela?
- Eu queria a opinião de uma humana sobre o assunto e você já passou por isso, não?
- Sim e você viu como eu fiquei.
- Mas você se recuperou bem, a Dagma, ela não parece mais a mesma.
- Dá um tempo para ela, não é fácil digerir algo assim. O que você pode fazer é dar apoio e ter paciência. Se for preciso pode procurar terapia com Xuanwu, ele vai saber orientar.
- Certo. Obrigado.
Ele saiu do meu quarto e eu tranquei a porta. Deitei na cama e esperei o sono vir. Espero que ninguém mais me incomode hoje. Apaguei sem perceber.
Chapter 32: Capítulo 32
Notes:
Nesse capítulo teremos apenas as visões dos paqueras, por isso a linha temporal pode ficar confusa porque vão ter coisas que se passam em eventos anteriores e coisas que se passam ao mesmo tempo, mas sob pontos de vista diferentes antes de seguir com a história.
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
===Ezarel===
Acordei com o vento de encontro ao meu traseiro e sentindo a textura da grama na minha pele. Eu estava completamente nu com Dagma em cima de mim. Tão tranquila, tão serena, tão bonita. Suspirei pensaroso e a acordei devagar.
- Ez? O que...?
- Acorde, temos que voltar para a vila.
Foi então que ela percebeu a situação em que nos encontrávamos. Achei que ela iria procurar as roupas feito louca, mas não aconteceu. Nos vestimos calmamente. Nossas roupas estavam amarrotadas e cheias de grama. Respirei fundo antes de criar coragem para falar com ela.
- Olha, Dagma, o que aconteceu ontem à noite, eu.... Eu sinto muito. Foi um momento de vulnerabilidade.
- Tudo bem, eu entendo. Ewlein me contou sobre você. Você não quer se envolver.
- Não é isso. Eu só não quero te magoar ou que pense que estou com pena ou que me aproveitei de você. Simplesmente aconteceu. Desculpe, eu realmente preciso pensar no que aconteceu. – Ela me olhou confusa. – Mas eu estava falando sério quando disse que não deixaria nenhum mal te acontecer.
- O que vai acontecer agora?
- Irei fazer o relatório, mas não se preocupe. Não direi uma palavra sobre você ser humana.
- Obrigada.
Voltamos para a vila sem dizer uma palavra e tive sorte de ninguém me aporrinhar até a volta para o QG. Quando chegamos, fui relatar o ocorrido à Miiko, mas acabei dizendo que Dagma tinha sido adotada e por isso não sabia qual era sua raça. Leiftan me apoiou, afinal, antes de sairmos da vila nós dois tínhamos combinado sobre o que colocar no relatório.
Após sair da sala do cristal, pedi para que Nevra e Valkyon me encontrassem no lugar de sempre daqui a um par de horas. Nos encontramos no rochedo da praia isolada, a rocha tinha um esconderijo secreto que só nós e um purreko chamado S sabíamos.
- Ez, o que era tão urgente que você precisava nos encontrar aqui? – Perguntou Nevra.
- Eu preciso falar com vocês, mas essa informação não pode se espalhar, nem mesmo a Miiko pode saber. Vocês podem me prometer isso?
- Claro. – Concordou Valkyon.
- Você está me assustando. – Disse Nevra. – O que aconteceu de tão grave?
Pus meus braços em seus pescoços e os puxei para formarmos um semicírculo, assim poderia cochichar sem medo de alguém nos ouvir.
- Dagma é humana.
- O que?! – Perguntou Nevra.
- Você tem certeza? – Dessa vez foi Valkyon quem me perguntou.
- É por isso que preciso que me prometam não contar a ninguém. Posso contar com vocês?
- Claro que pode. – Respondeu o vampiro.
- Prometo que não contarei a ninguém.
Contei a eles o que tinha acontecido na vila, palavra por palavra, sem omitir os detalhes. Quando os soltei, ambos estavam pálidos e boquiabertos.
- Ez, isso é muito grave! – Disse Nevra. – Digo, a Dagma é....
- Ela não tem qualquer contato com eles. Foi uma grande surpresa para ela quanto foi para mim.
- Alguém mais sabe dessa história? – Perguntou Valkyon.
- Somente eu, Dagma, Tingsi e Leiftan, fora Aria. Agora entendem por que ninguém pode saber dessa história?
- Isso seria um escândalo.
- O que você pretende fazer? – Questionou o vampiro.
- Manter essa história em segredo. Nevra, o que sabemos dos templários? Temos arquivos na biblioteca?
- Olha, desde que aquele bicho apareceu e devorou boa parte do nosso acervo, eu não sei. O que você vai fazer?
- Quero saber tudo sobre Helga Haugen.
- Você está brincando com o fogo. – Alertou Valkyon.
- Eu sei, mas eu sinto que preciso fazer isso.
Os dois se entreolharam por alguns instantes, mas concordaram. Nevra e eu fomos à biblioteca procurar todas as informações que tínhamos sobre os templários. Muita coisa se perdeu desde que Ashkore abriu um livro e libertou uma criatura que consumiu boa parte dos nossos relatórios, mapas e livros da nossa biblioteca. Tingsi pode não saber sobre esse pandemônio, pois isso aconteceu quando ela se trancou em seu quarto para definhar na cama.
- Por que vocês querem saber sobre os templários? – Perguntou Kero.
- Como eles estão por trás do ataque aos fenghuangs ao invés de mercenários comuns, achamos por bem revisar tudo o que temos sobre eles. – Disse Nevra.
- E garantir que seus arquivos não foram completamente perdidos, caso contrário devemos lançar uma nova missão para recolher informações sobre nossos inimigos.
- O que vai ser uma dor de cabeça para mim.
- Certamente.
Não divulgamos que foram os templários que estavam por trás do ataque aos fenghuangs para não causar mais pânico, ao invés disso dissemos que foram mercenários. Também não dissemos à Tingsi que não eram apenas mercenários que a estavam procurando, mas também nossos inimigos. Para ela pode parecer teoria da conspiração ou algo assim, eu não sei como são as coisas na Terra, mas para nós eles são reais.
Kero nos ajudou a pegar todos os arquivos que tínhamos sobre os templários, também pegamos os arquivos sobre a tríade e os illuminatis para ter certeza de que não estavam comprometidos. Para o nosso azar, eles estavam. Nevra soltou um gemido de frustração antes de suspirar profundamente.
- Pelo visto eu vou mesmo ter que realizar essa missão. Vai ser complicado.
- Eu sei, mas você consegue. Do contrário, eu posso pedir à Miiko para me dar o seu quarto, já que é mais espaçoso que o meu.
- Nem vem! Meu quarto não está disponível, a menos que você queira dormir comigo.
- Eu aceito. – Ele ficou surpreso. – Podemos passar a noite toda discutindo sobre Crepúsculo e como vampiros fazem para esconder dos outros que brilham no sol.
- Você é cruel!
- Talvez eu me vista de vampiro no próximo halloween.
- Você não ousaria!
- Será?
Provocar Nevra é mais satisfatório do que provocar os outros. Deixei a brincadeira de lado e comecei a focar no meu trabalho. O nome Haugen não era desconhecido, ele tem aparecido diversas vezes ao lado de outros nomes que parecem ser importantes. Resolvi procurar pelo que sobrou das atividades dos templários. Não sobrou muita coisa, mas descobri que uma das bases foi incinerada por motivos completamente desconhecidos e a culpa recaiu sobre os faeries. O que chamou minha atenção foi a época em que ocorreu. O registro tinha a mesma idade que Dagma e Tingsi.
- Isso é estranho. – Comentei com Nevra. – Que tipo de faery teria tamanho poder para isso e em apenas uma noite?
- Pode ser uma coincidência, mas vou investigar melhor para ter certeza. – Ele possuía um semblante preocupado. – Não tem outra saída.
- Em que está pensando?
- Terei que me infiltrar na base do grão-mestre deles.
- Me diz que isso é só mais uma de suas brincadeiras idiotas.
- Não tem outro jeito, Ez. Essa é a única forma de descobrirmos o que queremos.
- Espere pelo relatório de S. Não tem sentido você arriscar sua vida assim.
- Bem que eu queria. Nossas informações foram extremamente comprometidas. Mesmo com o relatório dele, temo que não será o suficiente.
- Nevra....
Senti um nó se formar em minha garganta. Nós dois sabíamos que essa seria uma missão suicida, em contrapartida estávamos escassos de informações, pois perdemos décadas de arquivos graças a Ashkore. Cedo ou tarde alguém perceberia e Nevra teria que tomar providências.
- Hei, não me olhe assim. Não é como se eu não tivesse me infiltrado em algum lugar complicado ou arriscado minha vida antes.
- Apenas tome cuidado. Se eles te capturarem, não quero pensar no que pode te acontecer.
O sorriso que Nevra adquirira para me confortar morreu. Ele assumiu uma expressão séria e colocou a mão no topo da minha cabeça.
- Eu vou.
A partida inesperada de Nevra foi bastante comentada nos próximos dias. Eu queria poder dizer que não estava preocupado, mas seria uma grande mentira. Preferi focar no trabalho, mas parece que os deuses me odeiam.
- Ezarel, está tudo bem? – Perguntou Dagma, que era minha assistente. – Você parece preocupado.
- Não é nada.
- Tem a ver com o Nevra?
- O que te faz pensar isso?
- Um dia antes de partir, ele estava estranho e até me beijou, como se algo ruim fosse acontecer.
- O Nevra te...?! Deixa para lá. – Isso não era do feitio dele. – Ele só está em uma missão muito importante.
- E ao que parece perigosa também. O que é? O que está acontecendo? A gente está em perigo?
Eu queria poder dizer que isso não era da conta dela, mas estaria mentindo, pelo menos em partes. Entretanto eu precisava conversar com ela sobre isso, contudo, essa é uma missão que requer sigilo.
- É melhor conversarmos sobre isso mais tarde. Esta noite, no meu quarto, se você puder.
- Está bem.
Tirando os murmúrios, o resto do dia transcorreu normalmente. Quando fui até a cantina comer algo e pegar um pouco de mel, Tingsi se sentou na minha mesa. Realmente, os deuses me odeiam.
- O que foi, feiosa?
- Valkyon me contou da missão suicida do Nevra. – Aquilo realmente me surpreendeu.
- Ele não devia ter feito isso.
- Ah, ta. Você realmente achou que eu não ia perceber suas caras de enterro e que tinha algo errado com essa missão?
- Tingsi, pelos deuses antigos e pelo Oráculo, ninguém pode saber disso!
- Nem mesmo Dagma? Ela merece saber.
- Eu sei, mas isso é algo que eu mesmo falarei com ela. Se bem que tem uma forma de você ser útil.
- Nossa, o orgulhoso Ezarel precisando da minha ajuda?
- Infelizmente.
- Vou cobrar.
- O que?!
- Quem trabalha de graça ou é voluntário ou é trouxa e eu não sou nenhum dos dois.
- Está bem, eu fico te devendo um favor.
- Eu ia cobrar em maanas, mas está ótimo. – Algo me diz que vou me arrepender.
- Preciso que você tranquilize os outros quanto à saída do Nevra. Diz que deve ser só uma missão de rotina e que ele não vai demorar. Não quero causar pânico no QG.
- E por que eu tenho que fazer isso? Você é um chefe da guarda, eles vão te ouvir mais do que a mim.
- Eu realmente queria acreditar nisso.
- Ninguém vai acreditar com essa cara de enterro. O Nevra é experiente nesse tipo de coisa, não? E é o líder da Guarda Sombra. A gente tem que acreditar que ele vai ficar bem.
- Assim eu espero.
Eu quero acreditar que ele vai ficar bem, mas em um ponto essa humana está certa: ninguém vai acreditar em mim se eu demonstrar minha apreensão. Preciso me ocupar, mas antes eu preciso conversar com Valkyon.
- Por que você contou para a Tingsi sobre a missão?
- Ela me pediu e eu não posso mais mentir para ela. Preciso reconquistar a confiança dela e você sabe como ela é complicada.
- Eu sei, mesmo assim não deveria ter contado.
- Ela percebeu que algo estava errado e me confrontou. Eu não tive escolha.
- Essa humana é pior que a Karenn.
- Vai contar para Dagma?
- É o que pretendo fazer esta noite.
O dia transcorreu mais rápido do que deveria. Ocupei-me de meus serviços e repeti para mim mesmo que ficaria tudo bem enquanto tentava me preparar mentalmente para contar à Dagma. De qualquer forma, ela merece saber. Entrei no meu quarto ricamente decorado com cortinas e lençóis azuis. A cabeceira da cama era entalhada com o brasão da família real da minha terra natal e os móveis eram de mogno. Também havia algumas plantas que eu cultivo para se tornarem ingredientes de alquimia, uma mesa de chá e a cama suspensa de Taenmil. Mal tive tempo de retirar meu casaco e Dagma bateu à minha porta. Olhei pela janela e tinha apenas começado a escurecer.
- Você consegue ser pior que a Karenn.
- Desculpe, mas eu não aguentava mais esperar.
- Se eu soubesse, te deixaria esperando e só teria voltado de madrugada.
- Você não ousaria. – Dei o meu maior sorriso me divertindo com a ideia. – Ezarel!
- Vamos, seria divertido te ver plantada em minha porta.
- Você é o pior!
Dei espaço para que ela entrasse e indiquei para que se sentasse no sofa. Sentei-me ao seu lado e comecei a falar baixo para não correr o risco de certa vampira enxerida estar com o ouvido grudado em minha porta.
- Dagma, o Nevra está indo roubar informações dos templários.
- Mas por que ele faria isso?!
- Em parte a culpa foi minha.
- O que quer dizer? Ezarel, o que você fez?
- Lembra daquela criatura que devorou vários livros em nossa biblioteca?
- Como pude esquecer? Ela quase me pegou. Se eu não soubesse lutar e não fosse por Caméria....
- Acontece que fui em busca de informações sobre os templários e boa parte delas estão faltando. Cedo ou tarde alguém descobriria sobre isso, então apenas acabei adiantando o inevitável.
- Mas por que está me contando isso?
- Porque eu estava investigando sua mãe.
- O que?! Ezarel, como pôde?! Por que você fez isso?!
- O nome Haugen não é estranho a mim. – Falei ainda mais baixo. – Pelo pouco que sobreviveu, ele está atrelado a outros nomes que parecem ser importantes. Ao que parece, uma das bases deles foi incinerada na mesma época em que você nasceu.
- O que você quer dizer?!
- Pode ser coincidência, mas ainda assim é suspeito. Só sabemos disso porque eles culpam os faeries pelo incidente. – Respirei fundo, mas eu precisava dizer. – Dagma, a única forma de sabermos o que aconteceu é roubando arquivos do Grão-Mestre. É exatamente isso que Nevra foi fazer.
Vi a cor abandoná-la, seu rosto era uma máscara de horror. Estava tão pálida que imediatamente fui buscar um pouco de sal. Ainda bem que mantenho por perto para meus experimentos. Coloquei uma pitada debaixo de sua língua antes que sua pressão caísse. Fiquei ao seu lado atento a quaisquer sinais que indicassem queda de pressão. Felizmente a coloração de sua pele foi retornando aos poucos e o choque foi passando.
- Não, não, não! O Grão-Mestre?! Ezarel, isso é....!
- Eu sei. É por isso que ninguém pode saber da real missão do Nevra. O Quartel General entraria em pânico e quero evitar isso.
- Você não tinha esse direito! Essa história é minha! Eu quem deveria decidir se quero ir atrás ou não.
- Essa história afeta a todos nós, Dagma. Querendo ou não, eu preciso saber com o que estamos lidando e agora que a notícia que há uma humana nas terras de Eel se espalhou, a atenção deles estará voltada para nós. Precisamos nos preparar para o pior.
Dagma escondeu o rosto entre as mãos. Tudo que pude fazer foi acariciar suas costas. Não gosto de vê-la desse jeito, mas eu preciso ser racional. Eles atacaram o templo fenghuang em que ela estava. Há algo nessa história que eu não consigo explicar e não consigo simplesmente deixar para lá.
- Olhe para mim. – Segurei uma de suas mãos. – Eu não vou deixar nada de ruim te acontecer, está bem? Eu prometo.
Eu a puxei ao meu encontro para abraçá-la, sentindo o cheiro de flor de laranjeira que emanava dela. Eu também estava preocupado com Nevra e com o rumo que essa história pudesse tomar. Nossos lábios se encontraram em um beijo terno. Não faço ideia de como começou ou de quem deu o primeiro passo, mas isso não importava. Quando percebi, eu a tinha deitado na cama. Parei de beijá-la no mesmo instante. Eu não queria me aproveitar de mais um momento de vulnerabilidade dela, então tudo que eu fiz foi me deitar com a cabeça em seu peito e abraçar seu tronco. Dagma parece ter entendido que eu também estava vulnerável. Ela levou as mãos ao meu cabelo e ficou fazendo uma espécie de cafuné.
Os dias foram passando e não havia qualquer notícia de Nevra. Tingsi fazia seu melhor para tentar animar os outros, Chrome e Alajéa também. Eu voltei a implicar com os outros, como de costume, mas quando estava sozinho ou na presença de Valkyon, eu não me preocupava em esconder minha apreensão.
Dagma também era fundamental nessa situação. Ela se culpava por essa história, mesmo eu sendo o maior culpado. Consolávamos um ao outro e às vezes acabávamos dormindo juntos. Os beijos sempre ternos evoluíam para carícias mais ousadas. Eu dizia a mim mesmo que estávamos vulneráveis e que essa seria a última vez, mas não conseguia dizer a ela que não queria um relacionamento. Ainda assim eu sentia necessidade de protegê-la. Acho que nunca fiquei tão confuso em minha vida.
- Mas você gosta dela? – Valkyon me perguntou após eu desabafar com ele.
- Eu não sei. Acho que pode ser porque estamos vulneráveis com essa história toda.
- Pode ser.
Valkyon pode ser meu amigo, mas não é a melhor pessoa para conversar sobre sentimentos. Ainda assim fico feliz de ter desabafado com ele. Eu precisava mesmo conversar com alguém. Ouvi risos baixos e me virei para procurar o responsável. Fiquei surpreso quando me deparei com o homem de azul, pelo que Valkyon tinha dito, seu nome era Qinglong.
- O que é tão engraçado?
- Estava apenas pensando o quanto as pessoas complicam suas vidas e gostam de dar desculpas.
- Perdão?
- Escutei sua conversa com Valkyon enquanto passava. Pelo visto está precisando de ajuda.
- Não, eu estou bem.
- Boa sorte limpando o laboratório de alquimia. Soube que a aula das crianças acabou há pouco.
- O que?! Está bem. Em todo caso, uma mão extra não vai ser ruim.
Fomos ao laboratório. O lugar estava uma completa bagunça. Respirei fundo antes de pegar o material de limpeza. Prefiro arrumar eu mesmo o laboratório sempre que posso, pois sempre que a equipe de limpeza vem ajeitá-lo, eles trocam tudo de lugar.
Qinglong era um excelente parceiro de limpeza. Ele sabia quais produtos usar para remover qual mancha específica. Valkyon estava certo, seus olhos eram muito gentis e possuíam um tom de azul muito bonito. Não demoramos a limpar e arrumar o laboratório.
- Qual a sua guarda?
- Nenhuma.
- O que você faz, afinal?
- Ajudo a quem precisa com bons conselhos. Por exemplo, se alguém que está confuso sobre um acontecimento em questão, eu o aconselharia a descansar um pouco sua mente agitada e cheia de preocupações. Só então, com a mente descansada, eu o recomendaria a refletir sobre o que o incomoda neste acontecimento em específico e no porquê. Às vezes ouço desabafos também.
Pisquei algumas vezes com sua fala. Ele estava me aconselhando ou falando de uma situação genérica? Talvez seja melhor entrar no jogo dele.
- Como alguém acalmaria sua mente, se isso é possível?
- Se isolando em um lugar agradável, por exemplo. Praticando exercícios de respiração, sentindo o vento do rosto, tomando um agradável banho de banheira, ouvindo música enquanto olha para o teto, apreciando um bom chá, caminhando pela praia ou apenas observando as ondas e respirando a brisa marinha. Às vezes um bom cochilo pode ser tudo que precisamos. Me acompanharia em uma xícara de chá de flor de laranjeira?
- Mas isto é um ingrediente de alquimia difícil de encontrar. Não serve para chá.
- Os humanos fazem chá com esta flor e as folhas há anos e alguns colocam mel para adoçá-lo.
- Me convenceu.
Como negar um pedido tão simples? Fomos até a cozinha pedir ao Karuto para a usarmos. Qinglong assumiu as rédeas da cozinha, achou a flor não sei onde e fez o chá com mel. Atravessamos os portões do QG e ele me guiou por um caminho não muito utilizado por nós. Ao invés de irmos em direção à floresta ou à praia, nós fomos em direção a uma pequena ilha que tinha ali perto. Não chegamos até a ilha, nos sentamos do meio do caminho e começamos a beber o chá em silêncio.
O silêncio, não era desagradável, pelo contrário, era reconfortante. Estava um belo dia para ficar em comunhão com a natureza, o vento morno soprava em nossos cabelos e eu não podia deixar de admirá-lo. Aquele homem intrigava a todos no QG e não somente ele. Os outros três também atiçavam minha curiosidade, mas desde aquele dia eu nunca mais vi o homem de branco e o homem de vermelho por aquelas terras.
- Como sabia que os humanos usavam a flor de laranjeira no chá?
- Conheço os humanos tanto quanto os faeries. São criaturas curiosas, você nunca sabe o que farão em seguida. Agradeço pela companhia, mas preciso me retirar.
- Espere, é só isso?
- Você me perguntou como acalmar sua mente agitada, eu apenas mostrei o caminho. Irei deixá-lo refletir sobre seus problemas, talvez meditação ajude.
Ele pegou o jogo de chá e saiu. Fiquei incrédulo observando-o sumir do meu campo de visão. Qinglong definitivamente deixava muitas perguntas nas mentes de quem o encontrava, ao menos ele era agradável. No curto tempo em que estivemos juntos, não pensei em Nevra ou Dagma. Eu estava sozinho, sem ninguém para me aborrecer. Deitei na grama e fiquei observando as nuvens por um bom tempo.
Comecei a pensar em como tudo começou, na viagem à vila das ninfas, nas palavras de Aria e naquele beijo. Dagma é da minha guarda e eu me importo com ela como qualquer outra pessoa da minha guarda, mesmo que às vezes ela me irrite. Não vou negar que ela é atraente, seu cabelo ruivo parece brilhar ao sol e seu sorriso ser o mais radiante que já vi. Ela me atrai, mas não é como se eu não tivesse sentido atração por alguém antes, como Ewelein por exemplo. Ela é bonita, inteligente, dedicada, cuidadosa, tanto que tínhamos um relacionamento casual.
Um calafrio percorreu a minha espinha. Sempre que eu me envolvo com alguém, eu faço questão de deixar claro que tipo de relacionamento eu quero ter, até mesmo para evitar mal-entendidos. Eu nunca deixei clara a minha posição à Dagma e, pensando agora, eu não sei que posição eu quero tomar. Toda vez que eu a vejo desamparada, eu quero abraçá-la e confortá-la e quando nos beijamos, é como se algo dentro de mim aflorasse, um desejo incontrolável mesclado com ternura. Eu quero fazê-la se sentir bem, mesmo que seja por um breve momento, mas eu não estou certo quanto ao tipo de relação que quero ter com ela.
Eu não sei por que insisto nessa história com os templários. Em parte, é o meu dever e acho que o nome Haugen significa alguma coisa, mas a verdade é que estou mais interessado em descobrir mais sobre a mãe biológica de Dagma do que na ordem em si. Talvez para lhe trazer algumas respostas ou algum consolo. Eu acabei colocando Nevra em perigo por causa disso. Nevra. Pensar nele na fortaleza do grão-mestre faz meu coração ser tomado pela angústia e pela preocupação.
Eu não estou me reconhecendo. Não tenho mais certeza dos meus sentimentos ou desta missão. Eu achava que nossos beijos eram por culpa da nossa vulnerabilidade, talvez sejam ou talvez essa atração seja mais forte do que imaginei. Será que estou gostando dela? Não, isso seria loucura. Pensar em Nevra também não me ajuda, pois acabo perdendo o sono, me perguntando se ele está bem. Ultimamente eu não tenho controle sobre minhas emoções. Por alguma razão isso me dá medo.
===Valkyon===
A saída de Nevra foi o assunto mais comentado do QG. A Guarda Reluzente estava preocupada com esta missão em particular e ainda mais preocupada que os boatos causassem pânico no QG. Não comentei com ninguém até Tingsi me confrontar. Eu não podia mentir para ela, não depois de tudo que passamos, então contei a verdade e pedi para que não dissesse a ninguém.
Os dias foram passando, a rotina foi retornando, mas minha preocupação só aumentava. Nevra não tinha dado notícias desde então. Eu tinha ido ao quarto de Tingsi ver como ela estava. Ela estava abatida e temi que a doença da alma tivesse retornado.
- Como você está? – Perguntei depois que os mascotes liberaram minha entrada.
- Na merda.
- A doença da alma voltou?
- Depressão não é algo que se cura assim. Eu faço terapia, mas às vezes eu sinto que não é o suficiente.
- Você pode superá-la, eu sei disso.
Segurei sua mão e ela a apertou. Não pude deixar de reparar em como a mão dela era menor que a minha e mais delicada também, porém eu sei o estrago que ela pode causar.
- Está preocupado com o Nevra?
- Muito. Ainda não temos notícias dele.
- Se a missão é tão perigosa, acho que não vamos ter por um bom tempo.
- Acha que algo ruim aconteceu com ele?
- Não, mas se há uma coisa que aprendi com filmes de espionagem, enviar qualquer mensagem estando infiltrado é muito arriscado. Tem até risco da mensagem ser interceptada. É preciso tomar muito cuidado.
- Não tinha pensado por esse lado. Entrar em contato conosco poderia colocá-lo em risco.
- É por isso que temos que pensar que ele está bem. Se tivesse sido capturado, bem, notícia ruim se espalha mais que doença.
- É verdade.
Embora estivesse preocupado, a minha conversa com Tingsi me deixou mais aliviado. É impressionante a forma como sua cabeça funciona, nos fazendo encontrar algum conforno em meio àquele caos. E pensar que ela já passou por tanta coisa desde que chegou a este mundo. Tingsi é forte e não digo isso apenas por suas habilidades de batalha, eu vejo o quanto ela luta contra a doença da alma e o quanto essa doença a consome. Se não fosse pelo tratamento de Xuanwu, eu tenho receio de pensar qual seria o resultado.
Apesar de nossa reaproximação, ela não deixa sua desconfiança de lado. Não posso culpá-la. Eu sei o que é estar sozinho, o que é sobreviver sem seus pais e depois do que eu fiz, seria perfeitamente entendível se ela nunca mais confiasse em mim.
Para ser sincero, se tratando de Tingsi, eu não sei o que pensar. Ela me deixa confuso em muitos aspectos. Eu gosto de sua companhia. Mesmo que ela desafie minha autoridade diversas vezes e arrume problemas, eu não consigo ficar bravo com ela. Ela não é uma pessoa ruim, só é extremamente problemática.
Desde nossa primeira missão em Balenvia eu me pego pensando cada vez mais nela. Nunca neguei que fosse atraente, mas não apenas isso. Tingsi é inteligente, sincera, teimosa como o Hades e simplesmente imprevisível.
- Valkyon, você gosta da Tingsi?
As palavras de Nevra não paravam de ecoar em minha cabeça desde que ele as pronunciou. Nossa missão em Ra’kar serviu para esclarecermos as coisas entre nós, mas as coisas só ficaram ainda mais estranhas. Para ocupar a cabeça da minha guarda, decidi que faria algumas sessões de treino, assim esqueceriam um pouco os boatos da missão de Nevra. Os treinos eram abertos a todos, assim os membros da Sombra e da Absinto que quisessem escapar da limpeza poderiam arrumar uma forma de se ocupar. Até mesmo Dagma vinha de vez em quando e devo dizer, ela aprende rápido e é muito vigorosa nos treinos.
Tingsi veio a um ou dois treinos e outras vezes eu a chamei para treinarmos em particular, para ter certeza de seu desempenho. Ela realmente não estava mentindo sobre treinar todos os dias. Toda vez que seu martelo e meu machado se cruzavam, uma intensidade que eu nunca havia sentido tomava conta do meu corpo. Tingsi também a sentia, tanto que uma hora estávamos lutando e na outra nos beijando de forma ardente. Eu sei que combinamos em manter um relacionamento casual, mas eu não entendo minha frustração ao lembrar disso. Minha cabeça chega a doer quando penso no assunto.
- Desse jeito seu cérebro vai acabar cozinhando.
Não pude evitar minha surpresa e muito menos buscar o cabo do meu machado. O homem vestindo branco estava sentado aos pés da cerejeira. Embora ele tivesse uma expressão descontraída e zombeteira em seu rosto, sua presença era alarmante, dominadora e explosiva. Seus olhos azuis exibiam uma selvageria sem igual e ao mesmo tempo eram honestos. Como isso é possível?
- O que veio fazer aqui? – Perguntei de forma firme.
- Fiquei entediado, então decidi te procurar.
- Está falando sério?!
- Para falar a verdade, eu queria te descer o cacete, mas as coisas mudaram e você se tornou alguém melhor. Vou me contentar com um simples treino.
Eu não sabia como reagir àquela declaração. Eu sequer o conheço e só o vi uma vez. O homem de branco puxou uma espécie de lança pesada cuja lâmina parecia uma espada curva.
- Façamos o seguinte: se conseguir me derrubar, eu respondo a todas as suas perguntas, sem rodeios. Mas se eu te subjugar, você responde as minhas, sem mentiras ou enganações.
Achei estranho, mas acabei aceitando. Ele começou me atacando e eu o bloqueei. No primeiro ataque que desferi, percebi o quanto ele era forte. Tive dificuldade para bloquear seus ataques, manipular aquela lança exigia muita destreza e habilidade. Nossa luta tinha se tornado árdua, mas algo me dizia que aquele homem estava se contendo, como se estivesse apenas me testando. Houve um momento em que ele conseguiu me derrubar. Não apenas isso, ele afastou minha arma e me dominou. Após isso, ele recolheu sua arma e estendeu a mão para mim, a qual eu aceitei.
- Nada como uma boa luta para estravazar as emoções. – Ele jogou uma toalha para mim. – Suco de bambu?
Esse homem era estranho, mas aceitei beber com ele. Nos sentamos ao pé da cerejeira. Não sabia que dava para usar o bambu para fazer suco, era bom.
- Lutou bem para um homem com a cabeça cheia de pensamentos. No que estava pensando?
- É particular.
- O combinado era sem mentiras ou enganações.
- Eu estava pensando na missão repentina de Nevra.
- Só isso?
- O que quer dizer?
- Eu quem faço as perguntas aqui.
- Não. – Admiti.
- Tingsi virou mesmo seu mundo de cabeça para baixo.
Por pouco não me engasguei com o suco. Como ele sabe disso?! E como ele fala isso com essa tranquilidade?!
- É óbvio que a vida no QG não é mais a mesma. Essa garota virou tudo de cabeça para baixo. – Ele disse com um orgulho que demorei um tempo para entender. – O que o incomoda tanto?
- Eu....
Olhei para ele e sua expressão despreocupada, ele estava mais preocupado em olhar as nuvens do que para mim, como se estivesse tentando estabelecer uma conversa casual. Eu poderia mentir ou desconversar, mas alguma coisa no meu íntimo gritava para não fazer isso, como um instinto de sobrevivência.
- Eu não sei. – Admiti e ele me olhou como se pedisse para continuar. – As coisas entre nós estão melhores agora, mas eu não consigo explicar. É como se faltasse algo, mas eu não sei o que é.
- Você já se sentia assim antes do incidente da poção?
- Bem, sim, mas....
- Então não se reaproximou por culpa. Você a vê como uma de suas conquistas?
- O que? Claro que não!
- Mesmo?
- Ela definitivamente não é uma conquista.
- Ela significa algo para você?
- Todos aqui significam algo para mim.
- Ela significa algo além dos outros para você?
- O que quer dizer?
- Valkyon, você gosta da Tingsi?
Engoli em seco. Ela é minha subordinada, claro que todos da Guarda Obsidiana significam algo para mim, mas eu simplesmente não conseguia dizer isso. Eu também poderia responder que ela é minha amiga, mas as palavras pareciam morrer na minha garganta. Os olhos do homem de branco estavam fixos em mim, como um predador. Ele sorriu, recolheu os copos e se pôs a andar.
- Eu já tenho essa resposta. – Ele simplesmente disse. – E você, já a encontrou?
Depois disso ele simplesmente foi embora. Passei o dia todo refletindo sobre a minha conversa com aquele estranho. Deitado na minha cama, olhando para o teto, comecei a pensar em tudo o que passamos juntos antes daquele maldito incidente e depois dele. As perguntas daquele homem não paravam de martelar na minha cabeça, especialmente a última. Nevra tinha me feito a mesma pergunta na celebração da Huang Hua.
Foi então que me lembrei da nossa volta de Balenvia, da primeira vez que nos beijamos. Parecia um sonho distante. Lembrei de cada beijo que trocamos desde então, mesmo que fossem apenas noites casuais ou a adrenalina depois do treino. Pensei em cada momento de dor em que estive ao seu lado. Foi então que eu percebi que a resposta esteve na minha frente esse tempo todo: eu a amava.
===Leiftan===
Quando eu penso que posso descansar um pouco, seja dos trabalhos que a Miiko me designa, seja das minhas conspirações, acontece alguma coisa que me impede. No mesmo dia em que voltamos da vila das ninfas, Ezarel resolveu procurar nossos arquivos acerca dos templários e agora Nevra está em uma missão suicida.
Não contei a Ashkore sobre a missão suicida de Nevra, pois eu teria que contar sobre as origens de Dagma e esse é o tipo de informação que trará mais dor de cabeça para mim do que para a guarda. Ashkore, do jeito que é, iria fazer alguma besteira se soubesse e ainda se vangloriaria. Poucas pessoas sabem dessa informação, então se eu contar a Ashkore e ele fizer alguma besteira, eles irão perceber que há um traidor naquele grupo e não duvido que Ezarel use uma poção da verdade para extrair a informação de todos nós.
Passei os próximos dias desconversando e tentando evitar que o pânico surgisse no QG. Tingsi e Chrome tentavam o mesmo. Finalmente tive uma pausa. Meus planos consistiam em procurar um lugar tranquilo e torcer para esquecerem que eu existo até o dia seguinte.
- Oi, Leif.
- Tingsi, precisa de algo?
- Uma reforma trabalhista seria uma boa. A Miiko ia falir de tanto que eu ia pedir de hora extra. – Não pude evitar sorrir.
- Está voltando dos seus treinos?
- Hoje não, acabei pegando algumas missões com os purrekos e outras de limpeza. Mal posso esperar para cair na cama. E você, está tentando não tacar fogo na papelada?
- Tentando é a palavra certa. Estava procurando um lugar tranquilo para fazer uma pausa. Gostaria de se juntar a mim?
- Claro. Eu estava pensando em fazer um pouco de taichi. Vou só pegar minha caixa, se não for incomodar.
- Não é nenhum incômodo.
Esperei que ela fosse pegar a tal caixa. Por incrível que pareça, Tingsi não me incomoda, pelo contrário. Mesmo estando cansado, conversar com ela me distrai de minhas preocupações.
Assim que ela voltou com a caixa, nós fomos para a parte isolada da praia, pois segundo ela, seria impossível ter um momento de paz nos jardins àquela hora. Tudo que eu precisava. Ela colocou a caixa em cima da rocha e eu me sentei na areia para observar o mar. Uma música suave e melódica começou a tocar.
Eu a observei fazer movimentos lentos e suaves, alguns pareciam ser mais rígidos do que outros. No entanto, seus movimentos eram fluidos e combinados com a música relaxante, tronavam-se hipnotizantes. Não pude evitar que um pequeno sorriso surgisse em meu rosto enquanto meu corpo relaxava.
- Quer tentar?
- Eu não acho que seja tão habilidoso assim.
- Para isso existe prática. Vem, eu te ensino.
Ela esticou as mãos para mim. Ao me ajudar a me erguer, Tingsi foi me ensinando alguns movimentos simples juntamente com exercícios de respiração. Eu já conhecia alguns, pois meditar estava entre meus passatempos, mas combinar respiração com movimentos do corpo era algo novo para mim.
- Não se preocupe em fazer perfeito, vai no seu tempo.
- Certo.
Meus movimentos eram um tanto desajeitados, às vezes eu não conseguia combinar respiração e movimento, mas não era ruim. Tingsi era paciente ao me ensinar. Acabou sendo um exercício divertido e relaxante, embora eu não entendesse a maioria dos movimentos.
- Nada mal para a sua primeira vez.
- Obrigado. Confesso que alguns movimentos são um pouco confusos.
- É que alguns movimentos são de luta. O taichi chuan é uma arte marcial e já foi muito usado em lutas. Hoje em dia ele é muito usado para meditação e exercício, já que faz bem para a saúde.
- Quais são os benefícios?
- Fortalece os músculos, é bom para a mente, o equilíbrio, melhora a flexibilidade, essas coisas. Também me ajuda a colocar os pensamentos em ordem nos momentos mais conturbados. Obrigada por ser meu parceiro de taichi.
- Eu que agradeço. Graças a você, tenho um novo passatempo.
Eu não estava mentindo, taichi se tornou meu novo passatempo. Eu praticava quando estava estressado e tem me ajudado a acalmar minha mente. Talvez ela não perceba o quanto me faz bem. Seu sorriso, seus cabelos soltos ao vento, o cheiro de jasmim que emana dela.... Mas o que estou pensando?! Eu me afeiçoei a esta humana tanto assim?!
- Defnitivamente eu não sei o que está acontecendo comigo, Amaya.
Estava no meu quarto após mais um dia de trabalho e nenhuma notícia de Nevra. Fiquei encarregado de treinar os recrutas da Guarda Sombra enquanto ele não estivesse presente. Estava planejando meus próximos passos e quando seriam os novos ataques de Ashkore, mas a imagem de Tingsi sempre surgia em minha mente. Se ela souber o que estou fazendo, entenderia minha causa? Ela confiava tanto em mim, o que aconteceria se ela descobrisse o que faço? Ela me odiaria? Tento não pensar nisso, mas tenho medo do que possa acontecer quando ela souber. Sua lembrança na janela, olhando para o abismo fez um calafrio percorrer minha espinha.
Amaya olhou para a porta e fez alguns sons, só podia ser um dos meus subordinados. Não estou com paciência para lidar com qualquer um deles no momento. Respirei fundo, me levantei da cama e abri a porta. Qual foi a minha surpresa ao encontrar o homem de nome Xuanwu bem na minha porta?
- Posso entrar?
Apenas lhe dei passagem. Ele era robusto, tinha uma voz arrastada e calma e um rosto gentil, mas seus olhos eram afiados como lâminas. O homem de preto se sentou na minha cama. Relutantemente, fechei a porta e caminhei até ele com cautela.
- A que devo sua visita?
- Estava passando e sua porta chamou minha atenção, então resolvi entrar. – Ele está brincando comigo? – Atrapalho suas conspirações contra a guarda?
Como ele sabe? Eu achava que só Qinglong sabia delas, será que ele comentou algo? Pensando bem, eu não sei nada sobre ele, Xuanwu ou sobre os outros dois. Se não me engano, Tingsi disse que eram bons amigos.
- Não faça essa cara, elas não são um segredo para mim.
- O que quer de mim?
- Apenas algumas partidas de xadrez. Não se preocupe, nada do que me disser sairá deste quarto.
Estranhei seu pedido, contudo, eu me aproximei dele e me sentei na cama. Observei o simples tabuleiro, enquanto ele fazia sua primeira jogada. Movi meu primeiro peão em resposta. Após algumas jogadas, ele resolveu se pronunciar.
- Sua mente tem estado um caos ultimamente.
- O que o faz pensar isso?
- Seu jogo está uma bagunça.
- É o que você acha?
- Acabou de mover a torre como se fosse um bispo.
- Talvez eu não seja bom em xadrez.
- Ou talvez seus pensamentos estejam centrados em outros assuntos que desviam sua atenção do jogo. Tingsi deve ter lhe dito que sou um bom psicólogo.
- Eu não preciso de um.
- É o que todos dizem quando suas mentes estão suficientemente quebradas.
- O que quer que eu diga?
- O que quer falar?
- Você sempre responde uma pergunta com outra?
- O que seria do mundo sem as perguntas?
É a primeira conversa decente que tenho com este homem e eu não consigo decidir se fico irritado ou somente frustrado.
- Quem é você, afinal?
- Depende do que quer que eu seja. Posso ser um confidente, um psicólogo, um amigo ou um inimigo mortal. A escolha é sua.
Senti uma pontada de veneno na última opção. Definitivamente não quero tê-lo como inimigo.
- Como posso saber se não irá contar meus planos à Miiko ou a qualquer outro?
- Sigilo entre médico e paciente. Nada do que me disser poderá sair deste quarto. Eu já sei que você conspira contra a guarda antes mesmo de me conhecer, o que tem a perder?
- E o que ganharia com isso?
- Nem sempre o objetivo está na vitória, às vezes tudo que importa é quantas pessoas você irá levar contigo.
Senti meu sangue gelar em minhas veias. O olhar que ele tinha parecia rasgar minha carne e adentrar minha alma. Era perturbador. Seja lá o que ele for, não é alguém que eu queira como inimigo.
- Claro que esta não deve ser sua intenção. Talvez eu o esteja confundindo com outra pessoa. – Como ele consegue mudar sua expressão de alguém prestes a me matar para alguém amigavelmente despretensioso em tão pouco tempo? – Vamos mudar de assunto, algo mais agradável, pois pela sua cara, você não tem dormido bem ultimamente.
- Como eu poderia dormir se um imprevisto sempre surge em meu caminho?
- Imprevistos fazem parte da vida e a tornam mais interessante. Ninguém poderia prever que uma humana caísse no seu mundo e alterasse algumas de suas concepções.
- Tingsi não é como os outros humanos.
- Você conhece todos eles?
- Não.
- Então não conhece os humanos.
- Você os conhece?
- Não são diferentes dos faeries, eu garanto. Se pudesse escolher entre eles, qual escolheria?
- Nenhum. Não tenho boas experiências com nenhum deles. Alguns faeries como Kero são bons e altruístas, mas boa parte deles não presta.
- Te machucaram tantas vezes que você tem medo de se abrir para qualquer um, até mesmo para aqueles por quem tem apreço. Tingsi tem esse mesmo problema.
- Ela não tem medo de falar o que a incomoda.
- Ao invés disso, atira na cara dos outros a merda que recebeu. As pessoas são diferentes e seus mecanismos de defesa também. Você se importa com ela, não?
- Sim.
- Por quê?
- Eu não sei explicar. Ultimamente minhas emoções têm me traído.
- Talvez você saiba e só não quer admitir. A concha do negacionismo é confortável àqueles que têm medo de encarar a realidade, ainda que a resposta esteja bem à sua frente. Oh, olhe só a hora. Preciso resolver alguns assuntos.
- Mas nem passou tanto tempo. Não vai ao menos terminar o jogo?
- Nem sempre o objetivo está na vitória, rapaz.
Ele pegou o tabuleiro, me deu um sorriso acolhedor e saiu, me deixando sozinho com meus pensamentos. De alguma forma, eu sentia bem por ter conversado com ele, ainda que seu jeito peculiar me fosse estranho. Refletindo sobre suas perguntas, eu não consegui entender o que ele queria, mas entendi o que ele quis dizer com Tingsi ter mudado parte de minhas concepções. Eu não me importava com ela, mas há pouco tempo eu estava preocupado com o que ela iria pensar se descobrisse sobre mim. Empalideci. Um temor se apossou do meu corpo. Quanto mais eu refletia sobre nossos momentos juntos, mais a resposta se tornava óbvia. Eu estava me apaixonando.
===Nevra===
Eu sabia exatamente onde estava me metendo quando abri os registros e vi apenas uma folha em branco. Era apenas uma questão de tempo até fazermos uma missão para recolher informações de nossos inimigos. Ezarel apenas deu o pontapé que precisava. Miiko não queria que eu fizesse essa missão, mas a nossa necessidade era maior.
Naquela noite, resolvi dar uma volta. Eu estava me preparando mentalmente para essa missão enquanto andava pelos jardins do QG. Foi então que alguém encostou no meu braço para chamar minha atenção. Era Dagma.
- Dagma, o que está fazendo aqui?
- Estou sem sono. E você?
- Eu também.
Ficamos em silêncio. Ela desviava o olhar para qualquer lugar menos para os meus olhos. Aquele silêncio estava me incomodando.
- Ezarel já te contou?
- Sim. – Novamente ficamos em silêncio. – Olha, isso não vai mudar nada entre nós. Você não é um deles.
- Alguns faeries discordariam.
- Você não precisa ter medo. Eu não vou deixar que te façam mal.
- Ezarel disse a mesma coisa.
- Ele está certo. Nós não vamos deixar que nada de ruim te aconteça. É uma promessa.
Ela me deu um fraco sorriso e o silêncio novamente se fez presente, mas dessa vez era confortável. Achei melhor não comentar sobre a missão com ela, Dagma já está tendo problemas com a descoberta de sua mãe biológica. Talvez seja por isso que Ezarel queria tanto procurar em nossos arquivos, para mostrar a Dagma qualquer coisa sobre sua mãe. Agora essa missão é minha e eu terei que separar as informações da Miiko das dele.
- Nevra, está tudo bem? Você parece preocupado.
- É coisa minha. Você não precisa se preocupar comigo.
Me aproximei dela, segurei seu rosto com uma das mãos e a beijei. Era um beijo desesperado e triste, como se fosse a última vez. Bem, se essa for mesmo minha última vez, fico feliz que seja com ela.
- Vou caminhar um pouco. – Falei quando me separei dela. – Preciso arejar minha cabeça.
Eu simplesmente saí. Não era mentira, minha cabeça estava lotada de pensamentos. A missão era preocupante e Dagma era um grande mistério para mim. Continuamos bons amigos depois da missão em Ra’kar, mas algo havia mudado dentro de mim. Eu tenho apreço por ela, assim como tenho por várias pessoas do QG, mas eu não sei explicar. O beijo que acabamos de dar, eu nunca tinha beijado nenhuma garota antes de qualquer missão, por mais perigosa que fosse, e não daquele jeito.
- Brincar com o coração dos outros é um péssimo hábito. – O homem de vermelho surgiu de repente me reprendendo.
- Você estava me espionando?!
- Não, apenas estava de passagem. Você não tem vergonha de iludir as garotas?
- Hei, eu não as iludo, eu só não deixo as coisas muito claras. Não tenho culpa se acabam se apaixonando por mim.
O olhar que ele me deu foi tão severo e cortante que eu me senti nu. Eu não sei quem ele é, pelas informações que compartilhei com outros chefes da guarda e que Chrome e Dagma me disseram, não há muito sobre o homem de vermelho.
- Quem é você, afinal?
- Tenho muitos nomes, mas não te direi nenhum deles. – Mas que abusado!
- Posso saber por quê?
- Não direi meu nome a um desconhecido que não teve a decência de se apresentar. – Ele só pode estar brincando!
- Você já deve ter ouvido falar de mim, mas em todo caso, sou Nevra, chefe da Guarda Sombra.
- Pois bem, Nevra, Tingsi me conhece por Zhuniao, você pode me chamar assim. – Ele disse seu nome fácil assim e Tingsi o conhece?! – Algo errado com o meu nome?
- Outros estão tentando descobri-lo há séculos e você simplesmente me disse na primeira oportunidade!
- Outros não tiveram a cortesia de se apresentar. Se você tem a intenção de conhecer um estranho, o mínimo a se fazer é se apresentar, você não acha?
- É, acho que sim. O que está fazendo aqui?
- Apenas vim dar um passeio noturno. E você?
- Eu também.
- Ótimo. Pode me acompanhar em meu passeio.
- Obrigado, mas eu prefiro ficar sozinho.
- Dia cheio, eu presumo.
- Sim.
- Sabe, o parque do chafariz fica vazio durante a noite, ideal para um banho noturno. Talvez um mergulho ajude a tirar as preocupações da cabeça.
Foi apenas ele falar água que eu me animei. Eu gosto de nadar e um mergulho noturno não me faria mal. Zhuniao me acompanhou ao parque do chafariz. O lugar estava deserto, então aproveitei para tirar minhas roupas, somente permanecendo a cueca. Estranhei que ele não fizesse o mesmo, ao invés disso, ele molhou o rosto. Era como se o tempo tivesse parado, gotículas de água voavam em direção ao seu cabelo enquanto molhava a face. Suas vestes vermelhas e sua pele pálida contrastavam com o luar, ele era lindo! Zhuniao não se importou comigo, ele se sentou em posição de lótus e começou a meditar.
- Você não vai entrar?
- Receio que não. Por mais que eu aprecie um banho noturno, terei que retornar aos meus irmãos daqui a pouco, então preciso aproveitar cada segundo de meu tempo livre.
Senti alívio quando minha pele adentrou na água fria. Era exatamente o que eu precisava. Fiquei um bom tempo mergulhado, apenas ouvindo o canto dos mascotes. A missão ainda nem começou e já estou estressado.
- A propósito, aquela garota que estava beijando....
- O que tem ela?
- Ela parece estar passando por dificuldades. Tente não magoá-la ou se aproveitar dela.
- O que te faz pensar que eu faria isso?!
- Sua fama de mulherengo, talvez? Ações têm consequências e muitas vezes podem ser desastrosas.
Eu não pude deixar de abrir a boca, estava chocado. É isso o que ele acha?! Eu sei que não sou o maior santo do QG, eu jogo meu charme de vez enquando, as garotas me adoram, elas se iludem por mim, mas magoar jamais. Pelo menos não intencionalmente. Lembrei que quando Tingsi se sentou no meu colo naquela celebração, ela disse que eu não prestava. E se Dagma acha a mesma coisa que eles?!
- Minha pausa terminou. Foi um prazer conhecê-lo adequadamente.
Ele se levantou e se retirou com as penas de sua veste vermelha esvoaçando ao vento e contrastando com o luar e o céu noturno. Não bastava ele ser bonito, ele tinha que capturar toda a atenção do momento também?!
Aquela foi a minha última noite calma, pois assim que avistei a fortaleza dos templários, eu sabia que não poderia voltar atrás. Arrumei roupas que os humanos dali deveriam usar. Agradeci aos deuses por eles usarem roupas não muito expostas, eu também pus um chapéu para esconder minhas orelhas. Me escondi em uma carroça de feno para conseguir passar pelos portões.
Dentro da fortaleza funcionava uma vila com pessoas vivendo pacificamente suas vidas e crianças brincando. Me hospedei em uma estalagem usando um nome falso e me pus a estudar melhor a fortaleza. Os muros eram altos e protegiam toda a vila, guardas os vigiavam fortemente assim como os portões, mas durante à noite era mais tranquilo e a maioria deles se reunia na taverna. Eu consegui roubar uma das roupas dos templários em uma noite de bebedeiras. Era um manto branco com uma cruz vermelha. Ainda bem que eu pude usar uma malha de metal para cobrir a cabeça.
O QG deles ficava mais afastado da vila. Passei os próximos dias como um recruta perdido enquanto estudava seus corredores, eu demorei um bom tempo até encontrar os aposentos do grão-mestre e decorar o caminho. Naquela noite, enquanto ele não estava, decidi procurar por qualquer coisa que fosse útil. O quarto era ricamente decorado nas cores cinza e azul, havia um brasão com uma espécie de pássaro em cima de uma colina, ambos cinza em um fundo azul. Com certeza era o brasão da casa dele, eu sei por que a minha família tem um.
Havia alguns retratos rasgados, como se quisesse tirar alguém de sua vida. A minha curiosidade foi nas alturas, então resolvi vasculhar as gavetas. Encontrei um monte de coisa, mas bem escondido em uma das gavetas da escrivaninha estava a outra metade de um dos retratos menores e coloridos. Era de uma mulher loira com o cabelo preso em trança e rosto severo. Ela tinha olhos azuis e determinados. O formato do seu rosto, o nariz e os lábios carnudos não eram estranhos a mim. Não sei por que, mas guardei o retrato comigo.
Achei algumas cartas na escrivaninha. Estavam endereçadas a outras bases e fortalezas falando de operações que tinham sido um sucesso ou fracasso, como estava a situação das cidades dentro das fortalezas e de povoados próximos, coisas do tipo. Não eram boas notícias, pelo visto eles estavam tendo dificuldades com salteadores que roubavam seus plantios e colocando o terror nos campos. Tenho que aplaudi-los por descobrir como fazer as plantações vingarem em Eldarya, mas ao mesmo tempo a situação deles não era diferente da nossa. De qualquer forma, eu consegui descobrir o nome do grão-mestre, ele se chamava William Haugen.
Minhas mãos estavam trêmulas enquanto eu segurava as cartas. Dagma é parente do grão-mestre?! Aquela mulher do retrato que ele quer tanto esquecer também está relacionada com ele. Meus pensamentos foram interrompidos pelo barulho da porta. Soltei as cartas em cima da escrivaninha e me escondi debaixo da cama. O grão-mestre em pessoa entrou nos aposentos. Ele devia ter por volta dos 50, o rosto duro, os cabelos e a barba grisalhos e não pude ver a cor de seus olhos.
Ele fez simplesmente tudo que eu rezei para ele não fazer: recebeu oficiais de patentes maiores no quarto, leu e escreveu algumas cartas e jantou com um oficial que devia ser seu braço direito. Quando eu achei que não podia piorar, ele simplesmente tirou a roupa na minha frente. Deu para ver que era um homem robusto e cheio de cicatrizes, mas eu não devia ter visto aquele Ornak que ele tem entre as pernas! Vieram uns criados encher a bacia que tinha no meio do quarto e ele tomou banho. Meu único olho bom não merece isso!
Por fim, ele colocou uma camisola de dormir e pegou um livro. Ótimo, esse infeliz vai terminar de ler, vai para a cama e eu posso finalmente ir embora. Os deuses e o Oráculo me odeiam. Ouvi batidas na porta e quando ele abriu, entraram duas prostitutas. Eu estava debaixo da cama! O que aconteceu a seguir é traumatizante demais para relatar aqui. Quando eu finalmente consegui sair dos aposentos, eu estava tão atordoado que só pensava em ir embora nunca olhar para trás.
Na noite seguinte eu procurei pela biblioteca. Passei dias indo e voltando na surdina para procurar as informações que eu precisava, sorte que eles eram organizados, pois eram muitos arquivos. Mesmo assim tive dificuldades em acessá-los, pois a biblioteca sempre estava cheia. Havia um grupo que pegava livros e textos velhos e os transcreviam para novos, além de refazer as gravuras quando tinham, tudo na mais perfeita cópia. Assim os textos nunca se perderiam com o tempo. Também havia rumores que algo tinha sido roubado do grão-mestre, mas ninguém parecia saber o que era. Ele está tão preocupado assim por causa do retrato rasgado?
Quanto mais eu procurava, mais aterrorizado eu ficava. Os templários procuravam uma coisa que batizaram de santo graal, por isso eles andavam por Eldarya buscando artefatos mágicos para “protegê-los” de nós faeries. Havia algumas casas importantes e antigas nos templários, entre elas Payes, Molay, Vichiers, Galdino, Tum, Homedes y Coscón, Moulins, Konrad, Bassenheim, Kerpen e Haugen.
Meu sangue gelou quando procurei pela ficha de Helga e pela genealogia dos Haugen. Helga podia não ser a mulher mais bonita que já vi, na verdade sua aparência era comum, mas era extremamente habilidosa em combate. O número de missões que ela fez e a periculosidade de cada uma era assustador, ainda mais para alguém tão jovem. Fazendo as contas, ela devia ter por volta dos 21 anos quando Dagma nasceu. Não consigo deixar de sentir um pouco de pena dela, ainda mais depois que descobri quem ela era.
Também procurei sobre a base incinerada e o que eu descobri fez os cabelos da minha nuca se arrepiarem e o meu sangue gelar. A base não era muito longe do vilarejo das ninfas, um ou dois dias de distância. A maior parte da base tinha se transformado em cinzas, a estrutura foi totalmente comprometida, as pedras chamuscadas e eles tiveram dificuldade para reconhecer os corpos, que nada mais eram do que pó. Apesar da tragédia, nenhum civil morreu ou ficou ferido, recrutas e alguns outros membros foram poupados e o corpo de Helga simplesmente desapareceu.
Alguns poucos sobreviventes relataram que viram um homem carregando com o corpo de Helga. Alguns dizem que seu cabelo era de fogo, outros que seus olhos eram flamenjantes como o inferno, outros disseram que eram dois, outros que era um monstro de três metros de altura inteiramente de fogo e alguns juram ter visto chifres e cascos. Eles estavam tão traumatizados ou enlouquecidos que suas versões tinham muitas inconsistências e apesar de uma investigação ter sido conduzida, ninguém sabe o que aconteceu naquele dia. O lugar se tornou maldito e nunca mais ousaram entrar lá.
- Hei, essa sessão é reservada! Identifique-se agora.
Engoli em seco. Dois guardas se aproximaram de mim. Derrubei a lamparina e fugi. Não foi o suficiente para causar um incêndio, mas toda a fortaleza estava em alerta. Com muito custo consegui sair de lá e voltei para a estalagem. Ouvi uma trombeta tocar. Eles iriam me procurar em todos os lugares, nem que tivessem que bater de porta em porta. Peguei minhas coisas, pois eu precisava fugir. Usando de todas as minhas habilidades e me escondendo nas sombras, eu consegui escalar a muralha e atravessar o fosso.
A fortaleza ficava em meio a um campo aberto distante da floresta. Eles foram espertos ao criar essa localização, pois isso significava que eu estaria exposto. Enquanto eu corria, uma chuva de flechas disparou contra mim. Fui atingido, mas consegui me refugiar na floresta. Não removi as flechas para não agravar os danos e os ferimentos não doíam tanto devido a adrenalina. Rapidamente, e com dificuldade, eu subi em uma árvore.
Os templários vieram com Black Gallytrots que eles domesticaram para me rastrear. Eu não tive escolha. Tive que esperá-los se afastarem do local para começar a me mover por entre as árvores. Não pude tirar as flechas, pois se eu o fizesse, eles sentiriam o cheiro do meu sangue. Eu sei que há alguns vilarejos não muito distantes, mas pelo que eu encontrei nos arquivos, alguns parecem ter um tipo de trégua com os templários e pagam tributos em troca de comida e até proteção. Preciso evitá-los a todo custo. Eu não sei como, mas preciso chegar até o QG.
Notes:
E é assim que se faz uma missão de infiltração em terreno desconhecido e não aquele desastre em que vimos em New Era onde eles queriam fazer uma missão de infiltração em menos de um dia. Ainda mais em um lugar em que a maioria nunca esteve e eles nem sabiam o que estavam procurando. Tudo isso em menos de um dia.
Quem já viu um filme de espionagem na vida sabe que não dá para fazer uma infiltração em território desconhecido em menos de um dia, ainda mais sem ajuda de um informante e muito menos sem o menor preparo. É preciso ter base, comunicação, preparo.... Eu não vou enumerar todos os problemas da missão aqui, mas vocês têm noção que se o pai da guardiã não tivesse ido atrás dela, eles teriam ido embora sem nada?
Tirando o sobrenome Haugen, todos os nomes que apareceram aqui são nomes de grãos-mestres templários, hospitalários e teutônicos.
Templários: Payes é de Hugo de Payes, um dos fundadores dos templários e o primeiro grão-mestre da ordem. Molay é de Jacques de Molay, o último grão-mestre dos templários. Vichiers é de Reinaldo de Vichiers. Galdino é de Teobaldo Galdino.
Hospitalários: Tum é de Gerard Tum, o fundador da ordem dos hospitalários. Homedes y Coscón é de Juan do Homedes y Coscón. Moulins é de Roger de Moulins.
Teutônicos: Konrad é de Konrad von Feuchtwangen, eu usei o primeiro nome dele mesmo. Bassenheim é de Heinrich Walpot von Bassenheim, o fundador dos teutônicos e Kerpen é de Otto von Kerpen.
Como antigamente as pessoas eram conhecidas pela profissão, pelo pai ou de onde vieram, é provável que sejam nomes das cidades ou regiões de onde vieram ou de alguma terra que podem ter recebido.
Chapter 33: Capítulo 33
Chapter Text
===Tingsi===
Os dias foram passando e eu decidi tocar o foda-se. Sério, eu não aguentava mais a agonia e os boatos da missão do Nevra, sendo que não tinham nada a ver com a missão principal dele. Era tanta Fake News que eu agradeci por não ter Whatsapp em Eldarya. Eu tinha que mandar o povo trabalhar para não mandar tomar no cu.
Por falar em trabalho, eu não estava mais pegando missões de limpeza ou de manutenção. Eu sei que preciso juntar maanas, mas essas missões não pagam tão bem para o trabalho que elas dão. Fora que essas missões estavam começando a acumular já que aquele bando de preguiçoso pau no cu não queria pegar no pesado e só eu estava pegando regurlamente. E eram missões idiotas tipo, limpar a casa de Fulano, coisa que é obrigação do Fulano, ou varrer o QG.
A Karenn me confessou que estava difícil arrumar gente para a limpeza porque todo mundo tinha uma desculpa e ela me implorava para limpar. Dependendo do que fosse, eu ajudava, mas geralmente dizia que não e metia o louco. Os purrekos me disseram também que tinha muita gente procurando por missões deles. Purroy até deixou escapar que somente eu aceitava limpar a loja dele porque os outros achavam que como eu estava acostumada, não me importaria. Minha rola. Miiko até fez reunião para botar o povo para trabalhar.
Continuei meus treinos todos os dias. Como estava treinando muita coisa ao mesmo tempo, os deuses decidiram dividir as tarefas. Em um dia eu treinava a lança e ia dançar no bambu no meio do lago. Eu ainda caía no lago, mas pelo menos consegui ficar em pé por dez segundos em cima do bambu. No outro eu treinava o arco e o pole dance, no outro eram a espada e os tecidos, no outro eram o trapézio, os leques e as adagas e no outro era o martelo e pular de tronco em tronco. Eu sempre meditava, fazia taichi e aprendia a como trancar meu corpo para não ser sucetível a uma possessão, a como incorporar espíritos, usar meu espírito para sair do corpo em planos espirituais; e nado, forja e alquimia todo fim de semana.
Eu não estava muito ligada no que acontecia no QG. Estava mais focada em juntar maana para os ingredientes e em treinar. Eu já não treinava tanto com os avatares dos deuses, fazia as coisas sozinha como antes. Só Zhuniao que aparecia para os treinos artíscios ou quando inventava de me ensinar uma dança nova. Os outros só quando a gente ia lutar mesmo.
À noite, eu voltava a observar o Black Dog. Como eu imaginava, ele parecia um lobo solitário. Percebi que tinha alguém subindo nas árvores, quando vi era Leiftan.
- É só você.
- Achei que tivesse sido discreto.
- Vai por mim, eu tenho anos de prática em fazer merda sem ninguém perceber.
- Eu não duvido. Você não se cansa em observar esse Black Dog?
- Não.
Um silêncio constrangedor se instalou entre nós. Fazia um tempo em que Leiftan e os chefes da guarda estavam estranhos, tipo, muito estranhos. Eu não sei se é por causa da missão do Nevra ou algum outro motivo, mas normais eles não estão. Eu consegui assustá-los várias vezes.
- Fiquei surpreso por você não pegar mais missões de limpeza.
- O pessoal está deixando acumular de propósito. Eu nunca vi tanta missão para limpar a casa e o quarto dos outros.
- Realmente, eles exageraram. Achei que você fosse pegá-las da mesma forma, uma vez que está juntando maanas para comprar os ingredientes para abrir o portal.
- Quem te contou?
- Não foi difícil perceber. Por que você ainda quer voltar para a Terra?
- Você não entenderia.
- Se for por causa dos seus amigos, não acho que valeria à pena. É difícil dizer, mas eles devem ter seguido suas vidas.
- Não fala o que você não sabe! Mesmo que eles tenham seguido suas vidas, não é só por causa deles que eu quero voltar. A Terra é o meu lar, eu posso não ter mais nada lá, mas eu sou feliz lá, eu trabalho com o que eu amo, faço o que eu gosto, posso ser quem eu sou.... Já aqui eu posso ter tudo, mas nunca vou ser feliz nessa caralha desse mundo. Você entende isso?!
Ele apenas ficou em silêncio e desviou o olhar. Senti minha garganta queimar e tive uma súbita vontade de chorar. Puta que pariu, como eu odiava essa situação! Eu estava cansada de me sentir impotente, estava cansada de ter que lidar com os traumas, cansada de tentarem me prender a este mundo que não é meu, cansada deste mundo, cansada desta vida! Às vezes, quando saio escondida pela janela do eu quarto eu encaro o abismo e me pergunto se não vale à pena pular. Olhando para baixo, até penso em saltar dessa árvore, mas se eu cair no ângulo errado vou acabar apenas com alguns ossos quebrados ou pior, paraplégica e presa aqui.
- Sinto muito, eu não queria te deixar assim.
Ele segurou a minha mão e cuidadosamente me puxou, como se me pedisse para ir para perto dele. Assim o fiz, sendo envolvida por seus braços. Eu tenho que parar de pensar nesse tipo de coisa, mas é inevitável. Em uma de nossas sessões, Xuanwu me disse que não poderia tirar esses pensamentos de mim, então sempre mudava de assunto para a minha vida na Terra, coisas bobas como para que casa de Hogwarts eu iria e por que Corvinal, para que serviam tintas UV, se podia ir até a cozinha e fazer drinks e coisas do tipo. Acho que ele tentava me fazer enxergar o quanto a vida ainda era boa e ter esperanças de alguma promessa de futuro ou pelo menos que vale à pena lutar. Às vezes me pergunto se vale mesmo.
- Você tem razão, eu não entenderia.
- Você não pensa em voltar para a sua terra natal?
- Eu até poderia, mas ela já não é o meu lar há muito tempo.
- E você não construiu outro aqui?
- Não. Sinceramente, eu não acho que seja capaz de ter algum lugar que eu possa chamar de lar algum dia. Ao contrário de mim, você ainda tem um lugar para voltar. Eu a invejo por isso.
Ficamos em silêncio por um bom tempo. Não era mais desconfortável, muito pelo contrário. O Black Dog se agitou, o que era estranho. Ele nunca tinha feito isso antes. Ele começou a correr disparadamente, como se estivesse perseguindo algo. Rapidamente eu saí dos braços de Leiftan e pulei de galho em galho atrás dele. Eu não conseguia explicar, eu só sentia que deveria segui-lo. Por sorte ele tinha que passar por desníveis e obstáculos no chão, então pude alcançá-lo.
A poucos metros de onde estava, havia um vulto cambaleando. Quanto mais eu me aproximava, mais eu via que ele estava todo furado por flechas. Saltei da árvore e me aproximei pelo solo mesmo. Fiquei chocada quando o reconheci.
- NEVRA!
Eu o segurei bem a tempo dele cair. Ele lutava para ficar consciente, mas estava cheio de flechas, sangue seco e exaustão. Eu o pousei no chão, pois o Black Dog tinha nos alcançado. Não tinha tempo a perder, então saquei duas adagas que estavam comigo e levei a luta para o limiar.
- Hell Hound!
- Humana, quantas vezes nossos caminhos precisam se cruzar?
- Deixe-o em paz, ele não será seu jantar.
- Estou faminto e a menos que você tenha algo que possa me dar em troca para que eu possa me alimentar, é bom se preparar.
Não era mentira. A comida tem se tornado mais escassa para ele. Percebi que além de carcaças, ele come bifes de hortelã e umas flores estranhas que os mascotes acham na gruta. Às vezes eu os deixava para que pudesse comer e observar seu comportamento, então era normal que trouxesse algo comigo. Tirei um bife de hortelã e joguei para ele, que o devorou. Ele estava muito diferente desde nosso primeiro encontro, parecia perdido naquela floresta e muito mais calmo também.
Ele iria se afastar, mas algo chamou sua atenção e ele se pôs em posição de ataque. Havia uma sombra escura, cheia de trevas emanando dela. Ela tinha quatro asas gigantescas, quatro chifres e olhos verdes bem brilhantes. Não larguei as armas.
- É um Daemon! Achei que estivessem extintos!
- Um Daemon?
- Humana, lute comigo se quiser sobreviver.
- Acalme-se. Você, o que faz aqui?
A figura nos encarou por um bom tempo, enquanto isso, eu avancei e o Black Dog recuou, ficando lado a lado comigo. O Daemon recuou de volta para a floresta. Fiquei sem entender, mas o Black Dog não baixou a guarda.
- Acha que ele está perdido?
- Eu duvido muito.
- Me preocuparei com isso depois. Pode me ajudar a levar o meu amigo? Ele não está bem.
- Eu prometi que não o comeria, não que o ajudaria.
- Se vier comigo, você não vai ter que se preocupar com comida. Vai ter um teto também.
- Não seja tola, ninguém aceitaria um Black Dog.
- Prazer, ninguém. – Ele bufou. – Ninguém vai te fazer mal, eu prometo.
- Está bem, mas é bom cumprir com sua promessa ou te rogarei uma maldição.
Voltei ao mundo material e pedi para que ele se abaixasse. Coloquei Nevra em cima do Black Dog, felizmente o bicho era grande para carregá-lo. Começamos a andar quando lembrei que Leiftan estava na floresta. Gritei por seu nome e ele apareceu. O Black Dog se agitou.
- Calma, é só o Leiftan. Ele é um amigo meu. Ele não vai te machucar.
- Tingsi, o que aconteceu?!
- Não temos tempo, Nevra está correndo perigo.
E foi assim que voltei para o QG: com Leiftan ao meu lado olhando desconfiado para o Black Dog, o Black Dog retribuindo o olhar de desconfiança e Nevra todo fodido em seu lombo. Os guardas noturnos não acreditaram no que viram, mas gritei para que alguém fosse avisar a Ewelein ao invés de fazerem perguntas. Ela quase teve um surto quando viu o Nevra sendo carregado pelo Black Dog igual bosta. Rapidamente os enfermeiros se puseram a trabalhar, enquanto pedi para Leiftan vir comigo, pois precisava falar com ele.
Karuto quase teve um infarto quando me viu entrar com o Black Dog, mas apenas peguei um salame e o levei até a cerejeira. Dei o salame para o bichão, que soltou grunhidos de satisfação.
- Você vai mesmo ficar com esse Black Dog? – Perguntou Leiftan.
- Sim, eu prometi casa e comida para ele. Também não tem muito alimento para ele nessa floresta, o que me faz pensar que ele não seja daqui.
- Entendo, mas por quê?
- Ele está diferente desde a última vez, mas isso não importa. A gente viu um Daemon.
- Um Daemon?! Tem certeza?!
Contei a ele tudo que tinha acontecido. Como eu conseguia conversar com o Black Dog no limiar, sobre os hell hounds do meu mundo e que esse devia ser o nome que usavam há muito tempo e contei sobre o Daemon também.
- E você não ficou com medo?
- Não, mas ele parecia que não ia nos atacar. Parecia confuso quando nos viu e foi embora.
- Ele não te machucou, certo?
- Como eu disse, ele só saiu, não parecia que queria me fazer mal.
- Estou falando do Black Dog. – O Black Dog o encarou e rosnou.
- Não, ele só estava com fome. Não é ruim. Você acha que o Daemon está perdido ou procurando um lugar para passar a noite?
- É possível. Você confiaria em um?
- Eu não confio em ninguém, mas posso dar o benefício da dúvida.
- Você é mesmo excepcional.
- Falo para a Miiko?
- Não sei se é uma boa ideia. Principalmente depois do estado em que encontrou Nevra. Deixe-me cuidar do assunto.
Apenas concordei e levei o Black Dog ao meu quarto. Os mascotes o estranharam. Crownin deu um olhar de assassinato a ele, Plum encheu os pulmões e tentou bancar o valente para enfrentá-lo, mas sem sair de perto dos outros, e Gronk apenas estalou os dedos. Tive que tranquilizá-los para não rolar um UFC de mascotes ou um Mascote Kombat. Entrei novamente no limiar.
- Você tem um nome?
- Nada que você consiga pronunciar.
- Então acho que tenho que te dar um. O que acha de Shadow?
- Não.
- Trevor?
- Nem pensar.
- Smoke.
- Não tem um nome que não tenha a ver com trevas ou fumaça?!
- Raum, o que acha de Raum?
- Raum. Gosto como soa.
- Então vou te chamar de Raum.
- O que quer dizer Raum?
- É o nome de um demônio, o demônio dos segredos. – E o demônio que está no braço do Swain em LOL, Yuna também é cultura.
- Você me deu um nome de um Daemon?!
- Você gostou como soa, então vai ser Raum.
- Nem pensar, troque esse nome!
- Não dá, agora só consigo pensar em nomes de demônios.
- HUMANAAAAA!
Comecei a rir. Me apresentei devidamente e apresentei os outros mascotes. No dia seguinte, os mascotes ainda o evitavam, mas pelo menos ele não tinha devorado nenhum. Segui minha rotina normalmente, afinal, Nevra ainda dormia e o QG inteiro estava na porta da enfermaria. Encontrei com Dagma vindo me perguntar sobre os boatos. Fomos conversar no meu quarto, ela quase teve um treco quando viu o Raum. Expliquei a ela o que tinha acontecido, mas achei melhor não falar do Daemon para não causar mais espanto. Ela já estava sofrendo demais desde que soube da real missão do Nevra.
- É culpa minha.
- Para de falar isso, eles teriam que fazer essa missão uma hora ou outra. Isso teria acontecido mesmo se não tive ido ver a sua mãe.
- Você acha?
- Acho. Nós o achamos a tempo, ele vai ficar bem.
- Espero que sim, mas por que ele não se refugiou em uma cidade e enviou um pedido de ajuda?
- Ele deve ter seus motivos e só vamos saber quando acordar.
Demorou dois dias até vir a notícia de que ele tinha acordado se espalhou, eu sugeri a Dagma levarmos Raum até a enfermaria. Dagma achou um absurdo, mas caguei para ela. Raum abriu caminho por entre a muiltidão só com sua presença. Dagma acabou vindo conosco, afinal, ela estava aflita e não precisaria lutar para chegar à enfermaria.
Na enfremaria, além de Ewelein, estavam Karenn, Ezarel, Valkyon, Leiftan, Jamon e Miiko. Todo mundo ficou surpreso quando viu o Black Dog, tirando o Leiftan e a Ewelein que já sabiam.
- Mas o que significa isso?! – Perguntou Miiko puta da vida.
- Esse é o Raum.
- Raum? – Perguntou Valkyon tentando processar.
- É o nome de um demônio.
- Você deu o nome de um Daemon para um Black Dog?! – Gritaram Miiko e Ezarel chocados.
- Ele gostou. – Raum resmungou. – Reclama não que você disse que soava bem.
- Você é inacreditável!
- Nem venham reclamar porque ele quem achou o Nevra e trouxe ele para cá. Então agradeçam a ele. – Deu bug mental nos membros da guarda.
- Raum salvar Nevra? – Jamon perguntou ainda em choque.
- Sim. Por falar nisso, como você está, cabaré ambulante?
- Hei! – Reclamou Nevra. – Eu estou hospitalizado, você nem liga para o meu sofrimento. Nem para me dar um beijinho de boas-vindas.
- Ele está bem. – Dissemos eu, Miiko, Ezarel e Valkyon ao mesmo tempo.
- Ele ainda vai precisar ficar de cama por um bom tempo. – Disse Ewelein. – Pelo estado das suas feridas, você teve sorte. Por que você não parou em uma vila e pediu ajuda?
- É complicado.
- Fico feliz que esteja bem. – Disse Dagma.
- E eu que esteja aqui. Que todos estejam aqui. – O Black Dog resmungou. – E obrigado, Raum. Como vocês me acharam?
- Raum estava com fome e iria te devorar, mas convenci ele a ficar com a gente e a te carregar até aqui.
- É O QUE?!
Eu, Valkyon e Ezarel começamos a rir e Miiko não ficou atrás. Tivemos que sair, pois o Nevra precisava descansar. Voltei à minha rotina, porém resolvi tirar o dia para treinar os mascotes. Gronk tinha virado meu parceiro de luta, Spider estava a um passo de se tornar um arrombador profissional e os outros davam o seu melhor. Sobreviver ao Gronk não era a coisa mais fácil do mundo, afinal ele era feito de pedra e tinha aprendido o Hulk Esmaga. Eu tinha que fugir dele usando minhas habilidades para não morrer, pois um soco dele era um osso quebrado.
Valentine surgiu entre os arbustos com uma mensagem. Achei que fosse de Dagma, mas era de Ezarel me pedindo para que fosse ao quarto de Nevra durante à noite quando todos estivessem dormindo. Estranhei, mas aí eu lembrei da missão dele com os templários e com certeza Nevra tinha algo para falar.
À noite eu fui ao quarto dele quando todos estavam dormindo. Ezarel, Valkyon, Dagma e Leiftan já estavam lá. Nevra estava na cama e cheio de ataduras, ele não sairia de lá tão cedo. Eu tenho impressão de estar fazendo parte de uma seita secreta.
- Ótimo, a atrasada chegou. – Disse Ezarel. – Você pode nos contar o que descobriu?
- É pior do que eu imaginava. Vocês vão querer se sentar.
Nos sentamos na cama dele e Nevra começou a nos dizer como foi que ele entrou na fortaleza e como ela era por dentro. Ele também nos disse que algumas aldeias e vilarejos mantinham uma espécie de relação mútua com os templários, o que deixou todos de cabelo em pé.
- Você tem certeza? – Perguntou Valkyon.
- Mas por que os faeries fariam algo assim?! – Perguntou Ezarel.
- Os recursos são escassos e os templários desenvolveram meios de plantio que conseguem alimentá-los e oferecem proteção, em troca eles fornecem informações e tributos. Eu sei disso porque eles estão tendo problemas com salteadores roubando as plantações.
- O que mais você descobriu? – Leiftan quem perguntou.
- Muita coisa, os arquivos deles são bem organizados. Eles até têm gente que transcrevem os manuscritos antigos em livros novos.
- Os monges copistas? – Falei atraindo atenção de todos. – Eu lembro disso na escola. Foi assim que muitos textos da antiguidade sobreviveram. Sem contar os que foram queimados.
- Por que fariam isso?
- Longa história e não me lembro bem. Tinha um professor na faculdade que era medievalista e saberia explicar muitas coisas da Idade Média.
- Eu tenho tantas perguntas, mas vamos voltar o foco para mim. – Disse o vampiro. – Eu descobri que o clã Haugen é um dos clãs mais importantes entre eles, inclusive o grão-mestre é desse clã.
- Isso significa que ele e Dagma podem ser parentes? – Leiftan voltou a perguntar.
- Pior. – Ele olhou para Dagma e segurou sua mão e começou a acariciá-la. – Eu não sei como te dizer isso de forma mais amena. Dagma, ele é o seu avô.
Os rostos de todos no recinto se tornaram verdadeiras máscaras de horror. Todos estavam paralisados sem saber como reagir àquela bomba. Pelo que entendi, ela é neta de um dos maiores inimigos deles, mas isso deveria fazer diferença? Afinal, todos nós sabemos e concordamos que ela não tem nada a ver com eles.
- O que mais, Nevra? – Decidi me pronunciar. – Tem mais alguma coisa nessa história que precisamos saber?
- Tem muita coisa. – Ele respirou fundo, tentando encontrar as palavras certas. – Há muitas coisas nessa história que são estranhas. Eu não sei por onde começar.
- Como era a minha mãe? – Dagma reuniu coragem para perguntar.
- Pelo que eu li foi uma das espadachins mais habilidosas e mais temidas da época. Ela enfrentou uma legião de faeries com poucos homens e conseguiu dizimá-la. Ela deu muitos problemas à guarda no seu tempo e olha que ela morreu aos 21 anos.
- Vite e um?! – Exclamamos nós duas sem acreditar.
- Isso é menos que a idade de qualquer um neste recinto. – Pronunciou Valkyon.
- Tem um retrato dela em algum lugar da minha bolsa. Eu o guardei por precaução.
Demos ao Nevra para que ele pudesse procurá-lo. Quando o encontrou, ele o deu diretamente à Dagma. Era uma mulher loira de olho azul com o olhar determinado e o cabelo preso em uma trança. Ela era super parecida com a Dagma, tirando a cor do cabelo e dos olhos. Uma coisa que pude notar era que apesar de velho, a borda estava rasgada.
- Ele está rasgado. – Comentei.
- Nas famílias mais nobres, quando alguém “morre” para aquela família, eles cobrem todos os retratos ou rasgam, como se tentassem apagar a vergonha que aquela pessoa trouxe.
A voz dele estava mais solene e até trazia mágoa. Também não pude deixar de notar o olhar que Ezarel tinha, um olhar triste e melancólico como se entendesse perfeitamente o que Nevra sentia ao falar do retrato. E pensar que na Terra a gente deleta e rasga fotos do ex.
- Mas não é isso que é estranho. Os templários tinham uma base não muito longe da vila das ninfas.
Nevra nos contou detalhadamente o que tinha descoberto. A base incinerada, a investigação dos templários para saber o que tinha acontecido, o sumiço do corpo de Helga, tudo isso é um mistério sem pistas ou explicação. Nevra contou que pretendia ir até a antiga base e investigar por conta própria, mas ele foi descoberto, teve que fugir e foi alvejado.
- Essa história toda é muito estranha. – Disse Valkyon. – Não consigo pensar em um faerie que seria capaz algo assim. A verdade é que eu não faço ideia por onde começar.
- Os relatos das descrições dos sobreviventes também não ajudam. – Disse Ezarel. – Eu não sei o que fazer para convencer a Miiko que precisamos ir lá.
- E se a gente disser que a Dagma quer rever a mãe? – Perguntei. – Não seria totalmente mentira. Ou a gente inventa que ela está passando mal e precisamos ir.
- Não seria uma ideia ruim. – Disse Leiftan. – No entanto, não acho que a Miiko mandaria a mim ou aos chefes da guarda por esse motivo. Também temos que levar em consideração que se passaram 23 anos, nossa busca pode ser inútil.
- Leiftan está certo. – Tornou a dizer Valkyon. – Podemos não encontrar informações relevantes lá. Sem contar que o QG ficaria desprotegido durante nossa ida.
- O que acha, Dagma? – Perguntou Nevra. – Eu realmente queria ir até lá dar uma olhada.
- Eu não sei o que pensar. Eu só quero que isso acabe. – Sua voz era fraca, não era difícil perceber que ela estava se esforçando para não chorar. – Posso ficar com isso?
- Claro. Eu peguei para você.
- Obrigada.
Ela simplesmente se levantou e saiu do quarto. Fiz sinal que cuidaria disso e fui atrás dela. Eu a encontrei no corredor e acariciei suas costas. Achei melhor conduzi-la ao meu quarto. Ela segurava o retrato com força.
- Então, como está lidando com essa situação?
- Como você acha?! Você acha que é fácil ouvir tudo aquilo?!
- Eu sei que é uma pergunta idiota, mas às vezes tudo que a gente precisa é gritar e brigar com alguém. – Era isso que os deuses faziam comigo e eu tinha aprendido ao longo da vida sem perceber. – Então se precisar gritar comigo, faça isso. Faz bem colocar tudo para fora.
Ela só ajoelhou no chão e começou a chorar compulsivamente. Não posso julgá-la, fiquei transtornada quando descobri ser faeliana e uma descoberta dessas não é fácil digerir. E também tem o fator órfão também. Descobrir qualquer coisa dos pais biológicos é um baque e ela ter sido adotada torna tudo mais complicado. Tudo que eu pude fazer foi consolá-la e esperar que ela se acalmasse.
- Eu quero te mostrar uma coisa.
Fui até os meus pertences e peguei a minha carteira. Dagma se aproximou já mais calma. Eu peguei a foto de uma mulher asiática com o cabelo preto e os olhos castanhos, os olhos bem mais puxados que os meus. Ela estava sorrindo entre outras três mulheres enquanto erguia uma garrafa de champanhe em pleno ano novo.
- O que é isso?
- É uma foto. É tipo um retrato, só que a gente faz de outra forma.
- Quem são essas pessoas?
- A asiática é a minha mãe e as outras eram amigas dela. O nome dela era Meifeng. O cabelo, não era preto de verdade, era igual o meu, mas ela odiava a cor dele e por isso pintava de preto.
- Ela era linda.
- Eu sei.
- Por que está me mostrando isso?
- Porque eu sei o quanto pode ser difícil desenterrar um passado que não é seu. A gente fica se perguntando o que teria acontecido e imaginando como as coisas poderiam ter sido diferentes. Mas às vezes a gente tem medo de mexer no passado e do que vai descobrir, medo de magoarmos alguém se fizermos isso.
- Você também não a conheceu. Como você conseguiu isso? E como sabia que ela pintava o cabelo?
- Elena fez uma pesquisa e encontrou uma amiga da minha mãe em Reims. Ela conseguiu o endereço e eu tive muito medo de ir até lá e desenterrar essa história. Não queria incomodar a mulher e nem sabia o que dizer, estava apavorada.
- Mas você foi mesmo assim.
- Eu só fui graças a ela, ao Felix e a Yuna, que quase me empurraram para dentro do trem. Os outros quiseram ir e por pouco foram, mas eu os convenci que tinham compromissos importantes e que não iria me perdoar se os faltassem. Eu só consegui passar por isso por causa deles e do Isaiah.
- Você tinha bons amigos.
- Você também tem. Pelo menos comigo você pode contar.
- Obrigada. É estranho como somos de mundos tão diferentes e ao mesmo tempo temos vidas tão parecidas.
- É verdade.
- Acha que foi por isso que o Oráculo nos escolheu?
- Acho que é uma puta sádica.
- Tingsi!
- Que é? Até os deuses são sádicos de vez em quando, por que a Oráculo não pode ser?
- Você não deveria dizer esse tipo de coisa.
- Eles sabem bem o que eu penso deles. – Fechei a boca e pensei: – Amo vocês, ok?
- Também te amamos sua quenga do cacete. – Escutei a serpente dizer, mas logo sua voz trocou para a tartaruga. – Por isso vai soltar duzentas flechas amanhã.
- Está pensando que eu sou o Rock Lee, é?!
- Tingsi?
- Desculpa, eu estava pensando em outra coisa. Por que não dorme aqui? Assim não vai precisar ficar sozinha.
- Gentileza sua, mas eu realmente preciso ficar sozinha e pensar um pouco.
- Ok.
- Tingsi, se não for pedir muito, você pode me treinar? Eu realmente quero fazer algo de útil ao invés de só ficar lamentando.
- Você não está só se lamentando, só está passando por uma fase difícil. Eu te treino, mas você vai ter que me ensinar alquimia.
- Combinado. – Seu rosto se iluminou.
- E também vai ter que fazer tudo que eu mandar, por mais absurdo que seja.
- Algo me diz que vou me arrepender disso.
- Em muitos momentos, mas vai valer a pena.
No dia seguinte, Dagma estava um pouco melhor. Embora fosse evidente que ela ainda sofresse, ela estava ansiosa pelo seu treinamento. Eu a levei até uma árvore bem robusta que eu costumava usar.
- Socar e chutar árvore?!
- É.
- Isso é bem estranho.
- Lembra do que eu te falei? Sem questionamentos. Agora, soca essa árvore!
E ela socou, mas parecia um bebê. Corrigi sua postura e pedi para que socasse mais forte e trocasse de mão. Não parecia estar levando a sério, na verdade era um exercício bem idiota, mas tinha fundamento.
- Por que eu tenho que fazer isso?
- Para ter controle dos seus golpes. Você tem que ter noção da intensidade do soco que vai dar. Se tiver que socar mais forte, soque mais forte. Se tiver que ser mais fraco, soque mais fraco. E outra, toda vez que você soca, você gasta energia. Você precisa dar um soco que seja efetivo, mas que gaste o mínimo de energia possível. Assim você demora a se cansar.
- Acho que entendi.
- Ótimo. Você também tem que revesar os punhos, pois isso vai te ajudar a trabalhar o movimento constante. Os dois punhos precisam ter a mesma intensidade, o que nos leva a outro fator, a velocidade. Você precisa revesar o mais rápido possível para não dar tempo do seu adversário revidar. Ou seja, você acaba trabalhando movimentos rápidos, precisos e constantes ao mesmo tempo.
Decidi mostrar como se fazia, então soquei a árvore com movimentos rápidos e constantes. Por fim dei um chute alto. Dagma estava impressionada, já eu estava orgulhosa.
- O chute precisa ser o mais alto que conseguir, rápido e forte. Não tente chutar com ponta do pé, você vai aplicar muita força e vai se machucar. Deixe isso para lutas reais, para a árvore você vai usar a canela por ser um osso mais duro. Também é bom revesar as pernas para treinar as duas.
E com isso ela passou o dia todo socando e chutando árvore. Em dado momento achei que estava bom e inventei de nos equilibrarmos por qualquer muro ou costas de qualquer banco que surgisse, afinal, Dagma também precisava treinar o equilíbrio. Xuanwu surgiu do nada.
- Oi, Xuanwu. Espero que não se incomode.
- Lecionar também é uma forma de aprendizado. Não há relação mais edificante que a de mestre e aprendiz.
- Foi mal não ter ido à terapia hoje. – Tinha que arrumar uma desculpa para sua aparição repentina.
- Não se preocupe com isso, eu tive com o que me ocupar. Olá Dagma, faz algum tempo que não a vejo.
- Olá, senhor. Deseja alguma coisa?
- Na verdade eu vim convidar Tingsi para almoçar comigo antes de iniciar seu treino com o arco. Pelo que me lembre, você ficou de atirar 200 flechas hoje.
- Me diz que é sacanagem sua.
- Gostaria de se juntar ao treino?
- Claro! Isso vai ser ótimo, Jamon me deu um arco depois que fui designada para uma guarda e ainda não tive oportunidade de treinar.
- Às vezes podemos criar nossas próprias oportunidades, mas preferimos criar desculpas.
- Ele é sempre assim? – Dagma sussurrou para mim.
- Não, tem vezes que ele é mais brisado.
- Brisado?
- Então, vamos comer?
Fomos almoçar e depois fomos treinar com o arco. Eu já estava bem avançada, eu tinha mais alvos para acertar além de desafios, como acertar alvos enquanto corro, atirar mais rápido, atirar enquanto desvio de um pato de borracha na minha direção. Xuanwu disse que quando eu ficasse melhor, ele atiraria em mim. Dagma estava iniciando, mas ela aprendia rápido, só precisava de prática.
===Leiftan===
- Dormiu bem?
- Como entrou no meu quarto?!
- A porta estava aberta.
Eu jurava que a tinha trancado. Desde que Xuanwu bateu à minha porta, ele vinha ao meu quarto para conversar comigo. Eu gostava de nossas conversas, embora eu não tivesse certeza se muitas das coisas que ele dizia fizessem sentido.
- Não poderia esperar até eu me alimentar e me vestir apropriadamente?
- Infelizmente minha agenda está cheia hoje e ao que parece, a sua também. Não se preocupe, trouxe chá e alguns biscoitos.
Olhei para os biscoitos de gengibre decorados de forma infantil com glacê colorido e para a xícara de chá verde. Me pergunto como ele convenceu Karuto a usar a cozinha tão cedo. Eu estava sem camisa alguma, me apressei em pegar outra no armário antes de começar a comer.
- Parece decepcionado.
- Tingsi quer voltar para a Terra, não importa o preço.
- Isso o incomoda?
- Eu não sei.
- Algumas pessoas só são felizes em sua terra natal, por mais dificuldades que passem.
- Ela me contou a mesma coisa. Eu deveria estar feliz, afinal ela me pouparia desse dilema infernal, mas eu não consigo.
- Dores emocionais tendem a ser piores que dores físicas. Cortes podem cicatrizar, ossos podem ser postos no lugar, mas traumas podem assombrá-lo até o fim dos seus dias, se não forem tratados, é claro.
- Você se tornou meu psicólogo, por que está me dizendo isso?
- Está fedendo a medo.
- Não foi isso que eu perguntei.
- Não quer dizer que eu esteja errado. O que te parece mais terrível: não ter seus sentimentos correspondidos ou descobrirem que você é um traidor e desapontar a todos que confiaram em você?
Um calafrio percorreu por minha espinha. Eu não tinha refletido sobre essa questão. Eu não podia deixar que ninguém descobrisse minhas reais intenções, principalmente Tingsi. Já basta o dano que Valkyon lhe causou. Lembrar do que aconteceu me entristece e se ela descobrir, irá me odiar e me usar como saco de pancadas.
- A verdade pode demorar anos, décadas, talvez séculos para emergir, mas sempre vem à tona. Pode ser da pior forma ou da menos pior. Pensando bem, pode não haver uma forma boa da verdade surgir. Ou pode?
- O que está tentando me dizer?
- Talvez você descubra se refletir bem. Nosso tempo terminou.
Ele era estranho. Apesar de ter minhas dúvidas se posso ou não confiar nele, sinto que ele tenta me ajudar mesmo divagando em nossas conversas. O resto do dia transcorreu normalmente, estive atolado de trabalho, mal consegui arrumar tempo para me encontrar com Ashkore. Contei sobre a missão de Nevra, obviamente omitindo toda e qualquer informação sobre Dagma.
- E você só me conta isso agora?!
- Essa missão apenas trouxe dor de cabeça. Tive que assumir o treinamento da Guarda Sombra na ausência de Nevra. Talvez seja melhor não execurtarmos nenhum plano por algum tempo.
- Está falando sério?! Eu estou pronto para agir. O que o deixou tão mole assim?
- Apenas estou cansado e estressado.
- Nesse caso....
Ele me empurrou contra uma árvore e ergueu a máscara para tomar meus lábios em um beijo feroz. Sua mão desceu até a minha virilha e a apertou, me fazendo soltar um gemido involuntário. Eu o empurrei para nos separarmos e me recompuz.
- Estou cansado demais para esse tipo de coisa.
- Desde Balenvia temos transado cada vez menos e desde que você voltou de missão com aquela ninfa, você tem estado estranho. Aconteceu alguma coisa entre você e aquela humana?
- Por que acha isso?
- Desde que ela chegou só tem trazido problemas. Não que eu esteja reclamando, mas você não é mais o mesmo.
- Talvez eu só esteja me cansando de suas atitudes e de sua irresponsabilidade. Preciso retornar, tenho muito trabalho pela frente.
Dei-lhe as costas e me pus a caminhar em direção ao QG. Quase perdi a compostura quando encontrei Xuanwu pelo caminho.
- O que faz aqui?!
- Apenas procurava algumas ervas, mas acho que me perdi, meditei, perdi a noção do tempo, vi dois animais prestes a acasalar, mas não foi dessa vez. Está com o semblante terrível.
- Eu sei, eu só...! O que está acontecendo comigo?!
- Você sabe o que está acontecendo, só não quer admitir.
- E o que você quer que eu faça? Que eu grite para todos que estou apaixonado por uma humana?
- Faeliana. Tem medo do sim ou do não?
- Perdão?
- Sabe, uma rejeição não é tão ruim quanto as pessoas pensam, ela é o encerramento de um ciclo e uma oportunidade de aprendizado, além do início de um processo de cura. Uma aceitação não é tão boa quanto as pessoas pensam, pois um relacionamento requer maturidade que nem todos estão preparados para assumir. Agora uma indecisão, esta é um câncer que suga sua vida e te priva de inúmeras possibilidades. Você pensa como as coisas poderiam ter sido e continua alimentando este pavor crescente. É aqui que nossos caminhos se separam.
Ele foi para o outro lado, me deixando sozinho com meus pensamentos. Eu nunca conheci um homem tão estranho que colocasse tantas dúvidas em minha mente e ao mesmo tempo as sanasse. Espere, ele disse que viu dois animais prestes a acasalar, mas não há qualquer mascote por perto, será que ele estava falando de mim e de Ashkore? Mas que ousadia!
Resolvi ir até o refeitório comer alguma coisa, pois era noite e eu não havia comido durante o dia inteiro. Encontrei Tingsi sentada na mesma mesa que Dagma, Karenn, Alajéa, Colaia, Caméria e Chrome. Me sentei em uma mesa próxima para ouvir a conversa. Dagma parecia estar com os músculos doloridos.
- Aconteceu algo? – Perguntei.
- Os treinos da Tingsi e de Xuanwu.
- Você treinou com o homem de preto?! – Perguntou Karenn tirando as palavras de minha boca.
- Ele resolveu orientar nós duas com arco e flecha. Tingsi é boa nisso.
- É muito treino.
- Quando for assim, treine comigo também. – Ofereceu Caméria. – Nós da Obsidiana temos que nos ajudar.
- Prefiro treinar sozinha, sinto que tenho melhor resultado.
- Também, Xuanwu te fez atirar 200 flechas de várias maneiras.
- Já estou acostumada.
Duzentas flechas? Xuanwu parece ser bem rigoroso. Preferi terminar de comer e quando saí da despensa, Tingsi veio até mim.
- Está tudo bem? Você está com uma cara horrível.
- Sim, não se preocupe. Apenas estou exausto.
- É essa história toda, não é? – Ela sussurrou para que somente eu ouvisse.
- Sim.
- Quer conversar?
- Honestamente prefiro não tocar mais neste assunto. Entretanto eu gostaria de estar na sua companhia esta noite.
- Você quer transar, né? – Corei até a raiz dos cabelos, que raios de pergunta é essa?!
- Não, digo, não que eu não te ache atraente, é só....
- Não tem problema. Eu disse que não estava procurando relacionamento. Não sabia que você era tão puritano assim. – Sorri perante a provocação.
- Talvez eu tenha sido corrompido pelo chá de alguma faeliana.
- E foi o chá que te tornou um Nevra 2.0. O fato de você ter ficado sem camisa o tempo todo enquanto eu estava no seu quarto não tem nada a ver.
- Você notou? – Provoquei. – No entanto não foi planejado, eu estava exausto demais para pensar em procurar uma camisa, assim como estou exausto demais para qualquer atividade sexual.
- Então você só quer alguém para conversar sobre qualquer coisa e distrair a cabeça.
- Exatamente.
- Certo, eu posso te encontrar no seu quarto mais tarde.
- Obrigado.
Durante meu banho refleti sobre tudo que tinha acontecido e sobre o convite que tinha feito. Chega a ser paradoxal que a razão de meus problemas também seja a única pessoa que me distraia deles. Tingsi é realmente especial. Xuanwu está certo, estou apavorado.
===Nevra===
Desde que acordei na enfermaria, fiquei pensando em como daria a notícia à Dagma. Não havia maneira fácil. Quando fui levado ao meu quarto e chamei todos os envolvidos. Não escondi nada deles, mas o olhar de Dagma me deixou aflito. Era visível que estava sofrendo.
“Ações têm consequências e muitas vezes podem ser desastrosas”, as palavras de Zhuniao não saem de minha cabeça e eu tenho que admitir que ele está certo. Dagma está passando por um período difícil e o que eu descobri pode ter piorado as coisas. Eu queria me levantar e dizer que está tudo bem, mas ainda precisava de repouso. Também, se a Miiko me vir fora da cama vai pedir meu relatório. Eu ainda preciso fazer esse maldito relatório e dar um jeito de não ligá-lo a Dagma.
Peguei o que tinha escrito e tentei reler seu conteúdo, mas a missão parecia mais difícil do que adentrar na fortaleza. Escondi os papéis quando escutei a maçaneta girar. O homem de preto entrou no meu quarto com seus olhos afiados. Por incrível que pareça, Shaitan não avançou nele, apenas pediu carinho.
- O que faz no meu quarto?
- Apenas trabalhando como psicólogo em tempo integral.
- Acho que errou de quarto. O da Tingsi....
- Eu sei onde é e não errei de quarto, apenas sou mais necessário aqui.
- Hei, eu não preciso de psicólogo.
- Todos que dizem isso estão apenas mentindo para si mesmos.
Ele trouxe a poltrona para perto da cama e se sentou como se nada tivesse acontecido. Shaitan apenas o acompanhou. Eu o olhei incrédulo. Seus olhos não estavam mais afiados e sim gentis.
- Problemas com o seu relatório?
- Eu posso lidar com ele.
- Mas não com o que está tomando conta dos seus pensamentos. Deixe-me adivinhar, tem a ver com uma garota. Cabelos ruivos e ondulados, olhos alaranjados....
- Como você sabe?!
- Para o chefe da Sombra, você não é muito bom em esconder suas emoções. O que o incomoda tanto?
- Isso é particular.
- Ora, Nevra, nada do que escreverá em seu relatório é novidade para mim.
Meu sangue gelou. Então ele sabia?! Pensando melhor, foi ele quem causou essa confusão toda, mas por quê?
- As paredes têm ouvidos e você como chefe da Sombra sabe muito bem o que é um agente duplo.
- Você está com Ashkore?!
- Garanto que é mais fácil você virar celibatário do que isso acontecer.
- Hei!
- Mas estamos aqui para falar de seus problemas emocionais e não sexuais.
- Já entendi! Pode parar com isso agora?! – Ele sorriu divertido, ah se eu não tivesse que ficar na cama por ordens médicas. – O que você quer que eu fale?
- Que tal comerçarmos por sua relação com Dagma. Vocês se tornaram bons amigos em pouco tempo, não?
- Sim.
- A raça dela é um problema para você?
- Não, nenhum problema. Eu só fiquei surpreso com a descoberta, mas isso não muda em nada a nossa amizade.
- Então, o que o incomoda? – Fiquei em silêncio antes de responder:
- Quando eu estava na fortaleza dos templários, todos os retratos de Helga estavam cortados ou com o rosto queimado, mas havia uma foto guardada na cabeceira do grão-mestre. Isso me fez pensar em casa.
- Está indo bem. Por quê?
- Porque eu também fugi. Provavelmente meus pais fizeram o mesmo com todos os meus retratos. Eu devo estar morto para eles.
- Deve ter tido seus motivos para fugir.
- Sim, eu tive. O retrato que achei na cabeceira não foi destruído, o que é estranho.
- Talvez ele se arrependa da decisão que tomou.
- O grão-mestre dos templários? Eu duvido.
- O que o faz pensar nisso?
- Homens como ele se preocupam demais com a reputação do seu clã e são capazes de qualquer coisa para mantê-la.
- Estamos falando do grão-mestre dos templários ou do seu pai?
Não pude evitar a surpresa, provavelmente minha boca deve estar aberta. Eu não sabia o que responder.
- Não posso culpá-lo por se sentir assim ou mesclar ambos os assuntos, mas não foi por isso que você quis aceitar esta missão.
- Eu aceitei porque alguém precisava fazer. – As palavras fluíram naturalmente.
- É o que está dizendo, mas é o que você realmente quer dizer? Qual é o seu maior medo no momento?
- Eu não estou com medo!
- Nem mesmo de ter piorado as coisas para sua amiga? – Não pude evitar ficar surpreso. – Não se preocupe com coisas que estão além do seu controle, poderia ter sido muito pior. Você sequer sabe a opinião dela sobre o assunto.
Ele simplesmente se levantou e se encaminhou para a porta sem dizer mais nada.
- Você já vai?!
- Claro. Ainda tenho um elfo e um “faeliano” para consultar.
Fiquei meia hora tentando entender o que ele queria dizer. Xuanwu era um homem curioso, meio doido das ideias, mas ele não parece ser ruim, apesar de conseguir informações melhor do que eu. Fiquei refletindo sobre a consulta que tive. Eu falei mais do que deveria. Voltei a minha atenção ao relatório, achei melhor fazer um rascunho. Uma coisa é certa: preciso conversar com Dagma. Achei melhor mandar um bilhete por Shaitan.
Chapter 34: Capítulo 34
Notes:
Acabei tendo alguns contratempos, por isso demorei a postar. Essa semana foi bem corrida para mim, mas não desanimem, pois os capítulos da primeira temporada estão todos prontinhos e vão continuar saindo. =D
Chapter Text
===Tingsi===
Mais tarde naquela noite eu iria ao quarto de Leiftan. Os mascotes ainda estavam receosos quanto a Raum, mas ele me garantiu que não comeria ninguém. Espiei o corredor para ver se tinha alguém, afinal, se me vissem entrando no quarto dele poderia dar ruim. Tive uma ideia muito louca. Coloquei a longa camisola branca de manga de princesa que tinha comprado quando cheguei aqui. Deixei o cabelo todo solto, fiquei descalça, abri a janela e banquei a Amy Lee em Bring Me To Life de novo. Eu até cantei enquanto minha camisola esvoaçava ao vento.
Fui até a janela dele e espiei. Leiftan estava lendo um livro em sua poltrona com Amaya no colo. Ela olhou na minha direção e começou a rosnar. Ele não pareceu entender, então bati na janela. Assim que ele me viu, não sei se ficou surpreso ou horrorizado, talvez os dois. Ele veio correndo abrir a janela.
- O que pensa que está fazendo?!
- Vim te ver, como combinamos.
- Por favor, entre imediatamente.
Eu não entrei, ao invés disso segurei-o nos ombros. Ele abraçou minha cintura e me pôs para dentro. Demourou algum tempo para que me soltasse. Ao olhar seu rosto, percebi que estava preocupado. Senti uma pontada de culpa.
- Por favor, não faça mais isso.
- Desculpa.
- Você está usando a mesma camisola daquela fatídica noite.
- Leiftan, desculpa, eu não fiz por mal. Eu não queria te deixar triste.
Ele suspirou mais aliviado e abriu um pequeno sorriso. Um sorriso que aliviou a culpa que eu estava sentindo.
- Apenas tome mais cuidado, está bem?
- Pode deixar que eu não ando em dias de chuva e o meu equilíbrio é bom.
- Eu sei, mas não deixo de me preocupar com sua segurança.
Sua mão estava em meu rosto, o acariciando e escovando meu cabelo. Um arrepio percorreu minha espinha e senti meu rosto esquentar. Meu coração acelerou e não pude evitar olhar para os lábios dele, lentamente se aproximando.
- Então, sobre o que estava lendo? – Resolvi mudar de assunto antes que aquilo fosse longe demais.
- Nada demais, acho que não vai se interessar. Ele rapidamente pegou o livro e o escondeu.
- É algum romance erótico?
- É Crepúsculo! – Sua voz saiu mais alta do que deveria.
- Não acredito que você gosta dessa merda.
- Eu nunca li. Fiquei curioso e peguei para ler.
Achei estranho. Algo me dizia que ele não estava sendo honesto comigo. Deve estar lendo pornô ou alguma coisa cabulosa. Melhor deixar para lá, pelo menos por enquanto.
- Fico espantada que você tenha algum tempo livre para ler.
- Eu sempre consigo algum tempo para a leitura. Ler me ajuda a relaxar e a esquecer um pouco da realidade.
- Qual o seu tipo de livro preferido?
- Não negarei, eu gosto de livros de romance, mas também tenho uma queda por livros de mistério. E os seus gostos literários?
- Eu gosto de livros de aventura, mistério e literatura infanto-juvenil.
- Literatura infanto-juvenil?
- É porque você nunca leu Harry Potter.
- Sobre o que é esse livro?
- São sete livros. É a história de um garoto que sobreviveu a uma tragédia e foi entregue para morar com os tios. Só que os tios eram muito filhos da puta com ele, ele até dormia no armário debaixo da escada. Aí um dia ele descobre que é um bruxo e é convidado a estudar em uma escola de magia, bem, o resto você vai ter que ler.
- Entendo. Você não teria uma cópia desses livros com você, teria?
- Não, mas eu tenho uma edição dos contos e poemas do Poe.
- Poe?
- Edgar Allan Poe, ele é o pai do terror e do suspense, mas também é o precursor dos romances policiais. Eu posso pegar no meu quarto, se quiser.
- Seria ótimo, mas acho melhor usar a porta dessa vez.
Saí pela porta e voltei ao meu quarto só para pegar o livro, aproveitei para pegar Heresia também. Retornei ao quarto de Leiftan e entreguei os livros para que pudesse analisá-los.
- O que achou?
- Parecem ótimos. Este outro está escrito que é um suspense histórico.
- É sim. É aquele que eu te falei quando conversamos sobre aengels e daemons.
Ele ficou um bom tempo folheando os livros enquanto eu explorava o quarto dele. O teto era pintado de forma que parecesse o céu noturno, havia grama, um bonsai, uma espécie de piscina rasa correndo e um arco com as fases da lua. Não consegui tirar meus olhos dali. Havia uma sensação pacífica e quase familiar naquele quarto.
- Está tudo bem?
- Eu só estava admirando o seu quarto. Não consigo dizer o que mais gostei.
- Fico lisonjeado. Devolverei seus livros quando terminar.
- Não tem problema.
- Está com fome?
- Não, mas se tiver alguma coisa para beliscar, seria ótimo.
- Tenho alguns caramelos que ganhei. Aceitaria um?
- Claro.
Ele pegou um pacote com caramelo de flor de sal que eu comia muito na Terra. Aquilo era uma delícia, eu comi com gosto.
- Não sabia que gostava desses caramelos.
- Adoro. Eu tinha que escondê-los no orfanato. Quando eu era adolescente, Isaiah sempre comprava um saco desses. A gente ia para o terraço da escola ou de um prédio e ficava até tarde jogando conversa fora e comendo caramelo com flor de sal. A gente fazia tudo junto. Sinto falta dele. – Meu coração se apertou ao me lembrar do meu antigo melhor amigo.
- Desculpe perguntar, mas ele era o seu namorado?
- Ah, não, ele era o meu melhor amigo e também foi ele que me ensinou a arrombar fechaduras. – Por um instante achei que Leiftan iria ter um piripaque do Chaves. – Adolescência conturbada, não pergunte como não fui presa.
- Posso imaginar. Sua vida parecia ser muito agitada.
- E era. E a sua? Você aprontava quando mais novo?
- Não tanto quanto você, eu garanto.
- Ah, que isso. Você já deve ter feito alguma merda.
- Eu não gosto muito de falar sobre o passado. Prefiro me contentar com pequenos momentos do presente.
Sua mão voltou a acariciar o meu rosto e ele me beijou. Meu coração disparou e eu senti meu rosto arder. Leiftan me puxou de encontrou ao seu corpo. Passei minha mão pela sua barriga, o fazendo estremecer. Subi sua blusa sem dificuldade e a retirei. O corpo do lorialet era lindo à luz da lua, seus olhos verdes estavam mais brilhantes, era encantador.
Ele me deitou delicadamente na cama e começou a subir minha camisola. Não demorou a tirá-la. Aproveitei que nos separamos por um breve momento para arriar as calças dele junto com a cueca e me ajoelhar no chão. Acariciei suas bolas e às vezes lambia seu pênis só por provocação. Coloquei na boca e comecei a chupar, fazendo ele gemer. Leiftan agarrou meu cabelo para comandar. Ao sentir o gosto do pré-gozo, eu o empurrei e sentei na cama.
- Você pode estar pronto, mas eu ainda não.
Leiftan deu um sorriso sacana antes de tirar a minha calcinha e e colocar dois dedos dentro de mim, os movendo devagar para aumentar a tortura. Tive que rebolar o quadril de encontro a ele. Parei de me movimentar e puxei sua mão para fora de mim. Ele me olhou confuso, mas logo vi um sorriso malicioso se desenhar em seu rosto quando pedi para que me chupasse.
Estremeci quando sua língua encostou na minha vagina. Ele me torturou por algum tempo antes de começar a me chupar. Se existia um céu, eu estava nele. Não demorei a agarrar seu cabelo para que ele fosse mais fundo. Leiftan me empurrou da mesma forma que fiz com ele apenas para se posicionar na minha entrada.
Envolvi minhas pernas em sua cintura enquanto ele me estocava. Ele também beijava meu pescoço e meus seios enquanto eu arranhava suas costas. Consegui empurrá-lo para o lado, só que a gente caiu da cama e ele deu com a bunda na água. Segurei seus ombros enquanto quicava nele. Leiftan segurou minha bunda para me ajudar nas quicadas. A gente se beijou, mas não era um beijo sedento, havia luxúria e certa ternura naquele beijo. Não demoramos a atingir o orgasmo. Saí de cima dele e sentei na beira do laguinho particular dele para recobrar a respiração.
Com a respiração recobrada, Leiftan disse que podíamos usar aquela água para nos refrescarmos e nos lavarmos. Me poupou de uma ida ao banheiro. Nos vestimos, sendo que ele só pôs a cueca, e quando eu iria abrir a porta, ele pegou a minha mão.
- Fique comigo esta noite. Por favor.
- Eu não sei se é uma boa ideia. Não quero atrapalhar.
- Você nunca me atrapalharia.
Seu polegar contornava meus dedos em uma carícia. Eu tinha a impressão que estava cometendo um grande erro. Minha vida era toda errada mesmo.
- Tudo bem.
Ele me conduziu até sua cama e nos deitamos. Leiftan ficou me fazendo carinho. Era uma sensação tão agradável. Encostei a cabeça em seu peito apenas apreciando a sensação e o momento. Fui adormecendo aos poucos.
Acordei no dia seguinte com uma bela visão do cu da Amaya. Empurrei a mascote e comecei a xingar um monte. Leiftan acordou logo em seguida.
- O que aconteceu?
- Amaya dormiu com o cu na minha cara. – Ele começou a ter um ataque de riso. – Ri não, caralho!
- Desculpe-me, mas não consigo evitar.
- É bom você passar mais tempo com ela antes que eu torne Crownin meu segurança particular.
- Sendo otimista, ela não fez xixi em você.
- Porque eu dormi em cima de você, senão estaríamos os dois mijados.
Saí do quarto pela porta e voltei ao meu. Fiquei surpresa ao encontrar Jinp dormindo aconchegado no Raum. O Jimpiku parecia não ter medo dele. Voltei à minha rotina de treinos com os avatares. Qinglong apareceu com uma katana e variações dela, Baihu com uma guan dao antiga, Zhuniao trouxe um par de sai, já Xuanwu surgiu com dois chicotes, um de couro e um que tinha uma longa corrente.
- Novas armas para aprender?
- Você ainda não está pronta para a guan dao. – Declarou o tigre. – Vai precisar treinar a lança mais um pouco.
- Entretanto você está apta para aprender o sai. – Disse Zhuniao.
- Também treinará o chicote e o chicote corrente. – Declarou Xuanwu.
- Não podemos esquecer da katana e de outras lâminas mais longas e mais curtas. – Disse Qinglong. – Preciso que tenha alguma familiaridade com elas antes de passarmos para as espadas de duas mãos. Serei o último a finalizar o seu treinamento.
- Não têm mais armas para me ensinar?
- Nós te ensinamos tudo que você precisa saber. – Disse o pássaro. – Qinglong e eu ficaremos mais algum tempo contigo, pois você ainda precisa dançar no lago e eu preciso voltar a trabalhar sua parte espiritual.
- Isso quer dizer que...?
- Assim que terminarmos os fundamentos dessas armas, você seguirá sozinha. – Anunciou a tartaruga. – Precisa encontrar seu caminho sem nós.
- Mas então, não vou mais ver vocês?
- Claro que vai. – Disse o tigre. – Vê se aparece para nos visitar mais vezes. Adoramos te ter no mundo espiritual.
- Mas isso não quer dizer que estará livre da terapia. – Era a voz da serpente.
- Claro que não. Adoro nossos jogos e nossas conversas. Eu não sei como agradecer a vocês.
- Pode começando por fazer aquela lasanha. – Tornou a dizer o tigre.
- Baihu! – Repreendeu o pássaro.
- Que foi? Fiquei com vontade.
Qinglong e Xuanwu apenas riram e começamos a treinar. Fiquei um pouco triste com a notícia, mas eu sempre poderia visitá-los. Depois do treino, tive que ir até a cozinha fazer a bendita lasanha. Tive que prometer um pedaço para o Karuto para ele me deixar fazer o prato. O cheiro ia longe, claro que iria atrair um monte de gente feito moscas. Eu só fiz para Baihu e o Karuto, já que os outros deuses não nos seguiram. Preferi comer algo diferente. Baihu pediu uma jarra de vinho daqueles dos dramas enquanto comia com gosto, claro que eu o acompanhei. Ô vinho forte.
- Ah, Valkyon, sente-se conosco.
Eu não o teria visto se não fosse por Baihu. Na verdade, faz algum tempo que eu não o vejo. Ele aceitou o convite mesmo que contrariado. Decidi quebrar o gelo.
- Faz tempo que não te vejo.
- Eu tenho estado ocupado.
- Com Xuanwu, eu presumo. – Comentou Baihu. – Estava mais que na hora de algumas pessoas fazerem terapia. Não digo de forma pejorativa, todo mundo precisa de terapia, alguns mais do que outros.
- Até Ashkore? – Perguntei e ele bufou.
- Deveria, mas se nem Qinglong conseguiu botar juízo na cabeça dele, não é Xuanwu que vai.
- Qinglong conhece Ashkore? – Perguntou Valkyon.
- Ele tentou dialogar com ele, mas aquele lá é só desgosto. Às vezes eu tenho pena do meu irmão. E quanto a você, Valkyon, soube tem treinado muito desde nosso último encontro.
- Sim, eu treinei.
- Vocês treinaram juntos?! – Perguntei de boca aberta. – Você deve ter ficado dolorido o dia todo!
- Não, foi só uma luta.
- Baihu pegou leve com você?!
- Queria que eu tivesse descido o cacete nele?
- Não, mas você não pega leve comigo.
- Você precisa da minha ajuda, ele não.
- Vocês treinam juntos? – Valkyon perguntou surpreso.
- Claro. Como disse, ela precisa da minha ajuda, você não. É um guerreiro formidável, Valkyon, já ela só está tentando sobreviver ao seu mundo.
Baihu terminou de comer, se despediu de nós e saiu. Valkyon parecia meio chateado.
- Baihu pode parecer rude, mas ele é só honesto e direto.
- Percebi.
- Qual é o problema?
- Você disse que ele foi brando comigo. Fico pensando em como ele deve ser com você.
- É do tipo que eu mal sinto meu corpo depois de treinar, mas acabei pegando o jeito. – Ele não parecia mais tranquilo. – Isso te incomoda?
- Poderia ter pedido a minha ajuda.
- E eu pedi no primeiro dia. Lembra que eu bati de frente com você e você me apresentou ao Valarian?
- Claro.
- Vou nessa, fiquei de treinar a Dagma hoje.
- Você a está treinando?
- Sim, isso meio que está ajudando ela a lidar com essa merda toda.
- Tingsi, você está livre esta noite?
- Sim, por quê?
- Gostaria de encontrá-la hoje.
- Beleza. Essa noite no seu quarto então.
- No meu quarto?
- Onde mais seria? Te vejo mais tarde.
Saí de lá e fui caçar Dagma. Assim que achei, fomos treinar. O bom é que o treinamento ajudava ela a ocupar a cabeça e me ajudava a parar de pensar na noite de ontem. Não só nela, mas em todo tempo que passei com Leiftan. Achei que seria só mais uma noite, o problema é que acabei me deixando me envolver demais. Melhor não pensar nisso e focar no treino.
Dagma aprendia rápido e podia fazer poções para a dor muscular. Ela só tinha dificuldade no equilíbrio. Eu a ensinei a fazer taichi, talvez isso a ajude tanto no equilíbrio quanto nos golpes.
Quando a noite chegou, fui comer algo e tomar banho para me encontrar com Valkyon. Estava pensando no que vestir, mas optei pela camisola cobalto, já que a branca eu tinha posto para lavar, e soltei o cabelo. Fui até o quarto dele pela porta, até porque se ele me visse pela janela era capaz de ter um treco e arrumar um jeito de colocar grade na minha janela.
Valkyon quase caiu para trás quando me viu na porta. Ele abriu espaço para que eu entrasse. Sentei na beira da cama enquanto ele fechava a porta. Ele veio se sentar algum tempo depois.
- Está usando a mesma camisola de quando fui envenenado pela primeira vez.
- Mesmo? Não reparei.
- Tingsi, não foi exatamente que eu quis dizer quando disse que queria encontrá-la.
- É para me dar esporro?
- Depende, o que você fez dessa vez?
- Para que queria me ver?
- Eu queria passar algum tempo com você. Saber como você está, essas coisas.
- Estou indo. E você, como tem passado com essa história da Dagma?
- Não tem sido fácil. Está mais que claro que Dagma não tem culpa nessa história, mas os outros faeries podem não gostar.
- E qual é a sua opinião?
- Pessoalmente acho melhor esquecermos essa história.
Concordei. Ficamos em silêncio por algum tempo. Tinha algo o incomodando.
- Você sente saudade da Terra?
- É como perguntar se um peixe sabe nadar. A Terra é o meu lar. Como disse a Leiftan, eu posso ter tudo aqui, mas não vou ser feliz. Assim como posso não ter mais nada lá, mas serei feliz lá.
- Você é do tipo que só consegue ser verdadeiramente feliz na sua terra natal.
- Sim. E você? Tem um lar?
- O QG se tornou o meu lar. Eu não consigo imaginar como seria a minha vida fora desses muros.
- Você nunca quis explorar outros lugares ou experimentar novas coisas?
- Bem, eu nunca pensei por esse lado. Sou grato pelo que eu tenho, mas às vezes me sinto incompleto.
- Todos nós buscamos um propósito pelo qual viver. Talvez ainda não tenha encontrado o seu.
- Ou talvez ele não seja fácil de lidar.
Valkyon colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha e me beijou. Era um beijo casto e sem malícia. Fiquei arrepiada, minhas bochechas coraram, eu tinha que reverter essa situação. Aprofundei o beijo e subi em seu colo. Comecei a retirar sua armadura e que desgraça complicada de tirar. Valkyon me ajudou, ficando somente de calça. Voltei a subir em seu colo para beijá-lo.
Suas mãos subiam por minhas costas e se enroscavam no meu cabelo. Valkyon era carinhoso em seus movimentos e extremamente atencioso. Ele me deitou cuidadosamente na cama e retirou nossas roupas. Seus lábios desceram pelo meu corpo, beijando cada pedaço de pele por onde passava até chegar à minha vagina. Agarrei seu cabelo quando ele começou a me chupar. Tudo que eu podia fazer era gemer em resposta e apertar sua nuca pedindo por mais.
Valkyon parou de me chupar para me beijar e começar a introduzir seu pênis em mim. Ele esperou que eu me acostumasse para começar a me estocar devagar. Ele me beijava e às vezes beliscava meus mamilos para aliviar a dor. Não era a primeira vez que a gente transava desde Ra’kar, mas dessa vez ele estava ainda mais atencioso.
Ele me abraçou e me trouxe mais para perto dele, nos sentando na cama. Depois ele mesmo foi se inclinando até ficar deitado. Ele sabia que eu gostava de comandar e agora eu quem ditaria o rítimo. Cavalguei com gosto até chegarmos ao orgasmo. Saí de cima dele e tombei na cama. Valkyon me ajeitou na cama e ficou ao meu lado, acariciando meu cabelo. Eu teria que dormir ali, pois teria que me recuperar do efeito Latrell.
===Dagma===
Ezarel estava me evitando a todo custo. Ele mal falava comigo e cuidava do laboratório sozinho. Às únicas palavras que ele me dirigia eram as ordens sobre o laboratório. Ainda bem que os treinos com Tingsi me ajudavam a deixar isso de lado por um tempo. Socar e chutar árvore me ajudava a descontar minha raiva que eu tinha daquela situação, o meu problema mesmo era equilíbrio.
- Dagma, você precisa focar mais. – Disse ela.
- Desculpe.
- Vem, eu tenho uma ideia. Vou te ensinar taichi.
Ela começou a me ensinar os primeiros movimentos e como fazia para respirar enquanto se movia. Era mais difícil do que parecia e ela executava muito bem.
- Isso parecem movimentos de luta.
- E são, mas foram adaptados para se tornar uma técnica de meditação em movimento. Esvazie a mente e se concentre só na respiração. Não tem problema se não conseguir acompanhar os meus movimentos. Vai no seu tempo.
Eu tentei fazer o que ela pediu. Vendo que eu não estava indo bem, Tingsi pediu para a sua Pinigin Joy pegar a caixa em seu quarto. Assim que começou a tocar, escutei o som de uma espécie de cítara junto com flauta de bambu. Aquilo ajudou na minha concentração, embora meus movimentos não fossem perfeitos.
- Está bem, o que está te incomodando tanto? – Perguntou Tingsi.
- É o Ezarel.
- Dá um tapão nele quando te irritar.
- Não é isso. Ele está me evitando.
- Essa é nova. Por que ele está fazendo isso?
- Eu não sei. Acho que deve ser por causa da história da minha mãe.
- Se não sabe, vai lá e confronte ele. Soca a cara dele se for preciso.
- Não sei, ele não é uma árvore.
Shaitan apareceu com um bilhete. Era de Nevra, me pedindo para ir ao quarto dele assim que pudesse. Tingsi achou melhor continuarmos o taichi e que fosse vê-lo à noite, afinal, aquele assunto era sigiloso. Fui ao quarto dele ao cair da noite. Nevra ainda estava na cama escrevendo o relatório. Me sentei perto na beira da cama.
- Dagma, que bom que veio.
- Ainda está escrevendo o relatório da sua missão?
- É muita coisa, às vezes eu me lembro de um detalhe ou outro, então decidi fazer um rascunho já que não tive tempo enquanto estava fugindo.
Fiquei triste por ele. E pensar que ele quase morreu por causa dessa maldita missão. Isso não teria acontecido se eu não quisesse saber sobre o meu sobrenome.
- Não me olhe com essa cara, eu teria que ir mais cedo ou mais tarde. Eu também tenho que invadir as sedes da Tríade e dos Illuminatis.
- O que eles têm a ver com essa história?
- Nada, mas perdemos as informações que tínhamos acerca deles.
- Mas isso é perigoso!
- Eu sei e eles são piores que os templários. Eu tenho que pensar em como farei isso ou se enviarei alguém no meu lugar.
- Nevra, me prometa que vai tomar cuidado.
- Eu vou. – Ele segurou minha mão e começou a fazer uma carícia, me fazendo arrepiar. – Você parece Ezarel falando desse jeito. – Disse brincalhão.
- Com razão. Ele ficou muito preocupado contigo.
- Que meigo. Vou dar um abraço bem apertado quando encontrá-lo.
- Nevra!
- Que eu posso fazer? Ezarel me ama. E você, como tem lidado com isso? – Seu tom ficou mais sério.
- Eu não sei. Compreendo melhor o porquê de Aria manter este segredo, tenho estado com medo de que descubram e que os templários estejam atrás de mim, mas ao mesmo tempo eu me pego pensando como a Helga era.
- Olha, você não precisa se preocupar. Quem pegou o corpo da sua mãe sabia muito bem o que estava fazendo e não deixou pistas nem para os próprios templários.
- Você tem certeza?
- Pedi para um amigo investigar o local um pouco depois que acordei. Pelo relatório dele, as pedras da estrutura estão chamuscadas, de fato, mas todos os metais foram derretidos.
- Derretidos?
- O mais estranho é que parece que o próprio fogo os derreteu. A terra só está voltando a florescer recentemente, o lugar ficou por muito tempo queimado e cheio de cinzas. Eu não conheço um faerie capaz de fazer algo assim.
- Mas tiveram sobreviventes, não?
- Sim, mas se lembra que eu contei que ficaram loucos e traumatizados? Cada um relatava uma coisa diferente.
Relembrei tudo que Nevra tinha relatado quando acordou. Toda aquela história era estranha. Por que alguém se daria o trabalho de incendiar uma base templária e sair de lá com um único corpo? E justamente o corpo da minha mãe por nascimento? Foi então que uma ideia cruzou a minha mente.
- Nevra, você acha que a pessoa que fez isso, possa ser o meu pai?
O silêncio era sepulcral. Eu não sei por quanto tempo ele ficou chocado. Achei melhor deixá-lo iniciar a conversa.
- Eu não tinha pensado nessa possibilidade. Dagma, se tiver sido o seu pai ou alguém ligado a ele, nós estamos ainda mais no escuro. Por isso que eu te chamei aqui. Eu sei que essa história está te afetando e eu não quero mais que você sofra por causa dela. Porém, eu não sei se é prudente ignorar todas essas informações.
- Eu não sei o que pensar.
- É só me dizer o que você quer e eu farei. Se quiser enterrar essa história de uma vez, prometo não falar mais nela. Se quiser continuar, farei de tudo para conseguir respostas.
- Obrigada. Eu não posso te dar uma resposta agora.
- Deve estar sendo difícil lidar com tudo isso.
- Você nem imagina, mas hoje, no treino de taichi com a Tingsi, eu consegui parar de pensar nisso por um instante e agora as coisas estão um pouco menos obscuras.
- Você está treinando com Tingsi?
- Sim. Há poucos dias, mas está me ajudando a manter a cabeça ocupada.
- Fico feliz que tenha achado algo para se ocupar. – Ele começou a fazer cafuné na minha cabeça. – Estava com medo de que essa história te consumisse. – Ele se levantou e me abraçou. – Não vou deixar que ninguém te faça mal.
- Ezarel disse a mesma coisa.
- Se ele disse, então é verdade. Você está segura com a gente.
Nevra se aproximou ainda mais e tentou me beijar. Eu desviei.
- Poxa, eu tomo flechada, quase morro e não ganho nenhum beijinho! Vocês são maus comigo.
Ri da sua manha, as reações de Nevra eram divertidas quando um flerte dava errado. Uma ideia cruzou minha cabeça. Me aproximei dele e o beijei. No início, ele não correspondeu, mas depois ele retribuiu de forma calma e até desajeitada. Me separei dele com um sorriso nos lábios.
- O que foi? Você não queria um beijinho para melhorar?
- Posso ganhar outro? Eu ainda estou muito mal.
- Nesse caso talvez seja melhor chamar a Ewelein para te dar um daqueles remédios amargos. – Dei um peteleco na ponta do seu nariz.
- Você é má!
Comecei a rir e saí do seu quarto. Eu acabei trombando com Ezarel no corredor. Ele olhou para mim e para a porta do Nevra várias vezes.
- Vou nem perguntar o que você estava fazendo lá.
- Fui ver como ele estava e se já terminou o relatório.
Ele pensou um pouco e passou por mim, se dirigindo à porta do quarto de Nevra.
- Ezarel, qual o seu problema?
- Problema?
- Você anda me evitando a todo custo. O que está acontecendo?
- Nada.
- Tem a ver com essa história toda?
- Não exatamente. É melhor conversarmos no meu quarto.
Eu o segui até o quarto dele. Ezarel parecia nervoso e eu não sairia de lá sem uma explicação.
- Por que anda me evitando?
- Lembra do que aconteceu na vila das ninfas, quando dormimos ao relento? – Corei imediatamente.
- Lembro.
- Depois disso houve outras ocasiões em que nos beijamos.
- Ezarel, o que você quer dizer?
- Eu sempre fui bem claro quanto ao tipo de relacionamento que queria, nunca escondi quando queria algo casual ou algo mais sério. Pela primeira vez eu não sei o que quero.
- Está dizendo...?
- Eu não sei o que pensar, Dagma. Eu não quero que sofra por minha causa, mas eu não posso negar que estou confuso em relação aos meus sentimentos.
O Ezarel está.... Ele.... Ele está tendo sentimentos por mim?! É verdade que ele não tocou mais naquele assunto depois que dormimos juntos e eu também não me incomodei, pois tinha achado que era um momento de vulnerabilidade e eu tinha outras coisas em mente. Agora que ele falou, eu realmente não sei o que pensar.
- Preciso de tempo até ter certeza do que estou sentindo.
- Entendo. Eu também não sei o que pensar.
Saí do quarto dele e voltei para o meu. Eu não esperava ouvir aquilo. Minha cabeça girava em busca de uma resposta. Acho que Ezarel não é o único que precisa refletir sobre os próprios sentimentos.
Chapter 35: Capítulo 35
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
===Tingsi===
Os dias se seguiram e Nevra finalmente saiu da cama. Continuei treinando Dagma, mas não ensinei nenhum estilo do wushu. Deixei claro que não a ensinaria tudo o que eu sei porque era muita coisa e eu não tinha tempo para me dedicar a isso, fora que treinávamos dentro do QG, então o QG inteiro vinha pedir para ensinar uma coisa ou outra. Além de socos e chutes e equilíbrio, só teinávamos com espadas, arcos e adagas.
A decisão foi minha, mas também tinha recebido um conselho de Xuanwu para não me sobrecarregar, pois meu treinamento estava incompleto e eu tinha um monte de coisa para fazer tanto no mundo material quanto no espiritual, fora que Zhuniao dobrou minhas aulas de bamboo drifting. Também acho que seria perigoso ensinar qualquer coisa a esse povo. Ashkore ficou sabendo da máscara de gás e ele mesmo fez ajustes na dele. Se tiver um espião e me vir ensinando não só o wushu como qualquer outra coisa, teremos problemas. Eu tinha que tomar cuidado com o que ensinava e para quem.
- Xuanwu, esse é o peso do seu trabalho? – Perguntei quando estava no mundo espiritual. – Ter tanto conhecimento e não poder dividir porque isso causaria tantos estragos?
- Parte dele. Precisa deixar a humanidade e os eldaryanos lidarem com seus próprios problemas e caminharem com suas próprias pernas para que aprendam com suas próprias vivências.
- Então por que está me ajudando? É por que sou sua amiga?
- Ajudo milhões de pessoas e não sou amigo delas. – Disse a serpente. – Tudo o que eu faço é mostrar o caminho, se alguém vai segui-lo, não é problema meu.
Eu ia para o mundo espiritual com frequência, pois tinha que aprender a lidar com esse poder e também a terapia lá era mais efetiva. Era lá que eu também fazia o meu treinamento espiritual, além do limiar e por vezes o mundo material. Depois de lá, eu ia seguindo minha rotina de treinamento.
Baihu me julgou apta para aprender a guan dao. Pensa em uma arma pesada pra porra que não é um martelo ou um machado gigante. Guan dao pesa 5 quilos ou mais dependendo do quão antiga ela é. A lâmina dela parece um sabre de tão larga e comprida e ainda tem o bastão. É uma arma pesada que requer extrema habilidade e um pouco de força. Dizem que a de Guan Yu, o cara que inventou essa arma e foi considerado um deus, tinha 50 quilos. Claro que Baihu não ia me dar uma de 5 quilos, a que ele me deu tinha 7.
- Você quer me foder, não é possível!
- A sua só tem 7 quilos. Quer trocar pela minha?
- Você é um deus, uma arma de 100 quilos para você não faz diferença!
- Garota, os avatares não são ilimitados, eles só têm um limite bem grande. Claro que não vou carregar uma arma de 100 quilos.
- Não tem uma de 5 quilos ou de 4?
- Se continuar reclamando aumento a sua em 3 quilos.
Essa é uma das armas mais difíceis do wushu. Manejar uma guan dao requer muita maestria e é claro que eu não tenho anos para treinar e preciso trabalhar o triplo para me formar. Como esperado, voltei para o QG toda quebrada e para melhorar meu dia, dei de cara com o meu chefe.
- Tingsi, o que aconteceu?!
- Baihu está me ensinando uma arma nova. – Admiti, pois não dava para esconder aquela lança.
- Essa arma...! Eu lutei contra ela.
- Ótimo, aproveita e carrega para mim porque estou toda quebrada.
Entreguei para ele. Valkyon pegou e começou a analisar a guan dao, não só o peso dela, mas também a girou como uma lança comum, o que ele não teve muita dificuldade em fazer já que era forte.
- Ela é meio pesada para você.
- Tingsi! – Nevra apareceu de repente e se jogou em cima de mim, me dando um abraço.
- Caralho Nevra!
- Sentiu a minha falta?
- Não, agora sai de cima porque estou toda quebrada.
- Seus treinos secretos de novo? Valkyon, que arma estranha é essa que você está carregando?
- Eu não sei, ela é da Tingsi.
- É uma lança conhecida como guan dao.
- Deixa eu ver.
Nevra tomou da mão dele e acabou caindo no chão com a lança em cima. Claro que desgraça pouca é bobagem e nessa hora apareceram Ezarel, Dagma, Leiftan, Karenn e até o Chrome para rir da desgraça do Nevra.
- Eu sabia que você estava debilitado, mas a ponto de não segurar uma lança chega ser ridículo. – Provocou Chrome.
- Espere eu tirar esse negócio de cima de mim para você ver só, seu moleque!
- Chega a ser lamentável. – Ezarel sorriu. – Sério, Nevra, você já foi melhor.
- Mesmo? Aposto minhas porções que você não conseguiria levantar essa coisa, Chrome.
- Feito!
Chrome mal conseguiu mover a guan dao de lugar. Ele tentou de todo jeito. Ezarel estava se divertindo. Leiftan decidiu acabar com a brincadeira e pegar a arma. Ele sentiu o peso.
- Você pôs algum feitiço nessa lança estranha, não é possível!
- Quem é o fracote agora?
- Quanto pesa essa arma? – Perguntou Leiftan.
- Sete quilos. Geralmente são 5, mas Baihu cismou em me dar uma de 7.
- Por que diabos você está com uma arma de 7 quilos?! – Perguntou Karenn.
- Vocês estão reclamando por pouco. A minha tem 50 e vocês não me veem choramingar. – O tigre branco apareceu de repente portando sua própria guan dao.
- Cinquenta?! – Exclamou o lobisomem. – Você está treinando para carregar uma montanha ou algo assim?!
- Carregue sua própria arma. Precisa se acostumar com o peso dela.
- Por que eu ainda treino com você? – Resmunguei.
- Você treina com ele? – O lorialet estava surpreso.
- Claro, quem você acha que é responsável pela maioria dos meus hematomas?
- Mas está viva e é a melhor lutadora do QG. – Ele colocou a mão no meu ombro em sinal de orgulho. – Como puderam testemunhar com seus próprios olhos.
- Você poderia me treinar? – Pediu Chrome. – Quero ser forte também.
Mal ele falou aquilo e apareceu gente até do inferno pedindo por treino. Eu só rezava para ele negar. Esse povo não sabe com quem está se metendo. Fiquei aliviada quando ele negou.
- Por quê?
- Por que eu deveria? Alguém teria coragem de me dizer?
- Precisamos aumentar a força de nossos guerreiros. – Disse Valkyon. – Você poderia nos ajudar?
- Somente hoje.
- Obrigado.
- Se quiserem minha ajuda, terão que fazer tudo que eu mandar, sem questionar.
- Eu prometo.
Cada um foi aceitando do seu jeito. Baihu juntou todos os que queriam treinar no antigo campo de treinamento depois da cerejeira centenária. Deixei a guan dao no quarto e fui apenas para observar.
- Preparem suas almas, pois os seus corpos já me pertencem! Todo mundo socando e chutando árvore! – As pessoas começaram a duvidar. – Estão parados aí por quê?! Escolham um tronco grosso e comecem a socar!
Ele soou de forma tão autoritária e ameaçadora que o povo começou a socar e chutar árvore. Nem a guarda reluzente escapou dele. Quem se recusava, Baihu dava um treinamento diferente e mil vezes pior como escalar árvores com pesos, carregar peso, subir em telhado e fazer uma pose difícil. Os poucos que diziam já saber lutar, ele chamava para o combate e os derrubava no primeiro golpe com a garra de tigre, em seguida mandava um de seus treinamentos. Ele fazia o povo repetir a série até a exaustão. Não havia chance de deserção, o castigo deles era pior.
A enfermaria lotou de gente, tanto que Ewelein ficou doida. Em apenas uma tarde de treino, Baihu conseguiu mandar mais gente para a enfermaria do que qualquer outra missão que a guarda já tinha feito. Me sentei no refeitório com os meus amigos para beber algo, sendo que estava todo mundo quebrado e alguns ainda estavam na enfermaria.
- Mal saí da cama e vou ter que voltar! – Resmungou Nevra. – Não consigo me levantar. Ez, me leve de volta.
- Morra aí mesmo. Eu mal consigo me levantar, imagine te levar.
- Quem diria que um simples treino poderia causar tanto estrago? – Comentou Leiftan.
- Até eu que estava me acostumando a socar e chutar árvore estou dolorida. – Disse Dagma.
- Agora vocês sabem o que eu passo com ele. Olha que só foi um dia.
- Há quanto tempo vocês treinam juntos? – Interrogou Valkyon.
- Pouco depois que cheguei aqui. Eu passei por tudo isso e estou inteira. Mais alguns dias de treino e vocês se acostumam. Posso pedir para reconsiderar e vir treiná-los amanhã.
- NÃO! – Gritou praticamente todo mundo.
No dia seguinte recebemos cartas sobre a enfermaria e a biblioteca ficarem fechadas, sendo que a enfermaria só trataria de emergências. Também havia uma carta sobre um festival de vários dias que iria acontecer, para dar um descanso a todos pelos últimos meses e comemorar a recuperação de Nevra, pelo menos foi isso que ele escreveu na minha carta.
Ao sair do quarto, vi todo mundo animado, inclusive os mascotes que corriam de um lado para outro que nem loucos. Raum era o único quieto. Fazia tempo que não ia a um festival ou a um parque de diversões. No último que eu fui, Isaiah tinha ido até Amoris me ver. Tinha sido tão divertido. Ficamos, eu, ele, Latifah, Yuna e Damiana morando na montanha-russa de tantas vezes que a gente andou. A gente se divertiu horrores e depois nós dois invadimos uma escola próxima, Sweet Amoris, para relembrar os velhos tempos. Não esperava que lembrar dele deixasse um buraco enorme no meu peito.
- Tingsi, o que foi? – Perguntou Huang Hua aparecendo do nada. – Você não gostou?
- Não é isso. Eu só estava lembrando de uma coisa. Deixa para lá, estou vendo que tem muitas atividades aqui.
- Certamente. A Miiko vem planejando isso há meses, mas não sabia por onde começar.
- Nunca pensei que diria isso, mas santa Miiko. Vamos aproveitar. Jinp, pare de querer pegar o pirulito das pessoas!
Lá fui eu impedir uma tragédia de acontecer. Jinp estava pegando pirulitos para dar ao Raum, que não estava muito afim, mas resolveu comer um. Quem diria que esse seria o primeiro amigo do Black Dog. Fui ao mercado. Havia tantas tendas de doces e jogos que fiquei perdida. Comprei muitos doces, participei de alguns jogos, ganhei prêmios, experimentei algumas guloseimas do Karuto e fiquei me divertindo, seja com os mascotes ou com os amigos que tinha feito.
Ao cair da noite, pediram minha caixa para poder dançar. Estávamos dançando algumas músicas terrestres e eldaryanas até um engraçadinho resolver colocar uma música que levou um grupo de jovens a ficar doido e até a fazer uns movimentos que eu não sabia se estavam tentando sensualizar ou tendo um AVC. A música tinha um rítimo quente, embora eu não soubesse o que estava tocando.
- Karenn, que música é essa? Ela é muito boa!
- É uma daquelas músicas promíscuas, ou pelo menos é assim que os anciões chamam.
- Então é bom aumentar o volume porque hoje vou rebolar a raba até o chão. Quem está comigo?!
- Passo. – Disse Miiko.
- Eu não sei o que é isso, mas não é o meu tipo de música. – Escutei a Huang Hua dizer.
- Eu não tenho muita certeza. – Disse Alajéa. – O que acha, Colaia?
- Não é o meu tipo.
- Também não é o meu. – Disse Ykhar.
- Dagma?
- Eu não sei direito.
- Karenn?
- Desculpe, mas eu não vou poder. – Disse Karenn.
- Ainda bem. – Dessa vez foi Nevra regulando a irmã.
- Nevra, meu grande amigo! Vamos rebolar a raba?
- Não vai dar, eu ainda estou quebrado.
Nem Elena era tão puritana quando eu a conheci. Quer saber, foda-se. Botei Don’t Cha das Pussycat Dolls e fui dançar sozinha mesmo, rebolei a raba, dancei em cima da mesa e me juntei com uma galera que estava tentando sensualizar. Depois disso foram Buttons, Despacito, Promiscuous, Telephone, Talk Dirty To Me, S&M e não posso me esquecer de Anitta e da rainha Britney com Circus, Womanizer, My Prerogative e Gimme More. Também peformei For Your Entertainment, tudo isso sóbria enquanto o povo que se juntava a mim era aquele que já tinha bebido demais.
Fiz o que quis e mais um pouco. Não é porque estou sem meus amigos que vou deixar de me divertir como bem entender. Quem se incomodar, que se foda. Vou é encher a cara que ganho mais.
- É assim que eu gosto de ver.
A voz pertencia a uma garota asiática de cabelo preto e de olhos um azul esverdeado. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo alto e uma franja quase cobria um de seus olhos. Ela usava uma roupa toda branca como a de um guerreiro e tinha pelo por sobre o ombro direito. Na hora eu a reconheci.
- Baihu?!
- Me chame de Baekho qundo estiver usando meu avatar feminino.
- Seu nome coreano? – Por incrível que pareça, foi o único que gravei.
- Sim. Agora que sabem meu nome, duas pessoas vestindo branco e chamadas Baihu é uma bela dor de cabeça.
- Desculpe.
- Não há o que desculpar. – Ele deu um longo gole na garrafa de saquê antes de me oferecer. – A propósito, fico feliz em ver seu espírito indomável de volta. Não aguentava mais aquela melancolia
- Quer dizer que eu estou curada?
- Ainda não.
Dessa vez a voz era uma mulher asiática de longos cabelos pretos, com um coque que mais parecia um nó na cabeça e uma franja esquisita. Ela tinha olhos negros e gentis, um rosto gentil e severo como de uma mãe e usava uma roupa grande e preta que arrastava por onde quer que andasse, além de um enfeite de cabelo preto. Ela chamava atenção por onde andava justamente por isso.
- Xuanwu?!
- Pode me chamar de Hyeonmu.
- Saúde?
- Chama logo de Hye. – Disse o tigre.
- O que vocês estão fazendo aqui?
- Viemos nos divertir.
- Assumimos nossos avatares femininos para ninguém vir encher o nosso saco.
- Vocês estão aí.
Uma mulher asiática de cabelo preto e olhos azuis apareceu. Seu penteado era uma espécie coque na parte superior com o resto do cabelo amarrado nas pontas. Havia um enfeite azul que parecia uma espécie de coroa. Sua roupa era uma espécie de hanfu azul claro com a bainha em tons de violeta.
- Qinglong! Por qual nome posso te chamar?
- Cheongnyong.
- Não tem um nome menos desgracento não?
- Que tal Thanh Long? É o meu nome vietnamita.
- Ou faz que nem a gente e chama só de Cheong. – Tornou a dizer o tigre.
- É uma boa ideia. Para ficar completo só falta....
- Eu?
Novamente, era uma mulher asiática de cabelo preto, porém seus olhos eram vermelhos e tinha cara de mandona. O cabelo era um coque na parte superior e solto embaixo e tinha um monte de adornos grandes parecendo uma coroa, inclusive um prendedor gigante em formato de fogo e uma faixa vermelha. Sua roupa vermelha era simples, mas tinha muitos desenhos detalhados em várias partes dela, além de usar brincos e um longo colar. Ela podia ser a imperatriz de Eldarya.
- Zhuniao, você está a própria imperatriz!
- Obrigado e me chame de Jujak.
- O que vocês querem fazer?
- Nessa hora só dá para encher a cara. – Disse a tartaruga.
- Então vamos beber! – Exclamou o tigre.
A gente começou a beber, cada um uma bebida diferente. Eu experimentei tanto vinho de tanta coisa, coreografei Don’t Cha com Zhuniao e terminamos a noite batucando nas mesas e nem lembro o que estávamos cantando.
No dia seguinte, as festividades continuaram, até mesmo Miiko não saía da barraca de doces. Fui jogar na barraca do Purreru e ganhei um ovo de Bowsa. Os mascotes vibraram mais do que nunca pelo novo amigo. Tinha vários tipos de atividade e diversão, até mesmo do lado de fora do QG.
- Tingsi, você vai participar da corrida de três pernas? – Perguntou Dagma assim que me viu.
- Não. Eu tinha isso no colégio e odiava. Vou torcer por você.
- É que eu não tenho parceiro.
- Pede para um dos rapazes. Eles parecem estar decidindo quem vai com quem.
- Tingsi, Dagma, vocês estão aí. – Disse Nevra quando nos viu e trouxe Ezarel e Valkyon com ele. – Vocês vão participar da corrida?
- Dagma que ir, vou só assistir.
- Certo. Dagma, gostaria de ser a minha parceira?
- Tudo bem.
- Achei que quisesse que eu fosse seu parceiro. – Disse Ezarel. – Você encheu o meu saco para isso.
- Você nem queria para começo de conversa.
- Nesse caso, eu vou com o Valkyon, se não tiver problema para você.
- Eu?!
- Hei! – Exclamaram Ezarel e Nevra.
- Por que está me pedindo permissão? – Perguntei.
Ela puxou Valkyon enquanto os outros dois ficaram se encarando atônitos. Eu gritei para Purroy que tinha mais uma dupla e os empurrei para participar da corrida. Enquanto assistia à corrida, o avatar feminino Qinglong veio até mim.
- Lembro que você detestava esse tipo de atividade quando pequena.
- Ainda detesto. Se divertindo?
- Claro. É bom descansar de vez em quando. Pelo visto você também está.
- É.
- Cheong! – Zhuniao veio correndo na nossa direção.
- O que foi, Jujak?
- Soube que vai ter um concurso de canto. Vamos participar!
Os outros tinham acabado de chegar. Eu não vi o vencedor da corrida, mas isso não importava agora.
- Não seria injusto com os outros? Afinal, você tem uma voz melodiosa e muito bela.
- Claro que não. Farei para me divertir e não para ganhar. Afinal, posso desistir no meio da seleção sempre que quiser.
- O que vocês estão falando? – Perguntou Dagma.
- Do concurso de canto que vai ter amanhã. Cheong, você precisa participar comigo!
- Com licença senhoritas, vocês são novas no QG? – Perguntou Nevra.
- Eu e minha irmã ouvimos sobre um festival que estava acontecendo. – Disse Qinglong. – Me chamo Cheongnyong e esta é a minha irmã, Jujak. Vocês também vão participar?
- Nevra deveria participar. – Tornou a dizer Dagma.
- Por que eu?
- Já te ouvi cantarolando e você tem uma voz bonita. – Primeira vez que vejo o Nevra vermelho por causa de um elogio.
- É sério? Talvez eu pense em participar.
- Você também deveria participar, Dagma. – Falei.
- Eu?!
- Você cresceu entre as ninfas, não?
- E por que você não participa?
- Não conheço as músicas de vocês muito bem.
- Por que não canta algo da Terra? – Perguntou Zhuniao. – Pelo que eu saiba, não há nenhuma regra impedindo.
- Jujak, deixe-os decidir se querem participar primeiro.
- Está bem, mas eu vou inscrever nós duas.
Lá se foram o pássaro e o dragão correndo para dentro dos muros. Geralmente era Zhuniao quem corria atrás dos outros para colocar juízo em suas cabeças, é raro ver alguém atrás dele. As pessoas estavam começando a entrar também, até mesmo Ezarel, Nevra, Dagma e Purroy se foram. Só restaramos eu e Valkyon.
- Não vai voltar? – Perguntei.
- Te pergunto a mesma coisa.
- Quero ir devagar. Está melhor? Baihu te levou ao limite anteontem.
- Estou bem. Quando você disse que ele era mais rígido com você, eu não tinha ideia.
- Mas o resultado vale à pena.
- Está chateada por ontem?
- Por que estaria?
- Achei que tivesse ficado chateada por ter dançado sozinha ontem.
- Ah, não. Fazer as coisas sozinha não me impede de fazer as coisas que eu gosto.
- Realmente, você é bem espirituosa. Fico feliz de vê-la assim. – Não pude evitar de sorrir.
- Então, vai fazer o que agora?
- Irei dar comida para Floppy e também preciso fazer uma coisa. E você?
- Vou ver se tem mais atividades e comer mais algumas coisas.
- Tingsi, apesar de não termos feito muita coisa, eu gostaria de passar um tempo com você. Digo, fazer alguma coisa durante o festival.
- Claro. O festival ainda não acabou, a gente pode fazer alguma coisa mais tarde.
Fomos para direções diferentes quando passamos pelo portão. Eu continuei nas barraquinhas, correndo atrás dos mascotes ou comendo coisas que o Karuto fazia. Até bebi uma cerveja amanteigada com Baihu e olha que nem estava no menu.
- Se Yuna estivesse aqui, ela iria amar.
- Como não está, bebemos por ela.
- Então é bom fazer mais, porque eu quero beber por todos eles.
- Vai ficar mijando que nem uma desgraçada até amanhã. Você não tinha que ver as atividades de amanhã?
- Verdade, valeu por me lembrar. Se bem que posso fazer isso depois. Melhor aproveitar as que ainda estão abertas.
Depois da cerveja amanteigada, fui para fora do prédio procurar algo para fazer. Claro que vi a Miiko na barraca de doces e a Huang Hua tentando tirá-la de lá. Acabei encontrando com Leiftan.
- Leif, não te vi desde ontem à noite.
- Estive ocupado.
- Se divertindo, eu espero. Não acredito que até aqui você esteja trabalhando.
- Um pouco dos dois. E você, o que está fazendo?
- Nada de especial.
- O que acha de passarmos algum tempo juntos?
- Tingsi, você está aí. – Disse Valkyon acabando de chegar. – Te procurei por toda parte. Espero não estar atrapalhando.
- Não está. Aconteceu alguma coisa?
- Eu só queria saber se você gostaria de passar um tempo comigo. – Leiftan arregalou os olhos. – Algo errado, Leiftan?
- Eu acabei de sugerir a mesma coisa.
- Eu adoraria passar um tempo com vocês dois. – Eles ficaram chocados e começaram a se entreolhar. – A gente vai só sair, né?
- Não era bem isso que eu tinha em mente. – Começou Leiftan.
- Porra, se vocês querem transar falem de uma vez!
- Não foi o que eu quis dizer! – Exclamaram em uníssono e depois se entreolharam envergonhados.
- Então vocês dois estão me convidando para, tipo assim, um encontro? – Pelas caras deles, eu tinha acertado. – Porra!
Puta que pariu! É sério isso?! Um encontro?! Isso não pode estar acontecendo! Alguém me acorda! Será que é uma boa hora para fingir um desmaio?!
- Que cara é essa, feiosa? – Perguntou Ezarel chegando com Dagma.
- Tingsi, você está bem?
- Ótima! Maravilhosa!
- Está mesmo tudo bem? Você está estranha.
- Por que estão todos parados aqui? – Nevra tinha acabado de chegar. – O que está acontecendo?
- Nada! Dagma, vem comigo!
Catei a outra humana pela mão e saí correndo que nem uma maluca. Eu nem reparei para onde fui.
- Hei, o que deu em você?
- Eu estou surtando, caralho! Porra! É tão difícil assim perceber?! Ai, merda!
- O que exatamente aconteceu?
- Leiftan e Valkyon me chamaram para um encontro!
- Espere, os dois estão interessados em você?
- É! Mulher, eu estou em pânico! – Comecei a sacudi-la pelos ombros. – Eu não surto assim desde que mandei um e-mail de amor para o diretor da faculdade!
- É o que isso aí?!
- É uma longa história. – Eu a soltei e comecei a andar de um lado para outro agarrando os cabelos. – Ai cara! O que eu faço?! Porra!
- Mulher, se controla! – Dessa vez foi ela quem me sacudiu. – Pense com calma, com quem você quer ir a esse encontro?
- Eu não sei!
- Como não sabe?!
- Por que acha que estou surtando?!
Simplesmente sentei em uma pedra e comecei a massagear as têmporas. Eu não sei nem o que estou fazendo da minha vida, quanto mais poder decidir algo assim. Ai, cara!
- Por que não diz a eles que você não quer ir a um encontro?
- Eu não pensei nisso.
- Não precisa. – Tomei um susto quando ouvi a voz de Valkyon e para completar a desgraça vieram Nevra, Ezarel e Leiftan também.
- Você estava gritando tão alto que foi impossível não ouvir. – Disse Ezarel.
- E meus ouvidos são sensíveis! – Reclamou Nevra.
- Não pensamos que que nossos pedidos pudessem te fazer tão mal. – Lamentou Leiftan. – Peço desculpas por isso.
- Não me fizeram mal, eu só não sei lidar com esse tipo de coisa. – Comentei envergonhada. – Eu gosto de passar um tempo com vocês, mas eu não estou pronta para um encontro.
- O que seu coração diz? – Perguntou o vampiro.
- Se enfie no primeiro buraco que encontrar. – Ele começou a rir. – Qual é a graça, Nevra?!
- Nada. Só acho engraçado que para falar de putaria você é a primeira a abrir a boca, mas para falar de sentimentos, fica toda envergonhada.
- Nunca pensei que iria viver para te ver toda envergonhada desse jeito. – Ezarel tinha um sorriso de orelha a orelha.
- Depois que eu descer o cacete em vocês, não venham reclamar.
- A propósito, Ezarel e eu estávamos indo à praia. – Dagma resolveu mudar de assunto. – Talvez a gente deva mudar os planos e sair todos juntos.
A cara que o Ezarel fez foi impagável. Logo eu percebi que ele a tinha chamado para um encontro. Não só eu, Nevra e Leiftan também perceberam.
- É uma ótima ideia. – Acrescentei, deixando o elfo puto e envergonhado ao mesmo tempo. – Poderíamos ir todos à praia.
- Não sei se é uma boa ideia. – Disse Leiftan. – Está escurecendo para todos irem à praia.
- Não seja por isso. Na Terra, quando passamos o dia todo na praia e escurece, algumas pessoas fazem uma fogueira. Aí ficam em volta, ouvem música, tocam violão, assam marshmallows, às vezes os usam para fazer smores. Socializam, sabe?
- Parece divertido. – Disse Dagma.
- O que são smores? – Perguntou Nevra.
- São sanduíches de marshmallow e chocolate. Você coloca chocolate e marshmallow derretido entre dois biscoitos salgados daqueles quadrados. Fica uma delícia.
- Me convenceu. Dá tempo da gente montar uma fogueira, não dá?
- Consigo montar uma sem problemas. – Disse Valkyon. – Mas eu não sei se temos marshmallows por aqui.
- Podemos usar amormallows e se for o caso pegar mais coisa para comer. Quem vai cuidar da comida e quem vai pegar a bebida?
- Eu quero cuidar da comida. – O vampiro se ofereceu.
- Posso ajudá-lo e buscar as bebidas. – Ofereceu Leiftan.
- Três pares de mãos são melhor que dois. – Disse Ezarel.
- Não esqueçam dos espetos. Eu cuido da música. Não se preocupem, não vai ser como das outras vezes.
- Valkyon, você precisa de ajuda com a fogueira? – Perguntou Dagma.
- Obrigado, mas não precisa.
- Você pode trazer algumas toalhas para a gente sentar.
- É uma boa ideia.
Voltei para o meu quarto para pegar a caixa e verificar se todos os mascotes estavam ali. Aproveitei para pentear o cabelo, pois tinha transformado em um ninho de rato depois do surto. Eu não sou de surtar assim, mas Nevra tem razão. Melhor não pensar nisso. Talvez desse me trocar também. Mal pensei nisso e Purriry apareceu na minha porta para vender um traje belíssimo que ela chamou de Night Feelings. Experimentei e acabei comprando por ter ficado bem em mim, mas eu não usei.
Ao invés dele eu resolvi pegar um top preto que tinha, uma saia longa verde-água com estampa, as botas do traje spring bohemian e amarrei uma corda para usar como cinto. Também peguei uma manta para o caso de sentir frio e saí. Encontrei com o pessoal perto do rochedo. Tirando Dagma, os outros não trocaram de roupa e ela estava usando o mesmo traje que Purriry me vendeu, mas na cor amarela. Realmente, esse traje é lindo.
A fogueira estava acesa, as toalhas estendidas e todos estavam tomando seus lugares. Nos sentamos em um meio círculo começando por Nevra, Dagma, Ezarel, Valkyon, eu e Leiftan. A caixa começou a tocar música suave. Peguei um amormarllow, pus no espeto e coloquei no fogo até que tostasse e ficasse um pouco mole. Em seguida coloquei um pouco de chocolate em cina de um biscoito, o amormallow e fechei com outro biscoito.
- Delícia! – Exclamou Nevra. – Foram os deuses que te enviaram, tenho certeza.
- Então eles devem me odiar porque eu dei de cara com a Miiko depois de tropeçar no círculo de cogumelos.
- Não importa, o importante é que você está aqui para me guiar pelas delícias culinárias.
- É bom que vocês tenham dentista porque ele vai acabar com a boca cheia de cárie desse jeito.
- É bom que ele perde todos os dentes e para de falar besteira. – Foi Valkyon quem disse e ficamos surpresos.
- Cruel!
- Ez, o que você está procurando? – Perguntou Dagma.
- Soube que terá uma chuva de estrelas cadentes hoje. Espero poder ver.
- Nunca vi uma. – Comentei.
- Não?
- Na cidade não tem como. Tem muitas luzes e quase não dá para ver as estrelas, é mais fácil observar no campo.
- Luzes?
- A gente usa eletricidade para iluminar ruas e casas. Não me perguntem detalhes, eu corri dos cursos de engenharia.
- Por falar nisso, que história foi aquela que você mandou sei lá o que de amor para o diretor da faculdade?
A pergunta de Dagma fez um calafrio percorrer a minha espinha e todos os olhares se voltaram para mim. Eu não tinha como esconder.
- É uma história bem vergonhosa e eu não tinha uma queda pelo diretor, se é o que estão pensando! – Mesmo que ele seja um puta gostoso.
- Eu não estou pensando nada. – Disse o elfo com um sorriso sacana e Nevra se juntou a ele.
- Antes de começar essa história, eu preciso explicar o que é um e-mail. É tipo um correio, só que a gente acessa pela internet, então dá para fazer isso do celular e do computador. Não me perguntem como, eu não sei explicar. A gente usa mais para a área profissional.
Respirei fundo antes de prosseguir. Fico com vergonha só de lembrar.
- Eu e meus amigos tínhamos o costume de viajar para a praia em feriados prolongados e dessa vez não foi diferente. Um amigo meu de Reims, o Isaiah, estava na cidade, então eu o chamei para vir com a gente. A gente bebeu pra caralho e ele, como começou a usar maconha, acabou me oferecendo e eu resolvi experimentar.
- Você o que?! – Apesar da pergunta ter partido de Valkyon, todos ali sustentavam o mesmo olhar.
- Calma que piora. Nessa época tinha um menino na universidade que eu gostava, o Cloud.
- Era o seu namorado? – A outra humana perguntou.
- Não, era só uma paquera mesmo. Eu estava muito bêbada e muito chapada e eu acabei escrevendo um e-mail para o Cloud expressando todos os meus sentimentos e tudo o que eu sentia e pensava quando estava com ele. E também escrevi um monte de merda como ele fica bem sem camisa e que a bunda dele era bem redondinha, fora o pacote que ele tinha no meio das pernas, que era menor que o do Isaiah, mas dava pro gasto.
Nessa hora, o Ezarel, que inventou de beber, acabou engasgando com a própria bebida e por pouco não precisou de socorro. Era impossível para eles conter a risada, seja de nervoso ou diversão.
- Você e esse Isaiah eram próximos? – Perguntou Leiftan.
- Ele era o meu melhor amigo desde a adolescência e eu perdi a virgindade com ele, mas isso é outra história.
- E onde entra o diretor nessa história? – Perguntou Nevra.
- Então, no dia seguinte eu descobri o que tinha feito, só que ao invés de enviar a mensagem para o Cloud, eu enviei para o diretor Culann. – O povo explidiu de rir. – Nem preciso dizer que surtei.
- E o que aconteceu depois? – Perguntou Dagma. – Você foi expulsa ou algo assim?
- Aconteceu que eu, Yuna, Isaiah e Elena fomos até a universidade durante à noite, invadimos a sala do diretor, Elena entrou no computador dele e destruiu o e-mail e qualquer rastro dele. Quase fomos pegos, mas conseguimos completar nosso objetivo e voltamos para a praia.
- Se estava de noite, as portas deveriam estar trancadas, não? – Perguntou Leiftan. – Ainda mais uma sala importante como o diretor.
- O Isaiah é bom em arrombar fechaduras e ele meio que me ensinou algumas coisas. A gente só teve que arrombar algumas portas.
- Inacreditável! – Valkyon estava chocado.
- Se eu soubesse disso teria insistido para o Kero te colocar na Sombra. Imagine o que daria para fazer com suas habilidades!
- Ainda bem que caí na Obsidiana. Agora eu quero saber de vocês. Quais são suas histórias mais vergonhosas?
- Eu tenho uma do Ez! – Exlamou o vampiro.
- Nevra, não se atreva!
- Uma vez a gente teve uma missão no deserto. Tínhamos que fazer dois clãs assinar um acordo e acabar com a rixa que eles tinham. No entanto, as joias da líder de um desses clãs foram roubadas pelo conselheiro dela e a culpa foi posta no outro clã. Fomos recuperá-las.
- Nevra, se você continuar essa história eu te mato!
- Mas é a melhor parte! Com minhas incríveis habilidades, descobri que ele iria vendê-las em nome do outro clã e a transação seria em uma boate como a que fomos em Ra’kar.
- Nevra!
Ezarel ficou extremamente vermelho e se jogou para cima de Nevra. O vampiro foi mais rápido e se levantou em um pulo. Os dois começaram a correr em volta da gente, mas Nevra não calou a boca.
- Ez tinha que distraí-lo enquanto eu roubava as joias. Então eu o vesti como um dos dançarinos do ventre, ele até usou um véu para esconder o rosto. – Comecei a rir só de imaginar a cena. – Em apenas uma noite, ele conseguiu se tornar o dançarino mais cobiçado da boate, conseguiu uma proposta de encontro íntimo com o conselheiro e eu recuperei as joias.
- Eu vou te matar! – A gente explodiu de rir. – Eu também tenho uma do Nevra e foi com a Dama Snežaan.
- Ez, você prometeu que nunca iria contar!
- Você também prometeu e contou. – Os papéis se inverteram, e agora era Ezarel que fugia de Nevra. – A Dama Snežana era embaixadora de uma vila. Certo dia, uma das suas servas se apaixonou pelo Nevra e deu uma poção do amor muito poderosa para ele. Porém não deu certo, pois Nevra viu a Dama Snežana primeiro.
- Ez, se continuar falando, eu vou sugar o seu sangue essa noite!
- Vai ter que me pegar primeiro. – Ele mostrou a língua. – O Nevra fez de tudo para tentar seduzi-la. Ele fez uma boneca horrenda com a cara dela até uma música que reproduzia as letras do nome Snežana, com direito a dança e tudo. – Foi impossível alguém ficar sério, nem mesmo Valkyon e Leiftan.
- Pelo menos ele não apareceu pelado na cama dela quando ela voltou para o quarto.
- Ele fez isso. Eu tive que reverter a poção antes que ela anulasse todos os nossos acordos.
A gente não conseguia parar de rir. A gente conversava sobre um monte de coisas, ria de umas histórias engraçadas e se chocava com outras, geralmente com as minhas. Comíamos, bebíamos, parecíamos adolescentes. Dagma meteu a mão na fogueira para ajeitar a madeira que Valkyon repunha e ela nem se queimou.
- É algo que eu tenho desde pequena. O fogo não me queima de jeito nenhum.
- Talvez isso ajude a descobrir qual é a raça do seu pai. – Comentei.
- Bem lembrado. Vou pesquisar sobre isso depois.
Estava começando a ficar frio, tanto que Nevra enrolou sua encharpe em Dagma. Eu me enrolei na manta e ofereci ao Valkyon e ao Leiftan, já que estavam do meu lado, mas eles recusaram. Também, Leiftan tinha seu casaco e Valkyon não sentia frio, no entanto eles se aproximaram de mim.
A caixa deu piti e começou a tocar um monte de música romântica, sendo que ninguém pediu. Desde as Eldaryanas até as da Terra e alternava entre as músicas do One Direction, isso repetidas vezes. Teve Steal My Girl, What Makes You Beautiful, They Don’t Know About Us, teve Crush do David Archuleta que passa uma vibe muito boa, Into You da Ariana Grande, Back at One do Brian McKnight, e You and I do Kenny Rodgers. A única que não era romântica era Gotta Go My Own Way do High School Musical. Também teve Counting Stars do One Republic e Glad You Came do The Wanted.
- Baby, you light up my world like nobody else! The way that you flip your hair gets me overwhelmed! But when you smile at the ground, it ain't hard to tell. You don't know, oh-oh. You don't know you're beautiful! – Isso fomos eu e Nevra cantando enquanto balançávamos de um lado para outro com garrafas nas mãos e a gente nem estava bêbado.
- Vocês gostaram mesmo dessa música. – Comentou a ruiva.
- É fácil de cantar. – Disse o vampiro. – A propósito, vai participar do concurso de canto amanhã?
- Eu não pensei nisso.
- Deveria. – Disse o lorialet. – Sua voz é linda.
- Obrigada, talvez eu vá. E vocês, vão participar?
- Eu não canto muito bem.
- Também não sou um bom cantor. – Disse o faeliano. – Muito pelo contrário.
- Eu acho que vou. – Tornou a dizer a outra humana. – As ninfas sempre fizeram festivais de canto e eu participava de todos. Vai ser divertido.
- Eu também não sou muito bom cantor. – Disse o elfo.
- Não venha com desculpas. – Começou o vampiro. – Você canta bem. Deveria participar.
- Por que não você?
- Porque se eu participar, eu ganho.
- Acho que consigo ficar na sua frente. – Comentei.
- Duvido.
- Quer apostar?
- Vocês dois não inventem. – Disse Valkyon. – A última aposta de vocês foi vergonhosa.
- O que foi que eles apostaram? – Perguntou Leiftan.
- Uma punheta. – Respondi.
- Vocês dois são inacreditáveis! – Exclamou Ezarel com as orelhas rosadas de vergonha.
- Não foi tão ruim assim. – Disse Dagma.
- Você também estava no meio?!
- A chuva começou. – Leiftan encerrou o assunto.
Riscos prateados cruzavam o céu ao som do cover de Just a Dream. Eu nunca tinha visto algo tão bonito, estava tão maravilhada que não conseguia desviar os olhos. Senti alguém segurar minha mão, melhor, minhas duas mãos foram seguradas por pessoas diferentes. Corei com aquilo. A do Valkyon era grande e calejada de tanto treino e trabalho de forja, já a do Leiftan era mais suave e macia. Meu coração disparou e eu as apertei involuntariamente. Depois de Just a Dream, começou a tocar You and I do Kenny Rodgers, tanto que comecei a cantarolar. Por alguma razão, eu não queria que aquele momento acabasse.
Depois da chuva de estrelas cadentes, nós arrumamos as coisas e fomos embora. O clima estava bem mais leve e descontraído. Deitei na cama suspirando e logo bati com a mão na testa. O que diabos está acontecendo comigo?!
Notes:
Só um adendo aqui. Os deuses têm nomes diferentes em culturas e línguas diferentes. Em inglês eles são Azure Dragon, Vermilion Bird, White Tiger e Black Tortoise, mas em todas as línguas os nomes deles significam Dragão Azul (ou verde já que qing é um verde meio azulado), Pássaro Vermelho, Tigre Branco e Tartaruga Negra. Como os nomes orientais serão os mais usados aqui na fic, eu vou deixar uma tabelinha com eles.
Dragão Azul/Azure Dragon
JP: Seiryu ou Seiryuu
CH: Qinglong
KR: Cheongnyong
VN: Thanh Long
Bônus: Long é dragãmo e chinês, então o Jake Long seria Jacó DragãoPássaro Vermelho/Vermilion Bird
JP: Suzaku
CH: Zhuque, Zhuniao ou Zhuquiao (eu pesquisei e parece que nenhum deles está errado, só que Zhuque é mais popular e Zhuqiao não é muito usado para não ser confundido com uma aldeia)
KR: Jujak
VN: Chu Tu'ó'c ou Chu Thuoc
Bônus: para nomes e sobrenomes, Zhu também pode ter a variação Zhou.Tigre Branco/White Tiger
JP: Byakko
CH: Baihu
KR: Baekho
VN: Bach HôTartaruga Negra/Black Tortoise
JP: Genbu
CH: Xuan Wu
KR: Hyeon-mu ou Hyeonmu
VN: Huyên VuEu não vou usar os nomes em vietnamita, mas ficam de curiosidade.
Eu sei que a Dama Snežaan é uma história que não é de conhecimento do Ezarel no jogo, ela só aparece no spin off do Valkyon. Mas coloquei mesmo assim porque é divertido ver um tirar sarro do outro.
Chapter 36: Capítulo 36
Notes:
Eu tive que colocar algumas músicas terrestres para dar um gás, já que eu não sei compor e só narrar sobre o que seriam as músicas para deixar no imaginário ia saturar a paciência.
Chapter Text
===Tingsi===
Antes de tudo: choquei o Bowsa que ganhei e chamei de Fofucho. A festa não parava e todo mundo estava animado para o concurso de canto. Decidi não fazer as atividades naquele dia e me isolei no parque do chafariz, pois como estava fechado, ninguém me encontraria lá.
- Tingsi, o que faz sozinha aqui? – Ninguém além de Cheongnyong o avatar feminino de Qinglong.
- Você sabe muito bem o que eu faço aqui.
- Mas eu prefiro que você diga.
- Eu não sei o que estou fazendo da minha vida.
- E alguém sabe?
- Qinglong!
- Criança, não dá para fugir desse tipo de coisa.
- Talvez só precise extravazar tudo o que está sentindo. – Disse Jujak aparecendo com as outras.
- E o que você tem em mente?
- Apenas respire fundo e deixe o resto comigo.
- Tenho até medo do que você está planejando.
- Não é algo ruim, eu garanto. – Disse Hye. – Respire fundo e diga o que está se passando em sua cabeça.
Foi o que eu fiz. Respirei várias vezes antes de abrir a boca.
- Se há um prêmio por julgar mal, já sei que vou ser eleita. – As palavras saíram cantadas. – Amar não vale o sofrer, não. – É esse o plano dele? Me fazer cantar essa música do Hércules?! – O verbo amar a razão rejeita!
- Por que a mentira? Ele é terra é o céu é o ar que você respira! – Os deuses cantavam em coro e faziam pose de quem sabiam mais. – Para nós está na cara. Isto não se esconde! Nós sabemos onde sua cabeça está!
- Não dá, não sei, não direi isso, não. – Saí de perto deles, afinal, o que podia fazer?
- E suspirar vai negá-lo, ã ã? – Eles vieram atrás de mim.
- Não ouvirei, não direi que é paixão! – Aproveitei essas linhas para dar um ultimato a eles.
- Thuru thuru uuuh. – Eles fizeram cara de exaustos.
- Meu coração não se emenda. – Dei as costas a eles e segurei a parte do coração. – Tudo é tão lindo no início. Mas a razão diz: se contenha! Se não quiser ir pro sacrifício.
- Vai ficar negando? – Baekho apareceu na minha frente desacreditada. – Essa sensação etérea. – Eles se reagruparam e começaram a dançar. – Já estou notando que você está aérea. Aja como adulta! E já não oculta que isso é, é, é amor! – Eles fizeram uma pirâmide humana em cima da rocha com Baekho deitada no topo, não pude evitar rir.
- Não dá, não sei, não direi isso não! – Pulei para longe deles e só não tomei um tombo e caí na água porque Cheongnyong me segurou.
- Não vai fugir. – Cantou ela.
- Seu sorrir é paixão! – Jujak pareceu do meu lado e bateu com o indicador no meu nariz.
- Eu não topei, não direi que é paixão!
- Chegou enfim, isso sim é atração. – Eles se reagruparam.
- Já é demais, não direi não!
- Ela não dirá.
- Me deixem em paz! Não direi, não!
- Confie em nós, é a lei da paixão. – Hye me entregou uma flor de lótus.
- Ah, ah, ah, ah! – Sentei na beirada e fui deitando devagar para finalizar a performance. - Em alta voz, não direi que é paixão.
Eles terminaram com os sons das musas. Olhei bem para a cara do avatar do pássaro.
- Zhuniao, é sério que você tinha que me obrigar a cantar isso?!
- Eu te fiz cantar o que estava em seu coração, não me culpe por ser essa música. Pelo menos agora você sabe o que há de errado.
- Mas isso não pode acontecer!
- Eu já disse que nem mesmo nós deuses temos controle sobre essas coisas. – Tornou a dizer Qinglong. – Pode negar o quanto quiser, mas a verdade é uma só: você está se apaixonando.
- Mas dois de uma vez?!
- A vida pode ser imprevisível. – Disse Xuanwu. – Meditação é sempre o melhor caminho para exclarecer as coisas.
- Dar um passo de cada vez também. – Era Baihu quem estava me aconselhando. – Não deixe que eles te pressionem porque você ainda não entendeu seus sentimentos. Vá com calma, mas tenha em mente que mais cedo ou mais tarde você terá que decidir se a Terra continuará sendo sua prioridade ou não.
- Iremos te ajudar no que pudermos. – Garantiu Qinglong. – Mas não iremos interferir em suas decisões.
- Obrigada.
- Vamos parar de pensar nisso e nos divertir. Tem muita coisa para fazer.
Sorri para eles. Voltei às atividades e decidi me inscrever no concurso de canto. Teriam várias etapas, então eu teria que escolher algumas músicas se quisesse avançar. Até pediram minha caixa emprestada para tocar a parte instrumental. Como ninguém conhecia as letras da Terra muito bem, eu fui fazendo uma lista mental de músicas que poderia cantar até a final. Tinham uns microfones do traje Diva para que pudéssemos cantar, o bom é que ele não precisava de fio.
- Karenn, vai participar?
- Claro que vou. Na verdade, inscrevi todos os nossos amigos.
- E você fala isso agora sem saber se a gente tinha alguma música preparada?
- Eu já falei com todos eles, não tinha te visto até agora. Onde você estava?
- Resolvendo um assunto meu.
- Você está escondendo alguma coisa como sempre. Não somos amigas?
- Somos, mas tem coisas que prefiro manter para mim.
- Você quem sabe.
Era muita gente participando, então demoraria o dia todo. Alguns até desistiram da candidatura, afinal foram inscritos por outras pessoas. O prêmio seria um traje da Purriry, alguns maanas, moedas de ouro e um ingrediente raro de alquimia.
- Já escolheu suas músicas? – Perguntou Dagma.
- Tenho algumas ideias. E aí, está pronta para subir no palco?
- Sempre. Isso me lembra os festivais da minha vila quando chega a época do festival de música.
- Preciso ver algum dia desses.
- Vocês também vão participar? – Perguntou Nevra vindo com os chefes e Leiftan.
- E perder a chance de te tirar do pódio? E vocês três?
- Eu vou, pois se Nevra não ganhar ou resolver desistir no meio do concurso, terei que conquistar aquele ingrediente eu mesmo.
- Ez, já falei para confiar em mim. Não vou desistir, ainda mais com uma competição tão acirrada.
- Não esqueçam que a Karenn também está participando. – Disse Dagma. – Ouvi dizer que ela teve uma boa classificação no festival de música.
- E quanto a vocês?
- Eu não canto muito bem. – Disse Valkyon.
- Também não acho que canto muito bem e não sei se encararia uma multidão assim. – Disse Leiftan. – Por isso vim apenas desejar boa sorte.
As audições começaram e os 5 purrekos eram os jurados. Parecia o The Voice. Como esperado, eu não entendia porra nenhuma do que eles estavam cantando, às vezes eram músicas que eu nem lembrava que conhecia e às vezes estavam em línguas do tipo elfos de Tolkien. Karenn encantou a todos com sua performance, Dagma não ficava atrás, ela tinha uma voz muito bonita, assim como Alajéa. Ezarel cantava surpreendentemente bem, diferente do Chrome, coitado. Até a Huang Hua estava no concurso. Cheong e Jujak cantaram um dueto de uma música chinesa. Nevra me surpreendeu. Ele foi incrível.
Quando fui ao palco, resolvi cantar Blank Space. O começo era meio monótono, mas dava para fazer muitas caras expressivas enquanto andava pelo palco. A música se transformava gradualmente e fui trabalhando nisso, ficando cada vez mais insana na performance. Cantei a última linha de forma calma e doce, mas que ainda assim era ameaçadora. O público gostou e até aplaudiu.
Depois de muito tempo, a próxima rodada começou com uma bela redução dos participantes. Para ela escolhi Kings and Queens da Ava Max. Usei até uma cadeira como trono como parte da performance. A Purriry gritou durante minha apresentação e começou a dançar junto comigo em cima da mesa dos jurados. Os deuses escolheram uma música do meu mundo também. Ver o dragão e o pássaro dançando Beautiful Liar da Beyoncé e da Shakira era a última coisa que imaginaria.
Na próxima levantei a galera com Black Magic. Dagma, Karenn, Alajéa, Ezarel e Huang Hua tinham passado para a próxima fase também. Nevra não teve dificuldades. A gente começou a competir, mas dessa vez sem aposta. Na próxima escolhi Into You da Ariana Grande e me diverti horrores quando Qinglong e Zhuniao performaram Telephone, sendo que o pássaro cantou as linhas da Lady Gaga e o dragão as da Beyoncé.
- Você é mesmo dura na queda. – Resmungou Nevra.
- O que posso dizer? Cantar é uma das coisas que faço muito bem. Karenn, parabéns!
- Obrigada. É bom se preparar para a próxima rodada porque eu vou vencer.
- Primeiro vai ter que passar por mim. – Dagma estava confiante.
Para a próxima rodada os jurados queriam algo mais romântico. Nevra cantou logo You and I, Ezarel cantou Back at One e Dagma ficou com Crush, que eles tinham ouvido ontem. Filhos da puta. Passei de fase cantando I Want It That Way dos Back Street Boys. Karenn e Huang Hua também avançaram e os deuses fizeram um belo trabalho ao cantar A Whole New World, infelizmente foi a última apresentação deles, pois eles não quiseram continuar.
Tivemos um intervalo para nos preparar e desncansar a voz, pois deveríamos cantar músicas assombrosas. Dagma me explicou que em Eldarya havia músicas de gelar o sangue tocadas no Halloween. O objetivo delas era causar espanto e arrepios. Isso me deu uma ideia. Improvisei um terno com aquelas roupas rasgadas que meus mascotes acharam na exploração junto com um chapéu assustador e itens e Halloween que eles acharam na lixeira do leilão. Tentei fazer uma maquiagem horrenda para parecer morta. Também resolvi incluir os mascotes, coloquei até um pano branco e acessórios de flores em Dala para parecer uma noiva e improvisei um terno para o Cryn com o que tinha.
Quando ouvi os primeiros candidatos, vi que as músicas usavam sons assustadores e tinham letras assustadoras. Purreru morria de medo, coitado. Parece que esse tipo de música era o preferido da Karenn e péssimo para a Huang Hua e para o Ezarel. Nevra arrasou junto com Shaitan. Subi ao palco com os mascotes sendo que Raum, Dala e Cryn seriam os meus principais. Comecei a cantar Vai Chegar Sua Vez da Noiva Cadáver. Dala era a noiva, Raum o vilão e Cryn o Victor, enquanto os outros eram os mortos figurantes encenando e dançando pelo palco. Eles já tinham visto esse filme comigo, então interpretavam muito bem com suas fantasias e a iluminação verde ajudava bastante. Já no primeiro refrão vi que muita gente já estava com medo. Pobre Purreru, ele não vai dormir essa noite.
- Que raios de música foi aquela?! – Perguntou Ezarel quando saí do palco.
- Gostou? É uma das minhas favoritas.
- Graças a você eu vou ter que tomar uma poção poderosa para dormir.
- Tudo isso só por que vai chegar a sua vez?
- Tingsi!
- A morte virá, não importa o freguês. – Ele começou a correr atrás de mim e eu só o provoquei mais. – Você pode até ser esconder e rezar, mas do funeral não irá escapar!
Decidiram voltar com músicas mais melodiosas. Troquei de roupa e vesti o traje que a Purriry me vendeu. Tinha anoitecido e aquele traje fazia muitos queixos caírem, além de ser perfeito para a noite.
- Quando eu te dei esse traje, achei que usaria em um encontro.
- Acho que ele será perfeito para a próxima música.
- Estou curioso para a próxima música. – Gaguejou Purreru.
- Não vai me dar pesadelos, vai? – Perguntou Purroy.
- Não tem como, mas podem se impressionar.
A música escolhida foi Leave All Out The Rest do Linkin Park. Até o Nevra ficou de queixo caído. Essa música era mesmo forte e atingia até a alma, tanto que tive que me esforçar para não chorar por tudo que ela representa.
Na próxima rodada éramos livres de novo, então coloquei uma roupa mais confortável para ir até o final. Não daria mais para trocar de roupa porque cada vez mais saía gente. Para essa rodada cantei Fly da Hillary Duff, já Nevra escolheu They Don’t Know About Us do One Direction. Até tinham outros competidores, mas Nevra era o meu rival naquele concurso.
Aquele vampiro desgraçado cantou What Makes You Beautiful na próxima rodada e levantou a galera. É difícil não cantar essa música. Subi ao palco e dei um show com Born This Way da Lady Gaga com direito a explosão de fumaça azul, roxa e rosa. Até os purrekos dançaram de seus lugares. Eu me diverti muito com essa música.
- Senhoras e senhores, tem sido uma grande disputa, mas infelizmente somente uma pessoa pode levar o grande prêmio para casa. – Anunciou Purral. – Vai ser difícil, pois os nossos finalistas são dois cantores de peso. Deste lado, o galanteador do QG e líder da Guarda Sombra, Nevra! – Ele estava anunciando uma luta de boxe? – E deste lado, a nossa humana delinquente capaz de chutar a bunda do próprio chefe, Tingsi! Como tivemos uma disputa épica, vocês precisarão cantar algo épico.
Purral saiu do palco e voltou ao seu lugar. Nevra cantou uma balada de uma batalha que deuses, foi maravilhosa! Eu precisava de algo tão épico ou melhor para bater de frente com aquilo, mas só uma música vinha à minha cabeça. Esperei tudo se acalmar para começar a cantar.
- Legends never die, when the world is calling you. Can you hear them screaming out your name? – Estava tudo calmo, por enquanto. – Legends never die, they become a part of you. Every time you bleed for reaching greatness. Relentless you survive. – Nessa parte que a música começou a dar uma engrenada.
Naquela hora não me importei em olhar o rosto de ninguém, apenas em cantar com todo o coração e gritar em plenos pulmões quando chegava o refrão. Eu não sei se agradeço ou se mato Yuna, mas terminei a música satisfeita. Saí do palco para que os juízes chegassem a um resultado.
- Tingsi, que música foi essa?! – Perguntou Karenn. – Eu me arrepiei toda!
- Yuna me fez gravar essa merda.
- Ela é muito boa! É a primeira vez que vejo Nevra ir até as finais.
- Você nunca foi? – Perguntei diretamente ao vampiro.
- Não, sempre desisti no meio. Não tinha ninguém para competir comigo. Até agora.
- Tem mais músicas como essa no seu mundo? – Perguntou a Huang Hua.
- Deve ter, eu não conheço todas.
- A gente precisa ouvir mais. Ainda bem que você tem uma caixa musical para nos ajudar.
- Vão ficar anos ouvindo música direto e não vão conseguir ouvir todas.
- São tantas assim?
- São mais de 220 países e uma cacetada de línguas. Isso porque nem entrei nos estilos, há vários deles com muitas divisões, fora a década em que foram lançadas.
- Isso parece muita coisa. – Disse Dagma.
- Isso é muita coisa.
- Você disse mais de 220 países, estamos falando de quantas pessoas? – Tornou a perguntar a fenghuang.
- Depende do país. Alguns podem ter milhares e outros milhões. Tirando a China e a Índia, esses já chegaram na casa dos bilhões.
- Bilhões?!
- Você sabe quantas pessoas têm no seu mundo? – Perguntou Leiftan.
- Sete bilhões e alguma coisa. Eu não sei se esse número diminuiu ou se estamos em quase oito.
Pelas caras que fizeram, o bilhão está fora de questão para eles. Um estranho raio rosa cruzou os céus e caiu em algum lugar perto. Um estranho nevoeiro se dissipou e os civis começaram a correr.
- O que é isso?!
- Estamos sob ataque! – Disse Valkyon. – Nevra, Ezarel e Leiftan venham comigo, o resto de vocês procure abrigo.
- Nem pensar! Vamos levar os civis para um lugar seguro, depois nos juntamos a vocês para combater seja lá o que for.
- Nesse caso levem-nos à sala do cristal. – Disse Huang Hua.
Ficamos eu, Dagma e Karenn para levar os civis à sala do cristal. Karenn ficou por lá para controlar a multidão enquanto eu e Dagma fomos aos nossos quartos pegar nossas armas. Raum queria vir comigo de qualquer jeito, então deixei Frostbite protegendo o quarto, Gronk a sala do cristal e Raum nos ajudando nas buscas. Acabamos encontrando Miiko e os rapazes. Miiko estava traçando planos e disse para eles pegarem suas armas e investigarem a origem dos ataques com Jamon.
- Quanto a vocês duas, voltem para dentro. – Disse Miiko. – Não vou arriscar a segurança de vocês duas.
- Nem pensar. Vamos ajudar.
- Podemos fazer outra ronda. – Sugeriu Dagma. – Valentine não estava no meu quarto e eu não faço ideia de onde ela possa estar.
- Achem a macote e vão para a sala do cristal, por favor.
Achei aquilo meio estranho. Dagma era muito responsável com Valentine. Os rapazes e a Miiko foram investigar.
- Onde você acha que ela pode estar?
- Não se preocupe, ela está no meu quarto. Vamos fazer outra ronda e ver se não deixamos ninguém para trás.
Foi o que fizemos. Felizmente já tínhamos levado todos embora, então fomos ajudar os outros. Nós os encontramos lutando contra uma mulher com o cabelo cheio de tranças preso em um rabo de cavalo. Ela também tinha um bastão que prendia dois Black Dogs e um mascote em correntes de energia como se fossem coleiras. Uma força poderosa e maligna emanava dela. Se eu não tivesse vivenciado o poder de Baihu, estaria apavorada, no entanto apenas respirei e segurei Raum. Precisava pensar em algo.
- Temos que ajudá-los! – Exclamou a outra humana.
- Olhe para o bastão dela. Tem algo ali.
- Aquilo é um pedaço do cristal corrompido! Tingsi, a gente não pode fazer nada.
- Se acalme para começar.
Raum estava inquieto, eu mal conseguia segurá-lo. Ainda assim consegui observar que mulher sinistra pouco atacava, os mascotes faziam o todo o trabalho. Uma ideia surgiu.
- Temos que distrair as criaturas. Raum, você cuida disso. Só assim poderemos lutar contra a mulher. Dagma, pegue o arco. Eu vou atrás dela.
- Tome cuidado.
Raum se jogou na batalha para ajudar a eles. Eu fui em direção à mulher. Ela disparou um raio contra mim, mas eu consegui impedi-lo com o chicote corrente e o usei para atacá-la. Ela desviou com certa facilidade. Miiko conseguiu se aproximar e começou a lutar com ela. Eu me juntei a ela na luta e ao contrário dos golpes dela, os meus foram mais efetivos, o que a obrigou a recuar, dando chance da Miiko atacar. Cada raio que ela lançava em nós duas, eu não via outra escolha além de desviar ou usar o chicote corrente. Eu não sou boa com ele, mas a adrenalina tocava o foda-se.
Dagma soltou uma flecha que feriu a mulher de surpresa, afinal, ela estava tão concentrava em nós duas que nem a tinha visto. Um dos Black Dogs tentou atacá-la, Mas Nevra foi atrás dela. Ela atacou novamente, mas não foi a mim ou a Miiko, ela tentou atacar Nevra, que estava mais exposto. Eu não tinha como impedir, só consegui ver Dagma correr até ele para tentar parar o ataque e depois um clarão. Tivemos que nos jogar para o lado tentando nos proteger. Quando tinha acabado, notamos que os mascotes da tal mulher tinham recuado, a grama estava queimada e Raum tinha procurado abrigo, felizmente não foi nada grave. Podem ser inimigos, mas ainda são animais.
- Mas o que é você?! – Perguntou a tal mulher.
- Desde quando você tem poderes?! – Perguntei aos gritos sem deixar de prestar atenção na inimiga.
- Eu não sei!
- Não importa, taca nela!
Ela conjurou uma luz dourada e a lançou, mas a vaca desviou. A mulher misteriosa juntou as mãos no bastão em uma espécie de prece e começou a evocar sombras em uma língua desconhecida em direção ao cristal. A Miiko também começou a falar em uma língua estranha. A mulher nos atacou e a Miiko criou um escudo parecido com a energia do Oráculo, contra-atacando o golpe da vagabunda.
- Pelo visto vocês evoluíram um pouco. Mas lembrem-se: eu voltarei! Vocês estão apenas adiando sua destui....
Estalei o chicote corrente no rosto da vagabunda, é assim que vou chamar até descobrir o nome dela, conseguindo um belo de um arranhão. Se existe uma coisa que eu odeio é vilão que faz discursinho. Ela me olhou com ódio, em seguida Dagma soltou um raio de calor e a vagabunda recuou em uma nuvem de fumaça. Ela sumiu, Miiko caiu e eu a peguei.
- Vamos levá-la à enfermaria, depois a gente pensa no resto.
Já fui assumindo a frente e definindo nossa prioridade. Não é por nada não, mas ficar de papo com a adrenalina lá em cima e a Miiko precisando de cuidados, era algo bem idiota, até porque precisávamos pensar nas coisas com calma. Valkyon carregou a Miiko, que estava exausta. Quando entramos no QG, Ezarel correu para chamar a Ewelein e a Huang Hua. As duas vieram imediatamente.
- Precisamos evacuar o QG. – Miiko começou a falar. – Preciso falar com eles.
- Uma coisa de cada vez, Ahri paraguaia. Deixa a Ewelein cuidar de você primeiro e depois a gente fala de evacuação.
- Sem contar que se eles te virem nesse estado, irão entrar em pânico. – Disse Huang Hua.
- Mas eu preciso contar a verdade a eles. Não posso mentir sobre o verdadeiro perigo que aquela mulher é.
- Miiko, eles vão saber. – Tornei a falar. – Só que precisamos pensar em um plano de evacuação. Não dá para mandar todo mundo para fora de Eel no meio da noite sem saber onde enfiar esse povo.
- Tingsi está certa. – Valkyon me apoiou. – Precisamos de um plano para evacuar estas pessoas em segurança.
- E de um lugar para deixá-las.
- Podemos conversar com Leodille e pedir para que os myconides e os balenvianos acolherem a todos. – A ideia partiu de Dagma. – Afinal, ela é a emissária deles. Se não der certo, podemos acolhê-los no Templo Fenghuang.
- Essa é uma ótima ideia.
- Preciso fazer um anúncio a todos.
Levamos Miiko até a sala do cristal, que fez seu anúncio e deu as más notícias a todos. Foi a primeira vez que ouvi seu título e fiquei sabendo por Chrome que ela era uma princesa exilada das Terras de Jade do Norte. Leodille se ofereceu para acolher o povo de Eel em nome dos balenvianos e myconides. Cryllis também ofereceu ajuda em nome dos Bugbears. A Miiko acabou desmaiando de cansaço, então Ewelein iria levá-la à enfermaria. Como todo mundo parecia em choque, resolvi tomar a liderança por mim mesma.
- Leodille, Cryllis, nós aceitamos a ajuda de vocês. Vamos criar um plano de evacuação dos habitantes de Eel. Para isso vou precisar de todos os membros da guarda. Aqueles que puderem lutar, erguam suas mãos agora. – Vi algumas mãos se levantarem. – Ótimo. Precisamos de um plano de evacuação. Leodille, Cryllis, preciso que venham conosco. Quanto ao resto, descansem, precisamos de todos na sua melhor forma.
Fui para um canto mais afastado e me sentei com Dagma, Huang Hua, os rapazes, Leodille e Cryllis para discutir detalhes do plano. Poderíamos escoltar pequenos grupos pela floresta e de lá os amigos do Cryllis os escoltariam até Balênvia. Reinterei que as escoltas deveriam ser feitas por membros da guarda e esses mesmos membros deveriam retornar ao QG depois da escolta. Organizamos os grupos e planejamos como administrar os próximos dias. No final, fomos descansar. Eu me aproximei de Dagma.
- Dagma, podemos conversar?
- Sobre?
- Aquele raio de calor que você soltou.
- Eu não sei como fiz aquilo.
- Na verdade isso não importa, o que importa é que você sabe fazer.
- O que está insinuando?
- Você precisa treinar esse poder.
- Mas eu nem sei como fiz aquilo!
- Por isso que precisamos treinar esse poder. Sem treinamento, você pode acabar perdendo o controle. Da próxima vez que ele se manifestar pode ser caótico.
- Talvez seja melhor não usar isso.
- Ignorar e suprimir é pior ainda. Uma hora ele vai se rebelar e vai ser um caos. Acredite, já vi X-men e Frozen o bastante para saber disso.
- O que é isso?
- X-men é uma série de quadrinhos que ganhou filmes e desenho. É sobre uma sociedade em que as pessoas que nascem com poderes são oprimidas, então eles escondem isso, só que tem um cara que cria uma escola para ajudá-las a controlar os seus poderes e Frozen é um filme de uma garota que nasce com poder e os pais a mantém escondida do mundo a vida toda.
- Os duas obras tratam da mesma coisa?
- Não exatamente. Uma fala de minorias e a outra sobre o amor de duas irmãs, mas o conceito dos poderes é o mesmo. Se você reprimir e tiver medo, é mais fácil das coisas saírem do controle.
- E como eles controlam esses poderes?
- Depende do poder. O principal é não ter medo. Aí vem a prática, mas depende do poder. Tipo, tem um cara que solta raio pelos olhos e precisa usar óculos escuros para isso, uma garota que move as coisas com a mente, enfim. A gente pode tentar juntas se quiser.
- Não parece tão ruim. Tingsi, você acha que isso possa ter ligação com o meu pai?
- Só pode. Não existem humanos que soltam raios pelos olhos ou coisa do tipo. Nevra não disse que tinha uma base queimada?
- É verdade. Talvez isso nos ajude a descobrir que tipo de faerie era o meu pai.
- Vamos cuidar disso amanhã. Por enquanto vamos dormir.
No dia seguinte estava tudo pronto. Pedi para alguns membros com experiência em combate para fazer as viagens, sempre revezando quando retornassem. Eu deixei tudo nas mãos dos reluzentes, pois tinha ido treinar com Dagma. Nevra tinha ouvido nossa conversa e concordava que os poderes de Dagma também eram nossa prioridade, afinal se ela os usasse de novo sem o mínimo controle poderia causar uma tragédia.
- Vamos começar com taichi.
- Não seria melhor eu tentar invocar meus poderes?
- Quem é a mestra aqui?
Começamos com movimentos suaves e exercícios de respiração.
- Esvazie sua mente. Pense no que aconteceu momentos antes de descobrir seus poderes. Pense em como se sentiu naquele momento. Não tenha pressa e não force a memória, apenas deixe os pensamentos fluírem.
Ficamos nisso por um bom tempo até que Dagma conseguiu invocar seus poderes. Ela emanava calor pelas mãos através de uma luz dourada, a deixando admirada e ao mesmo tempo assustada.
- Não tenha medo deles. Eles são parte de quem você é agora. Concentre-se neles, o que está sentindo?
- Eu não sei, é tão quente, mas não queima. É brilhante também.
- Consegue apagá-los? – Ela o fez. – E invocá-los de novo? Não esqueça de se concentrar. – E assim ela o fez. – Ótimo! Agora vem a parte divertida.
- Tem parte divertida?
Peguei alguns gravetos grandes e os reuni. Também peguei algumas garrafas e coloquei em cima de banquinhos e trouxe um balde com água e alguns copos.
- Consegue acender uma fogueira?
- Você está falando sério?
- Temos que descobrir o que seus poderes são capazes de fazer. Que forma melhor de fazer isso do que testá-los? Vai, se concentra e tenta acender.
Dagma lançou seu poder nos galhos reunídos e acendeu a fogueira. Ficamos felizes com o resultado. Tive a brilhante ideia de tentar absorver o calor da fogueira que tinha acabado de acender. Ela não conseguia absorver, mas conseguia gerar. Anotei no meu caderno. Dei a ela um copo de madeira com água.
- Tenta ferver sem destruir o copo.
Ela ferveu a água, mas chamuscou o copo. Fez outra tentativa e foi a mesma coisa. Tentei ver se ela conseguia derreter metal, ao que parece só conseguiu deixar quente para um caralho mesmo, a desafiei a explodir alguma coisa e até desafiei a atirar nas garrafas em cima do banquinho. Peguei o chicote comum para treinar também, afinal, eu precisava melhorar a pontaria. Parecíamos duas adolescentes com o cartão de crédito do pai. A gente se divertia inventando coisa para fazer com os poderes dela, afinal, não era todo dia que encontrávamos alguém capaz de manipular calor.
- Eu sei que vocês duas estão se divertindo, mas temos muito trabalho a fazer. – Disse Ezarel.
- Ez, olha o que eu consigo fazer.
Dagma colocou fogo em um monte de banquinhos e eu tive que apagá-los. Ezarel ficou chocado tentando entender o que tinha acontecido.
- Você fez isso ontem.
- Sim e graças a Tingsi, estou descobrindo o que consigo fazer e como controlar.
- Receio que vão ter que parar com seu treino. Temos muita gente para escoltar.
- Tingsi e eu podemos fazer isso, certo?
Apenas concordei. Nós ajudamos a levar os civis para a floresta. Quando estávamos levando o último grupo, algo chamou minha atenção. Era um pedaço do cristal, ele estava negro como nas grutas, claramente estava corrompido. Tive uma sensação ruim e algo dentro de mim gritava para me afastar.
- Dagma, você tem um pano ou algo assim?
- Aqui.
Peguei o cristal com o pano, ele tentou me machucar, então o soltei no chão. Ele virou uma adaga, se revelando uma armadilha. Terminamos nossa escolta e voltado ao QG. Entreguei a adaga embrulhada à Miiko e contei o que tinha acontecido. Miiko descobriu a identidade da vagabunda. O nome era Naytili, ela foi expulsa da guarda há 10 ou 15 anos por erro grave e agora queria matar todo mundo. Parece até que filme de super heroi. E para completar, a Miiko queria que fugíssemos.
- Você bebeu, Ahri paraguaia?! A gente não pode fugir!
- Vocês viram o quanto ela é perigosa. Além de atacar o QG, ela ultrapassou muitas de nossas barreiras.
- Se fugirmos, sabe se lá o que Naytili vai fazer com o grande cristal. – Disse Dagma. – Não podemos deixar que o povo de Eldarya sofra com isso.
- Eu sei, mas vocês viram que ela tem um cristal e três mascotes, sendo um Fenrisulfur e dois Black Dogs. Você e Nevra sabem melhor do que ninguém o quanto é difícil domesticar um Black Dog e ela tem dois! Não vou nem falar do Fenrisulfur.
- Como assim difícil?
- Tingsi, você tem um. – Disse Nevra. – Eles são ferozes e são difíceis de domesticar, principalmente um adulto.
- Na verdade eu só precisei entrar no limiar, conversei com ele e ofereci comida e abrigo. E nós entramos em um acordo que se ele tentasse matar meus mascotes encontraria problemas.
- Nem fodendo.
Raum entrou na sala do cristal como um raio. Ele começou a andar de um lado para outro e a grunhir. Ninguém sabia o que ele queria.
- O que ele quer? – Perguntou a Miiko.
- Só há uma forma de descobrir. Deem as mãos.
Nevra, Dagma, Huang Hua e Miiko deram as mãos enquanto Leiftan, Ezarel e Valkyon foram cuidar das defesas do QG. Levei eles ao limiar onde Raum era mais concreto.
- O que foi, Raum?
- Eu ouvi o que vocês estavam dizendo. Domesticar?! Vocês acham que somos que?! Um bando de animais?!
- Ele fala?! – Gritaram os quatro presentes.
- Fala. Não foi bem o que eles queriam dizer, mas você me chamou aqui para isso?
- Não, foi para falar da vagabunda. É porque você não me ouvia, se tivesse ouvido, teria notado.
- Do que ele está falando? – Perguntou Nevra.
- Raum, você sabe que não podemos te ouvir no mundo material. O que aconteceu ontem?
- Os Black Dogs não são companheiros da vagabunda. Aquilo foi um contrato de submissão e agora são servos. Se tivesse vindo ao limiar, teria presenciado suas almas conflitantes.
- Essa mulher é um monstro! – Exclamou o vampiro.
- Isso é pior do que eu imaginava. – Disse Miiko. – Estão vendo por que eu quero que fujam?
- Deixa de ser idiota, kitsune. O que você acha que ela vai fazer depois que mantiver essa pedra brilhante em mãos?
- O que você sugere? – Perguntou a Fenghuang.
- Libertem-nos e vocês terão aliados poderosos. Destruam o centro de poder da vagabunda e ela ficará fraca. Se preciso, tragam a luta para o limiar.
Raum saiu porta a fora e voltamos ao mundo material. Não sabia como faríamos, mas pelo menos tínhamos uma nova opção.
Chapter 37: Capítulo 37
Notes:
Para esse capítulo, recomendo que tenham visto o filme A Origem, para ficar mais fácil interpretar as referências.
Chapter Text
===Tingsi===
Dagma e eu fomos falar com Ykhar para descobrirmos uma solução enquanto Nevra ficou de informar os outros. Fiquei sabendo de um monstro que devorou boa parte dos arquivos da biblioteca, mas não podíamos desistir. Mesmo Dagma e eu nos oferecendo, Ykhar disse que poderia fazer a pesquisa sozinha. Nós duas voltamos a treinar os poderes de Dagma, pois eles poderiam ser úteis. Nós fomos à prisão para ver se dava para usar de lanterna.
- Dagma, seus poderes são incríveis!
- Obrigada. O que faremos agora?
- Bem, a gente já explodiu coisa, tacou fogo, usou de lanterna, só falta derreter metal e controlar a temperatura da água. Vai treinando com eles para ter mais controle.
- Certo.
Os poderes dela envolviam luz e calor, então daria para fazer um monte de coisa com eles além de derreter gelo. Fomos informadas da evacuação do restante dos membros da guarda. Nevra teve que botar sonífero na comida da Karenn porque ela não queria deixá-lo de jeito nenhum. No final só ficamos eu, Dagma, Miiko, Huang Hua, Ewelein, Ezarel, Nevra, Valkyon e Leiftan em todo o QG. Eu tinha evacuado os mascotes também, só ficaram Gronk, Jinp, Sirius e Raum. Jinp não queria deixar Raum de jeito nenhum, parece que alguém tem um melhor amigo. Já, Sirius, ninguém o segura mesmo.
Voltando o foco para a Ykhar, ela descobriu que havia um ritual capaz de escravizar outros seres e que para isso ser possível era preciso invocar um daemon. Não pude evitar pensar no daemon que eu e Raum vimos na floresta. Ele estaria por trás disso? Leiftan me pediu para não comentar com ninguém, então fingi demência e perguntei se não estavam todos extintos. Miiko me explicou que sim, mas alguns seguidores faziam cultos evocando a força e o espírito deles. Porra, nem extintos os caras descansam?! Resumindo a novela: se descobrimos os nomes dos daemons que os bichos estão ligados, nós os libertamos.
- E como faremos isso? – Perguntou Dagma.
- Bem....
- Ykhar, sem rodeios, por favor.
- Está bem. Teremos que usar as portas Janus-Geb.
- Janus não é o deus romano das mudanças e transições e Geb não né o deus egípcio da terra? – Perguntei.
- Você conhece mitologia?
- Algumas.
- Não tem nada a ver com mitologia, é só um nome. – Contou Huang Hua.
Ykhar explicou que o ritual fazia com que exploradores entrassem nas mentes das pessoas sendo guiados por outra pessoa que denominavam passarela. Basicamente é como Altered Carbon, série foda, ou a Empatia de The Untamed ou mesmo A Origem só que um pouco diferente. Só que precisávamos que o espírito da passarela e o da vítima tivessem forte ligação, coisa que nenhum de nós tínhamos.
- Acho que Tingsi poderia ser a passarela. – Sugeriu Ykhar. – Apesar de não ter ligação, você tem um grande poder espiritual capaz de entrar no limiar entre os mundos material e espiritual. Talvez possa conectar seu espírito com o da Naytili.
- Eu tenho cara de Ino Yamanaka agora?
- Quem?
- Deixa para lá. Então, como a gente faz isso?
- Tem alguns riscos que precisa saber.
Dando um resumo para a conversa não ficar muito longa: vou virar o GPS da galera em outro país. Se eu guiá-los para o lugar errado, eles podem ficar perdidos para sempre enquanto o GPS está tranquilo porque fica na fronteira. Isso quer dizer que se eu levar o grupo para o lugar errado, eles podem ficar presos no espírito da Naytili por minha causa. Resumindo: me fodi duplamente.
Os rapazes não iriam nessa missão e sim a Miiko, a Huang Hua e a Dagma, que convenceu as duas que poderia ir. Ykhar nos deu todos os detalhes e até falou de uma poção para deixar deixar nossos espíritos flexíveis. Miiko não ficou nada feliz com os ingredientes.
- Nem pensar!
- Mas o círculo de invocação deve ser consagrado pelo sangue de um dragão e precisamos das garras ou seus espíritos continuarão presos à realidade.
Enquanto eles discutiam, eu comecei a pensar. Geralmente eu me desprendo da realidade quando entro nos planos espirituais, muitas vezes com ajuda da minha caixa, porém se eu revelar isso pode dar uma merda gigante, pois se trata de um objeto de grande poder. Mesmo que eu a use, não tenho certeza se posso levar todo mundo, o mundo espiritual é diferente do limiar. Quanto ao sangue e as garras de dragão, será que Qinglong me arruma uma unha roída e um absorvente usado?
Logo estava tudo pronto e poderíamos começar os treinos. Ykhar iria nos guiar através da mente da Huang Hua para que entendêssemos com o que estaríamos lidando. Ela nos deu as últimas orientações antes de prosseguir. Tomamos uma poção para relaxar, entramos no círculo e recitamos o encantamento. Algum tempo depois nos encontrávamos no que parecia ser uma ponte serpenteando os céus em tons pastéis. Tudo era calmo e sereno.
- É tudo tão calmo aqui, e tão sereno. – Disse Dagma. – Mas ao mesmo tempo é tão vazio.
- Huang Hua não é particularmente atraída por bens materiais. – Contou Miiko. – Não me espanta que sua mente seja assim.
- Vocês ouviram a Ykhar dizer que a Huang Hua iria facilitar para a gente e teríamos que ver só uma lembrança, não? Isso é só uma parte do que está mostrando. Na verdade, tudo aqui é o que ela quer nos mostrar.
- Alguém realmente me ouviu. – Ouvimos a voz da Ykhar. – Mas por que você acha isso?
- Posso não ser psicóloga, mas a mente é algo bem complexo, não dá para ter um único caminho.
Tenho passado tempo o suficiente na terapia com Xuanwu para isso. Todo mundo tem suas dificuldades, arrependimentos e problemas ao longo da vida, não é possível uma mente não ter nada para mostrar. Fomos seguindo pelo caminho. Era tudo tão luminoso, mas ainda assim eu pressentia uma aura maligna.
- Miiko, o que aconteceu? – Dagma perguntou de repente.
- Nada.
- Por favor, me conte.
- Nada com o que se preocupar.
- Meninas, vocês precisam se manter unidas. – Escutamos Ykhar dizer. – Eu ainda não encontrei a porta.
Vagamos pelo que foi uma eternidade. Estava ficando insuportável, pois além da frustração de não encontrar a porra da porta, a Miiko e a Dagma discordavam de tudo. A voz da Ykhar ia ficando cada vez mais longe também. Resolvi me afastar do grupo e esfregar as têmporas. Estava de saco cheio e para piorar eu sentia a mesma sensação de quando estava na floresta com Nevra, tinha alguma coisa errada. Resolvi praticar um pouco de taichi e meditar sobre o problema.
Eu estava presa em uma mente com um único caminho, sendo que às vezes ele se dividia em dois. Não encontrava a porta de jeito nenhum e o cenário também não ajudava, já que era sempre a mesma coisa. Se eu fosse o Leonardo DiCaprio no filme A Origem, o que faria? Um calafrio percorreu meu corpo. E se ela tivesse criado um labirinto para nos impedir de avançar? Como na escada que o Arthur criou para ensinar a Ariadne?
- Tingsi, isso é hora de fazer taichi?
- Cadê a Miiko?
- Eu não sei, ela saiu andando.
- A gente precisa achar a Miiko e voltar para a Ykhar agora!
- Está tudo bem?
- Não, depois eu te explico.
Fechei os olhos e peguei a mão de Dagma. Se desse para entrar no mundo espiritual dentro da mente da Huang Hua, seria perfeito. Quando abri os olhos, tudo estava inteiramente branco e cinza claro, nossas cores estavam normais, mas o céu abaixo de nós brilhava em laranja.
- O que é isso?!
- Acho que é o espírito da Huang Hua.
- Como isso é possível?!
- Dagma, eu entrei em uma camada do plano espiritual. Essa camada é mais complicada de entrar, mas pelo menos posso achar o espírito da Miiko.
Como nosso corpo físico não estava ali, tudo era matéria espiritual, então podíamos caminhar sem nos preocuparmos em acordar nos nossos corpos há quilômetros dali. Não foi difícil achar o espírito da Miiko. Era uma fumaça vermelha que cada vez mais se diluía. Consegui segurar o que deveria ser sua mão. Após chamá-la pelo nome e pedir para que não fosse embora, ela se materializou.
- Meninas, me desculpem, eu me perdi.
- Não tem problema, nós te achamos.
- O que aconteceu?!
- Explico depois. Vamos achar a Ykhar.
Eu as guiei até uma luz azul no teto. Não ouvíamos nada, então decidi voltar ao plano da mente da Huang Hua. Eu estava cansada e pedi para encerrarmos o treino. Voltamos aos nossos corpos, mas eu não aguentei em pé. Se Leiftan não tivesse me segurado, eu estaria no chão.
- Desculpe, é tudo culpa minha. – Disse Ykhar. – Eu nunca tinha praticado esse ritual antes e não estava à altura.
- Não, é minha culpa. – Disse Miiko. – Eu me perdi.
- Não, a culpa é minha. – Disse Dagma. – Eu não devia ter te pressionado e brigado com você.
- O próximo que disser “minha culpa” vai ganhar uma voadora quando eu me recuperar. – Consegui dizer, embora minhas forças estivessem me abandonando. – Foi só a primeira tentativa, a gente não sabia com o que iria lidar.
- Tingsi, por favor, poupe suas energias. – Pediu Leiftan.
- Vamos fazer melhor na próxima.
Tudo se tornou escuro. Acho que ouvi alguém gritar meu nome.
===Dagma===
- TINGSI!
Praticamente todo mundo gritou quando ela desmaiou. Ewelein foi rapidamente checar seus sinais vitais.
- Ela está exausta.
- Eu avisei que o preço era alto demais. – Disse Miiko.
- Não acho que o ritual tenha feito isso.
- Por que acha isso? – Perguntou Dama Huang Hua.
Contei a eles o que tinha acontecido. Desde que entramos na mente da Dama Huang Hua até a forma que encontramos a Miiko. Todos entraram em choque.
- Essa garota quer morrer?! – Exclamou a kitsune. – Entrar no mundo espiritual dessa forma é muito perigoso!
- Eu não sabia que ela podia entrar no mundo espiritual. – Disse a fenghuang.
- Nem eu, eu só sabia que ela podia entrar no limiar, mas não no mundo espiritual. O poder espiritual dela é mesmo impressionante.
- O que faremos agora? – Perguntei.
- Esperaremos Tingsi acordar. – Disse Dama Huang Hua. – No entanto estou preocupada com o tempo que temos.
- Quantas doses ainda temos? – Perguntou Miiko.
- Oito. Serão mais sete treinamentos e a última será o grande salto.
- É o suficiente, mas não podemos continuar com Tingsi nesse estado. Não quero ser pessimista, mas não temos muito tempo.
Tenho que concordar que temos pouco tempo. Se Tingsi estivesse acordada, ela pensaria em algo, ela sempre pensa em um plano B.
- Ykhar, tem a possibilidade de ter duas passarelas?
- Por que a pergunta?
- Eu estava pensando se tem alguma forma de eu substituir a Tingsi. Não tomar o lugar dela, mas estamos ficando sem tempo e se ela não estiver em condições na hora, não seria melhor ter alguém para substitui-la?
Eles se entreolharam por um instante. Ezarel gritou que era loucura, mas estávamos mesmo ficando sem tempo.
- Você está certa. – Disse Ykhar. – Não podemos esperar Tingsi se recuperar para continuar. Não sabemos quando Naytili nos atacará, então vamos continuar.
- Vamos tentar entrar na mente da Tingsi dessa vez. – Sugeriu Dama Huang Hua. – Acredito que por estar desacordada possa ser mais fácil e será um ótimo treino.
- Leiftan, por favor, cuide bem dela enquanto estivermos em sua mente.
- Pode deixar.
Entramos na mente da Tingsi e eu nunca vi uma mente tão bagunçada. Havia muitas plataformas, alguns caminhos e pontes estavam destruídos, sem contar a infinidade de caminhos que tinha. Havia muitos prédios cinzentos e retangulares cobertos com luzes de cores vivas e artificiais que cegavam nossos olhos e grafites em cores vibrantes que brilhavam na escuridão. O chão era asfaltado e havia poças de chuva refletindo as luzes artificiais. Em contraste com isso, o céu noturno exibia cores pastéis e sonhadoras e era cheio de estrelas, como uma galáxia. Também havia lanternas de papel penduradas e flores de lótus com velas voando pelos céus. Era tanta informação que eu não sabia para onde olhar.
- Isso é um verdadeiro caos! – Comentou Miiko.
- É tanta coisa que não faço ideia para onde olhar.
- Não podemos perder o foco. – Afirmei. – Ykhar, está vendo alguma porta?
- Há várias. Irei levá-las à mais próxima.
Seguimos as instruções de Ykhar e nos deparamos com um caminho destruído. Não tínhamos como atravessar, então Ykhar nos guiou para outra porta. Enquanto caminhávamos, pude notar que os prédios não tinham portas, apenas janelas coloridas. Paramos em frente a um prédio e no lugar da porta, tinha um espelho.
- Ykhar, você tem certeza de que estamos no caminho certo? – Questionou Dama Huang Hua.
- Sim. Era para a porta estar bem na frente de vocês.
Me aproximei do espelho para analisá-lo melhor. Uma ideia louca passou por minha cabeça. Havia uma história de uma garota que atravessou o espelho e Tingsi era tudo, menos previsível. Sem perder tempo, atravessei o espelho. Miiko e Dama Huang Hua vieram atrás de mim.
Nos deparamos com a memória de Tingsi mais nova, ela devia ter uns 14 anos e estava começando uma escola pública diferente. Uma menina tinha derramado suco de uva nela e ganhou um soco bem no meio do nariz, além da Tingsi derramar uma lata de lixo na garota. Ela acabou indo para a detenção. Um garoto de cabelo preto e olhos azuis vestindo roupas largadas acabou se sentando perto dela na detenção.
- Quem diria, carne nova no pedaço. Por que está aqui?
- Soquei uma idiota que fez isso aqui. – Ela apontou para a mancha de suco na roupa.
- Então você é a garota que estavam comentando no recreio. Você tem um belo gancho.
- E você, o que fez para estar aqui?
- Eu fui pegar a minha gaita, mas eles decidiram me punir.
- Só esqueceu de dizer que você invadiu a sala dos professores para isso. – Disse uma garota ruiva de cabelo liso, olhos castanhos e maquiagem pesada.
- Pelo menos eu não fui pego beijando a filha do diretor, né Rachel?
- Mas você é um cretino!
- Fala pessoal! – Exclamou um garoto de cabelo rosa e olhos verdes entrando na sala.
- Hei, João! – Cumprimentou o de cabelo preto. – Foi pego vendendo as respostas do dever de casa de novo?
- Não, foi maconha mesmo. – Ficamos as três chocadas.
- Tinha que ser o João. – Disse um garoto loiro de olhos azuis lindo demais.
- E você, Sebastian, o que você fez dessa vez?
- Explodi uma bomba de bosta no meio da aula.
- Não liga para eles. – O de cabelo preto se voltou para Tingsi. – Pode não parecer, mas são eles são inofensivos. A propósito, sou Isaiah.
- Tingsi.
Isaiah? Esse não era o nome do melhor amigo da Tingsi de Reims? Isso significa que eles se conheceram no castigo e ele conhecia aqueles problemáticos? A memória tinha terminado e nós saímos.
- Dagma, Tingsi comentou sobre alguma dessas pessoas? – Perguntou Miiko.
- Ela me contou um pouco sobre o Isaiah, que era o melhor amigo dela. Deve ser como eles se conheceram.
- Vamos continuar. – Disse Dama Huang Hua.
Ykhar nos guiou até outro espelho. Ao atravessarmos, vimos que Tingsi estava um pouco mais velha, lá pelos 16. Isaiah tinha posto um brinco no lábio inferior, dois pinos na sobrancelha direita e pequenas argolas nas orelhas, além de usar uma touca. Mesmo desleixado e cheio de brincos, ele tinha crescido bonito. Ambos estavam com o mesmo grupo da detenção e o tal João estava desesperado.
- Vocês precisam me ajudar! – Ele exclamou. – Eu coloquei a maconha que estava guardando para um amigo na lasanha na aula de economia doméstica.
- Por que caralhos você fez isso?! – Perguntou Rachel.
- Eu não sabia que eles iriam andar com um cão farejador na escola hoje!
- João, você está com a cabeça aonde?! Esqueceu que acabaram com um ponto de vendas aqui perto?!
- Vão parar com essa porra! – Tingsi interveio. – As nossas coisas vão ficar até a feira beneficente. Só precisamos fazer outra lasanha e trocar com a que o João colocou a maconha. A gente só tem que ver onde vai cozinhar esse raio dessa lasanha e trocar na próxima aula.
- Não precisamos esperar até lá. – Disse Isaiah. – Podemos fazer isso hoje à noite se conseguirmos cozinhar.
- Obrigado gente, vocês são demais.
A memória mudou para o grupo na porta dos fundos com uma sacola contendo a outra lasanha. Isaiah arrombou a fechadura para que o grupo pudesse entrar.
- Onde você aprendeu isso? – Perguntou Tingsi.
- Meu pai era chaveiro. Se quiser eu posso te ensinar mais tarde.
- Hei, temos uma missão a cumprir. – Disse Sebastian.
O grupo avançou com cautela pelos corredores, evitando os professores que ainda estavam ali. Isaiah arrombava todas as portas que encontrava pelo caminho com uma habilidade surpreendente. Eles estranharam os professores na escola naquele horário. Foi então que descobriam que o diretor e alguns professores foram fazer uma degustação dos pratos dos alunos para ver quais venderiam na feira e todos eles foram drogados. Eles conseguiram trocar os pratos e saíram de lá rindo. Os outros foram para o terraço da escola passar algum tempo e Isaiah usou a própria porta de lá para começar a ensinar a Tingsi.
- Ela sabe abrir fechaduras?! – Dava para ver que a Miiko estava irritada.
- Ykhar, tem outro espelho por perto?
Fomos atrás de mais um espelho. Nesse, Tingsi estava em um quarto isolado com Isaiah machucado.
- Seu padrasto é um monstro! A gente tem que ir à polícia!
- Não adianta, eles estão pouco se fodendo. O melhor a fazer é sumir por uns tempos até poder sair daquele inferno.
- Por que você não arruma um emprego como eu? A gente junta um dinheiro e aluga um quarto, um hostel, qualquer merda.
- A gente é menor, ninguém vai ser louco de receber aluguel de dois adolescentes, principalmente eu que tenho pais que iriam me arrastar para casa. Mas não é uma ideia ruim, talvez eu arrume um emprego e junte algum dinheiro até os 18 e caia fora de casa.
- Enquanto isso não acontece, você pode ficar aqui sempre que quiser.
- Obrigado. Ah, eu achei um saco de caramelos na mochila. São seus favoritos, não?
- Mentiroso, se estivessem na sua mochila você já teria devorado tudo sozinho.
- O que eu posso fazer? Eles são tão gostosos.
Os dois dividiram os caramelos. Foi uma lembrança curta, mas não impediu que tivéssemos um pouco de pena. Tingsi não era apenas uma pessoa problemática, ela realmente se importava. Conseguimos ir a outra porta e nessa, ela estava bebendo com seus amigos em cima do telhado da escola, mas Rachel não estava com eles. Ela e Isaiah dividiam um saco de caramelos.
- Agora que a escola acabou, o que pretende fazer? – Ele perguntou.
- Eu não sei.
- Você não tinha feito uma aplicação para a universidade?
- Sim, eu fui aceita na Anteros, mas eu não sei se devo ir.
- Do que você está falando? É o seu sonho cursar artes visuais.
- Mas se eu for, isso significa deixar vocês. E como você vai ficar?
- Desapontado por você jogar fora uma oportunidade dessas para continuar trabalhando naquela loja de vinil. Você pode sair daqui e mudar de vida e o melhor, trabalhar com o que você tanto quer. – Ele segurou a mão dela. – Tingsi, eu vou ficar bem. Vá para a faculdade e deixa que eu e a galera nos viramos. Qualquer coisa, a gente invade o bagageiro do trem para te visitar.
Ele bagunçou o cabelo dela, que apenas sorriu e a lembrança se dissipou. Não restava dúvidas que os dois eram muito próximos e que se apoiavam. Na outra lembrança, vimos Tingsi em um pátio dentro de um prédio que se chamava Anteros. Só podia ser a universidade. Tingsi estava com suas malas e foi falar com uma menina. Ela tinha a pele intermediária, os cabelos negros e ondulados e olhos de um verde hipnotizante.
- Você sabe onde eu pego a chave do quarto e a minha grade?
- Eles deixaram tudo no mural, mas vai ser meio complicado de chegar perto. – Ela parecia tímida. – Eu não consegui.
A garota apontou para um mural verde cheio de folhas. Tingsi teve uma ideia. Ela levou a garota para dentro de um dos prédios e pediu para que vigiasse. Um som estridente tocou e as duas saíram de perto. As pessoas começaram a correr de um lado para outro.
- O que te deu na cabeça?! Aquele era o alarme de incêndio!
- Por isso mesmo. Agora não tem ninguém para nos impedir de olhar o mural. – Miiko soltou um suspiro cansado. – A propósito, sou Tingsi.
- Elena.
- Qual o seu curso?
- Engenharia química. E o seu?
- Artes visuais. – As duas foram olhar o mural. – Acho que eu vou pegar a chave primeiro para não ter que ficar desfilando com essa mala por aí.
- Posso ir com você? Eu não conheço ninguém aqui.
- Claro. Eu também não conheço.
Então aquela era uma das famosas amigas dela. Elena parecia ser bem tranquila. As duas combinaram de deixar as coisas nos quartos para conhecer a universidade. Assim que Tingsi entrou no quarto dela, tinha uma garota de cabelo roxo com mechas azuis, olhos castanhos e óculos brigando com um monte de caixas de metal e fios estranhos.
- Mas que caralho!
- Mas que porra você está fazendo?!
- Montando o computador, não está vendo?
- Você está montando qualquer coisa, menos um computador.
- Eu devia ter guardado o manual.
- Quem joga fora o manual?!
- Os profissionais.
- Estou vendo o profissionalismo. Você vai colocar fogo no quarto!
- Não vou! – O tal computador começou a pegar fogo. – De novo não!
Tingsi foi até o corredor, pegou um cilindro vermelho e começou a soltar uma espécie de espuma branca que acabou com o fogo. A outra garota riu sem graça.
- Foi mal. Sou Yuna, e você?
- Tingsi.
- Tingsi, que cheiro de queimado é esse?! – Elena tinha acabado de chegar, embora seu quarto não fosse muito longe.
- Um acidente.
- Isso era para ser um computador?
- Era, mas eu meio que coloquei fogo nele. – Disse Yuna.
- Se quiser eu posso te ajudar e ver se dá para recuperar.
- Valeu garota estranha que eu nem conheço! – Ela a abraçou fortemente.
- Elena.
- E eu sou Yuna.
- Está pronta para pegar a sua grade e conhecer a universidade? – Tingsi perguntou.
- Foi por isso que vim atrás de você.
As três saíram para reconhecimento. A memória mudou para Tingsi se afastando das outras duas e indo para a fila do banheiro, que não estava pequena.
- Aff, morreu alguém aí dentro?! Não é possível! – A moça que reclamou tinha a pele negra retinta, olhos castanhos, o cabelo preto e crespo preso em dois pompons e vestia roupas mais alegres.
- Há quanto tempo está nessa fila?
- Uns 10 minutos.
- Puta que pariu! Alguém morreu aí dentro?!
- Só pode!
- Melhor caçar outro banheiro então.
- Boa ideia. Qual o seu nome?
- Tingsi e o seu?
- Damiana. Só espera que eu vou avisar uma pessoa?
- Claro, eu também vou.
- Ô Yeva! – Ela gritou no corredor e acenou para alguém.
Enquanto Tingsi acenava para as duas novas amigas, outra garota se juntou a elas. Ela era alta, plálida, o corpo escultural, o cabelo loiro extremamente comprido e brilhante e olhos arroxeados. Eu já vi várias ninfas com beleza exuberante, mas essa garota entra na minha lista de pessoas mais bonitas que eu já vi. Ela era extremamente linda.
- Que foi?
- A gente vai caçar outro banheiro. Você quer ir na frente ou vai me esperar para vermos o teatro?
- Irei com você.
- Ótimo. Tingsi, Yeva, Yeva, Tingsi e..... Quem são vocês?
- Eu sou Yuna e essa é Elena.
Depois da apresentação, o grupo saiu à procura de um banheiro que não tivesse fila. Elas acharam melhor voltar para os dormitórios e usar o banheiro de lá. Assim que desceram, deram de cara com uma garota de pele negra retinta, olhos castanhos, o cabelo castanho escuro bem cacheado. Ela usava muitas joias além de um batom bem vermelho. Ela era linda e tinha uma aura poderosa.
- Ué? Você ainda está aqui?!
- Eu ia no banheiro, só que estava tudo cheio. – Respondeu Damiana. – Tive que voltar.
- Esse povo resolveu morrer no vaso ou algo assim? E quem é esse povo?
- Essa aqui é a Yeva, eu a conheci quando fui pegar a minha grade. A Tingsi eu conheci na porta do banheiro e a Yuna e a Elena estavam com ela.
- Mas BR é foda! – Damiana riu.
- Gente, essa é Latifah, minha colega de quarto.
Quem diria que essa amizade surgiu da procura de um banheiro? Vimos mais algumas memórias com elas. Latifah conseguia ser pior que Tingsi. Ela era dominante, poderosa e problemática também. Damiana era criativa, amava os animais, mas não deixava de ser uma boa apreciadora de confusão. Yuna e Yeva não ficavam atrás, apesar da elegância que Yeva tinha ao andar. Elena era a mais tranquila. Também conhecemos Jaden, que era um cara bem tranquilo com quem Tingsi ia fazer grafite, e Felix, um homossexual assumido com jeito afeminado e uma voz estridente que quase nos deixou surdas. Decidimos encerrar o treino pelo bem da nossa saúde mental.
===Tingsi===
Acordei algum tempo depois. Ewelein me contou que fiquei desacordada por um bom tempo, mas como precisavam seguir com os treinos, elas decidiram entrar na minha mente enquanto eu estava desacordada. Dagma me pediu mil desculpas.
- Não precisa se desculpar. De qualquer forma, a gente não tem tempo a perder. Como é a minha mente?
- Bagunçada.
- Achou alguma coisa interessante? Pode falar.
Dagma, Miiko e Huang Hua me contaram tudo que tinha acontecido na minha mente. Algumas memórias aumentaram ainda mais o buraco da saudade que eu tinha deles, outras me fizeram rir, principalmente das caretas que o pessoal fazia. Quando Dagma contou de um dos nossos amigos ocultos da sacanagem no natal, eu explodi de rir. Principalmente porque naquele ano Yuna tinha dado um vibrador do Star Wars que brilhava no escuro para Elena e a gente começou a discutir que criatura mítica tinha o maior pau.
- Mas vocês são impossíveis! – Gritou Ezarel morrendo de vergonha.
- Só porque o pau dos elfos não corresponde à sua altura?
- Filha de um Black Dog! – Raum resmungou.
- Mas o pau do Ez não é pequeno. – Defendeu Nevra, o fazendo corar.
- Você experimentou para saber?
- Sim.
- Estava gostoso?
- Meio mole, mas sim.
- Eu não acredito que vocês estão tendo esse tipo de conversa!
Nós dois explodíamos de rir. Dagma também ria, mas discretamente, enquanto o resto estava petrificado.
- Se já terminaram de se divertir, temos que continuar o treinamento. – Huang Hua cortou nossa onda.
Dessa vez entramos na mente da Miiko. Estava de noite, o caminho era de grama e tinha postes com uma luz azulada. Os postes pareciam ser as lembranças da Miiko. Ela resistiria, então teríamos que encontrar uma abertura e forçar uma lembrança.
- Tingsi, tente não entrar no mundo espiritual. – Disse Huang Hua com cautela.
- Você fala como se eu fosse dar um rolê por lá todo fim de semana.
Está bem que os deuses treinam o meu espírito, porém eu nunca entrei nele na mente de alguém e muito menos levei alguém comigo. Ykhar nos guiou até uma memória. As chamas nos rodearam e senti minha pele queimar devido ao calor, ao mesmo tempo algo dentro de mim gritava que aquilo não era real da mesma forma como foi com a Yvoni.
Ykhar conseguiu abrir a porta. Vimos a Miiko mais nova chorando e soluçando. Os pais dela a ignoravam e desdenhavam dela só porque tinha nascido com 4 caudas e por isso ela era uma vergonha para a família deles. Ainda bem que é só uma memória, pois a vontade que eu tenho de quebrar os pais dela de porrada é gigante. Coitada da Miiko. Ainda bem que não tem mais que lidar com esses pais de merda.
Continuamos o nosso caminho. As chamas nos postes eram barreiras das memórias, o que Ykhar fazia era achar uma brecha para que pudéssemos entrar. Não era diferente de arrombar uma fechadura. A próxima lembrança era da Miiko lamentando pelo mentor dela ter morrido.
- Por que você fez isso comigo?! Você sabia que eu não estava pronta, por que me abandonou?!
- A morte inesperada é a pior das mortes, pois é a mais difícil de lidar. – A voz de Xuanwu se fez presente e logo seu avatar apareceu. – É um golpe duro.
- Quem é você?!
- Um antigo amigo de seu mentor. Sinto muito pelo que aconteceu com ele.
- Ele me abandonou!
- Não é possível abandonar quando está morto. Abandono é uma escolha, a morte é apenas o destino de todo ser vivo. Ele não a abandonou, Miiko, ele não teve escolha.
- Mas eu não estou pronta para assumir! Eles não vão me aceitar como a chefe deles.
- Ninguém está pronto para assumir as reais responsabilidades da vida, mas é preciso fazê-lo. O começo pode ser cheio de tropeços, no entanto a verdadeira incapacidade está na inércia. Você pode tropeçar, cair, aprender com o tombo e se reerguer, mas se ficar parada, não irá a lugar algum.
- Ele é sempre assim? – Perguntou Dagma.
- É e quer saber a pior parte? Ele sempre está certo.
- É a primeira vez que eu o vejo. – Disse Huang Hua. – Ele parece ser bem sábio e um pouco perdido.
- Ah, não. Só é brisado mesmo, nunca perdido.
- Se quer um conselho, a sua formação não é importante. – Xuanwu tornou a dizer. – Apenas confie no seu bom senso e seja justa e paciente. Não tome decisões precipitadas e tudo ficará bem.
- Seguiu os conselhos de Xuanwu direitinho.
- Tingsi, não seja rude. – Disse a fenghuang. – Achei que tudo estivesse no passado.
- Não sou do tipo que perdoa fácil, e que graça teria se eu parasse de implicar com ela?
Por alguma razão fomos ejetadas da mente da Miiko. Senti o chão tremer e a Miiko caiu exausta no chão. Ykhar ficou com ela enquanto nós três fomos ver o que tinha acontecido. Naytili estava lutando com os rapazes de novo. Meus mascotes não estavam na briga, ainda bem.
- Pobres loucos, acham que podem se comparar a mim?! Não são capazes nem de enfrentar os meus filhos!
- Coitada, deve ter fugido do hospício. Alguém tem uma camisa de força?
- Quero ver você debochar depois que eu triturar seus ossos.
Ela assoviou e um dos mascotes veio em minha direção. Dei um salto para desviar dele e taquei faca na Naytili. Ela desviou das facas, mas uma pedra surgiu do nada e atingiu suas pernas, a fazendo cambalear. Gronk tinha vindo junto com Raum. O Grookhan pulou com o Black Dog em seus ombros e deu um soco no chão, fazendo-o termer e desestabilizando a todos.
Um pouco antes do soco de Gronk atingir o solo, Raum o usou de trampolim para atacar Naytili, mas o Fenrisulfr se pôs na frente. Ele conseguiu arranhar o mascote. Gronk segurou os Black Dogs pelo pescoço e os arremessou do outro lado do campo. Ele foi até Raum, pegou o Fenrisulfr e o jogou na Naytili, isso antes de ele correr possuído atrás dela com Raum do lado dele. Naytili não teve alternativa a não sumir através de uma cortina de fumaça rosa. Eu os parabenizei.
- O que você tem ensinado a esses mascotes?! – Perguntou Valkyon.
- Algumas coisas. Gronk é meu parceiro de treino, aliás.
- Você está bem? – Perguntou Leiftan.
- Estou. Ez, Nevra, tudo bem com vocês? – Eles eram os mais feridos.
- Quem te deu intimidade para me chamar de Ez?
- Eu mesma.
- Estamos. – Disse Nevra. – Mas se continuar assim, não sabemos se iremos aguentar.
Voltamos para ver Miiko, que estava descansando no seu quarto. Pelo relatório que os rapazes fizeram, Naytili tinha feito um estrago no laboratório de alquimia e só tinha sobrado duas doses. Huang Hua foi contar para a Miiko e enquanto esperávamos, Dagma e eu ajudamos Ewelein a fazer curativos nos rapazes.
As duas voltaram com um plano em mente: atrair Naytili para a sala do cristal e usar as portas Janus-Geb lá. Tínhamos um último treino, então Dagma e eu seríamos as passarelas, pois se uma caísse, a outra teria que saber conduzir. Ykhar nos explicou como fazer e como encontrava as falhas na mente da Miiko. Sem perder mais tempo, fomos ao último treino.
Basicamente era como jogar Phasmophobia depois de morto. A gente via a Ykhar e a Huang Hua como se estivessem do outro lado de uma tela. Ouvíamos uma lembrança da Miiko nos chamando e tínhamos que dizer de onde vinha. Havia um poste que brilhava mais que os outros, era a memória que precisávamos. Nos concentramos em achar a falha. Ela era tão frágil. Quando a tocamos, vimos uma nova lembrança.
- Vocês têm certeza? – Perguntou Miiko abalada.
- Sim, mas não encontramos o corpo.
- Então ele pode estar vivo.
- Não acho possível. Havia muito sangue e o mascote dele estava envicerado.
- De quem você acha que eles estão falando? – Perguntou Dagma assustada.
- Eu não sei. Quem seria covarde de fazer isso com um mascote?!
- Não! Eu me recuso a acreditar! – Miiko estava em pânico. – O Valkyon sabe?
- Ainda não.
O que Valkyon tem a ver com isso? De qualquer forma a lembrança deu time skip. Ela estava com Valkyon e ele parecia desesperado.
- Onde ele está?! Eu preciso vê-lo! LANCE!
- Puta merda!
- O que foi?
- Lance é irmão do Valkyon. Deve ser quando ele morreu.
Dagma ficou horrorizada e depois os olhou com compaixão. Ele estava fora de si querendo saber do irmão. Senti um aperto no peito enquanto o via daquela forma. Miiko tentou consolá-lo e descobrimos que ela o amava, mas se arrependia de nunca ter dito isso a ele. Acabamos parando a sessão e abraçando a Miiko. Eu sei o que é perder alguém de fato e sei o que é ver seu mundo desabar. Ykhar também abraçou e chorou, a Huang Hua também. Foi uma choradeira danada, mas tivemos que nos recompor porque a vagabunda da Naytili atacou de novo. Inferno!
Por sorte os rapazes tinham deixado tudo pronto na sala do cristal. Ela estava possessa. Nevra a atraiu para a sala do cristal e começamos o ritual. A mente dela era um grande tapete vermelho cheio de portas. Dagma e eu estávamos de simulador de porteiro de novo. Dava para sentir o ódio dela.
- Mantenha o foco, Miiko e Huang Hua precisam de nós.
- Certo.
Era difícil guiá-las pela mente da Naytili, pois além das armadilhas nas portas, havia uma caralhada de vozes. Sem brincadeira, tive que fazer taichi para me ajudar a me concentrar. Enfim encontramos a porta. Achar a falha era como arrombar uma fechadura, nunca agradeci tanto a Isaiah por isso. Vimos a vagabunda cortar a mão no ritual e banhar um dos Black Dogs.
- Alastor! Me dê a força de fazer deste ser meu vassalo!
O ritual era cruel. O Black Dog se contorceu de dor e depois caiu como se estivesse morto. Tínhamos que continuar. Encontramos outra porta e Miiko e a Huang Hua tiveram que lutar contra uma lembrança da Naytili. Ela estava tentando nos repelir. Dagma teve que me impedir de entrar no mundo espiritual para ajudá-las. Vimos a verdadeira lembrança e ela invocou um daemon de nome Dagon para o outro Black Dog.
Finalmente a última porta, mas não havia nenhum sinal de armadilha. Naytili estava falando com seus amigos do outro lado que tinha sido traída e deveria se vingar. Ela precisava mesmo ser internada.
- O que você acha, Moloch?
O Fenrisulfur recuou amedrontado. Ele foi a primeira vítima, o próprio mascote dela! Essa puta está me dando um ódio. Depois de ferrar com o Moloch, fomos transportadas para outra lembrança.
- Não temos o terceiro nome. – Disse Dagma preocupada. – Eu não consigo ouvir mais nada, e você?
- Também não. Nada além do nome do mascote.
Naytili conseguiu nos expulsar da sua mente. Ainda estava semiconsciente no chão.
- Dagon! – Gritou Miiko, a corrente de um dos Black Dogs se quebrou e ele desabou no chão.
- Alastor! – Gritou Huang Hua libertando o outro Black Dog.
Uma ideia cruzou minha mente. Não tanha certeza se ia dar certo, mas não custava tentar.
- Moloch!
Deu certo! Raum apareceu na sala para liderar a rebelião. Os três Black Dogs a atacaram, mas Naytili bateu em Dagon e Alastor com o bastão. Gronk, que eu nem tinha visto que estava ali, os pegou antes que caíssem enquanto Raum segurava o bastão dela com a boca. Ele foi jogado em cima de Valkyon. Me meti na briga junto com Jamon, Gronk e os mascotes.
Do nada Sirius surgiu pulando por sobre as costas de Jamon. Ele deu um mortal por cima dela e cuspiu um belo catarrão na cara da Naytili. Ela ficou putassa e tentou tirar o catarro. Gronk aproveitou para pegar impulso e dar um socão nela. Escutei o barulho de ossos quebrando, deve ter quebrado todas as costelas. Jinp surgiu da puta que pariu e pegou o bastão com a língua enquanto Gronk aproveitou para quebrar os braços dela. Ele, Valkyon e Jamon a imobilizaram, os Black Dogs a ameaçavam e Sirius mostrou a língua. Jinp entregou o bastão para Miiko. Finalmente tinha acabado.
Chapter 38: Capítulo 38
Notes:
Gente, mil desculpas pela demora. Semana passada foi bem corrido e para coroar a situação, a fonte do meu note parou de funcionar. Até trocar e resolver os B.O.s, foi uma saga. Acabei deixando para essa semana, então espero que gostem.
Chapter Text
===Aracne===
Mascotes tiveram que ir à Balênvia. Queriam que mascotes ficassem na caverna, não no quarto. Plum, o Plumobec, liderou mascotes em uma missão e pegou a chave. Joy, a Pinigin, pagou com comida. Habitantes e guarda não gostaram, mas Frostbite, o Xylvra, e Crownin, o Cromero, chutaram suas bundas. Mascotes conquistaram o quarto.
Aracne voltou ao QG. Ninguém percebeu Aracne durante os ataques da vagabunda. Aracne boa espiã. Batalha acabou. Aracne voltou à Balênvia para dar a notícia.
- [Até que enfim!] – Disse Amaya, a Panalulu. Mascotes acolheram todos os mascotes da Reluzente. – [Quando virão nos buscar?]
- [Para que nos buscar se podemos voltar agora mesmo?] – Perguntou Plum, o Plumobec.
- [Floresta perigosa.] – Disse Lily, a Liclion. – [Lily quer voltar, mas floresta muito perigosa.]
- [Por isso temos Frostbite, Shaitan e Crownin. Dala e Cryn têm coice poderoso.]
- [Não temos que avisar os outros?] – Perguntou Mall, o velho Sitourche da Ykhar.
- [Eles não ouvem mascotes.] – Disse Shaitan, a Black Gallytrot.
- [Plum tem ideia! Vamos levar habitantes de volta.] – Plum disse seu plano e concordamos.
- [Mais lentos devem voltar na frente. Maiores levam menores.] – Disse Dala, a Dalafa Noturna. – [Frostbite cuida deles. Crownin usa grasnado para ninguém se perder.]
- [Fleur, hora de acordar!] – Crownin, o Crowmero, grasnou horrível. – [Vamos voltar, preguiçosa!]
Fleur, a Beriflore acordou. Mascotes foram embora, sobrando Aracne, Dala, a Dalafa Noturna, Plum, o Plumobec, Spider, o Chead, Taenmil, o Alfeli, Shaitan, a Black Gallytrot, e Valentine, a Valuret. Missão começa amanhã. Aracne precisa descansar.
Amanheceu. Spider, o Chead, bom em abrir fechadura. Mascotes entraram nos quartos para roubar roupa íntima e exibir para os donos pela vila. Donos putos, missão 1 cumprida. Mascotes correm de volta para o QG. Donos putos vêm atrás. Grupo de Dala encontra grupo de Frostbite, o Xylvra. Missão cumprida 2, a corrida começou.
===Ezarel===
Naytili tinha sido nocauteada e levada à prisão por Jamon. Ewelein o acompanhou para avaliar e cuidar dos ferimentos, afinal, ela é médica e deve salvar vidas ainda que sejam inimigas. Estávamos exaustos, tanto que a primeira coisa que Tingsi fez depois da batalha foi tomar banho, se trancar no quarto e dormir, nos deixando com dois Black Dogs e um Fenrisulfr para tomar conta.
- O que devemos fazer com eles? – Perguntei.
- Ewelein disse que iria avaliar o Fenrisulfr. – Disse Nevra. – Quanto aos Black Dogs, eles parecem à vontade com Raum. Vamos ter que esperar Tingsi acordar para nos dizer o que eles querem fazer.
- Só pode ser brincadeira.
- O que acha, Ezarel? – Miiko me perguntou com o cristal corrompido em mãos.
- Não parece com os que achamos em Balênvia. Está profundamente corrompido, mas não de forma natural.
Começamos a debater sobre a corrupção do cristal e chegamos à conclusão de que Naytili o tinha corrompido. Miiko o colocou de volta no grande cristal. Um brilho corrompido emanou dele, mas Miiko achou que poderia ser nada. Resolvi seguir o exemplo de Tingsi. Tomei um banho relaxante e fui dormir.
No dia seguinte acordei tarde, porém mais cedo que os outros. Não me lembro de ter sonhado, mas pelo menos estava descansado. Fiquei estressado ao arrumar o laboratório de alquimia, então resolvi andar pelos jardins para avaliar o estrago e encontrei Dagma no portão. Com o festival e Naytili, eu mal consegui falar com ela.
- Parece revigorada.
- Sim. E você, dormiu bem?
- Mais que o suficiente, eu suponho. Está tudo bem com você? As portas Janus-Geb parecem ser exaustivas. Miiko acordou há pouco e Tingsi deve dormir a semana inteira.
- Estou bem. Não importa o quanto esteja exausta, eu acabo revigorada quando acordo em dias ensolarados. Até recuperei boa parte do jardim.
- Você está trabalhando desde que acordou?
- Sim.
- Não está cansada?
- Nem um pouco. Estar ao ar livre não é cansativo para mim. Seus ferimentos melhoraram?
- Não se preocupe com eles.
Soltei um gemido de dor quando ela tocou o meu braço. Por sorte minha jaqueta estava cobrindo as ataduras, que não eram poucas.
- Tem certeza?
- Eu só preciso de um pouco de descanso. Dagma, eu estive pensando um pouco melhor desde aquela noite e bem....
Eu não consegui terminar porque um Plumobec montado em um Dalafa Noturno empunhando uma cueca como bandeira passou por nós.
- Você viu o que eu vi? – Perguntou Dagma.
Depois disso vimos uma manada de mascotes possuídos carregando roupas íntimas vindo em nossa direção. Eu a puxei para sairmos do caminho deles. De onde surgiu tanto mascote? Meu coração batia acelerando enquanto eu a segurava de encontro a mim. Um Alfeli carregando uma Valuret segurando uma ceroula veio em nossa direção.
- Taenmil, é você?!
- Valentine! – Dagma abraçou a Valuret. – Como você soube que podia voltar?
- Alguém.... – Vimos Chrome chegando, ele estava exausto. – Pare.... Esses mascotes.
Ele desmaiou. Dagma o levou até a enfermaria enquanto eu fui para a floresta. Não era para Chrome estar aqui, sequer enviamos uma mensagem pedindo para que ele voltasse, pois estávamos exaustos. Um pouco mais a frente na floresta, encontrei alguns membros da guarda com fadiga de tanto correr. Caméria estava cuidando deles.
- O que vocês estão fazendo aqui? – Perguntei. – Era para estarem em Balênvia.
- Nós estávamos. – Disse Caméria. – Eu não sei o que deu nesses mascotes que eles resolveram roubar nossas roupas íntimas e correr feito loucos. – Agora tudo faz sentido.
- A boa notícia é que eles voltaram para o QG. Conseguimos derrotar Naytili, apenas não enviamos uma mensagem devido a exaustão. – Murmúrios se alastraram. – Caméria, poderia voltar à Balênvia com os mais fortes do grupo e organizar o êxodo para o QG? O resto de vocês venha comigo.
Escoltei o grupo de membros mais fracos e exaustos para o QG. Quando chegamos encontramos Raum e os outros dois Black Dogs correndo pelos jardins.
- Mais Black Dogs?! – Exclamou Colaia. – Aqui?!
- É uma longa história. Retornem aos seus quartos e descansem. Há muito trabalho a ser feito.
Fui me reunir com Miiko e os outros Reluzentes. Eles estavam felizes por seus mascotes estarem bem, mas estavam confusos por estarem ali. Tingsi resolveu finalmente se levantar e se juntar a nós.
- Por que o cristal está diferente? – Ela perguntou.
- Diferente como? – Perguntei.
- Às vezes ele parece emanar um brilho roxo. – Ficamos calados. – O que aconteceu enquanto eu dormi?
- Nada, eu espero. – Disse Miiko e Tingsi ergueu a sobrancelha.
- Depois eu te explico. – Prontificou-se Dagma. – O que eu queria saber foi porque Chrome e os mascotes voltaram.
- Isso é fácil. – Comentei. – Os mascotes iniciaram uma rebelião com as roupas íntimas de membros da guarda e os trouxeram de volta. – Eles me olharam como se eu estivesse brincando. – Estou falando sério. Encontrei um grupo de membros da guarda na floresta quando fui investigar. Eles relataram isso.
- Deve ter sido um dos meus que teve a ideia. – Tornou a dizer Tingsi.
- Seus mascotes são inacreditáveis! – Reclamou a chefe.
- Ótimo. Se precisarem de mim, estou no décimo sono.
- Você vai voltar a dormir?! – Perguntamos todos.
- Além de várias práticas do ritual Janus-Geb, entrei em uma camada difícil do mundo espiritual e lutei contra Naytili. Ainda estou exausta e devo dormir até semana que vem.
- Dormir o cacete, vamos treinar. – Baihu surgiu literalmente do nada e empurrou a guan dao para ela.
- Como entrou aqui? – Perguntou Huang Hua.
- Pela porta.
- Mas eu nem tomei café!
- Aqui, coma essa caixa de rosquinhas. – E ainda veio com comida?!
- Mas eu estou cansada!
- Deixa para descansar depois que morrer, você não é Zhuniao para ficar de drama.
Ela o seguiu resmungando e levando a tal arma além da caixa com algo que parecia delicioso. Ficamos apenas olhando um para a cara do outro enquanto eles saíam. Eu não o tinha visto no grupo dos que voltaram, na verdade fazia um bom tempo que não o tinha visto. Diferente dos outros, tinha algo nele que nos fazia tomar uma distância segura.
- Só uma pergunta. – Começou Leiftan. – O que faremos com os Black Dogs e o Fenrisulfr?
Nos entreolhamos sem saber o que dizer. Chamei Dagma para me ajudar a terminar de organizar o laboratório de alquimia.
- Deixa que eu pego isso para você.
- Não precisa.
- Seu braço não está bom. Deixa de ser teimoso, Ezarel!
Dagma pegou a caixa que eu tinha colocado os frascos. Ewelein me disse para não carregar peso, mas eu gostava de catalogar cada coisa do laboratório.
- Você me diz o que vai aonde e eu coloco.
- Certo.
Ainda que contrariado, tive que aceitar. Indiquei onde e como deveria guardar cada coisa ao mesmo tempo em que juntei o lixo. Tinha pensado sobre os meus sentimentos e cheguei a uma terrível conclusão. Teria que ser sincero com ela.
- Dagma, eu.... Eu não posso mais adiar isso.
- O que?
- Lembra quando te disse que precisava de tempo até ter certeza de como estava me sentindo? Eu cheguei a um resultado terrível.
- Não precisa me explicar. Eu cresci rodeada de ninfas e tudo bem passar a noite com alguém e não querer nada. As ninfas da vila fazem isso o tempo todo.
- Não foi isso o que eu quis dizer. – Segurei seu braço. – Aquilo não....
- Shaitan, volte aqui!
Nesse momento, a Black Gallytrot de Nevra entrou no laboratório seguida pelos dois Black Dogs da Naytili. Shaitan se enfiou entre nós dois, me forçando a soltá-la. Os Black Dogs passaram logo em seguida. Nevra estava atrás deles.
- Ez, Dag, está tudo bem com vocês?
- Sim. – Disse Dagma. – E você, Ezarel?
- Estou bem. O que esses mascotes fazem aqui?
- Eu não sei o que deu na Shaitan e eu pensei em cuidar desses dois até pensar em uma solução.
- É gentil da sua parte. – Tornou a dizer a faeliana.
- Deixe-me adivinhar, os dois não querem ir embora e você está tendo problemas sem o Raum.
- Sim, eu estou com problemas. Ez, me ajude! – Ele se ajoelhou abraçando minha cintura e me olhando como um filhote pidão.
- Ora, você é o rei dos Black Dogs, até cheira como um. Vai se sair bem.
- Dagma, viu como ele é cruel comigo? – Ele se soltou de mim e a abraçou. – Depois dessa eu preciso de um beijinho para me recuperar. – Senti meu sangue ferver.
- Por que você não pede ajuda para Tingsi ou até mesmo Raum?
- Ele só ouve a Tingsi e agora está com os outros mascotes. Também não acho Tingsi em lugar algum.
- Eu posso tentar te ajudar, mas não te garanto nada.
- Obrigado!
- Mas e o laboratório?! – Perguntei indignado.
- Se eu ajudar Nevra, os mascotes não causarão problemas no laboratório. Evite pegar peso, seu braço não está bom.
- Não se preocupe comigo.
Observei os dois saírem do laboratório enquanto eu arrumava tudo sozinho. Peguei peso e passei o resto do dia na enfermaria por causa do meu braço. No dia seguinte, parte dos habitantes havia voltado. Eu me aproximei de Dagma mais uma vez.
- Ezarel, que bom que te encontrei. Eu queria te avisar que não vou trabalhar no laboratório hoje.
- Por quê?
- Irei ajudar a escoltar o resto dos habitantes de volta.
- Certo. Dagma, eu precisava falar com você. Sobre aquela conversa de ontem.
- Eu achei que você tinha esclarecido tudo.
- Não. Eu lamento se te ofendi, mas não era aquilo que eu queria dizer. A verdade....
- Ez, a gente pode conversar um instante? – Valkyon surgiu por entre os corredores com uma cara bem preocupada. – Desculpe, eu estou atrapalhando? – Sim!
- Não. Te vejo mais tarde e cuidado na floresta.
- Vou tomar.
Valkyon queria conversar em particular, então fomos ao meu quarto. Por alguma razão ele estava nervoso.
- Então?
- É sobre Tingsi.
- O que ela fez dessa vez?
- Nada. Eu acho que estou apaixonado.
Massageei as têmporas. Suspeitava que ele gostava dela no banquete em honra da Huang Hua. Sempre que eu os via juntos minha certeza crescia até o fatídico dia daquela poção. Tingsi já era um problema, essa poção conseguiu aumentar ainda mais os problemas dela e os nossos. Nesse tempo de convivência não foi difícil descobrir que ela não perdoa com facilidade e eu não incluí as crises depressivas. Isso vai ser uma dor de cabeça.
- Eu não sei o que faço.
- Você não tinha dito que ela queria manter as coisas casuais?
- Sim, mas eu não quero continuar assim, porém eu tenho medo de que ela possa surtar da mesma forma de quando a convidei para um encontro.
Novamente massageei as têmporas. Ainda bem que ele veio falar comigo porque se fosse com Nevra, ele iria dizer um monte de besteira. Deve ser por isso que ele me procurou no lugar de Nevra.
- Valkyon, você precisa ter que ter uma conversa franca com a Tingsi. Conte tudo o que está sentindo e o que você acha dessa relação e ter certeza se ela te corresponde.
- E se ela não me corresponder? Tingsi disse que sua vida está um caos ultimamente.
- Isso é algo que vocês dois vão ter que resolver. Tudo que eu posso dizer é não a pressione e não se sinta mal se ela disser que não quer se apegar porque quer voltar para casa.
- Ela nunca vai tirar a Terra da cabeça, não é?
- Não e eu compreendo o porquê. – Seu olhar mudou, como se me questionasse. – Você entende o que é ser órfão e perder alguém, já eu entendo o que é querer voltar para casa e não poder.
- Eu não queria tocar nesse assunto.
- Está tudo bem.
Não irei entrar em detalhes do passado, afinal, é doloroso lembrar dele. Minhas tarefas estavam concluídas, Dagma voltava da escolta com Nevra, então eu poderia falar com ela ainda hoje. Passando pelo refúgio, vi um Black Dog desenhado e destacado na parede, como se estivesse brilhando. Mas não é possível!
- Quando foi que ela fez isso?! – Perguntou Nevra se aproximando com Dagma.
- Eu já o tinha visto. – Disse a humana. – Estava aí hoje de manhã.
- Sério? Eu não percebi. Ez, você já tinha...?
- Não. Dagma, será que eu....
- Dagma, você está aí! – Gritou Alajéa vindo em nossa direção e a abraçando.
- Aconteceu algo?
- Sim! A gente vai ter a noite das garotas. Estávamos com saudade. Você vem?
- Claro.
As duas saíram e eu fiquei frustrado mais uma vez. Não tenho um segundo de paz nesse QG?!
- Ez, que cara é essa?
- Nada.
- Eu te conheço tempo o suficiente para saber que aí tem coisa. O que está acontecendo?
- Eu só quero resolver um mal-entendido com Dagma, só isso.
- Vocês brigaram?
- Não, eu só dormi com ela. – Nevra arregalou os olhos.
- Quando?!
- Na vila das ninfas. – Tive que contar ou ele não iria me deixar em paz se eu continuasse a negar. – Eu preciso resolver isso sozinho.
- Certo.
===Nevra===
Não estava nada certo! Desde quando...?! Quando foi que...?! Ezarel pode ser um palhaço que não se importa com ninguém, a verdade é que ele não gosta de se apegar porque se importa demais. Senti uma pontada de ciúmes também, mas não entendi o motivo. Afinal, Ezarel é meu amigo e Dagma, eu a conheço há pouco tempo e a gente não está namorando.
- Dia difícil?
- Como é que...?!
Olhei em volta e Ezarel tinha ido embora, só estávamos eu e Xuanwu. Esse cara resolveu ser meu psicólogo. Não que eu precise de um, mas depois dos nossos encontros meus pensamentos ou ficam mais claros ou ficam mais bagunçados.
- Nem te conto. Ainda há muito trabalho a fazer.
- Você vai sobreviver. Um pouco de faxina e trabalho braçal nunca fizeram mal a ninguém, exceto as pessoas com rinite alérgica talvez.
- O que veio fazer aqui?
- Apenas dar um passeio, e você?
- Voltei de uma missão de escolta.
- Não está com uma cara muito boa.
- Essa missão me deixou cansado.
- Mesmo? A impressão que tive era que estava com ciúmes.
- Eu não estou com ciúmes!
- Engane quem você quiser, mas não tente me enganar, é perda de tempo e saliva.
- Está bem, talvez eu tenha um pouco. Satisfeito?
- Você ter ciúmes nunca foi a questão. Afinal, você seria capaz de me dizer a causa desse ciúme?
- Não entendo aonde quer chegar.
- Serei mais objetivo: está com ciúmes dela ou dele?
Fiquei chocado com a pergunta. Eu entendo ser por causa da Dagma, afinal, ela é bonita, é atenciosa, curiosa, uma pestinha quando quer, mas por que eu teria ciúme do Ezarel?! E para onde Xuanwu foi?! Ou será que ele nunca esteve aqui e eu alucinei com a minha consciência? Porque não há qualquer rastro dele nas redondezas. Ou eu estou ficando louco, ou o meu psicólogo quer causar discórdia.
===Leiftan===
Embora houvesse novas missões para escoltar os habitantes de volta, eu precisava arriscar. Naytili poderia ser uma poderosa aliada à nossa causa, por isso pedi a Ashkore para libertá-la o quanto antes. Eu não podia arriscar esperar por mais tempo, não com três Black Dogs e um Ferinsulfr andando livremente pelo QG e um Grookhan monstruoso. Os mascotes eram uma ameaça, então teria que dar um jeito neles, Ashkore os eliminaria na primeira oportunidade, porém se algo acontecer com qualquer um dos mascotes de Tingsi, temo que teremos ainda mais problemas.
Naquela noite, pedi que Chrome fosse dar as instruções para Ashkore. Eu o vi descer à prisão enquanto fingia dar um passeio para ter certeza de que não seriam vistos e ainda poderia distrair os guardas. Vendo que não havia ninguém, desci para encontrá-lo. Eu o observei das escadas.
Naytili estava em sua cela com ataduras nos braços quebrados pelo Grookhan e resfriada pelo Corko. Nós a tínhamos interrogado várias vezes, o único resultado foi que ela confimou ter corrompido o cristal, porém não nos disse como. Não será fácil tirá-la daqui.
- Quem está aí?! – Ela perguntou. – Se você acha que vai conseguir arrancar alguma coisa de mim, perdeu seu tempo. Não direi nada à guarda.
- Eu não sou da guarda e quando eu começar a te interrogar, você vai soltar todas as informações berrando.
- Não sei se isso será preciso. – Revelei minha presença. – Pelo menos por enquanto.
- Se não é da guarda, então o que faz com ele?
- Somos sócios. Diga-me, Naytili, como corrompeu o pedaço de cristal?
Ela não me contou, estava desconfiada e relutante, mesmo tentando convencê-la que éramos inimigos da guarda. Como prova de boa vontade, eu abri a porta da cela para que ela me contasse seu segredo. Ela não iria cooperar, então a segurei pelo pescoço e a ergui. Eu a arremessei no chão e mostrei a minha verdadeira forma.
- Não seja tola, Naytili. Essa será sua última chance.
- Estou diante de um Daemon. – Ela sorriu maravilhada ao me ver. – Por que não disse antes? Neste caso eu serei sua.
- Não pronuncie este nome infame. Nome este dado pelos hereges.
- E como devo chamá-lo?
- Aengel. Nunca se esqueça.
- Será uma honra servi-lo, mestre.
Ela espirrou e tive que dar um passo para trás. Já tive o suficiente do resfriado causado por Sirius pelo resto da minha vida. Enfraqueci o escudo da entrada submarina para que Ashkore a levasse enquanto eu simularia a fuga dela. Claro que ninguém acreditaria que ela escapou sozinha por causa do seu estado. Talvez eu devesse simular um resgate. Destruí as portas da prisão e deteriorei alguns muros.
- Tem alguém aí?
O que essa pessoa está fazendo aqui à essa hora da noite? Não queria ter que fazer isso, mas como irão descobrir a fuga da Naytili, não há como evitar problemas, apenas adiá-los. Me escondi na escuridão e esperei para que viesse. Ela definitivamente não deveria estar aqui. Quando a mulher veio, surgi por trás dela e cortei sua garganta.
Infelizmente sangue traz sujeira, minhas roupas estavam sujas e minha lâmina estava imunda. Se me encontrarem, estaria encrencado, eu teria que me machucar e fingir um ataque. Apunhalei minha coxa evitando a artéria femoral e fiz alguns cortes em outras partes do meu corpo, agora estava pronto para o espetáculo. Subi as escadas e encontrei com Valkyon na sala das portas. Desabei em seus braços e continuei minha atuação. Incrível como eles acreditaram tão facilmente.
Chapter 39: Capítulo 39
Chapter Text
===Tingsi===
O dia seguinte começou agitado. Naytili escapou, matou uma moça chamada Anya e atacou Leiftan. Só que eu me lembro muito bem do Gronk ter quebrado os braços dela. Fui procurar por Leiftan na enfermaria, nem Ewelein iria me segurar dessa vez. A necessidade de vê-lo era maior do que tudo. Ele estava na sala dos fundos da enfermaria.
- Leif! – O chamei.
- Tingsi, é você?
- Como você está?
- Não muito bem. Minha perna vai ficar boa, mas eu ainda estou abalado.
Sabe aquela sensação de que há algo errado, mas você não consegue descobrir o que é? É como uma pequena agulha entrando pela sua pele dormente. Desde a Yvoni eu nunca mais fui a mesma. É como se meu instinto tivesse sido desenvolvido.
- Algum problema?
- Essa história toda. Não tinha como ela fugir sozinha, acha que alguém a ajudou?
- É uma acusação grave, sem provas....
- Eu posso consegui-las. Só preciso descer até a prisão.
- Esqueça isso. – Ele pegou minha mão. – Naytili é muito perigosa e eu não quero que você se machuque. – A sensação passou quase de imediato. – Se algo te acontecer, eu não sei o irei fazer.
- Eu sei me cuidar, sabia?
- Eu sei, mas isso não me impede de me preocupar contigo. – Ele colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. – Por favor, não seja imprudente em ir atrás da Naytili. Ela é forte demais. Se alguém a ajudou, como você acha, pode ser ainda mais perigoso. Precisamos agir com cautela.
- Está bem. – Resolvi desistir. – Por hora vou deixar para lá. Vou ajudar a remover os escombros. Aquela vagabunda fez um belo estrago.
- Boa sorte.
Quanto mais cedo limpar o QG, mais cedo posso ir treinar e pensar em como entrar na prisão. Eu sei que tinha dito ao Leiftan que deixaria para lá, mas essa história está muito estranha. Talvez Raum, Alastor e Dagon consigam sentir o cheiro dela e seguir os rastros.
- Tingsi, o que está fazendo aqui? – Perguntou Chrome quando o encontrei no jardim. – Não devia estar no funeral da Anya?
- Eu tinha esquecido. Pensei em limpar algumas pedras para ocupar a cabeça.
- Vamos juntos. Eu preciso de ajuda.
Fomos até a grande porta. A missão do Chrome consistia em reparar aqueles muros. Algumas rachaduras eram mais altas que a gente e eu não vi nenhuma escada.
- Chrome, você pegou essa missão sozinho ou te deram avulsamente?
- Você acha que eu iria pegar uma missão como essa?
- Quem foi o retardado que te deu essa missão e ainda te mandou fazer sozinho?
- Na verdade me pediram para recrutar algumas pessoas, mas parece que estão todos ocupados.
- Então cata uma escada pra gente.
- Não vai dar, outro grupo pegou.
- Então cata uma corda.
- O que você vai fazer com uma corda?
- Enfiar no cu, é o que dá para fazer.
Obriguei o Chrome a arrumar uma corda e mais alguns baldes. Nós passamos gesso e tinta onde deu. Eu não estava com saco para pegar o lockpick, arrombar a porta lateral, subir escada e andar me equilibrando pelo muro, então eu subi o muro na base do wushu com a corda e depois fui escalando os patamares até chegar ao último.
Joguei a ponta para o Chrome e pedi para amarrar no balde. Subi o balde até o patamar onde eu estava, amarrei a corda na minha cintura, tirei a corda do balde, e subi até a grade de ferro para passar a corda, assim uma parte iria me segurar e a outra eu iria usar como uma polia manual. Desci de rapel, peguei o balde com gesso e fui trabalhar. Mais um episódio de humano fazendo merda.
- Mas que porra é essa?! – Perguntou Valkyon passando por ali.
- Gambiarra! Já que não tem escada e muito menos andaime!
- Desça já daí! Você vai se machucar!
- Vou não! Já grafitei lugar muito mais difícil!
- Você vai rachar o crânio!
Ele entrou pela porta da torre de vigia e foi andando pelo muro com o maior cuidado para tentar me tirar dali e provando porque homens vivem menos. Como esse bando de arrombado não tem mais o que fazer, juntou uma multidão para olhar. Estava ele tentando me tirar de lá e eu tentando trampar. A situação só acabou quando Valarian arrumou uma escada para a gente descer.
- O que te deu na cabeça?!
- Ué, vocês mandam o Chrome fazer essa missão sozinho e não dão uma escada para o garoto!
- Chrome, você podia ter pedido emprestado a outro grupo.
- Isso não compensa o problema dele estar sozinho nessa tarefa.
- Você está bem?
- Estou.
- Deixa que eu cuido disso. Vocês têm outra missão para fazer?
- A gente tem que limpar a praia. – Disse Chrome.
- Certo. Não façam nada perigoso.
- Se não fizesse, vocês não estariam vivos. – Provoquei.
- Juízo, garota.
Apenas ri e fui para a praia com Chrome. Nós não chegamos à praia de fato, pois tinha um monte de pedra bloqueando a escadaria. Terminamos de tirar algumas pedras quando Chrome encontrou um anel.
- É seu?
- Não. De onde saiu isso?
- Do entulho, eu pensei que você tinha deixado cair.
- Definitivamente não. Tem cara de ser velho.
- Isso pode ser um sinal. Você pode terminar para mim? Eu preciso fazer uma coisa.
Não pude evitar de rir. Terminei o serviço enquanto Chrome correu para sei lá onde. Pela pressa foi dar um cagão. Ele voltou algum tempo depois.
- Desculpe por ter te deixado aqui. Era mesmo importante.
- Foi dar um cagão?
- O que? Não!
- Tem certeza?
- Tingsi!
- Que foi? Para você ter demorado assim deve ter entalado na privada.
- Não fui ao banheiro. De todo modo, tome. Pode ficar com isso. – Ele estendeu o anel que achou. – Você me perdoa?
- Tudo bem, mas da próxima vez dê uma desculpa melhor.
- Vou tentar.
Assim que eu encostei no anel, uma sensação estranha atingiu o meu corpo como se fosse um caminhão. Eu vi um monte de imagens, a maioria de um ser de cabelo vermelho, pele lilás, olho roxo que nem um alien e um monte de tatuagens. Parecia ser uma mulher. Também vi um homem alto e forte, vi tanta coisa, senti coisas, mas o pior era a sensação de sufocamento. Instintivamente recuei e tudo ficou escuro.
===Dagma===
Quando Valkyon chegou com Tingsi nos braços, o QG entrou em pânico. Por sorte Ewelein constatou que era apenas queda de pressão. Decidi me aproximar de Chrome para saber o que tinha acontecido, afinal, ele estava com ela quando desmaiou.
- Eu não entendo. Ela estava bem e no instante seguinte estava estranha e desmaiou.
- Ewelein acha que pode ter sido o trabalho braçal e eu não me lembro de vê-la comer desde o café da manhã.
- Espero que ela fique bem.
- O que está segurando?
- Isso? É um anel que achei nos escombros. Eu ia dá-lo para a Tingsi, mas ela desmaiou. Quer ficar com ele? Ele é todo seu.
Chrome me entregou o anel e saiu correndo. Eu o guardei no bolso e fui procurar algum serviço. Estava tão distraída que acabei indo de encontro a alguém. Era uma mulher de pele lilás, olhos roxos, cabelo vermelho e tatuagens pelo corpo. Eu nunca a tinha visto antes.
- Desculpe, eu não estava olhando por onde andava.
- Não tem problema eu estava com a cabeça nas nuvens.
- Sou Dagma.
- Prazer, sou Yêu.
Conversamos um pouco. Ela era cheia de vida e muito positiva. Nós duas nos demos muito bem. Até tirei a tarde para ficar com ela. Nós conversávamos sobre nossas vidas. Resolvi contar que ainda era uma ninfa. Quando Ezarel e Leiftan tiveram que relatar à Miiko e à Dama Huang Hua, eles tiveram que contar que eu era adotada e minha raça era desconhecida. Então entrei para o time dos faelianos com Tingsi e Valkyon, mas somente as duas, Ykhar e Kero sabem sobre isso, o resto ainda acha que eu sou uma ninfa.
Yêu me contou que era uma quimera e que a raça dela vinha ao mundo com uma alma gêmea e às vezes com mais de uma. A alma gêmea dela se chamava Tinh. Ela estava me contando sua história quando um Black Dog cruzou o nosso caminho. Yêu se escondeu atrás de mim.
- Alastor, o que deu em você?!
- Dagma, cuidado!
- Alastor, pare com isso já! – Nevra veio atrás do Black Dog, mas ele não parou. – Dagma, fique atrás de mim.
Alastor não parava quieto, ele andava em círculos e rosnava, batia com a pata no chão, era como se ele estivesse tentando dizer alguma coisa. Nevra me pegou pelo braço e foi se afastando devagar, mas Alastor parecia não querer nos deixar ir.
- Dagma, quando eu der o sinal, você deve correr o mais rápido que puder. Aconteça o que acontecer, não olhe para trás.
- Mas....
- Eu vou ficar bem.
Nevra deu o sinal. Yêu e eu corremos o mais rápido que pudemos. Só paramos quando chegamos ao caminho dos arcos.
- Não entendo por que deixaram algo tão perigoso ficar dentro dos muros do QG. – Disse Yêu.
- É uma longa história. Era para eles terem ido embora, mas parece que Raum prometeu comida para eles e agora temos que aturá-los.
- Raum?
- É o Black Dog da Tingsi. Ele é meio assustador, mas você se acostuma com ele.
Nos sentamos no banco para descansarmos da corrida. Tenho que falar com Tingsi para dar uma bronca nele depois, afinal, ela é a única que os entende. Algum tempo depois Nevra veio atrás de mim.
- Dagma, você está bem?
- Sim, nós estamos bem.
- Nós?
- Eu e Yêu.
- É um prazer conhecê-lo.
- O que houve com Alastor?
- Eu não sei. Quando você saiu, ele parou de rosnar e ficou agitado, como se quisesse me dizer algo. Infelizmente Tingsi ainda não acordou.
- Isso é estranho.
- Irei ficar de olho nele. Tome cuidado.
Nevra se foi. Estava anoitecendo, então voltei para o meu quarto. Descobri que o quarto da Yêu ficava ao lado do meu. No dia seguinte segui com minha rotina. Passei na enfermaria para ter notícias de Tingsi, mas ela tinha sumido durante à noite. Provavelmente deve ter ido para o quarto, então fui vê-la, mas acabei encontrando Yêu no corredor. Ela parecia preocupada.
- Está tudo bem?
- Não exatamente.
- O que aconteceu? O Tinh não voltou para casa ontem à noite. Tenho certeza que ele está com outra.
- Eu não acho que ele esteja com outra. Ele te ama, tanto que veio atrás de você. Será que ele não está em uma missão e esqueceu de te contar?
- É possível. Não seria a primeira vez que isso acontece.
- Se quiser podemos perguntar para a Ykhar.
Fomos à biblioteca, mas estava fechada, então resolvemos procurar pelo QG. Procuramos pelo QG inteiro e ninguém o tinha visto. Cruzamos com Valentine e ela ficou agressiva. Estranho, ela nunca tinha ficado assim. Dagon surgiu e tivemos que fugir dele, pois ele estava bem agressivo. O que deu nesses mascotes? Enquanto preguntávamos a diversas pessoas, Yêu contou um detalhe que chamou minha atenção: Tinh era da Guarda Sombra.
- Você não tinha dito que ele era da Sombra?
- Isso é importante?
- Sim! Nevra deve saber.
Encontrei Nevra no refeitório. Aproveitei para comer alguma coisa e Yêu não quis nada.
- Nevra, você sabe quem está em missão, não?
- Sim, mas não estou autorizado a dizer qualquer nome. É uma questão de segurança.
- Nem mesmo para a Karenn?
- Principalmente para Karenn.
- Quem é Karenn?
- É a irmã dele. – Nevra fez uma cara não muito boa.
- Por que você quer saber disso?
- O namorado da Yêu sumiu ontem à noite e achamos que pode estar em missão. Como ele é da sua guarda, achei que talvez saberia.
- Sinto muito, mas não posso revelar. Talvez Ykhar possa te ajudar.
- Nós tentamos, mas a biblioteca estava fechada.
- Volte mais tarde.
- É tudo que você tem a dizer?!
- E o que você quer que eu diga?
- Um membro da sua guarda desaparece e você sequer se importa?! Eu pensei que vocês fossem fazer o seu trabalho direito, não era isso que disseram depois da morte da Anya?!
- Dagma, o que está acontecendo? – Ezarel veio até nossa mesa.
- O que está acontecendo é que o Tinh desapareceu e ninguém parece afetado! Já procuramos por todo o QG e não encontramos nada!
- Dagma, se acalme, por favor. Me conte o que aconteceu.
Contei para o Ezarel o que tínhamos dito ao Nevra, mas ele não pareceu se importar e não ajudou em nada. Saí de lá furiosa com a Yêu. Meu sangue fervia, mas depois de conversar com ela, eu consegui me acalmar. Ela achou que eu tinha exagerado um pouco, e realmente, eu não costumava levantar a voz assim. Talvez seja melhor eu me desculpar.
Tentei me desculpar com eles, mas tanto Ezarel quanto Nevra se fizeram de desentendidos em relação à Yêu, me deixando ainda com mais raiva. Resolvi me trancar no quarto para me acalmar.
===Tingsi===
Meu corpo doía e eu não tinha qualquer vontade de levantar. Tudo que eu ouvia era uma voz feminina me chamando e me dizendo para levantar. Tentei brir os olhos, estava tão cansada. Tive o vislumbre de um quimono branco com azul e cabelo preto. Se era sonho ou realidade, não faço ideia. Quando finalmente acordei e vi onde me encontrava, me levantei correndo. Era um lugar todo preto e roxo, ouvia risos e via olhos na escuridão.
- Tingsi! Ainda bem que você acordou.
- Qinglong? – Ele estava em sua forma original. – Onde eu estou?
- No mundo espiritual. Neste plano vivem os inccubus e succubus. Consegui acordá-la a tempo.
- O que aconteceu?
- Seu poder espiritual está crescendo. Algo a forçou a entrar no mundo espiritual. Conversaremos depois. Irei tirá-la daqui.
- Vocês não disseram...?
- Me entenderei com Zhuniao depois.
Sua garra tocou minha testa e uma forte luz azul tomou conta de tudo. Acordei na enfermaria. Era noite e eu estava meio zonza. Esperei algum momento até que pudesse me levantar. Alguém me ofereceu bolo.
- Deve estar com fome.
- Zhuniao. Não fique chateado com Qinglong.
- Essa não é minha prioridade no momento. Estou feliz em vê-la desperta. – Ele colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. – E ainda mais feliz por não ter usado minha pena. – Ele retirou o colar com a pena que eu escondia por debaixo da blusa.
- Por quanto tempo eu dormi?
- O dia todo. Qinglong renovou suas energias o suficiente para que pudesse voltar. Esse tipo de viagem sem a caixa é perigoso demais.
- Não era você que dizia que não podiam interferir e tudo mais?
- E não podemos, mas o Dragão Azul é benevolente, é da natureza dele quebrar regras para fazer o certo e ajudar os amigos. Me entenderei com ele depois, possuo outras prioridades no momento.
Eu comi o bolo. Levantei da cama, pois não iria ficar ali. Ewlein que me perdoe, mas prefiro o conforto dos meus mascotes.
- Beba isto. – Ele me entregou um copo de bambu com uma bebida estranha dentro.
- O que é isso?
- Aquela porcaria que Yuna adora. Monster.
- Você me dando energético? O quão na merda eu devo estar?
- Querida, você está além da merda. – Para ele estar falando palavrão é porque estou além da merda mesmo. – Me acompanhe.
Eu o segui enquanto tomava o energético. Zhuniao me levou para a forja, onde encontrei todos eles.
- Por que me trouxe aqui?
- Seu poder espiritual e sua medionidade estão crescendo rapidamente. – Disse a tartaruga. – Decidimos que é melhor você ter uma arma espiritual.
- O que é isso?
- É uma arma como as outras, porém ela também terá energia espiritual como uma espécie de alma. – Disse o tigre. – Isso permitirá que você possa usá-la tanto no mundo material quanto no espiritual, ferir tanto a carne quanto o espírito.
- Estávamos discutindo qual seria a melhor arma para você. – Disse o dragão. – Depois que vimos como usou o chicote corrente contra Naytili e lembramos que você adora Mo Dao Zu Shi, então decidimos que seria melhor criar uma arma que você conhece na ficção: o Zidian.
- Vocês podem criar o Zidian?
- Somos deuses, garota. – Tornou a dizer o tigre. – É mais fácil listar o que não podemos fazer. E quem disse que vamos criar o Zidian?
- Mas vocês disseram....
- Que você teria uma arma espiritual, mas não que a faríamos. – Tornou a dizer a tartaruga. – Iremos ajudá-la a forjar o Zidian, mas o trabalho não poderá ser feito por nossas mãos.
- Iremos forjar essa arma ou não? – Perguntou o pássaro já impaciente.
Baihu invocou vários tipos de metal diferente. Ele não precisaria do meu corpo emprestado para isso, pois preferia desgastar seu avatar para poupar meu corpo. Eles até podem usar seus poderes nessa forma, mas isso desgasta o avatar e eles precisam regenerá-lo. Dependendo da quantidade de poder que usam, eles precisariam criar outro avatar. Se eles vierem na verdadeira forma para o plano material, pode ter certeza que uma tragédia vai acontecer. Por isso que muitas vezes eles precisam de alguém que seja a passarela deles para o mundo material.
Fui seguindo as instruções deles para começar a forjar. As aulas de forja foram de grande ajuda também. Os metais escolhidos por Baihu eram para formar uma liga que fosse mais forte e maleável e eu também tinha que colocar parte do meu poder espiritual em cada processo e além de revestir de prata, usar maana, sangue e usar um cristal roxo. Eu sei por que de todas as armas possíveis eles queriam recriar o Zidian. Ele é capaz de exorcizar um corpo tomado por um fantasma. Se Naytili é tão forte assim, não duvido que seja capaz de possuir alguém.
No final, eu consegui criar o anel de prata com o cristal roxo, se assemelhando mais ao do anime do que da série, até o batizei com o mesmo nome. Estava esgotada, tanto que tive que andar apoiada em Qinglong, mas consegui tomar um banho antes de dormir. Descansei um pouco antes de ir ao mundo espiritual para treiná-lo com os deuses. Fiz um incrível progresso, afinal, Xuanwu estava me treinando no chicote e no chicote corrente antes.
Quando levantei para valer, eu ainda estava com sono, mesmo tendo descansado depois do treino. Fui comer alguma coisa e encontrei Valkyon na cantina.
- Tingsi, é bom ver que está de pé.
- Também é bom te ver.
- O que aconteceu?
- Eu não sei. Eu estava com o Chrome e ele estava com um anel.... – As memórias me acertaram como um caminhão. – Cadê o Chrome?!
- Ele está bem.
- Eu tenho que achá-lo.
- Tingsi, se acalme, você acabou de acordar.
- Por quanto tempo fiquei dormindo?
- Um dia, pois você simplesmente saiu da enfermaria e foi para o seu quarto. – Ele segurou a minha mão. – Não se esforce demais.
Era visível que ele estava sofrendo. Com a morte da Anya, o ataque ao Leiftan e a fuga da Naytili, ele deve estar numa pressão que só. Nem imagino como deve estar a cabeça da Miiko.
- Você também precisa descansar. Está com uma cara horrível.
- Eu tento.
De repente, um dos Black Dogs entrou na cantina, causando alvoroço. Eu o reconheci como Alastor. Ele estava agitado, como se quisesse dizer alguma coisa. Ainda segurando a mão de Valkyon, eu entrei no limiar e me concentrei no Black Dog.
- Alastor, seja breve, eu não vou aguentar.
- A moça brilhante está com em perigo! Um espírito!
Tive que nos ejetar do limiar, pois eu ainda não estava totalmente recuperada. Valkyon me segurou e eu só soube que Nevra entrou no recinto porque eu o ouvi brigando com Alastor. Me concentrei em me recuperar. Pude perceber que estava nos braços de Valkyon e Nevra tinha parado de brigar com Alastor para me observar.
- Não brigue com ele. Alastor só estava me avisando de perigo.
- Que perigo?!
- Ele não terminou de falar. – Comentou Valkyon.
- Aconteceu alguma coisa enquanto estive fora?
- Tirando que Dagma está estranha, nada.
- Estranha como?
Nevra me contou que Dagma tinha brigado com ele e com Ezarel para descobrir o paradeiro do namorado de uma tal Yêu. Esse nome não me é estranho. Eles achavam que poderia ser obra da Naytili. Não apenas isso, Alastor e Dagon ficaram agressivos com Dagma e não apenas eles, os mascotes estavam estranhos em sua presença. Ele até contou que planejava me pedir para falar com o Black Dog para descobrir o que ele queria. Ele não nos disse muita coisa, mas então minha mente deu um estalo.
- Preciso achar Dagma agora.
- Tingsi, você precisa se recuperar. – Disse Valkyon preocupado. – Pode falar com ela depois.
- Valkyon, você não entendeu! Tem que ser agora!
Os dois vieram comigo, sendo que Alastor nos guiava. Nós a encontramos do lado de fora dos muros. Agarrei seus pulsos e gelei. Ela estava falando com uma mulher de cabelo vermelho, olhos de alien e pele lilás, a mesma mulher que eu tinha visto nas minhas visões. Chrome deve ter dado o anel para ela.
- Ela está falando sozinha?! – Perguntou Nevra surpreso.
- Tingsi, você...?
- Reúnam todos na sala do cristal e levem um banco alto. Agora.
- Para que você quer isso? – Perguntou o vampiro.
- Só façam o que eu mandei. Alastor, pode ir, deixe-a conosco. – O Black Dog se retirou. – Dagma!
- Tingsi, você está...!
- Acordada e viva.
- Eu queria te apresentar a Yêu.
- Olá Yêu. – Os dois olharam surpresos para mim.
- Olá, é um prazer te conhecer. Dagma fala tanto de você. Você não me parece bem.
- Eu vou precisar roubar a Dagma um pouquinho. A gente precisa ir para a sala do cristal agora.
- Aconteceu alguma coisa?
- Sim. Vamos lá. Valkyon e Nevra vão juntar o pessoal e arrumar um banco alto.
E assim foi feito. Nevra arrumou um banco com o Karuto e nós nos reunimos com Ezarel, Leiftan, Miiko e Huang Hua. Estava todo mundo sem entender nada. Coloquei o banco no centro da sala.
- Dagma, o Chrome por acaso te deu um anel?
- Sim, ele disse que iria dá-lo a você, mas você acabou desmaiando.
- Coloca no banco.
- Mas para que?
- Tingsi, você pode nos explicar o que está acontecendo? – Pediu Huang Hua.
- Sim, eu realmente não estou entendendo essa reunião. – Disse Miiko.
- Já explico, só coloque o anel no banco.
Dagma pegou o anel velho e o colocou no banco sem entender. Em seguida mandei todo mundo colocar o indicador sobre o anel. Mesmo sem entender, eles colocaram depois que eu berrei. Coloquei meu dedo no anel. Não demorou para que as visões voltassem. Vi Yêu com um homem de pele lilás, olho de alien e cabelo preto. Eram várias visões dos dois por segundo. Não fiquei por muito tempo, tirei o meu dedo e tombei para trás, mas meu corpo não atingiu o chão. Eu respirava com dificuldade enquanto minha visão voltava a focar nos vultos à minha frente. Um gosto férreo invadiu minha boca e eu cuspi no chão.
Quando me recuperei, reconheci o teto da enfermaria. Pedi para Ewelein chamar todos que estavam na sala do cristal comigo. Ela tentou contra-argumentar, mas eu falei que era urgente. Finalmente todos foram reunidos.
- Tingsi, você está bem? – Perguntou Leiftan vindo para o meu lado. – Ficamos preocupados.
- O que foi aquilo?! – Perguntou Nevra.
- Psicometria. Há muitos médiuns no meu mundo, gente que fala com espíritos, enfim. Essa é uma habilidade rara nesse meio. Ela permite que a gente possa ver eventos em que os objetos e ambientes estejam inseridos. É como se eu visse as memórias daquele objeto ou do lugar.
- Você enlouqueceu?! – Perguntou Miiko. – Você podia ter morrido por usar esse poder nesse estado!
- Eu não sei usar, nem sei se dá para fazer algo. Isso só acontece quando eu durmo em lugares específicos ou quando eu toco em um objeto de extremo valor sentimental. Não é algo que eu consigo controlar, só acontece.
- Eu ainda não entendi o motivo de você querer nos mostrar isso.
- Eu vou ser mais clara. Dagma, a Yêu está morta. Você está falando com o espírito dela. Por isso que os mascotes estão agressivos e Alastor ficou daquele jeito. Ele estava tentando te proteger.
- Isso não é possível! Vocês a viram no refeitório e quando foram me avisar dessa reunião. Você até falou com ela!
- Eles não viram! – Estava começando a me irritar. – Eu vi porque eu vejo gente morta desde criança! Acabei de falar que psicometria é uma habilidade rara.
- Mas por que só a Dagma consegue vê-la? – Perguntou Leiftan.
- Por causa do anel que o Chrome deu a ela. É a aliança da Yêu.
- O que você sugere que a gente faça? – Perguntou Miiko.
- Temos que colocá-la para descansar. O espírito dela está atrelado à aliança, ela deve negar sua morte ou não sabe que morreu. Dagma, ela te disse alguma coisa?
- Sim, que estava procurando o namorado dela, o Tinh.
- Relate tudo a eles e procurem todo tipo de informação sobre ela e o Tinh.
- E você trate de decansar. – Ordenou Valkyon.
- Pode deixar, chefe.
===Dagma===
Não posso acreditar no que Tingsi disse. Um espírito?! Eu não tenho motivos para duvidar dela, ainda mais depois de ver algumas memórias, mas são só memórias, certo? Não quer dizer que ela tenha morrido. Minha cabeça girava com tudo isso. Contei tudo que sabia aos chefes da guarda. Eles foram procurar informações e me disseram para descansar.
Não consegui ocupar minha mente com mais nada, nem mesmo com trabalho. Tudo que eu consegui fazer foi olhar o teto do meu quarto. Eu estava dividida entre confiar ou não em Tingsi. Digo, ela nunca mentiu para mim, mas essa situação parecia absurda. Estava enjoada e cansada de ficar no meu quarto, um passeio deve me fazer bem.
Fui dar um passeio, sentir os raios solares na minha pele me ajudava a melhorar. Decidi ir até a praia. Era relaxante e a brisa marinha me ajudadva. Tentei fazer um pouco de taichi, Tingsi tinha me dito em nossos treinos que ajudava a concentração. Por um tempo funcionou. Foi então que eu ouvi um choro vindo de um lugar mais afastado. Era Yêu.
- Dagma, é você?!
- Sim, por que está chorando?
- O Tinh. Eu ouvi a Tingsi e algumas pessoas conversando e ele morreu.
- Sinto muito.
- Com certeza ele está me esperando em algum lugar. Eu preciso encontrá-lo!
- Yêu, eu sinto muito, mas eu não sei como dizer isso. Tingsi acha que você também está morta.
- Não diga bobagens!
- Eu quero acreditar que é uma bobagem, mas Tingsi tem certeza que não é. Ela nunca mentiu para mim, mas eu não sei no que devo acreditar.
- Eu.... Tenho que encontrar Tinh. Ele deve estar ali.
Ela correu para a água e eu tentei impedi-la. Senti uma descarga elétrica atravessar nossos corpos e caí de joelhos sentindo dor. Tingsi estava certa.
- Eu sinto muito.
===Tingsi===
Após um breve descanso e tomar uma poção de estamina, fui ver o que tinham achado. Yêu morreu há pelo menos 50 anos em uma missão e Tinh se afogou no mar. Miiko acreditava que ela não tinha recebido os últimos sacramentos de seu povo e por ela ser uma quimera, ela não descansaria se não encontrasse sua alma gêmea no além. Puta merda. Pelo menos Miiko mandou Enthraa procurar o que sobrou do Tinh.
Como se já não fosse ruim o suficiente, Ykhar contou que segundo algumas lendas, quando uma quimera não enconcontra sua alma gêmea, ela se deixa morrer. Para coroar toda essa situação de merda, como a Dagma estava estranha, eles achavam que a Yêu a tinha possuído. Miiko concordava que ela não devia saber que estava morta e que poderia se matar usando o corpo da Dagma. Mas eu vou descer o Zidian nessa vadia! Calma Tingsi, não perca o controle, você não está na sua melhor forma.
Miiko proprôs invocar o espírito de Tinh para que intervisse e também assim eles descansariam, mas ela precisava de alguma coisa que pertenceu a ele. Quis nem saber, já saí do prédio entrando no limiar e dando as ordens para Alastor encontrar Dagma e voltar para nos avisar. Achei a aliança dele na cerejeira, mas como não podia tocá-la, usei um graveto para levá-la.
Depois de uma bela bronca da Miiko, ela fez o ritual para invocá-lo. Ela pediu a ajuda dele e explicou o que tinha acontecido. Só que como ele tinha dormido por tanto tempo no anel, não tinha energia o suficiente para nos ajudar. A solução que ele tinhar era possuir um de nós. A Huang Hua se ofereceu, mas ele preferia que fosse um homem porque se a namorada dele o visse tão próximo de uma mulher daria B.O. Certeza que ela bateria na amante e ficaria com o alecrim dourado.
- Ninguém vai possuir ninguém nessa porra!
- Tingsi, você tem ideia...?! – Miiko iria me dar outra bronca.
- Eu tenho um plano e não precisamos de possessão.
Alastor entrou na biblioteca correndo. Gritei para que pegassem o anel e viessem comigo, pois Alastor tinha achado Dagma. Corri atrás dele sem olhar para trás. Nevra foi o único que me acompanhava por ser o mais rápido.
- Qual é o plano?
- Mostrar a aliança de Tinh, usar meu poder espiritual para invocá-lo e assim quando o vir, os dois poderão finalmente se resolver e descansar.
- Tem um problema. Eu não peguei o anel.
- Puta merda! Mudança de planos! Vamos convencer a Yêu a não fazer besteira e se ela tentar qualquer coisa, eu vou descer o Zidian nessa vadia!
- Zidian?!
- Longa história.
Nós a encontramos de frente para o oceano, mas havia algo diferente. Ela avançou para a água. Eu a chamei e ela se assustou. Não era mais Dagma que estava em posse daquele corpo.
- Não se aproximem!
- Yêu, a Dagma não te fez nada, deixe-a em paz. – Pediu Nevra.
- Ouça ele, essa é a sua única chance.
- Vocês não entendem! Eu preciso encontrar Tinh, sem ele eu não sou nada!
- Nós o achamos. – Nevra insistiu em argumentar. – Por favor, saia da água e deixe a Dagma em paz.
- Estão mentindo! Eu preciso encontrá-lo. Essa é a única forma de me juntar a ele.
- Nevra, se prepare para correr e pegar a Dagma.
- O que você vai fazer?
Ela se virou e correu para a água. Na mesma hora um chicote roxo eletrificado surgiu na minha mão. Estalei Zidian nas costas de Dagma. A alma da Yêu se separou e voou alguns metros, mas eu não quis arriscar e dei outra chicotada nela para ter certeza de que ficaria longe da outra humana. Nevra correu para pegar Dagma e tirá-la da água enquanto eu me aproximava da água. Agora ele conseguia vê-la, talvez por minha causa.
- O que você fez?! – A quimera perguntou.
- Esta é uma arma espiritual que chamei de Zidian. Ela é capaz de exorcizar espíritos que possuem os corpos das pessoas. Se você tentar possuir a minha amiga de novo, eu te arrebento sua vadia do caralho.
- Tingsi! – Escutei a voz de Valkyon.
- Yêu! – Parecia ser a voz de Ezarel, só que alterada.
Valkyon, Leiftan e um Ezarel possuído estavam atrás da gente. Nevra tinha conseguido tirar Dagma de dentro da água e Alastor se pôs a frente deles para protegê-los.
- Tinh, é você mesmo?
- Yêu.
- Tinh, eu vou pedir para que deixe o corpo do Ezarel antes de ir até ela. Ou vou ter que descer o Zidian em você também.
- Mas eu não tenho energia para isso.
- Eu cuido disso. Só preciso do seu anel.
Ele pegou o anel e colocou na palma da mão, em seguida deixou o corpo de Ezarel. Coloquei a palma da mão aberta de frente para o anel.
- Se afaste dele, sua....
Foi só mostrar o Zidian que ela calou a boca. Transferi minha energia espiritual para o anel. Tinh se materializou como Yêu e foi ao encontro dela. Os dois ficaram de conversa e foram se resolver. Caguei para isso, eu estava perdendo as forças, tanto que Ezarel me segurou para que eu me apoiasse. A única coisa que me mantinha de pé era a minha raiva e a vontade de descer o Zidian em alguém caso aprontassem. Depois de muita enrolação os dois se beijaram, veio uma luz e foram para o outro mundo. Só não desabei exausta no chão porque o elfo estava me segurando.
- Fale a verdade, você quer morrer, não quer? – Perguntou o elfo.
- Não é má ideia. Viver é só B.O.
- Desde quando você tem uma arma espiritual? – Perguntou Nevra.
- Desde essa madrugada. Eu conto no caminho.
Ezarel me entregou para que Valkyon me carregasse. No caminho contei uma história um pouco alterada. Contei que tinha parado em plano espiritual enquanto estava desmaiada, porém ao invés de ser salva por Qinglong, inventei que não lembrava como tinha conseguido voltar. Também disse que Xuanwu tinha aparecido e eu contei para ele, pois além de psicólogo ele também era meu mentor e ele achou que eu precisava de uma arma espiritual. Então ele pediu para Baihu para que me ajudasse a forjar uma. Claro que a história teve uma pequena mão de Qinglong e Xuanwu dizendo na minha cabeça para que não mencionasse algumas partes.
- Foi por isso que eu o criei. Para o caso de se cair no mundo espiritual por acidente, eu tenho uma arma para me defender.
- Devo admitir que é uma arma muito inteligente. – Disse Leiftan.
- Na verdade eu copiei de uma série que eu gosto. O nome, os efeitos, tudo.
- Você é inacreditável. – Disse meu chefe.
- Se não fosse, nada disso teria acontecido.
Dagma e eu acabamos na enfermaria depois de um longo relatório e de uma puta bronca da Miiko. Bem, só eu tomei. Estávamos bem, só precisávamos de descanso. Alastor tinha vindo conosco. Os enfermeiros não queriam deixá-lo entrar, mas não tiveram escolha ao ver a minha trupe invadindo a enfermaria de qualquer forma.
- Alastor estava preocupado com você. – Comentei. – Ele veio me avisar que você estava em perigo.
- Mesmo?
- Talvez ele possa ser o seu mascote junto com a Valentine.
- É uma boa ideia. Desculpe por ter duvidado de você.
- Já estou acostumada.
- Você vai ficar bem?
- Sim. Pelo menos vou poder dormir o dia inteiro depois dessa.
Ewelein nos liberou para voltarmos aos nossos quartos. Eu estava olhando para o Zidian enquanto o rodava no dedo. Os deuses que sugeriram criá-lo, eles sabiam que isso iria acontecer? Ou só estavam prevendo com base nos últimos acontecimentos? Alguém bateu na minha porta. Me surpreendi ao ver a Miiko.
- Aconteceu alguma coisa?
- Eu quero falar sobre os seus poderes. Tingsi, eles estão crescendo assustadoramente.
- Deve ser porque em menos de um ano aqui eu entrei no limiar mais vezes do que a minha vida toda na Terra.
- Eu gostaria de poder te ajudar a treiná-los.
- Não será necessário. Olha, Miiko, você já tem problemas mais que o suficiente e me treinar com tanta coisa acontecendo só vai te sobrecarregar. Eu já estou lidando com eles, tenho um bom mentor me ajudando. Vou ficar bem.
- Espero que você saiba o que está fazendo.
- Não se preocupe, vou tomar cuidado.
- Também não tivemos tempo de conversar depois que entrou na minha mente. O que você viu....
- Não precisa se explicar. Você também viu a minha. Nossas vidas são uma grande merda. Na verdade, é mais fácil procurar alguém aqui que não tenha uma vida de merda.
Apesar de não precisar se explicar, Miiko queria desabafar sobre a vida dela, a família, o mestre, até mesmo sobre o Lance. Depois disso, ela foi embora. Fui tomar um bom banho e dormir. Espero não venha mais ninguém me ver por hoje. Eu não quero brigar e evitar brigas é mais cansativo do que brigar.
Chapter 40: Capítulo 40
Chapter Text
===Dagma===
Miiko proibiu a mim e a Tingsi de trabalhar. Eu ainda me sentia um pouco estranha dentro do meu próprio corpo. Achei melhor fazer como Tingsi e treinar um pouco. Afinal, ela não poderia me proibir disso. Eu estava treinando quando Ezarel apareceu.
- Dagma, eu posso falar com você?
- Que bom, eu também queria falar com você.
- Você primeiro.
- Eu queria me desculpar pelas coisas que eu disse.
- Não tem problema. Você não estava no seu normal.
- Como encontraram o Tinh?
- Tingsi achou a aliança dele. – Ezarel me estendeu a aliança. – Você está com a dela, não?
- Estou. – Eu peguei a aliança da Yêu. Elas se completavam.
- Pode ficar com elas.
- Eu não quero. Depois do que aconteceu, acho melhor darmos um descanso para essas alianças.
- O que tem em mente?
Arrumei um fio de metal para amarrar as alianças. Depois disso, Ezarel e eu fomos à praia onde eu as atirei ao mar. Espero não ter outra experiência como essa.
- Dagma, eu estou tentando falar com você há um bom tempo para esclarecer as coisas daquela noite na vila das ninfas.
- Achei que esse assunto estivesse enterrado. Foi só uma noite, por que insiste nisso? Eu já entendi o que você quis dizer da última vez.
- Aquela noite significou muito para mim. Eu demorei a perceber, mas eu realmente me importo com você. Dagma, mesmo que você não sinta o mesmo, eu gosto de você e quero te proteger. Era isso que eu estava tentando dizer o tempo todo.
- Ez, eu.... Eu não sei o que dizer.
- Tudo bem, eu entendo.
Ezarel realmente tem sentimentos por mim? Eu realmente não sei o que pensar. Eu nem tive tempo, pois ele foi embora. Fui atrás dele. Eu não sabia o que iria dizer, só queria ir atrás dele. Enquanto eu procurava Ezarel, Nevra surgiu no meu caminho.
- Dagma, que bom que te encontrei.
- Aconteceu alguma coisa?
- Na verdade eu precisava falar com você, se não se importar.
- Tudo bem, eu acho.
Achei melhor ir atrás de Ezarel depois. Mesmo que o encontrasse, eu não saberia o que dizer. Talvez seja melhor refletir um pouco antes de tomar qualquer decisão. Nevra me levou para o jardim da música.
- Você está bem?
- Sim, Ewelein disse que posso estranhar estar no meu próprio corpo, mas fora isso eu estou bem.
- E a chicotada?
- Não doeu tanto quanto imaginava. Nem marca fez.
- Entendo. Fiquei preocupado quando te vi avançar no mar. Por um instante pensei que fosse te perder.
- Também foi assustador. Eu realmente achei que fosse morrer.
- Fiquei aliviado quando vi a Yêu se separar de você.
- Eu também. Fiquei feliz quando você me segurou.
Nevra se aproximou de mim e me beijou. Não sei por que eu acabei correspondendo, talvez porque ele beijava muito bem. Meu coração batia aceleradamente em meu peito. Eu me separei dele, o deixando confuso.
- Nevra, desculpe, mas eu não posso.
- Olha, eu sei que tenho fama de mulherengo, mas eu não te vejo assim. Ontem, quando fomos te salvar, eu percebi que realmente gosto de você, quero estar com você e te proteger.
- Nevra, o Ezarel me disse a mesma coisa hoje.
- Estou atrapalhando? – Karenn surgiu e nos deu um susto, ela não estava com uma cara boa e sua voz era debochada.
- Não, na verdade eu estava de saída.
Saí correndo de lá e me tranquei no meu quarto. Alastor e Valentine me olharam preocupados enquanto eu não sabia o que fazer. Ezarel e Nevra se declararam para mim no mesmo dia! Se isso for uma brincadeira, é de muito mal gosto, porém eles pareciam sinceros. Eu não tenho ideia do que fazer! Talvez falar com alguém? Mas quem?! Se Huang Jia estivesse aqui, eu poderia desabafar com ela sem problemas. Alajéa, embora esteja saindo com Sonze, ainda tem uma queda pelo Nevra e pela cara que a Karenn fez quando nos viu juntos, ela deve estar fora de questão. É claro que Ewelein ainda tem sentimentos pelo Ezarel e Colaia não é bem uma opção.
Pensem em falar com Tingsi. Ela não vai me julgar por ter dormido com os dois e pode me ajudar, infelizmente ela ainda não acordou. Depois do que aconteceu, ela deve estar bem cansada. Estou prestes a subir pelas paredes de tanta angústia. Acho melhor me trancar no quarto e evitá-los.
===Tingsi===
Acordei no final da tarde. Daria tempo para comer, fazer hora e dormir de novo. Fiquei toda quebrada com aquela história. Saindo do refeitório dei de cara com Valkyon.
- Tingsi, eu não te vi o dia todo.
- Acabei de acordar.
- Depois de tudo que aconteceu não sei como ainda está de pé. Miiko até deu folga para você e Dagma.
- Que bom, estava precisando. – Se bem que Baihu e Xuanwu vão comer o meu cu amanhã. – Você parece cansado.
- Desde a morte da Anya tenho aumentado as rondas.
- Deveria descansar de vez em quando. Desse jeito vai acabar na enfermaria.
- Eu sei, mas não consigo deixar de pensar que podíamos ter evitado sua morte se tivéssemos reforçado a guarda na prisão.
- Valkyon, a Naytili estava resfriada e com os braços quebrados. Como a gente poderia imaginar que alguém a libertaria? Não se cobre tanto.
- Obrigado. Eu também gostaria de falar sobre outro assunto com você. Em um lugar mais tranquilo.
- Tudo bem.
Fomos para o parque do chafariz. Muitos assuntos surgiram na minha cabeça como a psicometreia, o Zidian, o mundo espiritual ou qualquer coisa do tipo.
- Eu não quero mais ter uma relação casual.
- De boa. Eu não apareço mais no seu quarto.
- Não foi isso o que eu quis dizer. – Esperei até que ele se pronunciasse. – Eu gosto de você.
- Quando você diz “gosta” é em que sentido?
- Eu tenho sentimentos por você. – Puta merda! – Eu não consigo parar de pensar em você desde aquele beijo quando voltamos de Balênvia. Eu quero estar com você mesmo que seja nos momentos mais difíceis.
- Valkyon, para! – Pedi com a respiração descompassada.
- Você não sente o mesmo?
- É complicado.
- Explique-se.
- Eu não posso ficar com você.
- Por que não?
- Porque é complicado! Eu não sei nem por onde começar! Por favor, não me peça para explicar, nem eu entendo o que está acontecendo.
- Apenas diga que você não me ama.
- Eu estaria mentindo.
- Não estou entendendo.
- Nem eu. Eu preciso pensar.
Ele saiu e eu comecei a chorar. Como eu odiava chorar. Massageei as têmporas e enxuguei as lágrimas. Estava com uma dor de cabeça tremenda. Pensei em sair do QG para tomar um ar, mas como alegria de pobre dura pouco, acabei esbarrando com Leiftan fora dos muros.
- Tingsi, você está bem?!
- Não quero falar sobre isso. O que faz aqui?
- Assuntos da guarda, e você?
- Apenas dando um passeio.
- Irei acompanhá-la.
Leiftan e eu fomos à praia. Mesmo eu dizendo que não precisava, ele se recusava a me deixar sozinha. Fiquei um bom tempo abraçando meus joelhos apenas olhando o mar e sentindo a bisa marinha sem dizer uma única palavra. Leiftan passou o braço por sobre meus ombros e recostou minha cabeça em seu peito. Ficamos assim até o cair da noite.
- Se sente melhor?
- Sim. Obrigada por não ter me deixado sozinha.
- Jamais a deixaria, principalmente naquele estado. Eu me preocupo com você.
Ele afastou uma mecha de cabelo do meu rosto e me beijou. Era um beijo suave e terno. Me separei dele.
- Hoje não estou a fim de transar.
- O que te faz pensar que eu quero passar a noite com você?
- Então por que me beijou? – Ele ficou alguns minutos em silêncio até se pronunciar.
- Porque eu gosto de você. – Puta merda! – Faz algum tempo que eu venho pensando em como te dizer isso, mas eu quero ser algo mais do que uma noite, quero estar ao seu lado sempre.
- Não! – Ele se assustou com o meu grito. – Isso não pode estar acontecendo!
- Você não sente o mesmo?
- É justamente o contrário. – Ele arqueou as sobrancelhas surpreso. – É tudo tão confuso e complicado e eu não sei te explicar. Por favor, não me peça para explicar. Eu preciso pensar.
- Tudo bem, eu compreendo.
Voltamos ao QG e nos separamos ao cruzar os portões. Fui até o Karuto, pois precisava de uma cachaça das brabas para poder dormir. Meu cérebro parecia que ia explodir e eu estava quase surtando de novo. No dia seguinte, assim que acordei dei de cara com bolo de chocolate e suco de frutas para curar a ressaca. Qinglong estava ao meu lado.
- Noite difícil?
- Você não imagina. Queria que minhas amigas estivessem aqui. Queria que o Isaiah estivesse aqui.
- E eu não sou seu amigo?
- Você está mais para Mestre dos Magos.
- Não sou mais sua rota secreta?
- Fazer o que? A empresa não tem orçamento para ela.
- Que pena, porque eu sou mais bonito que suas opções atuais.
- Convencido. – Bati com o travesseiro nele e a gente riu.
- Pelo menos consegui arrancar um sorriso seu. O que a incomoda tanto?
- Eu não sei o que fazer da minha vida.
- E alguém sabe?
- É sério! Valkyon e Leiftan se declararam para mim ontem e eu não sei o que fazer.
- Seja honesta com eles. Conte a eles o que sente.
- E você quer que eu faça o que?! Que eu chegue para eles e fale “eu gosto de você, mas tem outro cara também”?!
- Diz a menina que não tem medo de dizer que vai dar um cagão.
- É diferente! Eu falo isso para ninguém encher o meu saco.
- Você precisa dizer a verdade aos dois. Mesmo que seus sentimentos estejam confusos, eles precisam saber. Mesmo que o resultado possa ser desastroso, é pior se deixar isso te consumir.
- Eu não sei, Qinglong.
- Se as coisas fugirem do controle, você tem a minha palavra que eu irei interferir, mesmo que tenha que brigar com Zhuniao. Mas você precisa dizer a eles e resolver essa situação de uma vez por todas.
- Obrigada Qinglong. – Segurei sua mão. – Você é um bom amigo.
- E você é uma lutadora. Lutadores não se escondem atrás de seus problemas, mesmo que precisem chorar em posição fetal algumas vezes.
Não pude evitar de sorrir e abraçá-lo. Eu tinha que falar com eles, mas não sabia como fazer isso. Andei de um lado para o outro e vi que não tinha jeito. Decidi passear para arejar a cabeça e quando abri a porta do quarto para sair, Dagma estava plantada do lado de fora decidindo se ia ou não bater na porta.
- Aconteceu alguma coisa?
- Eu queria falar com você, eu não sei mais a quem recorrer.
Deixei com que entrasse e deixei com que ela me contasse o problema. Acontece que ela estava tão fodida quanto eu ou pior. Ezarel e Nevra tinham se declarado para ela e ela não sabia o que fazer com direito a Karenn enciumada, o QG atrás do Nevra e a Ewelein ainda gostando do Ezarel. Ainda bem que Valkyon e Leiftan não têm B.O.
- Dagma, o que isso tem a ver com os dois gostarem de você?
- Você não acha que eu sou uma péssima amiga por dormir com o ex de uma amiga?
- Caralho! Eles nunca namoraram e ele estava solteiro! Ex é ex, só aceita e supera!
- Mas não é errado ficar com o ex das suas amigas?
- Na primeira semana sim, mas eu e meus amigos chegamos à conclusão que depois de um mês está liberado. Um mês é o suficiente para chorar, encher a cara para esquecer e ainda sobra tempo para correr atrás e tentar voltar. Se não conseguir, supera, desapega, desencana, vai arrumar o que fazer.
- O que você acha que eu tenho que fazer?
- Você sente alguma coisa por um dos dois? Esquece esse povo, você sente algo?
Ela pensou um pouco e eu não pude deixar de notar o quão hipócrita estava sendo. Não consigo nem resolver a minha vida amorosa e quero ajudar a resolver dos outros. E para piorar cometou a tocar So In Love With Two do nada. Puta merda.
- Eu não sei. O que você faria no meu lugar?
- Eu já estou no seu lugar.
- Como assim?
- Valkyon e Leiftan também tentaram se declarar para mim e eu não sei se escolho um, o outro, se volto para a Terra ou se pulo de um penhasco.
- Está exagerando.
- Pior que eu não estou. Eu não sei mais se quero voltar para a Terra.
- Mas a Terra é o seu sonho.
- Eu sei.
- Nossa. A gente está mesmo na merda.
- Você está na merda, eu já virei biomassa há muito tempo.
- O que vai fazer?
- Um bom amigo me disse que preciso ser honesta com eles e abrir o jogo. Contar a eles tudo o que estou sentindo. Mesmo que tudo vá pelos ares, será melhor do que ficar nessa indecisão pelo resto da vida. Você devia fazer o mesmo.
- Como vamos contar a eles?
- Eu não sei. Eu estava pensando nisso agora.
Ficamos algum tempo nos lamentando e conversando sobre nossos sentimentos até que uma ideia surgiu na minha mente. Era uma idiotice sem tamanho e tinha tudo para dar errado. Dagma achou uma loucura, mas era o melhor a se fazer e eu queria resolver essa situação de uma vez por todas. Resolvi mandar bilhetes para os rapazes e atribuí essa missão para Valentine, Alastor, Shaneera e Snowyn.
Fiquei tentando não surtar enquanto esperava na toca. Tinha chegado cedo para tentar me preparar. Perdi a conta de quantos exercícios de respiração eu fiz, quantas chicotadas dei no ar com o Zidian, quantas vezes quase arranquei os cabelos e tive que pentear de novo até que resolvi deitar e ver nuvens. Refleti várias vezes sobre como me sentia em relação ao Valkyon e ao Leiftan.
- Você queria falar comigo? – Valkyon tinha acabado de chegar.
- Sim é sobre ontem. – Eu me levantei. – Olha, o que eu vou dizer não é fácil.
- Estou atrapalhando? – Leiftan chegou.
- Na verdade você chegou bem na hora. – Os dois começaram a se olhar e eu decidi agir antes que pensassem besteira. – Preciso falar com vocês sobre ontem. Os dois.
- Não estou entendendo.
- Como eu posso dizer isso de uma forma menos traumática?
- Você gosta dele, é isso? – Perguntou Valkyon chateado.
- Eu gosto dos dois.
Os dois ficaram olhando um para a cara do outro em choque. Não tinha maneira melhor de dizer isso e de certa forma foi um grande alívio, mas ainda não acabou.
- Não tem outra forma de dizer isso: eu acabei me apaixonando por vocês dois e isso está me consumindo! Meus sentimentos estão tão bagunçados que eu nem sei se quero mais voltar para a Terra!
Os dois se entreolharam em silêncio sem saber o que dizer. Aquilo estava me deixando agoniada. Apesar de sentir um grande alívio quando disse aquelas coisas, isso não me impedia de surtar.
- Como isso foi acontecer? – Perguntou Leiftan.
- Eu não sei!
- Você realmente está...? – Valkyon parecia ter entrado em pane. – Por nós.... Dois?
- É!
- Tingsi, você sabe não pode ficar com nós dois. – Tornou a dizer o lorialet.
- Leiftan eu nem sei o que eu quero fazer da minha vida! Quanto mais decidir se fico com você, com ele, se volto para a Terra ou pulo de um penhasco! E o penhasco parece ser a opção mais plausível no momento! Ah, cara, como isso pôde acontecer?! E dois de uma vez?!
- Tingsi, se acalme! – Pediu Valkyon. – Surtar não vai ajudar em nada.
- Mas é a única coisa que eu consigo fazer! – Me agachei no chão e respirei o mais fundo que consegui. – Desculpem, eu sou péssima em lidar com esse tipo de coisa.
- Ouvir alguém dizer que está apaixonada por duas pessoas ao mesmo tempo também não é a coisa mais fácil do mundo. – Como é que o Leiftan consegue ficar calmo numa hora dessas?!
- Ao menos você foi honesta ao invés de tentar nos enrolar. – Disse Valkyon. – Eu não sei como reagir a isso. Preciso de um tempo para digerir isso.
- Eu entendo. Eu não sou boa em lidar com os meus sentimentos. – Confessei. – Preciso pensar.
- Estamos de acordo que precisamos de um tempo para refletir sobre essa questão? – Perguntou Leiftan.
Todos concordamos em tirar um tempo para nós. Até que não foi tão ruim. Me pergunto como Dagma irá se sair, afinal, eu tive sorte do Leiftan ser calmo e do Valkyon ser maduro, Ezarel e Nevra são outra história.
===Dagma===
Tingsi é louca, não é possível! Como foi que eu deixei com que ela marcasse um encontro com o Ezarel e o Nevra ao mesmo tempo?! Agora eu estou surtando na parte mais isolada da praia. Eu devia ter pedido conselhos à Dama Huang Hua. Os dois chegaram juntos. Coragem Dagma, você pode fazer isso.
- Devem estar se perguntando por que eu os chamei aqui.
- Temos uma ideia. – Comentou Ezarel.
- Ezarel me contou o que aconteceu ontem. – Disse Nevra. – Desculpe por ter te ofendido, eu não sabia.
- Não me ofendeu. – Ele ficou surpreso. – A verdade era que eu estava procurando o Ezarel quando te encontrei, mas não me senti ofendida.
- Entendi. – Tornou a dizer o elfo. – Não vou atrapalhar vocês dois.
- Não! Vocês entenderam tudo errado! Ninguém aqui está atrapalhando, é só.... A culpa é minha.
- Eu não entendi. – Disse o vampiro.
- As suas declarações me fizeram perceber que eu desenvolvi sentimentos pelos dois. – Eles ficaram surpresos. – Desculpa, não era para isso ter acontecido. Por isso eu os chamei, para esclarecer as coisas.
- Não é culpa sua, não dá para controlar esse tipo de coisa. – Me surpreendi com Ezarel. – Além do mais, como não se apaixonar pelo homem mais charmoso do QG? – Ele deu um de seus famosos sorrisos cretinos.
- Eu sei que sou gostoso, mas isso todo mundo já sabe. – Vangloriou-se Nevra.
- Mas vocês dois são impossíveis! Eu estou aqui surtando e vocês dois fazendo graça da situação!
- Desculpe, mas essa é a única forma que tenho de lidar com essa situação. Eu realmente tive medo de que você me odiasse. Eu sei que tenho má fama, mas tudo o que eu te disse ontem era verdade.
- Nevra e eu conversamos antes de te encontrar. – Disse o elfo. – Não importa quem você escolher, nós vamos respeitar a sua decisão.
- Obrigada.
- Confesso que fiquei surpreso por você chamar nós dois ao mesmo tempo para conversar sobre seus sentimentos.
- Foi ideia da Tingsi. Ela quem escreveu os bilhetes.
- Por que eu ainda me surpreendo?!
- Ainda bem que nos resolvemos antes porque isso podia ter dado muito errado. – Disse Nevra. – Eu duvido que ela faria isso se estivesse no seu lugar.
- Na verdade ela deve estar fazendo o mesmo com o Valkyon e o Leiftan nesse momento.
- ELA O QUE?!
===Nevra===
Karenn tinha ido me avisar que eu teria uma reunião com Miiko, Huang Hua e os rapazes. Percebi que Ezarel estava meio perdido durante a reunião, então a primeira coisa que fiz foi procurá-lo no laboratório. Ao vê-lo, eu pulei e o abracei por trás, o fazendo se assustar.
- Mas que...! Nevra!
- Não tenho culpa se você estava distraído desde a reunião. – Ele respirou fundo. – Está tudo bem?
- Confessei meus sentimentos para Dagma.
Foi como se o chão se abrisse. Eu tinha feito o mesmo há pouco e até a beijei. Ezarel também gostava dela?! Por que ele não me contou?! Não consigo explicar, mas senti uma pontada de ciúme.
- Quando?
- Antes da reunião.
- O que aconteceu depois?
- Eu saí. Ela parecia tão confusa que eu achei melhor dar um tempo para ela absorver. Achei que ela viria atrás de mim, mas ela não me procurou até agora.
- Ez, eu tenho que te confessar uma coisa. Eu também me declarei para ela antes da reunião.
- Você o que?!
- Eu não sabia que você gostava dela, você nunca me conta com quem está saindo. Como eu iria imaginar que isso iria acontecer?
- A questão não é vocês terem saído e sim que de todas as garotas do QG você resolveu ter uma paixonite justamente pela mesma garota que eu!
- Hei, eu não tenho culpa! E não é uma paixonite, eu realmente gosto dela!
- Quantas vezes você já disse isso e era uma paixonite sem importância?
- Dessa vez é diferente, eu sinto isso.
- Ao invés dos dois ficarem brigando feito crianças não é melhor deixarem ela decidir? – Perguntou Miiko surgindo do nada e nos dando o maior susto.
- Há quanto tempo você está aí? – Perguntou Ezarel.
- Tempo o suficiente para escutar a briga de vocês do lado de fora. Pelo que eu entendi, vocês estavam brigando por causa de uma garota.
- Deixa quieto.
- Ez e eu nos declaramos para a mesma garota. – Ele me olhou como se fosse me matar.
- E ela decidiu entre vocês? – Negamos com a cabeça. – Não há muito que fazer então, apenas esperar que ela escolha um dos dois. Preciso que revejam as proteções do QG.
No dia seguinte, Ezarel veio se desculpar comigo. Ele achava que Miiko estava certa. Deveríamos deixar que ela escolhesse e respeitar a decisão dela. Está certo que eu gosto da Dagma e Ezarel é um dos meus melhores amigos, mas então por que eu fico torcendo para a possível futura relação deles não dar certo?
Meus pensamentos foram interrompidos quando Alastor trouxe um bilhete. Fui falar com Ezarel e ele tinha recebido um também. Decidimos ir ao local do encontro juntos para ver o que Dagma tinha a dizer, qual foi nossa surpresa descobrir que ela gostava de nós dois? Mas o que nos deixou chocados mesmo foi que Tingsi também estava dividida entre Valkyon e Leiftan. Ezarel e eu fomos ver como nosso amigo estava. Nós o encontramos na cantina. Pedimos nossas bebidas e nos sentamos com ele.
- Honestamente eu não sei o que pensar. – Confessou ele. – Como isso pôde acontecer?
- Não dá para controlar essas coisas. – Foi Ezarel quem falou. – Infelizmente não podemos escolher por quem iremos ter sentimentos.
- Se pudéssemos, evitaríamos tantos transtornos, mas é como o Ez disse: não dá para controlar essas coisas.
- Eu sei, mas mesmo assim não deixo de me sentir apreensivo.
- Está com medo de que ela não te escolha, não é?
- Sim, mas seja o que for, preciso respeitar a escolha dela. Eu prometi que faria de tudo para que ela fosse feliz aqui.
Eu não sou sentimental, mas ver um amigo sofrer por amor é complicado. Ezarel e eu nos entreolhamos e ele estava pensando a mesma coisa. É incrível como podemos adivinhar o que o outro está pensandando, na maioria das vezes. Nós o admirávamos por várias coisas, mas o carinho que ele tinha pela Tingsi era de outro mundo, mesmo que ele quase surtasse com os grafites. Comecei a rir.
- O que é tão engraçado? – Questionou o elfo.
- A vida, ela não é irônica? – Me voltei para Valkyon. – Ezarel e eu amamos a mesma mulher e você está na mesma situação com Leiftan. Somos três azarados no amor.
A gente começou a rir. E a chorar. E a beber. E a cantar alguma música de sofrência enquanto bebíamos. Fazer o que? C’est la vie.
===Leiftan===
Pela primeira vez desde muito tempo eu não sabia o que fazer. Tingsi estava apaixonada por mim e por Valkyon e eu não podia fazer nada em relação a isso. Pensei em matá-lo, mas isso criaria desevenças com Ashkore e a deixaria triste e tudo pioraria caso ela descobrisse. Tingsi não é burra, submestimar sua inteligência é um grande erro.
- Por que a Anya?! Por que logo ela? – Perguntou Chrome.
- Baixas são necessárias se quisermos atingir o objetivo de nossa causa. Já deveria saber disso, visto que foi você quem me procurou.
Anya, ela era querida no QG. Eu não tinha nada contra ela. Uma pena que estava no lugar errado e na hora errada. Se Tingsi investigasse sua morte, ela certamente descobriria mais do que os outros e também suas habilidades com os mortos seriam um grande empecilho. Não nego que seria uma adversária formidável. Talvez em outra vida brincássemos de gato e rato. Fico me perguntando o que aconteceria se ela descobrisse a verdade sobre mim. Definitivamente tenho que parar de ler romances investigativos.
- Como está nossa nova aliada?
- Dando trabalho. – Resmungou Ashkore. – Aquele Corko conseguiu fazer um belo estrago com apenas um punhado de catarro, mas pelo menos isso faz com que fique quieta enquanto seus ossos se recuperam das fraturas.
- Bom saber.
- Aquela humana treinou os mascotes para lutar e conseguiu a simpatia de um Black Dog.
- Três. Os da Naytili têm uma dívida de gratidão para com ela.
- Essa humana está se tornando cada vez mais perigosa. Deveríamos eliminá-la o quanto antes. – Eu o segurei pelo pescoço.
- Se ousar tocar em um fio de cabelo dela que seja, eu te mato.
- Por que você a protege tanto? Parece até que se apaixonou.
Apertei minha mão em torno de seu pescoço e arranquei sua máscara. Tomei seus lábios em um beijo feroz. Momentos depois nossas roupas estavam no chão enquanto eu o possuía. Os gemidos de Ashkore eram mais sôfregos e seus toques mais urgentes a cada estocada.
- Agora sim está se parecendo com o Leiftan que eu conheço.
- Aproveite porque depois desta noite não seguirei com esse tipo de encontro.
- O que quer dizer?
- Exatamente isso que você ouviu. Não quero ter mais relações sexuais com você.
- Está cometendo um grande erro.
- Estou? Pelo que me lembro, nossa relação envolvia apenas sexo e poderia ser extinta a qualquer hora. Por acaso está apaixonado por mim, Lance?
Ele engoliu em seco e ficou rubro de raiva. Apenas sorri e voltei ao meu quarto. Voar da floresta para o quarto era tão bom. Realmente, ter asas dá sensação de liberdade e o risco de ser pego torna tudo mais excitante.
Chapter 41: Capítulo 41
Chapter Text
===Tingsi===
Me revirei a noite inteira. Claro que os deuses não iam me deixar faltar à terapia ou ao treinamento, pelo menos a minha playlist de treino expulsava qualquer pensamento. Quando finalmente pude tomar um bom banho, meus pensamentos vagaram até Leiftan e Valkyon. Passei a noite toda pensando nos nossos momentos juntos e até listando o que gostava neles.
Valkyon era atencioso, forte e corajoso. Ele tinha um sorriso que aquecia o coração, também era leal e tinha um lado um tanto travesso também. Já Leiftan era calmo, paciente, organizado e sereno, mas também sabia ser ousado e até provocante. Sempre guardou meus segredos e não tentou me arrastar de volta quando fazia alguma loucura.
Revisei todos os prós e contras, consultei minha cabeça, meu coração e até o meu estômago, fritei meus neurônios, mas ainda assim não conseguia escolher. Chega! Preciso ocupar minha mente. Olhei para A Arte da Guerra que estava na minha cabeceira e não tinha terminado de ler. Tinha tantas anotações paralelas que dava para escrever outro livro. Ao invés de lê-lo, peguei minhas tintas com a brilhante ideia de fazer um mural para Anya. Como era a cara dela mesmo? É bom que tenha um retrato na biblioteca, não quero invadir a casa do irmão dela para isso.
Começou com um simples retrato, mas então resolvi ler os arquivos da investigação dela. Não precisava ter visto CSI para saber que a investigação foi conduzida com a bunda. Nada ali fazia sentido. Naytili não pode ter escapado sozinha, eu mesma ouvi Gronk quebrando os ossos do braço dela, sem contar que ela não tinha uma lâmina, Jamon e Ewelein a resvistaram. Alguém a ajudou, mas por que matar a Anya e deixar Leiftan vivo? Ele é o braço direito da Miiko. Sem contar que o depoimento dele estava incompleto e algumas coisas não pareciam bater.
Resolvi deixar para lá. Precisava descansar para uma porrada de treinos que teria e Baihu não estava pegando nem um pouco leve com a guan dao. Qinglong tinha iniciado meu treino com a katana e ela era diferente das outras espadas em questão de manejo. Fora os treinos espirituais e revisões de coisas que eu já sabia, até mesmo revisão de linguagem dos leques. E ainda tinha que encontrar tempo para treinar Dagma, que crescia assustadoramente nos treinos.
Assim que amanheceu fui pegar as minhas armas para treinar. Era tanta arma que eu me perdia. Precisava dar um jeito nisso, por isso fui à loja da Purriry.
- Ainda bem que você chegou! Eu tenho uma coleção nova que ficaria perfeita em você.
- Hoje não, Purriry, eu vim te perguntar se você conhece algum carpinteiro e tenho uma encomenda.
- Claro que conheço, quer ampliar o seu armário?
- Na verdade eu queria fazer um armário para as minhas armas. E queria ver se é possível arrumar uma forma de carregá-las sem que pesassem na mochila. Sei lá, alguma mochila própria para armas ou uma bolsinha de viagem. Eu tenho várias e algumas grandes.
- Me diga exatamente o que você quer.
Passei um bom tempo conversando com Purriry e planejando uma bolsa que permitisse levar armas grandes sem que ocupasse muito espaço ou virassem um peso, tipo aquela bolsa da Hermione que leva até barraca ou a mala do Newt Schamander. Ela disse que era possível com magia e certos materiais, mas que não ficaria barato. No entanto, um projeto assim venderia bastante, não tanto quanto as roupas para mascotes, que Lily vivia pegando meus maanas para comprar. Eu só precisava fazer os designs.
Boa parte da manhã se foi, mas conseguimos estudar e planejar o que a gente queria e chegamos a um acordo quanto aos designs. Para as vendas escolhi designs mais fantasiosos, porém eu tive a ideia de também fazer coisas em cores mais pastéis além das tradicionais e sugeri alguns designs fofos e até de mascotes. Para mim seria tipo aquelas mochilas de notebook que tem duas aberturas e mais três bolsos na frente e um de cada lado, porém ela seria mole como aquelas mochilas hippies de pano. A minha seria preta com alguns respindos em azul, rosa e roxo como se tivesse respingado tinta nela. Claro que eu cobrei uma comissão pelos desenhos e vou ganhar royalties quando a Purriry vendê-los.
Como sempre, Zhuniao me colocou para dançar em cima do bambu no meio do lago e depois me treinou com os sais. Ele ainda inventou de me colocar num trapézio e nos tecidos. O wushu tinha se tornado algo natural para mim, com a orientação dos deuses eu tinha progredido mais do que jamais progrediria.
- Se dê algum crédito. – Disse o pássaro. – Sem esforço e força de vontade nossa orientação não valeria mais que uma moeda de cobre.
- Está exagerando. Só com isso eu ainda estaria perdida.
- Podemos dizer que cada um fez sua parte. Nosso trabalho foi ensinar e o seu foi aprender.
- Vou sentir falta dos seus treinos no mundo material.
- Eu ainda posso te visitar com esse avatar, contanto que venha me visitar no mundo espiritual de vez em quando.
- Fechado.
- Soube que está com um belo drama em suas mãos.
- E quando não tem drama na minha vida? É algum roteirista de novela mexicana que está escrevendo essa porra?
- Se fosse, teria no mínimo um Carlos Daniel.
- É verdade.
- Tingsi Zhu, a verdade é que é que eu não sou o Valkyon. – Ele começou a fazer uma atuação digna de novela mexicana. – Eu sou o irmão dele, Lance.
- Mas não pode ser! – Entrei na brincadeira. – Você morreu quando desceu pela cachoeira em um barril!
- De fato, eu forjei minha morte para descobrir o verdadeiro assassino do meu irmão. – Ele fez até pausa dramática.
- Oh não! E quem foi?
- Foi o Ezarel. Tudo isso por um pote de mel.
Fingi um desmaio e a gente começou a rir que nem dois idiotas. Eu costumava fazer isso com Yeva e com Damiana, pois elas cursavam artes cênicas. Às vezes elas tinham que gravar texto e juntavam todo mundo para participar.
- Mas sério, tinha algo mais clichê que um triângulo amoroso?
- Não sou eu que escrevo o roteiro da sua vida. Se fosse, eu teria trocado seu figurino há muito tempo.
- Não tem nada de errado com as minhas roupas.
- Para uma terráquea, mas para um mundo de fantasia não combina.
- Então me ensine a costurar que eu faço minhas próprias roupas.
- Isso é uma desculpa para me ter mais tempo ao seu lado?
- Talvez.
- Vai arrumar briga com a Purriry.
- As da Purriry são bonitas, mas não são muito práticas para o dia a dia ou para o combate. E os meus mascotes conseguem achar cada coisa quando exploram que eu não faço ideia se um dia vou usar. Fora umas armaduras pesadas com shortinho ou saia com cinto que não fazem sentido nenhum. Eu queria era uma calça ou um short que não marcasse minha bunda.
- Nesse caso terei o maior prazer em ensiná-la a costurar. O que acha daquelas roupas de dramas orientais que você e Yuna viam?
- Não são muito complicadas?
- Não com minha didática. Poderá criar lindos hanfus e com seu aprendizado em forjar armaduras, fará o que você quiser. Por falar em forja, como está sua relação com o líder da Obsidiana e o braço direito?
- Eu não sei. Parece que quanto mais eu penso sobre isso mais indecisa eu fico. Eu não consigo escolher.
- Você quer estar em uma relação?
- Oi?
- Você não pode escolher com quem quer iniciar um relacionamento sem saber que quer um. Olhe para mim. – Assim o fiz. – Seja sincera, você quer um relacionamento?
- Eu não sei.
- Então você não quer um.
- Então me fala o que eu quero porque eu já não sei mais de nada. – Sentei em uma pedra e abracei meus joelhos.
- Estar apaixonada e querer estar em um relacionamento são coisas diferentes. Gostar de uma pessoa, beijá-la e se encontrar com ela é estar apaixonada. Querer acordar todos os dias ao lado dessa pessoa, estar ao lado dela nos momentos bons e ruins, apoiar um ao outro e construir uma vida juntos é estar em um relacionamento. Você se vê fazendo qualquer uma dessas coisas com algum deles?
Não tinha parado para pensar por esse lado. Estive tão preocupada pensando se gostava mais de um ou de outro que não parei para pensar se eu queria tê-los como parceiros para a vida. Se eu queria dividir o meu passado e o meu futuro com algum deles. Zhuniao se aproximou com um pente de madeira e começou a pentear o meu cabelo, que devia estar uma bagunça depois de tanto treino.
- Você é uma menina inteligente, forte e talentosa. Não precisa de alguém que a complete, acredite, ninguém precisa. O que precisa é de alguém que a respeite e queira compartilhar sua vida. Que aceite seu passado, a reconheça no presente e queira partilhar do seu futuro para melhor ou para pior.
Ele terminou de pentear e enfiou um prendedor no meu cabelo. Ele pegou um espelho para me mostrar sua obra de arte. Meu cabelo estava com os arcos de sempre e meio solto, mas havia um alfinete de cabelo feito de jade com algumas flores brancas entalhadas.
- Pode me devolver depois. Eu não tenho pressa.
- Zhuniao, obrigada. Agora eu sei o que fazer. E prometo te devolver no nosso próximo encontro.
- Deixa de ser teimosa. Eu ainda tenho alguns truques para te ensinar com esse tipo de presilha. Podemos começar esta noite.
Tive um intervalo antes de treinar com os chicotes e o arco. No fim do treino, Xuanwu quis meditar. Aproveitei para meditar sobre tudo que Zhuniao disse. Eu gostava deles, mas eu via algum futuro? Isso significaria desistir da Terra. O que teria para mim em Eldarya? Valeria a pena trocar o que eu tanto quero por uma vida ao lado de quem eu gosto? Ou tudo isso seria um grande erro? Em todo nosso momento juntos, Xuanwu não tocou no assunto.
Ainda tive que treinar Dagma. Ela tinha evoluído muito em combate e no arco e flecha, ela tinha talento para isso. Ela também progrediu na meditação e no equilíbrio por conta dos seus anos no templo fenghuang, mas hoje estava com a cabeça em outro lugar.
- Como foi entre você, o Ezarel e o Nevra?
- Foi melhor do que eu esperava. Eles tinham conversado antes de me ver e vão respeitar minha decisão. E você?
- Eles parecem inclinados a isso, mas é difícil dizer. Nenhum dos três sabe o que pensar.
- O que vai fazer?
- Refletir bastante antes de tomar uma decisão. Zhuniao me perguntou se eu me vejo construindo um relacionamento com um dos dois.
- E você se vê?
- Eu não sei, tenho muito no que pensar. Pelo menos não estou surtando como antes. E você, o que vai fazer?
- Eu não sei.
- Você se vê tendo uma vida futuro com algum dos dois?
- Se for pensar assim, a escolha mais lógica seria o Ezarel. Ele é inteligente, organizado, sabe ser gentil quando quer, está sempre focado no trabalho e em descobrir coisas novas. Porém o Nevra também é trabalhador, divertido, atencioso e um pouco travesso. Eu consigo pensar em um futuro com qualquer um deles, por isso é tão difícil escolher. O que você acha?
- Que eles devem ter tesão incubado um no outro.
- Tingsi!
- Que foi? Assim fica mais fácil formar um trisal.
- Trisal?
- É, um relacionamento entre três pessoas. Na Terra há pessoas que praticam poliamor e para deixar claro, todos os envolvidos precisam ter conhecimento que estão em uma relação amorosa com mais de duas pessoas. Se um não souber, é traição.
- Eu me lembro da Yêu ter dito que algumas quimeras podiam ter mais de uma alma gêmea. Seria isso?
- Seria.
- Mas isso seria um escândalo para as sociedades de Eldarya. Isso é um tabu para as sociedades.
- Na Terra também, mas o pessoal toca o foda-se e vai morar junto mesmo assim. Já tiveram casos até 3 pessoas assinaram uma união estável. Não tem lei para isso já que não é um casamento.
Me lembrei de Latifah falando disso, já que ela estudava direito. Havia muitas brechas e muitas leis novas como uma criança poder ter 3 pais na certidão de nascimento. Eu até brincava que ela devia ser soldado de tanto que procura conflito. Saudade dessa vagabunda. Foi então que uma grande ideia surgiu na minha cabeça.
Naquela noite fui me encontrar com Zhuniao na forja. Ele disse que tinha projetos espalhados por aí que dava para fazer para razer roupas, eu só precisava criar novos ou modificar os que tinha. Ele também disse que dava para usar a alquimia para forjar materiais e para isso minhas aulas de forja e alquimia iriam servir. Ele também pegou material de costura para me ensinar o jeito tradicional.
- Com a alquimia, você não precisará se desgastar tanto para criar as roupas, porém também é preciso aprender o jeito tradicional. Desarrume seu penteado e pegue a presilha que te dei. Vamos começar.
Ele desarrumou o próprio penteado do seu avatar, ficando ainda mais gato, e pegou uma presilha de ouro com flores vermelhas e um pássaro entalhado. Com alguns movimentos, ele usou a presilha para formar um coque e prendê-lo. Tentei imitá-lo e ficou uma bosta. Tentei de novo e de novo até que me estressei e ele teve que prender para mim.
Começamos com as roupas dos projetos para criar algumas peças de trajes, como as calças Retro Adventure. Também aprendi a criar meus próprios projetos, o que não era difícil, já que eu desenhava. Usei as aulas de forja para criar coisas de metal, mas também dava para criar alguns materiais se adicionasse os ingredientes certos. Por fim fomos para a costura à mão, que era entediante, mas com ele era bem mais legal. Ele tinha me mostrado projetos de hanfus e eu pude criar os meus próprios também. Por incrível que pareça eu me diverti e consegui criar um traje que eu poderia usar todo dia e atendia as minhas necessidades.
No dia seguinte vesti uma calça preta que eraconfortável e não era colada, botas pretas de aventureiro de RPG, uma regata azul confortável com gola alta e decote não muito profundo e sem risco da teta sair, uma espécie de espartilho de fivelas e couro maleável que não me apertava, luvas pretas 7/8 com fivelas que deixavam os dedos à mostra. Fiz o penteado de sempre com o diferencial que dessa vez coloquei a presilha de jade e escondi a pena da cauda de Zhuniao em uma das luvas.
Fiquei impressionada nos treinos o quanto era confortável e eu não tinha que tirar a calça da bunda no primeiro giro. Parecia uma mercenária de RPG? Mas foda-se. Também fiz algumas roupas antigas para artes marciais.
- Pelos deuses, para que guilda assassina você entrou?! – Perguntou Nevra quando se juntou a mim no almoço.
- Para a sua sorte, nenhuma. E então, como estão as coisas entre você e Dagma?
- Na mesma, ela já deve ter te dito algo do gênero.
- Não, só que está confusa e não sabe quem escolher.
- Seja sincera, acha que eu tenho chance? – Ele realmente estava preocupado com isso.
- Acho que todo mundo devia se comer e tocar o foda-se.
- Não seria má ideia.
- Ainda bem que gostamos de outras pessoas. No nosso namoro iríamos transformar o QG em um puteiro.
- Por que eu não me apaixonei por você?
Começamos a rir e a formular hipóteses cada vez mais absurdas de como gerenciar um puteiro. Eu acho que o pessoal das outras mesas levou ao pé da letra porque ouvi fofocas sobre isso o dia todo. Mas o mais importante, chamei Valkyon e Leiftan para uma conversa do lado de fora do QG. Tinha pensado bastante e achei que eles mereciam uma resposta. Os dois ficaram de boca aberta quando me viram.
- Por que essas caras? Eu não voltei dos mortos.
- Você está linda. – Pronunciou Leiftan.
- E pronta para lutar. – Dessa vez foi o Valkyon quem falou.
- Obrigada. Eu andei pensando bastante, surtando também, mas cheguei a uma conclusão. – Eles me olharam em expectariva. – Eu não posso escolher entre os dois.
Eles ficaram abismados. Claro, não era a resposta que esperavam.
- O que está dizendo? – Perguntou o lorialet.
- Eu gosto de vocês dois, me apaixonei pelos dois e por mais que eu tente, reflita e me esforce, eu não posso escolher, eu não consigo escolher. Então não me peçam para escolher porque eu não vou.
- Mas Tingsi, você precisa decidir.
- Valkyon, eu prefiro ficar com nenhum dos dois do que ter que escolher. É algo que eu não posso fazer, então por favor, não me obriguem a escolher.
- É essa a sua decisão? – Tornou a perguntar Leiftan.
- Também há outra coisa que quero discutir. Já ouviram falar em poliamor?
Expliquei a eles que era uma relação amorosa entre três ou mais pessoas em que todos estavam de acordo com a relação. Nem todos em uma relação poliamorosa precisam se pegar. Se fôssemos ter esse tipo de relação, Valkyon e Leiftan não precisariam se beijar, só manter uma boa relação um com o outro. A não ser que desse a louca neles e quisessem experimentar. Se um de nós quisesse ter relações fora da nossa, deveríamos ter uma conversa sobre abrir a relação.
- Mas Tingsi, isso é tabu. – Disse meu chefe.
- Valkyon, eu mandei Feng Zifu à merda, você acha que eu me importo?
- De fato. – Foi a vez de Leiftan dizer. – No entanto, essa seria uma solução viável.
- Nós teríamos que dividir a Tingsi. Acha que daria certo?
- Eu não sei. Por outro lado, estou disposto a tentar.
- Se precisarem de tempo para pensar, não tem problema.
- Não precisa. – Tornou a dizer meu chefe. – Eu também estou disposto a tentar.
- Verdade?!
- Por que não?
Não pude me conter de felicidade e abracei os dois. Achava pouco provável que aceitassem e estava preparada para terminar sem nenhum deles, por mais doloroso que fosse.
===Nevra===
- UM RELACIONAMENTO A TRÊS?!
Ezarel e eu ficamos atônicos com a notícia. Valkyon tinha nos reunido na parte mais isolada da praia para nos contar como foi o seu desfecho com Tingsi e Leiftan. Confesso que estava preparado para tudo menos para isso.
- Tingsi não conseguia se decidir, então Leiftan e eu decidimos tentar.
- Valkyon, você não acha que isso pode dar errado? – Perguntou Ezarel. – Tipo, muito errado?
- É, tipo, você vai ter que dividir a Tingsi com o Leiftan. – Complementei.
- Pensei nisso, mas é de Tingsi que estamos falando. Ela é imprevisível.
- Você não acha isso bizarro? – Ez tornou a perguntar.
- Um pouco, mas comparado com o passado da Tingsi, acho que não será problemático.
- O que o passado dela tem a ver com isso? – Resolvi perguntar.
- Depois que concordamos, Tingsi quis nos contar todo seu passado porque queria ser honesta conosco. Estou até agora tentando entender como ela não foi presa na adolescência e o que é metafetamina.
- Como é isso aí?!
- É uma droga que um primo de um amigo dela fazia e ela acabou quase cega quando explodiu em luz. Espere, acho que isso foi a tal da granada flash.
- Foi o que?
- Eu não sei. Sabia que os humanos têm uma caixa que é capaz de tirar foto, ouvir música, pesquisar coisas e se comunicar uns com os outros? Eles chamam de celular.
- Isso parece assustador.
- E é. Tingsi me mostrou o dela e aquela coisa é assustadora.
- Ela tem celular?
- Acho que é comum no mundo dela.
- Os humanos evoluíram tanto assim? – Ezarel resolveu perguntar.
- Eles andam em caixas de metal e voam em troços de metal gigante.
- ELES VOAM?!
- Sabiam que há um continente chamado América? Três das amigas dela são de lá e parece que tem acarajé.
- O que é isso?
- Pela foto era de comer.
A gente acabou se distraindo com as coisas que ele dizia e esquecemos do foco inicial. O bom é que descobrimos o quanto as coisas tinham mudado e o mundo dela seria irreconhecível aos nossos olhos.
- Você tem certeza de que é o que você quer? – Perguntou Ezarel.
- Não era exatamente o que eu queria, mas Tingsi está disposta a ficar em Eldarya ao invés de fazer negócios com Purral pelos itens. Só agora me dou conta do que ela teve que abrir mão para ficar.
- O que quer dizer? – Perguntei.
- Antes dela cair em Eldarya, ela esva procurando um lugar para morar com Yuna para que ambas seguissem seus sonhos, mas o amigo dela, Isaiah meio que se declarou e pediu para que ela voltasse a Reims e que morasse com ele.
- Espere aí, ela estava namorando?!
- Não, ela tropeçou no círculo de cogumelos antes de tomar qualquer decisão.
Ezarel e eu ficamos de boca aberta sem saber o que dizer. Voltamos em silêncio, refletindo sobre tudo que tinha acontecido. Pedi para Ezarel ficar um pouco mais atrás, pois precisava conversar com ele.
- Ez, o que acha disso? De um relacionamento a três?
- Eu não sei. Não somos tão próximos do Leiftan e mal conhecemos seu passado.
- Não, eu digo para nós.
- O que te faz pensar que isso é uma possibilidade?
- Dagma não é como Tingsi, que vive a vida no foda-se. Duvido que Dagma vai propor algo assim para a gente, é capaz de ficar remoendo essa questão até que a situação chegue a um ponto crítico em que será forçada a escolher e nossa amizade seja prejudicada.
- Analisando por essa ótica, pode ser verdade.
- E além disso nós nos conhecemos bem e podemos fazer diferente deles.
- Diferente como?
- Adivinha?
Sem que ele percebesse fui por trás dele e colei suas costas em meu peito, abraçando sua cintura. Ouvi o coração dele disparar com o gesto. Não pude evitar em lamber a orelha dele.
- Seu pervertido!
Ele se livrou de mim e me empurrou, mas eu agarrei seu braço. O resultado foi que nós dois rolamos pelo barranco até chegar à entrada da floresta. Ezarel estava debaixo de mim, vermelho como uma maçã bem vermelha. Eu segurava seus pulsos. Ouvia o coração dele acelerado ao mesmo tempo em que o meu tinha acelerado também. Fiquei um tempo olhando para ele sem reação. Ezarel abriu um sorriso zombeteiro, que eu não gostei nenhum pouco.
- Por que está sorrindo desse jeito?
- Nada. Só não esperava que o famoso Nevra fosse do tipo que ficasse só na provocação.
- Ez, não me teste.
- Eu estou parado e indefeso, você poderia muito bem beber o meu sangue.
- O que te faz pensar que eu quero o seu sangue?!
- Me diz você. Não fica tentado?
Muitas vezes. Era o que eu teria respondido se não fosse o sorriso cínico de Ezarel. Ele tinha um cheiro delicioso e o sangue dele tinha um gosto tão bom. Ez tinha me deixado beber o sangue dele em algumas situações de vida ou morte. Eu tinha que tirar aquele sorriso idiota dele. Sorri de volta e tomei os lábios dele em um beijo. Ele tinha lábios macios e por incrível que pareça, ele não resistiu. Ouvi nossos corações baterem acelerados. Se com apenas um beijo ele já estava rendido desse jeito, imagine se eu levasse as coisas adiante. Me separei dele com um sorriso vitorioso nos lábios.
- Parece que isso responde à sua pergunta.
- É tudo que consegue fazer? – Seu sorriso zombeteiro voltou.
- Você não presta! Pensando melhor, vai ser mais fácil desse jeito. Vou falar com Dagma sobre isso.
- Nevra!
Voltei correndo para o QG com Ezarel atrás de mim.
Chapter 42: Capítulo 42
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
===Tingsi===
Era uma noite escura e chuvosa, as ruas eram iluminadas pelos neons e pelos postes. Eu não entendia uma palavra do que estava nos letreiros, tirando os que tinham alguma coisa em inglês. Eu andava pelas ruas com um guarda-chuva, admirada pelas luzes da cidade com o céu noturno.
- Finalmente te achei, sua vaca! – Yuna veio correndo se juntar a mim. – Achou o que queria?
- Não. Várias lojas e ninguém consegue abrir essa caixa.
- Não deixe isso te desanimar. Vai ver ela é uma espécie de relíquia de outro mundo que foi enviada a você.
- Está lendo fantasia demais. Vamos voltar para o hotel.
- Não vai dar. Aquelas preguiçosas me mandaram sair para comprar comida. Eu não tenho como carregar tudo sozinha.
- Por que não pediu para alguém te ajudar?
- Porque você estava na rua mesmo e eu queria aproveitar Shanghai com a minha melhor amiga.
- Aproveitar o que, Yuna? Está chovendo pra porra.
- Vai dizer que a chuva com as luzes da cidade não vai dar umas fotos fodas? A gente tira algumas como inspiração para desenho digital.
- Até que é uma boa ideia.
Duas retardadas tirando foto pela cidade no meio da chuva ao invés de procurar abrigo como se nada pudesse dar errado. Prazer, Tingsi Zhu e Seong Yuna. A gente tirou muitas fotos e depois fomos comprar comida para as outras, que já estavam nos ligando e morrendo de fome. Um hotel cinco estrelas e as vagabas querendo um podrão, vai entender.
Enquanto Yuna e eu estávamos esperando nossos pedidos, vi algo que chamou a minha atenção em um beco. Fiquei encarando por algum tempo.
- Tingsi, venha me ajudar! Não posso carregar tudo de uma vez!
Acordei no meio da noite no quarto do Valkyon. Ele percebeu que eu estava acordada e sentou na cama. Meu corpo tremia.
- O que foi?
- Foi só um sonho.
- Foi um sonho ruim?
- Não.
- Estava sonhando com lembranças da Terra de novo?
- Sim. Dessa vez foi de quando fomos a Shanghai procurar respostas e tentar encontrar meus parentes. – Ele me envolveu em seus braços. – Infelizmente não encontrei nada.
- Detesto te ver sofrer. Esses sonhos sempre te deprimem.
- Estão mais frequentes depois das Portas Janus-Geb. É como se tivesse um buraco no meu peito.
- A saudade é um dos sentimentos mais dolorosos que há. Sei bemo que é isso.
- Deve sentir muita falta do seu irmão. – Recostei a cabaça em seu ombro.
- Não imagina o quanto. Se o assassino dele aparecesse na minha frente, eu seria capaz de matá-lo.
- Quer ajuda para esconder o corpo?
- Prefiro não envolvê-la nisso.
Ele pegou a minha mão e a beijou. Me remexi apenas para beijá-lo um pouco mais.
- Vamos voltar a dormir. – Sugeri. – Teremos um dia cheio pela manhã.
Fazia alguns dias desde o começo do nosso relacionamento. Eu me dividia entre Valkyon e Leiftan. Às vezes um deles vinha ao meu quarto e eu tinha que mandar os mascotes para o quarto de um deles. Também contei a eles todo o meu passado, afinal eu não queria enganá-los ao meu respeito, porém eu tive que mentir sobre os deuses.
Não éramos só nós, Nevra conseguiu convencer Ezarel e Dagma a ir pelo mesmo caminho. Segundo ele não foi difícil, já Ezarel diz que ele simplesmente apareceu com Dagma no quarto dele e jogou o assunto na roda. Dagma achou uma boa ideia e o elfo teve que concordar ou ficaria de fora. Eles têm tesão incubado.
Os deuses tinham notado que meu desempenho tinha caído, isso porque eu me empenhava em treinar para sobreviver e voltar para casa, então eles me instruíram a procurar um novo objetivo. Eu queria ser forte para sobreviver e tirar a maldição do oráculo. A porra desse Oráculo conectou a minha vida e a a Dagma com ela, eu quero arrumar um jeito de nos separar, por isso que eu considero uma maldição e vontade de descer o Zidian nessa filha da puta não falta.
Zhuniao tinha me ensinado tudo que devia me ensinar, agora eu teria que seguir com suas técnicas sozinha. Ele tinha voltado para me ensinar a costurar e a fazer joias, além de me ensinar a usar aqueles paus de cabelo como arma e como prendê-los também. Consegui fazer vários projetos de roupas e até criei um hanfu rosa claro para o dia a dia quando não estivesse usando aquela roupa. Ele agora treina meu espírito no mundo espiritual, ontem foi a última vez que vi seu avatar.
De tanto que Baihu me fez treinar com a guan dao até não aquentar mais, eu acabei evoluindo em meus treinos e dominando o básico. Só teríamos algumas sessões mais. Qinglong decidiu me iniciar nas espadas de duas mãos, pois a katana levaria um pouco mais de tempo. Depois de tantas armas de duas mãos que treinei incluindo a guan dao, não foi difícil. Já Xuanwu classificou minha habilidade com o chicote como muito boa, afinal, eu também treinava todas as armas no mundo espiritual, inclusive o Zidian. Ele decidiu me ensinar a zhua, uma garra de metal que pode estar presa a uma corda ou não, além das espadas gancho, que não tive dificuldade em treinar.
- Por que a loja da Purriry está tão cheia? – Perguntou Dagma quando estávamos indo para nosso treino. – Ela está com alguma coleção nova?
- Devem ser as mochilas. Vem comigo.
Quase que a gente teve que lutar UFC para entrar. A loja estava lotada, todo mundo estava lá para ver a novidade. As mochilas eram pequenas, algumas tinham formatos fofos, formatos de doces e de mascotes, fora que algumas tinham cores pastéis. Eu tinha vontade de comprar mais algumas, mas me contive.
- Tingsi, que bom que veio! – Exclamou Purriry quando me viu. – As mochilas são um verdadeiro sucesso, principalmente as dos mascotes.
- Eu não disse? Não basta vender algo que as pessoas precisem, precisa vender algo que elas matariam para ter.
- Você tinha razão. Aqui está a sua mochila. – Ela me entregou o pacote e eu abri.
- Está melhor do que eu esperava.
- Aproveite porque essa é exclusiva. Ah, Dagma, eu também tenho a sua.
- A minha?
- Já que estamos treinando juntas, eu quero te ensinar algumas armas, então pedi para a Purriry fazer uma para você também.
A dela era uma mochila em degradê amarelo, rosa e laranja com desenho de palmeiras brancas nos bolsos e nas costas e tinha um chaveiro com várias correntes presas em corações imitando os bombons que Valentine comia.
- É linda, mas não precisava.
- Claro que precisava. – Intrometeu a Purreko. – Essas mochilas foram feitas para guardar até uma tenda grande. – Purriry fez uma demonstração guardando um manequim inteiro dentro de uma das mochilas. – Pode guardar armas maiores que você.
Depois daquilo, eu não sei como Dagma e eu saímos da loja. Estávamos com nossas mochilas, então passamos nos nossos quartos para deixá-las lá enquanto eu pegava uma lança e uma espada para o treino. Ela podia não ser iniciada no wushu, mas eu a treinava de vez em quando em combates básicos de Eldarya e os poderes dela.
- Pedi para Ezarel fazer testes com o meu sangue. – Confessou. – Nevra vive queimando a língua com ele, mas não deixa de bebê-lo.
- Está aí uma cena que eu gostaria de ver.
- Espero que Ez descubra algo, pode ser a única forma de descobrir a minha raça.
- Você está tão preocupada assim?
- Sim. Eu quero descobrir por que tenho esses poderes. Você não está curiosa?
- Deixei de procurar meu passado faz tempo. A maluca da Yeva até me arrastou para Shanghai para descobrir mais sobre a minha família, só que nem Elena conseguiu descobrir algo. Os meus avós têm nomes muito comuns.
- Como é Shanghai?
- Eu tenho fotos no meu quarto. Posso te mostrar.
Ao mostrar as fotos e relatar cada uma delas para Dagma, o buraco no meu peito aumentou. Sentia tanta saudade daquelas malucas. À noite eu estava me preparando para ir ao quarto de Leiftan. Estava escolhendo um pijama para usar quando ouvi alguém bater na minha janela. Era o próprio com uma cara enorme de desespero. Eu abri para que ele pudesse entrar.
- Eu não sei como você faz isso. É assustador.
- É porque meu equilíbrio é bom. – Eu o abracei. – Adorei a surpresa.
- Eu tentei. Estava se preparando para dormir?
- Eu estava escolhendo algo para usar com você. Quer ver um filme? Uma série? Ler alguma coisa? Eu peguei algumas guloseimas com o Karuto.
- Parece ótimo. Alguma sugestão?
- Tem um que fizeram de Jack, o estripador. É legal, meio fantasioso, mas é baseado em um dos maiores assassinos da história.
- É mesmo?
- É. Existiu um Jack, o estripador, na vida real, foi no século XIX, vocês não estavam lá para vê-lo. Até hoje ninguém sabe a verdadeira identidade dele. Também naquela época não tinha DNA e a polícia até hoje consegue fazer cada cagada que eu vou te contar.
- Mesmo? Aposto que se você tivesse vivido naquela época teria solucionado o caso.
- Se eu tivesse vivido naquela época teria parado na forca. E os policiais burros e corruptos continuariam fazendo merda.
- Você gosta desse tipo de coisa, não?
- Não muito. É legal na ficção, mas na real, eu ficaria puta como fiquei com a investigação da Anya.
- Como você...? Não me diga que invadiu a biblioteca.
- Invadi, mas era porque eu estava procurando uma foto para fazer um mural.
- O que encontrou?
- Bem, você é o meu maior suspeito.
- Eu?!
- Muitas coisas não batem com o seu depoimento. Na verdade, nada ali bate com nada e você foi o único que viu o que aconteceu.
- Mas eu sou seu namorado.
- Todos são suspeitos até que se prove o contrário. Talvez eu tenha que usar minhas algemas em você. – Provoquei.
- Vai me jogar na prisão? – Um sorriso malicioso brotou em seus lábios.
- Por quê? Vai confessar a sua culpa?
- Terá que me interrogar primeiro, detetive Zhu.
- Detetive Zhu. Gostei disso. Vire para lá, eu preciso me preparar para o interrogatório.
Ele sorriu de forma provocativa e se virou. Me livrei dos mascotes, troquei minhas roupas por uma camisola de renda vermelha e peguei as algemas. Leiftan tinha retirado a camisa para não ter trabalho depois. Quando ele me viu, seu olhar malicioso se intensificou. Eu o empurrei na cama e o algemei.
- Não sabia que meu suspeito estava armado.
- Mas não trouxe qualquer arma.
- E esse bastão aqui? – Apertei sua virilha, o pegando de surpresa.
- Detetive Zhu, acha que será fácil me interrogar?
- Depende de você. Eu posso ser muito boa. – Acariciei o interior de sua coxa. – Ou muito má. – Apertei seu pênis, o fazendo arfar.
- Eu sempre gostei de detetives malvadas.
Beijei seu pescoço e belisquei seus mamilos. Leiftan tinha me dito que gostava de um pouco de violência durante o sexo, então o apresentei ao BDSM. Descobrimos que ele é sadomasoquista enquanto eu não curto essa área, gosto de um pouco de bondage e da dominação. O problema é que ele também é um dominador, então nossas brigas para ver quem dominava eram sempre deliciosas.
Minhas mãos exploravam todo seu corpo, especialmente entre suas coxas. Desci minha boca para o local e dei uma mordida no interior de uma das coxas. Eu o torturei por muito tempo antes de montar nele e usá-lo da forma que eu queria. Quando chegamos ao ápice, eu o soltei e invertemos os papéis. Dessa vez eu quem estava algemada e ele me levava à loucura. Leiftan só me soltou quando gozamos por mais duas vezes. Ficamos abraçados na cama, ele acariciando o meu cabelo e eu o seu peito.
- Você é maravilhosa, sabia?
- Você diz isso para todas depois do sexo ou vai mentir para me fazer me sentir especial?
- Você é especial. Quantas garotas perguntariam algo desse tipo para o namorado?
- Apenas as que são seguras e não têm um namorado possessivo?
- Acha que não sou ciumento?
- Eu disse possessivo, não ciumento. Se bem que para um virar o outro não é difícil.
- Por isso que te acho maravilhosa. Você é sincera e inteligente. Sinto que posso ser eu mesmo com você.
- Você não confia nos outros membros?
- É difícil confiar quando parece que o mundo se volta contra você.
- Você se sente sozinho e desamparado frente a uma sociedade que te despreza e tenta te oprimir. Acho que todo mundo já teve um momento assim.
- Adolescentes e órfãos em geral.
Trocamos um olhar compreensivo antes de adormecermos.
===Leiftan===
Fazia algum tempo que Tingsi alternava entre a minha cama e a de Valkyon. Embora ambos a amássemos, estava sendo trabalhoso gerenciar nosso relacionamento. No entanto, acho que encontrei uma solução, por isso pedi a Valkyon para conversarmos à sós.
- Tenho percebido que essa rotatividade entre nós tem sido trabalhosa. – Comentei.
- Eu sei, mas nós dois sabemos que Tingsi não é capaz de escolher entre nós dois.
- Acho que encontrei a solução para este problema. E se nós três dormíssemos juntos?
- O que quer dizer com isso?
- Você sabe bem o que eu quero dizer. Poderíamos experimentar o sexo a três.
- Não me leve a mal, Leiftan, mas eu e você.... Eu não estou certo sobre isso.
- Não precisamos nos tocar durante o ato. Podemos nos concentrar somente na Tingsi. Se sentiria melhor assim?
- Certamente.
- Posso fazer uma pergunta invasiva? – Ele hesitou um pouco. – Sobre esse assunto.
- O que quer saber?
- Você já fez com um homem?
Seus olhos se arregalaram e sua face enrubesceu. Ele apenas meneou negativamente a cabeça, com vergonha de falar. Admito que ele fica adorável assim. Uma ideia maliciosamente deliciosa cruzou a minha mente.
- Você não tem curiosidade em experimentar?
- Bem, eu.... – Ele ficou encabulado.
- Eu pensei que já que estamos nesse relacionamento, talvez seja uma boa oportunidade de explorar novos horizontes. Isso é, se estiver tudo bem para você.
- Eu.... Eu não sei.
- Está tudo bem se não quiser, Valkyon. Não o estou obrigando. Acho que essa conversa foi um erro. – Suspirei fundo e me virei para sair.
- Epere! – Olhei para ele. – Você já...?
- Sim.
- E como é?
- É um pouco diferente de uma mulher, mas não é a coisa mais estranha do mundo.
- Entendo.
- Posso passar em seu quarto esta noite? Para conversarmos melhor sobre este assunto.
- Claro.
Saí com um sorriso nos lábios. Se ele aceitasse, eu poderia proporcionar a ele uma experiência inesquecível, conseguir pouco de sexo e ao mesmo tempo irritar Ashkore. Se negasse, fazer o que? É a vida.
===Dagma===
Os rumores se espalhavam rápido. Tingsi não escondia que passava a noite com qualquer um de seus namorados. Soube por Karenn que todo mundo falava que ela estava enganando ambos e dormindo com o chefe para ganhar ter privilégios. Claro que ninguém tinha coragem de dizer isso na frente dela, ela é boa em artes marciais. Agradeço aos meus namorados por serem mais discretos.
Ezarel não era tão discreto assim. Ele ainda me provocava, mas os olhares dele o entregavam. Já ouvi de colegas de trabalho da Ewelein para me afastar dele porque ele era um canalha que se aproveitava das mulheres. Nevra por outro lado continuava o mesmo e era super discreto ao entrar no meu quarto. As pessoas não acreditariam que ele está em um relacionamento sério.
- Você não se incomoda com o que os outros dizem? – Perguntei quando estava ajudando Tingsi com a alquimia.
- Por que me incomodaria? No fundo é um bando de incubado que fode mal.
- Tingsi!
- Que foi? Se fodessem bem não estariam tomando conta da vida dos outros.
- Você não tem medo de dizer isso em voz alta?!
- E queria que eu falasse pelas costas que nem esse bando de covarde?
- Ninguém fala na sua frente porque temem o seu Zidian.
- Zidian é uma arma espiritual, não a cadeira elétrica. E não preciso dele para descer o cacete nesse povo.
- Às vezes eu te invejo. Como consegue ser tão despreocupada?
- Quem disse que sou despreocupada? Eu só cago para a opinião alheia. E você, como está com Ezarel e Nevra?
- Está tudo bem. Eles são tranquilos.
- Dagma, você está aí. – Disse Ezarel chegando.
- Precisa de alguma coisa?
- Eu queria saber se você gostaria de passear comigo.
- Eu adoraria, mas....
- Ela aceita.
- Você não tinha combinado de me ensinar depois daqui?
- Sim, mas eu lembrei que tenho que avaliar os mascotes. Aproveite seu encontro.
Estranhei, pois ele disse que estaria ocupado o dia todo. Ezarel estendeu o braço para mim. Saímos de braços dados em direção à floresta.
- O que está aprontando?
- O que foi, não posso passear com minha amada na floresta?
- Ez, você estava atolado de trabalho. Naytili destruiu boa parte das suas poções e não conseguimos recuperar todo o estoque.
- A verdade é que vim procurar alguns ingredientes, mas como faz tempo que não te dou a devida atenção, eu achei que seria bom passar um tempo com você.
- Você é mesmo fofo.
Ele passou o braço por sobre meus ombros e colocou alguma coisa neles. Essa coisa começou a rastejar, me dando nervoso. Imediatamente comecei a bater no local para tirar a coisa e ela melecou a minha mão. Era uma lagarta cremosa. Tive que limpar a mão em uma folha enquanto Ezarel morria de rir.
- Ezarel, eu vou te matar!
O elfo começou a correr que nem um Dalafa pela floresta para fugir. Eu o perseguia enquanto ele me provocava. Teve uma hora que ele estava tão preocupado em me provocar que acabou acertando o rosto em um galho.
- Ezarel! Está tudo bem?
- Ah, claro. – Ele disse com ironia. – Estou bem, vou até treinar com o arco depois. – Soquei seu braço. – Ai! Por que fez isso?!
- Foi merecido.
- Eu dei de cara com uma árvore, você não tem pena de mim?
- Quem tem pena é ave. Deixa eu ver.
Segurei seu rosto com ambas as mãos e o analisei para ver se estava tudo bem. Felizmente não havia sangue, mas talvez ficasse inchado mais tarde.
- Está ruim?
- Está horrível! Sua cara está roxa.
- O que?! – Ele vasculhou sua bolsa em busca de um espelho. – Não tem roxo nenhum.
- Também com essa cara de pau. Deve ser dura como essa árvore.
- Hei!
- Aqui, deixa que eu cuido disso.
Peguei uma pomada na bolsa para evitar inchaço que eu usava nos treinos e passei no rosto de Ezarel. Ele era diferente da maioria dos homens, tinha a pele macia e era mais delicado, se bem que eu sempre ouvi falar que os elfos eram tão vaidosos quanto as ninfas. Aproveitei para beijá-lo. Ezarel me puxou para mais perto dele e quando dei por mim, estava sentada no seu colo.
- Eu devia me machucar mais vezes.
- Se quiser posso te mandar para a enfermaria. Aí a Ewelein e as colegas dela podem cuidar de você.
- E você vai me deixar lá sozinho? Que cruel.
- Eu peço para enviarem uma sopa de legumes de vez em quando.
- Você quer me matar?!
- Não preciso, só que você sofra um pouco.
- Você é má! – Comecei a rir. – Por que você tem uma pomada dessas na sua bolsa?
- É por causa do meu treinamento. Eu acabo me machucando às vezes.
- Ainda está socando árvore?
- Tingsi está trabalhando alguns golpes. Eu estou até aprendendo a usar a espada e a lança. Você pode me ensinar alguns truques.
- Deixe-me pensar.... Se você me trouxer mel de Beko, limpar o laboratório e me der outro beijo, talvez eu te ensine alguma coisa.
- Tudo bem, eu peço para Baihu me ensinar.
- Você ficou maluca?! O último treino dele acabou com todos os membros da guarda.
- Mas foi produtivo. Ele até me ensinou a bloquear e me deu dicas.
- E te deixou na enfermaria também. Graças aos deuses você não quebrou nenhum osso.
- Então vai me ensinar?
- Vamos colher as ervas antes que fique tarde. Se eu conseguir algum tempo amanhã, eu te ensino algumas coisas.
- Obrigada!
Eu o abracei fortemente. O ajudei a se levantar e fomos atrás das plantas que ele precisava.
===Leiftan===
Naquela noite, esperei todos irem para a cama. Deixei meu casaco em meu quarto e fui ao quarto de Valkyon. Sentei à beira da cama do mesmo e eu o esperei falar. Pelo visto ele está se perguntando por onde começar.
- Está tudo bem?
- Sim, eu só estava pensando sobre o que me disse.
- Sei que não tem sentimentos por mim e acredite eu também não tenho por você.
- Então isso seria um caso de uma noite.
- A princípio, sim. Se isso te deixa desconfortável, apenas diga que não quer. Eu vou embora e faremos de conta que essa conversa nunca aconteceu.
- Fico mais aliviado com isso.
Eu me levantei para ir embora, mas ao invés disso, Valkyon tomou meus lábios. Me surpreendi, mas acabei sorrindo e o correspondi. Uma de minhas mãos foi parar em seu tronco enquanto a outra foi para sua nuca. Ele rompeu o beijo.
- Estava preocupado em não poder corresponder seus sentimentos.
- Bem, eu não os tenho. – Tirei a mão de sua nuca para acariciar seu rosto. – Mas prometo que serei gentil.
O puxei para outro beijo. Minha outra mão acariciava cada músculo de seu abdômen. Comecei a retirar sua armadura e a passar minhas mãos por seus músculos e cicatrizes de seu tórax. Queria explorar cada parte do corpo dele, era bem mais firme que o de Lance. Também estava curioso para ver se ele era mesmo grande entre as pernas.
Ajudei Valkyon a retirar minhas roupas e terminei de tirar as suas. Fomos para a cama. Me sentei em seu colo e comecei a beijar seu pescoço enquanto beliscava seus mamilos. Ele tentava conter seus gemidos. Tentava. Mordisquei seu mamilo direito enquanto passava a mão por sua barriga e pela virilha. Saí de cima dele e me ajoelhei na cama.
- Pode lamber se quiser, mas quero que coloque na boca. Cuidado com os dentes.
Ele agarrou meu membro um pouco forte demais me fazendo soltar um gemido sôfrego. Eu devia tê-lo mandado tomar cuidado para não apertar tanto, não pretendo chegar ao ápice tão cedo. Valkyon passou a língua por toda a extremidade antes de colocá-lo na boca. Novamente pus a mão em sua nuca e o fui orientando. Estava bom para uma primeira vez. Ele agarrou minha bunda com força para me aproximar, nisso eu acabei soltando uma exclamação que o fez parar o que estava fazendo.
- Eu te machuquei?
- Pelo contrário. Eu gosto de um pouco de violência nessas horas.
- Entendi.
Novamente ele agarrou minha bunda com um pouco mais de força dessa vez. Ele beijou a minha barriga e foi subindo com a boca até os meus mamilos. Assim eu não iria aguentar.
- Já está bom. – Falei ofegante. – Deite-se de costas.
Ele obedeceu sem questionar. Sorri por estar novamente no controle e fui para atrás dele. Sua bunda era bem bonita, carnuda e implorava por umas palmadas. Deuses, eu tenho que me controlar! Agarrei sua bunda e rodeei seu orifício com minha língua antes de penetrá-lo.
- O que está fazendo?
- Eu preciso prepará-lo para não doer.
Eu não precisava de todo esse cuidado com Lance, ele achava desnecessário e nossos encontros eram muitas vezes brutos. Valkyon era diferente, por isso não podia assustá-lo, ainda mais que tinha prometido ser gentil. Enquanto minha língua vasculhava seu interior quente como o inferno, inseri um dígito para me ajudar. No começo ele estava tenso, principalmente por ter inserido outro dígito, mas aos poucos ele foi relaxando. Eu não conseguia parar de apertar sua bunda enquanto o preparava.
- Pode doer um pouco, mas farei o possível para ser indolor. Se quiser parar, apenas me avise.
Ele concordou. Fui deslizando meu pênis para dentro de seu orifício com todo cuidado possível e todo autocontrole também. Minha vontade era de colocar tudo de uma vez, mas eu tinha que ser paciente. Quando ele estava pronto, comecei a me movimentar. Seu interior era apertado, quente, mais até que o normal. Claro, estou fazendo sexo com um dragão, como poderia ser diferente?
- Olhe para mim. Quero ver seu rosto. – Novamente ele me obedeceu. – Me avise quando quiser que eu vá mais devagar ou mais rápido de preferir.
Eu me movimentava ao mesmo tempo que o masturbava com minha mão. Ele era mesmo grosso, não me admira que Tingsi reclame de dor ao se sentar às vezes. Seu rosto estava corado e suas expressões de prazer me excitavam. Conforme ele pedia, eu aumentava a velocidade. Senti seu sêmen lambuzar minha mão. Não demorei a chegar ao meu limite e lambuzar seu interior. Saí de dentro dele e deitei ao seu lado para recuperar o fôlego.
- Satisfiz parte da sua curiosidade?
- O que quer dizer com “parte”?
- Eu ainda não acabei e dessa vez quero te fazer um agrado.
Seu olhar era de confusão. Eu o virei de barriga para cima e desci até sua virilha. Comecei a lamber toda a extensão de seu pênis. Ele era mais grosso que o de Lance. Valkyon soltava pequenos gemidos. Parei o que estava fazendo para virar minhas nádegas a ele.
- Me prepare do mesmo jeito que te preparei.
Ele não me questinou. Coloquei seu pênis em minha boca e o chupei com maestria enquanto ele me preparava, sendo que vez ou outra ele esbarrava em meus testículos. Ao perceber que aquilo me fazia gemer, ele resolveu brincar com eles. Parecia que estávamos competindo para ver quem arrancava mais gemidos um do outro. Senti o gosto do pré-gozo, então o tirei de minha boca. Com dificuldade, pedi para ele parar. Me sentei em seu colo e olhei em seus olhos.
- Sinta-se lisonjeado, pois não tenho o costume de fazer isso com qualquer um.
Me posicionei em seu membro e comecei a encaixá-lo em meu orifício. A impressão que tinha era que ele iria me partir ao meio. É irônico. Lance passou um bom tempo tentando me possuir e aqui estou eu, me entregando ao irmão dele. Valkyon se sentou na cama para me beijar e quem sabe assim, aliviar a minha dor.
Comecei a me movimentar. Eu sentia dor, mas gostava dela. Pus as mãos de Vlakyon em minha bunda e nas minhas costas. Ele também não ficou parado. Valkyon ora beijava meu pescoço, ora beijava meu peito e ora dava leves mordidas em meus mamilos, me levando à loucura. Não demorei a chegar ao meu ápice. Valkyon veio logo depois. Senti seu líquido escorrer pelas minhas pernas, mesmo antes de desmontá-lo.
Desabei ao seu lado. Estava exausto, ofegante e satisfeito. Tentei me levantar, mas a dor me impediu. Ele me puxou de encontro ao seu peito e passou a mão pelas minhas costas.
- Você não se machucou, machucou?
- Ficarei bem. – Me debrucei sobre ele. – O que achou da sua primeira vez com um homem?
- Foi melhor do que eu esperava.
- Até que você foi bem para uma primeira vez.
- Tive um bom orientador.
Ri com aquilo. Valkyon passava a mão em meus cabelos enquanto eu lutava para remover as mechas de seu cabelo de seu rosto. Apreciávamos a calmaria e a compamhia um do outro. Simples gestos de cumplicidade que eu não imaginava que poderíamos ter.
- Preciso voltar ao meu quarto.
- Não está exausto?
- Estou. Não se incomoda que eu fique até o amanhecer?
- Por que o faria?
Aconcheguei-me melhor em seu peito e permiti que minhas pálpebras se fechassem. Apesar de serem gêmeos, ele era tão diferente de Lance, mais caloroso também. Por falar em Lance, Ashkore vai ter uma síncope quando descobrir.
Notes:
Leiftan não presta.
Chapter 43: Capítulo 43
Chapter Text
===Leiftan===
Acordei com uma dor infernal na região lombar. Olhei ao redor e ainda estava no quarto de Valkyon. Sorri ao me lembrar da noite anterior, mas infelizmente não conseguia levantar. Valkyon acordou com minhas tentativas de sair da cama.
- Está tudo bem?
- Sim. Não era minha intenção acordá-lo.
- Não precisa fingir que não está com dor.
- Obrigado, mas ficarei bem. Apenas me ajude a retornar ao meu quarto. Se me virem saindo daqui, os outros poderão estranhar.
Valkyon pegou minhas roupas e me ajudou a me vestir. Ele se escorou em mim para me apoiar contra seu corpo e assim podermos ir ao meu quarto. Ainda era cedo, então ninguém nos perceberia. Estávamos alcançando a porta do meu quarto quando o chão começou a tremer. Rapidamente me separei dele, me escorei na parede e deixei meu corpo deslizar para o chão, sentindo uma dor aguda no processo. Antes que ele pudesse me perguntar o porquê, Miiko saiu desesperada de seu quarto.
===Tingsi===
Acordei com a terra tremendo. Rapidamente virei a poltrona de ponta cabeça.
- Dala, Raum, para debaixo da cama! Cryn, debaixo da escrivaninha! Gronk, faça uma cabana com o seu corpo ali! Todo mundo para debaixo da cama, da poltrona, da escrivaninha ou do Gronk! Fiquem longe da janela!
Os mascotes me obedeceram e foram procurar abrigo. Abri a porta para ver o que estava acontecendo. Miiko estava desesperada no meio do corredor, os chefes da guarda estavam lá também. A kitsune mandou que todos voltássemos aos nossos quartos e eu gritei para se esconderem debaixo da cama ou de mesas e ficarem longe das janelas e dos armários. Também mandei repassar a ordem a todos.
Quando eu fui a Shanghai e a Seul, Yuna nos deu um treinamento militar para o caso de terremoto, afinal, ela é de Seul e tem experiência nessa área. O melhor a se fazer nesse caso é ficar dentro de casa, longe das janelas e dos armários e debaixo de algum móvel firme como uma mesa ou cama. Também tem que desligar o gás do fogão e os disjuntores, além de proteger a cabeça.
Obedeci a Miiko e voltei para o meu quarto. Não tinha muito que fazer, apenas me proteger e esperar os tremores acabarem. Sair seria perigoso, o melhor a se fazer é procurar abrigo. Ouvi sussurros de alguém pedindo ajuda. Saí e encontrei Dagma no corredor.
- Você também ouviu? – Ela perguntou.
- Ouvi. Vamos voltar para o quarto.
- Mas alguém precisa da nossa ajuda!
- Eu sei, vamos depois que os tremores acabarem.
Ela não me ouviu e saiu correndo. Fui atrás dela gritando para a retardada não correr porque era perigoso. O melhor era andar. Entrei no limiar quando chegamos à sala das portas, o caminho nos levava ao porão. Nós duas descemos com cautela. Havia um homem preso entre as rochas. Removemos as pedras para liberar sua perna quebrada. Dagma queria levantá-lo, mas eu a impedi.
- Ficou maluca?! Não se mexe em gente acidentada a menos que tenha um risco de incêndio ou esteja perto de eletricidade. Vá buscar Ewelein e uma equipe com uma maca, eu vou mantê-lo consciente.
Algum tempo depois, Ewelein e a equipe médica apareceram. Deixamos nas mãos deles para que imobilizassem o homem e prestassem os devidos socorros. Esperamos os tremores pararem para subirmos. Encontramos a Miiko lá em cima, que quase deu uma bronca em nós duas, mas explicamos a situação e ela achou maravilhoso os poderes do rapaz, que se chamava Tadh, estarem aumentando.
Miiko nos explicou que ele tinha sangue de golem, já joguei RPG o suficiente para saber que golens são criaturas usadas para vingança e assassinato e não param até cumprir a tarefa. No caso, o Tadh tem ligação com as pedras. Ela nos chamou para ajudar, então fomos até a grande porta. Fazendo um resumo da situação: o escudo que tinha se recusava a deixar qualquer um entrar e sair e as portas estavam inativas, ou seja, estamos presos nessa caralha. Por fim, a raposa mandou fecharmos as portas para evitar pânico e saiu. Os chefes foram realmente fechar o portão, já eu decidi interromper Dagma.
- Dagma, tenta usar os seus poderes no escudo.
- Por quê?
- Quero testar uma coisa.
Dagma disparou uma rajada de calor no escudo. Um raio violeta tentou atingi-la, mas eu bloqueei com o Zidian. O ataque de Dagma derreteu parte do escuro e nos fez enxergar uma borda violeta. Em seguida ataquei com o chicote, que foi brutalmente repelido me forçando a desviar. Depois ataquei com o Zidian em outro ponto. Dagma me defendeu do raio com seus poderes. Ao tocar no escudo, as duas eletricidades se chocaram, mas o Zidian conseguiu não só abrir uma fenda como também revelar o escudo inteiro. Ele estava totalmente violeta e eletrificado. O escudo estava tentando se regenerar dos ataques. Agora é só uma questão de tempo até a Miiko perceber e vir dar esporro.
- Funcionou! – Exclamou Valkyon.
- Não exatamente. Armas normais são repelidas, como meu chicote foi. O poder da Dagma conseguiu derreter parte do escudo por causa da raça do pai dela. Nevra, você viu os arquivos dos templários.
- Sim. Todos os metais da base foram derretidos e tudo que era orgânico virou cinzas.
- Que raça é essa que tem tamanho poder? – Perguntou Ezarel. – Investiguei todos os registros que sobraram e o seu sangue, mas não obtive resultados.
- Mas o Zidian também conseguiu quebrar o escudo. – Lembrou Dagma.
- Zidian é uma arma mágica e espiritual. Ele não só causa danos materiais como espirituais e exorciza espíritos. Vocês estão notando algo de estranho nesse escudo?
Eles analisaram o escudo tentando obter respostas. As marcas ainda estavam ali, mas não conseguiam se regenerar.
- Ele está da mesma cor que os raios da Naytili! – Exclamou Dagma. – E de quando a Miiko adicionou o cristal corrompido ao Grande Cristal.
- Como é feito esse escudo? – Perguntei.
- Miiko usa o Grande Cristal para fazê-lo. – Disse Valkyon. – Só assim ela pode proteger todo o QG.
- Rapazes, terminem de fechar a porta. Dagma, vamos até a Miiko. Onde está Leiftan?
- Ele foi ferido pelo terremoto. – Valkyon mentiu descaradamente.
Eu não tinha tempo para brigar com ele, então eu e Dagma fomos até a sala do cristal. Claro que no caminho tive que gritar para todo mundo ficar em casa e se preparar para novos tremores, afinal, tivemos um terremoto. A sala do cristal estava trancada com Jamon de guarda. Ele nos deixou passar. O cristal estava ficando roxo e parecia emitir vibrações. Dagma ficou aterrorizada e todos os reluzentes e a Huang Hua ostentavam o mesmo olhar.
Como dizia Jack, o estripador: vamos por partes. Claramente o cristal está corrompido. Claramente alguém o corrompeu ou o pedaço corrompido fez isso gradualmente. A prioridade agora é arrumar um jeito de conter a corrupção, depois penso no resto. Uma vibração atingiu nós duas. Senti uma dor enorme no coração, então o agarrei. Dagma estava na mesma situação que eu. Na próxima, eu me abaixei e a trouxe comigo. Não podia perder o foco.
A próxima onda eu contive com Zidian, que funcionou muito bem. O cristal parecia querer nos atacar, mas Dagma rapidamente entendeu que deveríamos desviar das ondas. Eu iria avançar e usar Zidian para exorcizar o cristal quando ouvimos uma voz conhecida. Era o Oráculo. Ela parecia estar nos chamando ao mesmo tempo em que parecia aterrorizada com o Zidian. Que estranho.
Nós duas avançamos até o cristal evitando e bloqueando as ondas que emanavam dele. Chegamos até a Oráculo. Olhamos uma para a outra e tocamos o cristal juntas. Uma luz branca juntamente com uma luz dourada e uma prateada invadiram a sala. Fomos jogadas para trás. Por impulso catei a mão dela. Só senti a minha cabeça bater no chão.
Estranhei quando me deparei com um cenário totalmente negro e enevoado. Dagma estava comigo, eu ainda segurava seu pulso.
- Onde estamos? – Ela perguntou.
- Eu não sei. Parece algum plano desconhecido no mundo espiritual. Nunca estive aqui.
- O que a gente faz?
- Vamos tentar não nos perder.
Dagma usou seus poderes para iluminar o ambiente. Demos as mãos e fomos avançando na escuridão com cuidado. Achamos a Oráculo, que tentou falar com a gente na língua estranha. Por algum motivo ela não parava de olhar temerosa para o Zidian. É estranho porque ela não é nossa inimiga. Ela estendeu a mão na nossa direção e comecei a sentir um frio glacial e uma presença sombria. Nos viramos para olhar e vimos uma silhueta inteiramente negra se aproximando de nós, emanando um ódio mortal. Curiosamente era a silhueta do Daemon que tinha visto no limiar quando achei o Nevra.
- Já te disse Oráculo: renda-se ou eu a destruirei.
- Não se aproxime dela! – Dagma gritou.
A outra humana lançou uma rajada de luz na criatura, que desviou por um triz. O Daemon avançou e passou pela gente, apertando o pescoço da Oráculo. Nessa hora sentimos nossos pescoços sendo apertados como se fosse a gente. Iríamos sufocar. Em um ato impensado, estalei Zidian no braço que o Daemon segurava a Oráculo. Imediatamente ele a soltou e segurou o braço com dor, parecia perplexo. Dagma e eu estávamos nos recuperando, mas estava claro que iríamos lutar. O Daemon deu uma risada maldosa e desapareceu, assim como a Oráculo depois de nos dar um sorriso bondoso.
- Xuanwu tinha razão. Nossas vidas estão ligadas às da Oráculo.
- Ele te disse isso?
- Sim. Vamos sair daqui.
Continuamos avançando como antes. Tinha um monte de perguntas na cabeça, mas duvido que os deuses as respondam. Eles já fizeram muito por mim. A medida em que avançávamos, víamos plumas negras espalhadas pelo chão. Apesar de emanarem uma aura como do Daemon, peguei três delas e escondi duas na bota. Nós as seguimos até nos depararmos um um altar de pedra e um baú de ouro e rubis. Não conseguimos abri-lo, ainda bem que eu tenho lockpick. Antes que eu pudesse usar, a Huang Hua apareceu, colocou as mãos no baú e sumiu.
Acordamos na enfermaria. Ewelein nos disse que tínhamos entrado em sintonia com o cristal depois de tocá-lo. Nos trouxeram depois de nos livrar de seu domínio. Nossos parceiros entraram correndo na enfermaria. Leiftan veio andando como se estivesse todo cagado. Ele também esfregava o braço.
- Leiftan, o que aconteceu com você? – Perguntou Ewelein.
- Eu caí da escada durante o terremoto.
- Deixe-me examiná-lo.
- Não precisa, foi apenas um tombo. Ficarei bem. – Ele estava estranho e algo me dizia que era mentira. – Tingsi, como está?
- Cansada. O que houve com o seu braço?
- Não foi nada, não se preocupe.
- Você está bem? – Perguntou Valkyon preocupado.
- Sim, só um pouco cansada.
- Fico aliviado e impressionado com sua atitude durante o terremoto. Como soube o que fazer?
- Agradeça à Yuna.
- Yuna?
- É, ela é de Seul. Antes da gente ir para Shanghai, ela nos fez passar por um treinamento militar para sobreviver a um terremoto. É normal isso acontecer nos países do extremo oriente.
- Me lembre de brindar à Yuna na próxima vez que bebermos. Eu preciso ir agora. – Ele acariciou meu rosto. – Fico feliz que esteja bem.
Valkyon saiu juntamente com Ezarel e Nevra. Dagma garantiu que ficaria bem, então pedi para Leiftan me acompanhar até o meu quarto. Ele realmente estava andando todo cagado.
- Você deu o cu para o Valkyon, não foi? – Ele ficou surpreso.
- O que te faz pensar nisso?
- Sério que você deu a desculpa da escada? Você está andando todo cagado, eu faço isso quando saio do quarto do Valkyon e ele mentiu que você foi ferido no terremoto. Se não foi para ele foi para o Jamon.
- Tingsi, pelos deuses! – Ele ficava adorável envergonhado. – Está bem, eu passei a noite com o Valkyon, mas foi porque ele estava curioso em experimentar com um homem.
- E você?
- Ele não é o meu primeiro.
- Safado! Por que nunca me contou?! – Fingi estar chateada, mas ele parecia estar mais assustado com a minha felicidade em saber daquela informação do que em me contar.
- Eu não gosto de falar da minha vida pessoal.
- Certo, desculpe. É só que, eu não consigo acreditar. Vocês dois juntos?
- Não estamos juntos. Estávamos conversando sobre nós três dormirmos juntos para você não ficar alternando entre os quartos. Focaríamos totalmente em você, porém o assunto surgiu e uma coisa levou à outra.
- Entendi. Então, vocês decidiram fazer a 3?
- Apesar de ser nosso assunto inicial, ainda preciso conversar com ele sobre isso. O que você acha?
- Acho que é uma boa ideia, mas não prefere que eu faça isso?
- É melhor que eu faça. Não quero que ele se sinta pressionado a aceitar por sua causa.
- Está bem. Só mais uma coisa: o que aconteceu com o seu braço?
- Eu apenas bati em algum móvel. – Era plausível, mas tinha algo estranho.
- Cuidado, eu não quero que se machuque.
- Tomarei.
- Leiftan, eu tenho que te contar uma coisa. Eu vi o Daemon da floresta.
- Onde?
- É complicado. Ele tentou machucar a Oráculo.
- Tingsi, isso é sério.
- Eu sei. Ele ignorou a mim e Dagma completamente, ele só queria a Oráculo. Ele tinha um ódio gigantesco. Eu não entendo esse ódio.
- Talvez ele guarde algum rancor contra o cristal. Lembre-se que os Daemons foram extintos. Certos rancores não podem ser facilmente esquecidos.
- Parece Xuanwu falando.
- Acho que o acabamos incorporando de alguma forma.
- Verdade. Ele também estava certo sobre outra coisa.
- O que?
- De alguma forma a Oráculo uniu o meu destino ao da Dagma e nossas vidas a ela.
- O que está dizendo?
- Quando o Daemon tentou matar a Oráculo, nós sentimos a dor dela, por um instante achei que fosse morrer naquele lugar. Se não fosse pelo Zidian, talvez a gente morresse.
Ele ficou paralisado por algum tempo e depois me abraçou com força. Eu não entendi por que ele fez isso.
- Você não está machucada, está?
- Estou bem.
- Descanse um pouco.
Fui para o meu quarto. Ao invés de descansar, peguei a caixa e uma das penas que tinha trazido. Voltei ao mundo espiritual, mas para o quintal dos deuses. Dei de cara com Xuanwu.
- Não devia estar descansando?
- Isso é mais importante. Tem como aumentar o meu poder espiritual e desenvolver a minha psicometria?
- É uma habilidade perigosa. Ver memórias de algum lugar ou objeto pode ser perturbador, principalmente se não estiver preparada. Isso requer um psicológico além da sua compreensão.
- Tem ou não?
- Há distinção entre ter e ensinar. Eu sei que você quer descobrir mais sobre o Daemon, mas já parou para perguntar o que isso pode te custar?
- Nunca faça coisas sem saber o preço. – Disse a serpente. – Ele pode ser mais do que você pode suportar e refletir nas pessoas que mais ama.
- Certas coisas são melhores do jeito que estão. – Tornou a dizer a tartaruga.
- E se eu encontrá-lo no limiar?
- Está certa disso? Pode ser que eu tenha que aumentar suas sessões de terapia.
- Merda!
- Talvez você precise focar em outra coisa. Sua vida está nas mãos do Oráculo.
- Quer que eu destrua o Oráculo?
- Eu não quero nada, mas se o fizer, o que acha que acontecerá com Eldarya?
- Merda dupla! Como eu me livro deste vínculo?!
- Adivinha? – Tornou a dizer a serpente.
- Tem vezes que eu odeio conversar com você.
- Eu sei.
Voltei ao mundo material e deitei na cama. Os mascotes já tinham voltado à sua rotina, então fui cochilar um pouco.
===Dagma===
Diferente de Tingsi, eu não fui ao meu quarto. Voltei à sala do cristal, mas como estava tendo reunião Jamon não queria me deixar entrar. Convenci que era importante, então ele foi me anunciar. Relatei tudo que aconteceu desde que tocamos o cristal e até mostrei uma pena negra. Decidi pegá-la quando vi Tingsi pegando algumas, afinal, iria precisar de provas.
- Tem certeza de que era realmente um Daemon? – Perguntou Dama Huang Hua.
- Absoluta.
- Isso não é bom. – Pronunciou Miiko. – Dagma, obrigada pelo seu depoimento. Poderia nos deixar discutir o que fazer?
- Além disso você precisa descansar.
- Obrigada, mas estou bem, Dama Huang Hua.
- Nesse caso você pode verificar o escudo e as portas. – Sugeriu a kitsune.
Assim que saí da sala, Ezarel e Nevra vieram ao meu encontro. Ambos me abraçaram fortemente, assim como fizeram mais cedo na enfermaria.
- Está machucada? – Perguntou Ezarel.
- Não.
- Tem muita coisa estranha nessa história. – Disse Nevra. – Isso tudo é cruel demais. Se você se machucar....
- Nevra, eu não sou de vidro. Sou bem mais resistente que vocês dois.
- Mesmo?
- Sim. Eu iria mostrar ao Ezarel se ele viesse treinar a espada comigo. Talvez você queira uma disputa com adagas também.
- Então temos que marcar logo essa disputa.
- Não se esforce demais. – Disse Ezarel. – Você acabou de sair da enfermaria.
- Ficarei bem.
As portas estavam funcionando perfeitamente e o escudo não estava mais com aquela coloração estranha, mas algo me diz que isso ainda não acabou. Retomei meu trabalho no laboratório de alquimia, conferi o estoque, preparei as poções, limpei as bancadas, mas nada de Ezarel aparecer.
As paredes do QG ainda tremiam um pouco, então os membros estavam ocupados com um novo plano de evacuação e investigação. Segundo Ykhar, os tremores não ultrapassam o campo de proteção do cristal, por isso tinham que estudar todas as possibilidades. Não vi Ezarel ou Nevra até o discurso da Miiko. Dama Huang Hua teve a ideia de usar a flauta de seus ancestrais para curar o cristal. Ela chamou a mim e a Tingsi para conversarmos.
- Serei direta, quero que Tingsi venha me acompanhar para encontrar os Fenghuangs.
- Sem problema. – Disse Tingsi.
- Dagma, eu sei que você saiu do templo para viver em Eel, mas gostaria que voltasse comigo para essa missão.
- Perfeitamente.
- Preciso ir, tenho muita coisa para fazer.
Ela se retirou. Tingsi e eu ficamos sozinhas, então decidimos treinar. Sacamos as adagas e começamos a nos golpear. Ela era habilidosa, mas eu também era. No fim, fomos comer algo, tomar um bom banho e fomos aos nossos quartos. Comecei a arrumar minha mochila animada e ao mesmo tempo receosa. Estava feliz que iria ao templo ver Huang Jia, minha amiga daquele lugar, mas ao mesmo tempo temi que fosse me separar dos meus namorados. Por falar neles, eles vieram ao meu quarto durante a noite, molhados depois do banho.
- Vocês estão com umas caras horríveis.
- Tivemos muito trabalho. – Disse Nevra.
- Eu mataria por uma boa massagem. – Disse Ezarel.
- Boa ideia. Ez, faz em mim.
- Por que eu deveria fazer em você?
- Porque eu pedi.
- O que eu ganho com isso?
- Interesseiro. – Ele mostrou a língua – Daggy, faz em mim? – Pediu com cara de mascote abandonado.
- E o que eu ganho? – Perguntei.
- Para você eu dou mil beijos.
- Só isso?
- Mas você também é difícil. Pode ficar com tudo então.
Pedi para que ele se sentasse na cama e comecei a massagear seus ombros. Ele estava bem tenso, pois seus ombros pareciam rochas. Nevra não demorou a relaxar e a ronronar feito um gato. Ezarel não ficou feliz com aquilo.
- Conseguiu o que queria.
- Não fique assim. Sente aqui, Ez, eu faço em você também.
Ezarel abriu um sorriso travesso, tirou o casaco e se sentou no colo do Nevra. Os ombros do vampiro ficaram tensos de novo, indicando que ele estava surpreso.
- O que foi? Você não disse para eu me sentar?
- Engraçadinho.
Nevra começou a massagear os ombros do elfo. Ezarel acabou relaxando e soltando um gemido de satisfação. Nevra começou a lamber e a mordiscar a orelha dele. Vi as pontas das orelhas ficarem vermelhas, isso acontecia quando ele estava envergonhado ou corado. Ezarel virou o rosto e foi recepcionado pelos lábios de Nevra. O beijo deles era intenso, Nevra até segurou o rosto do elfo para aproximá-lo ainda mais. Tingsi tinha razão, os dois tinham tesão incubado. O vampiro parou e beijo e inclinou a cabeça para trás para me olhar.
- Não achou que eu me esqueceria de você.
- Você definitivamente não presta.
Eu o beijei, mas parei logo em seguida por ser uma posição muito desconfortável. Nevra se moveu de forma que ficasse sentado no meio da cama e puxou a mim e Ezarel para o seu colo. Ele me beijou. Ezarel não ficou parado e beijou o meu pescoço. Fomos tirando as roupas uns dos outros e revezando os beijos e as carícias. Até o cabelo do Ezarel foi solto no processo.
Fui deitada na cama. Ambos beijavam o meu pescoço e tinham uma mão em cada seio. Eles desceram as mãos até a minha intimidade e começaram a massageá-la. Cada um deles me penetrou com um dedo. Nevra puxou Ezarel pela nuca para outro beijo. Embora eles estivessem sedentos, eles não paravam de me masturbar.
Ezarel ficou por cima de mim. Ele me beijava e explorava cada centímetro do meu corpo enquanto eu explorava o dele. Nevra fazia o mesmo com as costas dele, além de masturbá-lo. O elfo era muito sensível ao toque, tanto que ele gemia mais que eu e Nevra juntos. Seus gemidos foram de encontro à minha pele, o deixando cada vez mais excitado pelas manobras do vampiro e me dando cada vez mais prazer. Nevra colocou alguns dedos na boca de Ezarel, que os chupou. Em seguida o vampiro desceu até as nádegas do elfo e começou a penetrar sua entrada com a língua. Senti uma cutucada molhada na minha porta dos fundos. O vampiro estava usando a saliva do elfo para lubrificar o local.
Ezarel me penetrou devagar e começou a se movimentar. Ele soltou alguns resmungos de dor quando Nevra o penetrou. O vampiro esperou que o elfo se acostumasse para poder se movimentar. Acabamos formando uma corrente em que Nevra ditava o rítimo. Nunca tinha visto Ezarel tão corado antes e tão submisso. Ele ficava fofo, ainda mais gemendo desse jeito. O elfo foi o primeiro a chegar ao ápice, eu vim depois e Nevra deu mais algumas estocadas antes de atingir o dele também, além de mordê-lo para beber seu sangue.
Os dois desabaram na cama. Nossas respirações estavam ofegantes, mas eu fui a primeira a me recuperar. Sentei no colo de Nevra, pois assim como eu, ele demorava a se saciar.
- Ainda não está satisfeita?!
- O que foi? Você também não se sacia facilmente.
- Você se recupera muito rápido.
- O que eu posso fazer? Tenho bastante energia sobrando.
- Precisamos investigar sua produção de energia depois. – Ezarel disse com a respiração entrecortada.
Comecei a beijar e explorar o corpo de Nevra, além de masturbá-lo. Coloquei seu membro na boca e comecei a chupar. Fiquei surpresa quando a língua de Ezarel começou a lubrificar minha porta dos fundos. Quando senti o gosto do pré-gozo, Nevra tirou minha boca de seu pênis e me puxou para o seu colo. Ele foi me encaixando em seu membro enquanto Ezarel foi encaixando o membro dele por trás. Os dois começaram a se movimentar. Eles se beijavam por cima do meu ombro enquanto colavam cada vez mais os nossos corpos. Nevra afagava minha nuca enquanto Ezarel brincava com o meu clitóris. Não demoramos a chegar aos nossos ápices de novo e dessa vez, Nevra me mordeu, ficando com a boca ardida. Ezarel começou a rir, já eu estava acostumada.
- Vocês combinaram isso, não foi? – Perguntei.
- Sinto desapontá-la, mas não. – Disse Nevra. – Até porque se eu tivesse sugerido, Ezarel ficaria de mal comigo por um bom tempo.
- Para sempre, você quer dizer. – Disse o Elfo limpando o sangue.
- Ez, você não seria capaz de ficar de mal comigo por tanto tempo, não é? – Ele fez beicinho.
- Ele te perdoaria no primeiro pote de mel.
- Hei, eu não sou um vendido por mel. – Nevra e eu apenas rimos.
- Podemos usar mel da próxima vez, o que acham? – Perguntou o vampiro.
- Nevra, não me tente.
- Por que não? Vai ser divertido.
- Dagma, não concorde com ele!
- Tarde demais.
A gente começou a rir e lentamente fomos adormecendo.
===Leiftan===
Eu tinha me separado de Valkyon durante o terremoto para não desconfiarem de nada, afinal seria muito estranho explicar aquela situação. Agora entendo o que Tingsi quer dizer com cadeira de rodas. Inventamos que eu tinha me machucado durante os tremores, então pude ficar em meu quarto. Seria a hora perfeita para fazer uma visita à Oráculo.
Peguei um livro que era um verdadeiro tesouro dos Aengels. O monstro na biblioteca não o encontrou. Consegui entrar em contato com a Oráculo no mundo espiritual, apenas minha silhueta seria vista. Não esperava ver Tingsi e Dagma naquele lugar. Consegui desviar do ataque de Dagma. Sorte que ela não lançou outro ou eu teria problemas. Tentei subjulgar a Oráculo, foi quando senti um forte estalo em meu braço, me forçando a largá-la. Fiquei surpreso ao ver as duas lutando para respirar e o Zidian nas mãos de Tingsi. Mesmo assim estavam prontas para lutar.
Apenas sorri para manter a compostura e fui embora. Ao voltar à realidade, meu braço doía, mas não havia qualquer marca nele. Claro, Zidian é uma arma espiritual, Tingsi o tem para se proteger de eventuais ameaças tanto do mundo material quanto do espiritual, só não imaginava que eu seria essa ameaça.
Valkyon veio me avisar quando soube que Tingsi acordou. Fomos juntos à enfermaria e eu a acompanhei ao seu quarto. Ela me contou algo perturbador e eu não pude fazer nada além de abraçá-la com força. Como o Oráculo ousa fazer algo tão terrível como se unir a vida de uma pessoa?! Xuanwu sabia disso?! Meu sangue borbulhava de ódio. Mas e se ele estiver errado? Duvido.
- Por que você não me disse?! – Perguntei a Xuanwu, que estava na minha cadeira lendo alguma coisa.
- Se eu não te disse algo é porque não lhe diz respeito.
- Não me diz respeito?! Tingsi é a mulher que eu amo!
- Então deve saber que é um assunto dela e se ela compartilhou com você, é porque quer te pôr a par da situação. De qualquer forma não te diz respeito.
- Que belo amigo você é.
- Ao invés de jogar suas frustrações em mim, ponha essa cabeça para funcionar. Ficar furioso não vai mudar o fato que os destinos de ambas foram unificados.
- Não há nada que eu possa fazer?
- Pode ficar de braços cruzados se quiser. Sabe por que o Oráculo fez isso?
- Não.
Ele apenas me deu um sorriso enigmático e saiu do meu quarto, me deixando sem uma resposta. Tenho que descobrir uma forma de enfraquecer essa ligação com o Oráculo. Infelizmente tinha muito trabalho a fazer por causa dos tremores. Dagma tinha esclarecido a situação em detalhes na sala do cristal e ainda mostrou uma de minhas plumas. Meu coração falhou uma batida, mas ninguém percebeu, pois todos estavam igualmente surpresos. Tivemos uma reunião séria. Valkyon veio falar comigo quando tivemos um intervalo.
- Leiftan, espere. Com essa confusão toda, esqueci de perguntar como você está.
- Está tudo bem, não se preocupe. Na verdade, eu precisava falar com você sobre esse assunto.
- Eu fiz algo errado?
- Não, pelo contrário. Apesar da dor, eu me diverti muito ontem à noite.
- Você quer que a gente repita a dose, é isso?
- Não era sobre isso que eu queria falar. Acho melhor vermos como as coisas serão daqui para frente antes de decidirmos se vamos nos tornar “companheiros de cama”, como dizem por aí.
- Entendo. O que você queria falar?
- Eu queria retormar o assunto sobre nós três dormirmos juntos. Não precisamos necessariamente corpular, embora eventualmente possa acontecer. Se acontecer, podemos focar somente na Tingsi, como tinha dito antes.
- Entendo. Você também percebeu que ela está tendo trabalho em revezar entre nós dois e nosso trabalho por vezes nos faz dar menos atenção a ela.
- Exatamente. O que me diz? Devemos discutir as regras dessa relação?
- Vamos encontrá-la esta noite para conversar.
Passamos a noite discutindo as regras da nossa relação e chegamos a um acordo. Poderíamos ter encontros triplos, passar a noite juntos mesmo que não tivesse sexo envolvido e deveríamos contar todos os nossos aborrecimentos uns para os outros, mesmo que um de nós se apaixonasse por outra pessoa. Tingsi não via problema em nos dividir com outras pessoas se isso nos faria felizes, mas eu duvido que Valkyon e eu iremos nos interessar por outras pessoas. Também não devemos ficar com medo ou ciúmes se um de nós acharmos uma pessoa bonita.
Acabamos vendo o filme do estripador naquela noite. Tingsi nos informava o que era realidade e o que era fantasia, afinal, a verdadeira identidade do estripador era um mistério até os dias de hoje. Confesso que gostei do filme.
===Tingsi===
Finalmente chegou o dia da viagem ao templo. Passei os últimos dois dias ajudando o QG no que podia. Coloquei até meu notebook na mochila, além de todas as minhas armas. Vai que eu fico entediada. Raum, Alastor e Dagon não poderiam ir, o que significa que Jinp não iria. Um monte de mascotes meus não iriam também.
- Tem certeza que você dá conta dessa turma, Valarian?
- Por incrível que pareça os Black Dogs não causam problemas.
- Eu sei, mas o resto da turma causa.
- Só quando querem nos mostrar algo. Não se preocupe, ficarão bem.
- Como está Moloch?
- Muito bem. Desde de que se recuperou, ele não para de me seguir.
- Ele deve te reconhecer como o novo dono dele.
Depois que teve alta, o Fenrisulfr se aproximou de Valarian e parece que o tem como novo companheiro. Fico feliz que os dois estejam se dando bem e que Moloch agora tenha um novo dono. Valarian disse que vai tomar conta dos mascotes junto com alguns amigos, só Snowyn e Frostbite me acompanhariam.
Além da Huang Hua, iriam para o templo eu, Dagma, Valkyon, Leiftan, Ezarel, Nevra, Chrome, Karenn, Alajéa, Karuto e Ewelein. A viagem foi um tanto maçante e durante o caminho, Dagma e eu sentíamos algumas dores no coração por causa do que estava acontecendo com o Oráculo.
- Tingsi, posso te perguntar uma coisa? – Dagma me perguntou quando emparelhou sua montaria com a minha.
- Claro.
- Como Xuanwu sabia que nossas vidas foram unidas ao Oráculo?
- Ele sabe muitas coisas, se ele vai dizer, aí é outra história.
- Mas por que ele não me contou como foi com meu sobrenome?
- Ele é meu amigo, vocês não são muito próximos e mesmo assim ele não me conta muita coisa, só o que eu preciso saber.
- É meio confuso.
- É de Xuanwu que a gente está falando.
Passamos por Balênvia até finalmente chegar ao caminho dos peregrinos. Vimos um torii marcando a entrada e depois fomos ao Monte Sizhe. Huang Hua e Dagma, assim como outros membros da guarda, desceram de sua montaria e foi até uma pedra com escrituras.
- Que os anciões possam nos proteger até a morada do Pássaro de fogo....
Elas começaram a rezar como se estivessem pedindo passagem. Não era para tanto, havia alguns espíritos no local. Eu fiz o mesmo. Quando terminamos nossas preces, Huang Hua nos explicou que naquele lugar ficavam espíritos errantes, que em troca de proteção eram guiados ao templo.
- Você acredita mesmo nisso? – Perguntou Chrome.
- Chrome, eu vejo gente morta. Tem um ali acenando para a gente. – Acenei de volta.
- Pare com isso. Não tem graça.
- Segure a minha mão.
- Eu não sou criança.
Segurei seu ombro e entrei no limiar. Tinha tanto espírito que eu achei que tinha parado no purgatório. Chrome tinha a forma de um cachorro no limiar e ele parecia petrificado. Retornamos ao mundo material e comecei a andar.
- Aonde você vai?! – Ele perguntou assustado.
- Ao templo, é para isso que estamos aqui.
- Eu sei disso.
- Se estiver com medo pode segurar a minha mão.
- Eu não estou com medo, só não quero me perder, pois esse lugar parece enorme.
- Vou fingir que acredito.
- Zidian está com você, certo?
- Puts! Eu o esqueci no QG!
- Você o que?! – Comecei a rir que nem uma idiota. – Tingsi, isso não tem graça!
Conforme nos aproximávamos do templo, a paisagem ia se revelando. Havia um rio de água cristalina, arrozais, enfim. O templo possuía arquitetura oriental. Passado as muralhas, havia uma praça central antes de entrar no prédio propriamente dito.
- Dama Huang Hua! – Pronto, lá vem o velho do caralho.
- Zif! – Ela pulou no pescoço dele.
- Dama Huang Hua! Dagma?!
Junto com Feng Zifu veio uma jovem de pele negra retinta, olhos castanhos e cabelo castanho bem escuro que lembrava um Beriflore. Ela vestia um quimono vermelho e dourado fechado até o pescoço com obi amarelo e aqueles tamancos orientais em formato de bota também em vermelho e dourado. Ela parecia muito com Huang Hua.
- Huang Jia! – Dagma a abraçou entusiasmada.
- Huang Jia, quantas vezes eu tenho que te pedir para não me chamar assim. Eu sou sua irmã.
- Bissexualidade é uma merda.
Na mesma hora os rapazes me olharam com os olhos arregalados. Nevra foi o único a dar um sorriso malicioso, mas antes que ele pudesse dizer algo, Huang Hua se pronunciou:
- Meus amigos, bem-vindos ao Templo Fenghuang. Primeiramente deixem-me apresentar à minha irmã Huang Jia.
- Huang Jia, esses são os meus amigos que eu contei nas cartas. – Começou Dagma. – Ezarel, Nevra, Valkyon, Leiftan, Karenn, Alajéa, Chrome, esses aqui são o Karuto e a Ewelein e essa aqui é a Tingsi.
- É um prazer conhecê-los. – Ela se voltou para mim. – Dagma fala muito de você em suas cartas.
- Mesmo? Ela não tinha me dito que tinha uma amiga tão bonita. – Ela corou. Tingsi, você está namorando, não fala merda. – Olha, um pássaro!
- É um Lapy, eles são comuns aqui.
- Ah, certo.
- Tingsi, você está bem? – Dagma perguntou.
- Ótima, maravilhosa. – Não comece a surtar, pense em alguma saída. – Onde fica o banheiro? Preciso dar um cagão.
- Senhorita Tingsi! – Ralhou o velho, Nevra morria de rir.
- Fica por ali. – Indicou Huang Hua. – Sintam-se em casa.
Eu fui escoltada até ao banheiro por uma moça, não só porque eu tinha dito que ia, mas porque precisava também. Depois disso fui escoltada até o meu quarto. Como eu estava namorando Valkyon e Leiftan, nós três ficaríamos no mesmo quarto. O quarto era simples com uma cômoda muito simples e achatada que parecia uma mesa e três camas que foram unidas para formar uma cama maior. Eu esperava aquelas camas que mais pareciam sofás dos dramas que assistia, mas era bem aconchegante.
- Tingsi, o que foi aquilo? – Perguntou Valkyon.
- Eu entrando em pânico? – Respondi sem graça.
- Você gosta da Huang Jia?
- Eu achei gata. – Os dois ficaram surpresos. – Por que essas caras? Eu disse que gostava tanto de caras como de garotas. E vão dizer que não acharam bonita também.
- Ela é bonita, mas você claramente está atraída por ela. – Disse Leiftan.
- Eu também fiquei atraída pela Huang Hua quando a vi pela primeira vez, só que o Nevra estava comigo e a gente acabou se zoando.
- Não deixe mais ninguém saber disso. – Disse Valkyon.
- Vai dizer que você não ficou atraído por uma gostosa daquelas?
- Um pouco, mas não foi duradouro.
- Quem mais você acha atraente? – Perguntou Leiftan.
- Tem a Miiko, Miiko é uma grande gostosa, só que nem tive tempo de ter atração porque conheci a raiva dela antes de ver a cara.
- Você não tem jeito. – Brincou Valkyon. – Apenas fique longe de confusão.
- Eu tento, mas ela me procura. E vocês, quem vocês acham atraentes? Podem falar, não vou ficar com ciúmes ou qualquer coisa.
- Você. – Valkyon é mesmo um fofo.
- Também acho a Miiko atraente. – Leiftan foi sincero. – Tivemos um breve envolvimento no passado, mas não durou muito.
- Você e a Miiko?! – Perguntou Valkyon perplexo. – É difícil acreditar.
- Como disse, nosso envolvimento foi breve, nada digno de nota.
- Fico mais surpresa com a naturalidade que você revelou isso.
- Bem, você nos contou sobre o seu passado antes de iniciarmos este relacionamento, inclusive com quantas pessoas você se relacionou. – Lembrou o lorialet. – É justo que eu também conte o meu.
- Certo. E você Valkyon? Você teve várias conquistas também.
- Prefiro não falar sobre elas.
- Tem razão, isso é assunto para quando estiver enchendo a cara.
- Você vai ter que arrumar mais que um engradado para me fazer contar.
- Feito. Esse lugar parece enorme. Vamos explorar?
- Mas você ainda nem desfez as malas. – Disse Leiftan.
- E eles logo nos chamarão para a refeição, não seria prudente explorar essa hora.
- Está bem. Saco.
Fui tirar as coisas da mochila da Purriry e guardá-las na cômoda. Valkyon e Leiftan ficaram impressionados com tanta arma que tinha trazido. Eu planejava continuar com os treinos enquanto estivesse aqui. Comecei a sentir uma dor enorme no coração, meu peito queimava. Valkyon e Leiftan vieram ao meu socorro, mas eu não conseguia falar nada. Doía tanto que só tive alívio quando desmaiei.
===Valkyon===
Leiftan e eu rapidamente levamos Tingsi para Ewelein. Curiosamente, Huang Jia, Ezarel e Nevra estavam com Dagma desmaiada no quarto dela. Ewelein e Huang Jia examinaram as faelianas com cuidado.
- Não se preocupem, não é nada. – Anunciou Ewelein.
- Nada?! – Perguntamos todos.
- Sim. Desde que chegamos, várias pessoas vieram se queixar de problemas respiratórios e dores de cabeça. É apenas dificuldade de adaptação.
- Isso não faz sentido. – Pronunciou-se Huang Jia. – Elas são as únicas a desmaiar.
- É porque o sangue delas não é muito rico em maana e o ar que respiramos aqui é mais denso que no QG. É preciso que se acostumem, elas estarão ótimas em algumas horas.
- Com todo respeito, senhorita Ewelein, Dagma viveu alguns anos aqui e se mudou para Eel não tem muito tempo. Mesmo sendo parte humana, isso não deveria acontecer.
- Como você sabe que ela é humana? – Perguntou Nevra.
- Ela me contou em uma de suas cartas.
- O que mais ela te contou?
- Com todo respeito, mas os conteúdos das nossas cartas não são de sua conta. Pedirei para que tragam uma bandeja para que possamos cuidar delas.
- Obrigada. – Disse Ewelein. – Desculpe por não poder comparecer à refeição.
- Não é preciso se desculpar. Como médica, compreendo sua situação. – Ela estava sendo sincera.
- Vou ficar aqui! – Respondemos eu, Ezarel, Nevra e Leiftan ao mesmo tempo.
- Não querendo ser rude, mas este quarto não comporta tanta gente. Isso pode atrapalhar nosso trabalho.
- Ela tem razão, esse quarto é pequeno demais para tanta gente. Meninos, vocês poderiam aguardar lá fora? Irei chamá-los quando elas acordarem.
Tivemos que sair. Não tínhamos outra opção além de irmos comer com os Fenghuangs, embora estivéssemos preocupados. Enquanto atravessávamos o pátio, nos aproximamos de Huang Jia.
- Você disse que achava estranho o desmaio de Dagma. – Começou Ezarel. – Pela sua experiência, o que acha que pode ser?
- Eu não sei. – Ela disse com sinceridade. – Dagma pode ser faeliana, mas o sangue dela não é pobre em maana, pelo contrário. Acredite, eu tratei de seus ferimentos várias vezes quando ela treinava com adagas ou inventava de escalar árvores. Tingsi parece sofrer exatamente dos mesmos sintomas, mas eu nunca me deparei com algo assim.
- O que quer dizer com “exatamente os mesmos sintomas”? – Perguntou Leiftan.
- Seja o que uma tiver, a outra também tem. Não parece ser algo grave, talvez só precisem de descanso. De qualquer forma receitarei alguns remédios para ajudá-las a dormir esta noite esta noite e vitaminas.
- Obrigado. – Agradeci.
Huang Jia foi para a cozinha enquanto nós voltamos para a porta do quarto de Ewelein. Eu não podia evitar deixar de trocar olhares com Leiftan e meus amigos. Ficamos até sermos chamados para comer. Depois da refeição fomos esperar na porta do quarto de Ewelein. Huang Jia veio até mim e me entregou um saco bem pequeno contendo uma bolinha branca.
- Faça com que Tingsi tome antes de dormir.
===Tingsi===
Novamente eu estava naquele plano sinistro. Para a minha surpresa, Dagma também estava lá.
- Como foi...? O que estamos fazendo aqui? Nós sequer estávamos juntas.
- Deve ser a conexão com a Oráculo. – Respondi. – Ela deve nos puxar para cá onde quer que a gente esteja.
Por falar no demônio, a Oráculo apareceu na nossa frente falando aquela língua estranha de novo.
- Fala a nossa língua, miséria! Não percebeu que a gente não entende porra nenhuma do que você fala?!
- Tingsi! Isso é jeito de falar com a Oráculo?!
- Ninguém mandou ligar nossas vidas e quase nos levar para a cova.
- Ela deve ter feito isso porque precisa da nossa ajuda para alguma coisa.
- Como a gente vai saber se a gente não entende porra nenhuma do que ela fala?! E mesmo que entendesse, isso não justifica ela ter unido as nossas vidas e nossos destinos!
- Você pode parar de pensar em você por um instante?! É claro que tem algo importante acontecendo!
- Só que eu não pedi para fazer parte disso! Nenhuma de nós duas pediu.
Uma rajada de trevas envolveu a Oráculo e a arrastou para trás. Nós paramos de discutir e corremos para salvá-la. Sentimos algo nos agarrar para nos impedir. Esse contato frio como uma lâmina de gelo arrancou qualquer esperança que restava em meu ser. Eu conhecia a sensação de vazio, de nada, era como encarar o abismo da minha alma. Era a mesma sensação de quando eu quase pulei da janela do meu quarto.
Me virei para olhar o meu agressor. Tudo que pude ver eram olhos verdes, frios e brilhantes. Eles pareciam penetrar minha alma, envenenando-a com seu ódio. Por incrível que pareça, eu não estava com medo. Sou uma órfã sino-francesa, pobre e bissexual, considerada por muitos como má influência, eu cresci vendo e recebendo olhares de ódio. O padrasto do Isaiah tinha esse olhar, assim como o pai do Sebastian, várias pessoas quando me viam com alguma menina, nos rostos dos balenvianos quando viram Ethel pela primeira vez e outras situações que eu já vi ou vivenciei ao longo da vida. Havia algo mais naquele olhar além de ódio, mas não conseguia identificar.
Acordei de repente. Observando melhor o quarto, Ewelein e Huang Jia estavam presentes. Dagma estava transtornada, tanto que Huang Jia tentava acalmá-la, já eu estava ofegante, mas nada grave. Achei melhor não contar para Ewelein o que tinha acontecido, pelo menos não agora.
Huang Jia nos deu uma bolinha que parecia aquelas bolas de chocolate com licor, mas na verdade eram remédios como os que eu via nos dramas asiáticos. Nós os tomamos. Os rapazes foram autorizados a entrar, mas eu preferi não ficar naquele quarto e sim voltar para o meu. Valkyon e Leiftan não saíram do meu lado em nenhum momento. Contei a eles o que tinha acontecido.
- Você não teve medo? – Perguntou Leiftan preocupado.
- Eu cresci vendo esse olhar, Leiftan. Ele não me assusta, as pessoas por trás dele sim.
- Eu não vou deixar nada de ruim te acontecer. – Valkyon me tomou nos braços. – Vou te proteger, não importa o que aconteça.
- Eu também irei te proteger. – Leiftan acariciou meu cabelo e segurou minha mão. – Não permitirei que nada de ruim aconteça. Não precisa se fazer de forte na nossa frente.
- Só me segurem em seus braços e não me soltem.
Decidi ceder ao pedido do lorialet. Achei melhor deitar um pouco. Os dois deitaram ao meu lado para me fazer companhia.
Chapter 44: Capítulo 44
Chapter Text
===Dagma===
Acordei trêmula. Huang Jia me acalmou e me deu um de seus remédios. Ezarel e Nevra estavam na porta do quarto que eu dividiria com Ewelein. O vampiro não escondeu seu alívio e me abraçou. Ezarel apenas sentou na beira da cama e segurou minha mão. Nevra começou a cantarolar uma música, que aos poucos foi me acalmando.
- Se sente melhor? – Perguntou Nevra
- Sim, obrigada.
- O que te deixou assim? – Perguntou Ezarel.
Contei a eles o que tinha visto. Eles ficaram aterrorizados. Nevra apertou o abraço e Ezarel nos abraçou. Huang Jia me deu um remédio e disse para tomá-lo antes de dormir. Ela também se prontificou a cozinhar algo, afinal nenhum de nós tinha comido. Nos reunimos no refeitório. Huang Jia fez sopa de raiz de lótus para nós. Embora a sopa estivesse deliciosa, tomei sem vontade, apenas para ter algo no meu estômago. Tingsi devorava a dela. Como ela consegue ter estômago depois do que passamos?
- Vai com calma, feiosa. – Disse Ezarel. – Assim parece que não te alimentamos direito.
- Dobby, você não apreciaria uma boa culinária nem se o maior chefe do mundo aparecesse na sua frente. A propósito, vai comer a sua?
- Tire os olhos da minha sopa!
- Não precisa tomar a sopa dele. – Disse a Fenghuang. – Eu fiz mais.
- Obrigada. Eu não tomo isso desde que fui para Seul passar o ano novo com a família da Yuna.
- Seul?
- É na Coreia do Sul. Acho que vocês devem conhecer a Coreia como Goryeo.
- Faz tempo que não ouço esse nome. Eu só o vi em livros.
- Tem uma Coreia do Norte? – Resolvi perguntar.
- Tem e a relação entre as duas é complicada.
- Como assim?
- Eu teria que falar da Idade Moderna para depois falar das ideias de Marx e Engels, aí passar para a 1ª Guerra Mundial, depois para a Revolução Russa, falar da 2ª Guerra Mundial para aí sim entrar na Guerra Fria e finalmente falar da Guerra da Coreia.
- Tudo isso só para explicar por que a relação das duas é complicada?
- É. História é uma bola de neve danada. Você está melhor?
- Um pouco. Como é que você não parece tão abalada?
- Já tenho traumas o suficiente. Hei, eu trouxe meu notebook, vamos assistir alguma coisa.
- O que é notebook? – Perguntaram Ezarel, Nevra e Huang Jia.
- É uma máquina que a Tingsi usa para ver filmes e outras coisas. – Explicou Valkyon. – Inclusive guardar trabalhos da faculdade.
- Eu vi alguns e são realmente bons. – Disse Leiftan.
- Você só está falando isso porque estamos saindo. – Provocou Tingsi.
- Não, eu realmente gosto da sua arte.
- Quando não está nos muros do QG. – Complementou Valkyon.
- Podem me prender se quiser.
- Não me dê ideias. – Tornou a dizer Leiftan, deixando o Valkyon boquiaberto.
- O que acha de vermos Harry Potter? – Ela mudou de assunto. – Aí vocês vão descobrir por que eu chamo o Ezarel de Dobby.
- Finalmente. – Disse Ezarel. – Porque esse apelido não tem sentido nenhum.
===Tingsi===
Depois do jantar eu arrestei a cômoda para perto das camas e coloquei o notebook em cima como se fosse uma mesa. Toros os rapazes e Dagma estavam no meu quarto. Huang Jia não veio com a desculpa que não era íntima da gente. Avisei que eram 8 filmes e só descobririam sobre o apelido do Ezarel no segundo.
No primeiro eu tive que explicar um monte de coisas como o que era um carro, humanos não sabiam usar magia e era tudo ficção, muitas das coisas eram artifícios usados pelo cinema, o que era um zoológico, que os livros eram diferentes dos filmes e porque a luz acendia sozinha. Mas nada disso os impediu de se divertir e se encantar com a história.
- Então podemos concluir que você é trouxa. – Provocou o elfo maldito.
- Só aguarde, Dobby, só aguarde.
Então fomos para o segundo filme, quando o Dobby apareceu. No começo, Ezarel não entendeu nada e achou que eu só o chamava assim porqu ele era feio, mas foi só o Dobby dizer que era um elfo doméstico que ele ficou puto. O Nevra, que não vale a bosta que caga, não perdeu a oportunidade.
- Ez, eu não sabia que você tinha um primo famoso. Ele tem as suas orelhas.
- Vai ver se eu morri, Edward Cullen.
- Eu achei o Dobby fofinho. – Disse Dagma.
- Ele é. Eu amo o Dobby.
- Isso quer dizer que você ama o Ez? – Provocou o vampiro.
- Isso quer dizer que ele é um elfo doméstico?
- Sendo assim, podemos atribuir mais missões de limpeza para ele. – Brincou Valkyon.
- Muito engraçado, estou morrendo de rir. – Resmungou sarcástico.
Dobby era o melhor personagem junto com os gêmeos. Vendo eles assistindo Harry Potter pela primeira vez me fez me sentir realizada. Era magia pura. Tinha horas que o Ezarel não sabia se ficava puto com o Dobby ou se tinha pena dele ou se adorava ele. Acho que ele ficava puto mesmo era comigo e com o Nevra o chamando de Dobby. Mas o melhor foi no final, quando o Dobby ganhou a liberdade dele, impossível não se comover. O filme acabou, mas a zoação não.
- Agora vocês sabem por que eu chamo o Ezarel de Dobby.
- Que heresia! – Disse Dagma. – Os dois nem se comparam.
- Até que enfim alguém concorda. – Disse o elfo.
- Até porque o Dobby merece todo amor e carinho do mundo, o Ezarel merece bater com a cara na árvore mais vezes.
- Hei! – A gente começou a rir. – Que bela namorada eu tenho.
- Nevra, me empresta isso aqui. – Peguei o cachecol do Nevra e o enrolei no Ezarel.
- Por que você fez isso? – Perguntou o próprio sem entender.
- Porque agora Ezarel é um elfo livre!
- Filha de um Black Dog!
A gente explodiu de rir, até o Leiftan que não interage muito estava rindo. Ele tirou o cachecol de Nevra e o colocou na cama enquanto a gente ficava sem ar de tanta risada.
- Ele não é um elfo livre. – O vampiro abraçou o elfo por trás. – Até porque eu quero que ele me sirva.
- Nevra, seu...!
- Nevra, não acha que ele está com roupa demais para ser um elfo doméstico? – Perguntou Dagma. – Vamos tirá-las.
Os dois começaram a lutar com Ezarel para arrancar a camisa dele. Foi Valkyon quem colocou ordem no cabaré e voltamos a ver os filmes. Não vimos todos, mas terminamos o quinto. Os três saíram do quarto. Dagma iria dividir o quarto com Ewelein enquanto Ezarel dividiria com Nevra. Diferente de mim, o relacionamento deles não era “oficial” até porque eles não dizam estar juntos para não causar alvoroço, mesmo que Ezarel não soubesse esconder seu afeto e Nevra tenha parado de flertar com outras garotas. Guardei o notebook na mochila e meus parceiros me ajudaram a ajeitar os móveis. Eles se viraram quando arranquei a roupa para colocar um pijama simples, uma camiseta e um short. Não pude evitar uma pequena risada.
- Por que está rindo? – Perguntou Leiftan.
- É que vocês são fofos. Já me viram pelada várias vezes e mesmo assim ficam com vergonha.
- Você me acha fofo? – Perguntou Valkyon corado e com cara de pastel.
- Como não achar? Você fica uma graça corado. Não acha, Leif?
- Eu pensava que era o único que pensava isso. – Valkyon corou mais ainda.
- Vocês dois querem parar de me provocar?
- Mas eu não estou provocando. – Falei. – Eu realmente te acho fofo.
- Eu estou. – Admitiu Leiftan. – Embora eu também concorde com Tingsi.
- Você consegue ser pior que o Nevra. – Tornou a dizer o faeliano.
- Eu tento. Embora ache Tingsi a mais fofa de nós três.
- Como coice de mula, só pode. – Brinquei.
- Não, é verdade. Principalmente quando você usa suas roupas terráqueas, como esse pijama por exemplo.
- Por falar nisso, você tem alguma pista de quem trouxe suas roupas para Eldarya?
- Nenhuma. – Admiti frustrada. – Eu não tinha parado para pensar nisso, mas agora que você falou, é realmente estranho.
- Acha que pode ser Ashkore?
- Eu duvido. Seja quem for, tem acesso aos dois mundos.
- Isso que me preocupa. – Disse Leiftan. – Essa pessoa pode acessar livremente ambos os mundos, mas não tivemos qualquer problema relacionado com o seu mundo além de sua chegada.
Pensei em perguntar aos deuses, mas eles não iriam me responder e sim me dizer que isso era problema meu. Decidimos encerrar o assunto e ir dormir, mas não antes de eu tomar um remédio. No dia seguinte, vesti o hanfu e fui com Dagma falar com a Huang Hua sobre nossa recente experiência. O quarto dela era que nem o dos dramas que via, o que me animou. No entanto a Hua pediu para que Zifuder e a Huang Jia cuidassem da gente, mesmo eu protestando que não precisava de babá.
Nossos parceiros se separaram e pedi a Dagma que me desse um tour pelo lugar porque a Huang Jia é amiga dela, então ficarão juntas, o que ia me deixar sozinha com o velho escroto. Ele mesmo disse para não incomodar a Huang Hua com coisas fúteis e falar com ele antes, claro que eu ignorei tudo que ele falou. E se eu quiser tomar chá com ela ou ver um vídeo engraçado? Se foder.
O prédio em si só vale destacar a biblioteca, o altar do fogo que tinha uma estátua de Zhuniao e o salão principal para as refeições. Fora do prédio tinha a praça onde faziam festivais, inclusive estavam se preparando para um de música com canto e danças tradicionais. Os jardins eram bonitos e calmos, mas não eram tão bonitos quanto os do QG. E pelo caminho fomos ajudando os fenghuangs em suas dificuldades e ganhei até uma roupa por isso.
O problema foi quando chegamos ao mausoléu das águias. Era um cemitério com crematório, por isso eu via espíritos em todo lugar e ouvia suas vozes. O barulho em uma árvore chamou minha atenção. Nela havia um pássaro lindo e vermelho que eu nunca tinha visto, mas o reconheci imediatamente como Zhuniao. Ele passou por nós voando e eu corri para segui-lo, deixando os outros para trás. Só parei quando estava no altar de fogo ao longe. O pássaro virou seu avatar masculino.
- Zhuniao! – Eu o abracei. – Pensei que nunca mais veria seu avatar.
- Não irei dizer que será a última vez. Me escute bem, fique longe do mausoléu. Este lugar é repleto de espíritos e você é médium. Fique longe dele para o seu bem.
- Certo. Eu pensei que você....
- Todos os templos fenghuangs são meus templos. É meu dever como anfitrião zelar pelo bem-estar dos convidados do templo, mesmo que tenha que proibi-los de acessar certas áreas.
- Entendo. Obrigada por salvar a minha vida.
- Como disse, é apenas meu dever como anfitrião.
- Essa sua estátua é tão....
- Imunda? Vivem esquecendo de limpar.
- Eu ia dizer bem-feita, parece com o pássaro que você virou.
- Certamente.
Os outros vieram atrás de mim, eles ficaram surpresos ao ver Zhuniao comigo. Pela cara do Feng Zifu e do avatar, eles não se davam bem. O velho tentou me dar uma bronca por ter fugido e o deus deu uma bronca nele por ter deixado uma médium perto de um cemitério como aquele. Eu acabei cagando e saindo de perto, tudo para encontrar Qinglong fora do templo com a katana em mãos. Não teve jeito, tive que treinar.
Voltei à noite depois do treino para o jantar. Resolvi tomar banho e trocar meu hanfu por um azul claro antes de me sentar à mesa. A refeição era pedaços de carne marinada com arroz, algo simples em um ambiente acolhedor. Tive a impressão de estar em um monastério no Tibet. Depois disso, Dagma e eu nos juntamos aos nossos parceiros para terminarmos de ver Harry Potter. Como a reunião tinha sido desgastante, nada melhor que desligar o cérebro. Para que? Foi só choradeira.
- Coitado do Dobby! – Choramingou Nevra.
- Eu gostava dele. – Disse Dagma com tristeza. – E da coruja.
- E do Fred!
- De fato, nenhum deles merecia isso. – Disse Leiftan.
- Sinto pena do Dobby. – Disse Ezarel.
- Você nem gostava dele! – Confrontou o vampiro.
- Eu não gosto que transformaram os elfos em empregados domésticos, mas o Dobby era bom.
- Então podemos te chamar de Dobby o quanto quisermos? – Provoquei.
- Não ouse, sua sangue-ruim!
- Ui, o comensal da morte está puto.
- Chega vocês dois. – Disse Valkyon. – Foi um longo dia, é melhor descansarmos.
Os outros três saíram do quarto e eu e meus parceiros nos preparamos para dormir. Valkyon desmaiou feito uma pedra e eu achei melhor não incomodar Leiftan, pois ele também estava exausto. No dia seguinte, acordei cedo e vesti um hanfu lilás. Eu os deixei dormir mais um pouco e fui buscar o café da manhã. Eu mesma decidi prepará-lo com um pouco de chá gelado e algumas frutas.
- Que horas são? – Perguntou Leiftan sonolento.
- Cedo demais para o almoço e tarde demais para quem dorme com as galinhas.
- Eu dormi tanto assim?
- Você estava exausto. Trouxe seu café.
- Gentileza sua.
Fui até o Valkyon e o acordei devagar. Isso devia ser um crime porque ele estava dormindo tão bem.
- Tingsi? Já está vestida?
- Há tempos.
- Por que você não usa mais suas roupas da Terra?
- Não sabia que gostava delas.
- Eu gosto. Não que você não fique bonita com essas, mas eu acho que elas combinam mais com sua personalidade.
- Elas não são apropriadas para treinos e eu não quero rasgá-las.
Tomei café com eles, afinal, eu gostava da companhia deles. Depois do café eles começaram a se arrumar para sair enquanto eu juntava as coisas na bandeja do café.
- O que vão fazer hoje? – Perguntei.
- Irei ajudar os Fenghuangs. – Disse Valkyon. – Remover as pedras e renovar o jardim.
- Meu trabalho será burocrático. – Foi a vez de Leiftan. – Como sempre.
- Acho que vou ajudar o Valkyon hoje.
- Tem certeza?
- Sim. Eu vi o estrago no jardim e vai ser trabalhoso. Eu posso te ajudar e depois eu posso te ajudar com resto do seu trabalho, Leif.
- Obrigado, mas não será preciso. Temo que a burocracia a entedie.
Fui com Valkyon até o jardim do grou branco. Ezarel e Nevra também estavam lá, eles nos ajudaram a cuidar do jardim. Estava tudo bem, até eu sentir o meu corpo fraquejar. Não era eu e sim o cristal. Tive que parar e sentar para descansar.
- Tingsi, está tudo bem? – Perguntou Valkyon preocupado.
- Sim, acho que é o calor. O que acham de fazermos uma pausa?
- Tem certeza? Você está pálida. – Disse Ezarel.
- Ez, leve-a para o quarto e peça para Ewelein dar uma olhada. Nevra e eu podemos terminar o trabalho.
Ezarel foi comigo até a praça central, quando encontramos Huang Jia. Imediatamente ela percebeu que havia algo errado e nos acompanhou até o meu quarto. Ela começou a me examinar e mandou que Ezarel fosse buscar um pouco de sal e água na cozinha. Eu a observava trabalhar cuidadosamente. Ela era bonita, dedicada e fofa também. Ezarel voltou para entregar o sal e a água e depois saiu.
- Não se preocupe, foi apenas sua pressão que abaixou.
- Isso nunca tinha acontecido antes.
- Pode ter sido o calor combinado com o trabalho pesado. O melhor a fazer é repousar.
- Valeu. Você e Dagma são boas amigas, certo? – Resolvi mudar de assunto.
- Sim.
- Quais são exatamente os poderes dos Fenghuangs?
- Isso depende. A maioria é resistente ao calor e pode produzir fogo, não em grandes quantidades se é o que imagina. Alguns possuem o fator de cura desenvolvido. Também somos sensíveis aos sentimentos dos outros e podemos sondar suas mentes e adentrar em seus corações. Para mim e minha irmã mais velha, quando uma pessoa gosta de outra, ela brilha em sua presença.
- Tipo os X-men.
- Tipo o que?
- Deixa para lá.
- Acho curioso que você não faça perguntas sobre o templo ou nossas crenças como os outros.
- Eu vejo espírito desde que nasci e também tem crenças sobre reencarnação no meu mundo. Templos são locais de reza e a vida dentro deles não me interessa. A arquitetura e a história deles impressionam mais que o funcionamento em si. Não é como se fosse algo novo para mim.
- É a primeira vez que eu ouço isso.
- É a primeira vez que você cuida de uma terráquea também. Vi que está quase tudo pronto para o festival amanhã. Está ansiosa?
- Não muito. Huang Hua e eu sempre comemoramos as datas festivas com nossa irmã, Huang Chu, mas dessa vez ela não estará presente.
- Sinto muito. Como é ter irmãos?
- Não é tão ruim, se parar para pensar.
- Mais uma coisa, a estátua no altar de fogo.
- É o símbolo da fênix. Nós a temos por muito tempo.
- Pensei que fosse o Suzaku.
- Antigamente era. Você já ouviu falar do Suzaku?
- É mitologia no meu mundo.
- Aqui também, embora alguns de nós acredite nele.
- Você acredita?
- Há algum problema?
- Se tiver, não é meu.
Ela saiu e eu fiquei apenas observando. Eu não tinha assunto, estava atirando para todo lado. Se contola, garota! Você já tem dois caras, não precisa de mais problemas. Quando minha pressão melhorou decidi revisar alguns golpes e não me esforçar tanto. À noite, me encontrei com Valkyon e Leiftan de banho tomado no quarto.
- Está melhor? – Perguntou o faeliano.
- Sim, foi apenas uma queda de pressão. Huang Jia tratou disso, então está tudo bem.
- Fico feliz em ouvir isso.
- Por que não me contaram sobre isso? – Perguntou Leiftan.
- Não foi nada, eu até pude revisar alguns golpes. Não precisa se preocupar. – Segurei a mão dele.
- Mas eu me preocupo mesmo assim. – Ele beijou minha mão. – Se algo te acontecer, eu não vou me perdoar.
- Hei, queda de pressão é super comum. Pode acontecer com todo mundo. Enquanto me mantiver alimentada e hidratada, ficarei bem.
Ele sorriu e me beijou, me tomando em seus braços. O beijo era lento e terno. Quando parei de beijá-lo, olhei para Valkyon e estendi a mão para ele, queria tranquilizá-lo também. Ele segurou minha mão, se aproximou e me beijou. Me arrepiei quando senti lábios contra o meu pescoço, com certeza era Leiftan. Segurei sua nuca para que continuasse e a de Valkyon para que não me abandonasse. Eu os queria, mas não sabia se estavam prontos para dar esse passo. Quer dizer, estávamos discutindo sexo a três, mas uma coisa é discutir, outra é fazer.
Eles trocaram de lugar um com o outro. Suas mãos passavam pelo meu corpo explorando tudo que queriam. Minhas roupas começaram a ser puxadas, não demorariam a tirar tudo. Parei bruscamente o que estavam fazendo, recebendo olhares confusos de ambos os rapazes.
- Isso não é justo. Vocês dois estão trabalhando juntos e eu sou uma só para despir os dois.
- Talvez seja melhor equilibrarmos as coisas.
Ao dizer isso, Leiftan deixou seu casaco cair no chão e começou a tirar a camisa. Valkyon só precisou tirar a jaqueta e o cinto. Os dois voltaram a me beijar. Minhas roupas foram completamente retiradas. Suas mãos e suas bocas passeavam pelo meu corpo sem pudor, como se estivessem competindo para ver quem me levava à loucura. Levei minhas mãos até a virilha de cada um deles e as apertei por cima do tecido. Eles arfaram e me olharam surpresos. Desci as calças junto com a cueca de cada um e agarrei ambos os pênis. Comecei a movimentá-los. Vez ou outra eu me abaixava para passar a língua por ambas as glandes e às vezes eu fazia os dos pênis se tocarem.
Leiftan retirou a minha mão de seu pênis e resolveu penetrar um dedo na minha vagina. Valkyon o seguiu algum tempo depois. Embora cada um estivesse em seu próprio rítimo, eu não achava ruim, pelo contrário, me contorcia com aquilo. Decidi dar um basta na situação. Levei Valkyon até a cama e o empurrei. Comecei a lamber seu pênis e a chupá-lo, ao mesmo tempo empinei a bunda para que Leiftan tivesse uma boa vista da minha entrada, me masturbando para deixá-lo louco. O lorialet entendeu o recado, ele se aproximou de nós e começou a adentrar com o pênis em minha vagina enquanto eu chupava o faeliano cada vez mais forte. Não demorou a chegarmos ao nosso primeiro ápice.
Cuspi a porra e pedi para Leiftan sair de mim. Acariciei um pouco mais o pênis de Valkyon antes de sentar nele enquanto agarrei o de Leiftan e fiz menção de colocá-lo na boca. O lorialet apenas sorriu enquanto me esperava me acostumar com o cano hidráulico para poder me movimentar e começar o oral dele também. Leiftan agarrou a minha nuca e decidiu que ele mesmo ditaria o rítimo enquanto Valkyon brincava com os meus seios. Se alguma vez aquele templo teve tantos geminos em uma noite, nós quebramos o recorde. Eu só conseguia gemer e me contorcer excitada pelas carícias e pelos gemidos dos meus parceiros. Não demorou a chegarmos ao ápice.
Valkyon me virou para ele sem me desencaixar e me beijou. Leiftan começou a preparar o meu cu com sua saliva. Eu interrompi o momento, saí de cima do Valkyon e andei até a mochila na força do ódio. Peguei o pote de vaselina que tinha e dei para o Leiftan. Ele ficou algum tempo examinando.
- Isso lubrifica melhor que qualquer coisa que você vai achar por aqui.
Peguei um pouco do conteúdo para passar na vagina, já que tinha que encarar o cano hidráulico de novo. Valkyon me ajudou enquanto Leiftan usava a vaselina para preparar o meu cu. Eles também passaram no pau antes de me penetrar, deslizando com mais facilidade pelos meus buracos. Rebolei os quadris para que eles se movimentassem. Nos movíamos com cada vez mais intensidade até chegarmos ao ápice.
Estávamos ofegantes, os batimentos cardíacos descompassados, mas eu não estava cansada. Eles saíram de dentro de mim, achei que daria tempo de tomar outro banho antes de dormir, só que os dois tiveram a brilhante ideia de trocar de buraco. Santa vaselina! Se não fosse pela vaselina, pela adrenalina e pelo tesão que eu estava, eu não sei o que seria do meu cu.
Depois do quarto orgasmo, nós desabamos na cama. Estava tão exausta que não conseguia levantar. Usei minhas últimas forças para segurar as mãos dos dois.
Chapter 45: Capítulo 45
Notes:
Para quem não viu The Untamed da Netflix, veja, é o live action de Mo Dao Zhu Shi, por favor, procure no Youtube sobre Wuji, a música tema desse seriado, porque vamos ter trilha sonora e cantoria nesse capítulo. Quem quiser pode ouvir Double Pride de Handsome Siblings e Once Upon a Time de Era Uma Vez na Montanha para maior imersão.
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
===Tingsi===
Sair da cama foi uma merda. Estou até pensando em pedir para um purreko fazer uma cadeira de rodas para mim quando voltar porque eu não conseguia me levantar. O Valkyon teve que ir até o Ezarel para buscar algumas poções enquanto o Leiftan ficou no quarto lendo o rótulo da vaselina.
- Aqui está dizendo que isso serve para hidratar a pele.
- Pele, cabelo, lustrar móvel, tirar maquiagem e cílios postiços, remover chiclete, lustrar couro, fixar perfume, aliviar queimaduras de sol.... Essa merda é cheia de utilidade.
- Onde conseguiu isso?
- Isso vende em farmácia.
Valkyon voltou com as poções. Graças a elas eu não passei a manhã inteira na cama, mas ainda assim tive que andar que nem um cowboy todo cagado. O pior é que tinha me dado uma vontade insana de comer batata frita, que por pouco não quebrei um barraco para conseguir. Tive que fazer tudo de forma caseira com supervisão do Karuto e dos cozinheiros. No final consegui as batatas que tanto queria e ainda tive que dividir com aquele bando de pau no cu.
- Isso é uma delícia! – Nevra parecia que ia derreter de tanta satisfação.
- É realmente bom. – Disse Dagma.
- Tudo que é frito é bom. – Comentei.
- Não sabia que os humanos comiam batata assim. – Disse Chrome.
- Geralmente elas vêm como acompanhamento para comida, mas dá para comer sozinha também. Às vezes vendem até em festivais e quermeses.
- Vocês podem vendê-las em festivais?! – Surpreenderam-se as irmãs Fenghuangs.
- Claro, assim como pipoca, milho, algodão doce, maçã do amor....
- Algodão doce? – Perguntou a outra humana.
- São como nuvens de açúcar daqui, só que com cores diferentes e feitas colocando açúcar em uma máquina ao invés dos mascotes explorarem.
Decidiram colocar batata frita nas barraquinhas que teriam no festival hoje mesmo. Huang Hua ainda nos deu a notícia que tinha conseguido a bênção da fênix para levar a flauta até o QG e curar o cristal, mas faria isso depois do festival.
Enquanto o povo trabalhava, passei boa parte do dia treinando com Baihu e Xuanwu. Esse seria o meu último treino com a tartaruga, pois tinha alcançado nível o suficiente para seguir sozinha, pois avancei muito no chicote. Seria, pois ele resolveu me ensinar agulhas e pontos de acupultura, fora que ele ainda está me ensinando estratégia e eu tenho que terminar A Arte da Guerra. Depois do treino fui ajudar nos preparativos do festival. Penduramos lanternas de papel por toda praça, montamos o palco e as barraquinhas, decoramos tudo.
Ao cair da noite estava tudo pronto. Fui tomar banho para me livrar do suor e coloquei uma calça jeans, uma blusa preta e all star, além de levar minha mochila, pois se for comprar alguma coisa, eu não vou ficar carregando por aí e nem voltando para o quarto toda hora para guardar. Acabou acontecendo, pois eu comprei algumas coisinhas.
Embora tivesse alguns músicos e muitos faziam suas performances de dança com músicas tradicionais, eu ofereci emprestar a minha caixa para ajudar nos instrumentos que não tinham ou em músicas que eles não conheciam. Assim qualquer um poderia performar a música que queria, isso já estava acordado. Só que o velho escroto resolveu barrar a minha caixa.
- Por que eu não posso usar a caixa?
- Porque é um festival tradicional dos Fenghuangs. – Disse Feng Zifu. – As músicas da Terra não são adequadas.
- Por acaso já ouviu todas as músicas de lá para dizer uma merda dessas?
O pior é que nenhum outro Fenghuang parecia querer ir contra o velho escroto, nem pedir permissão para usar em músicas eldaryanas que eles não conheciam ou não sabiam tocar. Fiquei sozinha batendo boca com o velho.
- Deixe esse velho para lá, garota. – Disse Baihu surgindo com os outros avatares, balançando uma flauta. – Nós podemos dar um jeito nisso.
- Ainda bem que eu trouxe a minha guqin. – Disse Xuanwu com o instrumento em mãos.
- Quem são vocês? – Perguntou Feng Zifu, mas foi ignorado com sucesso.
- Qinglong, você teria a honra de cantar comigo? – Perguntou Zhuniao.
- Achei que nunca fosse perguntar. – Eles trocaram olhares cúmplices. – Embora devesse ser eu a convidá-lo.
- E você não pode se apresentar com essa roupa. Já para dentro.
Zhuniao me empurrou até o meu quarto e começou a mexer nas minhas coisas. Ele tirou de lá um hanfu rosa claro bem mais elegante e formal com mangas maiores que aquele que eu uso diariamente, além de adereços. Eu me vesti e deixei que ele cuidasse do meu penteado e da maquiagem. Ele fez um penteado como daqueles dos dramas. Havia adereços de flores no meu cabelo.
- Espere aí, eu nem sei o que vou dançar.
- Não se preocupe, você conhece a música. Basta confiar em nós.
- É bom te ver. – Eu o abracei.
- Está feliz em ver meu avatar, isso sim.
- Ir ao mundo espiritual é o maior trampo.
- Preguiçosa. Agora vamos, temos que infartar alguns anciões.
Saí do quarto com um grande sorriso no rosto. Valkyon e Leiftan vieram correndo ver o que se tratava. Eles ficaram de boca aberta quando me viram. Não pude falar com eles, pois Zhuniao me empurrou de volta para a praça. Apenas Xuanwu estava lá sentado com a guqin em uma mesa.
- Onde estão os outros?
- Não muito longe. Devo me apressar, pois Qinglong está me esperando.
Valkyon e Leiftan chegaram na mesma hora em que Zhuniao voltou para o templo. Foi então que vi Qinglong em uma ala superior e Baihu estava no telhado. Todos olhavam com curiosidade esperando algo acontecer, apenas Xuanwu estava na praça, esperando.
- Tingsi, você está bem? – Perguntou Valkyon. – O que aconteceu?
- Está tudo bem, eu só vou me apresentar. Como eu estou?
- Linda.
- Mais do que qualquer outra nesta praça. – Complementou Leiftan.
Me aproximei de Xuanwu, que fez um aceno de cabeça para que eu parasse. Vimos Zhuniao se aproximar de Qinglong. Xuanwu passou o dedo por todas as sete cordas, chamando a atenção de todos. Depois de um longo silêncio, escutamos o som da flauta. Imediatamente reconheci que era Wuji, a música tema de The Untamed. Xuanwu o acompanhou com a guqin e eu comecei a dançar.
- Wén dí shēng dú chóu chàng. – Qinglong começou a cantar as linhas do ator do Wei Wuxian. – Yún shēn yè, wèi yāng.
- Shì yǔ fēi dōu guò wǎng. – Zhuniao ficou com as linhas do ator do Lan Zhan. – Xǐng lái le zěn néng dāng mèng yī chǎng.
As vozes deles eram melodiosas e muito lindas. Conforme eles iam cantando e tocando, eu dava o meu jeito de dançar, como tinha feito quando comecei a dançar no lago pela primeira vez com cada um deles. Olhando assim parece que foi há tanto tempo. A harmonia entre os quatro era perfeita, as vozes, a melodia, as lanternas de papel iluminando o cenário noturno. Enquanto dançava, vez ou outra eu tinha um vislumbre do que acontecia. Qinglong e Zhuniao se lançavam olhares um para o outro e se aproximavam quando tinham que cantar juntos, Xuanwu estava relaxado tocando sua guqin, até Snowyn estava performando comigo com uma tira de seda que não faço ideia de onde arrumou. O único que não conseguia ver direito era Baihu no topo do telhado.
Encerrei a apresentação na última nota. Ouvi aplausos e fiquei emocionada, até agradeci sem jeito. Olhei para Xuanwu, que apenas fez um aceno de cabeça em direção à multidão. Mexi os lábios para agradecer e pensei em um agradecimento visualizando mentalmente cada um deles.
- Não precisa agradecer. – Era a voz do pássaro, então mantive contato visual com ele. – Não fiz isso por você.
- Então por que me ajudou?
- Quero afrontar Feng Zifu o máximo que eu puder.
- Você tem uma forma especial de dizer que me ama.
Ele disfarçou e me lançou um sorriso. Também agradeci a Snowyn, que foi maravilhoso. Me joguei nos braços dos meus parceiros e, sem parar de sorrir, olhei para cada um deles. Os sorrisos e os olhares serenos que Valkyon e Leiftan me deram foram o suficiente para mim.
- Você esteve maravilhosa. – Disse Leiftan. – Não sabia que conhecia uma música tão linda.
- Estou mais surpreso por você gostar desse tipo de música. – Comentou Valkyon. – É simplesmente exuberante.
- É de uma série que eu amo. Um dia eu mostro para vocês.
Não conseguia parar de olhá-los. Os outros vieram até nós para me parabenizar e falar da música. Combinei com Karenn, Alajéa e Dagma que veríamos a série quando desse. Até os fenghuangs vieram.
- O que foi aquela música? – Perguntou Huang Hua. – Parece com as nossas, mas eu tenho certeza que nunca ouvi.
- É de um drama famoso no meu mundo. O nome da música é Wuji. Ela é praticamente nova.
- Ela é linda. – Disse Huang Jia.
- O que você acha, Zif?
- É decente.
Decente?! Os deuses me segurem porque eu vou descer o cacete nesse velho e é agora!
- Te segurar? – Era a voz da serpente. – Eu te ajudo a encher esse velho de porrada.
- Contem comigo. – Disse o tigre.
- Ninguém vai brigar no MEU templo! Resolva de outra forma, menina. Você é melhor que isso.
- É uma pena que sua arrogância o impeça de apreciar boa música quando aprece uma. – O povo ficou surpreso. – Sempre ouvi dizer que os Ren-Fenghuangs eram altruístas e acolhedores, por isso sou grata ao povo fenghuang por ter nos acolhido. – Disse com sinceridade para todos na praça, dando tempo de fazer uma pausa dramática. – Mas é claro que toda regra tem sua exceção.
- Queima quengaral!
- Xuanwu!
- Se não gostou da música, tudo bem, pois gosto é pessoal, mas não precisa ficar julgando com essa arrogância toda.
- Como ousa...?
- Como é dia de festa, vamos fazer o seguinte: escolha uma forma artística para performance. Dança tradicional, pole dance, qualquer uma que possa ser executada por uma pessoa, eu vou escolher a minha. Se eu não conseguir excutar, eu te peço desculpas, não me aproximo a Huang Hua e fico mais respeitosa com você. Se alguém que você escolher para não conseguir, aí vai ter que liberar a caixa para o povo performar o que quiser no festival.
Só ouvi murmúrios na multidão. Ele acabou aceitando. Perguntei aos deuses se eles iriam me acompanhar ou se manter de fora, pois como os fenghuangs tinham sua própria orquestra, eles poderiam tocar o que quiser. Xuanwu respondeu por todos que os desafios seriam mais justos se usássemos a caixa, porém como Feng Zifu era contra, eles iriam ser minha trilha sonora.
O desafio que ele propôs foram justamente os tecidos e escolheu um artista circense para executá-lo. Se tivesse escolhido dança sobre um punhado de brasas, eu estaria frita, mas em tecido podiam amarrar um bambolê que nem o da Qiyana em Giants que eu faria. Os deuses tocaram Double Pride de Handsome Siblings enquanto eu me divertia com a minha performance. Todos ficaram surpresos.
- Como você...?!
- Sempre gostei de dançar. Até me arrisquei no Break Dance. E também tive um bom professor.
- E você me achando doido por te ensinar sem saber o quanto as técnicas de dança trabalharam o seu equilíbrio.
- Eu estava errada, desculpe. E obrigada por me ensinar.
- Esse será o seu desafio?
- Não, o meu desafio será uma arte esquecida da região de Guizhou, o bamboo drifting, ou como é chamada: du zhu piao. – Os fenghuangs prenderam a respiração.
- Não vejo essa técnica há anos! – Disse Huang Hua. – Você sabe fazer?!
- Meu equilíbrio é bom.
- É uma técnica muito difícil, vai ser preciso mais do que equilíbrio. – Disse Huang Jia.
- Só me dá a porra de uma vara de bambu.
- Mas antes deixe-me arrumar o seu cabelo. – Não dá para discutir com Zhuniao.
Levamos as lanternas de papel até o Rio da Serpente. Era um rio calmo e sem correnteza, era quase parado. Vi os avatares femininos dos deuses colocarem velas em barcos de madeira para iluminar o lugar e os masculinos os ajudaram. Eles podem se multiplicar?! Claro, eles são deuses! Que pergunta idiota. Peguei uma vara de bambu grossa e outra mais fina. Subi na grossa e usei a fina para remar até o meio do rio com toda a calma do mundo. Depois a coloquei por cima da grossa formando um X.
Escutei o som instrumental e olhei para a margem. Era Jujak quem estava ao lado de Qinglong. Quando ela começou a cantar, reconheci como Once Upon a Time de Era Uma Vez na Montanha. Deixei a música me embalar enquanto performava, fazendo cada movimento um mais gracioso que o outro e incorporando passos de balé e de dança tradicional, dando uns pequenos saltos sem cair do bambu. Tudo que eu ouvia era a música, nada mais importava. Quando ela acabou, voltei remando para a margem.
- Tingsi! – Karenn chegou me abraçando. – Eu não tenho palavras para descrever o que acabou de fazer!
- Você realmente conseguiu! – Gritou Alajéa.
- Estou impressionada. – Disse Huang Hua. – Como você conseguiu?
- Tive um bom professor. – Procurei por Zhuniao, mas todos os deuses tinham sumido. – Eu disse que meu equilíbrio é bom. Então, quem quer tentar?
Os poucos que tentaram se arriscar, não conseguiam ficar em cima do bambu para remar até o meio do rio. Só as crianças que ficaram tentando porque para elas aquilo tinha virado uma brincadeira e elas estavam se divertindo, para o horror dos pais. Com a caixa tocando, praticamente todo mundo podia fazer sua apresentação e até relembrar músicas que nem sabiam o nome, mas conheciam parte da letra. Eu não me apresentei mais, estava ocupada demais comendo doces e batata frita.
- Tingsi, sinceramente, como você conseguiu subir em uma vara de bambu no rio? – Perguntou Leiftan.
- Muito treino. Eu tive que andar por cima de uma vara de bambu antes de qualquer coisa.
- Você deveria ensinar os membros suas técnicas. – Disse Valkyon.
- Nem fodendo. Vocês esqueceram que há suspeita de espiões no QG? Se Ashkore descobriu sobre a máscara de gás, precisamos ter o dobro de cuidado com as informações que vazamos. Se ele souber sobre a origem de Dagma vai ser uma merda.
- Verdade, eu não tinha pensado nisso.
- Chega de falar disso, quero aproveitar o máximo que der dessa noite.
Teve teatro de sombras, uma dança dos véus que eu também participei. Acabei a noite esgotada de feliz. Voltei para o quarto e desabei na cama. Ainda tinha que arrumar as coisas para irmos embora amanhã. Eu só tive que guardar o notebook e algumas roupas e separar uma roupa para ir. Eu já estava de pijama me preparando para dormir quando ouvi um barulho que parecia ser de explosão.
Rapidamente me vesti e catei a primeira arma que encontrei na mochila, era uma espada. Eu e meus parceiros corremos para fora e nos encontramos com os outros e Feng Zifu dando ordens. Estávamos sendo atacados, claro. Sem perder tempo fomos para a praça principal, onde os fenghuangs combatiam inimigos desconhecidos, liderados por Ashkore.
A gente se jogou na batalha. Os chefes da guarda correram em direção ao mascarado. Me juntei a Dagma para lutar. Ela era boa combatente e mais impiodosa do que imaginei. Eu usei a espada, a bainha e meu wushu, acabando com as lutas em poucos golpes. Pena que os deuses não me ensinaram a cultivar a energia espiritual, senão eu estaria lutando como nos dramas.
Frostbite foi para a luta com Snowyn montado em suas costas e segurando uma vara de bambu. As mordidas e arranhões do Xylvra faziam a ferida congelar, causando dor em seus oponentes. O Pimpel surpreendeu a todos com suas habilidades de kung fu, usando a vara como apoio ou para atacar e defender, além de dar chutes com suas patas de coelho. Um raio violeta atingiu o chão, só me dando tempo de desviar. Era Naytili.
- Piranha.
- Repita se tiver coragem.
- Piranha, vou arrombar teu cu!
Ela ficou putassa e ergueu uma barreira invisível que nos isolava do resto do mundo. Ela começou a me insultar e eu devolvi cada insulto e provocação. Investi contra ela, que desviou e tentou me atacar, mas eu defendi com a bainha e ataquei com a espada, fazendo um corte na sua cintura. Ela podia ser mais forte em questão de força e soltar poderzinho, eu sou mais ágil e tenho mais técnica. Eu não tinha dificuldade para desviar de seus ataques e contratacava quase na mesma hora. Foi como Baihu me ensinou: “defenda antes de agarrar”, no caso contratacar.
Continuei lutando contra ela por algum tempo. Por incrível que pareça, eu estava levando vantagem, mesmo quando ela inventava de tacar poderzinho, eu desviava e contratacava, até que senti meu peito queimar. Era uma dor horrível. Oráculo da porra, isso é hora de você morrer?! Naytili se aproveitou para me atacar e com a dor que eu sentia, acabei levando alguns golpes, mas consegui me defender dos fatais. Minha espada foi ao chão.
Tive uma ideia muito arriscada. Xinguei ela de tudo quanto era nome e a provoquei tanto que ela ficou tão puta que veio me atacar. A essa altura eu tinha recuado até a barreira. Então quando ela me atacou, eu desviei e em seguida estalei o Zidian no rosto dela. Ele não só cortou o rosto dela como a arremessou de encontro à parede da barreira. Eu nem dei tempo dela se levantar, fiquei chicoteando ela de encontro à barreira tipo aquelas apelações que fazia no videogame quando jogava contra um amigo e ele ficava puto. Se eu não fizesse isso, estaria perdida.
Na terceira vez que o Zidian bateu na barreira, ela quebrou. A dor que eu sentia era enorme, tanto que eu nem recuperei a minha espada e não tinha mais força para chicotear. Dagma também a sentia, o que forçou Ezarel a recuar para protegê-la. Leiftan quem veio ao meu socorro e me segurou.
- Menina, ouço as súplicas dos Fenghuangs e preces direcionadas para mim. Não posso ignorá-los. É meu dever zelar por aqueles que precisam da minha ajuda e proteger meus templos, mas não posso fazer isso sozinho. Preciso da sua ajuda.
- Faça o que tem que fazer.
- Você me permite?
- Sim.
===Dagma===
- Nevra, fique com ela!
Reconheci a voz de Ezarel, mas não o via. A dor em meu peito era insuportável, eu sabia que era o Oráculo. Senti alguém me amparar, mas não sabia que era. Uma sensação calorosa passou por mim. A dor passou e pude ver que estava nos braços do Nevra. Tingsi estava em pé, mas os olhos dela brilhavam e uma sensação poderosa emanava dela.
- Avisarei apenas uma vez: saiam do meu templo.
A voz não era dela e sim uma espécie de grasnado furioso. Naytili tentou atacá-la. Uma espécie de redemoinho de fogo envolveu a Tingsi, fazendo o Leiftan recuar e transformou Naytili em cinzas. O fogo foi em direção aos céus, mas logo se dissipou, revelando uma ave vermelha maior que o templo, sua plumagem incandecente iluminava os céus. Ela parecia a estátua do altar de fogo. Todos estavam incrédulos, ouvi murmúrios se alastrarem pela multidão, mas só consegui escutar uma palavra: Suzaku.
Muitos inimigos começaram a recuar, outros mais corajosos foram enfrentá-lo. Ele incendiou o templo inteiro, mas a guarda de Eel e os fenghuangs não foram afetados, enquanto nossos inimigos tinham virado cinzas, sobrando apenas as roupas. Ashkore não estava entre eles, deve ter fugido. A ave sumiu e Tingsi desmaiou nos braços do Leiftan. Fomos cambaleando até eles.
- O que aconteceu? – Perguntei.
- Eu também queria saber. – Disse Leiftan.
- Os fenghugans estavam falando em Suzaku, não? – Lembrou Nevra. – É o antigo deus deles, acho que ele usou o corpo da Tingsi para se manifestar.
- Como isso pode ser possível?!
- Nevra, suas costas! – Foi então que notei o arranhão que ele tinha.
- Está tudo bem. E você, como, está? Eu não entendi o que aconteceu.
- Foi o Oráculo. A dor era insuportável, mas passou.
Muitos saíram do templo para ver o que tinha acontecido. Não paravam de falar da aparição do Suzaku. Ewelein mandou que todos fossem para dentro para ela e Huang Jia nos examinarem. Só então eu percebi que além do Nevra, Ezarel e Valkyon também tinham sido feridos. Leiftan tinha alguns cortes superficiais apenas. Karenn, Chrome e Alajéa ficaram no templo o tempo todo e foram ajudar Ewelein com os feridos. Eu só queria saber o que aconteceu.
Notes:
Parece que o festival foi agitado. Quem não viu The Untamed da Netflix, veja, é o live action de Mo Dao Zhu Shi e é muito bom. Principalmente o destaque que deram para as personagens femininas. E procurem a música tema, Wuji, é muito boa.
Handsome Siblings também é uma série boa, eu gostei bastante da premissa (embora muitas vezes a protagonista feminina me dê raiva várias vezes). Outra série boa para ver é Princesa Weiyang, que infelizmente não coloquei nenhuma música.
Era uma vez na montanha é uma série que se propunha a ser um besteirol, aí depois se levou a sério até que perdi o interesse, mas terminei. Mas a música Once Upon a Time é muito boa.
Chapter 46: Capítulo 46
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
===Tingsi===
Acordei com os raios solares na minha cara. Eu não me sentia cansada, muito pelo contrário. Minha espada estava embainhada na cabeceira.
- Já está acordada?! – A voz era de Huang Jia.
- Por que está aqui?
- Fui designada para cuidar de você
- Valeu, eu não preciso que cuidem de mim.
- Você tem alguma ideia do que aconteceu?
Buscando na memória, vi um monte de marmanjo puto apanhando para um Pimpel com uma vara de bambu, lutei contra Naytili e senti uma puta dor no peito. Lembro de conversar com Zhuniao também.
- Não.
- O Suzaku se manifestou usando o seu corpo e acabou com nossos inimigos.
- Ok. – Dei de ombros.
- Acho que você não entendeu a gravidade da situação.
- Vamos ver, minha vida está ligada ao Oráculo, eu estou morrendo e uma entidade baixou no meu corpo. Nada de anormal.
Mal saí do quarto e dei de cara com alguns Fenghuangs, que comemoraram por eu ter acordado. Achei estranho.
- Você não é a garota que permitiu que o Suzaku...?
- Não faço consulta e ele tem mais o que fazer.
Huang Jia me pegou pelo braço e me levou de volta ao meu quarto. Talvez em um ato de pânico, pois estava surpresa.
- Não precisava ter sido mal-educada.
- Ah, precisava. Encarnar espíritos é uma responsabilidade grande demais que eu não quero ter. Justamente pelo Suzaku ser um deus, as pessoas vão se aproveitar para me pedir todo tipo de favor, tentar falar com ele ou me fazer todo tipo de pergunta idiota.
- O que te faz pensar isso?
- É a natureza das pessoas. Se você tem uma amiga bonita ou conhece alguém com algum tipo de influência, as pessoas tentam se aproveitar. Você mesma deve estar curiosa sobre o Suzaku.
Ela não falou nada, apenas disse que me examinaria e depois me levaria para o quarto da Huang Hua. Assim o fez. Quando eu entrei no quarto, estava todo mundo lá. Leiftan e Valkyon estavam extremamente preocupados, embora eles tivessem mais cortes do que eu. Eles estavam tentando descobrir o que aconteceu ontem à noite.
- Tingsi, você tem ideia do que aconteceu? – Perguntou Huang Hua com doçura.
- Quase morri por causa da merda do Oráculo e baixou o Suzaku no meu corpo?
- Tingsi! – Dagma reclamou.
- Que foi? Você também sentiu e sabe como foi difícil continuar.
- Apesar do que aconteceu, a presença do Suzaku renovou a esperança dos fenghuangs. – Tornou a dizer Huang Hua. – Acredito que ele tenha escolhido Tingsi para ser sua porta-voz.
- Teu cu! – Me assustei ao ouvir a voz dele, sendo que ele estava muito puto.
- Ou talvez seja porque ele queria defender sua casa e eu sou a única médium presente. Não é incomum na Terra ter pessoas que recebem entidades. No Brasil, tinha gente que recebia até orixás e olha que eles são deuses iorubás. Falar nisso bateu uma saudade de comer um acarajé. Infelizmente eu não sei a receita. Eu devia ter pedido à Damiana.
- Tivemos uma batalha ontem à noite, vários mortos, você quase morreu, foi possuída por um deus e tudo que você pensa é em comer acarajé?! – Perguntou meu chefe.
- Estou com fome! Ainda não comi nada.
- Dagma, você não parou de sentir dor quando a Tingsi foi possuída pelo Suzaku? – Disse Nevra.
- Sim, acha que isso foi obra dele?
- Provavelmente. – Disse Huang Hua.
Realmente, eu não estava mais sentindo dor, mas duvido que Zhuniao tenha rompido a nossa ligação. De qualquer forma, eu preciso falar com ele. Preciso saber como ele está. Antes eu passei no refeitório, estava morrendo de fome. Nem perguntei ao Karuto o nome do prato.
- Alguém acordou com apetite.
- Você não imagina e sua comida está cada dia mais deliciosa.
- Eu sei, não é mesmo?
- E também eu preciso saciar minha vontade já que não posso comer acarajé.
- Mas você cismou com acarajé! – Tornou a dizer Valkyon.
- O que é acarajé?
- É um bolinho frito com azeite de dendê que tem camarão e um monte de coisa dentro.
- Como é isso aí?
Tive que tirar o celular do bolso para mostrar o que era para o Karuto e procurar a receita. Mais um faery que se assusta com celular. A maioria dos ingredientes não tinha em Eldarya e ninguém era familiarizado com a cozinha baiana, nem mesmo eu. Só conheci graças a Damiana, que nos convidou para passar São João na cidade natal dela, Bom Jesus da Macaxeira. É uma cidade no interior da Bahia, mas para chegar lá a gente tinha que ir para Salvador, onde ficamos alguns dias para curtir a cidade. Tudo pago por Yeva, é claro.
- Dagma, você não comeu quase nada. – Escutei Ezarel dizer. – Está tudo bem?
- Estou sem fome e um pouco cansada.
- É melhor você voltar para o quarto e descansar. Nós ainda temos que ajudar os fenghuangs a preparar os corpos para o funeral.
- Você também, Tingsi. – Disse Leiftan. – Devido as circunstâncias, talvez seja melhor não fazer esforço.
- Vocês dois estão piores do que eu. Talvez devessem descansar mais do que eu.
- Mas você foi possuída. – Disse Valkyon. – Não sei como você não dormiu por dias.
Pedi para Dagma descansar comigo, pois se uma passasse mal, a outra poderia socorrer. Ela queria que a Huang Jia também ficasse conosco, coisa que neguei de cara, afinal estávamos em plenas condições. Fomos para o meu quarto. Frostbite tinha surgido com vários novos ovos. Guardei todos, pois iria chocá-los depois.
- Você pretende chocar mais mascotes?
- Claro. Eu adoro mascotes.
- Você acha que a aparição do Suzaku pode ser um sinal?
- Claro que não. Apesar de ele ter diminuído nossa ligação, ela ainda está lá.
- Por que ele faria isso?
- Ele não poderia me possuir enquanto estivesse morrendo e esse é o templo dele, ele não iria permitir que o destruíssem.
- Mas ele não apareceu da primeira vez que destruíram o templo. Está claro que ele te escolheu.
- Ele não me escolheu. Quer saber, vem comigo.
- Para onde?
- Você vai saber.
Peguei a minha caixa, sentei na cama e pedi para que ela também a tocasse. Em seguida iríamos meditar. Mesmo contrariada, ela fez o que pedi. Nos levei até o quintal dos deuses. Tive que ensiná-la alguns exercícios de respiração para que pudesse respirar melhor.
- Onde estamos?
- Essa é uma camada mais distante do mundo espiritual.
- E você não deveria estar aqui. – Disse a serpente de forma ácida.
- Xuanwu, que bom que te encontrei!
- Agradeça que fui eu e não o Tigre. O que ela faz aqui?
- Vim visitar Zhuniao. Onde ele está?
- Xuanwu? Mas esse não...?
- Xuanwu é o nome dele em chinês, vocês o conhecem pelo nome japonês. Genbu.
Dagma se ajoelhou e curvou a cabeça em sinal de respeito. Mandei ela se levantar porque estava passando vergonha.
- Xuanwu, onde está Zhuniao? Você ainda não me respondeu.
- Ateando fogo em seu próprio palácio devido sua fúria. – Respondeu a tartaruga.
- Você sabe o quanto o Pássaro pode ser dramático.
- Eu posso vê-lo? Queria saber como ele está.
- Você sabe que não pode acessar o plano celestial. – Tornou a dizer a tartaruga. – Não se preocupe, não é incomum Suzaku reduzir seu palácio a cinzas, virar um ovo e renascer. Direi a ele que esteve preocupada o procurando.
- Obrigada.
- Suzaku é Zhuniao?! O homem de vermelho?!
- Na verdade aquilo são avatares deles. – Expliquei. – Eles não podem andar em sua verdadeira forma pelo mundo material.
- Caso contrário poderíamos causar problemas. Por isso precisamos dos avatares ou então encarnar em alguém. Tingsi possui grande poder espiritual e treinamento dado por nós, então é a melhor opção para encarnarmos.
- Mas para isso é preciso que ela nos dê permissão. – Complementou a serpente. – Caso contrário o Pássaro agirá e lutará contra nós, isso se não destruirmos seu corpo com a possessão.
- Foi a regra que criamos para impedir que outros deuses saiam possuindo qualquer um.
- Então quer dizer que ele não a escolheu?
- Claro que não. Ele nunca disse isso ou a pediu, isso é coisa das cabeças de vocês.
- Xuanwu, muito obrigada. – Agradeci de novo. – Voltarei quando Zhuniao estiver melhor.
- Deveria se preocupar mais com você. Zhuque pode ter enfraquecido o elo apenas para que vocês se recuperassem, mas não será permanente.
- Sei disso.
- Obrigada. – Disse Dagma. – Por me explicar.
- Deve ir antes que o Tigre a veja.
- Antes de ir, por que o Suzaku, digo, Zhuniao está furioso?
- Nenhum deus fica feliz quando destroem seus templos e atacam seus devotos. Ele também se culpa por ter colocado Tingsi em uma situação desconfortável.
- Eu não o culpo, mas é bom arrumar um Dramim para ele e outro para mim.
- Há chás calmantes em Eldarya, não precisará de Dramim.
- Tem razão, Prozac é melhor.
- O que é isso?
- Eu te explico no caminho.
Me despedi de Xuanwu e nos levei de volta ao mundo material. Dagma mal acreditava no que tinha acabado de acontecer.
- Aquilo foi mesmo real?
- Claro que foi. Eu os conheço desde criança e eles têm me ajudado desde que caí em Eldarya.
- Isso quer dizer que...?
- Não! Não sou escolhida por eles ou qualquer merda do tipo. Somos amigos ou mestre e aprendiz, mas nada dessa merda.
- É que é difícil acreditar.
- Por que acha que te levei até lá? Eu não estou com paciência para te explicar e te mandar à merda também. – Suspirei pensarosa. – Também estou preocupada com Zhuniao.
- O que o enfureceu tanto assim?
- Bem, essa é a casa dele, os fenghuangs são um dos povos dele e eu sou amiga e aprendiz dele. Fora que a gente não sabe os sentimentos dele por nossos inimigos.
- Entendo. Quando ele te possuiu, ele incendiou o templo e transformou os adversários em cinzas, mas deixou as roupas para identificá-los. Foi algo parecido com o que aconteceu na base dos templários. Acha que ele possa ser o meu pai?
- Sou capaz de apostar meu cu que não.
- Por quê?
- Os deuses têm uma regra que os impede de interferir diretamente no mundo material. Claro que tem algumas exceções. Zhuniao tem a ética como atributo, ele é responsável por impedir os outros deuses de interferir, por pior que seja o resultado. Ele leva o trabalho tão a sério que quando eu pensava em me matar, ele iria impedir os outros deuses, não a mim.
Dagma ficou chocada. Por mais que doesse em mim e eu tenha ficado chateada, eu entendo que é o trabalho dele. A forma que ele me olhou quando pus o corpo para fora da janela. Era como se ele me pedisse perdão ao mesmo em que lutava contra a tristeza, mas ele não perdeu a pose. Eu não gosto de me lembrar disso. Os olhares dos deuses naquele dia fazem o meu coração se apertar.
- Não o culpe, é o trabalho dele. Por isso sei que ele não incendiaria uma base inteira para recuperar o corpo da sua mãe.
- Entendo. Eles sabem o que nós somos?
- Sabem, mas não vão dizer. Isso é problema nosso e a gente que se foda para descobrir. A propósito, se os vir, os trate como gente normal. Eles odeiam cerimônia e bajulação.
- Certo. Valkyon e Leiftan sabem?
- Não. Quanto menos gente souber melhor. Eu só te mostrei porque confio em você e porque Xuanwu disse que o Oráculo uniu nossos destinos de forma que vamos parir o mesmo número de filhos em épocas próximas.
- E você só me diz isso agora?!
- Você não ia acreditar.
- O que está planejando?
- Nada. Eu só quero que esse pesadelo acabe.
O funeral seria no dia seguinte antes do pôr do sol. Dagma não queria ficar trancada no quarto, então sugeri que fôssemos treinar e que a mostraria alguns golpes que aprendi com os deuses, mas que poderia aprender em qualquer academia de luta. Também iríamos ver se os outros estavam bem.
Mal saí do quarto e veio gente encher o meu saco dizendo que eu fui escolhida pelo Suzaku ou devia ser uma sacerdotisa do Suzaku. Mandei todo mundo à merda. Pelo menos nossos amigos estão bem, mesmo que Chrome esteja usando um tapa olho, mas está tudo bem e ficou legal nele. Conseguimos treinar um pouco e ensinei para ela a garra de dragão.
- Tingsi, eu ouvi sobre o seu comportamento. – Disse Valkyon. – O que deu em você?
- O que deu em mim é que estou cansada de repetir que não fui escolhida por caralho de Suzaku nenhum! É tão difícil de entender ou esse povo fez curso para burro?!
- Se acalme, você está sendo injusta.
- Não dá, estou puta! Que saco!
- Tingsi!
Nem o ouvi. Voltei para o quarto e fiquei por lá.
===Dagma===
O comportamento de Tingsi deixou todos perplexos. Eu entendo o que está acontecendo, ver Genbu ou Xuanwu e conversar com Tingsi me fizeram compreender os deuses melhor. Tingsi está visivelmente estressada com esse assunto. A relação dela com o Suzaku é de amizade, ela só estava ajudando um amigo, por isso não se abalou com a possessão. Porém todos no templo acham que ele a escolheu e não entendem por que foi justamente uma humana sem escrúpulos.
- O que deu nela?! – Perguntou Nevra, Valkyon só suspirou.
- Ela está estressada com esse assunto. – Respondi. – Se ela disse que não foi escolhida, então devemos parar de dizer o oposto.
- Mas Dagma....
- Nevra, não podemos dizer o que os deuses decidem ou não e muito menos supor quais são os planos deles. Pensem comigo, se ela tivesse sido escolhida, ou ela diria ou o Suzaku teria dito ou deixado algum sinal mais claro. Tingsi é sensível a espíritos, por que não a deuses?
- Essa foi a coisa mais inteligente que ouvi o dia todo.
O avatar do Suzaku tinha surgido no corredor. Nós gelamos ao vê-lo. Estava visivelmente estressado e emanava uma aura perigosa.
- Su.... Zhuniao, você está bem.
- Estou longe de bem.
- O que faz aqui? – Perguntou Leiftan.
- Eu moro aqui.
- Tingsi estava te procurando. – Resolvi intervir. – Ela estava preocupada.
- Eu sei. – Sua voz amenizou e por alguns instantes ele olhou para o chão.
- Ela ficou bem estressada.
- Não posso culpá-la. Ter que explicar a mesma coisa repetidas vezes é estressante, principalmente quando as pessoas próximas não acreditam em você. – Ele olhou para Valkyon e Leiftan com certa pena. – Eu lhes peço para ter paciência e evitar mais problemas. Curem seus corpos. Eu sei de um lugar que pode ajudá-los.
Ele deu o endereço de um lugar para os rapazes e depois simplesmente se virou e foi embora. Decidi segui-lo. Ele só parou quando estávamos longe dos outros o bastante.
- Suzaku.
- Apesar de não me importar por qual nome me chame, sugiro que use Zhuniao ou Zhuque quando estiver usando meu avatar. Acredite, você não vai querer esse tipo de atenção.
- Certo. Você veio ver a Tingsi?
- Sim e prestar homenagens àqueles que se foram durante a batalha.
- Entendo, mas por que não apareceu antes de Tingsi sair correndo?
- Ela está preocupada comigo e eu causei problemas demais atraindo essa atenção desnecessária para ela. Uma aparição pública só traria mais problemas e nesse momento é mais prudente evitá-los.
Ele parou na porta do quarto da Tingsi e entrou. Ela o abraçou com força. Achei melhor deixá-los conversar. Os fenghuangs tinham opiniões diversas sobre o homem de vermelho. Todas as perspectivas que eu tinha estavam erradas.
===Leiftan===
Tinha sido um dia trabalhoso, mas estava longe de terminar. Decidi que só voltaria para o quarto com Valkyon por conta do estresse de Tingsi. Fazia tempo desde que a vi estressada desse jeito. Quando abrimos a porta, vimos que ela estava meditando.
- Ficou o dia todo no quarto? – Perguntou Valkyon.
- Sim. Desculpa. Eu não devia ter descontado em você.
- Está tudo bem.
- Eu não entendo a razão do seu estresse. – Comentei. – Mas sei que tem seus motivos.
- É essa situação toda! O Oráculo, nossa missão, o pessoal me chamando de sacerdotisa do Suzaku, toda hora morte ou quase morte, estou exausta!
- Desde que o cristal foi quebrado, não tem sido fácil. – Valkyon se sentou ao lado dela. – Eu sei que prometi que faria de tudo para que fosse feliz aqui, mas....
- Não é culpa sua. – Ela o interrompeu e acariciou seu rosto. – Tem tanta coisa acontecendo que mal dá tempo para respirar.
- Em breve voltaremos ao QG. – Sentei-me na cama. – Esse pesadelo vai terminar, eu prometo. – Peguei sua mão e a beijei.
- Pode até ser, mas enquanto minha vida estiver ligada ao Oráculo, o verdadeiro pesadelo nunca vai acabar.
Quase não dormi de tanto que refleti suas palavras. No dia seguinte Tingsi foi à biblioteca. Os Fenghuangs possuem uma história muito rica, talvez ela se distraia um pouco de sua condição. Valkyon tinha ido até uma caverna secreta, subindo o Rio da Serpente, para curar seu corpo, como Zhuniao havia sugerido. Fui encontrá-lo.
A caverna era fria e úmida, havia um lago formado pela nascete de um dos afluentes que compunham o rio e Valkyon meditava dentro dele. Suas roupas estavam cuidadosamente dobradas na margem. Retirei minhas próprias roupas e entrei na água. Estava gelada, me fazendo estremecer, mas faria bem aos hematomas da batalha.
- Veio curar seus ferimentos também? – Ele me perguntou.
- Na verdade, eu precisava falar com você em particular. É sobre a ligação de Tingsi com o Oráculo.
- Essa ligação a tem afetado cada dia mais, até mesmo aqui.
- Estava me perguntando o que poderíamos fazer para rompê-la.
- Eu também. Não pouparei esforços para encontrar todos os fragmentos do cristal e restaurá-lo. Quem sabe assim o Oráculo liberte as duas.
- Espero que possa ser o suficiente. Ainda assim farei o que puder para romper esse elo.
Ele estava tão preocupado com a condição de Tingsi quanto eu. Atirei-me em seus braços para confortá-lo e também para me aquecer. Seu corpo era quente e convidativo, como eu poderia resistir? Eu o beijei. Valkyon estava tão fragilizado que me retribuiu sem pensar. Desci meus lábios pelo seu pescoço em direção ao seu peito, enquanto colava minha virilha à sua.
- Leiftan, o que você está fazendo?
- Toda essa situação está nos afetando mais do que deveria. Eu queria te fazer se sentir melhor.
- Obrigado, mas não é uma boa hora para isso. A gente ainda tem que se preparar para o velório e eu não sei como Tingsi vai reagir à notícia de não poder levar qualquer arma para lá, nem mesmo o Zidian.
- Você está falando sério? Zidian é o que tem a protegido ultimamente.
- Infelizmente são ordens de Feng Zifu e estamos em território fenghuang.
- Nesse caso, deixe-me ajudá-lo.
Convencer Tingsi a se separar do Zidian foi um pesadelo. Ela xingou Feng Zifu de todos os nomes possíveis e ameaçou não ir ao funeral ou ir e levar Zidian escondido, pois ele tinha a forma de um anel. Ela apenas cedeu porque era um pedido meu. Por ser uma arma espiritual, ele só obedece a quem reconhecer como dono ou a quem o dono autorizar, se eu roubá-lo ele não irá me obedecer e talvez me mate. Ela o deu para Snowyn. Mesmo Ashkore sendo meu aliado, ver o exército dele perder para o Pimpel foi ridículo e ao mesmo tempo satisfatório.
No funeral, os chefes da guarda e eu estávamos perto de Huang Hua e Feng Zifu. Vi Tingsi chegar usando um vestido preto decotado e sem mangas com a saia esvoaçante. Seu cabelo estava meio preso. Ela estava linda e chamava atenção, preto lhe caía muito bem. Era diferente da roupa que eu tinha visto anteriormente para o funeral, claramente ela quer afrontar Feng Zifu. Não pude evitar de sorrir ao ver as bochechas do fenghuang serem tingidas de vermelho. Tingsi preferiu ficar com seus amigos do QG e Huang Jia, que estava junto ao grupo por ser amiga de Dagma.
Os corpos jaziam sobre um manto de flores. Eram três fenghuangs, os corpos dos inimigos que não foram incinerados seriam cremados mais tarde. Uma luz dourada emergiu quando o primeiro corpo entrou no mausoléu, havia tristeza nos rostos de cada um dos presentes, mas meus olhos não desviavam de Tingsi.
Ela segurou a mão de Huang Jia enquanto assistia ao funeral, deixando a fenghuang vermelha e a mim com uma pontada de ciúmes. Seu rosto mostrava que estava se esforçando para parecer forte. Algum tempo depois, ela deitou a cabeça no ombro da fenghuang sem soltar sua mão, a deixando mais desconfortável e a forçando olhar para ela. Quando Zhuniao apareceu e a levou, sendo seguido por Huang Jia e Dagma, foi que eu percebi que ela estava passando mal.
Eu não precisava olhar para o lado para saber que Valkyon estava comigo. Nada mais importava naquela hora, tudo que eu queria era alcançá-los. Nós os alcançamos na margem do rio. O homem de vermelho pegou a água do rio com um copo e estendeu para Tingsi.
- Beba.
Ela bebeu sem hesitar. Tingsi começou a cuspir uma espécie de gosma cinzenta. Valkyon e eu corremos para ampará-la, mas Zhuniao se interpôs entre nós.
- Você confia em mim?
- Sim.
- Então venha comigo.
Ele lhe estendeu a mão e ela a aceitou. Ele a levou para o meio do rio, a segurou e a colocou debaixo d’água. Imediatamente tentamos entrar para resgatá-la, mas sentimos uma força tão poderosa emanando dele que paralisamos na margem. Ele ergueu Tingsi da água e a trouxe até a margem, mas para longe de nós e fez um gesto para não nos aproximarmos.
- Zhuniao, o que aconteceu? – Ela perguntou.
- Conversaremos sobre isso mais tarde, menina. Adorei o seu vestido, eu teria usado mais joias para parecer a viúva rica.
- Do jeito que você é, teria usado algo mais dramático.
- Onde está Zidian?
- Eu tive que dar ao Snowyn.
- Nunca mais se separe dele. E o prendedor que eu te emprestei, não está usando por quê? Esqueça. Deite-se um pouco, você parece cansada.
Ele se sentou em posição de lótus e ela colocou a cabeça em suas pernas. Ela não demorou a adormecer, mas nós pudemos finalmente nos aproximar dela. Huang Jia pegou seu pulso para verificá-lo.
- O que você fez?! – Perguntou Valkyon.
- Evitei uma grande dor de cabeça. Vocês são idiotas?! Como vocês puderam deixar alguém com esse nível de poder espiritual chegar perto do Mausoléu das Águias sem qualquer tipo de proteção?!
- O que exatamente aconteceu? – Perguntou Dagma.
- Ela quase teve seu corpo tomado por um monte de espíritos de uma só vez.
- Como isso aconteceu?! – Perguntei incrédulo.
- Ela lida com espíritos desde a Terra, foi para um plano espiritual junto ao Oráculo, emprestou seu corpo para um deus e está em um lugar cheio de espíritos. Seu corpo está fraco e suas barreiras espirituais debilitadas. Como isso pode ter acontecido?
Valkyon e eu nos entreolhamos culpados. Nós devíamos tê-la deixado com Zidian ou impedi-la de ir al funeral.
- Você a mergulhou no rio para purificá-la, se não me engano. – Pronunciou Huang Jia.
- Exatamente. Tive que remover qualquer influência dos espíritos sobre ela. A água deste rio possui efeito purificador.
- Todos os Fenghuangs sabem disso.
- E mesmo assim não teve um que percebeu e a trouxe para cá. O que estão fazendo parados aí? Vão buscar uma toalha e roupas secas. Um pente também seria bom.
- Se me permite, gostaria de levá-la para dentro.
- Deixo-a em suas mãos. Se me der licença, tenho que puxar as orelhas de alguns líderes.
Ele a entregou para a fenghuang, se levantou e voltou para o templo. Valkyon a carregou nos braços até o nosso quarto enquanto eu escolhia alguma roupa para que ela vestisse. Huang Jia não nos acompanhou. Dagma ficou encarregada de vesti-la. Nós a esperamos terminar na porta do quarto. Huang Jia retornou com alguns remédios e elixires e entrou no quarto. Valkyon e eu estávamos preocupados com o que estava acontecendo naquele quarto. Quando fomos autorizados a entrar, vimos que Dagma penteava seu cabelo enquanto Huang Jia a fazia beber algum líquido.
- Isso deve estabilizar a pressão dela. Já a mediquei quanto a outros fatores. Ela ficará bem.
- Obrigado. – Valkyon e eu agradecemos.
- No momento, é melhor a deixarem descansar. Poderiam explicar a situação à Dama Huang Hua por mim? Se me permitem, eu gostaria de observá-la de perto. Para ter certeza.
- Claro. – Valkyon concordou. – Sei que temos Ewelein, mas sinto que posso confiar em você.
- Isso me tranquilizaria. – Admiti. – Eu não saberia lidar caso algo acontecesse com ela.
- Acho melhor eu voltar para Ezarel e Nevra. – Disse Dagma. – Eles devem estar preocupados.
Deixamos Huang Jia no quarto e fomos para o altar de fogo. Valkyon pôs a mão em meu ombro e eu o puxei para os meus braços. Seus sentimentos em relação à Tingsi são sinceros e naquela situação, compartilhávamos os mesmos sentimentos. Nunca fui próximo dele, sequer me importava com ele, mas naquele momento eu precisava ser forte por nós dois.
===Tingsi===
Acordei com a cabeça latejando. Parecia uma bela de uma ressaca, o melhor a fazer era não pensar naquilo.
- Você acordou.
- Huang Jia?!
- Devagar, você ainda não se recuperou.
Ela veio me amparar, pois minha visão tinha embaçado. O que ela fazia no meu quarto? Esperei minha visão se estabilizar ou não serviria de nada. Ela segurava as minhas costas, estando perto o suficiente para que eu pudesse sentir seu cheiro, algo semelhante a peônia e orvalho. Saí de perto o mais rápido que pude.
- Está tudo bem?
- É só dor de cabeça. Consigo sentir meu cérebro pulsando. Tem remédio para isso?
Ela pegou uma bolinha e me deu para tomar. Observei melhor o quarto. Era noite lá fora, era para Valkyon e Leiftan estarem aqui, mas estávamos apenas nós duas. Meu coração falhou uma batida, então tratei de afastar qualquer pensamento. Olhei para o meu corpo e que merda eu estava vestindo?! Eu estava com um vestido todo delicadinho que parecia um babydoll que meus mascotes acharam na exploração. Arranquei aquele vestido e coloquei uma camiseta do Simple Plan que eu roubei do Isaiah quando ainda morava em Reims e eu estava na minha fase emo.
- Você poderia ao menos me avisar quando fosse trocar de roupa! – Reclamou Huang Jia cobrindo os olhos.
- Até parece que você nunca viu um corpo.
- Pelos deuses, isso foi inadequado!
- Por quanto tempo eu dormi?
- Algumas horas.
- Só?
- Qual a última coisa que você se lembra?
- De Zhuniao falando do meu vestido. Onde estão Leiftan e Valkyon?
- No quarto de minha irmã, mas logo devem estar de volta.
- Você não vai para a reunião também?
- Não, eu preciso ficar com você até alguém chegar.
Eu não iria esperar, muito menos sozinha com ela. Peguei o Zidian de volta, calcei qualquer merda e fui atrás deles. Huang Jia tentou me impedir, mas ela não me conhecia. Quando entrei, todos ficaram surpresos. Huang Hua veio me abraçar antes que meus parceiros tivessem essa chance. Ela tinha lágrimas nos olhos.
- Tingsi, você está bem? Eu sinto muitíssimo por não ter percebido.
- Está tudo bem.
- Fiquei tão preocupada.
Não sabia o que dizer, esperei até que Haung Jia chamasse a atenção da irmã e ficasse livre dela. Valkyon me abraçou em seguida.
- Fico feliz que esteja bem.
- Minhas costelas não. Você está me esmagando. – Ele me soltou na hora.
- Desculpe.
- Não precisam ficar assim. Eu estou....
- Acordada e viva. – Disse Leiftan antes de me abraçar.
- É.
- E o que você está vestindo?! – Perguntou o velho cagado. – Isso é totalmente inadequado.
- Essa não foi a roupa que Huang Jia e eu a vestimos. – Disse Dagma.
- Ela não fazia o meu estilo e como estava sem paciência para roupa, peguei essa blusa que roubei do Isaiah.
- Você o que?!
- É forma de dizer. Peguei emprestada e nunca mais devolvi.
- Por que você não devolveu? – Perguntou Leiftan.
- Porque eu gostava dela e acabei ficando. Na Terra, muitas garotas têm o costume de roubar blusas do namorado, do irmão e até do pai. Elas viram ótimos vestidinhos e pijamas.
- O QUE?!
- Dagma, você tem que usar a minha! – Exclamou Nevra para que todos o ouvissem.
Como aquilo tinha virado bagunça, resolvi sair e voltar para o quarto. Ainda tinha que me preparar para o jantar. Coloquei um cinto, um coturno de cano baixo, luvas de rede e uma gargantilha e fui. Caguei para a opinião alheia durante o jantar e voltei para o quarto com os meus parceiros, tirando tudo e deixando só a camiseta para dormir.
- Não vai trocar o pijama? – Perguntou Leiftan enciumado.
- Estou com preguiça e eu durmo com ela às vezes. Você não precisa ter ciúme de algo que eu peguei há 8 ou 9 anos. Já até virou minha.
- Você usaria uma das nossas blusas? – Dessa vez era o Valkyon que estava com ciúmes.
- Valkyon, que blusa que você usa?! Eu sei que dormir com blusa e calcinha é comum, mas nem isso dá para fazer. E quanto ao Leiftan, falta tecido.
- O que quer dizer? – Perguntou o próprio.
Eu tive que colocar as blusas deles para que percebessem o problema. Só assim eles pararam de implicar com a minha blusa roubada. Antes fosse só isso de problema. A gente não podia voltar até que eu me recuperasse, só que eu não ficava mais sozinha. Tinha sempre alguém de olho em mim. Quando não era Valkyon ou Leiftan, era Karenn, Alajéa, Chrome e até Huang Jia. Essa tortura se seguiu por dois dias, o único momento de paz que eu tinha era quando Dagma queria treinar e mesmo assim ela também estava de olho em mim.
Para piorar, todo mundo me chamava de sacerdotisa do Suzaku, me perguntava sobre ele ou falava algum caralho de benção, mas eu mandava à merda. Fora que meus poderes tinham aumentado muito. Os deuses estavam me ensinando a criar e fortalecer minhas barreiras espirituais. Xuanwu disse que eu estava no caminho do cultivo, mas que nenhum deles iria me ensinar. Eu até aprenderia sozinha, se não estivesse estressada. Ainda bem que consegui dar um sumiço nas minhas babás para grafitar a parte de trás do muro do templo. Eu não sou de grafitar templos, mas o tédio e a raiva eram tantos que o grafite se tornou minha válvula de escape.
Era mais uma noite no templo Fenghuang, eu tinha despistados minhas babás. A lua cheia apontava ao longe, brilhando com todo o seu esplendor. O vento acariciava gentilmente meu cabelo, quase como se estivesse chamando pelo meu nome. Como se conhecesse minha história.
- Tingsi, está tudo bem? – Perguntou Valkyon surgindo da puta que pariu.
- Claro que está. O que te dá essa impressão?
- Está parada olhando para o nada há horas.
- Eu só estou olhando a lua.
- É uma bela noite, não é mesmo? – Dessa vez foi Leiftan quem apareceu da puta que pariu.
- Sim, está. Eu quase consigo escutá-la me chamando. – Os dois trocaram um olhar rápido. – Não me olhem assim, eu escuto muitas vozes, até o Oráculo aparece de vez em quando.
- Nós sabemos disso.
- Por isso que nos preocupamos com você. – Tornou a dizer Valkyon.
- E também por você sempre se meter em confusão.
Respirei fundo. Ambos se sentaram, cada um de um lado, em silêncio. Apenas olhávamos o céu noturno. Fechei os olhos para apreciar melhor o momento. Quando os abri, tive o vislumbre de algo reluzente. Saí de perto deles com a desculpa de que iria mijar e deixei o Jardim do Grou Branco. Não queria que eles me seguissem, eu estava cansada de ter babá. Eu sei que estão preocupados, mas porra, eu preciso de espaço!
Eu não sabia onde estava indo, apenas que havia deixado o templo. Seja lá o que tenha sido, foi embora. Foi então que ouvi alguém cantarolar. Era um vulto encoberto por um capuz da cor da noite. Tudo que eu conseguia ver era seu cabelo branco reluzente. Recuei e me pus em posição de batalha.
- Está tudo bem, criança. Não precisa ter medo. Apenas me siga.
- E por que eu seguiria um completo estranho?
- Não quer ficar livre de seus companheiros, nem que seja por algumas horas?
O estranho vulto saiu da praça central e eu o segui. Fui para o vale tranquilo, o lugar mais aberto dali. Não havia qualquer sinal da pessoa que tinha seguido.
- E então Alice seguiu o coelho branco.
- Quem é você?! Apareça, covarde!
Nada. Ele não apareceu e eu não conseguia ver nada. Tudo que eu ouvia era o farfalhar do vento nas folhas das árvores. De repente eu escutei alguém cantarolar. Eu conhecia aquela música, eu devo tê-la ouvido uma vez ou outra, mas não sabia de onde, talvez de outra vida.
- Listen, my child! You say to me. I am the Voice of your history. Be not afraid, come follow me. Answer my call and I'll set you free!
O vento se tornou mais forte após o último verso ser cantado em notas altas, Lapis voaram das árvores, toda a natureza parecia responder. Senti alguém colocar algo por sobre meus ombros, era uma capa da cor da noite, é índigo como chamam? Ou azul marinho? A pessoa quem tinha posto por sobre meus ombros era o estranho encapuzado. Mesmo estando próximos, eu não conseguia ver o seu rosto.
- Não quero que se resfrie. Está ouvindo o chamado? Está no vento, na chuva, em seus anseios e até na sua dor. Sempre a chamando, sempre persistindo.
- A voz nos campos quando o verão se vai. – Escutei a voz de Zhuniao e me arrepiei.
- Na dança das folhas que os ventos do outono sopram. – Dessa vez era a de Baihu.
- Na hibernação ao longo do frio inverno. – Até Xuanwu entrou nessa?
- Na força que floresce na primavera. – Qinglong terminou.
- É incrível o que a música pode fazer. – Comentou o estranho. – Sempre tive apreço por esse tipo de música.
- Você vai ficar de enrolação ou vai responder minhas perguntas?
- Alguém que te ama muito. – O estranho colocou mechas do meu cabelo atrás dos meus ombros. – Eu sou o seu passado e o seu futuro. Desculpe, não posso ser mais claro do que isso, eu nem deveria estar aqui.
- Eu nem te conheço. – Me afastei do cara. – E não te dei essa intimidade!
- Você é igual à Meifeng.
Aquilo me desestabilizou. Como ele sabia o nome da minha mãe?! Escutei as vozes de Valkyon e de Leiftan ao longe. Inferno! Quando me virei, o estranho tinha sumido. Inferno duplo!
- Tingsi, você está bem? – Perguntou Valkyon.
- Sentimos o vento aumentar e viemos ver o que era. – Disse Leiftan.
- Eu estou bem! Será que eu posso sair por 10 minutos para tomar a porra de um ar?! Deuses, eu não aguento mais ser vigiada!
- Apenas queremos que esteja em segurança.
- Eu sei disso, mas eu também preciso de espaço! Toda essa situação está me deixando louca! Não posso nem cagar sem ter alguém do outro lado da porta perguntando se estou bem!
Os dois apenas me encararam de olhos arregalados enquanto eu ofegava de raiva. Massageei minha cabeça. Eu estava tonta com os últimos acontecimentos. Precisava descansar.
- Desculpa, eu não queria brigar com vocês. – Falei. – Eu só preciso respirar um pouco e colocar os pensamentos em ordem. Minha cabeça tem estado um caos ultimamente.
- Não seria melhor conversar com alguém sobre isso? – Perguntou o lorialet.
- Eu não me sinto pronta para isso agora.
- Tudo bem, iremos respeitar sua decisão. – Disse o faeliano.
- Obrigada.
Caminhei de volta para o templo. A névoa tomou conta do lugar, o cenário foi alterado. Ele estava todo branco e Valkyon e Leiftan não estavam mais ao meu lado. Ao longe, vi as almas circularem o Mausoléu das Águias. Claramente eu estava no mundo espiritual.
- Sinto muito que tenhamos que nos despedir assim. – Disse o estranho apareceu pelo caminho que acabamos de passar. – Você não é a única com acesso ao mundo espiritual.
- Como sabe o nome da minha mãe?
- Eu a conheci. Tinha a mesma cor de cabelo que você, mas ela odiava, por isso sempre pintava de preto. Nunca pensei que esse momento chegaria, mas estou feliz por finalmente ter te conhecido.
O estranho se aproximou e tomou meu rosto entre suas mãos. Ele parecia estar me analisando. Senti seus polegares se moverem por minhas bochechas de forma tão terna e aconchegante, mas ainda assim não conseguia ver seu rosto.
- Você é uma garota esperta. Deixe que essa a voz que está te chamando a guie. Nunca se esqueça de quem você é e tenha orgulho do que se tornou.
Ele beijou o topo da minha cabeça e desapareceu. Estava de volta ao mundo material com tantas perguntas girando em minha cabeça.
- Tingsi.... – Escutei um dos dois me chamar.
- Eu só estou um pouco cansada. Podemos só dormir hoje? Estou com dor de cabeça e me sentiria melhor se estivessem comigo.
Ambos não discutiram, apenas concordaram. Eu não tinha mais forças para discutir hoje. Meus pensamentos se concentravam no estranho que estava comigo. Afinal, quem era ele? E por que pensar nisso estava me dando dor de cabeça? Quando cheguei no quarto, eu tombei na cama e não me levantei mais. Não tinha forças para me levantar ou responder a eles. Tudo que eu pude fazer foi observar a noite pela janela antes de fechar os olhos devido à exaustão. Mesmo de olhos fechados eu conseguia ouvir o canto do estranho em minha mente, como se estivesse me chamando e me embalando em meu sono.
Notes:
A música do final é The Voice do grupo Celtic Woman. Eu usei em um desafio musical, inclusive essa cena é de lá. ^^ https://ao3-rd-3.onrender.com/works/24849925
Chapter 47: Capítulo 47
Chapter Text
===Tingsi===
Contei o que aconteceu ontem para os meus parceiros. Eu sei que não quero ninguém tomando conta de mim, mas tinha que ser honesta com eles. Também eu tinha que explicar por que voltei misteriosamente com uma capa.
- O que ele queria com você? – Valkyon perguntou.
- Eu não sei. Ele conhece a minha mãe.
- Acha que ele pode ser responsável por trazer suas coisas da Terra para cá? – Perguntou Leiftan. – Pelo que sabemos, sua mãe nunca esteve em Eldarya.
- Eu não sei.
- O que te faz pensar nisso? – Tornou a perguntar o faeliano.
- Os broches usados como fechos dessa capa são similares aos entalhes da sua caixa.
Fui dar uma olhada. Realmente, os fechos tinham entalhes de coelho do mesmo modelo da minha caixa. O tecido era diferente do que eu conhecia e de qualidade. Era brilhante como cetim, suave como seda e quente como veludo. Curiosamente quando eu colocava o capuz, eles não conseguiam ver o meu rosto.
- Vocês já tinham visto algo assim? – Eles negaram com a cabeça. – Talvez Purriry possa me dizer mais sobre esse tecido, porque da Terra ele não é.
- Isso não pode ser coincidência. – Disse Valkyon. – Essa capa, a caixa, você disse que ela reage aos seus poderes, não?
- Eu a uso para entrar em camadas mais profundas do mundo espiritual para treino.
- Acho que esse estranho te observa desde a Terra. – Disse Leiftan. – É provável que ele conheça a sua origem. O que me intriga é como ele pode transitar entre os dois mundos.
- Há outras formas de transitar entre os mundos?
- Pelo que eu saiba, só pelos portais e círculos de bruxa. – Respondeu o faeliano.
- E se a sua caixa for um portal entre os mundos? – Perguntou o lorialet.
- Se for, eu vou ficar muito puta. Vocês vão contar isso para a Huang Hua?
- É preciso. – Vakyon e seu senso de dever.
- Você deveria se preocupar em se curar.
- Está tudo bem. Huang Jia já me deu os remédios necessários e estou mergulhando na água da caverna.
- Tingsi tem razão. Você deveria se preocupar mais com o seu corpo, deixe-me contar aos outros. Sou acostumado a lidar com a burocracia.
- Obrigado, Leiftan.
- Por falar em Huang Jia, notei que você a tem evitado a todo custo. Ela te fez algo?
- Não é isso. – Respondi. – Vocês já gostaram de alguém a ponto de não saber o que fazer? Tipo, congelar do nada, não saber o que dizer....
- Eu só senti isso uma vez quando criança e outra com você.
- Algumas vezes e uma delas foi com você, mas é porque não sou muito bom em me comunicar.
- Você está dizendo que gosta da Huang Jia?
- Sim. Por isso que eu a estou evitando. Eu não quero foder com tudo.
- Quando você nos explicou o que era uma relação poliamorosa, lembro que você disse que se quiséssemos abrir a relação, deveríamos ter uma conversa. Você quer ter essa conversa agora?
- Eu não sei. É um péssimo momento?
- Não definimos exatamente quais seriam as regras dessa relação. – Disse Valkyon. – Eu não acho que seja um problema.
- Sério?
- Eu só quero te ver feliz.
- Nesse caso, eu também não acho que seja um problema. – Disse Leiftan. – Como não temos uma relação bem estabelecida, qualquer um de nós pode se relacionar com outras pessoas, estou certo?
- Sim, por isso que falei sobre conversarmos sobre esse assunto. Eu achava que vocês estavam vendo alguém antes de decidirmos nos relacionar.
- O que te faz pensar isso?! – Perguntou meu chefe.
- Vocês dois são piores que o Nevra, não venham com a desculpa que estavam se guardando para mim.
- Eu não estava em um relacionamento.
- Não era algo sério, inclusive eu rompi a relação. – Disse o lorialet. – Em todo caso, não vemos problemas em você se relacionar com a Huang Jia.
- Vocês estão falando isso de coração ou só querem ver a gente fodendo?
- Mas você só fala merda! – Reclamou o faeliano extremamente vermelho.
- E você me ama mesmo assim.
- Juízo.
===Dagma===
Tingsi tinha razão, camisas masculinas dão bons vestidos e camisolas. Nevra tinha me feito experimentar a dele e pensei em pegar uma de Ezarel também. Acho que nunca vi tanta baba vindo daqueles dois. Antes do café, coloquei a de Ezarel, mas combinei com uma calça, cinto e botas marrons. Não tinha ficado ruim, eu adorei o resultado.
No café da manhã eu tomei apenas sopa de raiz de lótus. Embora os alimentos dos fenghuangs sejam feitos a base de arroz, eles estavam me enjoando. Ao contrário de Tingsi, que não podia ver uma tigela de sopa.
- Você tem certeza? – Perguntou Ezarel.
- Sim, eu não estou com tanta fome.
- Desse jeito você vai ficar doente. – Disse Huang Jia. – Deixe-me ao menos examiná-la.
- Não precisa. Deve ser o estresse por conta da Oráculo.
- Isso tem te afetado tanto. – Disse Nevra.
- Desde a aparição do Suzaku eu não tenho sentido o desespero da Oráculo. É como se a minha ligação com ela tivesse enfraquecido.
- Pena que ele não vai tirá-la e vai deixar o trabalho para a gente. – Disse Tingsi.
- Ele te disse isso?
- Nem precisa. Já viu algum deus fazer alguma coisa grande de graça?
- Onde estão Valkyon e Leiftan? – Resolvi mudar de assunto.
- Valkyon foi curar seus ferimentos e Leiftan foi trabalhar.
- Já?! – Perguntaram os outros reluzentes.
- Ele gosta mesmo de burocracia. – Dissse Karenn.
- Dagma, vamos treinar?
- Agora?
- Claro. Eu tenho notado que você não tem treinado muito os seus poderes.
Nós fomos para o vale tranquilo, onde poderíamos treinar sem sermos incomodadas. Treinamos bastante e na pausa que fizemos, Tingsi aproveitou para me contar sobre a experiência que teve ontem à noite, me deixando incrédula.
- Você acha que esse homem tem a ver com as suas origens?
- Eu não sei, mas ele sabia sobre a minha mãe.
- O que vai fazer?
- Por enquanto ajudar a Oráculo e depois romper essa ligação e levar uma vida normal.
- E o seu passado?
- Não me importa.
- Você não quer respostas sobre quem você é?
- Não, eu já desisti de tentar entender o meu passado. Eu só quero viver a minha vida, é pedir demais? Parece que quando eu consigo, algo sempre acontece. E você, como está com essa loucura toda?
- Um pouco estressada, o bom é que posso descontar tudo nos nossos treinos.
- Espere até voltarmos. Os treinos vão começar de verdade.
- Tem mais?
- Claro que tem. Vamos encerrar por hoje. Tem algo que eu preciso fazer.
- Tudo bem.
Fui passar um tempo com os meus amigos. Eu sei que Nevra voltou à caverna para ter certeza de que seu ferimento nas costas estivesse totalmente curado. Graças a Ewelein e a Huang Jia, ele não ficaria com uma cicatriz, mas ele queria ter certeza. Procurei Ezarel pelo templo e o encontrei na biblioteca. Por eu ser assistente e muito próxima de Ezarel, todos pensam que ele é o meu único namorado. Poucos sabem que eu também estou com Nevra. Aproveitei que ele estava distraído para abraçá-lo por trás.
- Pegou a mania do Nevra agora?
- Um pouco. O que está lendo?
- Nada importante.
- Tem notícias do QG?
- Não posso revelar.
- Elas não são boas, não é? Por que você não me diz de uma vez?
- Porque eu não quero estressá-la ainda mais. Amanhã nós vamos voltar de todo jeito. Até lá, vamos aproveitar ao máximo a calmaria.
- Nesse caso, você está me devendo um treino de espadas.
- Já não treinou com a Tingsi?
- Ela treinou os meus poderes. Sinto que estou conseguindo controlá-los melhor.
- Isso é ótimo, mas não está cansada?
- Não. Eu só me canso à noite, enquanto o sol estiver brilhando, eu não consigo ficar cansada.
Ezarel ficou pensativo, mas aceitou o treino comigo. Ele pegou seu florete, eu peguei minha espada que consegui na forja e colidimos nossas lâminas. Ele era ágil e seus movimentos eram elegantes e precisos, mas eu também tinha os meus truques. Como eu disse, eu não me cansava quando havia sol. Ezarel acabou ofegante antes do tempo enquanto eu só precisei respirar algumas vezes para recuperar o fôlego.
- Desisto, eu estou morto. – Ele arfava enquanto deitava na grama. – Como é que você consegue ter tanta energia?
- Eu não sei, mas é bem útil, não acha?
- Ainda bem que Nevra não está aqui para responder isso. Que raça é essa do seu pai?!
- Não sei se um dia vamos saber. Você disse que não encontrou nada quando analisou o meu sangue.
- Eu disse que não obtive resultados, mas encontrei alguma coisa nele.
- Por que não me contou?!
- É complicado, nem mesmo eu entendo.
- Ezarel, se você encontrou alguma coisa, qualquer coisa, eu deveria saber. É o meu sangue!
- Dagma, eu não consigo te explicar o que eu encontrei porque eu não tenho nada para comparar.
- Como assim?
- Aparentemente ele parece normal, mas analisando bem, ele não se parece com o sangue de qualquer faery ou humano. Ewelein descobriu que o maana nele é diferente de tudo que já vimos.
- Isso quer dizer que....
- Se você precisar de uma transfusão de sangue, ninguém, seja em Eldarya ou na Terra será compatível. O seu sangue é como os espíritos daqui. Nós sabemos que eles estão por aí, mas não podemos vê-los.
- Quando eu penso que temos um avanço, acabamos em outro beco sem saída.
Aquilo me decepcionou. Sentei na grama de costas para ele extremamente frustrada. Ezarel acariciou minhas costas tentando me animar. Pensei em tudo que tinha passado até ali. Desde que Tingsi duvidou que eu era uma ninfa até agora. Comecei a pensar nas condições dela e nas minhas como um todo, pois elas eram parecidas. Foi então que tive uma ideia louca.
- Ez, você poderia comparar o meu sangue e o da Tingsi?
- Por quê?
- Eu não sei, mas também não sabemos a raça do pai dela. Existe alguma possibilidade de ser a mesma? Ou algo parecido?
- Eu não sei. Farei isso quando voltarmos ao QG. Agora eu só quero mergulhar naquela água gelada. Parece que eu carreguei os suprimentos do Karuto.
- Exagerado.
===Tingsi===
Procurei por Huang Jia pelo templo inteiro. Ela estava em seu quarto. Era parecido com o de Huang Hua, mas havia muitos potes e coisas para preparação de remédios além de livros.
- Precisa de algo?
- Eu queria falar com você. Eu queria me desculpar por estar te evitando esse tempo todo.
- Foi rude da sua parte.
- Eu sei, mas não é porque eu te detesto. Se fosse o caso, você saberia.
- Dagma me disse que você não consegue esconder quando detesta alguém. Isso fica evidente quando está na presença de Feng Zifu.
- Isso é verdade. Em que está trabalhando?
- Remédios. Vocês devem ter na Terra.
- Não desse tipo. Os nossos são diferentes, esses eu só vi desse tipo em seriados orientais. – Peguei uma bolinha e fiquei admirando.
- Não mexa neles. – Ela pegou da minha mão. – Por que estava me evitando?
Engoli em seco, não conseguia encontrar as palavras certas. Então toquei o foda-se e a beijei. Os lábios dela eram macios e convidativos. Aos poucos a surpresa foi passando e ela foi me correspondendo. Fui aprofundando o beijo e inserindo minha língua na boca dela devagar, para atiçá-la. Meu corpo ia de encontro ao dela até que ela encostasse na beirada da mesa. Eu a levantei para colocá-la em cima da mesa. Suas mãos foram para os meus ombros enquanto as minhas foram parar em sua cintura.
Escutei o som de alguma coisa quebrando. Ela se separou bruscamente e me olhou perplexa. Me afastei por instinto. Eu estava morrendo de vergonha, mas se está na merda é para se cagar.
- Por que você fez isso?
- Porque eu estou atraída por você e eu não sei lidar bem com esse tipo de coisa.
- Me diz que isso é alguma brincadeira.
- Não.
- Tingsi, você namora! E com dois homens!
- Eles estão sabendo, já conversamos sobre isso e como a nossa relação não está bem definida, eles me deram carta branca.
- O que?!
- Não é traição se todo mundo está de acordo.
- Por favor, saia.
Achei melhor sair mesmo. Tudo que eu queria era ir para o meu quarto e enfiar a cabeça debaixo do travesseiro. É nessas horas que sinto mais falta das minhas amigas. Na Terra, elas me veriam assim e soltariam um “você fez merda, né? Agora fala, desgraça” e aí eu desabafaria. Por sorte encontrei com Leiftan no caminho, que percebeu o meu comportamento.
- Tingsi, você está bem? Aconteceu alguma coisa?
- Eu fiz merda.
- O que aconteceu dessa vez?
Catei a mão dele, corri para o quarto e contei toda a merda que tinha feito. Eu não sei se ele estava surpreso com o que eu tinha feito, com a minha cara de pau, se era porque eu estava surtando ou seu eu buguei a mente dele.
- Como uma pessoa tão pequena pode fazer tanta besteira em um curto espaço de tempo?
- Prazer, eu, Tingsi Zhu.
- Eu não sei o que pensar.
- Só que eu acabei de fazer uma grande merda, ela não vai querer olhar na minha cara, a Huang Hua vai ter um treco, o Feng Zifu vai me expulsar do templo e eu provavelmente vou mandar ele tomar naquele cu seco.
- Você já resumiu a situação.
- É como dizem: está na merda, é para se cagar.
- Tenho certeza que o ditado não é esse.
- Mesmo? Esse faz mais sentido para mim. Acha que quando a Huang Hua souber, ela vai abrir essa porta esbaforida ou vai derrubar com um chute?
- Você está mais preocupada com isso?
- Desgraça pouca é bobagem. A gente tem que rir da própria desgraça e aproveitar que estamos vivos. No futuro a gente ainda vai rir disso e de outras merdas.
- Como da vez em que você e Elliot pintaram as paredes do QG?
- Você se lembra disso?
- Como poderia esquecer? Foi a primeira vez que vi sua arte. Estou impressionado que você não tenha feito algo aqui depois de todo estresse que sofreu.
- Eu não costumo fazer em templos, mas fiz nos muros atrás do templo. Não conta para o Valkyon.
- Algumas coisas nunca mudam. O que você desenhou?
- Uma fênix em uma árvore de cerejeira observando lanternas de papel. Quero ver eles apagarem isso.
- Que perspicaz. Foi por isso que me apaixonei por você.
Ele me beijou. Leiftan ficou comigo o resto do dia. Não por um capricho. A verdade era que ele também precisava de uma folga.
===Dagma===
- Isso não é engraçado, Dagma!
- Não é isso, é que eu nunca pensei que iria te ver surtar assim.
- Eu não estou surtando!
Huang Jia mandou me chamar até o quarto dela. Ela desabafou comigo sobre o que tinha acontecido entre ela e Tingsi. Eu levaria a situação a sério se a minha amiga, que era a calma em pessoa, não ficasse tão engraçada quando estava surtando.
- Certo. Como você não percebeu que ela estava atraída por você? Afinal, você não é uma fenghuang?
- Não é tão simples assim. Eu vejo que os outros brilham quando estão na presença de quem gostam, mas é diferente quando se trata de nós.
- E você não sondou a cabeça e o coração dela?
- Ambos são muito confusos e o coração dela é intenso demais.
- Isso é verdade. – Lembrei da vez em que entrei na mente dela e nada fazia sentido. – Mas você gostou?
- Dagma, isso não tem a ver com se eu gostei ou não! Ela está namorando com dois homens!
- Que estão plenamente de acordo em abrir a relação. Nevra estava me contando sobre isso enquanto me implorava para ter um harém.
- Mas o seu namorado não era o Ezarel?
- Eu namoro os dois. – Ela ficou chocada. – É uma longa história, mas não é tão ruim quanto parece. Você tem sorte de Valkyon e Leiftan serem tranquilos. Se fosse comigo, você teria que aturar Ezarel e Nevra.
- Você acabou de dizer que não era tão ruim quanto parecia e agora fala de aturar os seus companheiros?!
- É porque o Ezarel é um cretino e o Nevra é implicante, mas isso é parte do charme deles. Valkyon é gentil e Leiftan é diplomático, eles são capazes de ter qualquer tipo de conversa sem julgamentos.
- Você está falando como se eu tivesse aceitado fazer parte disso.
- Se você tivesse odiado o beijo, você teria implorado à sua irmã para te liberar do posto de médica da Tingsi ao invés de me procurar. É só dizer que você não quer.
- Não é tão simples assim.
- Claro que é. A Tingsi consegue ser bem compreensiva. Se eu fosse você, eu teria uma conversa sincera com ela e esclareceria as coisas.
- Você tem razão. Farei isso.
- Ótimo. Agora eu tenho que ir porque tenho um encontro.
Fui até o quarto de Nevra para buscá-lo. Ezarel ainda reclamava de dores musculares por causa do nosso treino e da papelada que precisava cuidar, então ele não viria conosco. Quando perguntei aonde iríamos, ele disse que era uma surpresa. Não havia tantos lugares para irmos no templo. O que eu não contava era que o Nevra iria resolver subir no telhado do templo.
- Nevra, ficou maluco?!
- Ué, se Baihu pode, por que eu não?
- E se você se machucar?
- Eu sou o líder da Sombra, lembra? Devo saber uma coisa ou outra sobre escalar telhados.
- Feng Zifu vai nos matar se nos vir.
- SE nos vir.
Apenas sorri e o segui. Eu estava acostumada a escalar árvores, telhados era outra história. Nevra me ajudou a chegar até o telhado principal. Havia uma garrafa de vinho e uma trouxa com pão de alho e maçã bem vermelha.
- Não é grande coisa, mas....
- Eu adorei! – Eu o abracei. – Obrigada. Vamos comer?
Nos sentamos no telhado e ficamos comendo enquanto víamos o sol se pôr. Como Nevra tinha esquecido os copos, nós tivemos que beber o vinho na garrafa.
- Como estão as suas costas?
- Muito melhor. A cicatriz sumiu completamente.
- Lamento por te dar trabalho.
- Não foi culpa sua e você não estava em condições de lutar.
- Se eu soubesse que isso iria acontecer, eu não teria ido para a batalha.
- Esqueça isso. – Ele começou a acariciar o meu rosto. – Como foi o treino com Ezarel? Ele te deu algum trabalho ou foi fácil?
- Ezarel é bom em esgrima, mas eu não me canso durante o dia.
- Não mesmo é?
- E você? Eu quase não sei nada sobre você?
- Não sou tão interessante.
- Suas conquistas dizem o oposto. – Ele ficou incomodado. – Eu sequer sei como são os seus pais.
- Acredite, você não vai querer conhecê-los. Podemos falar sobre outra coisa?
- Claro. Minha mãe quer te conhecer. Ela perguntou quando vou levar meus dois lindos namorados para casa.
- Nesse caso, vamos planejar uma viagem até a vila das ninfas.
Encostei a cabeça em seu ombro e Nevra passou o braço ao meu redor para me puxar para perto. Ele beijou o topo da minha cabeça antes de seguir para os meus lábios. Continuamos vendo o sol se pôr enquanto esvaziávamos a garrafa de vinho.
===Tingsi===
Quando a noite caiu, um fenghuang veio me pedir para ver a Huang Jia. Valkyon já sabia da minha cagada. Brinquei com eles que talvez não dormisse com eles hoje e talvez tivessem que resgatar o meu corpo no mausoléu. Quando entrei no quarto dela depois de ser anunciada, vi que ela estava atrás da mesa, esperando para me ver. Não tenho um cagaço desses desde a minha primeira entrevista de emprego.
- Queria me ver?
- Sim. Eu estive refletindo sobre o que aconteceu.
- E você não quer se envolver. Essa parte ficou clara.
- Seus namorados sabem sobre isso?
- Claro que sabem. Eu não escondo esse tipo de coisa deles e eles sabem sobre todos os meus relacionamentos passados.
- Todos mesmo?
- Pelo menos eu contei, se eles conseguiram absorver depois de tanta informação, aí é com eles.
- Quantos anos você tem?!
- 23. Você deve ter algo entre 23 e 70, não?
- Eu tenho 56, mas não foi para isso que te chamei aqui. Como é a relação de vocês?
- Você está interessada?
- Por que acha isso?
- Para quem não quer se envolver, você está querendo saber demais. Seja sincera, o que você quer comigo?
- Eu também sinto alguma atração por você. – Fiquei surpresa. – Eu não sei explicar, você é diferente.
- Quer dizer delinquente. – Saiu sem querer.
- Não! Digo, um pouco. Não foi o que eu quis dizer. Eu só queria saber se essa atração é passageira.
- Eu não sei. – Fui sincera. – Olha, eu não sou boa em lidar com esse tipo de coisa e essa coisa toda de sentimentos é complicada. Tipo, eu mal te conheço e já estou surtando.
- Eu não sei o que pensar.
- Nem eu e é assustador.
- Acha que uma noite poderia ser algo errado? Isso é, se não se importar, é claro.
- É fazendo merda que a gente aprende.
Ela se levantou da cadeira e veio até mim, cada passo que dava eu podia ver a sua hesitação. Ainda hesitante, ela segurou o meu braço e timidamente me beijou. Aprofundei o beijo e a puxei ainda mais para mim. Abri seu vestido e a prensei na parede. Se é para ser só uma noite, que seja bem feito. Tirei meu hanfu e colei nossos corpos.
Desci os lábios para o seu pescoço e deuses, como ela era sensível! Abaixei seu sutiã e desci para beijar seus seios. Usei a ponta da língua para procovar seu mamilo. A minha mão tinha ido para a sua calcinha, onde comecei a brincar com seu clitóris por cima do tecido. Cheguei a calcinha para o lado para penetrá-la com um dedo. Fiquei satisfeita ao ouvir os sons que saíam de sua boca. Minha mão livre acariciava seu outro seio enquanto eu voltei meus lábios para o seu pescoço. Suas mãos agarravam meu ombro e minha nuca. Ela se contorcia a cada toque, não demorou até chegar ao orgasmo.
Me afastei para que ela se recuperasse um pouco antes de pegar sua mão e puxá-la para a cama. Voltei a beijá-la, dessa vez tirei o que restava das nossas roupas. As carícias foram ficando cada vez mais ousadas. Desci até o meio de suas pernas para chupá-la enquanto eu me masturbava também. Ela conseguia gemer mais que o Leiftan. Explorei cada canto da sua cavidade até que finalmente sentisse seu gosto ao mesmo tempo em que atingi o meu ápice, mas ainda não estava satisfeita. Voltei a beijá-la.
Dessa vez ela foi mais ativa, apertando as minhas coxas e levando sua mão até minha vagina. Ela começou a me masturbar de forma lenta e torturante, só que eu não curto muito ser passiva, então fiz o mesmo com ela. Dávamos prazer uma a outra até que achei que estava bom, saí de dentro dela e a empurrei na cama. Abri bem suas pernas e as encaixei com as minhas para que pudesse esfregar a minha vagina na sua em uma tesoura. No começo, ela não entendeu bem o que devia fazer, então a guiei e nós duas começamos a trabalhar naquilo. Atingimos o orgasmo juntas e desabamos na cama. Eu a abracei e comecei a acariciar o seu ventre enquanto beijava o seu ombro.
- Você quer mais?!
- Nunca te disseram que os humanos nunca estão satisfeitos e sempre querem mais? Além disso, se é para ser só uma noite, que seja inesquecível.
A gente só terminou quando o céu começou a dar aquela clareada antes do sol começar a nascer. Só então desabei satisfeita na cama. Como alegria de pobre dura porra nenhuma, bateram na porta umas 6 ou 7 da manhã.
- Dama Huang Jia, está tudo bem? – Escutei uma fenghuang perguntar. – Você não costuma se atrasar.
- Sim, eu apenas acabei trabalhando até tarde novamente. Irei me vestir o quanto antes.
- Deuses, você acorda tão cedo assim?! – Perguntei depois que a outra foi embora.
- Há muito que fazer e dormir cedo e acordar cedo fazem bem à saúde. Talvez devesse começar a fazer isso.
- Se eu não estiver morrendo ou tendo um trauma novo, quem sabe. – Nem fodendo que eu acordo tão cedo assim.
- É melhor você ir.
Vesti minhas roupas enquanto ela vestia as dela. Quando estava pronta, abri a janela dela.
- O que está fazendo?!
- Vocês acordam muito cedo, se alguém me vir saindo do seu quarto, vão encher o seu saco.
- É verdade que isso seria bem suspeito, mas....
Roubei um beijo dela antes de sair pela janela e subir no telhado. Eu andei pelo telhado até o meu quarto. Eu sei que Valkyon acorda cedo para começar sua rotina de exercícios. Bem, ele disse que morou nesse templo por um tempo, não me surpreende. Fiquei de ponta cabeça para olhar pelas janelas e quando achei a minha, bati. Valkyon a abriu.
- O que pensa que está fazendo?!
- Surpresa?
Ele se afastou para que eu pudesse entrar no quarto. Leiftan ainda estava na cama, mas pela cara ele tinha acabado de acordar e estava processando a cena.
- Onde esteve? Você nos deixou preocupados.
- Boas notícias, não precisam procurar o meu cadáver no mausoléu.
- Mas você só fala merda.
- Eu sei. Estava na Huang Jia tomando chá de boceta.
- Chá de boce...? – Ele percebeu antes de completar a frase e corou.
- Vocês duas estavam juntas até agora?! – Dessa vez quem perguntou foi Leiftan.
- Não exatamente, a gente acabou quando começou a clarear. Eu apaguei e um arrombado resolveu bater na porta ainda agora.
- E você achou uma boa ideia sair pela janela. – Concluiu Valkyon. – Você veio pelo telhado?!
- Vim.
- É inacreditável!
Ele não parecia bravo e sim divertido. Valkyon me contou que já teve que sair pela janela algumas vezes, assim como Nevra e até mesmo Ezarel uma vez. Leiftan também já teve seus dias de pular a janela do quarto de alguém. Eu estava tão cansada que assim que deitei na cama, apaguei.
Acordei algum tempo depois, só tive tempo de tomar banho, comer algo e pegar minhas coisas. Eu estava vestindo a minha nova roupa casual e o prendedor de jade emprestado de Zhuniao. Desde o incidente no mausoléu, eu não me separei nem do Zidian e nem dele.
Quando chegamos a Balênvia sentimos tremores. Sabíamos que tínhamos que voltar a Eel o mais rápido possível. A gente mal dormia ou comia, muitos ficaram para trás para não nos atrasar. Dagma estava passando mal, mas estava determinada a voltar ao QG. Cada passo para perto de Eel a fazia se sentir pior, deve ser o cristal. Que estranho, pois eu não estou sentindo nada. Minha mente deu um estalo. Emparelhei nossas montarias e peguei o prendedor de Zhuniao.
- Dagma, segure isso para mim?
- Claro.
Foi imediato. Ela parou de se sentir mal enquanto eu senti o meu coração se dilacerar. Zidian começou a emitir ondas de choque, mas ao contrário do previsto, elas me faziam bem e a aguentar a dor do Oráculo. Era como se ele estivesse tentando expulsar um parasita.
- Se sente melhor? – Perguntei.
- Sim, mas o que é isso?
- Um prendedor.
- Eu sei, mas como sabia que ele acabaria com a dor?
- É de Zhuniao. Ele me emprestou tem um tempo e não pegou de volta.
- Está dizendo que isso é um artefato dos deuses?! – Ela sussurrou para ninguém ouvir.
- É só um prendedor de cabelo. Ele deve ter sido usado tantas vezes pelos seus avatares que absorveu até os piolhos.
Ela riu. Finalmente chegamos à floresta. Mesmo com nossos itens, a dor apenas era apenas amenizada. Quando meus mascotes estavam prestes a atravessar o portão, eles foram jogados para trás. Usei Zidian para revelar o escudo violeta e Dagma abriu caminho usando seus poderes. Ela derreteu um quarto do escudo. Subi de novo na montaria e pedi para Dagma vir comigo. Ela decidiu confiar em mim, então entrei no QG com montaria e tudo. Não tínhamos tempo a perder e andar estava fora de questão.
Por onde passávamos, notamos que o QG estava vazio. Depois eu me preocupo com isso. Quando chegamos à sala do cristal, ele estava tão corrompido e em um estado tão deplorável que a Huang Hua temeu que somente a flauta não pudesse ser o suficiente. Ela usaria nossa energia mágica como um catalizador. Dei o Zidian para Snowyn para evitar maiores problemas. Dagma e eu demos as mãos enquanto Huang Hua começou a tocar a flauta.
Senti meu corpo se aquecer, cada nota da flauta parecia ressoar através de mim. Nossos corpos flutuaram sentindo essa energia. Avançamos até o cristal e eu fechei os olhos. Uma sensação de medo tomou conta de mim, sentia minha vida se esvair para se juntar ao cristal e curá-lo. É assim que isso termina?
- Tingsi! – Eu escutava vozes dizerem o meu nome, mas só isso. – Ting.... – Elas sumiam cada vez mais.
- Tingsi!
Uma voz de mulher gritou comigo. Ela era mais nítida que as outras. Abri os olhos e vi uma silhueta brilhante. Tudo que eu conseguia distinguir dela era um quimono branco com detalhes azuis. Tenho impressão que já o vi antes, assim como as mechas negras. A silhueta emanava uma sensação quente e acolhedora.
- Levante-se! Você precisa lutar.
- Eu te conheço?
- Apenas me escute: não deixe nada e nem ninguém atrapalhar seus sonhos e objetivos, nem mesmo a morte. Lute.
Isso não podia terminar assim. Tinha que me concentrar no que estava acontecendo e ajudar Huang Hua com a flauta. Lembrei que Dagma estava com o prendedor de Zhuniao, então me concentrei em canalizar meu espírito em sua busca e usá-lo. Deve ter poder remanescente para curar o Oráculo. O prendedor pareceu reagir com a flauta. Era como se uma chama se acendesse em meu interior. O calor era aconchegante e ao mesmo tempo purificador.
Pude sentir uma espécie de barreira de proteção ao meu redor se unindo a energia do prendedor, sendo assim, voltei a sentir minha ligação com a Oráculo. Senti a corrupção que a consumia ser varrida. Consegui recuperar a vida que me foi tirada, mas assim como Dagma, ainda estava presa ao Oráculo. Essa ligação parecia duas veias de titânio, mas eu poderia rompê-las. O cristal reagiu e depois não me lembro de mais nada além de um clarão.
Chapter 48: Capítulo 48
Chapter Text
===Tingsi===
Reconheci o teto da enfermaria quando acordei. Dagma estava na cama ao lado. Ela parecia tão confusa quanto eu.
- O que aconteceu?
- Eu não sei. Minha cabeça deu um nó.
- Você também viu?
- Vi o que?
- Aquela mulher.
- Que mulher?
- Uma loira de vestido branco. Não consegui ver o seu rosto, mas o cabelo estava em trança.
- O que ela te disse?
- “Se você pode respirar, você pode se levantar, e se você pode se levantar, você pode lutar. Erga-se e lute”.
- A que apareceu para mim era diferente. Tinha cabelo preto e usava um quimono branco e azul. Ela disse: “Não deixe nada e nem ninguém atrapalhar seus sonhos e objetivos, nem mesmo a morte. Lute”.
Comecei a contar o que lembrava quando as memórias iam surgindo. Zhuniao apareceu na enfermaria e eu o abracei com força. Ele acariciou a minha cabeça.
- Zhuniao, o que aconteceu?
- Além de você ter usado o meu prendedor para salvar e incendiar o cristal, incendiar a sala, quase incendiar o QG, retirar a proteção que pus quando te possuí e quase romper a ligação entre você e a Oráculo?
- Ela fez tudo isso apenas com esse prendedor? – Peguntou Dagma pegando o prendedor.
- Claro que sim. – Baihu surgiu na sala. – A Oráculo reagiu para que não rompesse a ligação imposta, mas você conseguiu enfraquecer ambas as ligações. Se eu fosse você, descia o Zidian nela.
- Baihu! – Gritamos eu e Zhuniao, ele por reprovação e eu por felicidade.
- Esse é....? – Dagma ainda não o conhecia.
- O Tigre Branco do Oeste.
- O deus Byakko. – Ela fez uma reverência.
- Está abaixando a cabeça por quê?! Nunca fez isso antes e só resolveu depois de descobrir que eu sou um deus. Sua hipocrisia me enoja.
- Não se preocupe com a falta de modos do Tigre. – Disse o pássaro. – Ele é assim mesmo.
- Ele pode ser duro, mas não é ruim, apenas deixe as formalidades de lado e ficará tudo bem.
- Qinglong! – Exclamei. – Você também veio!
- Todos nós viemos ver como você está depois de quase explodir o QG.
- E se me permite, pegarei meu prendedor de volta, para evitar maiores dores de cabeça. – Zhuniao pegou o prendedor de Dagma. – Em todo caso, é melhor se pensarem que ele simplesmente foi destruído.
- Dagma, esse é o Dragão Azul do Leste. – Achei melhor apresentá-lo.
- Seiryu, o deus dragão?! Você parece com o imperador!
- Você acha?
- Contenha seu deslumbramento. – Aconselhou Xuanwu. – Você não vai quer ouvir broncas do Tigre o dia todo.
Eu estava feliz por eles estarem ali. A implicância deles me divertia, mas Xuanwu resolveu começar o momento terapia para ver se nossas cabeças não estavam fodidas o suficiente após o incidente.
- Por que a Oráculo não quer que a gente quebre a ligação? – Perguntou Dagma.
- Não somos nós que devemos lhes dar as respostas, vocês que devem buscá-las. – Disse a tartaruga.
- Traduzindo: se virem. – Eu disse.
- O que eram aquelas silhuetas que nós vimos?
- Há coisas neste mundo que são tão poderosas que podem transpassar as barreiras da vida e da morte, mas que os mortais não compreendem. – Disse Qinglong. – Amor, ódio, rancor, perdão, medo, obssessão, compaixão, vingança, esperança e fé.
- Ele disse fé, não religião. – Disse o tigre. – São duas coisas diferentes.
- Mas nada é mais forte que o amor de uma mãe. – Disse Zhuniao. – Dagma, a sua mãe fez de tudo para te proteger, inclusive se voltar contra a própria ordem e fugir. Tingsi, se sua mãe pudesse escolher entre salvar a sua vida ou a dela, ela escolheria a sua. – Ele pôs uma mecha atrás da minha orelha. – Ela te amava muito.
Não sei por que comecei a chorar. Ao meu lado, Qinglong consolava Dagma. Se o que eles estão dizendo que é verdade e que o amor de uma mãe podia ultrapassar a morte, então eu tinha que continuar a lutar. Senti meu coração se aquecer como nunca havia sentido antes e não eram os deuses.
A porta da enfermaria se abriu e Ewelein veio para nos examinar. Os deuses tinham sumido, como sempre. Nossos parceiros nos abraçaram e nos contaram o que aconteceu. Ao que parece o Oráculo criou uma espécie de corredor para passarmos sem muitos problemas e que se demorássemos mais um pouco seria o fim de Eldarya.
Trouxemos os habitantes que tinham sido evacuados de volta e diversas delegações vieram e tudo quanto era canto de Eldarya para nos agradecer. A Miiko queria dar um banquete para comemorar e eu estava morrendo de vontade de comer pizza.
- O que é isso? – Perguntou o Karuto.
- É massa de pão achatada com molho de tomate e queijo e dá para colocar um monte de coisa em cima. As melhores que comi foram quando eu fui aos Estados Unidos e ao Brasil. No Brasil eles fazem literalmente de tudo quanto é sabor. Até de sushi com borda recheada de nutella.
- É o que isso aí?!
Fui ensinar o Karuto a fazer pelo menos as mais tradicionais. Por incrível que pareça, a gente se divertiu fazendo e até testamos novos sabores. Até servimos no banquete e o povo ficou doido. Karuto até adicionou ao cardápio. Também dei o frasco de vaselina ao Purroy para ele recriá-lo com óleos naturais.
No dia seguinte decidi voltar aos treinos. Até mostrei para Dagma o meu campo de treinamento, pois se devíamos treinar juntas e ela sabia sobre os deuses, por que esconder? Passei os fundamentos a ela nos próximos dias.
- Com essa confusão toda, esqueci de te pedir para vermos Ezarel.
- Para que?
- Ele precisa de uma amostra do nosso sangue para comparação. Ele tentou analisar o meu sangue para descobrir por que queima a boca do Nevra, mas não encontrou nada, é diferente de tudo que ele e Ewelein conhecem. Não é compatível nem com humano e nem com faery.
- E você acha que vai ser com o meu?
- É difícil dizer, mas meu instinto está me dizendo para fazer isso.
- Então tudo bem. Eu estava pensando em maratonar The Untamed de novo, só que com essa loucura toda fica impossível.
- Não se chover. – Disse Qinglong surgindo do nada.
- Irmão, sabe que não deve espionar as conversas dos outros. – Repreendeu Zhuniao. – Embora eu também goste dessa obra.
- O que é The Untamed?
- Então, uma mulher escreveu uma novel muito boa e ela ganhou anime e uma série com atores reais. Eu amo tanto essa série que maratonei umas 10 vezes com as meninas. Inclusive esses dois cantaram a música tema de lá no festival do templo.
- Então foi de lá? Agora eu preciso ver.
- Sem problemas. – Disse o pássaro. – Se chover forte, terá tempo para assistir. Podemos ver com vocês?
- Claro.
- É o que?!
- Não se surpreenda. – Baihu apareceu. – Ficaria surpresa com o que o Pássaro faz por drama.
- Isso não é drama, eu só quero maratonar um seriado com a minha amiga.
- Um seriado de 50 episódios, isso deve durar 3 ou 4 dias.
- A gente conserta os jardins depois.
- Eles não estão falando sério, estão?
- Sim, eles estão. – Comentei. – Não se preocupe, com o tempo você se acostuma.
- Garota, pegue a guan dao. – Disse o Tigre. – Você tem negligenciado esse treino por tempo demais.
No dia seguinte caiu um toró. Reunimos nossos amigos, amantes e os deuses para ver o seriado. Xuanwu usou uma espécie de feitiço que criou uma espécie de tela maior conectada a do meu computador para a gente ver, Karenn e Alajéa trouxeram algumas guloseimas, Zhuniao trouxe um monte de lenços e Baihu trouxe um engradado de bebida. Eu até peguei uma para beber.
- Pitú?! – Perguntei.
- Se é para ver série com um bando de dramáticos, é melhor trazer algo forte.
- Eu nunca vi isso. – Disse Valkyon pegando uma garrafa.
- Eu tomei quando fui ao Brasil. Toma cuidado, isso é forte.
- Nosso Valkyon aguenta. – Disse Nevra com um sorriso.
- Vai devagar com isso. Da última vez que eu tomei Pitú, fiquei tão doida que acabei em outra cidade e sem sapato.
- Isso porque você bebe que nem um mendigo velho.
- E você bebe que nem cem mendigos velhos.
- Nessa ela te pegou. – Disse Xuanwu.
- Brasil? – Perguntou Colaia.
- Longa história.
Tive que explicar algumas coisas da obra, pois o cinema chinês tinha alguns absurdos como pessoas voando em espadas e sobre a crença do cultivo que tem nesse tipo de obra. Mal tocou a música tema e eles notaram que era a mesma música que performei com os deuses. O engraçado é que Zhuniao não se conteve e começou a assoviar. Qinglong o seguiu e me fizeram voltar para poder cantar.
- Essa não é a música que vocês cantaram?! – Alajéa tirou as palavras da boca do povo.
- Sim. – Disse o pássaro. – Essa música é linda. Depois Xuanwu escreve a tradução para você.
- E fará mais sentido depois que terminar a série.
- Como vocês conhecem essa música se é recente? – Perguntou Leiftan desconfiado.
- Fomos apresentados. – Respondeu Xuanwu. – Como vocês estão sendo agora.
Claro que eu tive que explicar algumas coisas enquanto víamos, mas estava tudo ocorrendo bem. O ruim era que tinha vezes que não podíamos pular o encerramento porque Zhuniao resolveu ensinar Nevra a assoviar a música. Xuanwu teve tempo de transcrever a tradução da música para eles. Eles também descobriram que era de lá que vinha o Zidian, que eu fiz imitando o da obra.
- Impressão minha ou eles parecem ser um casal? – Perguntou Chrome.
- Eles são um casal, mas como na China é proibido beijo gay, a gente tem que se contentar com as trocas de olhares e esse monte de química que poderia ter sido algo mais.
- Ah não! – Lamentaram Karenn, Alajéa e Nevra.
- Eu queria tanto que essa relação evoluísse, mas a censura não deixa! – Dessa vez foi Zhuniao.
- Pitú? – Baihu ofereceu aos outros
- Me passe uma garrafa. – Pediu Xuanwu.
- A forma como descreveram esse xuanwu parece Genbu. – Notou Colaia. – Você tem o mesmo nome.
- Também é o nome do Guerreiro Negro. Pareço um guerreiro?
- Parece um velho que toma chá o dia inteiro. – A cara dos deuses de deboche foi tudo para mim.
- Só esqueceu do majong.
- Hei, majong é bom! – Reclamamos eu e Zhuniao.
Nem preciso dizer o quanto sofremos com essa série. Maratonamos em 4 dias e foram os 4 dias mais chuvosos de toda Eel, mas os jardins não morreram. Muitos acharam estranho porque o grande cristal que controlava o clima e por isso não chovia.
- Só para eu não me perder, Gebu tem o mesmo nome do Gerreiro Negro, que por sinal era Xuanwu? – Perguntou Dagma enquanto trabalhávamos no jardim.
- Na verdade, eles podem ser a mesma entidade ou não. O mito das quatro bestas celestiais pode ter se originado na China, mas foi difundindo pelo oriente. Xuanwu é o nome original de Genbu e o Guerreiro Negro não só tem o mesmo nome como adota a tartaruga e a serpente como símbolo. Mas é claro que mitos têm várias vertentes ou são apenas boatos. No fim, eu só comi o cu de quem está lendo.
- É o que?
- É um meme, mas sim, Guerreiro Negro é o título de Xuanwu. Cada um deles têm.
- E quais seriam?
- Baihu, por exemplo, é o senhor das montanhas e rei de todos os animais. Já Qinglong sempre foi associado à figura do imperador enquanto Zhuniao era associado à imperatriz.
Agora que eu reparei que se eles fossem cartas de baralho, o tigre seria o ás de paus, a tartaruga o valete de ouros, o dragão o rei de espadas e o pássaro seria a rainha de copas. Ou o tigre seria o valete de ouros e a tartaruga o ás de paus?
- No templo, Huang Jia me disse que tinha uma mulher que era idêntica à primeira imperatriz fenghuang. Ela cantou com Qinglong, até brinquei que eles seriam o imperador e a imperatriz.
- Está falando da Jujak? Ela é o avatar feminino de Zhuniao e Jujak é o nome dele em coreano. Você também viu o de Qinglong no dia que a Naytili nos atacou. Elas cantaram juntas no palco.
- Cheongnyong?!
- Isso. Você também viu as dos outros dois, mas não sabe os nomes deles.
- E quais são?
- Vou deixar isso por sua conta.
- Quantos nomes os deuses têm?
- Quantas línguas têm nos dois mundos? – Ela suspirou exausta. – Então, quando Ezarel vai colher o nosso sangue?
===Valkyon===
Eu tinha me reunido com Ezarel e Nevra na cantina em um dos nossos poucos intervalos. Ezarel e Ewelein tinham analisado e comparado o sangue das duas. Ele queria falar comigo antes de contar a elas o resultado.
- O que você achou? – Perguntou Nevra.
- Isoladamente, nada, mas o instinto de Dagma estava certo. Quando eu comparei ambas as amostras, notei que elas são diferentes.
- Isso quer dizer que você não tem nada. – Eu disse.
- Sim e não. O sangue das duas são similares, se elas precisarem de uma transfusão, não irão encontrar qualquer outro doador seja aqui ou na Terra. No entanto eles são diferentes, como se fossem opostos.
- Não entendi. – Tornou a dizer Nevra. – Como pode algo ser similar e oposto ao mesmo tempo?
- Eu não sei, talvez seja pelo lado humano delas, então fizemos alguns experimentos. Dagma me disse não se cansa em dias ensolarados, então fiz alguns testes durante o dia e o sangue dela parece reagir quando há sol. Já o de Tingsi parece reagir durante a noite, da mesma forma que o de Nevra.
- Ela não poderia ser uma vampira ou poderia? – Perguntei.
- Se fosse, eu saberia. – Disse Nevra. – Vampiros não são os únicos seres cujo sangue reage à noite, mas estou surpreso pelo de Dagma.
- Ewelein está exausta de tanto trabalhar nesse quebra cabeça.
- Vocês estão aí. – Leiftan surgiu por entre as mesas.
- Leiftan, você vem comer com a gente? – Perguntei.
- Não, eu já comi. Vim apenas pedir para o Karuto preparar uma sopa de cactos para Tingsi.
- Onde ela está?
- No quarto, descansando. Sentiu um mal-estar, então achei melhor deixá-la aos cuidados dos mascotes. No entanto, ela está com um desejo incontrolável de comer essa sopa.
- Esses desejos dela estão ficando cada vez mais frequentes. Com toda essa loucura eu não tive tempo de conversar com ela sobre isso.
- Ironicamente, Dagma vem enjoando cada vez mais. – Disse Ezarel. – Outro dia ela disse que não suportava o cheiro do mel na minha roupa.
- Mas você sempre cheirou a mel. – Disse Nevra.
- Isso está estranho. – Tornou a dizer o lorialet. – Já pediu para ela falar com a Ewelein?
- Ela diz que está bem, mas os enjoos estão ficando cada vez mais frequentes e eu estou começando a ficar preocupado.
- Vocês decidiram o que vão querer ou vão ficar só conversando? – Perguntou Karuto vindo nos atender.
- Eu vim pedir algo para a Tingsi. Ela cismou que quer sopa de cactos.
- Ultimamente ela vem tido muitas cismas com comida. Por acaso ela está grávida?
Leiftan e eu nos entreolhamos surpresos. Eu sei que pode ser brincadeira do Karuto, afinal, ele é rabugento, mas Tingsi nunca tinha sido assim.
- Por que acha isso? – Perguntei.
- Já vi isso acontecer. Algumas mulheres cismam em comer determinados alimentos simplesmente do nada, outras querem comer coisas estranhas e algumas acabam enjoando com o simples cheiro de comida.
Dessa vez foram Ezarel e Nevra quem ficaram surpresos. Se isso for verdade, isso pode significar muitas coisas. É melhor não criar expectativas antes do tempo e esperar que ela faça um teste. Ezarel disse que o sangue delas ainda estava com Ewelein. Nós quatro achamos melhor deixar Tingsi comer sua sopa e ver como Dagma estava antes de irmos até ela.
- Ewe, onde estão as amostras de sangue de Tingsi e da Dagma? – Perguntou o elfo.
- Eu as deixei no laboratório, por quê?
- Eu preciso que faça um exame para mim.
- Eu sei que você está fazendo de tudo para descobrir alguma coisa, mas....
- Não é isso. A gente suspeita que talvez elas estejam grávidas.
- Entendi.
Ewelein saiu e voltou com as amostras. Ela as testou e comprovou o resultado. Eu só vi Nevra ficar pálido. Achei melhor conversar com Leiftan no meu quarto e deixar que Ezarel e Nevra se resolvessem.
- O que acha dessa situação? – Perguntei.
- Eu não sei. O que acha da ideia de ser....? Você sabe.
- Eu não sei. Eu nunca pensei que.... Que um dia fosse ser.... Deuses, isso está mesmo acontecendo?!
- É difícil acreditar. Ainda não sabemos se é meu ou seu.
- Esse é o menor dos nossos problemas. O que você acha disso?
- Eu sempre gostei de crianças, mas eu nunca pensei que.... Que um dia.... Eu não sei o que pensar.
Estávamos apavorados com essa ideia. Eu nunca pensei sobre isso, assim como nunca pensei que um dia amaria tanto alguém. Eu não tinha ideia de como lidar com um bebê ou qualquer referência paterna na minha vida. Leiftan também é órfão e está tão apavorado com esta nova realidade quanto eu. Tingsi também é órfã e não tem qualquer referência. Que os deuses nos ajudem.
- É aqui que tem dois marmanjos prestes a surtar? – Qinglong abriu a porta do meu quarto.
- Qinglong? Como...? O que...?
- Eu ouvi a conversa de vocês com a Ewelein. Vocês dois parecem que viram um basilisco dançante. Por que estão tão preocupados?
- Um de nós vai ser....
- Não, vocês três vão ser pais. É um relacionamento poliamoroso, esqueceram? Até os filhos são responsabilidade do trisal.
- É justamente esse o problema. – Disse Leiftan. – A gente não sabe como ser....
- Por acaso “pai” se tornou o novo Voldemort e eu não estou sabendo? – Ele perguntou divertido.
- Qinglong, isso não é engraçado. – Falei.
- Na verdade é. Respirem fundo, vocês me acompanham em um pouco de taichi?
- Como pode pensar em taichi em uma hora dessas?!
- Taichi é resposta para tudo.
Qinglong começou a fazer taichi no meio do meu quarto. Não importava o que falássemos, ele não parou. Acabamos desistindo e aderindo ao taichi. Ele nos instruiu a respirar e a como nos movimentar. Ele fez de tudo para que não pensássemos em mais nada além dos exercícios de taichi.
- Eu sei que a paternidade pode ser assustadora, mas surtar não adianta. É preciso identificar os problemas antes de procurar uma solução. Valkyon, seja sincero, qual é o seu problema?
- Eu não sei se serei um bom pai.
- Por que acha isso?
- Eu não sei como é ser pai. Eu nunca tive um.
- Leiftan, qual é o seu problema?
- Eu também não sei se serei um bom pai.
- Você tem experiências com crianças e até onde eu sei, você foi adotado. Por que acha isso?
- Como sabe que eu fui adotado?
- Essa não é a questão.
- Eu tenho medo de ser um pai ruim. Eu não convivi o bastante com meu pai adotivo para ter esse tipo de conversa.
- Ouçam bem. – Ele parou o taichi e se virou para nós. – Ninguém está pronto para ser pai, não importa se é uma gravidez planejada ou acidental. Vocês podem dizer que criariam de tal forma, mas a verdade é que terão que tomar decisões difíceis. Muitas vezes vão se questionar se estão fazendo a coisa certa ou serão criticados por outros pais. A verdade é que não há caminho certo. Cada criança é diferente e vocês terão que aprender com elas. A menos que estejamos falando de maus tratos, aí sim teremos um caminho errado.
- Você já foi pai?
- Digamos que eu ainda sou. – Ele me lançou um olhar terno. – Vocês estão juntos, devem enfrentar qualquer problema juntos, começando por contar a Tingsi.
Um calafrio percorreu a minha espinha. Leiftan estava tão apavorado quanto eu. Não tínhamos pensado em como contaríamos a ela e se tentássemos esconder, nosso couro seria arrancado. Qinglong segurou nossos ombros como forma de nos apoiar. Sua presença era tranquilizadora.
- Vocês não são os únicos apavorados com a paternidade.
Ele simplesmente nos deixou. Leiftan e eu ficamos discutindo como contaríamos à Tingsi. Chegamos à conclusão que teria que ser hoje e que não havia forma mais amena de lidar com a situação. Fomos até o quarto dela. Ela tinha chocado novos mascotes.
- Você não se cansa de ter tantos mascotes? – Perguntei.
- Claro que não. A Lapy é a Airy e a Alcopafel é a Magnitude.
- Temos que te contar uma coisa muito importante. – Disse Leiftan.
Comecei a contar sobre a descoberta de Ezarel com a amostra de sangue e depois contamos a novidade. Tingsi empalideceu.
- Vocês só podem estar de brincadeira! Me digam que é brincadeira. – Negamos com a cabeça. – Puta merda. Boceta! Não era para isso acontecer! Mas é claro, você transou sem camisinha, deu no que deu! – Ela estava falando consigo mesma? – Teve sorte de não pegar uma bela gonorreia!
- Ting? – Leiftan a chamou.
- Eu nem sei se quero ter esse filho. – Aquilo nos chocou.
- O que está dizendo? – Como Leiftan consegue se manter calmo perante essa situação?!
- Como a gente vai criar essa criança? Os seus horários são péssimos, tem noites que eu mal vejo vocês e nem pensem em me fazer parir para arcar com essa criança sozinha.
- Claro que não! – Exclamei. – Que tipo de homem você pensa que eu sou?!
- Tingsi, você está com medo?
- Medo?! Eu estou apavorada! A minha vida está ligada à merda daquele oráculo e eu vivo parando na enfermaria, vocês têm horários super inconsistentes e às vezes trabalham o dia todo! Como a gente vai lidar com um bebê?! Vocês sabem ao menos cuidar de um bebê?!
- Não. – Admitimos em uníssono.
- Nem eu! Ótimo, somos três órfãos fodidos com um bebê!
Quando Qinglong disse que não éramos os únicos apavorados com a paternidade, eu achava que ele estava se referindo a Ezarel e Nevra. Tingsi estava tão apavorada quanto nós. Ela também tinha razão, ela vivia parando na enfermaria e tinha o caso da Oráculo e o Daemon. Segurei a sua mão e a acariciei com o meu polegar. Leiftan se sentou ao lado dela e segurou sua outra mão.
- A gente vai dar um jeito. Eu prometo.
- Eu posso estudar os nossos horários e arrumar um jeito de não deixarmos o bebê sozinho. – Disse Leiftan. – Também acho que poderíamos conversar com a Ewelein para sabermos como lidar melhor com isso.
- A gente vai te ajudar a cuidar, está bem. Você não precisa desistir das artes marciais para isso.
- Obrigada. – Ela beijou cada uma de nossas mãos. – Eu não mereço vocês, sabiam?
- Você só fala besteira. – Disse antes de beijar sua mão, a fazendo rir.
===Nevra===
- Puta merda, Ez! A gente vai ser pai!
- Isso só pode ser piada! Nevra, me diz que isso não está acontecendo!
Nós tínhamos ido ao quarto do Ez discutir sobre isso. Eu não consigo acreditar! Dagma está grávida!
- Meus pais vão me matar! – Lamentou ele.
- Os seus?! Os meus vão vir aqui me arrastar pelos cabelos até em casa e me matar!
- O que a gente vai fazer?!
- A gente vai morrer!
- Eu sou lindo demais para morrer!
- Eu sou mais lindo ainda para morrer!
- A gente vai ter um bebê e depois vai morrer!
- Ou morrer antes de ter um bebê!
- Querem calar suas bocas e parar de choramingar?! Nem Zhuniao consegue ser tão dramático assim!
- XUANWU?!
Por que o meu psicólogo está aqui?! Eu tinha jurado que Ezarel tinha trancado a porta. Ele se acalmou e se sentou na poltrona.
- Perdoem meu comportamento. Podemos começar?
- A gente vai ter um bebê! – Ez gritou.
- Sim, vocês já gritaram isso.
- Nossos pais vão nos caçar e nos esfolar vivos! – Eu gritei.
- Gritaram isso também.
- A gente vai morrer! A gente vai ter um bebê! Vamos ter um bebê e depois vamos morrer! – Gritamos e nos abraçamos choramingando.
- Eu devia ter deixado Baihu descer o cacete nesses dois.
- O que você disse?! – Perguntei.
- Eu disse que vocês precisam respirar fundo e se acalmar. Dagma vai ter um bebê, vocês serão pais e estão se comportando como duas crianças que fizeram algo errado.
- Mas a gente fez algo errado.
- Diga isso para Dagma, talvez eu vista branco para o seu enterro. Ou talvez eu não precise me trocar visto que os ocidentais adotam preto para os funerais.
- Xuanwu, o que a gente faz?! – Perguntou Ezarel.
- Parar de entrar em pânico já é um começo. Vamos começar com você, Ezarel. Conte-me o que o incomoda.
- Olha, eu não tenho problema com o bebê se é o que você acha. É só que isso foi inesperado.
- Tão inesperado a ponto de gritar aos quatro ventos que seus pais vão te matar?
- Eu entrei em pânico, está bem?! Se eles souberem que eu engravidei uma garota antes do casamento, vão arrancar o meu couro.
- Seus pais são ruins?
- Pelos deuses, não! Eles são ótimos.
- Então o que está esperando para comprar as alianças?
- Não é tão simples assim!
- Ou você que não está sendo sincero quanto ao seu passado. E você, Nevra, o que o incomoda?
- Meu pai jamais aceitaria, principalmente se ele descobrir que Dagma é faeliana. Ele seria capaz de matá-los se descobrir que terei um filho mestiço.
- Mesmo que matar alguém de seu próprio sangue o torne amaldiçoado pelos deuses? Se bem me lembro, seu pai é surpesticioso e sabe que você é chefe da Sombra. Quantas pessoas ele enviou atrás de você e de sua irmã?
- Nenhuma, mas se ele descobrir, pode ser diferente.
- Pelo que eu saiba, você está morto para ele. Por que se dar ao trabalho de matá-lo? – Ele suspirou. – A questão não são seus pais, vocês que têm medo de assumir uma responsabilidade enorme para o resto de suas vidas. Medo ser como eles e de cometerem os mesmos erros. Medo de falharem da mesma forma que eles falharam com vocês.
Ezarel e eu nos entreolhamos boquiabertos. Essa doeu na alma.
- Alguns pais são narcisistas, outros querem o bem de seus filhos, mas não percebem o quanto podem prejudicá-los. Ambos possuem vivências diferentes, mas há coisas que os marcaram. Precisam resolver suas pendências e se libertar de antigas amarras.
- Pensei que você fosse nos aconselhar sobre o bebê que está por vir e não tratar nossos problemas. – Disse Ezarel.
- O futuro é o reflexo do passado. Não há como mudar o passado, mas pode aprender com ele, descobrir o que deu errado e consertar ou então evitar que se repita.
Ele simplesmente foi embora. Xuanwu não é a pessoa mais fácil de interpretar. Ele começa falando uma coisa e termina falando outra, que na maioria das vezes não tem sentido nenhum. Decidimos que o melhor a se fazer era contar para Dagma. Nós fomos até o quarto dela à noite.
- Ez, Nev, que bom que vieram. Tem uma coisa que preciso contar a vocês.
- Antes, nós temos algo a dizer. – Comecei.
- Eu analisei o seu sangue como me pediu e descobri uma coisa.
- Então vocês sabem da minha gravidez.
- Quando foi que...?! – Tentei perguntar.
- Eu estava suspeitando que tivesse algo errado nos últimos dias, então fui até Ewelein. Ela me contou tudo que vocês encontraram na amostra, inclusive a minha gravidez. Nem acredito que vamos ser pais!
- Eu também não. – Confessei.
Ezarel pôs a mão em sua barriga. Ele tinha um sorriso no rosto. Dagma estava radiante. Vê-la sorrir aquecia o meu coração e fazia um sorriso bobo surgir em meu rosto. Segurei sua mão e a levei aos meus lábios.
- Dagma, não importa o que aconteça. – Disse Ezarel. – Eu vou te proteger, custe o que custar.
- Você sempre me diz isso.
- É porque é verdade. – Eu falei. – Irei cuidar de você e do nosso filho. A partir de hoje, é bom ir devagar com os treinos.
- Farei isso. Eu quase ia esquecendo. Para comemorar o fim dos tremores, haverá um baile em um reino élfico. A guarda está convidada.
- Em qual reino?! – Perguntou Ezarel.
Depois disso, tivemos que levar Ezarel até a enfermaria.
===Leiftan===
Achei melhor deixar Tingsi com Valkyon para encontrar Ashkore. Eu mal consegui me recuperar da notícia da gravidez de minha amada. Me pergunto se o filho que ela carrega é meu ou de Valkyon. Não que isso faça diferença, seja lá de quem for teremos problemas. Valkyon não se revelou um dragão e ninguém sabe que sou um aengel. Nossos filhos ser tornarão um recomeço para ambas as raças e é isso que eu temo.
Caso seja dele, eu não sei se vamos conseguir esconder um dragão, mas se for meu, as asas aparecerão com o tempo. Preciso pensar em como mandá-la para longe daqui, talvez construir nossa vida em outro lugar. Terei alguns anos para pensar nisso, o mais importante agora é enfraquecer a ligação entre Tingsi e o Oráculo.
- O que você quer? – Perguntei ao avistar Ashkore.
- Você me deve explicações. Você disse que essa humana não seria uma ameaça.
- Enquanto ela não se envolver, sim.
- Não se envolver?! Ela literalmente incorporou um deus!
- Fiquei tão surpreso quanto você.
- O melhor a se fazer é eliminá-la.
Sem pensar, me joguei contra ele e soquei seu rosto de forma que a máscara saísse. Segurei seu pescoço e o ergui do chão.
- Escute bem, se você tocar em um fio do cabelo dela que seja, nem os deuses ancestrais irão salvá-lo de mim.
- Leiftan, eu....
Apertei ainda mais seu pescoço e o pus contra uma árvore. Cheguei perto de seu ouvido, minha respiração contra sua pele. O desgraçado deve estar excitado com isso. Ótimo.
- Eu te ofereci a minha ajuda, não se esqueça disso. Sem mim, você não é nada.
Eu me afastei e o larguei. Lance estava no chão, com a mão na garganta tentando respirar. Me virei para sair, mas antes tinha mais uma coisa a dizer, então me voltei para ele.
- A propísito, eu estive com o seu irmão. Ele me deixou sem poder andar o dia todo. – Sua expressão foi impagável.
- Eu estou tentando há anos te foder e você simples dá para ele?!
- O que posso fazer? Ele é um ótimo amante.
- Seu...!
Enfim fui embora. Espero que Ashkore não arrume mais problemas por enquanto, embora eu saiba que isso é impossível. Mais uma dor de cabeça para a minha coleção.
Chapter 49: Capítulo 49
Chapter Text
===Tingsi===
Novamente eu tive que sair do QG com Valkyon, Leiftan, Dagma, Ezarel, Nevra, Karenn, Chrome, Alajéa, Sonze e Huang Hua. A Purriry vinha também. A gente estava a caminho de Lund’Mulhingar para um baile de máscaras. Ezarel estava com uma vontade tão grande de ir que eu tive que entrar no limiar com Nevra e Dagma para encontrá-lo de tão bem escondido que esse filho da puta estava.
Ele não queria nos dizer por que, mas simplesmente não queria ir, mesmo Miiko garantindo que era seguro para ele ir ao palácio e que nada aconteceria. Fiquei sabendo por Valkyon que Lund’Mulhingar era a terra natal de Ezarel, alguma merda ele deve ter feito para não querer voltar. Tive que emprestar a capa que ganhei do estranho para ele.
- É só até a gente chegar ao palácio, depois disso você se vira.
- Acha que isso vai dar certo?
- Experimente com os outros membros.
Ele só não conseguiu enganar Valkyon e Leiftan porque os dois já sabiam da capa. O Nevra e a Purriry imploraram para que eu vendesse para eles. Purriry tinha analisado o tecido e concluiu que era diferente de tudo que ela já tinha visto, mas era de qualidade.
Lund’Mulhingar era um reino feito de madeira clara com vários arcos góticos, janelas gigantes e bem abertas. É tipo Valfenda, só que sem as cachoeiras e que odeia humanos também. Nossos amigos estão preocupados com esse detalhe, desde que eu não abra a boca sobre a Terra e diga que sou faeliana, vai ficar tudo bem. Como se isso fosse o suficiente.
Assim que chegamos à porta do palácio, pedi para Ezarel devolver minha capa, quase torci o braço dele para isso. Ele colocou uma capa comum enquanto eu amarrei a minha ao redor do pescoço. Ao entrarmos, fomos recebidos por um elfo loiro de olhos azuis com cara de cu. Todos os elfos do lugar ficaram surpresos ao olhar para a gente, em especial para Ezarel. Vai dar merda, posso sentir.
===Dagma===
Ezarel estava muito estranho durante a viagem. Mesmo que eu tenha pedido várias vezes para ele me contar, estava claro que ele não queria falar. Ao sentir o olhar de todos os elfos sobre nós, ele congelou e abaixou a cabeça. Segurei sua mão como uma espécie de apoio.
- O que temos aqui? – Disse o elfo que veio nos receber. – É realmente você, Ezarel?
- Sexto Príncipe Edlin. – Ele fez uma reverência. – Sim, realmente sou eu.
- Achei que estivesse morto depois que colocaram sua cabeça a prêmio.
- Como pode ver, estou bem vivo.
- E vocês devem ser a Guarda Eel. Ouvi falar de suas proezas e..... Essa deve ser a humana.
Ele parou na frente de Tingsi com escário. Ezarel apertou ainda mais a minha mão. Eu também estava preocupada. Tingsi não é a pessoa mais paciente do mundo e ela ainda tem o cheiro da Terra, mas sabe se defender.
- Onde conseguiu isso?! – Ele se referia à capa.
- Com a sua mãe.
- Perdão, ela não quis ofender a rainha. – Desculpou-se Leiftan colocando a mão em seu ombro. – Só a você.
- Garanta que ela controle a língua. A última coisa que precisa é de inimigos.
- Ou de anfitriões que gostem de quebrar as leis da hospitalidade.
- Príncipe Edlin. – Dama Huang Hua chamou sua atenção.
- Princesa Huang Hua. – Ele ficou mais cortês e até a reverenciou. – Suas irmãs chegarão logo. Deixem que eu mesmo mostro o lugar.
Ele nos guiou para um corredor vazio, onde ele parou de andar e deu um abraço apertado em Ezarel. Meu namorado relaxou e retribuiu o abraço. Os dois começaram a rir de alívio.
- Deuses, como eu senti a sua falta!
- Igualmente, Edlin. Como estão as coisas por aqui?
- Falaremos sobre isso depois.
- Vocês estão brincando comigo! – Exclamou Purriry furiosa. – Aquilo no salão foi encenação?!
- Eu lamento por isso. Não somos receptivos a humanos, principalmente depois do incidente envolvendo Ezarel.
- Que merda o Dobby fez para quererem a cabeça dele? – Tingsi perguntou.
- Pare de me chamar de Dobby, feiosa! E cadê seus modos, Edlin?
- Novamente peço que me perdoem. Sou o príncipe Edlin, o sexto na linha de sucessão. Ezarel e eu somos bons amigos.
- Deu para perceber. – Disse Nevra enciumado.
- Você deve ser a namorada dele. – Ele se voltou para Tingsi.
- Nem fodendo! – Exclamaram os dois, o príncipe Edlin parecia estar se divertindo com aquilo.
- Fazem um belo casal. – Provocou Nevra.
- Não começa, Zé do Caixão!
- Quem?
- Sabiam que nosso Ez tem uma quedinha por humanas?
- Edlin!
- Mesmo? – Perguntou dama Huang Hua. – Ezarel, por que nunca nos contou?
- Bom saber. – Provoquei.
- Dagma, não escute uma palavra do que ele disser!
- Você deve ser a verdadeira namorada do Ezarel. – Ele se voltou para mim.
- Sim, meu nome é Dagma, vossa alteza.
- Apenas Edlin está bom.
Nos apresentamos um a um e o príncipe Edlin nos levou para conhecer o palácio. Diferente da cena no salão, ele parecia ser bem mais amigável. Quando cruzávamos com outro elfo, ele tratava Ezarel mal.
- Por que você trata o Ezarel mal se vocês são amigos? – Perguntei.
- Essa é a única forma de ficar perto dele, caso contrário não só serei reprendido como proibido também.
- A merda que o Ezarel fez foi tão grande assim? – Tingsi perguntou.
- Digamos que se não fosse por mim e pelos pais dele, ele teria sido enforcado.
Olhei para Ezarel pedindo respostas, mas ele apenas estava cabisbaixo. Segurei sua mão o fazendo se assustar. Ele me deu um sorriso fraco.
- Enquanto estiver no palácio, ninguém poderá tocá-lo. Ainda assim o aconselho a não perambular sozinho pelos corredores e a não sair destes muros. Nesse momento, Tingsi tem mais liberdade que você.
- Posso perguntar o porquê? – Questionou dama Huang Hua.
- Pela cena que ela fez no salão, ficou claro para todos que ela é namorada do braço direito da líder da Guarda de Eel e de um dos maiores mediadores de Eldarya. Ninguém em sã consciência aprontaria com a namorada de um diplomata.
- Nesse caso, talvez seja melhor me acompanhar durante as negociações. – Disse Leiftan.
- Só se quiser me matar de tédio e foder com as negociações. Isso atrapalharia o seu trabalho.
Enquanto passávamos por um dos maravilhosos jardins, nós vimos um grupo de ninfas. Entre elas estava a minha mãe. Assim que ela me viu, correu para me abraçar.
- Dagma, minha querida filha!
- Mãe! Você também veio.
- Eu não perderia por nada. São seus amigos? Eu reconheço alguns rostos.
- Você é Aria? – Perguntou dama Huang Hua. – Dagma me contou muito sobre você. É um imenso prazer finalmente poder conversar com você.
- O prazer é todo meu, princesa Huang Hua. Qual desses charmosos homens é o Nevra? Estou louca para conhecê-lo.
- Sou eu, senhora. – Nevra ficou tão nervoso que tive que segurar sua mão. – Agora eu sei de onde Dagma tirou tanta beleza.
- Você sabe que eu sou adotada.
- Isso é só um detalhe.
- Dagma escreve muito sobre você e Ezarel. Quando eu poderia imaginar que minha querida filha estaria em um relacionamento triplo?
- Mãe!
- Relacionamento triplo?! – O príncipe Edlin ficou surpreso. – Ezarel, as suas cartas indicavam que tinha uma namorada, não que estava em um relacionamento triplo. Se seus pais descobrirem....
- Eu sei, por isso não contei a eles. – Ezarel estava em pânico. – Por favor, Edlin, não comente nada com eles. Agradeceria muito se nenhum de vocês comentasse sobre isso.
- Os seus pais estão aqui?
- Eles são os alquimistas reais. – Contou príncipe Edlin. – Ezarel também costumava ser um.
- Você nunca me contou.
- Eu prefiro não falar sobre isso.
- E quando pretende? – Perguntou a minha mãe.
- Mãe, isso é algo que eu e Nevra temos que resolver com Ezarel.
- Claro. Mas estejam avisados: se qualquer um dos dois magoar a minha filha, vão desejar nunca ter nascido. – Os dois engoliram em seco.
- Está pronta para conhecer os seus sogros? – Perguntou o príncipe Edlin.
Fomos até a torre de alquimia e minha mãe veio conosco. Ela e dama Huang Hua conversavam alegremente. Dessa vez quem estava nervosa era eu. Quando chegamos à torre de alquimia, nos deparamos com um homem de cabelo prateado e olhos verdes e com uma mulher de cabelo e olhos azuis. Ambos estavam elegantemente vestidos, embora estivessem mexendo com itens de alquimia. A mulher abraçou Ezarel com força antes de dar um tapa nele.
- Eu não sei se é muita coragem ou muita estupidez sua de voltar aqui. – Ela o abraçou novamente. – Que bom que voltou.
- Achamos que nunca mais o veríamos. – Dessa vez o homem o abraçou.
- Mãe, pai, quero que conheçam meus amigos da Guarda de Eel. – Ele apresentou todos um a um. – Esta é a dama Huang Hua dos Ren-Fenghuangs.
- É um prazer conhecê-los.
- Dama Aria, a emissária das ninfas.
- Muito prazer.
- E esta é Dagma. – Ele segurou a minha mão e me trouxe mais para perto. – Minha namorada.
- É um prazer conhecê-los.
- O prazer é nosso. – Disse o pai dele. – Eu sou Fionan e esta é minha esposa Liselle, somos os alquimistas reais.
- Ezarel seguiu nossos passos e se tornou o alquimista real mais promissor. Ficaríamos felizes ao ver que nosso filho está com uma ninfa tão talentosa na alquimia.
- Dagma é faeliana. – Minha mãe falou e eles arquearam as sobrancelhas. – Mas ainda é minha filha. – Ela pôs as mãos por sobre os meus ombros.
- Ficamos felizes por ele mesmo assim.
- Irei levá-los até seus aposentos. – Disse príncipe Edlin. – Ezarel pode ficar em seu antigo quarto.
O príncipe Edlin nos fez andar pela torre de alquimia para deixar Ezarel em seu quarto antes de nos guiar aos nossos. Ele poderia ter pedido para um criado fazê-lo, mas preferiu fazer ele mesmo. Tingsi e eu fomos as últimas a ser deixadas. Os quartos eram amplos com lençóis claros, uma mesa para refeições, uma cômoda, um armário e uma escrivaninha. Eu ficaria no quarto ao lado do dela, mas resolvemos entrar no meu.
- Eu sei o que vocês querem perguntar e sei que você como namorada dele tem todo o direito de saber o que houve. Ezarel é orgulhoso demais para dizer, mas eu sei que vocês podem protegê-lo.
- Protegê-lo de que?
- Eu só vou contar se me contarem onde ela arrumou aquela capa.
- Por quê? Quer uma igual? – Perguntou Tingsi.
- Conheci alguém que possui uma com mesmo tecido. – Nós duas nos entreolhamos.
- Você sabe de onde ele vem?
- Não, por isso estou perguntando como conseguiu.
- Apareceu um estranho quando estávamos no templo fenghuang. Ele simplesmente me deu. Eu juro que é verdade.
- Eu posso confirmar. – Falei.
- Posso ver?
Tingsi tirou a capa para que ele analisasse. Ele não só mexeu no tecido como passou as mãos pelos broches de coelho. Ele devolveu a capa a ela.
- Como era esse estranho?
- Não deu para ver o rosto, mas pelas mãos era pálido e tinha o cabelo branco que brilhava no luar. Ele também estava usando uma capa parecida. A pessoa que você conheceu era assim?
- Um pouco, mas os broches eram as runas mannaz e laguz.
- Sinto muito, mas elas não me dizem nada e eu não sei quem era ele.
- Entendo.
- Agora, que caralhos aconteceu com o Ezarel?!
- Ele foi acusado de traição. – Engoli em seco e olhei para Tingsi.
- Ele roubou todo mel do reino?
- Antes fosse. Sabem, Ez nunca quis ser um alquimista real, mas como ele é o único filho de Fionan e Liselle, ele foi obrigado a seguir este ofício. Muitas das vezes eu o resgatava das aulas de alquimia.
- Foi por isso que ele se tornou o terceiro alquimista real. – Concluí.
- Exatamente. Um dia, ele estava colhendo bagos de fogo quando encontrou uma garota humana. Ele a escondeu de todo reino e resolveu ajudá-la a voltar para casa. Ela acabou se apegando ao Ezarel, mas não podia ficar aqui. Então, nós dois usamos da nossa influência para roubar alguns ingredientes reais para a ativação de um portal.
- Eu não entendo. Se é só isso, por que Ezarel não me contou?
- Não é só isso, não é? – Perguntou Tingsi.
- Infelizmente um dos nossos associados nos delatou. Fiquei trancado em penitência por um ano enquanto Ezarel e outros associados a nós foram acusados de traição real e condenados à forca. Os pais dele conseguiram livrá-lo, mas os familiares daqueles que foram condenados colocaram sua cabeça a prêmio. Certo dia, ele foi emboscado por seus próprios amigos e não teve escolha a não ser fugir. Soube que eles apanharam feio de uma kitsune raivosa e voltaram correndo para o reino.
- Está falando da Miiko?
- Tingsi!
- Que foi? Ela é a única kitsune raivosa que tem no QG.
- Desconheço os detalhes, mas soube que hoje ela é líder da Guarda de Eel. Infelizmente eu não posso protegê-lo, precisam pensar que eu o odeio, o que me coloca em uma posição difícil. Ouvi falar de vocês duas, de você principalmente, Tingsi. Posso contar com vocês para protegê-lo? Temo que ele ainda possa estar em perigo no palácio.
- Não se preocupe. – Falei. – Irei protegê-lo com a minha vida.
- Vamos falar com os outros. Valkyon e Nevra são amigos dele e vão nos ajudar com a OPD.
- OPD?
- Operação Protegendo o Dobby.
- Mas você gosta de implicar com o meu namorado!
- Normal. A gente se detesta desde o primeiro dia.
- Obrigado.
O príncipe Edlin nos olhou com profunda gratidão e saiu do quarto. Tingsi disse que iria ao dela desfazer as malas e me convidou para falarmos com os outros e para explorar o lugar de forma decente. Ela queria encontrar um bom lugar para treino. Enquanto eu organizava minhas, coisas, minha mãe entrou no quarto.
- Mãe, por que você tinha que dizer aquilo?
- Porque você não tem o poder das ninfas. Você sabe que elfos e ninfas são seres que comungam com a natureza.
- Mas eu posso enganá-los. – Fiz minhas mãos irradiarem calor.
- Eu sei, mas você não pode dar uma benção se um elfo pedir. Às vezes eles conseguem ser bem inconvenientes.
- Tem razão, me desculpe.
- Vá ajudar seu namorado. Deixe o resto comigo.
===Tingsi===
Dagma e eu contamos a conversa que tivemos com Edlin para Valkyon, Nevra e Leiftan. Soube pela Aria que Karenn tentou nos espionar, mas ela a impediu. Dagma queria contar a Huang Hua, então fomos procurá-la. Nós a encontramos em um dos jardins com Huang Jia e outra mulher de pele pálida, traços asiáticos, cabelo castanho avermelhado preso com aplique e olhos negros. E o velho chato veio também.
- Dama Huang Hua, Huang Jia, dama Huang Chu, Feng Zifu. – Dagma as chamou, eu só dei um oi geral.
- Dagma, Tingsi, o que eu posso fazer por vocês?
- Nós precisamos falar com você.
- É urgente?
- Descobrimos o que o Ezarel fez e porque tem gente querendo a cabeça dele. – Falei sem rodeios.
Huang Hua pediu para irmos ao quarto dela. Contamos o que ouvimos e ela concordou que não deveríamos deixá-lo sozinho. Como os rapazes iriam se encontrar, decidi que nós duas iríamos treinar.
- Tingsi, você está maluca?! A gente está....
- Ninguém precisa saber. Vamos começar com taichi e depois eu te ensino a dançar.
- Então nada de combate?
- Quem disse? Danças podem se tornar lutas e lutas podem se tornar danças. Dá para combinar os dois sem problema. O wushu mesmo tem essa possibilidade e minha amiga Damiana sabia lutar capoeira.
- O que é capoeira?
- Depois eu explico.
Começamos com taichi para relembrarmos os movimentos e treinarmos um pouco do equilíbrio. Depois fui ensiná-la a dançar e a como usar a dança como luta. Dagma aprendia técnicas de combate com uma velocidade impressionante, eu sou melhor em dança, então por que não combinar as duas coisas? Foi divertido, então pedi para que pegássemos as espadas e começamos a dançar enquanto nos golpeávamos. Qinglong me ensinou várias formas de lutar com uma espada e qual lâmina era melhor para cada estilo de luta, eu só precisava encontrar o meu.
- Nossa, essa foi intensa. – Falei quando demos uma pausa.
- Você tem uma forma diferente de treino.
- Não sou eu, é a lâmina. Cada lâmina tem uma forma diferente de manejo. Tipo, quando você lutou com Ezarel, não notou que ele manejava o florete de forma diferente da sua espada?
- Um pouco? – Disse sem graça.
- Isso porque floretes são mais pesados no punho e leves na lâmina, o manejo deles requer mais agilidade e golpes mais rápidos. A katana requer muita disciplina e precisão, as espadas mais curtas são mais rápidas e as mais longas envolvem agilidade e força. Quanto mais pesada, mais força você usa.
- Qinglong te treinou em quantas espadas?
- Todas que conseguiu imaginar. A última é a katana e suas variações. Não foi só ele. Cada um me ensinou vários tipos de armas diferentes.
- Eles vão te ensinar o cultivo como na série?
- Não. Eles até me dão umas dicas quando eu treino no mundo espiritual, eu estou por conta própria. Vamos nos divertir com o arco?
Ela concordou. Estávamos de boa usando o arco e flecha quando apareceu uma comitiva de elfos liderada por um elfo carrancudo de cabelo castanho escuro e olhos azuis. Ele parecia estar na dele, mas a comitiva não parava de puxar o saco. Havia outro que o acompanhava de perto, esse tinha o cabelo castanho claro e olhos azuis.
- O que estão fazendo aqui? – Perguntou o carrancudo.
- Vendo quantos idiotas me perguntam isso. – Rebati.
- Sua....
- Soltando flechas, o que mais? Quer se juntar a nós?
- Por que eu me daria o trabalho de praticar arquearia com uma humana?
- A menos que esteja com medo de perder para uma humana.
- Não seja ridícula. Consigo acertar um alvo a 300 km. Que chances você acha que tem contra mim?
- Pegue seu arco e descubra.
Atirei uma flecha bem no alvo. Ele atirou em um alvo mais distante. Apenas sorri, peguei três flechas de uma vez e atirei, acertando os alvos no meio. Aquilo mexeu com o ego dele, então fez o mesmo. Inventei de atirar enquanto estava em movimento e ele veio também. Ficamos os dois atirando e trocando de posições, usando todo o campo de treinamento para a nossa disputa silenciosa. Eu até atirei tês flechas enquanto dava cambalhota. Algumas coisas ele não conseguia fazer.
- Ela realmente foi páreo para o príncipe Garret? – Escutei um dos elfos comentar com os outros.
- Deixe de besteira, claro que ele deixou ela ganhar.
- Deixem de besteira. – O carrancudo chamado Garret ordenou aos outros.
Ele apenas olhou para mim com o orgulho ferido e saiu junto com os outros. O elfo de cabelo castanho claro ficou para trás.
- Nossa, eu nunca vi alguém ganhar do Garret antes. – Ele estava mesmo animado. – Há quanto tempo você treina?
- Menos que vocês, com certeza.
- Você tem namorado?
- Tenho dois e um deles é diplomata.
- Taerin, deixe-a em paz. – Garret tinha voltado para buscá-lo, mas seu tom de voz estava mais respeitoso.
Taerin foi embora, arrastado pelo Garret, deixando a mim e Dagma sozinhas de novo.
- Você derrotou mesmo o príncipe Garret! – Disse Dagma. – Eu tinha ouvido falar das habilidades dele, mas você o superou!
- Agradeça a Xuanwu que me fez atirar flechas até sangrar. E quem disse que sou superior? Está maluca? Ele acerta um alvo a 300 km! Eu o derrotei com a minha inteligência.
- E como ganhou com a sua inteligência?
- Simples. Eu só tive que mudar as regras. Se fosse uma simples disputa de quem acerta mais longe, não tem como ganhar de um elfo, por isso atirei três flechas de uma vez. Quando ele me viu fazendo algo diferente, ele começou a tentar provar que conseguia fazer também e foi aí que tive vantagem. Eu só precisava mostrar que sei fazer algo que ele não consegue.
- Porque se você consegue fazer e ele não, isso acabaria pondo em dúvida as habilidades dele. Como elfos são orgulhosos, ele se recusaria a admitir a derrota e tentaria fazer algo diferente também.
- É nisso que nós humanos somos bons. Não se trata de ser o melhor, mas de tirar proveito da situação e tirar vantagem da adversidade.
Nosso estômago roncou, então fomos comer. Havia outro salão para os convidados fazerem suas refeições, pois o salão principal estava sendo decorado para o grande banquete.
- O que acha de pegarmos a Karenn e o Chrome e irmos à cidade?
- A gente vai fazer o que?
- Compras, ora. Eu quero ver se acho um diadema para usar com o meu vestido.
- Você não tem um que comprou na vila das ninfas?
- E daí? Isso não me impede de comprar coisas que eu quero e não preciso. Vamos, vai ser divertido.
- Está bem.
Catamos Karenn, Alajéa, Chrome e a Purriry e fomos à cidade fazer compras. Dagma resolveu trazer Huang Jia e a Huang Chu veio também. Fomos ao mercado.
- É a primeira vez que me chamam para um dia de compras. – Disse Purriry.
- Eu fazia isso com as minhas amigas sempre. Yeva comprava as coisas sem olhar o preço. O mais legal era experimentar as roupas e criticar ou brincar com elas.
- Brincar?!
- Eu já tenho roupa para o baile dada pela Purriry, vocês ainda não.
- É mesmo uma peça linda. Eu poderia fazer outras para eles.
- Olha, eu não preciso.... – Começou Chrome.
- Deixa de ser chato. Vamos!
A gente passou o dia no bazar experimentando as coisas e comprando. Às vezes eu fazia alguma imitação ou vestia algo espalhafatoso para chocar o pessoal. Também fiz o Chrome usar algumas roupas que peguei, fazendo a Karenn rir das caretas dele. Purriry ficou meia hora escolhendo tecidos para no final levar todos. Por incrível que pareça, Huang Jia e eu conseguíamos trocar algumas palavras sem ressentimentos, mas ela corava quando ficava muito perto de mim ou ficávamos sozinhas. Encontrei o que eu queria e comprei o que eu não devia. Notei que Karenn evitava Dagma a todo custo, o que achei estranho.
- Karenn, aconteceu alguma coisa entre você e Dagma?
- O que te faz pensar isso?
- Faz um tempo que estou notanto que você a evita. Está tudo bem?
- Você não tem que cuidar da sua vida?
- Só depois que você for à merda.
Ela ficou puta comigo e se afastou. Quando voltamos ao palácio, fui com Dagma até o quarto dela.
- Aconteceu algo entre você e a Karenn?
- Eu não sei. Quando eu perguntei a ela, ela disse “Depende, já cansou de transar com o meu irmão?”.
- Puta merda. Isso é ciúmes.
- Ciúmes?
- É, de você com o Nevra. É um cu isso.
- Já aconteceu com você?
- Comigo e com Latifah. O cara cancelava todas as nossas saídas por causa da irmã. Cheguei para ele e perguntei se ele estava namorando comigo ou com a irmã e terminei com ele. Se não faz esforço para ficar comigo, melhor nem me procurar. Latifah fez pior.
- O que ela fez?
- Mandou o cara se foder e transar com a puta da irmã dele porque era isso que ela queria e enfiou a porrada na irmã do cara em pleno churrasco de família.
- Pelos deuses!
- Ela é pior que eu. Olha que a gente tentou se dar bem com elas e avisou para eles que elas tinham que entender que eles tinham sua própria vida também. Não dá para ela ser a única na vida do Nevra, uma hora ele iria ter um relacionamento sério e você está grávida.
- Ela não sabe disso.
- É bom não saber ou vai surtar e você vai ter que enfiar a porrada nela.
- Tingsi!
- O que foi? Eu não tenho paciência para ciúme.
No jantar, coloquei o mesmo vestido preto que usei no funeral dos fenghuangs, um cinto élfico que comprei e um pequeno diadema, além de fazer um penteado élfico simples. Me sentei ao lado de Leiftan, que estava estagnado. Infelizmente Huang Jia estava quase na minha frente, corando e desviando o olhar.
- Você está linda. – Leiftan disse.
- Obrigada. É o mesmo vestido que usei no funeral, mas de outra forma.
- Ficou ótimo assim. – Ele se aproximou do meu ouvido e pôs a mão na minha coxa. – Eu adoraria tirá-lo.
- Depois. – Sussurrei de volta. – Onde está Valkyon? – Perguntei para a mesa enquanto segurava a mão dele para não ir longe demais.
- Ele ficou com Ezarel e Nevra. – Huang Hua respondeu.
- Mas estará livre hoje à noite. – Disse Leiftan.
- E você?
- Sinto muito, mas irei trabalhar.
- Dá tempo para uma rapidinha? – Sussurrei.
- Você é impossível.
- Eu vou ver como Ezarel está. – Disse Dagma. – Não o vi o dia todo.
- Eu também não o vi. – Disse Huang Jia. – Ele por acaso está doente?
- Eu também não vi o Dobby.
- Ele não saiu da torre de alquimia desde que foi levado ao seu quarto. – Contou Leiftan. – Ele tirou o dia para passar algum tempo com seus pais e receber alguns amigos.
Depois do jantar, levei Leiftan para o meu quarto. Foi difícil me desgrudar dele, mesmo estando com pressa. No fim, ele não tirou o vestido, apenas arriou as mangas e chegou a calcinha para o lado antes de entrar em mim. Fizemos na parede mesmo. Cada beijo dele era viciante. Mesmo sendo um breve momento, ele foi intenso.
- Eu queria passar mais tempo com você.
- Eu também. É melhor você ir. A papelada não vai se resolver sozinha.
- Infelizmente. Eu também tenho que me encontrar com o conselheiro chefe.
- Nossa, você é importante mesmo.
- Eu sei. Podemos nos encontrar amanhã.
- Vou te esperar.
Ele me beijou antes de sair. Tomei um banho e voltei para o quarto para continuar com o treinamento espiritual, reforçar as barreiras e tentar o cultivo. Mais tarde coloquei a camisola longa azul escura que o Valkyon adorava, penteei o cabelo e fui para o quarto dele.
- Tingsi, eu lamento por não passar um tempo com você, mas estou exausto.
- Não tem problema. Posso entrar, te fazer uma massagem, você me conta o seu dia e a gente dorme.
- Está ótimo para mim.
Assim que entrei, pedi para ele deitar na cama. Ele obedeceu. Comecei a massagear seus ombros e suas costas. Ele estava duro como pedra de tão tenso. Aos poucos eu o senti relaxar.
- O que fez hoje?
- Ajudei os elfos a descarregar algumas coisas, arrastei cadeiras no salão principal e fui ver Ezarel.
- Como ele está?
- Sobrevivendo. Ele estava com saudade dos pais. Soube que você desafiou o Terceiro Príncipe Garret para uma competição.
- Foi um treino amistoso. Dei um banho nele.
- Tingsi, não estamos aqui para causar confusão e como assim você deu banho nele?
- É só uma expressão para dizer que o derrotei sem dificuldade. Ele quem começou. Não é porque é realeza que pode ser um babaca.
- Tome cuidado, está bem? – Ele pegou a minha mão e a beijou antes de se virar para mim. – Você está grávida, então vá devagar.
- Estou tentando. – Dei um beijo no topo de sua cabeça. – Eu juro.
Ele se virou e me pediu para deitar ao seu lado. Recostei a cabeça em seu peito nu e o acariciei. Valkyon afagava o meu cabelo.
- Eu te amo.
- Como pode ter certeza de que é amor e não uma simples atração? – Perguntei.
- Porque eu não preciso me esforçar para te amar. As coisas entre nós acontecem naturalmente e eu não me canso de estar com você.
- Nem nos piores momentos?
- Principalmente nos piores momentos. Quero estar com você em todos eles, sejam bons ou ruins. Tudo bem se não se sentir assim, você também gosta do Leiftan.
- Isso não tem a ver com você ou ele. Eu não sei o que é isso, nunca senti, mas quando estou com vocês, eu me sinto segura. Sinto que posso contar com vocês.
- Entendo.
Ele beijou minha testa e ficamos sem dizer nada, apenas apreciando a companhia um do outro. Não demorou para que eu o ouvisse roncar. Ele estava mesmo exausto. Não pude evitar de sorrir enquanto adormecia.
===Dagma===
Depois do jantar, fui até a torre de alquimia ver como Ezarel estava. Ele estava em seu quarto com Nevra e Valkyon, os três estavam conversando quando cheguei.
- Dagma, o que faz aqui? – Perguntou Nevra.
- Vim ver como Ezarel está. Leiftan me disse que passou o dia com seus pais.
- Sim, eu passei.
- Eu já vou. – Disse Valkyon cansado. – O que eu mais quero é tomar um banho e dormir.
- A gente se vê amanhã.
Vlakyon saiu. Aproveitei para tomar o lugar dele à mesa.
- Ez, eu sei o que você fez.
- Edlin contou, não foi?
- Sim. – Segurei sua mão. – Quero que saiba que independente do que você acha, eu tenho orgulho de você. – Ele ficou surpreso. – Fez a coisa certa.
- Eu sei. Tenho medo de que algo aconteça com você.
- Eu vou ficar bem.
- E você tem a nós dois para protegê-la. – Disse Nevra com um sorriso.
- Eu não me preocuparia tanto comigo. Tingsi está me ensinando kung fu. É capaz de eu proteger vocês dois.
- Eu não reclamaria.
- Porque você é um folgado. – Reclamou Ezarel.
- Você pode me proteger também, Ez. – Ele o abraçou por trás.
- É mais fácil ele te usar como escudo.
- Hei!
Ezarel riu junto comigo. Ficamos até tarde quando Ezarel disse que iria ajudar o pai dele com um experimento. Nevra estava louco para tomar um banho, então combinamos de nos encontrar no meu quarto. Coloquei uma camisola vermelha comprida e comecei a pentear o cabelo. Nevra abriu a porta algum tempo depois.
- Isso tudo é para mim?
- Essa noite, sim.
- Só essa noite? – Ele fez beicinho.
- Não sei. Talvez possa me fazer mudar de ideia.
Nevra deu seu maior sorriso cafajeste antes de me beijar. Ele podia estar exausto, mas nessas horas não havia cansaço que o derrubasse. Eu me arrepiava com cada toque dele na minha pele, cada beijo dele me deixava sedenta pelo seu corpo. Ele me amou e depois bebeu meu sangue, como sempre fazia.
- Por que você cisma em beber o meu sangue se sabe que vai queimar a língua?
- Porque vale a pena. Ele é tão gostoso, assim como você. – Bati nele com o travesseiro morrendo de vergonha. – Embora ele esteja ficando ainda mais picante a cada dia.
- O que quer dizer com isso?
- Desde que você começou a treinar mais intensamente, ele parece me queimar mais.
- Eu sinto muito.
- Não se preocupe.
Ouvimos batidas na porta. Rapidamente eu me vesti enquanto Nevra só puxou as cobertas. Achei melhor ficar do lado de fora. Era Alajéa.
- Dagma, o Nevra está aí? Eu não o encontro em lugar algum!
- Sim, aconteceu alguma coisa?
- É a Karenn. Posso entrar?
- Só um segundo.
Mandei Nevra se vestir porque Alajéa queria falar com ele e era urgente. Só deu tempo de ele colocar a camisa e a calça, pois assim que começou a se calçar, eu deixei Alajéa entrar no quarto.
- Ally, o que foi?
- A Karenn não está bem. Você precisa vir logo!
A gente saiu do jeito que estava e fomos ao quarto dela. Nevra até arrombou a fechadura e ela não estava lá. Decidimos nos separar para procurá-la. Pensei em encontrar mais gente para ajudar na busca, mas ao mesmo tempo eu temia causar um grande alvoroço. Lembrei de Shaitan, a mascote do Nevra. Então fui até o quarto do Nevra pegá-la e depois ao quarto da Karenn para pegar uma fita para ela cheirar. Shaitan a encontrou discutindo com Nevra em um jardim. Ela estava tendo uma crise e eu decidi que iria observar antes de tomar qualquer decisão. Espero que Nevra tenha tudo sob controle.
- Se acalme, está bem? – Pediu Nevra. – Foi apenas um pesadelo, não precisa entrar em pânico por causa disso.
- Não foi só um sonho, Nevra! Basta você estar com ela que eu não existo mais.
- Já conversamos sobre isso. Dagma é minha namorada, por isso eu também passo tempo com ela.
- Mais tempo do que com sua irmã? Entendi muito bem.
- Eu não estou te substituindo, são coisas diferentes.
- Ah, claro. – Ela disse com sarcasmo. – Você quem está dizendo.
- Quando foi que eu te abandonei? Me responda isso. Eu sempre estive do seu lado quando você mais precisou, mas você tem que parar de ser egoísta! Eu também tenho a minha vida!
- Eu estou sendo egoísta?! Eu te segui até aqui quando você fugiu de casa! Eu abandonei a mãe e o pai por você! Você prometeu cuidar de mim e agora me deixou sozinha!
- Você sabe muito bem por que eu fui embora e não te forcei a vir comigo.
Fiquei pasma com aquela informação. Nevra fugiu de casa?! Ele nunca me contou isso. Karenn ficou furiosa com a última frase dele e resolveu fugir. Eu saí do meu esconderijo e a detive. Não podia deixá-la sozinha, mas tínhamos que resolver essa história de uma vez por todas.
- Você estava nos espionando?! Já não causou problemas o suficiente?!
- Eu estava te procurando. Nós estávamos te procurando. Estávamos preocupados com você.
- Ah, claro. Está tão preocupada comigo que não satisfeita com o Ezarel, você teve que transar com o meu irmão também.
- A ideia desse relacionamento foi justamente do seu irmão, inclusive ele se relaciona com o Ezarel também. Mesmo que não fôssemos eu ou Ezarel, você vai ficar assim por cada relacionamento que ele tiver na vida? Nevra vai ter que desistir de ter uma vida amorosa com alguém só para te fazer feliz?
- Karenn, uma hora isso teria que acontecer.
Karenn ficou furiosa e tentou me empurrar, mas eu a segurei, nos levando ao chão. Quando nos levantamos, ela me atacou, eu defendi usando kung fu ou wushu, sei lá. Não queria lutar contra ela, mas eu iria que lutar se fosse preciso. Apenas me defendi sem revidar, mesmo com sua agressividade crescente. Quando segurei seu punho, ela cravou as presas no meu antebraço. Nevra já tinha bebido um pouco do meu sangue naquela noite, mas Karenn o fez com violência.
Mal ela me mordeu, ela me soltou. Eu caí nos braços de Nevra enquanto via a Karenn levar as mãos até a garganta e fogo sair de sua boca. Ela estava sufocando pela queimação. Nevra a pegou pelo braço e nos levou até um chafariz próximo. Enquanto Karenn mergulhava a cabeça no chafariz para aliviar a queimação, Nevra me punha sentada de encontro ao mesmo. Ele afastou o cabelo do meu rosto, só então eu percebi que estava suando.
- Está tudo bem? – A voz dele parecia distante. – Eu vou te levar a um médico.
- Huang Jia está aqui. – Consegui dizer.
- Vou te levar para ela.
- O que está acontecendo?! – Escutei a voz de Leiftan surgir.
- Leiftan, você sabe em que quarto a Huang Jia está?!
- Não, mas é melhor as levarmos para dentro. Deixe que eu a carrego.
- Obrigado.
Leiftan quem me carregou para o palácio enquanto Nevra conduzia Karenn. Eles tentavam me manter acordada ao mesmo tempo em que Nevra detinha Karenn. O Lorialet bateu em uma das portas sem resultado. Ele bateu em outra porta e o rosto de Valkyon se fez presente.
- O que aconteceu?! – Ele perguntou.
- Valkyon, você sabe em que quarto está a Huang Jia? Eu não quero incomodar a Huang Hua.
- Não.
- Mas que porra é essa?! – Escutei a voz de Tingsi. – Tragam ela para dentro e a deitem na cama. Vão ficar zanzando com ela no colo? E o que aconteceu com a Karenn?
- É uma longa história. – Disse Nevra.
Como pedido, fui deitada na cama. Nevra levou Karenn até uma das cadeiras. Tingsi ficou do meu lado. Ela notou as marcas no meu antebraço e o pegou.
- Mas que porra é essa?! Nevra, me explique essa merda agora!
- A Karenn a mordeu.
- Valkyon, vai atrás da Huang Jia nem que tenha que bater de porta em porta. Leiftan, traz o Ezarel aqui agora, nem que tenha que arrastá-lo pelos cabelos.
- O Ezarel?
- É! – Ela parecia estar com dor de barriga.
Não os vi sair do quarto. Tingsi conversava comigo para me manter acordada e ao mesmo tempo brigava com Nevra e xingava a Karenn. Até que enfim escutei a voz da Huang Jia. Ela veio tratar de mim primeiro e me deu um elixir. Quase imediatamente escutei a voz de Ezarel me chamando. Aos poucos fui recobrando a percepção do que estava acontecendo. Ezarel estava ao meu lado, segurando a minha mão. Tingsi deu espaço a Nevra e estava com Leiftan. Valkyon e Huang Jia estavam com Karenn, sendo que ela estava dando um elixir e remédio à vampira e ele parecia estar de guarda.
- Está tudo bem agora. – Garantiu Nevra.
- Tudo bem?! Nevra, olhe o estado da Dagma! – Reclamou Ezarel. – Ela poderia ter perdido o bebê!
- Acha que eu não sei?! Como acha eu me senti quando ela quase desfaleceu nos meus braços?!
- Vocês não deveriam brigar em um momento como esse. – Ralhou Leiftan. – Caso queiram fazê-lo, aconselho a brigar lá fora. Todos já estão nervosos o suficiente com a situação.
Ambos comprimiram os lábios. Leiftan massageava os ombros de Tingsi com certa força, mas não a ponto de machucar ou ela estaria reclamando. Não era só ela quem estava tentando se acalmar, mas ele também.
- Como está a Karenn? – Perguntei.
- Teve a boca e a garganta queimadas e vai precisar de tratamento contínuo por algum tempo.
- Eu não sei como o Nevra não acabou do mesmo jeito. – Disse Ezarel.
- É porque eu bebo pouco e já estou acostumado, mas tenho notado que o sangue dela está mais ardente a cada dia.
- O que quer dizer com isso? – Perguntou a fenghuang.
- De alguma forma o meu sangue queima a boca do Nevra. – Respondi.
- Não só do Nevra, ao que parece de qualquer vampiro. – Disse Leiftan.
- Ou de qualquer um. – Disse Tingsi. – Já que ninguém mais além dos vampiros experimentou.
- Por que a gente beberia o sangue dela?! – Perguntou Ezarel.
- Curiosidade científica. Não sabemos se o sangue da Dagma afeta a todo mundo ou só aos vampiros.
- Por mais que eu esteja curiosa quanto a isso, Dagma perdeu sangue o suficiente para uma noite. – Disse Huang Jia. – O melhor é que descanse e faça atividades leves.
Todos concordaram. Nevra foi ficar com a irmã enquanto Ezarel me levou até meu quarto. Ele ainda estava furioso com a situação. Agora eu entendo por que Tingsi não tem paciência para lidar com ciúmes.
- Ez, por favor, se acalme.
- Estou tentando, mas não dá! Quando eu penso no que poderia ter acontecido....
- Está tudo bem agora. – Eu o puxei para mais perto. – Eu estou bem e o bebê também.
- Graças a Huang Jia. – Ele pôs a mão na minha barriga. – Eu não sei o que faria se algo acontecesse com ele.
- Você nem sabe se é seu.
- Independente disso, Nevra e eu vamos criá-lo mesmo assim.
Ezarel deitou exausto na cama e eu deitei ao seu lado. Estava cansada e de certa forma feliz que ele estava comigo. Quando eu estava quase dormindo, escutei a porta abrir e Nevra entrou. Ele estava esgotado e pela luz da lua dava para ver que seu rosto estava vermelho.
- Nevra? Eu pensei que fosse ficar com a Karenn, ela precisa de você.
- Eu a deixei com Alajéa. É melhor assim.
- Você quer falar sobre isso?
- Ela não me quer por perto agora. Está furiosa pelo que aconteceu, mas eu deixei bem claro que estou em um relacionamento e que as coisas serão diferentes. Independente se esse filho é meu ou do Ez, eu irei ajudar a criá-lo e se alguma coisa acontecer com você ou com esse bebê, Ez e eu não iremos perdoá-la.
- Só esqueceu da parte em que Tingsi disse que iria bater tanto nela que iríamos enterrá-la em uma caixa de sapato. – Disse Ezarel.
- Por que eu ainda me surpreendo? – Comentei.
- Sinto muito por tudo isso. – Nevra estava sendo sincero.
- Vamos deixar isso para amanhã. Estamos todos cansados.
Nevra veio se deitar conosco e fomos dormir. Eu estava tão exausta, que assim que fechei o olho, adormeci.
Chapter 50: Capítulo 50
Chapter Text
Cap.50
===Dagma===
Ezarel voltou para a torre de alquimia. Ele acha mais seguro ficar por lá e longe de mim para que os problemas dele não me atinjam. Tingsi teve a ideia de irmos treinar.
- Eu não sei se é uma boa ideia. Huang Jia disse para eu fazer atividades leves.
- E isso lá é desculpa? Taichi é leve e também teremos um treinamento especial, mas não se preocupe, não envolve lutas.
- O que está planejando dessa vez?
- Você vai ver.
Fomos até um dos pátios praticar taichi. O príncipe Taerin e o príncipe Edlin acabaram passando por aquela parte do palácio.
- O que vocês estão fazendo? – Perguntou o príncipe Taerin.
- Um aquecimento. – Respondeu Tingsi. – Resolveram aproveitar o dia e passear?
- Na verdade, viemos avisar que disponililizamos um dos salões para o caso de precisarem de aulas de dança. – Respondeu o príncipe Edlin.
- Obrigada. – Agradeci. – Eu tenho mesmo que te ensinar as nossas danças e algo novo que é a valsa.
- Eu conheço valsa, é a dança de salão mais comum.
- Mesmo?
- É. Eu dancei essa porra com Isaiah na formatura do colégio. Tem gente que faz festa com isso quando faz 15 anos também.
- Então, acho que você não vai precisar. – Disse o príncipe Taerin.
- Tem outras danças nesse sentido? – Perguntei.
- Tem. As mais famosas são a valsa, o flamenco, a salsa e o tango. Eu também gosto de forró, lambada e cúmbia, mesmo que não sejam bem de salão.
- Eu já ouvi falar desse flamenco. – Disse o príncipe Edlin. – Alguns nômades têm o costume de dançá-lo, mas desconheço as outras danças.
- É que são danças latinas. Longa história. Depois eu explico, Dagma e eu temos que treinar.
Tingsi praticamente me arrastou de lá para um campo mais aberto. Os príncipes vieram atrás de nós, curiosos com o treinamento. Tingsi arrumou umas espécies de pratos que jogavam para treinar pontaria. Ao invés de treinar com os arcos, ela decidiu que eu os acertaria com os meus poderes, pois precisava treiná-los todos os dias também. O problema é que ela não jogava em uma única direção, ela jogava em várias.
- Muito bom! Edlin, Taerin, podem me ajudar?
- Quem te deu permissão para nos chamar pelos nossos nomes? – Perguntou príncipe Edlin, mas ele não parecia furioso.
- Do que precisa?
- É a vez de vocês jogarem esses pratos. Dagma, o que acha de competirmos para ver quem destrói mais? Seus poderes contra o meu Zidian?
- Eu aceito.
Os príncipes élficos começaram a atirar pratos em várias direções, às vezes dois ou três por vez. Tingsi e eu os destruíamos, nos movendo para todos os lados. Acabamos ficando de costas uma para a outra e trabalhando em equipe para destruirmos os pratos. Decidimos dar uma pausa. Os príncipes pareciam estar se divertindo mais que a gente, então decidimos inverter as posições. Eles pegaram seus arcos para poder participar.
- Se treinassem com esse mesmo afinco todos os dias, não precisariam me procurar para resolver seus problemas. – O príncipe Garret apareceu na nossa área de treinamento.
- Você não é divertido. – Resmungou o príncipe Taerin.
- Há quanto tempo está nos espionando? – Perguntou o príncipe Edlin.
- Estou aqui desde que chegaram. – Ele se virou para Tingsi. – Você tem métodos bem estranhos.
- É melhor que os tradicionais.
- Vocês dois não deveriam estar com elas. Esqueceram que são amigas daquele traidor?
- Ao menos eu sei que o Ezarel é uma boa pessoa e que faz a coisa certa mesmo que seja prejudicado. O mesmo não posso dizer de um pau mandado. – Ele não gostou daquilo e eu também não me importava.
- Príncipe Garret, entendo que somos seus convidados, mas Ezarel é o meu namorado e amigo de todos que vieram conosco. Insultá-lo é o mesmo que insultar a todos nós.
- E olha que salvamos o teu rabo.
- Isso foi extremamente descortês, Garret. – Repreendeu o príncipe Edlin. – Não devia fazer pouco do Ezarel.
- Não o defenda, Edlin. Você se lembra muito bem do que te aconteceu por defendê-lo?
- Por acaso Lund’Mulhingar nos convidou só para nos insultar? – Perguntei.
- Ou vai ver nos chamou aqui para uma armadilha e dar cabo do Dobby.
- Nesse caso é melhor a gente falar com a Dama Huang Hua e irmos embora.
- Não há necessidade. – Disse o príncipe Taerin. – Garret, se desculpe com as meninas agora.
- Você também não gosta dele.
- E isso é motivo para insultar a Guarda de Eel? Não esqueça que foi o nosso pai quem os convidou.
A contragosto, ele se desculpou. Quem diria que o galante príncipe Garret fosse um babaca? Taerin se desculpou milhares de vezes pelo comportamento do irmão enquanto Edlin estava visivelmente chateado. Não sei o que aconteceu com ele, mas é visível que ainda se preocupa com Ezarel.
- Esse salão que vocês disponibilizaram para treino fica onde? – Tingsi resolveu perguntar tentando mudar de assunto.
- É um dos salões periféricos. – Disse o príncipe Taerin. – Eu posso mostrar, se quiser.
- Dag, a gente pode reunir todo mundo depois do almoço e colocar para dançar.
- Eu não sei se é uma boa ideia.
- Claro que é. Eu não sei muito bem as suas danças e não tenho ideia se Valkyon e Leiftan sabem dançar. Não quero chegar no dia e acabar com o pé quebrado por causa deles.
- Ezarel sabe dançar, isso eu garanto. – Disse o príncipe Taerin. – Ele e Edlin tiveram aulas juntos quando mais novos.
- Mesmo? – Perguntei. – Ele dança bem?
- Sim. – Respondeu o príncipe Edlin. – Embora tenhamos fugido de várias lições.
- Como ele era quando criança?
- Um diabinho. – Disse o outro príncipe.
- E quem nos ensinou a ser assim, Taerin?
Depois do Almoço, nós juntamos os membros da guarda e fomos para o salão. Apenas Karenn não foi, por estar com a boca queimada. Dama Huang Hua trouxe suas irmãs para o treino. Por algum motivo, o príncipe Taerin lançava olhares enraivecidos ao Ezarel. Tingsi trouxe a caixa dela para termos um pouco de música.
- Você não larga essa caixa? – Perguntou Ezarel.
- Eu tento, mas ela me persegue.
- O que quer dizer com isso? – Perguntou dama Huang Hua.
- Que ela pode ser roubada, tirada de mim ou então eu posso dar, vender, perder, jogar fora, atirar no mar ou explodir, ela sempre volta inteira para mim. Acreditem, eu já tentei.
- Esse negócio é amaldiçoado? – Perguntou o príncipe Taerin.
- Não faço ideia. Não vem mais gente não?
- Meus irmãos acham que dançar é perda de tempo e poderiam usar esse tempo para coisas mais proveitosas.
- Seus irmãos são uns cuzões.
- Tingsi!
Começamos a praticar as danças. Sonze convidou Alajéa para ser seu par, o príncipe Edlin convidou Ezarel, me deixando com Nevra. Já o príncipe Taerin ficou de ensinar a Tingsi, deixando Leiftan com a Huang Jia e dama Huang Hua com Valkyon. Chrome acabou tendo que aprender com a Huang Chu. Tingsi aprendia a dançar com a mesma facilidade com que eu apredia a lutar. Não demorou para ela dominar os passos de dança.
Fomos para a valsa. Como Tingsi temia, Valkyon não sabia dançar muito bem, já Leiftan era mais confiante, mas tinha horas que ele ficava perdido, diferente de Ezarel, Nevra e dos príncipes, que dançavam com maestria. Tingsi até se ofereceu para ensinar Valkyon e dançou um pouco com Leiftan para melhorar suas habilidades de dança. O príncipe Taerin teve a ideia de aprender flamenco, pois como tinha lido sobre ele e como Tingsi afirmou que sabia, foi o estopim para começar.
- Precisamos de saias longas.
- Para que? – Perguntou a Huang Chu.
- Para dançar, o que mais seria?
- E isso faz diferença? – A cara que ela fez, parecia que iria bater na outra.
- Que tipo de saia você está falando? – Intervi.
Tingsi pode viver a vida de forma despretensiosa, mas ela leva arte muito a sério. Dá para ver o quanto ela se orgulha de desenhar nas paredes. Ela chamou só as meninas e nos fez usar saias simples quase até o chão. Ela começou a nos ensinar a bater os sapatos no chão no rítimo da música, ora levantando a saia e ora não, além de bater palmas. Era visível que Huang Chu estava perdendo a paciência.
- Foi para isso que você nos fez usar essas saias?
- Só estamos no começo, você quer o que?!
- A gente vai ficar assim o tempo todo?
- Me acompanhe se for capaz.
Tingsi iniciou uma performance sozinha, sendo que tinha horas que ela usava a saia como parte da dança. Eu nunca tinha visto algo tão intenso, mesmo que fosse só com uma pessoa. Depois daquilo, ninguém mais abriu a boca, nem para perguntar sobre o tempo. Ela mostrou aos rapazes o que eles tinham que fazer também e olha, foi difícil, principalmente quando fomos dançar juntos.
O príncipe Taerin se arrependeu por ter pedido algo tão difícil, então perguntou se não havia algo mais fácil, então Tingsi resolveu nos ensinar salsa. A minha sorte é que o Nevra tem facilidade para dança, pois o Ezarel estava perdido. Leiftan, príncipe Taerin, príncipe Edlin e dama Huang Hua pareciam se virar, já Valkyon e Huang Jia pareciam dois golens de tão duros que estavam. A dança não era o forte da Huang Chu, tanto que ela se estressava, Tingsi trocava de parceiro constantemente para não prejudicar o Chrome.
Era noite quando terminamos de praticar. Todos estavam exaustos e com os músculos doloridos, isso não acontecia desde o treino com Baihu. Nevra, Ezarel e eu fomos jantar com Chrome e Leiftan. Tingsi queria ficar mais tempo para ajudar o Valkyon, Huang Jia foi ficar com as irmãs e os príncipes voltaram para seus familiares. Ezarel usava uma capa com capuz para estar perto da gente.
- Eu não me lembro da última vez que fiquei tão dolorido. – Disse Nevra. – Ez, faz massagem em mim?
- Claro, vai querer tirar a roupa e se deitar na mesa também?
- Se for a do seu quarto, sim.
- Nevra, se comporte. – Pedi.
- Me lembre de nunca mais pedir à Tingsi para me ensinar a dançar. – Disse Chrome.
- Nunca imaginei que dançar fosse tão difícil. – Disse Leiftan. – No entanto, com um pouco mais de treino tenho certeza de que iremos nos acostumar.
- Se a gente sobreviver até lá. – Tornou a dizer Nevra manhoso.
Nesse momento, chegou uma delegação estrangeira. Suas orelhas eram pontudas, suas roupas eram elegantes e escuras com detalhes em dourado, roxo e vermelho, mas o brasão que ostentavam era um morcego branco contornado em um fundo preto e uma joia vermelha no centro. Vi Nevra empalidecer e abaixar a cabeça.
- Nevra, está tudo bem?
- Eu preciso ir.
Nevra saiu do salão com a cabeça baixa para não ser visto. Estranhei sua atitude. Ezarel foi atrás dele. Ninguém na mesa parecia saber o que estava acontecendo. Achei melhor ir atrás dele também. Nevra tinha ido para o seu quarto.
- Está tudo bem?
- Sim, eu só tive uma má digestão, mas vou ficar bem.
- Eu já vou. – Ezarel nos deixou sozinhos.
- Eu vou ficar com Karenn hoje.
- Claro, ela precisa de você. Eu ia te falar que vou ficar com Ezarel hoje. Ficar aqui deve estar sendo difícil para ele.
- Eu posso imaginar. Cuide dele, está bem?
- E você da Karenn.
Nevra me abraçou e me beijou antes de sair do quarto. Definitivamente tinha algo errado. Achei melhor tomar banho antes de ir. Tive uma ideia um tanto ousada. Tingsi me contou que às vezes ia ao quarto dos namorados de pijama, então coloquei uma longa camisola branca e fui até a torre de alquimia. Ao abrir a porta do quarto de Ezarel, eu o encontrei com o príncipe Edlin. Morri de vergonha. Ele apenas me desejou boa noite e saiu do quarto.
- Dagma, por que está aqui?! E de camisola?!
- Era para ser uma surpresa, mas acho que não deu muito certo.
- Eu só não esperava que você viria.
- Se eu não viesse, você teria o príncipe Edlin te fazer companhia. Quem sabe ele não dormisse aqui.
- Isso está parecendo ciúmes.
- Claro. Quem não iria querer ficar com um príncipe charmoso como aquele?
- Hei! – Comecei a rir da cara dele. – A propósito, Edlin me contou que você e Tingsi quase arrumaram confusão com Garret.
- Não foi nossa culpa. Ele estava te insultando. Não viemos para cá para sermos insultados.
- Eu sei. Se eu não tivesse....
- Ez, foi a coisa certa a se fazer. Eu me orgulho de você. – Peguei sua mão e a beijei. Ezarel me abraçou com força.
- Eu não queria te arrastar para essa bagunça.
- Estamos juntos, a sua bagunça iria se tornar minha uma hora. Por falar nisso, você sabe o que aconteceu com Nevra? Ele disse que foi indigestão, mas parece que tem algo errado.
Ezarel me levou até a cama dele e me pediu para me sentar. Nos sentamos na cama e ele segurou a minha mão, ponderando o que iria me dizer.
- Dagma, o que você sabe sobre o Nevra? Ele te contou sobre o passado dele?
- Não. Ontem, quando ele estava brigando com a Karenn, eu descobri que ele fugiu de casa. Tirando isso, eu não sei mais nada.
- Eu não vou te contar por que isso cabe a ele. Sabe a delegação estrangeira que vimos no salão? – Acenei com a cabeça. – São de Yaqut e exatamente do clã do Nevra. A família dele veio para o baile.
Fiquei abismada. Era por isso que Nevra estava agindo daquele jeito? Era para ser um baile e agora sinto que estou entrando em uma grande confusão familiar. Eu deveria estar com ele. Ezarel acariciou a minha mão.
- Ele vai ficar com Karenn, ficará bem.
- Como isso foi acontecer? Era para ser uma festa e agora vocês dois não podem nem andar tranquilos por esses corredores!
- Dagma, olhe para mim. – Ele segurou o meu rosto. – A gente vai ficar bem.
- Não vai, Ezarel! Não dá para evitar todo mundo quando o baile começar.
- Eu não vou deixar que nada aconteça com você, eu prometo.
- Não é comigo que eu estou preocupada! E se tentarem te matar durante o baile?! E o Nevra com a família dele, como vai ser?! Ainda mais que não sabemos se esse filho é seu ou dele!
Desvencilhei meu rosto da mão de Ezarel. Eu não parava de chorar. Ezarel apenas me abraçou, me puxou para o seu colo e ficou afagando o meu cabelo até que eu me acalmasse.
- Não se preocupe, eu vou ficar bem. Nevra também não é de vidro. Não vamos deixar nada de ruim acontecer com você ou com o nosso filho. É com ele que a gente tem que se preocupar agora.
- Ez....
- Está tudo bem. Edlin disse que fará de tudo para que eu não seja prejudicado. Ficarei bem. Não fique assim, eu fico triste ao vê-la desse jeito.
Acabamos por nos deitar. Ezarel ainda me consolava, tentando me convencer que ficaria tudo bem enquanto algo dentro de mim dizia o contrário.
===Tingsi===
Valkyon teve que ficar comigo para algumas aulas particulares. Ele era um grande guerreiro, mas como dançarino, puta merda. Decidi só ensinar valsa a ele.
- Caralho! – Ele pisou no meu pé de novo.
- Desculpe. Eu não sou um bom dançarino.
- Valkyon, a dança é uma forma de expressão. Quando a gente dança, de alguma forma a gente expressa nossos sentimentos. Você dança todo duro, parece que tem medo de se expressar. – Ele ficou calado. – Você só precisa sentir. – Pus a mão em seu peito. – Relaxa e me deixa te guiar.
A música recomeçou e eu o guiei. Aos poucos fui me sentindo confiante para tentar passos mais arriscados. Quando a música ficava mais rápida, eu girava e me inclinava e quando ficava mais lenta, eu me aproximava mais dele e colava nossos corpos, sem quebrar o contato visual. Seu olhar era apaixonado, seu sorriso um pouco tímido, o que o deixava uma graça. Não pude evitar sorrir e retribuir o olhar. Eu poderia daçar com ele para sempre. Falando assim pareço uma idiota apaixonada. Está tocando They Don’t Know About us?
- Acho que está bom por hoje. – Falei. – A gente continua amanhã.
- Certo.
Fomos comer algo e depois fui tomar um merecido banho. Coloquei uma camisola longa e preta de renda, só iria passar no quarto para deixar a roupa suja e iria para o de Leiftan. Coloquei a capa para me cobrir, pois a noite estava fria. No caminho vi o príncipe Edlin se esgueirando de forma suspeita pelos corredores. Eu o segui até um pátio.
- Tingsi, é você! Os seus olhos.... Como pode...?
- O que tem meus olhos?
- Nada, é só impressão minha.
- Nada o caralho! O que tem com os meus olhos?
- Eles estão brilhantes, só isso. O que faz aqui?
- Vi que você estava estranho e vim ver se está tudo bem.
- Eu só vim tomar um pouco de ar.
- Não tem como inventar uma desculpa melhor não? Se alguém te encontrar vão pensar que está com uma bela de uma diarreia ou escondendo alguma coisa.
- Eu não tenho nada a esconder.
- Então veio cagar. Olha, se quer parecer que não está escondendo nada, tente relaxar e parecer normal. Qualquer coisa diz que perdeu algo importante.
- Agradeço pelo conselho.
Me virei para sair. O que ele tinha ido fazer ali não era da minha conta em todo caso.
- Tingsi. Obrigado por ter defendido o Ezarel. Ele é importante para mim.
- Eu teria feito por qualquer um.
Ouvimos um barulho de alguém derrubando um vaso e fomos ver o que era. Um rapaz estava caído com um vaso de planta quebrado. Ele era pálido, tinha o cabelo azul bem claro que brilhava ao luar, seus olhos eram de um azul claro e muito brilhantes. Ele era lindo, mas o que chamou a minha atenção eram suas roupas. Eram simples de cor azul claro e branco e ele usava uma capa igual a minha, porém os broches eram duas runas diferentes. Era a pessoa que Edlin falava quando me perguntou sobre a minha capa?
- Taith, você está bem?!
- Isso? Foi só uma queda.
- Está machucado? – Edlin se ajoelhou para analisá-lo melhor.
- Infelizmente não, nem mesmo um arranhão.
- Pare de falar besteira. Fico feliz que esteja bem.
- Mas se eu me machucasse, você iria cuidar de mim.
- Engraçadinho.
O tal Taith acariciou o rosto do príncipe e o beijou. Agora eu entendo por que ele estava com o cu na mão, era um encontro secreto. Taith parou de beijá-lo, se levantou e se voltou para mim.
- Nós nos conhecemos?
- Eu nunca te vi na vida.
- Taith, esta é....
- Edlin, a moça pode se apresentar.
- Tingsi Zhu da Guarda de Eel.
- Taith do Clã Máni. É um prazer te conhecer, mas eu e Edlin....
- Não tem problema. Eu não vi nada e ninguém precisa saber. Já estava de saída mesmo.
- Obrigado. Que o manto da escuridão a proteja e a noite revele o que o dia esconde.
- Para você também?
- É algo do meu povo. Você sabe, a noite revela o que o dia esconde, já que as pessoas tiram suas máscaras quando estão sozinhas no escuro.
- Que a escuridão proteja você também e essas coisas.
- Que a lua a guie e as ilusões desvaneçam.
Ele é bem estranho, mas não parece ser uma pessoa ruim, só um pouco atrapalhado. Ele também tem uma capa igual a minha, talvez ele saiba quem é a pessoa que me deu ou tenha uma pista. Ele disse que vem do clã Máni, vou ver se Leiftan sabe de algo. No caminho para o quarto do Leiftan eu trombei com a Huang Jia. Assim que me viu, ela corou.
- Você está de camisola?!
- É. Vai passear?
- Eu estava procurando Dagma.
- Se não estiver com Nevra, está com Ezarel.
- Entendo.
- Huang Jia, você tem algum problema comigo?
- Por que acha isso?
- Dessa vez é você quem está me evitando. – Ela ficou extremamente vermelha. – Pode me dizer o que é.
- Eu.... Eu ainda estou atraída por você.
Aquilo me pegou de surpresa. Estávamos tendo quase o mesmo diálogo que tivemos no templo, mas com os papéis trocados. Os mesmos sentimentos daquela noite me acertaram com um tijolo. Confesso que não tive muito tempo para pensar neles, aconteceu tanta coisa.
- Eu não tive tempo para assimilar ainda. – Confessei. – Aconteceu tanta coisa que nem deu tempo de respirar. Que conclusão você chegou?
- Eu não sei dizer. Eu quero te conhecer um pouco mais, mas ao mesmo tempo, eu não sei se é uma boa ideia.
- Eu acho melhor a gente falar com Valkyon e com Leiftan sobre isso. É uma decisão que vai além de nós duas. Eu vou encontrá-los no quarto do Leiftan, vamos lá?
- Agora?
- Quanto mais cedo isso se resolver, melhor.
Arrastei a fenghuang até o quarto do Leiftan. Quando abri a porta, vi os dois sentados nas cadeiras mexendo em alguns papéis.
- Trabalhando até essa hora?
- Valkyon está me ajudando com os últimos detalhes. Este reino é cheio de formalidades.
- Aconteceu alguma coisa? – Perguntou Valkyon preocupado. – Sua pressão abaixou de novo?
- Eu não sei por onde começar, mas fica tranquilo que eu estou bem e o bebê também.
Eles largaram os papéis e se viraram para mim. Achei melhor me sentar na cama. Huang Jia não parava de olhar para o chão.
- Lembram quando dormimos juntas no templo? – A fenghuang me olhou em pânico.
- Sim. – Respondeu o faeliano.
- Vocês ainda estão atraídas uma pela outra? – Perguntou o lorialet. – Por isso que vocês vieram falar conosco, para conversarmos sobre a relação?
- Eu sei que fiz merda e vou ter que resolver essa bagunça.
- Deixe-me pensar.
Leiftan andou de um lado para outro no quarto em completo silêncio. Valkyon estava processando o que estava acontecendo. O silêncio deles era agoniante, até que Leiftan empurrou Valkyon para fora do quarto. Huang Jia me olhou em busca de respostas, mas nem eu sabia o que dizer. Ficamos nessa tortura até que os dois voltassem.
- Nós conversamos e como tínhamos aberto a relação por não termos regras definidas, chegamos a uma conclusão. – Disse o lorialet.
- Iremos aceitar que vocês se relacionem. Contanto, queremos esclarecer alguns pontos.
- Ótimo, virei a filha de um casal gay e não me disseram. – Pensei alto demais. – Vocês dois estão agindo como pais que acabaram de conhecer o namorado da filha.
- Estamos treinando para o futuro.
- Coitada dessa criança quando crescer e for apresentar algum namorado para vocês.
- Nós sabemos ser bonzinhos. – Disse Leiftan.
- Alguns dias na prisão serão revigorantes.
- Prisão? Não vamos dar de comida aos krakens?
- Que horror!
- O que querem esclarecer? – Perguntou Huang Jia.
- Que tipo de relação vocês esperam ter? – Perguntou Leiftan. – Algo casual ou algo mais sério?
- Não me sinto confortável em relações meramente casuais. – Disse a fenghuang. – E não acho justo vocês terem que arcar com todos os ônus enquanto eu desfrutaria apenas dos bônus.
- Tingsi está grávida. – Lembrou Valkyon. – Como estamos em uma relação múltipla, devemos nos empenhar para criar esse bebê, não importa quem seja o pai. Estaria disposta a criar o filho de outra pessoa?
- É justo que em uma relação como essa, todos tenham responsabilidade quanto à criança. Irei ajudá-los a criar.
- Terão vezes que iremos todos para cama ao mesmo tempo. – Leiftan tornou a dizer e ela travou. – Isso a incomoda?
- Você não é obrigada a se relacionar com eles ou fazer parte dessas orgias. – Esclareci. – Nenhum de vocês é.
- Eu sei. Apenas quero esclarecer que tipo de situação ela poderá enfrentar. Se não estiver confortável, não iremos obrigá-la, mas preciso informar os detalhes.
- Quanto mais detalhes eu tiver sobre a relação de vocês, será melhor. Eu não quero me envolver nessa atividade com vocês dois. Não me entendam mal, eu apenas....
- Não precisa se explicar. – Disse Valkyon. – Como Leiftan disse, não iremos obrigá-la.
Ela parecia aliviada com aquilo. A entrevista continuou por mais algum tempo. Parecia até uma entrevista de emprego. Huang Jia também teve os apontamentos dela. No final, parecia que Leiftan e Huang Jia estavam fechando um contrato. Ela disse que tinha algumas coisas para resolver e saiu do quarto, me deixando com os outros dois.
- Vocês aceitaram a ideia rápido demais. Qual é a pegadinha?
- Nenhuma. – Respondeu Valkyon. – Já conversamos sobre isso no templo e abrimos a relação. Leiftan e eu apenas queríamos ter certeza se essa será uma relação duradoura ou apenas uma aventura.
- E o melhor jeito é colocando à prova.
- Para ser sincero, eu estive pensando o que aconteceria quando vocês duas se encontrassem depois da nossa estada no templo. – Disse Leiftan. – Eu imaginava que algo assim pudesse acontecer.
- Não estão chateados?
- Se você estiver feliz, é o que importa.
- E se eu não souber?
- Iremos descobrir juntos.
- Certo. Tenho outra coisa para falar com vocês?
- Andou se metendo em problemas? – Perguntou Valkyon.
- Não! Você pensa o pior de mim.
- Então o que é?
- É um cara.
- Outro?! – Perguntaram os dois surpresos.
- Não esse tipo de cara! Eu encontrei com alguém usando a mesma capa que eu.
- Quando isso aconteceu?! – Perguntou o lorialet.
- Um pouco antes de encotrar a Huang Jia. O nome dele é Taith, mas não conversamos muito. Algum de vocês já ouviu falar no clã Máni?
- Clã Máni? Não, sinto muito.
- Digo o mesmo. Se quiser podemos....
- Não precisa, Valk. Ele é amigo do Edlin, amanhã vou perguntar para ele. Vocês devem estar muito ocupados.
- Na verdade, amanhã estarei livre. Leiftan que estará ocupado.
- No entanto, eu posso procurar informações acerca do Clã Máni para você.
- Obrigada, Leif! E Valk, você precisa treinar dança um pouco mais. Se por acaso eu não puder....
- Não se preocupe, posso pedir ajuda para Ezarel ou Nevra.
- Ou talvez para a Huang Jia para nos acostumarmos a ela. – Disse Leiftan. – Pois precisamos estabelecer boas relações.
- É uma boa ideia. – Falei.
- Por falar em Nevra, chegou uma delegação de Yaqut. Acredito que seja o clã dele.
- Puta que pariu! – Ele esfregou as têmporas.
- O que foi? – Perguntei.
- É complicado, mas é provável que teremos problemas amanhã.
- Então é melhor a gente aproveitar enquanto amanhã não chega.
Leiftan foi o primeiro a me beijar. Ele estava sedento. Senti as mãos de Valkyon desprendendo a capa que eu vestia. Seus lábios foram para a minha nuca. Eles estavam mais ousados e mais intensos essa noite. Não sei se por ciúmes ou porque esses dois querem me deixar louca.
No dia seguinte choveu para cacete. Passei no meu quarto para pegar uma muda de roupa e fui tomar banho. Saí catando Edlin pelos corredores até que finalmente o encontrei.
- Finalmente te achei.
- Há algum problema?
- Você sabe onde posso encontrar o Taith? – Ele gelou.
- Por que você quer saber?
- Ele pode ter as informações que eu preciso. Principalmente sobre a pessoa que me deu a capa.
- Eu não sei.
- Como assim?
- Taith nunca me contou nada sobre o lugar de onde veio ou a que povo pertence, eu sequer sabia que ele pertencia a um clã até ontem.
- Mas vocês não estão juntos?
- Não exatamente. Em todo caso, ele se recusa em falar de sua casa. Diz que eu não vou entender ou chamá-lo de louco. Ele sequer usou a saudação de seu povo comigo. – Dava para ver que Edlin estava profundamente magoado.
- Como se conheceram?
- Foi em uma noite nos jardins, em um dos inúmeros bailes do reino. Ele estava caçando vagalumes de fogo quando o conheci e acidentalmente caiu em um de nossos canteiros.
- Onde posso encontrá-lo?
- Eu não sei, ele costuma aparecer à noite naquele jardim, por isso caminho por ele todas as noites.
- Ele virá ao baile?
- Sim. Com licença, eu preciso ir.
- Antes, pode responder mais uma pergunta?
- Claro.
- Sabe o que é esse Clã Máni?
- Infelizmente estou tão perdido quanto você. Eu vou à biblioteca procurar informações sobre isso, virá comigo?
- Não, obrigada. Eu preciso ajudar algumas pessoas com os passos de dança para amanhã.
- Eu quase tinha esquecido. Boa sorte.
- Para você também.
Essa história está muito estranha, mas Taith é a única pessoa que tem as respostas que eu preciso. Eu preciso encontrá-lo e pelo visto vou ter que esperar até amanhã. Espero que Leiftan e Edlin tenham mais sorte do que eu.
===Dagma===
Ezarel ainda estava ao meu lado quando acordei. Ele usava as roupas da noite anterior. O acordei devagar e dei um beijo de bom dia nele.
- Mas o que significa isso?! – Gritou a mãe dele.
- Mãe, a Dagma é a minha namorada. É normal que ela durma aqui.
- Dagma, querida, podia ter me avisado que vinha. Ezarel, é bom que você não arrume um filho antes de se casar.
Nós dois apenas nos entreolhamos. Ezarel me emprestou sua jaqueta e eu tomei café da manhã com a família dele. Eles não paravam de falar dos méritos do Ezarel como alquimista, no quanto tinham sorte de ele ter achado uma boa moça e o quanto a família real valorizava as ninfas. Finalmente ficamos sozinhos.
- Ez, você sempre quis ser alquimista?
- Meus pais são alquimistas, então é natural que eu me tornasse um.
- Não foi isso que eu perguntei. – Ele ficou quieto por algum tempo. – Ez....
- Está chovendo, é melhor eu te acompanhar até o seu quarto.
- Não precisa. Eu posso ir sozinha.
- De jeito nenhum! Quer pegar uma gripe?!
- E você quer que outros elfos te encontrem perambulando pelos corredores? Não vou ficar tranquila com você voltando sozinho.
- Deixe-me pelo menos te levar até a porta.
- Ficarei bem, não é tão longe assim e eu tenho a sua jaqueta para me proteger.
Havia uma ponte interligando a torre de alquimia e os andares superiores do palácio. O caminho não era muito longo. Apertei o casaco de Ezarel contra o meu corpo, a chuva fina e constante não demoraria a encharcar minhas roupas. Uma capa foi jogada sobre mim. Achei que fosse Ezarel, pois ele estava usando uma para perambular pelo palácio, então a vesti. Foi então que vi que a capa era de um vermelho alaranjado. O tecido dela parecia seda, mas que era confortável como algodão e leve como linho. Notei dois broches dourados em formato de runas nela.
- Não deveria sair desprotegida na chuva.
O homem que a tinha colocado em mim era alto, usava uma capa vermelha igual a que eu estava, mas dava para ver que suas roupas eram nobres e de cores quentes. Não conseguia ver seu rosto, mas pelas mãos, percebi que sua pele era negra e o pouco que via do cabelo era um laranja que ia ficando cada vez mais fraco nas pontas. Ele era muito diferente do estranho que Tingsi tinha descrito.
- Eu o conheço?
- Acho que você já ouviu falar de mim.
O homem retirou o capuz, me deixando ver seu rosto por um momento. Ele era bonito e facilmente chamava atenção. Seus olhos eram alaranjados e brilhavam como âmbar e fogo. Seu cabelo ia até um pouco abaixo dos ombros, tinha duas pequenas tranças na parte da frente e ficava mais escuro conforme se aproximava da raiz, parecia que estava pegando fogo. Minha mente estalou. Nevra tinha encontrado depoimentos dos Templários sobre o autor da destruição de uma base, cada um mais louco que o outro, mas a maioria falava de uma criatura flamejante.
- Quem é você?!
- Eu sou o seu pai.
Era como se o chão se abrisse sob os meus pés. O homem que tanto me intrigava e estava dando um nó nas nossas cabeças, o meu pai estava bem à minha frente! Sem que eu pudesse falar nada, ele me abraçou, eu só conseguia ficar imóvel.
- Esperei tanto por esse dia. – Ele me soltou e segurou meu rosto. – Você se parece tanto com a sua mãe.
- Por que você...?
- Eu não tenho muito tempo. Eu sei que tem muitas perguntas, mas logo vão perceber minha ausência. Eu só queria que soubesse que eu não queria abandonar você e sua mãe, mas as coisas não são simples assim.
- Eu não acredito em você!
- É a verdade. Eu só pude te ver porque é um dia de chuva e não vão conseguir me ver, mas não vou conseguir fugir da minha punição por mais tempo.
- Do que você está falando?!
- É uma longa história. Só quero que saiba que está no caminho certo e que tenho orgulho de você. Preciso ir.
- Espere!
Ele recolocou o capuz e saltou da ponte, mas não se machucou. Eu o vi correr e sumir na chuva. Entrei no palácio e comecei a correr pelos corredores. Não conseguia pensar direito.
- Dagma!
Encontrei Tingsi em um corredor. Por impulso eu a abracei e comecei a chorar. Nada mais fazia sentido.
Chapter 51: Capítulo 51
Notes:
Eu sei que não custa lembrar, mas eu já tinha feito os pais do Nevra antes do New Era, então eles vão estar com outros nomes (porque eu achei os da Beemoov horríveis) e com aparências diferentes.
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
===Dagma===
Tingsi me levou para o meu quarto. Às vezes ela ia até a porta para ver se tinha alguém no corredor. Algum tempo depois a Huang Jia entrou no quarto e alguém trouxe um copo de água com açúcar. Elas ficaram comigo até que eu me acalmasse. Contei a elas sobre o encontro com o meu pai.
- Ele veio assim, do nada?! – Disse Tingsi.
- Sim. Eu não entendo. Depois de todo esse tempo.... Eu não esperava encontrá-lo assim. Isso não faz sentido!
- Ele disse estava com problemas. – Disse Huang Jia. – Ele te contou o que era? – Balancei a cabeça negativamente.
- O que você acha disso tudo? – Perguntou Tingsi. – O que você está sentindo?
- Eu não sei! Nunca pensei que um dia.... Vocês devem me achar uma idiota!
- Não, é só muita coisa para absorver. Ele te disse o nome dele e o que era?
- Não. Ele não me disse nada.
Tingsi se ajoelhou e começou a analisar a minha capa, tocando o tecido e os broches.
- Esse tecido é diferente da minha, mas eu não vi nenhum tecido parecido. Esses símbolos não me são estranhos.
- São runas. – Tornou a dizer a fenghuang. – Infelizmente eu não as conheço.
- Nesse caso, eu tenho uma ideia.
Tingsi saiu do quarto e voltou com o notebook. Ela teve que explicar à Huang Jia o que era aquela coisa e nos contou que conheceu um cara chamado Taith que tinha uma capa igual a dela, mas com runas no lugar de coelhos.
- Jia, você conhece algum Clã Máni?
- Você me chamou de…?
- Não vou ficar te chamando de Huang Jia o tempo todo, isso cansa. Conhece ou não?
- Infelizmente não.
- Ótimo. Segundo o Google mani pode ser um restaurante, amendoim em espanhol.... Lenda da mandioca? – Ela via os resultados na tela.
- Mandioca?
- É um vegetal do Brasil. Uma mandioquinha frita cairia bem. Deu até vontade.
- Tingsi! – Chamei sua atenção.
- Vamos ver, runas. Consulta com runas, aprenda a ler runas, RPG runas.... Deixa eu ver nas imagens.... Aqui! Como Edlin disse, na capa de Taith tem as runas mannaz e laguz, já na sua são sowilo e dagaz.
- O que isso quer dizer?
- Eu sei lá, não entendo porra nenhuma de runas.
- Dagaz? – Huang Jia estava pensativa. – Isso não parece com o seu nome?
- Vamos ver, Dagma. O Google joga para Dagmar.
- Xuanwu uma vez disse que meu nome era variação de Dagmar.
- Deixa eu ver: nórdico antigo, donzela do dia, criada do dia, glória do dia. Não importa, é algo do dia.
- É possível procurar a origem dos nomes nessa coisa? – Perguntou Huang Jia.
- O que acabei de fazer?
- O que significa o seu?
- Ting é gracioso ou magro, além de ser onomatopéia para barulho de sino e Si parece que é um sobrenome e pode significar assumir o comando ou encarregar-se de um departamento. Dá para ver que minha mãe devia estar louca das ideias quando me deu esse nome.
Tingsi voltou a trabalhar no computador enquanto colocava música para tocar. Segundo ela era para trabalhar melhor e as músicas se chamavam Get Jinxed e Enemy, além de More e Pop Stars. Nós duas apenas olhávamos enquanto ela abria as páginas, lia o conteúdo e colocava informação no Power Point, ou seja lá o que isso é. Havia muitos anúncios, leituras e outras coisas, mas Tingsi disse que isso era mais ligado às crenças e adivinhação, mas não os descartava.
- Ok, ao que parece isso depende se estarão invertidas ou não. Mannaz quer dizer homem ou humanidade. Por esses sites, é ligada à integridade, fé, ajuda, altruísmo, conflitos, enfim, identidade e relacionamentos entre pessoas. Já Laguz quer dizer água ou lago e ao que parece é ligada à intuição, sonhos, emoções, ilusões, confusão, enganação.
- E as da minha capa?
- Dagaz é dia ou amanhecer, ao que parece está ligada à prosperidade, esperança, transformação, é um novo dia. No entanto a que mais chama atenção é a Sowilo, que significa sol. Está ligada ao sucesso, vitória, mas isso não importa. Sowilo é ligada diretamente à deusa Sól, a deusa do sol na mitologia nórdica.
- Por que isso é importante? – Huang Jia perguntou.
- Em quase toda mitologia, os deuses do sol e da lua ou são irmãos ou são amantes ou os dois, maas estão sempre interligados. Adivinhem qual é o nome do irmão dela?
- Sinto muito, mas eu não entendo de mitologia nórdica.
- Nem eu.
- Máni. Eu pesquisei e ele não tem uma runa própria, mas nessa confusão aparece muito a mannaz, porque eu acho que deve ser o M, e a laguz, que de alguma forma está ligada com a lua. Ou isso é uma puta coincidência, ou eu estou montando uma bela teoria da conspiração ou tem coisa aí.
- O que você acha que é? – Perguntei.
- Eu não sei. Pode ser alguma coisa ou pode ser nada e a gente só perdeu tempo.
- Eu não acho que tenhamos perdido tempo. – Disse Huang Jia. – Graças a você sabemos que o povo de Taith usa deuses nórdicos como nomes de seus clãs e runas como símbolos. Agora sabemos por onde procurar.
- Tem algo que não está batendo nessa conta.
- O que quer dizer?
- A minha capa é igual a do Taith, mas tem coelhos no lugar de runas. A da Dagma é um pouco diferente e não sabemos muita coisa sobre ela. Eu vou ter que perguntar a ele.
- Eu vou ver se encontro informações na biblioteca.
- Não, você fica com a Dagma para ter certeza de que ela está bem. Vou pedir ao Leiftan ou ao Edlin e depois passar para as aulas de dança.
- Eu quase me esqueci delas. Boa sorte.
Tingsi se aproximou de Huang Jia e a beijou antes de sair e levar o computador. Eufiquei confusa, afinal, quando foi que essas duas...?
- Huang Jia....
- É uma longa história, mas não tem com o que se preocupar, nossa relação é legítima.
- Valkyon e Leiftan estão sabendo?
- Sim, firmamos um acordo ontem. Parece que essa pesquisa serviu para para te distrair. Como está se sentindo?
- Eu não sei. Minha cabeça parece que vai explodir. Você tem algum remédio?
- Claro. Água com açúcar.
- Sério?
- Tenho um calmante fitoterápico, mas vai precisar descansar a mente.
Huang Jia me analisou e me deu o calmante antes de sair. Eu o tomei junto com a água com açúcar para me acalmar. Minha cabeça estava fervilhando com tantos pensamentos. Troquei minhas roupas e fui dar uma volta. Preciso falar com Ezarel e Nevra sobre o ocorrido. Optei por encontrar Nevra primeiro, assim vejo como a Karenn está.
Consegui encontrar Nevra pelos corredores, ao mesmo tempo, um homem também surgiu. Ele era claramente um vampiro, pálido, as orelhas pontudas, o cabelo preto até os ombros e os olhos esverdeados. Suas roupas eram vermelhas com detalhes dourados, brancos, alaranjados e azuis. Ele tinha um ar imponente. Nevra empalideceu.
- Nunca pensei que o veria novamente. – Disse o homem ríspido.
- O que você faz aqui?! – Nevra estava surpreso.
- O mesmo que você, eu presumo.
- Eu não acredito que te convidaram.
- Já se esqueceu que eu sou o líder? Onde está sua irmã?
- Não é da sua conta.
- Nevra, a gente precisa se preocupar? – Perguntei segurando o seu braço, ele estava trêmulo.
- Não é nada. Vamos.
Ele me pegou pelo braço e me arrastou pelo corredor. Ouvi um estalo e Nevra caiu ao meu lado. Eu o amparei. Ele tinha sido atingido por um chicote.
- Seu ingrato! Depois de tudo, você ainda me dá as costas?! – O chicote estalou de novo.
- NEVRA!
- Desculpe se eu não sou tão imoral quanto você. – Nevra reagiu.
- Moleque ingrato!
Ouvi o novo ressoar do chicote. Eu tentei defender Nevra esticando a mão. Um clarão surgiu e quando passou, o chicote tinha sido carbonizado, sobrando apenas cinzas na mão do agressor.
- O que está acontecendo aqui?!
- Príncipe Taerin! – Exclamei aliviada.
- Quarto Príncipe Taerin, isso não lhe diz respeito.
- Lorde Kieran, devo lembrá-lo que está na morada de minha família? Tudo aqui me diz respeito. – Ele veio até mim. – Vocês estão bem?
- Príncipe Taerin, me ajude a levá-lo até o Ezarel!
O tal lorde tinha ido embora. O príncipe Taerin me ajudou a levar Nevra até a torre de alquimia. Fionan e Liselle ficaram espantados quando nos viram e Ezarel correu para socorrer Nevra. Assim que pôs os olhos no meu namorado, as feições do príncipe mudaram, ele tinha um olhar de ódio em seu rosto.
Eles me ajudaram a levá-lo até o quarto de Ezarel ao mesmo tempo em que eu explicava o que tinha acontecido no corredor. Arrancamos a camisa de Nevra para ver as marcas, felizmente não havia sangue. Tirei uma pomada da bolsa e comecei a passá-la. O príncipe Taerin se desculpou com os alquimistas reais e comigo e olhou para Ezarel pela última vez antes de sair.
-Você não devia ter voltado. – Foram suas últimas palavras antes de ir embora.
- Eu não entendo. Ele não gosta de você, mas não te trata mal ou nos impede de te defender.
- Ele ainda não me perdoou pelo que aconteceu ao Edlin. – Disse Ezarel.
- Mas ele só ficou um ano sem sair do castelo.
- Foi isso que Edlin te disse? – Assenti.
- Ele mentiu, não foi?
- Edlin não ficou só preso, mas isolado de todos, tomou algumas chibatadas e por pouco não foi rebaixado a um civil e foi para a forca por ter me ajudado e me defendido.
Fiquei atordoada. Aquilo explicava por que o príncipe Garret o odiava tanto e por que o príncipe Taerin o evitava. Ezarel tomou as minhas mãos e as beijou, mesmo estando com resquícios de pomada. O pai dele voltou com um elixir e Ezarel fez com que Nevra o bebesse. O rosto do vampiro estava vermelho, o maxilar travado. Mudei de posição e coloquei sua cabeça em meu colo. Ele abraçou minha cintura com força, então fiz um cafuné. Esperei até que ele se acalmasse.
- Nevra, quem era aquele homem? – Perguntei com cautela.
- Era o meu pai.
- Ele está aqui?! – Ezarel estava perplexo.
- Infelizmente.
- Nevra....
- Ele não tinha esse direito! – Ezarel estava com raiva. – Vou falar com Edlin sobre isso.
- Ez, por favor, não!
- Eu preciso, Nevra! Pelo menos para deixar alguém de olho no seu pai para o caso de vocês se encontrarem de novo. Quem sabe o que pode acontecer na próxima vez?!
- Vamos mudar de assunto? – Pediu Nevra. – Dagma, por que estava me procurando?
- Deixa para lá, não importa mais. – Falei.
- Está com problemas, não está? – Perguntou o elfo.
- Dagma, você pode nos dizer. Não é porque eu estou com problemas que você deve esconder os seus.
- Eu conheci o meu pai.
- O QUE?!
Ambos estavam perplexos. Contei a eles tudo que tinha acontecido desde que saí da torre de alquimia até encontrar Nevra. Ezarel saiu correndo do quarto, me deixando sozinha com Nevra.
===Ezarel===
- EDLIN!
Eu o procurei por todo o palácio, pouco me importando com os olhares sobre mim ou se encontraria a princesa herdeira ou os monarcas ou qualquer um que me odiasse a ponto de me atacar pelos corredores. Ao menos eu não preciso me preocupar com Garret. Eu sei que ele me odeia e pode me matar sem dificuldades, mas ele é honrado e jamais quebraria as leis da hospitalidade, no máximo ele só vai me insultar. Edlin estava na biblioteca com Leiftan. Fiquei bem na frente dele.
- Preciso falar com você. Agora.
Ele nem fingiu me odiar, pois eu não estava brincando. O castelo tinha várias passagens secretas, nós dois as usávamos quando crianças para fugir das aulas. Fomos até uma torre um tanto esquecida onde nos escondíamos no passado.
- Quem é Taith?
- Tingsi não consegue ficar com a boca fechada?!
- Não é simples assim, Edlin! Quem é Taith?!
- É o meu amante. – Pisquei algumas vezes.
- Mas você não estava noivo?!
- Sim, mas você sabe que eu nunca gostei de garotas e este é um casamento político. Eu tento me livrar dele desde que foi anunciado.
- Por que não me contou?
- Eu mal consigo te enviar cartas e não sabia como te contar. Por favor, Ez, se alguém souber....
- Acalme-se, até onde sabemos, ele é só um amigo seu. Mas precisamos encontrá-lo.
- Eu não sei onde posso encontrá-lo, eu juro. Eu disse isso a Tingsi.
- Não é só Tingsi que está envolvida. Dagma conheceu o pai dela hoje e ele usava uma capa parecida com a deles.
- Ez, me diz que isso é brincadeira.
- Infelizmente não. Ele deu uma capa semelhante à Dagma. Receio que ele esteja com problemas.
- Como é essa capa?
- É vermelha, a composição do tecido é diferente, mas não é como os daqui e tem as runas sowilo e dagaz.
- Sowilo e dagaz? Desculpe, mas elas não me dizem nada. Ez, eu quero te ajudar. – Ele segurou minhas mãos. – Mas eu juro que não sei como encontrar Taith. Eu tento desde que nos conhecemos e não consigo descobrir de onde ele vem.
- Eu acredito em você. – Acariciei suas mãos.
- Você disse que o pai da Dagma está com problemas, que tipo de problemas?
- Eu não sei, por isso preciso encontrar Taith. Ele é a nossa única esperança.
- Não se preocupe. Ele me disse que virá ao baile.
- Junto com a família da sua noiva?!
- Por que acha que Taerin e eu sugerimos um baile de máscaras? Não é só porque meus irmãos não querem olhar para a sua cara feia, eu garanto.
- Claro, vocês seriam ofuscados pela minha beleza natural.
- Engraçadinho. Fico feliz de finalmente compartilhar sobre isso com você.
- Não esconda mais segredos de mim.
- Contanto que não esconda nada de mim, como o seu relacionamento triplo.
- Eu prometo. Por isso, preciso dizer uma coisa: Dagma está grávida.
- Seus pais vão te matar!
- Eu sei.
- E eu vou ser tio!
- Você nem sabe se é meu ou do Nevra.
- Não importa, mas se for seu, eu quero ser o padrinho.
- Combinado. Eu também queria te pedir um favor.
- Qual?
- Eu não sei se Taerin falou com você sobre o que aconteceu entre Nevra e Lorde Kieran.
- Não, aconteceu algo?
- Eles não têm um bom relacionamento e Nevra foi agredido. Eu gostaria que pusesse alguém de olho neles para evitar mais confusão.
- Vou falar com Taerin e Garret sobre isso. Acha melhor colocar alguém para vigiar Lady Lethia também?
- Ela também veio?!
- Eles são casados, o que você esperava?
- Por favor, eu agradeceria muito. Eu quero evitar sofrimento para ele e não quero que Dagma fique estressada.
- Farei tudo que estiver ao meu alcance.
===Dagma===
Naquela noite foi dado um grande banquete no salão principal. Finalmente pude ver os reis de Lund’Mulhingar. O rei Elrohir era um elfo loiro de olhos azuis, ele possuía o semblante rígido e severo, assim como a rainha Melian, que possuía o cabelo castanho e olhos de um azul escuro. A princesa herdeira Idril era loira de olhos azuis escuros. Ela estava sentada ao lado do Segundo Príncipe Theoden, um elfo de cabelos escuros. Ao lado dele estava o príncipe Garret, depois o príncipe Taerin, a Quinta Princesa Niena, que também possuía cabelo na mesma cor que os de Taerin, e por fim o príncipe Edlin.
Todos os convidados estavam no que seria o grande banquete de boas-vindas antes do baile. Apesar de ser um evento importante, todos da guarda estavam com as mesmas roupas de sempre, menos eu e Tingsi. Meu vestido tinha decote triangular, era simples e verde com muitas folhas e algumas flores cor de rosa, já o de Tingsi era azul claro e branco com joias prateadas, muito leve a ponto de parecer flutuar, tinha gola alta e as mangas eram separadas do resto do vestido.
Não pude evitar olhar a delegação de Yaqut. O pai de Nevra, Lorde Kieran, não tirava os olhos de nós. Ao lado dele havia uma vampira de cabelo rosa e olhos cinzentos, esta era Lady Lethia, a mãe do Nevra e da Karenn. Karenn não conseguia evitar olhar para eles e Nevra não soltava minha mão por nada nesse mundo.
- Nev, não se preocupe. – Pedi. – Ele não pode te fazer mal.
- Não é com isso que eu me preocupo.
- Aconteceu alguma coisa enquanto eu estava fora? – Perguntou Tingsi.
- Nada.
- Eu te explico depois. – Ignorei o olhar de Nevra, afinal, estávamos todos envolvidos nas confusões dos últimos dias.
- Tem alguma poção que dê para beber álcool sem prejudicar o bebê? – Tingsi resolveu mudar drasticamente de assunto. – Depois dos últimos dias estou precisando de um verdadeiro porre.
- Desde quando álcool prejudica a gravidez? – Perguntou Valkyon.
- Idade Média é foda mesmo. Sim, causa problemas, por isso precisa ser evitado.
- Minha mãe sempre tomou vinho nos jantares mesmo grávida de mim e eu sou abençoado pelo Oráculo. – Disse Ezarel com um de seus sorrisos cretinos.
- Mais um motivo para não beber. – Não pude evitar de rir enquanto Ezarel ficou com uma cara azeda.
- Nesse caso, também não irei beber. – Anunciou Leiftan.
- Você pode, eu que não.
- Mas se eu beber, você ficará com vontade e eu não quero dormir com você resmungando que não pode beber.
- Concordo. – Disse Valkyon. – Já estamos sofrendo o bastante com sua compulsão por comer coisas da Terra.
- Belos namorados que eu tenho.
Apesar de termos conseguido descontrair o clima, Nevra parecia alheio às nossas conversas. Sua majestade, o rei, fez um discurso nos agradecendo por ser salvado Eldarya. Nevra tinha bebido sua taça de vinho em um só gole.
- Como estão seus ferimentos? – Perguntei à Karenn.
- Melhores, não se preocupe com isso.
- Como não? Fui eu que te feri.
- Podemos falar sobre isso em outro lugar?
Apenas concordei. Deixamos o salão e fomos para um dos pátios. A chuva tinha parado há tempos, o ar estava mais puro.
- Me desculpe. – Disse ela. – Eu estava com tanto medo de perder o meu irmão que não percebi que quase prejudiquei todo mundo. Eu sou mesmo uma egoísta.
- Não se preocupe com isso, já passou. Eu até esqueci.
- Mesmo? Eu quase.... – Ela ficou quieta. – Eu sei que Ezarel não iria me perdoar.
- Aconteceu tanta coisa que eu não tive tempo de ficar brava. Vamos apenas esquecer isso.
- Então está bem. Esse filho que você está carregando é do meu irmão ou do elfo chato? – Ela parecia um pouco mais animada.
- Eu ainda não sei.
- Já pensou nos nomes?
- Não é um pouco cedo para isso?
- Mas já deve ter algo em mente.
- Ainda não.
Karenn estava mais animada na volta para o banquete. Achei melhor não tocar no assunto dos pais dela, pois tínhamos acabado de nos reconciliar e eu não queria preocupá-la com o que aconteceu com Nevra. Assim que voltei ao salão, vi que Nevra não estava na mesa. Ao olhar para a delegação de Yaqut, vi que lorde Kieran também não estava lá. Resolvi procurá-lo pelos corredores. Finalmente eu o encontrei, mas infelizmente estava com o pai dele e eles estavam brigando.
- Eu te dei tudo, olha como você me retribuiu!
- Eu nunca pedi por aquele casamento! Muito menos assumir os seus negócios sujos!
- Você não reclamou quando eu o iniciei.
- Eu fazia para ter a sua aprovação e me arrependo até hoje.
- Você sempre foi fraco, um moleque mimado e ingrato. Você só me decepcionou, Nevra.
Nevra fechou a mão em punho e não disse mais nada. Ele estava visivelmente abalado, eu precisava fazer alguma coisa. Senti uma mão agarrar meu pulso e torcê-lo em uma chave de braço. Fui empurrada na direção deles, atraindo a atenção.
- Parece que temos companhia. – Escutei a voz feminina dizer.
- Dagma?! – Ele estava incrédulo.
- Ora, se não é a garota que estava com você mais cedo. – O pai dele olhou perigosamente para mim.
- Mãe, solta ela! – Pediu Nevra. – Ela não tem nada a ver com isso!
- Você ainda ousa me chamar de mãe?
- Nevra, eu sinto muito. – Falei.
A mãe dele apertou ainda mais meu pulso, me fazendo gemer de dor. Ouviu um grito vindo dela. Instintivamente meus poderes tinham se manifestado e meu pulso a tinha queimado, me libertando dela. Eu a empurrei por instinto com o punho irradiando calor, o que deixou marca não só em suas roupas como na pele. O pai dele correu para me atacar, mas eu fiz surgir um clarão por instinto. Quando eu percebi, tinha queimado o braço dele. Nevra veio até mim, pegou a minha mão e saímos correndo do local. Na fuga, encontramos o príncipe Garret.
- Parados aí!
- Príncipe Garret, não é o que você pensa! – As palavras saíram sem que eu pudesse pensar.
- Dagma, está tudo bem?! – O príncipe Taerin apareceu ofegante e um tanto bêbado. – Correr mata. Vimos uma luz muito forte, era você?
- Príncipe Taerin, eu posso explicar!
- Não foi culpa dela. – Disse Nevra. – Foi por minha causa.
- As pessoas de Yaqut estavam implicando com vocês de novo?! Eles não têm vergonha! Ainda não entendo por que eles foram convidados.
- Assuntos do reino, Taerin. – Disse o príncipe Garret. – Você deveria prestar mais atenção.
- Estão machucados?
- Estamos bem. – Nevra pôs o braço ao redor dos meus ombros.
- Desculpe, era para eu ficar de olho neles, mas o vinho estava tão bom!
- Pare de brincadeira, Taerin. Irei escoltá-los até seus quartos e ficar de olho neles. Não é a primeira vez que Yaqut nos traz problemas.
- Muito obrigada.
O príncipe Garret nos escoltou até os nossos quartos. Ele nos fez algumas perguntas e tivemos que falar sobre o incidente. Resolvi colocar o meu pijama e descansar um pouco. Nevra apareceu na minha porta e dei espaço para que ele entrasse. Ele pegou meu pulso e começou a massageá-lo.
- Ela te machucou? – Sua voz era manhosa.
- Eu estou bem. Eu posso me cuidar.
- Eu sei, mas não deixo de ficar preocupado.
- Nevra, qual é o problema entre vocês?
- Eu realmente não quero te envolver nisso.
- Eu já estou envolvida, Ezarel também e até a família real. Me conta, o que está acontecendo?
Nevra respirou fundo e tomou minhas mãos. Ele me guiou até minha cama onde nos sentamos.
- Yaqut é um vilarejo retrógado. Eu nunca saí de lá, minha vida era limitada aos limites do vilarejo. Desde pequeno eu fui ensinado a sempre ser leal ao meu clã de uma forma doentia, beirando ao fanatismo.
As mãos dele tremiam. Passei uma de minhas mãos por um de seus pulsos em uma carícia para que ele continuasse. Não estava sendo fácil para ele me contar aquilo.
- Minha família caçava humanos de Eldarya e outros faeries para estocar sangue, às vezes eles caçavam por diversão. Não é para menos que eles estão ligados a um monte de assassinatos suspeitos e desaparecimentos.
- Você fez parte disso?
- No começo sim. Eu estava tentando ganhar a aprovação do meu pai, mas eu só cuidava dos cadáveres. Quando ganhei minha primeira missão, eu não consegui matar. Aquilo era tão errado. Eu....
- Foi por isso que você fugiu?
- Sim. Eu não aguentava mais aquela situação, mas meus pais não se importavam. É normal que haja casamentos arranjados em Yaqut, tanto que eles até arranjaram o meu para me forçar a assumir os seus negócios, já que eu sou o primogênito. Eu não tive escolha a não ser fugir. Karenn me seguiu e fomos acolhidos pela guarda. Eu nunca pensei que um dia isso fosse voltar.
- Nevra....
Eu o abracei e pus sua cabeça em meu colo. Fiquei fazendo carinho e cantarolando alguma melodia até que ele dormisse. Assim que ele dormiu, eu o ajeitei na cama e tirei seus sapatos. Deitei e o puxei para mim, de forma que sua cabeça ficasse por sobre meu ombro. Eu nunca o tinha visto tão fragilizado.
Notes:
Eu cabei usando o plot que tinha em TO porque o de NE não faz sentido algum. Sério, New Era não só destruiu todo o plot do Origins como deixou um rombo imenso nessa parte. O portal parecia mais a porta do banheiro aqui de casa e se tinha tráfico de pessoas da Terra para virar comida, como não tinha de armas e drogas também? Vocês já imaginaram o problema que isso iria dar para Eldarya e no potencial que esse plot teria?
Chapter 52: Capítulo 52
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
===Dagma===
Acordei no dia seguinte com o ombro dormente. Nevra ainda dormia e ele me abraçava também. Por sorte ele tem o sono pesado, então consegui sair da cama sem acordá-lo. Lavei o rosto e me vesti. Resolvi acordá-lo devagar.
- Nevra.
- Só mais 5 minutos.
- É a dama Snežana!
- Ai caralho! – Ele pulou da cama. – Dagma, isso não tem graça!
- Desculpe, eu não resisti.
- Você é pior que o Ezarel!
- Dormiu bem?
- Sim, até você me sacanear. Eu estava tendo um sonho tão bom.
- Melhor do que acordar e me dar um beijo?
- Isso nunca. – Ele me deu um beijo de bom dia. – Sobre ontem, eu....
- Não precisa se explicar. – Segurei sua mão. – Fico feliz que tenha compartilhado comigo. Eu não vou deixar que eles te humilhem ainda mais.
- Eu não me importo. Contanto que você esteja bem, eu não me importo com mais nada.
- Nevra, eu não vou ficar bem enquanto eles estiverem te importunando. Eu quero estar ao seu lado, mesmo nos piores momentos.
- Obrigado. – Ele beijou a minha mão. – Eu não vou deixar que eles te importunem também.
Nevra se calçou e saímos do meu quarto. Fomos tomar café. Minha mãe me alcançou quando saí do refeitório. Nós acabamos indo para o jardim.
- Querida, o que há? Está pálida.
- Eu estou bem.
- Dagma, você não consegue mentir para mim. O que aconteceu?
- São apenas problemas, mas nada que eu não possa lidar.
- Espero que seja verdade. Você quase não comeu hoje.
- Sobre isso, é uma notícia boa.
- Como isso pode ser uma notícia boa? Você precisa se alimentar.
- Eu sei, mas.... – Segurei suas mãos. – Mãe, você vai ser avó.
- Pelos deuses, Dagma! – Ela se afastou e olhou a minha barriga. – Isso é verdade?!
- Com toda essa confusão, quase esqueci de te contar.
- Isso é maravilhoso!
Ela soltou as minhas mãos e as pôs sobre minha barriga. Um vento sobrenarural trouxe várias folhas e pétalas de diversas flores, seu cabelo voava sem resistência e suas mãos emanavam um brilho dourado. Tudo voltou ao normal quando terminou. Ela tinha dado sua bênção.
- Agora eu posso ter certeza de que vocês dois vão ficar bem.
- Muito obrigada! Tingsi também vai ficar feliz em saber.
Conversei com ela sobre nossos destinos estarem entrelaçados. Escutei o som de flauta de Pã. Curiosas, nós fomos ver. Encontramos Ezarel tocando em meio ao jardim. Minha mãe me deixou sozinha para que eu pudesse aproveitar o tempo com o meu namorado. Me aproximei devagar para não assustá-lo.
- Não sabia que você tocava.
- É apenas um passatempo bobo.
- Eu não acho. Você é realmente bom nisso.
- Eu sei.
- E um grande cretino também.
- É assim que você trata o seu namorado?
- Sim.
- Peste!
- Por que nunca me contou que sabia tocar?
- Como eu disse, é um passatempo bobo. – Ele desviou o olhar e ficou observando o instrumento.
- Eu não acho. Você podia tocar mais vezes. Eu adoraria ouvir.
- Talvez outra hora.
- Combinado. Com essa confusão toda, esqueci de dizer que a minha capa tem o mesmo efeito que a da Tingsi. Eu posso te emprestar e você pode me dar uma visita mais apropriada.
- Acho melhor não. Não me entenda mal, mas o que eu mais quero é voltar ao QG com você e Nevra.
- Não está feliz de ver seus pais e o príncipe Edlin?
- Estou, mas deixa para lá. Muitas coisas aconteceram desde que chegamos. Eu queria dar uma pausa, pelo menos até o baile esta noite. Temo que esse estresse possa fazer mal ao bebê.
- Está bem, mas promete que vai me contar tudo quando voltarmos?
- Eu prometo.
Ele pegou a minha mão e a beijou. Achei melhor não contar sobre a noite passada para não preocupá-lo ainda mais. Ele iria voltar para ajudar os pais e eu fui procurar Tingsi. Eu a encontrei no caminho para o salão onde era aulas de dança. Mais pessoas decidiram participar e os príncipes chamaram alguns professores para ajudar. Contei a ela sobre os últimos acontecimentos e, como esperado, ela queria dar uma surra nos pais do Nevra.
- Isso não vai adiantar. – Falei. – Só vai nos trazer mais problemas.
- E vamos ficar paradas sem fazer nada?!
- Eu não disse isso. Não há muito que fazer além de confiar no príncipe Edlin e no príncipe Taerin.
- E como está o Nevra?
- Um pouco melhor, mas não muito bem. Ezarel quer dar uma pausa com tantos problemas com medo de que eu me estresse demais.
- Não acredito que vou falar isso, mas concordo com o Dobby. Pelo menos para a gente respirar um pouco e analisar as coisas. Senão Xuanwu vai desistir da nossa terapia e nos internar no hospício.
- Acho que tem razão. Você vai para o salão participar das aulas?
- Vou. O Valkyon e a Jia progrediram muito, mas ainda precisam de ajuda. Vai também?
- Acho que sim, eu preciso me distrair um pouco.
- O que acha de nos arrumarmos para o baile juntas? Podemos chamar a Jia, a Karenn e a Alajéa também.
- Nos arrumarmos juntas?
- É. Nos vestirmos juntas, ajudar uma a outra com o vestido, o cabelo, maquiagem, acessórios, essas coisas.
- Parece divertido.
- Vamos falar com as outras e depois da aula vocês levam suas coisas para o meu quarto, então?
- Por mim tudo bem.
Falamos com as garotas antes da aula começar. Consegui me distrair dos problemas e me diverti na aula. Depois do almoço, decidi levar minhas coisas para o quarto de Tingsi. Ela tinha pendurado o vestido do baile em um cabide, então fiz o mesmo. Depois do banho, somente Karenn e Alajéa foram para o quarto dela. Ficamos pintando nossas unhas enquanto esperávamos o cabelo secar.
- Por que a gente não pode ir com as nossas roupas normais? – Perguntou Alajéa.
- Porque é um evento importante, Al. – Respondeu Karenn. – E também seríamos facilmente reconhecidas. A graça é que ninguém saiba quem é quem.
- Pois é. – Disse Tingsi. – Foi um trabalho desgraçado convencer o Valkyon e o Leiftan para procurarem a Purriry e trocar de roupa. Espero que Ezarel e Nevra tenham mais bom senso.
- Ezarel tem bom senso, duvido que ele queira ser reconhecido. – Comentei. – Já Nevra eu não sei dizer.
- Não se preocupe, hoje mais cedo eu e Purriry o encurralamos e ele não teve como escapar. – Disse Karenn travessa.
- Então, vão pentear o cabelo ou vão ficar com os penteados de sempre mesmo? – Perguntou Tingsi com o celular na mão.
- Eu não vejo necessidade disso.
- Nem eu. – Disse a sereia.
- O que você tem em mente? – Perguntei.
Tingsi me mostrou alguns penteados considerados de elfo no mundo dela e algumas tranças maravilhosas que os humanos usam para todo tipo de ocasião, até para casamento. A gente passou a tarde se arrumando e ajudando umas as outras a escolher os acessórios para as roupas.
===Tingsi===
Finalmente chegou a hora do baile. O meu vestido azul escuro era composto por um espartilho tomara que caia com muitos detalhes na mesma cor e uma saia de baile com alguns tecidos soltos em degradê de azul para o roxo que davam um ar de leveza e parecia estar flutuando. Havia dois braceletes de renda preta e um deles tinha uma rosa azul. Uma gargantilha de renda preta e roxa complementavam o visual. Fiz um penteado com duas tranças se encontrando atrás do meu cabelo e formando uma flor com um tutorial que achei e coloquei uma máscara preta com detalhes azuis, um salto preto, além de uma sombra lilás e batom roxo.
Dagma tinha escolhido um vestido alaranjado preso no pescoço por um adorno dourado, deixando as costas nuas. A saia de baile era separada por um cinto de margaridas e tinha vários tecidos menores para dar não só volume como sensação de leveza, como se fossem voar a qualquer momento. Também havia rosas vermelhas na saia. Seu cabelo ficou com uma trança em cascata com algumas rosas vermelhas nela. Ela também pôs um salto dourado, sombra rosada e um batom laranja. Ela também usava pulseiras adornadas com flores e sua máscara era branca e vermelha com detalhes dourados.
Já a Karenn escolheu um vestido de colarinho alto e espartilho rosa com detalhes vampíricos, saia e mangas de princesa na cor preta, luvas de renda preta, gargantilha de renda preta e um salto rosa. Sua sombra era rosa com delineador preto bem presente e seu batom era preto no lábio superior e rosa no inferior. Sua máscara era prateada com detalhes em rosa.
Alajéa tinha o vestido mais ousado. Era um monte de escamas com um decote profundo que ia até o umbigo. A saia reta ia até o chão e se espalhava. As luvas 3/4 também contribuíam para o visual. Tinha um colar grande e dourado para dar imponência. Ela estava com a maquiagem de sempre e sua máscara era azul e branca com detalhes dourados.
Saímos do quarto e fomos ao nosso destino. O salão de baile estava cheio de pessoas bem-vestidas e mascaradas. As meninas se separaram para procurar algum conhecido. Eu tinha a mesma sensação da época da Yvoni. Não que houvesse algo errado, era apenas uma impressão que eu tinha ao olhar as pessoas mascaradas. Algumas eu conseguia reconhecer de rosto, mas não sabia como ou por que, pois não dava para ver o rosto de ninguém.
Alguém se aproximou de mim. Era uma mulher de pele negra. Seu vestido vermelho era simples, o busto do espartilho tinha enfeites dourados, havia um cinto do mesmo tecido que o separava da saia decorada com penas alaranjadas. Ela usava um colar de tecido vermelho com um pano preso parecendo uma capa. Sua máscara era vermelha e dourada e seus lábios estavam pintados de vermelho.
- Jia! – Ela se assustou. – Você está linda.
- Obrigada. Como me reconheceu?
- Eu não sei. Como você me reconheceu?
- Pela sua aura. É impossível confundi-la. Você está bem?
- Eu preciso de ar.
Jia me acompanhou até o jardim. No caminho eu via máscaras e rostos, como uma TV velha e sem sinal cuja imagem voltava ou fugia quando mexia na antena. Era como uma espécie de sonho muito louco que nem a maconha conseguiu me proporcionar e olha que só fumei uma vez. Já no jardim eu comecei a me sentir melhor.
- O que aconteceu?
- Eu não sei bem.
- Vou procurar Valkyon e Leiftan.
- Não! Deixa eles. Deve ser o nervosismo, pois nunca estive em um baile assim antes.
- Tem certeza?
- A última coisa que quero é preocupá-los. Vou dar uma volta pelo jardim e já volto.
- Eu vou com você.
- Não precisa, eu vou ficar bem, sério. Vá se divertir.
- Mas....
- Se vir Valkyon e Leiftan, diga que eu já vou.
- Tudo bem então.
Apenas passei a mão pelo seu braço e segurei sua mão. Eu não a beijei para não borrar o batom. Primeiro baile que eu vou em Eldarya e vou aparecer com a maquiagem toda borrada? Nem sonhando. Comecei a andar pelo jardim. O ar norturno fazia bem aos meus pulmões, a lua brilhava no céu e o cheiro do orvalho impregnava as minhas narinas. Tive o vislumbre de uma pessoa entrando em outra rota e fui atrás por instinto. Quando a encontrei, vi que usava um vestido de baile azul claro e uma máscara branca, mas me surpreendi.
- Taith?!
- Tingsi, você me reconheceu.
- Eu não sabia que você era drag.
- Eu não sou. – Ele tratou de se explicar o mais rápido possível. – Essa é a melhor forma de me aproximar do Edlin, já que a família real vai achar esquisito se vê-lo dançar com um homem.
- Ficou bem em você. Como me reconheceu?
- Eu consigo reconhecer as pessoas através das máscaras. É como se estivessem lá, mas ao mesmo tempo não estivessem.
- É como se elas não existissem mesmo estando grudadas no rosto.
- É, isso mesmo.
- Eu estou com essa mesma sensação. É um pesadelo.
- Eu já estou acostumado, você deve estar despertando isso agora.
- O que você é exatamente?
- É complicado e eu não posso dizer. Desculpe, mas eu não posso contar ou vão arrancar o meu couro.
- Quem vai fazer isso?
- Muita gente. Por favor, não insista, você vai me pôr em uma situação complicada.
Ele estava visivelmente desconfortável. Tem coisa aí, mas eu não posso colocá-lo em uma situação complicada. Talvez eu possa conseguir informações de outro jeito.
- Você também pode me contar quem me deu aquela capa?
- Eu sinceramente não sei, mas seja quem for, pertence ao Clã Chang’E.
- Clã Chang’E? Como a deusa chinesa da lua?
- Desculpe, eu não posso falar mais sobre isso.
- Como você sabe que pertence a esse clã?
- Pelos broches. O coelho é o símbolo dos Chang’E.
- Suponho que as runas mannaz e laguz sejam símbolos do clã Máni.
- Sim, você é esperta.
- E as runas sowilo e dagaz?
- Onde você as viu?!
- Digamos que uma amiga minha recebeu uma capa como as que temos com essas runas.
- Como as nossas não, elas são um pouco diferentes. Sowilo e dagaz são os símbolos do Clã Sól.
- Sól não é a deusa irmã de Máni?
- Sim. Não para menos o Clã Sól está em oposição ao Máni.
- O que isso significa?
- É complicado, mas você tem certeza de que foi alguém do clã Sól?
- Por quê? Tem algum problema?
- É que os Sól estão em prisão domiciliar e vão ficar assim por mais alguns anos. Eles não podem abandonar, bem, o lugar de onde vêm.
- Por quê?
- O líder incendiou uma fortaleza ou algo assim.
- Taith, o que está fazendo?! – Alguém gritou com ele.
Um casal tinha surgido. A moça tinha pele avermelhada e características indígenas. Ela era linda, seu cabelo negro ia até a bunda e seus olhos eram azuis e brilhantes. Ela usava um vestido de alças azul escuro com glitter. Tinha detalhes de tule no busto e um desenho de miçangas pretas formando um falso cinto, a saia era transparente e mostrava outra saia branca. Ela segurava uma máscara também azul e preta.
A moça estava acompanhada de um rapaz também indígena e forte. Ele tinha o cabelo avermelhado nos ombros e olhos vermelhos e ardentes. Suas roupas eram elegantes e leves de cor vermelha e laranja e ele segurava uma máscara dourada.
- Taynara, Kauan, finalmente vocês apareceram. Essa é Tingsi, a garota de quem eu falei. Tingsi, esses são os meus amigos.
- Muito prazer. – Disse o homem de nome Kauan me estendendo a mão. – Taith nos contou sobre você.
- O prazer é meu.
- Eu já não falei para não se meter no que não é da sua conta? – Perguntou Taynara ao Taith. – Lamento por esse irresponsável.
- Ele não me deu trabalho. Vocês também são do clã Máni?
- Não, somos de clãs diferentes. – Respondeu Taith. – Mas será que podemos conversar depois? Ainda não vi o Edlin.
Pelo menos eu consegui algumas respostas. Voltei ao baile acompanhada pelos três. A sensação do começo voltou e isso não passou despercebido pelo grupo.
- Não se assuste com isso. – Disse Taynara. – Tente se acalmar e se distrair, isso vai passar. O importante é ficar calma.
- O bom é que você pode achar os seus amigos com mais facilidade. – Disse Taith.
- Eu não sei como vocês conseguem lidar com isso. – Disse Kauan. – Parece assustador.
- Você não tem isso? – Perguntei.
- Não. Eu sou diferente de vocês.
Kauan e Taynara simplesmente desapareceram em meio a multidão enquanto eu ajudava Taith a procurar pelo Edlin. Ele estava acompanhado de uma elfa de cabelo rosa e vestido claro. Taith parou no mesmo instante.
- Está tudo bem?
- Ela é a noiva dele.
- Não sabia que ele tinha uma noiva.
- É um casamento arranjado. Ele não quer, mas os pais dele não irão desfazer o noivado.
- Sinto muito.
Taith olhava a cena tristemente e dava para perceber por debaixo da máscara que Edlin não queria estar ali. Foi então que tive uma ideia. Peguei uma taça de vinho e fingi trombar na noiva dele. Derramei o vinho todo nela. Ela ficou puta e saiu para trocar o vestido. Esperei a atenção se dissipar para falar com ele.
- Edlin, espere.
- Como sabe que quem sou e quem te deu permissão para me chamar pelo meu nome?
- Está com amnésia agora? Vou ter que usar o Zidian?
- Tingsi? Desculpe, eu não te reconheci.
- Deixa para lá, eu tenho uma surpresa para você.
Eu o guiei até o salão ao lado. Taith veio correndo e se jogou nos braços dele.
- Taith?! Por que está de vestido?!
- Eu achei que seria uma boa ideia me disfarçar de garota, já que sua família é muito rígida. Assim posso me aproximar mais de você.
- Você não tem jeito.
Taith o beijou. Dava para ver que ele estava feliz. Não só ele, mas Edlin também. Taith o puxou pela mão de volta ao salão. Quando eu ia voltar, fui abordada por um homem vestido uma camisa renascentista verde-água escura sobreposta a outra branca, suas calças e botas eram pretas e a máscara era preta e verde. Rapidamente o reconheci e não pude evitar de sorrir.
- Leiftan! Nossa, você está lindo.
- Obrigado, você está deslumbrante. Como me reconheceu?
- Eu conto se dançar comigo.
- Com todo prazer.
Estendi minha mão para ele. Ele a beijou antes de me puxar para me dar um beijo rápido. Leiftan me levou até o meio do salão, onde as pessoas estavam dançando. Mal ele pôs a mão na minha cintura e escutei um som pesado tocar, mas seguimos com o plano. Quando a música começou, eu a reconheci.
- Você trouxe a sua caixa?
- Está no meu quarto, eu juro que se fosse eu, não colocaria essa música.
- Acredito em você. Que música é essa?
- Dance With the Devil do Breaking Benjamin.
Leiftan apenas riu, como tivesse feito uma piada interna e me puxou mais para ele. Seus olhos possuíam um brilho enigmático e sedutor, eu não conseguia desviar deles enquanto era conduzida. Teve uma hora que eu consegui me afastar dele, apenas para rodopiar e acabar em seus braços de novo. Ele me inclinou, passou os olhos pelo meu decote antes de me encarar e me puxar para cima. Novamente eu girei antes de ir de encontro ao seu corpo. Eu me arrepiei. Minha vontade era de rasgar sua roupa e tomá-lo para mim. Dançamos assim por todo o salão, sempre que a música ficava mais forte, nós arriscávamos alguns passos mais ousados. Quando a música estava terminando, não aguentei e o beijei.
- Deveríamos dançar assim mais vezes. – Ele disse quando nos separamos.
- Concordo.
Peguei sua mão e o puxei por entre a multidão. Encontrei a Huang Jia, que me perguntou se eu estava melhor, deixando Leiftan desconfiado. Saí de perto dos dois quando avistei uma figura tímida, vestindo uma roupa renascentista vermelha escura mais simples que a de Leiftan, a calça marrom escura era da mesma cor das botas. Sua máscara era vermelha também. Eu me atirei em seus braços e o abracei.
- Valkyon, finalmente te encontrei. Essa roupa ficou bem em você.
- Obrigado. Eu não tenho palavras para dizer o quanto está linda.
- Obrigada.
Leiftan e Jia vieram nos encontrar. Eu os puxei para um canto e contei a eles como estava reconhecendo as pessoas por debaixo das máscaras e sobre o meu encontro com Taith.
- Tingsi, isso é.... – Leiftan começou a falar.
- Eu sei, mas vamos deixar para pensar nisso depois. Combinei com Dagma que iria dar uma pausa nessa merda toda, pelo menos por hoje.
- Engraçado, Ezarel me disse a mesma coisa. – Disse Valkyon.
- Podemos só aproveitar o baile? A gente merece um descanso.
- Eu não sou contra tirar a noite de folga. – Tornou a dizer Leiftan.
- Eu não estou plenamente ciente da situação, mas se vocês acham que precisam descansar, então não vou me opôr. – Disse Jia.
- Obrigada. Vamos dançar?
Jia e eu dançamos uma dança medieval. Foi bem divertida e de certa forma intensa. Valkyon também dançou uma comigo. Tive que remover a saia do meu vestido para dançar salsa com Taerin ao som de Despacito e recoloquei antes de dançar com o príncipe Garret. Foi a coisa mais aleatória que aconteceu e parecia enredo de enemies to lovers pela intensidade com a qual dançamos e céus, como ele dança bem! Mesmo que ele estivesse dançando por educação com algumas convidadas.
Vi os deuses mascarados dançando também e eles viviam trocando de sexo, mas Qinglong estava sempre com Zhuniao e Baihu com Xuanwu. Engraçado que em todas as formas, Qinglong e Zhuniao pareciam um casal, já Xuanwu e Baihu apenas pareciam quando eram Baihu e Hyeonmu. Quando eram os dois avatares masculinos pareciam bons amigos, quando eram os dois avatares femininos pareciam irmãs e quando eram Xuanwu e Baekho pareciam mestre e pupila. Fui dançar com Taith.
- Deixe-me adivinhar, além de ser misterioso, você também tem uma caixa que toca músicas terrestres.
- Você reparou.
- Qual é a dessa caixa?
- É uma ferramenta de treinamento espiritual muito comum entre meu povo. Ela pode tocar música é porque a música é essencial para a vida e nos ajuda em diversas fases da vida e no nosso treinamento. Algumas pessoas guardam coisas nelas também.
- Como abre essa bodega? Eu estou tentando há anos e nunca consigo!
- Isso só com treinamento avançado. Eu ainda não consegui abrir a minha.
- Eu posso ver?
Taith me puxou para um canto e me montrou a caixa dele. Era diferente da minha, era azul clara e havia runas pintadas nela. Justamente as runas mannaz e laguz. Isso quer dizer que além da capa, a minha caixa foi deixada por alguém do clã Chang’E?
- O que sabe sobre o clã Chang’E?
- Eu não sei se eu posso te contar.
- Aconteceu alguma coisa com ele nos últimos anos? Uma punição tipo a do clã Sól.
- Não, está tudo bem com ele. Por que a pergunta?
- Acho que você sabe.
- Tingsi, eu sinto muito por não poder dizer a você. É só que é complicado. Eu sei que você quer respostas, mas eu não sei como te explicar.
- Taith, eu já sei que eu não sou totalmente humana. O que pode ser pior do que isso? Eu ser um troll?
- O problema não é você, é a minha sociedade. E sem contar a explosão de cabeça que seus amigos vão ter.
- Quer dizer que eu tenho que parar de procurar?
- Não! É só que agora não é o momento para isso. Vocês têm tido tantos problemas que talvez isso acabe se tornando mais um.
Não tinha pensado nisso. Estamos atolados de problemas no QG e agora Ezarel e Nevra resolveram desenterrar toda a caca que eles tinham. Eu não posso pensar só em mim, Dagma também está conectada com tudo isso e a última coisa que qualquer um de nós precisa é mais problemas.
- Eu só tenho mais uma pergunta sobre esse assunto, eu não vou mais falar nele e podemos aproveitar o baile sem problemas.
- O que é?
- Dagma e eu somos da mesma raça? Digo, seja lá quem está interessado em mim é do clã Chang’E e Dagma parece estar ligada ao clã Sól. Significa que somos todos da mesma raça?
- Pelos deuses, não. Apesar de estarmos entrelaçados, não somos da mesma raça. Digo, eu, você e Taynara somos, mas essa Dagma que você fala é provável que seja da mesma que o Kauan.
- Obrigada. Parece que o Edlin quer pular pela janela. – Comentei ao vê-lo perto da noiva.
- Eu sei.
- O que eu derrubo nela dessa vez?
- Eu tenho uma ideia melhor. O que acha de um dueto?
Ouvi o plano do Taith para performarmos Rewrite The Stars como uma mensagem sutil ao Edlin, mas eu tive uma ideia melhor. Kauan e Taynara fariam a performance, assim ele poderia sequestrar o príncipe só para ele. Depois de planejar tudo, voltei para os meus namorados e apenas esperei. Várias velas do salão tiveram suas chamas retiradas e foram apagadas nas mãos do Kauan, diminuindo a iluminação e deixando um ambiente mais íntimo.
Kauan apareceu perto da banda que tinha sido contratada, uma luz sobrenatural como o sol o iluminou enquanto ele começou a cantar a primeira parte, a do James Arthur. Taith estava perto dele, como um figurante. Todo mundo ficou apenas observando. Uma nova luz, que parecia a da lua, surgiu do nada iluminando o príncipe Edlin, mas era para Taynara, que estava atrás dele e ela começou a cantar as linhas da Anne-Marie.
Os dois eventualmente se encontravam e se afastavam como ordenava a música. A sintonia entre ambos era perfeita e eles trocavam olhares apaixonados e apelos. Algumas faíscas surgiram apenas para entretenimento enquanto a música chegava ao ápice. Ao final, eles estavam de costas um para o outro e Taynara inclinou a cabeça para trás para se encaixar na nuca de Kauan. Ouvimos aplausos e assovios e vi Taith e Edlin andando de mãos dadas para o jardim.
- Eu não sabia que contrataram músicos tão talentosos. – Jia estava animada.
- Eles não contrataram. – Admiti.
- Como sabe?
- Digamos que eu tenho uma participação nisso.
- Tingsi, o que você aprontou dessa vez? – Perguntou Valkyon.
- É por uma boa causa. Vamos aproveitar o clima que ficou e irmos para mais uma dança?
- Não está satisfeita? – Perguntou Leiftan. – Você dançou com muita gente.
- O que eu posso fazer? Eu amo dançar.
Não acenderam as outras velas, deixaram o clima assim mesmo e começaram a tocar músicas mais lentas. Leiftan me puxou para dançar primeiro, deixando Valkyon com a Huang Jia. No meio da música começou a tocar You and I do Kenny Rogers com o Bee Gees. Apenas sorri e não desgrudei os olhos dos dele.
- And don't believe the world. – Foi impossível não cantarolar enquanto a música tocava. – No the world can't give us Paradise.
Leiftan percebeu e me puxou de encontro a ele. Pude ver através da máscara, pela fraca luz do recinto, que seu olhar era apaixonado. Ficamos nessa valsa lenta apreciando os versos e a companhia um do outro. Encostei a minha cabeça em seu peito e o abracei. Ele pousou o queixo na minha cabeça. Seu coração batia freneticamente, no mesmo rítimo que o meu. Enquanto tivermos um ao outro, estaremos bem. Senti seus lábios no topo de minha cabeça.
- Você é maravilhosa, sabia?
- Você me estima demais.
- Queria que se visse como eu a vejo.
- Eu que não te mereço, sabia?
Ele me beijou de forma calma e terna e então a música acabou. Eu o encarei por mais alguns segundos quando alguém se aproximou de nós. Pela luz das velas remanescentes, tinha a pele bronzeada, o cabelo prateado e trajava preto. Sua máscara era preta e simples, quando ele se aproximou, pude ver que seus olhos eram azuis. Leiftan me apertou mais contra ele.
- Olá Leiftan.
- Posso saber o que faz aqui?
- Por quê? Eu não posso me divertir?
- Leiftan, quem é ele? – Perguntei.
- Apenas um assunto que preciso resolver. Com licença.
Leiftan o agarrou pelo braço e se distanciou. Não o segui, pois é assunto dele. É melhor perguntar a ele depois. Fui procurar algum dos meus outros namorados. Valkyon estava conversando com Garret e Taerin, então chamei Huang Jia para dançar. Novamente seria uma valsa, mas dessa vez começou a tocar Back at One do Brian Mcknight.
- Por que está tocando essas músicas aleatórias?
- São da Terra, mas juro que não tem nada a ver comigo.
- Bem, você é a única com uma caixa mágica capaz disso.
- Ou será que não? Vou te mostrar como se faz.
Eu a conduzi enquanto a música listava os motivos de porque o cantor estava se apaixonando e como ela era um sonho que se tornou realidade. Mesmo nos conhecendo há pouco tempo, temos nos aproximado muito nos últimos dias. Eu mal tinha visto Dagma ou passado um tempo com os outros de tanto que estava ensinando ela e Valkyon a dançar. Acabamos ficando mais próximas. Eu não queria pensar se era só uma atração ou algo mais, pelo menos não hoje. Hoje decidi me entregar aos meus sentimentos.
Enquanto valsávamos, não pude evitar de admirar seus olhos, havia um brilho diferente neles. Um brilho apaixonado, logo percebi que ela também iria se permitir essa noite. Não pude evitar de sorrir, um sorriso que foi correspondido. Aproximamos nossos corpos, ela apoiou o queixo no meu ombro. Aproveitei para beijar a lateral da sua cabeça. Quando a música estava terminando, eu me afastei para beijá-la. Foi um meijo calmo e casto. Sorrimos uma para a outra.
- Eu não imaginava que uma música podia ser tão....
- Intensa? – Perguntei.
- Eu ia dizer melódica e apaixonante, mas também serve.
- Desde quando vocês estão juntas? – Perguntou a Huang Hua surgindo da puta que pariu. – Eu pensei que você estivesse com Valkyon e com Leiftan.
- Você não contou para ela?
- Não tive a oportunidade. Irmã, podemos conversar em um lugar mais calmo? Não é tão simples quanto pensa.
Jia estava visivelmente envergonhada, mas Huang Hua aceitou conversar com ela. Só faltava Valkyon, então o procurei pela multidão. Quando o encontrei, eu o puxei para uma valsa. Desde que esse baile começou, eu não consegui passar um tempo de qualidade com ele, embora tenhamos dançado uma única música. Queria compensá-lo. A banda voltou a tocar uma música lenta, mas no meio dela começou a tocar uma música da Terra. Comecei a rir quando reconheci a música da Bela e a Fera da Celine Dion com o Peabo Bryson.
- Algo errado?
- Nada, é só que eu não esperava essa música.
- Que música é essa?
- Já ouviu a história da Bela e a Fera? Fizeram uma animação e essa é a música do baile deles.
- Deixe-me adivinhar, você é a fera.
- Depende do ponto de vista.
Nâo pude evitar sorrir. Me deixei me levar pela música e pela dança. Valkyon tinha melhorado muito e estava me conduzindo a música inteira. Ele me olhava cheio de ternura e tinha um sorriso bobo nos lábios. Eu não conseguia parar de sorrir enquanto o encarava da mesma forma. Certo momento, me aproximei e recostei a cabeça em seu peito. Pude ouvir seu coração acelerado, seu cheiro impregnou minhas narinas, me lembrava forja e brasa mesclado com algum perfume amadeirado. Ele beijou o topo da minha cabeça com ternura. O mundo não parecia mais importar enquanto dançava nos braços dele.
Naquele momento, senti como se ele estivesse me entregando seu coração. Conforme a música foi acabando, me separei o suficiente apenas para beijá-lo. Seu beijo era terno e apaixonado. Voltei para o aconchego dos braços dele. Terminamos a música abraçados, mesmo tendo trocado a música, não desfizemos o abraço.
- Eu te amo.
- Eu também. – Fui capaz de dizer.
Mesmo não sendo capaz de ver, sabia que estava sorrindo. Não consegui me separar dele com medo de quebrar esse momento tão mágico. Queria continuar assim para sempre.
===Dagma===
Assim que o baile começou, fui procurar meus namorados. Eu não os encontrei em lugar algum, então fui passar o tempo com meus amigos. Alajéa passou a noite toda com Sonze, Karenn se entretinha em escutar as conversas dos outros e Chrome não dispensava um petisco. Conversei com a minha mãe e as outras ninfas e dancei com o príncipe Taerin e o príncipe Garret para passar o tempo.
- Nem me esperou para começar a se divertir.
Era impossível não reconhecer a voz manhosa de Nevra. Ele estava vestindo um sobretudo preto de veludo com colarinho alto, um colete roxo, camisa preta de seda, calça e botas pretas e um lenço vermelho no pescoço. Sua máscara era preta com detalhes roxos e eu podia ver seu olho cego transpassado por cicatrizes. Ele exalava um cheiro inebriante e estava tão charmoso que era impossível não se apaixonar por ele.
- Eu te procurei por todo canto, você que não apareceu. Onde esteve?
- Eu estava ocupado com uma coisa. Quer dançar enquanto a surpresa não chega?
- Agora você me deixou curiosa.
Dançamos danças eldaryanas com os outros até que fiquei com sede e Nevra foi pegar algo para eu beber. Alguém se aproximou de mim. Ele usava uma túnica élfica azul sobreposta a uma camisa branca, calça azul escura e botas marrons. Ele tinha o cabelo azul comprido e usava uma máscara branca e verde água, além de ter um sorriso cretino nos lábios. Eu reconheceria aquele sorriso em qualquer lugar.
- Ez! – Eu o abracei sem pensar duas vezes.
- Quem? Eu não te conheço, sua doida.
- Cretino. – Soquei seu braço.
Ele estava lindo com o cabelo solto. Ele me beijou sem aviso. Apenas nos separamos quando Nevra voltou e entregou a bebida para mim.
- Gostou da surpresa?
- Adorei.
De repente algumas velas se apagaram, deixando o ambiente mais íntimo. Duas pessoas começaram a performar uma música claramente terrestre de forma tão intensa que não conseguia desgrudar os olhos. Quando terminou, todos aplaudiram e decidiram tocar músicas lentas para os casais. Eu precisava ir ao banheiro, então Ezarel e Nevra foram dançar um com o outro. Quando voltei, eles ainda estavam dançando valsa.
- Vocês dois estão assim até agora? – Perguntei.
- Você estava demorando muito. – Respondeu Nevra manhoso. – Achei que tinha nos abandonado.
- Você está carente demais hoje. Com quem vou ter a honra de dançar primeiro?
- Serei o primeiro. – Disse Ezarel. – Vocês devem ter dançado demais antes de eu chegar.
- Nesse caso, eu vou procurar a Karenn para ter certeza de que nenhum engraçadinho vai se aproveitar dela.
Nevra nos deixou. Achamos melhor esperar a Tingsi e o Leiftan terminarem a dança deles para iniciarmos a nossa, pois iríamos começar no meio da música. Ezarel e eu começamos a valsa com uma música eldaryana, mas a música trocou para uma terrestre. Ela era lenta e perfeita para a ocasião, acho que se chama Perfect. Como é mesmo o nome do cantor? Ed Sheeran?
Ezarel me conduzia com um sorriso estampado no rosto. Seus olhos pareciam brilhar através da máscara. Ele colocou algumas mechas de cabelo atrás dos meus ombros enquanto dançávamos sem quebrar o contato visual que tínhamos. Naquele momento nada mais parecia importar. O salão parecia vazio enquanto dançávamos. Ele me puxou mais para si, colando nossos corpos. Nossos lábios se encontraram no meio da dança, mas não paramos de dançar. Eu estava entorpecida pelo momento, quando nossos lábios se separaram. Recostei minha cabeça em seu peito. Estava em seus braços dançando no escuro e aproveitando o resto da música. Não percebi quando acabou.
- Eu queria ficar assim um pouco mais. – Confessei.
- Por mim podemos ficar assim para sempre.
- E o Nevra?
- Podemos deixá-lo esperneando.
- Eu ouvi isso. – Nevra apareceu próximo a nós.
- Ela é toda sua, Nev. Eu vou procurar pelo Edlin, não falei com ele a noite toda.
Ezarel entregou a minha mão para Nevra, que a pegou prontamente. Tingsi e Huang Jia começaram a chamar atenção, assim como alguns casais. Aproveitei esse tempo para me recuperar da dança que acabei de ter. Quando a música terminou, Nevra e eu começamos a nossa valsa. Novamente uma música terrestre começou a tocar e eu estranhei ao reconhecer como Into You da Ariana Grande.
- Parece que a nossa dança vai ser um pouco agitada. – Ele comentou.
Nevra colou nossos corpos quando o refrão começou a tocar. Ao invés de valsa, nós acabamos dançando de forma um pouco mais sensual. Ele me fez girar e me inclinou. Ele me levantou e colou nossos corpos. Nos separamos para que eu pudesse girar para fora e depois de volta para os braços dele. Minhas costas ficaram coladas ao seu peito. Nevra aproveitou para beijar o meu pescoço e descer os lábios até meu ombro.
Me soltei dele apenas para girar novamente antes de colar nossos corpos. Meu corpo ansiava pelo dele. Nossos lábios se encontraram algumas vezes no meio da dança. Minha vontade era despi-lo ali mesmo enquanto saboreava seus lábios. Pouco me importava se estivessem olhando. Quando a música terminou, nós ficamos nos encarando ofegantes. Nevra só conseguia sorrir.
Eu o puxei pela mão até a mesa de bebidas. Precisava beber alguma coisa para amenizar o calor que estava sentindo. Ele não precisava dizer nada, pois estava no mesmo estado do que eu. Trocamos um sorriso cúmplice antes de beber um pouco de água. Todas as velas foram bruscamente apagadas. Não dava para enxergar nada a minha frente, não havia nem mesmo a luz da lua. Que estranho, podia jurar que as cortinas estavam abertas. Ouvi gritos de pânico e a voz de Tingsi gritando o meu nome.
Notes:
Espero que tenham gostado dos vestidos, das danças e dos momentos. Inclusive, o vestido da Karenn foi baseado em um da Firefly Path, que está nesse link: https://www.deviantart.com/firefly-path/art/Widowmaker-Masquerade-Gown-673104406. Tem cada coisa linda lá.
Pois bem, nossos herois tiveram seu merecido descanso, mas essa calmaria vai durar?
Chapter 53: Capítulo 53
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
===Tingsi===
- Liga a luz, Dagma! Liga!
Foi a minha reação quando tudo ficou um breu. Eu lembro que as cortinas estavam abertas quando Kauan apagou parte das velas. Dagma usou seus poderes para iluminar o ambiente. Mal ela fez isso e tudo aconteceu muito rápido. Eu só consegui ver o momento em que Edlin se jogou na frente do Ezarel e foi apunhalado. O assassino puxou a faca e Ezarel o segurou nos braços. Não pensei duas vezes, arrumei um lugar para subir e saltar, saquei o Zidian e acertei o assassino com toda a fúria, o fazendo voar e arrancando até a máscara.
Ele não foi o único. Outra pessoa tentou atacar o Ezarel, mas eu fui mais rápida com o Zidian. Em pouco tempo estava perto dos dois. Valkyon e o príncipe Garret foram conter os assassinos enquanto todo mundo tentava ver o que estava acontecendo. Ezarel tentava comprimir o ferimento.
- Por que você fez isso?!
- Você teria feito o mesmo por mim. E eu não podia deixar que algo te acontecesse. Você foi o meu único amigo.
- Droga Edlin!
- Guardas! – Gritou Garret.
- Médico! – Gritei.
Mais gente apareceu portando armas e o pânico se instalou. Pelo visto todo mundo quer matar o Ezarel. Garret era o único que tinha levado uma espada para o baile, Valkyon saiu foi no soco mesmo enquanto eu usava o Zidian para guardar os dois. Eu vi Nevra guardando Dagma com uma adaga, Leiftan e Huang Jia abriam caminho em nossa direção e Taith, coitado, estava preso por entre a multidão enlouquecida. Eu não sei como, Taerin conseguiu abrir caminho até nós.
- Edlin!
- Taerin, onde estão os guardas?! – Ouvi Garret gritar.
- Eu não sei!
- Taerin, me ajude! – Implorou Ezarel.
- Tingsi! – Escutei me chamarem.
- Jia, aqui!
Leiftan e Jia vieram até nós. Jia começou a analisá-lo. O estado dele era grave. Ela tratou do ferimento com urgência. Ezarel e Taerin iriam retirá-lo, mas ela os impediu.
- Não podemos movê-lo com essa confusão. Precisamos de um caminho livre. Há algum salão adjacente?
- Sim, há um bem ali. – Respondeu Taerin.
- Leif, precisamos controlar a multidão. – Comentei. – E tirar todos daqui.
- Certo. Irei me juntar a Nevra para cuidarmos disso.
- Se cuida.
Leiftan saiu de perto de nós. Taerin deixou Edlin aos cuidados do Ezarel e tentou abrir a porta do salão adjacente sem sucesso. Ele tentou várias vezes e mesmo assim não conseguiu.
- Está trancada!
- Está de sacanagem?! – Ezarel e eu dissemos juntos.
- Ela estava aberta ainda agora!
- Alguém planejou isso!
- Diz algo que eu não sei, gênio. – Ironizou Ezarel.
- Dobby, você percebeu que ninguém conseguiu sair do salão ainda?! E onde estão os guardas?!
Eles olharam melhor para a cena enquanto eu chicoteava mais dois assassinos. Eu não conseguia prestar atenção a todos os detalhes até que uma cortina de fogo nos separou da multidão. O fogo abaixou a ponto de não passar dos nossos tornozelos, o suficiente para que ninguém se aproximasse, mas ao mesmo tempo não estava nos queimando, apenas nos dividindo. Taith conseguiu chegar até nós.
- Edlin!
- Taith. – Edlin se precipitou em ir em direção a ele.
- Não se esforce, você está mal. – Taith se aproximou e segurou a sua mão.
Em um impulso, Edlin ignorou totalmente os protestos ao seu redor para ficar quieto e o beijou. Todo mundo ficou chocado, pois era um beijo apaixonado. Senti meu coração se apertar, pois alguma coisa me dizia que aquilo era um beijo de despedida. Ao se separar, Edlin segurou o rosto de Taith e o acariciou.
- Fico feliz que eu posso te ver uma última vez. – A voz de Edlin era fraca.
- Não vai ser a última, apenas aguente. Vamos cuidar de você.
- Taith.... – Sua voz era fraca. – Se houver outra vida.... Nos encontraremos lá.
Edlin fechou os olhos. Sua mão escorregou do rosto de Taith. Tudo que restou a Taith foi abraçar o corpo de seu amado e chorar.
- Edlin. Edlin! EDLIN!
- Temos que tirá-lo daqui! – Gritou Ezarel. – Ou seremos consumidos pelas chamas.
- Não! As chamas são a barreira do Kauan.
- Kauan colocou uma barreira ao nosso redor?! – Perguntei sem acreditar.
- Sim. Elas estão nos protegendo.
- Quem é Kauan? – Perguntou Taerin.
- TAITH! – Era a voz de Taynara.
Ela jogou algo na nossa direção e eu consegui pegar. Era uma bolsa de pano. Taith pegou da minha mão e a abriu. Ele deu uma pomada para que passassem no ferimento do Edlin e tirou um vidrinho azul com algum tipo de líquido. Huang Jia quem passou a pomada enquanto Ezarel e Taerin apoiavam o príncipe para que Taith pudesse fazê-lo tomar o remédio. Os ferimentos dele começaram a se curar de dentro para fora. Não sobrou sequer a sombra de uma cicatriz para contar história.
- Ele não está melhorando. – Disse Jia medindo o pulso.
- O espírito dele deve estar saindo do corpo. – Taith estava lutando para não se desesperar. – Eu vou acalmá-lo e depois trazê-lo de volta. Tingsi, preciso de sua ajuda.
- Fala.
- Se por acaso eu me perder, você me puxa de volta?
- Como assim?!
Taith enxugou as lágrimas e fez alguns exercícios de respiração enquanto instruía a deixarem Edlin deitado no chão. Ele colocou dois dedos sobre o peito de Edlin. Um grande poder emanou dele e seus olhos adquiram um brilho prateado. Eu pude ver um fraco contorno estranho e azul o rodeando da mesma forma que o mesmo contorno rodeava Edlin. O corpo do príncipe parecia brilhar.
- A aura dele se intensificou, mas a do príncipe Edlin continua se esvaindo. – Disse Huang Jia.
- Ele está no mundo espiritual. – Eu não sabia como, apenas tinha certeza.
- O que?! – Perguntaram os elfos.
- Você também consegue ver?
- Eu consigo ver resquícios das almas deles. Aconteça o que acontecer, não toquem neles.
Aproveitei para ver o que estava acontecendo ao nosso redor. Mais assassinos tinham surgido. Valkyon e Garret lutavam juntos. Nevra, Leiftan, Dagma e Sonze estavam lutando também, mas o que me chocou foi ver Kauan com uma espada dourada lutando contra vários de uma vez e Taynara com uma foice gigante e prateada, dando cabo de um monte deles ao som de Baby, I Love Your Way, sendo que os dois mais pareciam estar dançando um com o outro do que lutando. Essa também não é a música do Jumanji?
Havia outras barreiras como a nossa. Às vezes alguns assassinos tentavam passar por uma delas e o fogo aumentava, queimando os invasores. Dagma começou a usar seus poderes. Percebendo isso, Kauan se aproximou dela e os dois começaram a lutar juntos. Vi Kauan ser mordido por um dos assassinos, mas ao contrário de todas as possibilidades possíveis, o assassino queimou de dentro para fora. O salão ficou de boca aberta. Kauan usou a espada para cortar a mão e jogou seu sangue nas bocas de assassinos próximos.
Taynara correu até ele e usando um pedaço da roupa de um assassino morto, ela enrolou sua mão no tecido. Ele fincou sua espada em um cara que apareceu de surpresa para atacar Taynara e ele queimou de dentro para fora. Os dois se beijaram e o homem ergueu a mão. No instante seguinte todos tivemos que proteger nossos olhos de um imenso clarão. Enquanto meus olhos estavam voltando a se ajustar àquela loucura toda, os últimos assassinos eram golpeados pelos cabos das armas e detidos. As barreiras cessaram e os guardas conseguiram abrir as portas. Tivemos que intervir para que ninguém tocasse em Taith ou Edlin.
- Ez! – Dagma o abraçou. – Você está bem?
-Sim. Está ferida?
- Estou bem.
- Tingsi. – Leiftan não conteve o impulso de me abraçar. – Você está bem?
- Ótima.
- Não me diga que ele fez isso! – Exclamou Taynara se aproximando dos dois. – Você sabe puxá-lo de volta?
- Eu não sei nem o que ele está fazendo.
- Ele está buscando a alma do príncipe. Ainda bem que eu vim.
Taith voltou exausto. Jia deu a notícia que o pulso de Edlin estabilizou, nos deixando aliviados.
- Embora o corpo dele esteja estável, seu espírito não está. – Anunciou Taynara ao verificá-lo. – Caso contrário ele vai ficar em coma.
- O que preciso fazer? – Perguntou Ezarel.
- Não é difícil. – Disse Taith. – Eu faço.
- Primeiro vamos levá-lo para o quarto.
Nós levamos Edlin até o quarto dele. Os pais dele estavam lá junto com a noiva e não queriam deixar o Ezarel ficar. Quebrei um barraco junto com Taynara que os reis não souberam onde enfiar a cara. Taith pegou uma flauta e começou a tocar Wuji, canalizando seu poder espiritual em cada nota. Os membros da guarda e eu ficamos nos entreolhando porque conhecíamos bem a música. Taith parecia brilhar enquanto tocava. O quarto foi preenchido por uma serenidade sobrenatural. Aos poucos Edlin foi despertando. Taerin e Ezarel deram um grande abraço nele e começam a chorar.
- Eu pensei que tinha te perdido! – Disse Taerin.
- Desculpe.
- Idiota, não faça isso de novo! – Pediu Ezarel.
- Não posso prometer. – Ele afagou seu cabelo. – Fico feliz que esteja bem.
- E eu que esteja vivo.
- Edlin, eu tive tanto medo! – Disse a noiva dele se jogando nos braços dele e afastando Ezarel e Taerin. – Pensei que nunca mais fosse te ver.
- Como pode ver, eu estou bem. – Disse seco. – Taith, você também está aqui.
- Como eu poderia abandoná-lo?! Você me deu o maior susto!
- Me desculpe por isso.
Edlin pegou a mão do amante. A forma carinhosa que eles se olhavam deixou os pais dele com cara de cu. A noiva dele tentou ficar na frente de Taith, mas o próprio Edlin a empurrou para o lado para beijar o amante. Os pais dele só faltaram explodir, a noiva não sabia onde enfiar a cara, já Taerin parecia aprovar o relacionamento.
- Eu acho que devíamos deixar com que nossos convidados cuidem de Edlin. – Sugeriu Taerin. – Vocês salvaram a vida dele, devem estar familiarizados com sua condição.
- Sim, estamos. – Disse Taith. – Eu não vou abandoná-lo, farei o meu melhor para cuidar dele.
- Com certeza você vai. – Disse Taynara. – Porque eu não posso ficar ou a minha mãe me mata. Já basta o sermão por termos vindo escondido.
- Eu tinha me esquecido disso.
- E esqueceu de se trocar também. – Provocou Kauan.
- O que isso tem...?
Só então Taith notou que estava de vestido na frente dos reis e seus futuros sogros que não aprovavam seu relacionamento. Ele ficou tão envergonhado, coitado, que tive dó. Ezarel e Edlin riam e Taerin gargalhava.
- Há roupas na cômoda. – Disse Edlin. – Use o que quiser.
- Obrigado.
- Não tenho dúvidas que vossa alteza estará em boas mãos. – Tornou a dizer Kauan. – Se nos derem licença, nós precisamos voltar antes do raiar do dia ou teremos problemas.
- Antes de ir, eu queria falar com você, Kauan. – Falei. – Dagma, você pode vir comigo? Preciso que esteja presente.
- Claro, podemos ir para o corredor.
- Eu também gostaria de participar dessa conversa. – Disse Nevra segurando os ombros na namorada.
- Eu também. – Disse Ezarel.
- Então vamos todos para uma sacada ou um quarto já que vai ficar esse alvoroço. – Sugeriu Taynara.
Deixamos Taith e a família real no quarto e fomos até um pátio interno. Dagma e eu nos sentamos nos bancos por cansaço.
- Ele é confiável? – Perguntou Ezarel visivelmente preocupado.
- Não se preocupe, o que o príncipe tem não é grave. – Respondeu Taynara ignorando Ezarel. – Ele pode se sentir um estranho no próprio corpo, mas só precisa canalizar um pouco do poder espiritual em músicas relaxantes e harmoniosas que logo ficará bem. Taith pode fazer sem nenhum problema.
- E ele ama o Edlin, já os vi juntos mais de uma vez. – Complementei. – Indo ao que importa, o que vocês sabem sobre o clã Sól?
- Onde ouviu isso?
- O pai da Dagma apareceu por esses dias e deu uma capa para ela com as runas sowilo e dagaz. Taith confimou que pertencem ao clã Sól.
- Você tem certeza?! – Kauan estava surpreso.
- Quando foi que ele fez isso?! – Dagma estava tão surpresa quanto ele.
- Na festa, mas eu não tive tempo de te falar. Ah, Kauan, Dagma. Dagma, Kauan.
- Oi. – Ele cumprimentou. – Vocês têm certeza?
- Absoluta.
- Há algo errado? – Perguntou Dagma.
- Esse homem te disse alguma coisa?
- Apenas que foi punido. Vocês sabem de alguma coisa?
- Kauan.
- Está tudo bem, Tay. De onde eu venho, todo mundo sabe o que aconteceu. Há alguns anos, o Clã Sól foi punido de forma que todos os membros foram confinados dentro de suas dependências, nem os criados podiam sair para comprar suprimentos. Eles até perderam a cadeira no conselho por alguns anos. Demorou algum tempo até que eles retomassem o prestígio por meio das arenas, os criados voltarem a frequentar o mercado e a reconquistar sua posição no conselho, mas continuam limitados, não podem perambular por aí.
- Mas por que isso aconteceu?
- O líder do Clã Sól incinerou uma fortaleza. Não sobrou um metal para contar a história, mas deixou sobreviventes. Pelo que ouvi, foi por causa do corpo da mulher que ele amava.
Todos prenderam a respiração. Não havia palavras para definir o quanto estavam perplexos. Ezarel e Nevra foram amparar Dagma para o caso de passar mal. Taynara chegou à mesma conclusão que eu.
- Ele é o seu pai?!
- Você é a famosa filha perdida do Lorde Solariel?! A que foi criada por ninfas?! – Kauan abriu um grande sorriso, pegou a mão de Dagma e a balançou entusiasmado. – É um grande prazer te conhecer! O líder do meu clã é um grande amigo do seu pai.
- Kauan, onde estão seus modos?
- Desculpe, amor. – Ele se curvou perante Dagma, deixando todos incrédulos.
- Por que está fazendo isso?
- Sua posição é mais elevada que a minha. É natural que eu me curve para posições mais altas em sinal de respeito.
- Não precisa fazer isso. Sério, eu....
- Você é do clã Máni? – Perguntou Ezarel desconfiado.
- Claro que não. Eu sou do Clã Guaraci.
- Caso não tenham percebido, Kauan e eu não somos da mesma raça. – Respondeu Taynara, deixando todo mundo sem graça.
- Como está o meu pai? – Dagma decidiu mudar de assunto.
- Eu não sei bem. Ele passou os últimos 20 anos tentando restaurar a honra e a reputação do clã. Ainda faltam alguns anos de isolamento que ele precisa cumprir. Se descobrirem que ele veio te ver, o Clã Sól pode sofrer novas sansões. Não se preocupe, não vou falar nada.
- Isso quer dizer que eu não posso vê-lo?
- Pode, mas eu não acho que seja a melhor decisão no momento. Ouvi dizer que a guarda de Eel tem lidado com muitos problemas ultimamente e procurá-lo agora poderia ser mais um. Não me leve à mal, mas talvez seja melhor esperar a poeira abaixar um pouco mais.
- Taith me disse a mesma coisa. – Falei. – Talvez seja melhor a gente resolver nossos problemas antes de pensar em procurar pelo seu pai.
- E por aquele estranho que você encontrou no templo. Ele também te deu uma capa parecida com a do Taith, não?
- Que estranho? – Taynara resolveu perguntar.
- Um cara aí, pelo que eu sei, ele é do clã Chang’E.
- Isso não faz sentido.
- Tay, como herdeira do Clã Jaci, você sabe de alguma coisa? Por que ela parece com você e o Taith?
- A única filha perdida dos Chang’E é filha do Lorde Lunadriel, mas essa garota está na Terra. – Olhando para todos, vi que acendeu o sinal de alerta.
- Como ela é? – Leiftan não pôde deixar de perguntar.
- Extremamente problemática. Ouvi dizer que ela quase pôs fogo na escola depois de colocar bombinha na sala dos professores.
- Foi um acidente! – Exclamei e todo mundo olhou para mim.
- Você realmente fez isso?! – Meu namorado estava perplexo.
- Eu te falei. Tenho certeza que foi entre “me descobri bissexual” e “estudava química em um laboratório de metafetamina”.
- Você fez tanta coisa que eu não sei se absorvi tudo.
- Pelos deuses, é você!
- Sou e nem pense em se curvar! – Cortei logo Kauan, que já estava se curvando. – Eu estou pouco me fodendo para o meu pai.
- Então por que encheu o saco do Taith?
- Eu fiz isso para descobrir quem era aquele estranho e por que ele veio falar comigo. Também para descobrir alguma coisa que possa ajudar a Dagma na busca pelo pai dela, já que isso é importante para ela. Agora, se for sobre o meu pai, quero mais é que se foda.
- Tingsi! – Reclamou Jia.
- Temo que ainda não esteja acostumada. – Tornou a dizer Leiftan. – Mas Tingsi não tem uma opinião favorável acerca do pai dela.
- Isso não é problema meu. – Tornou a dizer Taynara. – Vamos embora ou a minha mãe me mata.
- Esqueci que a herdeira dos Jaci não tem permissão para ficar fora até tarde.
- Quero ver você explicar para Lorde Taiguara que foi ficar na minha casa e acabou indo a um baile escondido dele.
Kauan ficou com o cu na mão. Os dois sumiram pelos corredores deixando a todos cheios de perguntas. Valkyon surgiu algum tempo depois e me abraçou, aliviado por eu estar bem.
- Estava me perguntando onde você estava. – Comentei.
- Estava ajudando o príncipe Garret com os prisioneiros. Rapazes, será que eu posso falar com vocês?
- Aconteceu alguma coisa?
- Falaremos mais tarde. Huang Jia, poderia fazer companhia para Tingsi esta noite? Temo que não poderei.
- Claro.
- Dagma, eu lamento que terei que roubar Ezarel e Nevra de você.
- Não tem problema. Vou ver como minha mãe está e fazer companhia a ela.
Saímos do corredor. Jia e eu fomos ao meu quarto. Estava exausta, mas encontrei forças para tomar outro banho antes de colocar o pijama e dormir. No dia seguinte, depois do café, Valkyon e Leiftan chamaram a mim e a Huang Jia para um passeio nos jardins.
- Quando pretende partir? – Perguntou Leiftan à Jia.
- Feng Zifu quer partir hoje à tarde.
- Já? – Perguntei.
- Huang Chu precisa voltar para casa e eu preciso resolver algumas coisas no templo antes de me mudar para Eel, mas devido à saúde do príncipe Edlin, temo que terei que adiar a minha partida.
- É sobre isso que gostaria de falar. – Disse Valkyon.
- Vocês também suspeitam que há alguma coisa errada nessa história? – Perguntei.
- Como você suspeitava, alguém planejou os eventos de ontem. – Disse Leiftan.
- Estive conversando com o princípe Garret e ele quer que o ajudemos a investigar o ocorrido. – Valkyon voltou a dizer.
- O que estamos esperando?
- Tingsi, eu quero que você volte ao QG com os outros hoje à tarde.
- Nem fodendo! Eu posso ajudar e fazer um trabalho investigativo melhor que esses guardas.
- Eu não duvido. – Disse Leiftan calmamente. – Mas receio que possa não ser tão simples. Valkyon e eu conversamos por horas e concordamos que o melhor seja você voltar.
- Depois de tudo que passamos vocês acham que eu não dou conta?
- Não estamos questionando suas habilidades. – Disse o meu chefe. – Você está grávida. Temos medo de que todo esse estresse acabe te desgastando e pondo em risco a sua saúde e a do nosso filho.
- Por isso que achamos melhor você voltar com os outros. Ficaremos mais tranquilos sabendo que vocês dois estarão bem.
- Também precisamos que cuide de Dagma. Ela tem estado estressada desde o dia em que chegou.
- Está bem, eu vou. Só me prometam que vão voltar logo.
- Eu prometo.
- Iremos mandar notícias sempre que pudermos. – Leiftan me tranquilizou.
===Ezarel===
- Ez, o que te incomoda tanto? – Edlin me perguntou.
- Deveria se preocupar mais contigo. Como está se sentindo?
- Como se fosse um estranho no meu próprio corpo. Vai me contar o que está te incomodando ou não?
- Esse Taith é confiável?
- Sim.
- Como pode ter tanta certeza? Você mesmo disse que ele nunca te contou sobre suas origens e só soube de alguma coisa quando ele viu a Tingsi.
- Olha Ez, ele pode não falar sobre suas origens, mas é muito leal tanto ao clã dele quanto a mim. Você não esteve aqui, mas isso já ficou provado em várias situações.
- E como vai ficar o relacionamento de vocês depois que se casar?
- Eu não vou me casar. Eu prefiro ser rebaixado a um civil do que este casamento. Meus pais só querem me casar por ter te ajudado achando que eu vou tomar jeito e ninguém merece a vida de amante.
- Espero que sejam felizes.
- E eu que você seja com Nevra e Dagma. Não se esqueça de me avisar.
- Com você de padrinho, sinto até pena dessa criança.
Ele bateu no meu ombro. Taith entrou no quarto arrastando uma harpa. Mesmo podendo usar qualquer roupa do príncipe, ele preferia se vestir de forma simples. Edlin queria tocar harpa, mas não podia sair do quarto até se recuperar totalmente, então Taith disse que buscaria. Como ele conseguiu trazer essa tralha é um mistério.
- Ezarel, pode deixar que eu cuido dele. Aproveite para passar o dia com os seus namorados.
Apenas concordei. Queria passar o máximo de tempo possível com Dagma antes que ela fosse embora. Eu a encontrei com Nevra em um dos jardins. Não pude evitar abraçá-la. Senti-la em meus braços era o alívio que eu precisava com tudo que estava acontecendo, mas também me fazia sentir medo por estar colocando-a em perigo.
- Ezarel, o que está fazendo?!
- Mãe?
- Filha de uma ninfa ou não, você não vai mais enganar o meu filho. – Minha mãe me puxou pelo braço.
- Mas eu nunca enganei o seu filho.
- Então como explica o que aconteceu no baile?! Todo mundo te viu beijando outro homem depois de dançar com o meu filho! Eu pensava que você era uma boa moça, mas parece que me enganei.
Ficamos perplexos e sem qualquer reação. Minha mãe começou a me puxar de lá. Puxei meu braço de volta.
- Ezarel, o que há com você?
- Mãe, a Dagma não me enganou.
- Como não?! Mesmo com a máscara foi fácil perceber quem ela era e todo mundo a viu beijar outro homem e ficar de gracinha com o amante dela o resto do baile.
- Ela não tem um amante! O Nevra é o namorado dela!
Eu não queira ir contra a minha mãe, mas não podia deixar que minha mãe falasse assim dela. Meu coração estava acelerado e eu comecei a suar frio.
- Ezarel, que história é essa?! Você a apresentou como a sua namorada!
- Porque ela é. – Caminhei até os dois, passei o braço pelos ombros de Dagma e segurei a mão de Nevra. – Ele também é o meu namorado. Estamos eu um relacionamento triplo.
Vi minha mãe empalidecer e depois suas orelhas se tingiram de vermelho um pouco antes de seu rosto inteiro adquirir essa cor. Se os assassinos não conseguiram me matar, provavelmente minha mãe vai. Senti Nevra apertar a minha mão e Dagma buscou a minha outra mão que estava em seus ombros.
- Ezarel, para a torre de alquimia agora.
Seu tom era autoritário. Eu estava com medo de ir, sabia que iria tomar uma das maiores broncas da minha vida. Nevra segurou o meu ombro e me puxou de encontro a ele.
- Você não precisa ir. – Sussurrou em meu ouvido.
- Ezarel.
- Ele não vai. – Dagma tomou a frente. – Senhora Liselle, eu sinto muito por termos escondido nosso relacionamento, não foi por mal. Ez, Nev, vamos.
Nevra e Dagma me conduziram até o quarto dela. Eles me deram água, pois achavam que eu estava pálido.
- Ez. – Nevra me chamou.
- Estou bem. Está tudo bem com você, Dagma?
- Está. Vai ficar melhor quando voltarmos ao QG.
- Era sobre isso que eu estava indo conversar com vocês dois.
- Dagma, Ez e eu não vamos voltar com vocês. – Nevra respirou fundo. – O príncipe Garret pediu nossa ajuda para investigar o ataque. Valkyon e Leiftan também ficarão conosco.
- Então eu também vou.
- Preferimos que você não ficasse. – Admiti.
- Dagma, nós discutimos muito sobre isso e achamos melhor você voltar com os outros. Desde que viemos é um problema atrás do outro. Não queremos te sobrecarregar. Ainda mais porque você está grávida.
- Se for esse o caso, Ezarel também deveria vir conosco.
- Eu não posso.
- Ez, eles querem te matar!
- Exatamente por isso que eu preciso ficar. Se eu for, ainda tentarão me matar. Eu não posso ir com vocês.
- Mas eu posso te proteger! E também tem a Tingsi e o Sonze.
- Eu sei, mas não é só por isso.
- É pelo príncipe Edlin, não é?
- Ele foi ferido por minha causa. Aquele punhal era para mim, eu que deveria estar no lugar dele. Ele se feriu por minha culpa e eu não quero que o mesmo aconteça com você. Eu não suporto a ideia de te colocar em perigo, por isso estou te pedindo para voltar sem mim.
- Dagma, por favor. Nós ficaremos mais tranquilos sabendo que estará segura em Eel. Se você ficar, ficaremos preocupados o tempo todo com o seu estado. Eu prometo que vou cuidar do Ezarel, mas por favor, volte com os outros.
- Está bem. Se isso vai ajudá-los a ficar mais tranquilos, eu vou.
- Prometo que voltaremos para você. – Segurei suas mãos. – Então, por favor, apenas espere por nós.
Ela me abraçou com força e eu retribuí. Tê-la em meus braços me fazia esquecer por um momento a tormenta que havia se formado.
===Nevra===
Ver Dagma partir foi doloroso, mas era preciso. Ezarel já estava se sentindo culpado pelo que aconteceu ao príncipe Edlin a ponto de querer se entregar e acabar com aquilo. Valkyon e eu penamos para trazê-lo de volta à razão e ele só começou a pensar quando Leiftan colocou Dagma no meio da discussão. Segui a linha de raciocínio dele, pois ela odiaria que ele fizesse aquilo. Também tivemos sorte de Taith estar procurando pelo Ezarel, pois o príncipe Edlin o conhecia tão bem quanto nós.
Quando Ezarel enfia na cabeça que algo é culpa dele, nem os deuses e nem o Oráculo conseguem tirar. O próprio príncipe tinha previsto que ele se sentiria culpado e tinha pedido ao seu amante para chamá-lo. Príncipe Edlin conseguiu colocar juízo na cabeça de Ezarel, pois ele quem escolheu se jogar na frente do punhal e não vai perdoar o Ez se ele se entregar aos seus inimigos. Mesmo debilitado, ele quis participar da nossa investigação. Mesmo argumentando, ele consegue ser mais teimoso que Ezarel.
- Você tem um plano? – Leiftan me perguntou enquanto víamos a nossa caravana sumir no horizonte.
- Sinceramente eu não consegui pensar em um.
- Tire o dia para descansar, Valkyon e eu podemos cobri-los.
- Não será preciso.
- Tem certeza? Ezarel não me parece muito bem. Aconteceu algo? – Só pude olhar para o chão. – Talvez seja melhor você ficar próximo ao Ezarel. Não temos certeza se irão atacar novamente. Quem sabe trazê-lo para perto dos nossos quartos.
- Sabe que eu estava pensando nisso hoje de manhã?
Talvez Leiftan esteja certo, mas se eu tirar o dia para descansar como ele sugeriu, ambos ficarão sozinhos com o príncipe Garret. Pedi para Ezarel que ele fosse pegar suas coisas e se mudasse para o meu quarto. O acompanhei até a torre de alquimia, demos de cara com os pais dele na sala. Ezarel congelou no mesmo lugar, toquei seu braço.
- Ezarel, o que sua mãe disse é verdade? – Perguntou o pai dele.
- Sim. – Ez não parava de olhar para o chão.
- Eu não esperava isso vindo de você. Primeiro você esconde um humano, depois você foge e agora se envolveu em um relacionamento triplo. Não foi para isso que te criamos.
- Eu sei.
- Vá pegar suas coisas. – Falei acariciando seu braço.
Ezarel subiu para o seu quarto enquanto eu me interpunha entre ele e os pais dele. Eles me olhavam com desgosto. Embora fosse um olhar que eu estou acostumado, aquilo doía, por isso fiz o meu melhor para não demostrar. Ficamos assim por longos minutos até que Ezarel voltasse com sua mochila. Não quis saber, passei o braço por seus ombros e o levei de lá. Infelizmente quando estávamos voltando, vi meu pai pelos corredores. Comecei a suar frio. Rapidamente fugi dali.
Finalmente chegamos ao meu quarto. Tirei a mochila das costas de Ezarel, pois ele não tinha reação. Eu o puxei para um abraço. Ele tremia enquanto se agarrava a mim. Era como se meu corpo fosse o único refúgio que ele podia encontrar. Eu odiava vê-lo assim. Eu o beijei. Ezarel não resistiu. Eu não sei o que se passa pela sua cabeça e não tinha ideia do que fazer, apenas queria que ele se sentisse melhor.
Eu o conduzi até a cama e o puxei para mim. Nos deitamos sem quebrar o beijo. Eu tentava colar nossos corpos o máximo possível. Eu sei que essa não é a melhor forma de lidar com essa situação, mas era a única que eu conseguia pensar. Retirei sua jaqueta sem qualquer problema, mas quando soltei seu cabelo, Ezarel afastou nossos lábios.
- Nevra, o que você está fazendo?
- Apenas quero que se sinta melhor e saiba que eu estou aqui para o que precisar.
Ele me beijou. Parecia mais sedento dessa vez. Não demorou para nossas roupas ficarem espalhadas pelo quarto. Eu explorava cada pedaço de pele do seu corpo. Ele extremecia toda vez que meus lábios estavam em suas orelhas ou em seu pescoço de tão sensível que ele ficava. Suas mãos estavam em minha nuca se enroscando em meus cabelos. Ele gemeu alto quando mordisquei seu mamilo. Ezarel se separou apenas para lamber o meu pescoço. Ele também passou a língua pela minha clavícula e pelos meus lábios antes de tomá-los em um beijo feroz.
Desci até sua virilha. Dei uma lambida em seus testículos apenas para provocá-lo antes de lamber seu pênis da forma mais lenta possível. Ele protestou, mas seus protestos acabaram quando abocanhei seu membro. Eu o suguei devagar. Apreciei cada gemido dele. Quando achei que estava bom, lambi toda a extensão se sua virilha até o seu peito, iniciando um novo beijo.
Senti a mão de Ezarel se fechar em torno do meu pênis, apenas para trazê-lo de encontro ao dele. Ele começou a movimentá-los juntos, sem se importar com a minha saliva. Seus movimentos se tornavam cada vez mais rápidos e firmes, a fricção entre nossos membros me deixava cada vez mais excitado e os beijos dele em meu pescoço confirmavam que ele tinha o controle da situação. Não demoramos a atingir nossos ápices.
Estava me recuperando quando Ezarel desceu para sugar o meu membro. Eu mal conseguia pensar em reagir, pois a boca dele me estimulava cada vez mais. Eu tinha que arrumar um jeito de recuperar o controle. Ao contrário de mim, Ezarel não parou até que eu derramasse meu líquido em sua boca. Ele ficou que nem um louco cuspindo, o que foi engraçado. Não pude evitar uma exclamação de surpresa quando Ezarel me empurrou na cama e colocou minhas pernas em seus ombros. Ele enfiou um dígito em minha entrada.
- O que significa isso?!
- Mudança de papéis, talvez?
Ele tentou sorrir de forma cretina, mas só conseguiu um sorriso triste. Meu coração se apertou, mas eu não pude fazer nada, pois aquele cretino sabia bem o que estava fazendo. Ele achou a minha próstata em pouco tempo e começou a me masturbar. Não demorou para ele adentrar em minha cavidade e acertar aquele ponto em particular. Eu me esforçava para não gemer e brincar com ele, mas não conseguia. Ezarel sabia exatamente o que estava fazendo. Minha vingança será maligna. Não demorei a chegar ao meu ápice, Ez fez o mesmo logo depois. Ele saiu de dentro de mim e caiu ao meu lado.
Recomecei outro beijo e fui para cima dele. Dessa vez não iria deixá-lo se safar. Rodeei sua entrada com um dedo antes de penetrá-la, depois outro e mais um terceiro. O elfo gemia e se agarrava às minhas costas e tudo melhorou quando meu pênis adentrou em sua cavidade. Suas pernas se enroscaram em minha cintura e seus gemidos preenchiam o ambiente. Eu não resisti e cravei as presas em seu ombro. O sangue dele tinha um gosto maravilhoso. Novamente atingimos nossos ápices. Saí de dentro dele e me deitei ao seu lado. Ele não disse nada, nem sequer uma piadinha.
- Ez.... – Acariciei suas costas. – Eu estou aqui, para o que precisar.
Novamente ele me beijou. Mesmo visivelmente cansado, ele insistia em continuar. Ele está tentando me cansar para não tocar no assunto?
- Se eu não te conhecesse, diria que está tentando me cansar para evitar o assunto. – Ele desviou o olhar. – Vem cá.
Eu apenas o abracei e fiquei acariciando seu cabelo. Achei melhor não falar mais nada e esperar que ele se acalmasse. Talvez Leiftan esteja certo e eu deva tirar o dia para tratar dos meus problemas. Só espero que ele e Valkyon estejam bem.
===Leiftan===
Novamente estávamos no salão com o príncipe Garret, o príncipe Taerin e Huang Jia, pois estávamos desfalcados. Tingsi tinha feito anotações de como conduzir a investigação. Eu as tinha lido várias vezes juntamente com Valkyon.
- Isso é ridículo. – Disse o príncipe Garret. – Por que devemos voltar aqui ao invés de interrogar os prisioneiros?
- Faremos isso, príncipe Garret, no entanto ainda há dúvidas que precisam ser exclarecidas.
- Tingsi acredita que possamos ter deixado passar algo. – Disse Valkyon. – Por isso acha que precisamos reconstituir a cena e nós somos peças-chave para a investigação.
- Reconstituir a cena? Ela espera que esfaqueemos alguém?
- Não de verdade. – Afirmei. – Como Ezarel não está, esta cadeira fará o papel dele. Onde todos estavam antes de as luzes se apagarem? Vocês se lembram disso?
- Eu estava conversando com a Dama Huang Hua e Huang Chu bem ali.
- Tingsi e eu estávamos próximos, mas não me lembro onde.
- Nova sugestão, refaçam seus passos até o momento em que as luzes se apagaram. Assim que todos estiverem em suas posições podemos começar.
Me lembro de estar em um lugar afastado conversando com Ashkore. Ele teve a cara de pau de aparecer quando eu estava dançando com Tingsi. É possível que haja algum dedo dele neste ataque. Por sorte ele não foi irresponsável a ponto de mostrar seu rosto a ela. Essa nova habilidade dela será um grande problema, mas ainda é desconhecida. Taith sabe de algo, ambos são da mesma raça, embora não tenha qualquer evidência concreta. É melhor descobrir o que ele pode fazer.
Valkyon me tirou de meus pensamentos. Por um instante eu tinha me esquecido do que estava fazendo ali. Desculpei-me e voltei a me concentrar naquela noite. Ashkore tinha me deixado irritado com sua aparição e assim que as luzes se apagaram, ele tomou meus lábios em um beijo possessivo. Eu o empurrei e Dagma iluminou o ambiente. Olhei para as portas e janelas do recinto. Eram altas e largas o suficiente para que a luz da lua pudesse iluminar boa parte do salão. Mesmo que fosse noite de lua nova, as estrelas e a iluminação externa fariam seu papel. Parando para pensar, quando os guardas conseguiram abrir as portas, as janelas se encontravam fechadas.
Quando todos estavam em posição, marquei o meu lugar e fui até Valkyon. Ele não estava longe de um vaso de flores que Tingsi usou para subir e saltar por sobre o primeiro assassino, o atingindo com o Zidian. Fui até a cadeira e fazendo alguns cálculos determinei o perímetro que o punhal deveria ter caído. Valkyon e o príncipe Garret vieram até mim e nós dois procuramos pelo punhal, levando em conta que ele poderia ter sido chutado durante a confusão. Enfim o encontramos.
- Príncipe Garret? – Valkyon chamou sua atenção.
- Devo um pedido de desculpas àquela humana. Mesmo que o encontrássemos durante a limpeza do salão, isso poderia demorar mais que o previsto.
- Príncipe Garret, você se lembra de algum detalhe que não tinha dado importância? – Perguntei. – Qualquer coisa estranha.
- Alguns. Lembro-me de quando estava combatendo, não havia guardas no salão. Mesmo gritando por eles, não apareceu um sequer.
- Tivemos sorte por você não ter se separado de sua espada.
- Mas eu não era o único armado.
- Tingsi não se separa do Zidian mesmo para tomar banho e Kauan e Taynara não são deste reino ou estavam entre os convidados.
- Talvez seja melhor investigá-los.
- Não acho que eles estejam por trás disso. – Disse Valkyon. – Este punhal parece comum, mas possui um metal muito específico.
- Deixe-me ver. – O príncipe Garret analisou o punhal. – Realmente, esse metal não é usado em punhais comuns para Eldarya, mas é comum entre os reinos élficos. O desenho também é de Lund’Mulhingar, o que significa que foi adquirido aqui. Não foi qualquer ferreiro que o forjou. Ele aparenta ser simples, mas acredito que seja intencional.
- Também achei estranho devido à qualidade da forja.
Os dois iriam discutir o dia inteiro sobre o punhal, então pedi para o analisarem depois. Tínhamos que terminar a reconstituição. Retornamos aos nossos lugares e pedi aos presentes que refizessem seus passos depois que o príncipe Edlin foi apunhalado. Eu me lembro que Tingsi gritou por um médico, por isso fui atrás de Huang Jia o mais rápido possível. Aproximei-me dela e ficamos refazendo nossos passos até chegarmos à cadeira.
O príncipe Taerin foi o primeiro a chegar, Valkyon e o príncipe Garret estavam distantes lutando contra a horda. Huang Jia e eu tivemos um pouco de dificuldade para abrir caminho pela multidão, por isso eu não me atentei a muitos detalhes, apenas um: Ashkore se divertindo em meio ao caos. Não podia denunciá-lo mesmo se eu quisesse, então me atentei a outros detalhes até chegar à cadeira.
- Lembro que tentamos levá-lo ao salão adjacente, mas a porta estava trancada. – Disse Huang Jia.
- Como assim trancada? – Questionei. – Lembro-me perfeitamente de encontrar Tingsi em um dos salões.
- Eu também achei estranho. – Disse o príncipe Taerin. – Não fazia muito tempo que eu estava bebendo em um dos salões com alguns amigos.
- Quando foi isso?
- Um pouco depois do espetáculo protagonizado por Kauan e Taynara, mas minha irmã, a princesa herdeira, nos descobriu e tomou nossa bebida.
- Havia algum guarda com ela?
- Não, mas um pouco antes de eu sair, um criado entrou para limpar a nossa bagunça. O que é estranho, pois ela foi abordada pelo embaixador de Yaqut logo que saiu e não teve tempo de pedir a ninguém para limpar.
- Como sabe que era o embaixador de Yaqut?
- Acredite, mesmo de máscara, Lorde Kieran não deixa de ser desagradável.
Continuamos nossa investigação. Conseguimos montar alguma cronologia para os eventos. Pouco tempo após o espetáculo de Kauan e Taynara, o príncipe Taerin estava bebendo escondido com alguns amigos em um dos salões adjacentes. As portas devem ter sido fechadas durante as valsas. Em nenhum momento tentaram acender as velas apagadas, talvez por conta do ambiente íntimo que tinha ficado. Ninguém viu as portas e as janelas serem fechadas, pois todos estavam ocupados com assuntos no salão, nem mesmo o desconfiado príncipe Garret.
Muitas perguntas ainda estavam sem resposta. Tínhamos que investigar os assassinos que prendemos, os corpos daqueles que se mataram antes que tivéssemos chance de impedir e os criados que limparam o salão, além do punhal que foi achado. Se descobrissem o ferreiro, descobriríamos quem o encomendou.
Descobrimos um símbolo estranho nos corpos dos assassinos mortos e dos que se mataram sob custódia. Estranhamente não havia qualquer símbolo nos prisioneiros vivos. Outro detalhe que chamou minha atenção era que os poucos prisioneiros vivos eram elfos enquanto os mortos estavam com o rosto deformado. Huang Jia constatou que os que se suicidaram ingeriram uma espécie de veneno de ação rápida e que deformava o rosto a ponto de ficar irreconhecível cuja cápsula estava presa entre os dentes. Claramente tinham se silenciado para não revelar qualquer informação relevante e para não serem identificados.
Quanto aos ainda vivos, nós os interrogamos. Eles queriam a morte de Ezarel por ter arrastado seus amigos ou parentes para a forca. Não havia relação entre eles e os mortos, mas eu tinha a impressão de que algo não se encaixava naquela história. Dois grupos diferentes querendo assassinar Ezarel? Eu até entendo os elfos, mas por que assassinos profissionais? Felizmente descobrimos que o punhal pertencia a um dos elfos cuja família tinha condições de pagar um bom ferreiro.
Conversamos com os guardas e os criados. Os guardas que adentraram no salão eram guardas que cuidavam das defesas externas, ou seja, a função deles é proteger as muralhas e patrulhar a cidade, não era função deles proteger os corredores ou o salão. Dois deles estavam a caminho da troca de turnos quando encontraram alguns guardas adormecidos pelos corredores e acharam estranho. Eles alertaram aos seus colegas e todos se dirigiram imediatamente ao salão.
Em uma ronda após a abertura do salão, os guardas das defesas externas descobriram que todos os outros guardas estavam adormecidos. Ao interrogá-los, nenhum deles se lembrava de ter adormecido, afinal só tinham bebido um pouco de vinho. Huang Jia teve a brilhante ideia de analisar o vinho que receberam ou pelo menos suas canecas.
- Acha que foram drogados? – Questionei.
- É a única explicação. Os guardas de todo o castelo adormeceram com exceção dos que cuidavam das muralhas ou voltavam de patrulhas na cidade. Se tivermos sorte, posso provar essa teoria.
- Talvez seja melhor verificar todos os barris do castelo por precaução. Peça ajuda ao príncipe Taerin. Valkyon e o príncipe Garret estão atarefados investigando os criados.
- E o que você vai fazer?
- Preciso verificar uma coisa.
Uma de minhas suspeitas recaía sobre Taith, Taynara e Kauan. O casal desapareceu sem deixar vestígios e Taith era estranho para dizer o mínimo. Eu o encontrei com o príncipe Edlin e pedi para que conversássemos a sós.
- Algum problema?
- Eu só preciso esclarecer algumas coisas. Acho que você pode me ajudar.
- Claro. Do que precisa?
- Você diz amar o príncipe Edlin, inclusive pôs um vestido para se passar por uma moça e se aproximar dele.
- Por favor, não me lembre disso.
- No entanto você não estava com ele quando foi apunhalado. Nem você e nem a noiva dele. Onde esteve?
- Podemos conversar em um lugar mais reservado?
Acabamos indo para os jardins. Havia um labirinto cujas paredes eram cercas vivas. Taith me guiou pelo labirinto. Memorizei o caminho que ele tinha feito, mas não adiantou muito, pois ele conseguiu se perder duas ou três vezes antes de desistir e se encostar frustrado na parede. Só me faltava essa.
- Por que me trouxe aqui?
- Queria que pudéssemos conversar sem sermos incomodados. O labirinto é bom para isso, pois as pessoas se perdem nele. Eu mesmo me perco às vezes. – Disse envergonhado.
- Graças a você, estou perdido também.
- Desculpa.
- E você ainda não respondeu a minha pergunta.
- Então, o que quer saber exatamente?
- Tudo, começado com a performance dos seus amigos.
- A performance foi ideia minha.
- Explique melhor.
- A noiva do Edlin o roubou de mim durante uma dança e fiquei olhando os dois até Tingsi aparecer. A gente dançou e ela notou que eu não parava de olhá-lo. Ela queria derramar algo no vestido dela de novo, mas eu tive a ideia de performarmos essa música. Eu não sei se a conhece.
- Não, eu não a conheço.
- Ela fala sobre duas pessoas que se amam, mas há barreiras que as impedem de ficarem juntas. Era uma declaração para o Edlin saber como eu estava me sentindo. Tingsi iria ficar perto do Edlin quando começasse a cantar para disfarçar, mas ela deu a ideia de Kauan e Taynara performarem, pois assim eu poderia me aproximar de Edlin e levá-lo do salão enquanto todos estivessem maravilhados.
Aquilo fazia sentido. Tingsi tinha dado a entender que tinha envolvimento com a performance. Kauan esteve próximo a Taith até que a música alternasse para Taynara, que ficou perto do príncipe Edlin por um bom tempo. Quanto as luzes, eu não sei dizer de onde vieram.
- O que aconteceu depois?
- Fugi do baile com Edlin. Viemos até os jardins.
- Os jardins? Quando vocês voltaram?
- Deve ter sido lá pela segunda ou terceira valsa. Os criados estavam fechando as janelas para criar um ambiente mais aconchegante, mas estavam mentindo. Ele ordenou para que voltassem a abrir, mas disseram que era a ordem do rei. Falei com Edlin que eles estavam mentindo.
- Como você sabe que era mentira?
- Você é namorado da Tingsi, não?
- Sim.
- Você já mentiu para ela?
- Isso não está em questão.
- Então mentiu. Sabe por que eu e Taynara não contamos tudo para Tingsi de uma vez? – Neguei com a cabeça. – Nossa espécie percebe mentiras. Eu sei quando alguém mente só de abrir a boca. Os poderes da Tingsi ainda estão crescendo e ela não têm o treinamento apropriado. Se ela souber, posso apressar as coisas sem querer e isso pode colocá-la em perigo.
- O que você quer dizer com isso?! – Segurei seus ombros até os nós de meus dedos enbranquecerem.
- Se um dia você acordasse e descobrisse que alguém a sua volta está mentindo para você, como se sentiria?
Um calafrio percorreu a minha espinha. As palavras de Taith fizeram mil pensamentos fervilharem em minha cabeça. Algo em meu interior gritava perigo. Uma parte de mim não queria acreditar nele. Se isso acontecesse seria um grande problema. Se isso acontecesse, ela poderia descobrir todas as minhas conspirações e sempre desconfiaria de mim. Sem contar que isso comprometeria a segurança dela se Ashkore suspeitasse. Por que fui me apaixonar justo por ela?!
- Você entende a gravidade do problema?
- Entendo. – Minha voz não era nada mais que um sussurro.
- Por isso não me atrevo a contar. Tingsi se tornou minha amiga, não quero estragar tudo. Ainda mais que ela está esperando e os problemas só acumulam.
- Ela te contou?! – Perguntei incrédulo.
- Eu percebo esse tipo de coisa também. – Disse coçando a nuca. – Era só isso que você queria saber?
Tive que retornar ao foco. Eu o soltei e refleti por um bom tempo. Estávamos perdidos no labirinto de qualquer forma. Afastei meus pensamentos sobre minha amada e minhas preocupações. Preciso terminar o interrogatório.
- O que fizeram após descobrir que os criados estavam mentindo?
- Edlin queria falar com o rei sobre isso e encontrar Ezarel o mais rápido possível. Eu fui contar a Taynara e Kauan, mas não tive coragem de interromper a valsa deles, então esperei que terminassem. Eu estava contando sobre minhas suspeitas quando as velas se apagaram abruptamente. O resto, bem, você sabe o que aconteceu.
- Entendo. Seu depoimento foi de grande ajuda.
- Mesmo?
- Sim. Você viu como eram esses criados?
- Sim, eu posso reconhecê-los, se quiser.
- Ótimo. Vamos nos concentrar em sair daqui primeiro.
- Isso é fácil. É só eu entrar no limiar para isso.
- Não creio que seja uma boa ideia.
- Eu já sei sobre suas asas. – Um pavor se aponderou de mim. – Não comentei com ninguém, isso não é da minha conta.
- Nem mesmo com Tingsi?
- Eu sei que não quer o mal dela, dá para ver pela forma como vocês se olham. E como eu disse, não é da minha conta.
- Agradeceria se não comentasse com mais ninguém. Nem mesmo com os seus amigos ou o príncipe Edlin.
- Meus amigos já perceberam, quanto a Edlin, ele não precisa saber.
Me senti aliviado. Deixei com que Taith me guiasse através do limiar para fora do labirinto. Mesmo eu perguntando, ele se recusou a falar mais sobre sua raça ou sobre o clã Máni. Nesse pouco tempo que passei com ele, percebi que ele era gentil e um pouco ingênuo, mas era leal e confiável. Não iria me delatar.
Notes:
Começamos com uma referência ao Homem Aranha 2 e agora nossos herois vão virar detetives para descobrir quem quer matar o Ezarel.
Chapter 54: Capítulo 54
Chapter Text
===Leiftan===
O próprio Taith contou aos outros sobre sua capacidade de desvendar mentiras, mas não comentou nada sobre mim. O príncipe Edlin confirmou tal habilidade, porém o príncipe Garret quis testá-lo. Huang Jia também não acreditava nisso, pois os fenghuangs tinham habilidade de sondar as mentes e corações das pessoas. Para a surpresa de todos, Taith passou em todos os testes. Era nítido quando ele percebia, afinal, sua cara ficava azeda. Às vezes ele levantava a sobrancelha como Tingsi fazia quando eu tinha que mentir para ela.
Valkyon ficou branco com a descoberta, principalmente porque foi apresentado como faeliano. Eu sou o único que sabe sobre sua natureza, afinal, sou sócio de seu irmão. Para a minha surpresa, Taith não comentou sobre isso, talvez por achar que não era problema dele.
Decidimos refazer os interrogatórios dos prisioneiros e dos guardas. Para a minha surpresa, os prisioneiros élficos estavam dizendo a verdade quando diziam não estar associados com os outros e sobre o alvo ser Ezarel, porém estavam mentindo sobre a motivação. Não foi difícil fazer a verdade aparecer. Aqueles elfos tinham sido contratados pelas famílias para matarem Ezarel. Eles receberam punhais dessas famílias, alguns eram de próprio punho.
- É muita coincidência que haja dois grupos tentando matá-lo. – Disse Valkyon em particular.
- Todos neste reino odeiam Ezarel, estou surpreso por não haver mais grupos.
- Vendo por esse lado....
- Eles não parecem ser perigosos.
- Leiftan, eles tentaram matar o Ezarel e esfaquearam o príncipe Edlin!
- Eu sei, mas eu não acho que eles tenham planejado o fechamento do salão e o envenenamento dos guardas.
- Você tem razão. Fechar as saídas e drogar os guardas sugerem que o assassinato era premeditado. Eles receberam as armas que usariam, algumas de próprio punho.
- Só um idiota daria uma arma de próprio punho para ser usada em um assassinato.
- Leiftan, tem mais coisa nessa história, consigo sentir.
- Vamos interrogar os criados. Por sorte, temos Taith para nos ajudar.
Mesmo com Taith não conseguimos muita coisa. Ele não reconheceu nenhum dos criados. Como poderia? Eles também estavam de máscara. No entanto, Valkyon, Huang Jia e eu soubemos naquela noite que Tingsi conseguiu ver nossos rostos através das máscaras. Se Tingsi, Taith e Taynara são da mesma raça, significa que ele também pode ter visto. Ainda bem que Ashkore não apareceu sem máscara em sua frente.
Minha cabeça latejava com esse caso e eu não era o único frustrado. O príncipe Taerin sugeriu darmos uma pausa antes que a cabeça do príncipe Garret explodisse de tanto pensar. Huang Jia foi administrar os remédios do príncipe juntamente com Taith, que tocaria para ele. Não vi Ezarel ou Nevra o dia todo. Valkyon também estava frustrado, tanto que me chamou para beber com ele, pois tinha anoitecido e não tínhamos mais pistas. Iríamos nos encontrar em meu quarto, sendo que ele traria as bebidas. Reli as instruções de Tingsi sobre o caso, mas nada vinha em minha mente.
- Não adianta, não vamos conseguir nada por hoje.
- Eu sei, mas eu queria poder fazer mais.
Valkyon se aproximou e colocou nossas bebidas na mesa. A dele era uma caneca de cerveja enquanto a minha era um chá calmante.
- Acho que nunca o vi tão empenhado em uma investigação.
- Apenas quero retornar ao QG o mais rápido possível. – Confessei.
- Eu sei, mas se continuar assim, não vai conseguir pensar direito.
- Eu sei. – Deixei minhas anotações de lado para tomar o chá. – Onde estamos errando?
- Não acho que estamos, apenas tem algo que não conseguimos ver.
- É o que seu instinto lhe diz?
- Sim. Descanse um pouco, podemos revisar nossas anotações mais tarde se quiser.
- Tem razão.
Começamos a conversar sobre coisas mais amenas enquanto bebíamos. Optei por tomar um banho demorado enquanto afastava as preocupações de minha mente. Nos encontramos em meu quarto novamente. Valkyon tinha acabado de sair do banho, percebi ao ver gotículas escorrendo pelo seu corpo vestido apenas pela calça. Ele só pode estar querendo me provocar. Eu estava sentado na cama sem o meu casaco, arrumando as anotações.
Ficamos revisando as anotações por algum tempo. Às vezes eu tinha dificuldade em me concentrar e tinha que fazer exercícios de respiração. Não era a frustração que desviava minha atenção, mas o meu companheiro. Desde que dormimos juntos estávamos nos dando bem. Às vezes eu me perguntava se poderíamos repetir a noite. Ashkore estava enciumado pensando que eu o teria para mim por todas as noites. Esse pensamento me fez sorrir.
- Tem algo que me incomoda. – Disse Valkyon.
- O que?
- Taith disse que poderia reconhecer os criados daquela noite.
- Tenho minhas dúvidas. Estavam mascarados e ele precisaria ter visto o rosto deles antes. – Uma ideia cruzou a minha mente. – Acha que ele pode estar envolvido?
- Duvido. Como você disse, Taith, Tingsi e Taynara são da mesma raça. Tingsi não tinha experienciado algo assim antes. Ela mesma nos contou no baile. Não sabemos que raça é essa e muito menos a extensão dos poderes de Taith ou Taynara.
- Acha que eles podem ver através das máscaras sem precisar ter visto a pessoa antes?
- É possível. – Meu sangue gelou. – No entanto, ele não reconheceu nenhum dos criados do castelo. O que me faz pensar que talvez não sejam os criados que ele viu.
- Acha que ele pode ter visto os assassinos desconhecidos?
- É provável. Quer verificar?
Saímos do quarto e fomos procurá-lo imediatamente, assim como o príncipe Garret. Mesmo que seja verdade, ainda pode ser uma pista infrutífera. O príncipe Garret tinha ordenado que os corpos fossem armazenados e não poderiam ser mexidos sem sua autorização, mesmo se a ordem viesse do rei. Como imaginamos, Taith os reconheceu como os criados. Ele não suportou a visão e se escondeu atrás de Valkyon por ser grande.
- Esse está pior que os outros. O que aconteceu para ficar assim?
- Ao que parece ele queimou de dentro para fora. – Disse o príncipe Garret. – Não sei o que aconteceu, mas depois o seu amigo cortou a mão e usou um feitiço no próprio sangue para queimar os outros.
- Não é um feitiço, a raça do Kauan tem o sangue muito quente. Às vezes eles usam nas suas flechas para caçar e a carne das presas queima de dentro para fora. Se esse cara acabou assim, ele deve tê-lo ingerido de alguma forma. Por que ele faria isso?
- Taerin jura que o viu mordê-lo, mas não tem certeza.
- Isso faz sentido.
- O sangue do Kauan pode fazer isso? – Questionou Valkyon preocupado.
- Sim.
- Algum problema? – Perguntei.
- Nevra me contou que bebeu o sangue de Dagma algumas vezes e queimou a língua. Se ela é da mesma raça que Kauan, isso pode vir a ser um problema.
- Não, isso vai ser um problema. – Tornou a dizer Taith. – Suas amigas estão descobrindo suas habilidades recentemente, eu e os meus amigos as temos desde que nascemos. Se eu fosse o Nevra, pararia de beber o sangue dela. Haverá um dia que ficará que nem o do Kauan e isso é muito perigoso para um vampiro.
- É isso! – Exclamou o príncipe Garret nos assustando. – Vocês notaram o padrão? Os assassinos que estamos investigando não são apenas profissionais, mas vampiros. Nenhum deles aparenta ser de outra raça. As únicas delegações de vampiros que recebemos além do seu amigo, foram de Yaqut e Yaqut é conhecida por ter alguns clãs de assassinos
- Talvez seja melhor falar com Nevra sobre isso. – Comentei.
- Amanhã mesmo eu falarei com ele. – Disse Valkyon exausto.
Cada um se dirigiu aos seus aposentos. Como meu quarto ficava no mesmo corredor que o dos rapazes, Valkyon voltamos juntos. Estávamos cansados, mas havíamos feito um grande progresso.
- Valkyon, será que posso dormir com você esta noite? Estou com uma sensação ruim.
- Claro.
Ele abriu espaço para que eu pudesse entrar em seu quarto. Mal entramos e vimos que havia algumas coisas bagnçadas, o que era estranho, pois Valkyon era bem mais organizado do que eu. Trocamos um olhar rápido e vasculhamos o quarto. Escondido no armário, estava alguém vestindo preto da cabeça aos pés. Ele tentou nos atacar, mas nós dois estávamos preparados. O capturamos vivo, nós o descapuzamos e constatamos ser um vampiro, mas ele mordeu a bolsa de veneno e morreu.
Trocamos um olhar e vasculhamos o corpo. Ele estava com algumas anotações que Valkyon tinha deixado no quarto. Rapidamente corremos até o meu quarto. O quarto estava uma bagunça e minhas anotações tinham sumido. Praguejei mentalmente. Vasculhamos o aposento e não encontramos nada. Valkyon saiu correndo do quarto e eu o segui. Ele bateu na porta do quarto de Nevra.
Quando Nevra abriu o quarto, ele e Ezarel estavam enrolados em lençóis e havia um corpo com eles. Ezarel contou que notou alguém entrar no quarto e jogou Nevra no chão para acordá-lo. Ambos conseguiram lutar com ele, mesmo enrolados em lençóis. Fomos verificar e vimos o mesmo símbolo estranho que nos outros. O maxilar de Nevra tencionou.
- Os outros tinham esse símbolo?
- Alguns. – Valkyon respondeu. – Havia dois grupos de assassinos. Já nos entendemos com um, mas este continua um mistério.
- Valkyon, alguma coisa aconteceu nessa investigação? Quem estava nela?
- Nevra, você tem ideia de quem eles são? – Questionei.
- Não dá tempo de explicar, quem mais estava na investigação?
Fomos atrás de Huang Jia. Ela estava com o príncipe Edlin para dar o seu remédio. O príncipe Taerin estava com eles e não havia ninguém escondido no quarto.
- Aconteceu algo? – Perguntou o príncipe Edlin.
- Nada com o que se preocupar.
- Nem com o fato de vocês estarem enrolados em lençóis? – Ezarel e Nevra coraram até a raíz dos cabelos.
- E eu achando que o seu namorado que não tinha noção. – O príncipe Taerin ria.
- Por falar nisso, onde ele está? Eu não o vejo há um bom tempo.
- Ele não estava com você?
- Eu pensei que ele estivesse com vocês, já que vieram buscá-lo.
- Eu não o encontrei no caminho para cá. – Disse Huang Jia. – E posso afirmar que estou aqui há um bom tempo.
Fomos procurá-lo. Imaginei que ele pudesse estar com o príncipe Garret. Minhas suspeitas se confirmaram quando os encontramos. Eles tinham capturado um assassino vivo.
- Como vocês conseguiram?! – Perguntou Nevra surpreso. – Eles se suicidam se são capturados.
- De alguma forma Taith conseguiu desfalecê-lo por algum tempo e eu pude retirar isso. – Ele nos mostrou uma pequena cápsula de veneno. – Fiquei surpreso de saber que é um bom lutador.
- Obrigado. Se não fosse por você, eu não teria notado.
- Me admira que alguém tão sensitivo não tenha percebido a chegada dos assassinos.
- É que eu sou um pouco desligado.
- Desligado ao ponto de confundir a ama com a rainha? – Perguntou Ezarel zombeteiro.
- Edlin te contou?! – Ele ficou surpreso e ao mesmo tempo envergonhado. – Por que vocês dois estão enrolados nos lençóis?
- Esse não é o ponto! – Disse Nevra. – Onde está o assassino que capturaram?!
O príncipe Garret nos escoltou até a prisão. Apesar do interrogatório, ele nada dizia. Estávamos cansados e o príncipe Taerin sugeriu usarmos uma poção da verdade.
- Não adianta. – Disse Nevra. – Eles são treinados para não falarem, mesmo com uma poção da verdade.
- Não se preocupem, eu não preciso de uma poção da verdade para fazê-lo falar. – As feições do príncipe Garret estampavam seu sadismo. – Retornem aos seus quartos.
Saímos da masmorra. Achei melhor com que Taith dormisse com Ezarel e Nevra e sugeri a Valkyon que Huang Jia dormisse conosco. Não sabíamos se haveria novas tentativas, em todo caso seria melhor se ficássemos juntos.
- Acha que eu posso ser um alvo? – Questionou a fenghuang.
- Prefiro não arriscar.
- Talvez seja melhor dormirmos em turnos. – Sugeriu Valkyon.
- Não será preciso. Temos sono leve e pela nossa experiência no templo, os fenghuangs acordam cedo.
- Pela cara de vocês, é visível a exaustão. – Tornou a dizer Huang Jia. – Vocês precisam de uma noite bem dormida se quiserem continuar com a investigação ao amanhecer.
Nos deitamos na cama para dormir, sendo que eu fiquei entre os dois. Mal podia esperar para que esse pesadelo acabasse.
===Ezarel===
Mesmo com os raios solares adentrando pela janela, Nevra roncava feito um Monchon. Taith tinha abandonado seu lado da cama além da barricada de travesseiros e já estava vestido.
- Você tem o costume de acordar cedo ou Nevra não te deixou dormir?
- Um pouco dos dois.
- Talvez seja melhor assim. Eu queria mesmo falar com você.
- Claro.
- Quais são suas intenções com o Edlin?
- As melhores, eu garanto.
- Edlin é um príncipe, você está à altura dele?
- Olha, tudo que eu posso oferecer é uma vida confortável, minha honestidade, minha lealdade e minha integridade. Eu sei que está preocupado com o seu amigo, mas eu prometo que vou cuidar bem dele. Se eu quebrar a minha promessa, você pode me matar.
- O que você faz da vida?
- Eu cuido da produção de bebidas do meu clã. Fermento o vinho, faço hidromel, cerveja e às vezes faço apresentações de dança e canto no salão para entreter os convidados.
- Edlin sabe disso?!
- Melhor do que ninguém, pois eu já tive que substituir uma das dançarinas em uma apresentação para a corte uma vez. Eu acho que os pais dele não me reconheceram daí.
- Ainda bem. Você tem noção do escândalo que isso seria?!
- De onde eu venho isso é comum. Até os herdeiros dos clãs dançam em apresentações de vez em quando.
Pisquei várias vezes enquanto ele apenas me ofereceu um sorriso ingênuo. Taith não tem a mínima ideia de como se portar perante a corte, visto que ele já apareceu na frente do rei e da rainha como um dançarino e de vestido. Ele também parece ser um membro menor do clã dele ou até mesmo um servo, fora que ele não tem noção alguma e é atrapalhado. Agora entendo o que Edlin viu nele.
- Você gosta do Edlin?
- Eu o amo.
- Então não me resta escolha a não ser deixá-lo em suas mãos. Mas é bom cuidar bem dele ou então....
- Obrigado! Obrigado! Obrigado! – Ele pulou em cima de mim e me abraçou feito um doido.
- Me larga! Eu não disse que podia tocar em mim!
- Desculpe! – Ele me soltou.
- Apenas sejam felizes.
- Que gritaria é essa de manhã? – Perguntou Nevra acordando.
- Até que enfim você acordou! Achei que fosse dormir o dia todo.
- Eu queria, mas vocês não me deixaram. – Ele fez beicinho.
Escutamos batidas na porta. Valkyon e Leiftan entraram no quarto. Taith achou melhor buscar algo para comermos e Valkyon o acompanhou, deixando para Leiftan a tarefa de nos pôr a par da investigação, sem deixar de lado qualquer detalhe. Edlin apareceu um pouco depois.
- O que faz aqui? – Perguntei.
- Vim ver se está melhor. Ontem eu não te vi mais.
- Estou bem, mas você deveria se preocupar mais com a sua saúde.
- Ez, eu não estou morto. Além disso, eu preciso que Taith toque para mim e eu não o vejo desde ontem. – Sua expressão era abatida. – Ele foi embora sem se despedir.
- Não, ele dormiu com a gente. Eu não sei como te dizer isso, Edlin, mas....
No momento que eu iria falar, Valkyon voltou com Taith. Ambos carregavam um tampo de mesa com comida e uma bandeja com as bebidas.
- Para que esse tampo de mesa?! – Perguntamos ao mesmo tempo.
- A gente ia carregar várias bandejas, então pensei em uma solução mais prática. – Disse Taith.
- Você se superou dessa vez. – Disse o príncipe.
- E você não deveria estar de pé.
- É o que eu falei para ele, mas ele não me escuta!
Colocamos o tampo em cima da cama e começamos a comer. Edlin puxou Taith para o seu colo. O amante se acomodou e pôs um biscoito na boca do príncipe. Nevra me puxou para o seu colo quando eu estava colocando mel em uma torrada e o folgado ainda mordeu a minha torrada! Eu ia bater nele quando vi Valkyon puxar Leiftan para o seu colo. O lorialet ficou surpreso, mas não tanto quanto eu e Nevra. Leiftan começou a rir e comeu um biscoito.
- Desde quando vocês dois...?! – As palavras morreram em minha garganta.
- Quando foi que criaram essa intimidade?!
- Do que estão falando? – Perguntou Valkyon se fazendo de sonso. – Eu só o puxei para o meu colo para economizar espaço.
- Não é como se nós dois tivéssemos algo. – Leiftan levou a mão até a nuca de Vakyon. – Ainda.
Os dois se olharam com tanta cumplicidade que eu engasguei com a minha própria saliva. Nevra estava mais chocado do que eu. Os dois só podem estar de sacanagem com a minha cara! Eles começaram a rir, assim como Edlin e Taith. Que belos amigos eu fui arrumar!
- Vocês são companheiros de foda ou algo assim? – Taith perguntou.
- E se eu te disser que somos amantes como vocês? – Perguntou Leiftan.
- Eu diria que vocês os enganaram muito bem e que as caras deles ficaram engraçadas.
- E se eu disser que podemos ser companheiros de foda? – Disse Valkyon.
Eu achei que ele estava brincando até ver as sobrancelhas de Taith se arregalarem de surpresa e ele abriu um sorriso bobo, mas feliz. Leiftan também ficou surpreso, mas trocou outro olhar cúmplice com Valkyon. Eu, Nevra e Edlin ficávamos olhando um para a cara do outro desacreditados. Esses dois só podem estar brincando com a gente, é isso!
===Nevra===
- Desde quando você e o Leiftan são próximos?!
Ezarel e eu ainda estávamos chocados com o que tinha acontecido. Esperamos todos saírem do quarto para perguntar a ele. Taith tinha levado Edlin de volta para o quarto e Leiftan os acompanhou para protegê-los antes de ir atrás do príncipe Garret.
- Nós namoramos a mesma mulher, é normal que tenhamos ficado mais próximos.
- Mas a ponto de trazê-lo para o seu colo?!
- Qual é o problema?
- Valkyon, você dormiu com o Leiftan? – Ezarel perguntou um pouco mais calmo que eu, mas não evitou que ele ficasse encabulado. – Por que não nos contou?
- Não achei importante e eu não sabia como iriam reagir.
- Eu só estou surpreso que o Leiftan tenha concordado. Ele sempre pareceu alheio a esse tipo de coisa.
- Na verdade, foi ele quem propôs.
- O QUE?!
O Leiftan quem...?! Quem iria imaginar?! Eu sempre o achei certinho demais e que não ligasse para esse tipo de coisa. Se bem que muitas coisas sobre o passado dele permanecem um mistério. Mesmo assim, eu nunca iria imaginar que ele fizesse uma proposta indecente.
- Vocês veem algum problema nisso?
- Como pode ver, meu melhor amigo namora um cara que se apresentou de vestido aos reis de Lund’Mulhingar. – Disse Ezarel. – E ficou melhor nele do que na rainha. Só espero que ele não sofra por isso.
- Ez, você teve alguma coisa com o príncipe Edlin? – Perguntei vendo que o semblante de Ezarel tinha mudado.
- Algumas das minhas primeiras experiências foram com ele.
Aquilo foi um balde de água fria. Isso explicava por que ele era fissurado no príncipe. Não pude evitar sentir uma pontada de ciúme.
- Você ainda sente alguma coisa por ele?
- Nós nunca chegamos a ter algo de fato. Éramos dois adolescentes se trancando no banheiro com um livro erótico emprestado de Taerin e descobrindo do que nossos corpos eram capazes. Muitas vezes usávamos o que aprendíamos em nossos relacionamentos e romances. Foi assim que ele descobriu que gostava de rapazes ao invés de moças, coisa que a família dele só soube agora.
- Foi com ele que você teve o seu primeiro beijo? – Valkyon perguntou do nada, só para me ver sofrer.
- Não, foi com uma garota. Nós dois só praticávamos para não termos fama de mal beijadores, mas eu só fui aprender a beijar mesmo com o Taerin.
- Você se envolveu com a família real inteira?! – Não pude conter a minha surpresa.
- Claro que não. Taerin vale ainda menos que você, Nev. Ele me ensinava algumas coisas e eu repassava tudo ao Edlin. Nós dois usávamos o que aprendíamos em alguns romances que tínhamos ou para ensinar algumas pessoas a beijar. Gosto de pensar que montamos um tipo de escola do beijo. – Ele deu um famoso sorriso cretino.
- Você não presta, Ez!
- Mas eu não disse nada demais. – O cretino estava se fazendo de ofendido. – Edlin é o irmão que eu nunca tive e Taerin é aquele irmão mais velho que só ensina besteira. Não precisa ficar com ciúmes, Nev.
- Eu não estou com ciúmes!
- Então é inveja.
- Inveja?! Ez, você está precisando de óculos. Eu sou muito mais bonito que qualquer príncipe de Eldarya.
- E mesmo assim está se roendo de ciúmes por pensar em mim e Edlin juntos.
- Você é o pior!
- E você, Nevra? – Valkyon voltou a perguntar. – Como foi sua primeira experiência com um rapaz?
- Foi maravilhosa. – Disse olhando para Ezarel. – Eu nunca encontrei alguém como ele. Ele era gentil, educado, alto, bonito, bom de cama e me tratava tão bem, diferente de algumas pessoas.
- O que? Quer que eu dê os parabéns por ele fazer o mínimo? – Esse elfo está de sacanagem comigo! – Em todo caso, se você e Leiftan têm algo, não vejo problema. Você só me pegou de surpresa.
- Não temos nada. Nós apenas dormimos juntos uma vez e nos entendemos.
- Você está brincando com a gente!
Mergulhei nos corredores depois da nossa conversa, pois tinha trabalho a fazer. Não há dúvidas, os assassinos contratados eram profissionais e eu sabia a quem eles pertenciam.
- Preciso falar com você.
- E o que temos para falar?
- Que tal sobre os assassinos treinados de Yaqut? Os do nosso clã!
- Você não tem mais clã. Não depois da desfeita que você fez.
- Desculpe se eu não atingi seus padrões, meu pai.
- Ainda ousa me chamar de pai?!
- O que está aprontando? Eu sei que aqueles assassinos eram seus. O que você ganharia matando Ezarel?
- O seu amante imundo? Francamente, eu não entendo como pude ter um filho como você. Além de se deitar com um traidor, mantém um relacionamento imoral com ele e uma faeliana que está para gerar uma cria impura. – Como ele sabe?!
- Você não tem o direito de falar assim deles!
No instante seguinte, eu me encontrava no chão. Meu rosto ardia e eu me encontrava ainda mais atordoado do que antes. Ele tinha me dado um tapa.
- Seu tolo, você não se cansa de se envergonhar?! É uma pena que os deuses punam severamente assassinatos de parentes, me pouparia de ter que olhar para a vergonha que você se tornou. Quem diria, uma cria impura com o meu sangue!
Ele pegou o chicote e o estalou no meu quadril. Senti uma dor aguda quando o couro rasgou o tecido e atingiu a minha pele. Ele ergueu novamente o chicote, mas a chibatada não veio. Ao invés disso, Ezarel estava na minha frente com a ponta do chicote enrolada em seu antebraço. Não consegui me mover, tamanha era minha surpresa.
- Como ousa...?
- Não, como você ousa! O Nevra é o seu filho, o seu próprio sangue!
- Eu não tenho mais filho, quanto a você, torça para que aquela cria impura seja sua, pois você não irá conhecê-la.
- EZAREL!
Eu não conseguia me mover, meu corpo estava paralisado. Tudo que eu pude fazer foi gritar o seu nome enquanto assistia o meu pai se aproximar rapidamente dele e segurá-lo pelo pescoço. Ele o tirou da minha frente e pressionou contra a parede.
- Pode me matar se quiser, mas saiba que eu ainda sou amigo do príncipe Edlin. E por mais que o príncipe Garret me odeie, eu duvido que ele vá gostar de saber que um hóspede da Guarda de Eel foi assassinado debaixo do seu teto, principalmente por um lorde como você.
Meu pai arremessou Ezarel a poucos metros de mim. Ele nos deu um olhar de desprezo antes de se retirar. Ez se levantou, se ajoelhou ao meu lado e acariciou o meu rosto.
- Ele te machucou?
- Não é nada.
- Nevra....
- Mas o que é isso?! – Era a voz do príncipe Taerin. – Por acaso querem transformar os corredores do palácio em um bordel?
- Pare de brincar, Taerin! Nevra foi agredido!
- Foi Lorde Kieran outra vez?!
- Eu pensei que vocês fossem ficar de olho nele!
- Tente você vigiá-lo, depois você me diz se é fácil. Vamos levá-lo à enfermaria.
- Não precisa, eu tenho o que preciso na mochila.
Cada um me apoiou em um de seus ombros e ambos me levaram de volta ao meu quarto. Ezarel começou a remexer em sua mochila enquanto o príncipe Taerin analisava o meu quadril. Ez aplicou uma pomada e me deu uma poção de cura menor.
- Ele realmente te machucou. – Ele disse apreensivo.
- Isso não é nada. Em Yaqut é normal sermos punidos com um chicote, eu mesmo já tomei algumas chibatadas. Apesar disso, o meu pai.... – Levei a mão até o meu rosto. – Ele nunca tinha me batido antes. Aquele tapa doeu mais do que qualquer chicotada que eu já tomei. – Senti minha garganta queimar, as lágrimas começaram a se acumular nos cantos dos meus olhos. – Ele me odeia, Ez. Está mais que claro.
Ezarel se levantou e foi em direção à porta. Ele só não saiu porque o príncipe Taerin segurou seu braço.
- Me solte, Taerin!
- Não.
- Já falei para me soltar!
- Para você ir atrás de Lorde Kieran?! Você enlouqueceu?!
- Isso não tem nada a ver com você!
- Não tem?!
O príncipe Taerin apertou o braço de Ezarel, o arrastou até a cama e o atirou ao meu lado. Ezarel tentou se levantar, mas o príncipe o empurrou de novo, segurou seus braços e se sentou em cima dele. Eu estava chocado demais com a cena para fazer qualquer coisa.
- Me solte!
- Pense um pouco, Ezarel! Você acha que vai simplesmente chegar na frente de Lorde Kieran e exigir alguma coisa?! Ele anda com outras pessoas de influência. Se você afrontá-lo na presença delas, o que acha que vai acontecer?! Um duelo, Ezarel! Isso se você não tiver o azar de encontrar Idril ou Theoden antes. Eles pouco se importam com as leis de hospitalidade e vão te matar se você cruzar seus caminhos. Sem falar nos assassinos que estão tentando matá-lo.
- Ez, ele está certo. – Falei segurando sua mão, o príncipe libertou este pulso para dar lugar ao meu toque. – Tem muita gente que quer te matar e o meu pai, por mais que me odeie, só quer me punir. Você é mais importante para mim do que as chicotadas.
- Nevra....
O príncipe Taerin se retirou de cima dele para que eu me sentasse no colo do Ez. Segurei o rosto do meu namorado com ambas as mãos e o beijei. Por um momento, a angústia diminuiu e a dor de ter meu coração dilacerado já não importava mais. Ele me retribuiu e me abraçou. Nosso beijo foi ficando mais intenso enquanto eu o abraçava cada vez mais. Estar nos braços dele me reconfortava. Nos separamos após o príncipe Taerin limpar a garganta.
- Já que foi só isso, é melhor deixá-los.
- Espere Taerin. – Dei espaço para Ezarel se levantar e ir até ele. – Eu sei que ainda está magoado comigo, mas eu queria dizer “obrigado”. Eu não sei como te agradecer por tudo que tem feito por nós.
- Apenas fique longe de problemas. – Ele abriu um sorriso enigmático. – Mas já que insiste tanto em me agradecer, poderia vir para os meus lençóis esta noite.
Ele enrolou uma mecha de cabelo do Ezarel e pôs atrás de sua orelha. Meu queixo caiu com o pedido. Ezarel estava tão surpreso quanto eu.
- Hei!
- O que foi? Acha que vou roubar seu precioso Ezarel? – Ele acariciou o queixo do meu namorado com o indicador e aproximou seus lábios dos dele. – Vocês devem gostar muito dele para protegê-lo tanto.
- O que eu posso fazer? Eu sou irresistível.
- Com um traseiro desses, não tem como resistir.
- Mas eu não chego aos pés do sedutor príncipe Taerin. – Ezarel pôs os dedos na nuca dele.
- Mas que porra é essa?! – Exclamei. – Vocês dois estão de sacanagem comigo comigo?!
- Talvez. – Enquanto me olhavam, eles deram o famoso sorriso cretino que era a assinatura de Ezarel.
- Vocês dois não prestam!
Os dois elfos começaram a gargalhar. Eu ainda estava furioso, então atirei travesseiros nos dois. O príncipe Taerin pegou o travesseiro e bateu no Ezarel, que pegou outro e saiu correndo atrás do príncipe para bater nele. O príncipe se jogou atrás de mim e o Ez acabou me acertando. Ficamos os três correndo pelo quarto tentando bater com travesseiros uns nos outros.
- Eu não me divirto assim há anos. – Disse o príncipe Taerin. – Pelo menos conseguimos pôr um sorriso no rosto do seu namorado.
- Vocês dois me pagam! – Falei. – Vocês provarão da minha vingança!
- Talvez outra hora. Eu queria ficar mais, mas Garret deve estar me caçando para resolver alguns assuntos chatos.
- Taerin, você me perdoa? – Ezarel perguntou estragando o clima alegre que tinha se instaurado.
- Esqueça isso, é passado. Se preocupe em cuidar do seu namorado.
Ezarel o abraçou aliviado. O príncipe afagou sua cabeça antes de sair do quarto. Meu namorado estava mais aliviado. Aproveitei que o clima estava mais leve para me jogar em seus braços. Ezarel perdeu o equilíbrio e fomos ao chão.
- Nevra!
- Poxa, Ez. Nem para me pegar direito. – Fiz beicinho. – Estou precisando de cuidados.
- Vou procurar uma injeção para te dar.
- Não precisa, eu tenho uma bem aqui. – Levei sua mão até minha virilha, o fazendo corar.
- Seu pervertido!
===Valkyon===
Assim que Nevra saiu do quarto, Ezarel foi atrás dele. Eu pensei em segui-los, mas precisava reencontrar Leiftan para ver se o príncipe Garret tinha avançado na investigação. Por mais que Ezarel e Nevra tenham os seus problemas, tenho que concordar com o lorialet: quanto mais cedo terminarmos as investigações e voltarmos ao QG, melhor para todos. Eu o reencontrei na porta do quarto do príncipe Edlin. Fomos juntos até a masmorra encontrar com o príncipe Garret. Talvez ele tivesse êxito no interrogatório.
- O infeliz não disse uma palavra. No entanto, pesquisei sobre os brasões e vi que pertencem a um clã de Yaqut. Mais precisamente o clã de Lorde Kieran e Lady Lethia.
- O clã do Nevra?! – Me surpreendi.
Agora tudo faz sentido. Nevra deve ter ido confrontar o pai dele sobre os assassinos. Me arrependi de não tê-lo seguido.
- Príncipe Garret, eu gostaria de saber sobre as relações entre Lund’Mulhingar e Yaqut. – Pediu Leiftan. – Acredito que há algo acontecendo por debaixo de nossos narizes, mas não conseguimos ver.
- Partilhamos da mesma opinião. Não possuímos laços estreitos com Yaqut, apenas negociações em andamento, visto a abundância de prata na região. Eu também não vejo por que eles querem matar aquele traidor, mas isso é o que mais me preocupa.
- Pensei que estariam fazendo um favor a Lund’Mulhingar ao matá-lo. Afinal, ele é um traidor e deveria morrer. – As palavras do lorialet feriram o meu coração.
- Se fosse em outra ocasião, eu mesmo o decaptaria, mas nós os convidamos, logo devemos tratá-lo como qualquer outro hóspede. Mesmo que algumas pessoas pensem diferente.
- Como quem? – Perguntei.
- Para começar, suas majestades reais, os senhores meus pais, suas altezas reais, a princesa herdeira Idril e o segundo príncipe Theoden, além da maioria no conselho. Tem as famílias dos companheiros mortos de Ezarel, os antigos companheiros que o abandonaram e pessoas comuns que abominam os humanos. Agradeçam por muitos temerem os deuses ou as leis da hospitalidade seriam violadas.
- Acredito que vossa alteza também concordará comigo que quem armou o assassinato de Ezarel não deva ser alguém comum, mas sim....
- Alguém de grande influência. Por acaso suspeita de alguém no conselho, senhor diplomata? Ou da família real?
- Não devo descartar nenhuma possibilidade.
- É uma acusação grave. Sem provas não podemos levá-la a diante.
- Por isso que estamos investigando. – Eu disse. – Suspeita de alguém, Leiftan?
- Na verdade, a pergunta que não consigo deixar de pensar é: como sabiam exatamente quem atacar? Eles devem ter reconhecido Ezarel no baile de alguma forma.
- Pensando bem, Edlin o reconheceu de imediato, mas em nenhum momento eles se encontraram antes.
- Tem certeza?
- Absoluta. Ele estava com a noiva ou com o amante. – Ele cuspiu a última palavra. – Isso quando não estava recebendo convidados.
- Vamos falar com ele. – Sentenciei.
Voltamos ao quarto do príncipe Edlin. Ao chegarmos, Taith estava tocando aquela música da série que Tingsi gosta na flauta. A flauta parecia brilhar e o quarto foi preenchido pela calmaria. Nós o esperamos terminar para falarmos com ele.
- Principe Edlin, como reconheceu Ezarel no baile? – Resolvi ser direto. – Por favor, isso é importante.
- Dei a ele uma máscara que eu pudesse identificá-lo. Assim poderíamos conversar em público sem problemas.
- Você sabia disso? – Perguntou o príncipe Garret ao Taith.
- Não.
- Taith não sabia quem era o Ezarel até essa confusão toda.
- Alguém mais sabia disso? – Perguntou Leiftan.
- Não.
- Edlin, por favor, não minta. – Disse Taith. – Se eles estão perguntando é porque é importante.
- Taerin sabia.
- Taerin?! – O terceiro príncipe exclamou. – Ele concordou em te ajudar a se aproximar dele?!
O sexto príncipe desviou o olhar e comprimiu os lábios. Troquei um olhar rápido com Leiftan e nós sabíamos o que teríamos que fazer. Fomos atrás do príncipe Taerin. Alguém nos informou que o viu junto a Ezarel carregando Nevra, então fomos até o quarto do meu amigo. O quarto estava uma bagunça, mas ele não estava lá.
- Onde está Taerin?! – Perguntou o príncipe Garret.
- Ele saiu tem algum tempo. – Respondeu Nevra.
- Aconteceu alguma coisa? – Perguntei.
- É uma longa história. – Dessa vez foi Ezarel quem respondeu. – Por que o estão procurando?
- Longa história.
Voltamos a procurá-lo pelo palácio, dessa vez com Ezarel e Nevra. Nós o encontramos roubando vinho da adega.
- Taerin, seu irresponsável! Como você pôde armar um plano tão sórdido como esse?!
- Que plano? É só um pouco de vinho, Garret.
- Príncipe Taerin, você e o príncipe Edlin eram os únicos que sabiam da máscara de Ezarel, logo os únicos que poderiam reconhecê-lo. – Leiftan respondeu.
- Vocês estão achando que fui eu, é isso?!
- Taerin, foi você? – Perguntou Ezarel magoado.
- Claro que não! Ez, eu podia estar magoado com você, mas Edlin é o meu irmão. Eu sei o quanto a sua amizade é importante para ele, por isso o ajudei a customizar a sua máscara, mas não faria mal a você. Vi vocês dois crescerem.
- Mas vocês dois eram os únicos que sabiam da máscara e das minhas roupas. Edlin me contou.
- Que roupas?
- As que eu usei no baile.
- Edlin te deu roupas?
Ezarel se calou. Ele não iria entregá-lo, então retornamos ao quarto do sexto príncipe para esclarecer essa história.
- Edlin, por um acaso você deu roupas ao Ezarel? – Perguntou o príncipe Garret assim que entrou no quarto.
- Que roupas?
- As do baile?
- Como? Você mesmo colocou o castelo inteiro para me vigiar e anotar todas as minhas visitas à torre de alquimia. Foi difícil entregar a máscara para ele, imagine roupas.
- Não foi você?! – Ezarel estava surpreso.
- Agora fiquei confuso. – Disse Nevra. – Ez, o príncipe Edlin te deu roupas ou não?
- Não foi ele propriamente dito, foi um criado em nome dele.
- Mas eu não enviei criado algum. Taerin, você enviou?
- Não, eu juro pela minha alma. Se eu quisesse te fazer mal, eu teria feito no dia que te sequestrei.
- O que?! – Todos ficamos surpresos.
- Quando você fez isso?!
- Foi no dia em que você me tirou de Lund’Mulhingar, não foi? – Perguntou Ezarel. – No dia que você disse que quando nos víssemos de novo....
- Nós seríamos inimigos.
- Você tinha dito que ele fugiu! – O sexto príncipe estava incrédulo. – E que não tinha deixado sequer um bilhete por estar com pressa!
- Taerin, você ajudou um traidor! – O terceiro príncipe estava furioso.
- Você fez isso para protegê-lo, não foi? – Perguntou Taith com seu jeito doce, embora ele estivesse um pouco estranho. – Tudo o que fez foi para deixá-lo seguro.
- Foi. Se quiser me prender Garret, vá em frente.
- Taerin.
Ezarel o abraçou. Ele não era de abraçar, pelo menos não alguém que não fosse próximo. Os dois pareciam não querer se soltar. Não pude evitar lembrar de Lance. Apesar de furioso, o príncipe Garret hesitou. Por fim apenas soltou um suspiro cansado.
- Gente!
Nos viramos para ver Taith. Ele olhava em todas as direções de forma muito estranha. O príncipe Edlin empalideceu e rapidamente fez sinal de silêncio. Ouvi um ruído muito fraco. Rapidamente o príncipe Garret foi na direção dele e eu o acompanhei. Um vulto começou a correr. Droga, estávamos sendo espionados!
Todos saíram do quarto para correr atrás do vulto. Eu, Nevra, e o terceiro príncipe conseguimos alcançá-lo. Não ficamos surpresos ao ver que era um dos assassinos de Yaqut.
- Segurem-no até Taith chegar! – Disse o príncipe. – Precisamos dele vivo!
- Vai ser complicado.
Nós lutamos contra ele. Os outros não demoraram a chegar. O príncipe Garret mandou que Taith o deixasse vivo. Eu não sabia o que ele queria dizer com isso até que os olhos de Taith adquiriram um brilho prateado, como os de Tingsi ficaram quando resgatamos Elliot do Black Dog. Pelos relatos dos meus amigos, ela ficava desse jeito quando estava no limiar. Um calafrio percorreu a minha espinha. Taith deu um golpe no assassino que o fez cair duro no chão. Verifiquei os sinais vitais e não encontrei nenhum.
- Está morto. – Declarei.
- Não está. – O príncipe Garret se aproximou. – Ajude-me a amarrá-lo.
Não entendi, mas eu o ajudei a amarrá-lo. O príncipe Garret pôs a mão dentro da boca do assassino, apenas para retirar uma pequena cápsula e a mostrou para Taith. Ele esticou a mão no ar como se tivesse pegado algo e bateu no corpo antes que seus olhos voltassem ao normal.
- É a cápsula de veneno. – Disse Nevra. – Ela é acoplada ao dente, assim, se falhar em uma missão, ela é rompida para evitar que vazem informações. Eu não vejo necessidade de tirá-la depois de morto.
- Ele não está morto. – Disse Taith. – Eu só separei o espírito do corpo por alguns instantes para ele não morder. – Todos ficamos pasmos. – Eu já devolvi o espírito. Ele está vivo, se quiser checar.
- Foi assim que conseguimos apreender um deles. – Explicou o terceiro príncipe. – Mesmo sendo a segunda vez que presencio, sua habilidade é impressionante.
- Obrigado.
- Um instante! Esse cara tirou o espírito desse cara do corpo?! – O quarto príncipe Taerin gesticulava exageradamente.
- E ele trouxe de volta?! – Dessa vez foi Ezarel quem gesticulou. – Ao corpo! O que diabos é você?!
- Eu não posso dizer exatamente. Não me entendam mal, mas eu posso ser punido por isso.
- Punido só por dizer a sua própria raça?! – Perguntei surpreso.
- É complicado. – Ele deu um sorriso envergonhado. – Digamos que é para a nossa preservação.
- Você não pode contar nem para mim? – Perguntou o príncipe Edlin.
- Eu prometo te contar um dia.
- Você sempre diz isso, mas até agora não me contou nada!
- Eu só preciso de tempo, Edlin.
- Você sempre diz isso também.
- Deixa ele. – A voz do príncipe Taerin soou autoritária, surpreendendo a todos.
- Mas Taerin...!
- Ele já disse que precisa de tempo, para que insistir? Temos coisas mais importantes a fazer nesse momento.
Todos concordamos. Principe Garret e Nevra levariam o assassino para a masmorra enquanto Taith levaria o príncipe Edlin de volta ao seu quarto junto com Ezarel e o príncipe Taerin. Leiftan me pediu para conversarmos em particular.
- Me pergunto quanto tempo mais essa história irá durar. Eu duvido que consigamos alguma coisa com o interrogatório.
- Você está pensando em deixarmos as coisas como estão e voltarmos ao QG?
- Eu não disse isso, mas não posso negar que preciso voltar o mais rápido possível.
- Está preocupado com Tingsi?
- Um pouco. Escrevo para ela todos os dias e pelo que tenho lido em suas cartas, está tudo bem. No entanto, é visível que ela e Dagma sintam nossa falta. Também temo que meu trabalho acumule mais do que deveria.
- Quando está pensando em partir?
- Não irei partir até chegar ao fundo dessa história, quero ajudá-los. Mas se demorar mais que o previsto, temo que precisarei estipular uma data.
- Compreendo. Leiftan, o que você acha de toda essa história?
- Honestamente acho mais complicada do que aparenta. O príncipe Garret disse que Yaqut e Lund’Mulhingar estão em negociação, mas o que Lorde Kieran ganharia com a morte de Ezarel?
- Eu não sei, mas é isso que eu não entendo. A morte de Ezarel não o beneficiaria, pelo contrário, praticamente o reino inteiro o quer morto.
- Valkyon, e se o assassinato do Ezarel for apenas um favor?
- O que quer dizer?
- Lorde Kieran não tem motivos aparentes para matar Ezarel e eu duvido que ele se associaria com qualquer um para executar esse serviço.
- Acha que prometeram alguma vantagem ao clã dele nesse acordo em troca de matar Ezarel?
- É possível. Seja quem for, deve odiá-lo muito. Eu queria te pedir para me deixar interrogar os assassinos sozinho.
- Não sei se é uma boa ideia. Eles sequer falaram ao príncipe Garret.
- Acho que sei uma forma de fazê-los falar, apenas confie em mim.
- Certo. Vamos encontrar Nevra e o príncipe Garret.
- Valkyon, eu também queria te perguntar uma coisa.
- Diga.
- Mais cedo, quando você disse que poderíamos ser “companheiros de cama”, você estava falando sério?
Me surpreendi. Quando falei, foi mais para implicar com meus amigos, afinal, poder não é o mesmo que acontecer e sim uma possibilidade. Há algum tempo tenho notado que Leiftan tem tentado se aproximar mais de mim. Não somos próximos e embora ele seja uma das pessoas mais gentis e atenciosas que eu conheço, é impossível decifrar o que ele está pensando.
- Eu só quero que seja sincero comigo. Foi para zombar de Ezarel e Nevra, não foi?
- Sim. – Admiti. – Mas eu também não vejo como uma ideia ruim.
- Você quer?
- Eu não sei. Você quer?
- Se eu disser que sim, o que você acharia?
- Que podemos tentar.
- Não quero que pense que estou te pressionando a algo que o deixe desconfortável. Ainda mais que eu fui o primeiro homem com quem você se deitou, então não quero que pense que me deve alguma coisa.
- Eu não acho isso, mas gosto de deixar as coisas esclarecidas. Eu não vejo mal algum em tentarmos.
- Nesse caso, podemos tentar. Vamos deixar com que as coisas aconteçam naturalmente. Até lá, é melhor nos concentrarmos na nossa investigação.
Concordei. Fomos em direção às masmorras, eu espero que Leiftan consiga arrancar alguma informação.
===Ezarel===
Pouco tempo depois de deixarmos Edlin em seu quarto, Taith foi buscar água. Eu fui atrás dele.
- Sabia que não iria deixar para lá. – Taerin veio atrás de mim.
- Você pode não está preocupado que Taith esconda as coisas do seu irmão, mas eu estou.
- Você não é mais tão jovem, mas continua tão imaturo quanto sempre foi.
- Como se você fosse um exemplo de maturidade.
- Claro que eu sou!
- Só que não. Você me ensinou tudo que eu sei.
- Quase tudo. Já que você insiste tanto, eu vou com você.
Nós o interceptamos antes de voltar para o quarto e fomos ao quarto de Taerin.
- Está bem, qual é o seu jogo? – Perguntei.
- Que jogo?
- O que você está escondendo? Por que você não está sendo sincero com o Edlin?
- Mas eu estou sendo sincero! Eu só....
- Está tudo bem. – Disse Taerin. – Você pode confiar em nós. Você o ama, não é mesmo?
- Sim, mas.... – Ele se calou, Taerin apertou o meu ombro para que eu fosse com calma.
- Você está agindo da mesma forma que Ezarel, Edlin e minha gêmea Niena quando eram crianças e tinham que contar alguma coisa importante ou admitir que quebraram alguma coisa. – Ele estava despreocupado, como sempre. – Você pode me dizer, prometo não contar a ninguém.
Taerin piscou. Era incrível como ele conseguia transmitir a confiança de um irmão mais velho e ao mesmo tempo ser um grande cafajeste e valer menos que o Nevra. Eu não estou brincando, Taerin não só me ensinou a roubar vinho da adega como também ele se envolvia com qualquer ser que tivesse buraco e não fosse um mascote. Taith respirou fundo várias vezes até começar a falar.
- Eu tenho medo.
- Medo?! – Me surpreendi.
- Olha, eu amo o seu irmão, mas eu não sei como ele vai reagir quando eu contar a ele. E se ele achar que eu sou maluco e quiser terminar tudo?
- Não creio que Edlin pense isso de você.
- E se eu disser que não venho de Eldarya? – Ele estava cabisbaixo.
- Não entendi, você vem da Terra? – Perguntei ainda mais surpreso.
- E se eu disser que também não venho da Terra?
Taerin e eu nos entreolhamos com milhares de pensamentos em nossas cabeças. Lembro de Valkyon comentar sobre o estranho que tinha entregado a capa da Tingsi e que talvez ele tivesse trazido as coisas dela da Terra. Taith era da mesma raça que ela, uma raça capaz de transitar entre os mundos, mas ele não vinha de nenhum deles?!
- De onde você vem afinal?! – Nós perguntamos ao mesmo tempo.
- Sinto muito, mas não posso.
- Você vem do inferno? – Taerin perguntou.
- Pelos deuses, não! Eu juro que não.
- Alguma camada do mundo espiritual? – Perguntei.
- Não e parem de me perguntar sobre isso, por favor. Eu já vou ser punido por negligenciar os meus deveres e ter falado mais do que deveria. Por favor, não piorem minha situação.
- Eles bateram em você?
- Não, não somos bárbaros. Eu preferia tomar qualquer surra a ser proibido de sair e ver meu amado. E eles sabem disso.
- Por que não foge? Venha para a guarda.
- Ezarel, eu não tenho por que fugir. O meu povo é um povo político e eu sou membro do Clã Máni, nós não fugimos dos nossos problemas. Eu só acho que é complicado, pois um de nós vai ter que se mudar para a sociedade do outro.
- Você está com medo porque um de vocês terá que abrir mão de sua vida inteira. – Taerin se pronunciou. – Realmente é uma situação delicada. Se você vier morar em Lund’Mulhingar, minha família nunca irá aceitá-lo, vocês terão que fugir e torcer para que meu pai rebaixe Edlin a um civil e deixe por isso mesmo. Do contrário, ele os caçará por toda Eldarya e criará problemas para vocês. Mas se Edlin for com você, o que vai acontecer?
- Ele será bem tratado, eu te dou a minha palavra. Seus guardas nunca irão encontrá-lo e ninguém fará mal a ele. Nós podemos visitá-los eventualmente, mas vocês nunca vão poder nos visitar ou nos enviar cartas, todo e qualquer contato será cortado. Ambos teremos saudade de nossos lares e nossos amigos. Não importa a decisão que tomarmos, um de nós terá que abrir mão de sua vida.
Não pude deixar de sentir pena deles. Alguém teria que encarar o desconhecido e uma mudança tão adrupta poderia impactar no relacionamento. É nítido que eles se amam, mas Taith está sendo racional e está preocupado em como esse relacionamento pode afetá-los. É uma situação delicada.
- Acho que você precisa contar a ele. – Disse Taerin. – Por mais que seja uma situação delicada, você e Edlin precisam ter essa conversa e decidir o que vão fazer juntos, afinal, é o futuro de vocês dois. Mas saiba que se der tudo errado e precisar conversar, não hesite em me incomodar. Só não faça quando eu estiver bêbado, eu te peço.
- Eu partilho da mesma opinião. Vocês dois precisam conversar muito antes de tomar qualquer decisão.
- Vocês não temem que nunca mais possam ver o Edlin?
- Contanto que meu irmão esteja feliz e em segurança, não vejo problema.
- Mas é bom que ele realmente esteja feliz ou eu vou descobrir onde você mora e ir atrás de você.
- E venham me visitar de vez em quando.
- E a mim também. Afinal, eu sou o melhor amigo daquele irresponsável.
- Obrigado!
Taith nos abraçou, ele não parava de nos agradecer. Eu sentia um aperto no peito e tenho certeza de que mais tarde Taerin irá beber e chorar abraçado a algum servente, isso se ele não tiver uma garrafa vazia em mãos. Contanto que meu amigo estivesse feliz, eu também estaria. Por outro lado, eu não sei se estou pronto para perdê-lo novamente.
Chapter 55: Capítulo 55
Notes:
Antes de começar o capítulo, preparem os lenços porque a trilha sonora do capítulo será See You Again do Wiz Khalifa ft. Charlie Puth ou a música do Velozes e Furiosos 7.
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
===Valkyon===
Fazia tempo que Leiftan tinha pedido para ficar sozinho com ambos os assassinos na masmorra. O interrogatório do Nevra e do príncipe Garret não tinha dado certo. Nós três fomos até o refeitório tomar alguma bebida enquanto o esperávamos. Eu não sei o que Leiftan pretende ou como irá fazê-los falar, mas resolvi ajudá-lo descobrindo mais sobre o acordo de Yaqut.
- Por que quer saber? – Perguntou o terceiro príncipe.
- Temos algumas teorias.
- Diga-me quais são.
Contei a eles todas as nossas teorias sobre o envolvimento do clã de Nevra no assassinato a Ezarel. Nevra ficou surpreso.
- Vocês estão certos, a morte de Ezarel não o beneficiaria em nada. – Disse o príncipe Garret. – O acordo por si só beneficia Yaqut e o clã de Lorde Kieran é um dos mais beneficiados.
- O que confirma a teoria de que seria um favor. – Disse Nevra. – Eu conheço o meu pai. Ele pode ser o monstro que for, mas não aceitaria fazer um serviço desses por uma mixaria. Ou ele está devendo alguém ou é alguém muito poderoso que pode dar o que ele quer.
- Leiftan também acredita que essa pessoa odeie muito o Ezarel. – Comentei. – A ponto de se envolver com Lorde Kieran e buscar ajuda de Yaqut.
Leiftan veio ao nosso encontro algum tempo depois com boas notícias. Nós descemos até a masmorra para novo interrogatório. Os assassinos estavam apavorados com a presença do lorialet. Eu não sei o que ele fez, mas conseguimos algumas informações importantes. Além de Ezarel, Taith também se tornou um alvo a ser eliminado, o que restringia ainda mais a nossa lista de suspeitos. Havia uma mina em específico que era do interesse de Lorde Kieran, assim como de outros clãs.
- Leiftan, o que você fez para arrancar as informações? – Questionou Nevra.
- Isso não é importante no momento. Quem está tomando a frente das negociações?
- Eu, minha irmã Idril e meu irmão Theoden. Juro que não sabia da existência dessa mina.
- Acha melhor interrogá-los na presença de Taith? – Perguntei.
- Se for, precisamos ser discretos. Quem sabe o que mais pode haver nessa história? Embora sejam meus irmãos, traição é traição.
Fomos procurar Taith. Ele não estava com o príncipe Edlin e Huang Jia, que tinha ido verificar a saúde do sexto príncipe. Quando íamos sair, ele voltou com Ezarel e o príncipe Taerin, o que achamos estranho. O príncipe Garret queria levá-lo, mas não queria nenhum de nós por perto. Taith garantiu que ficaria tudo bem e o príncipe Taerin foi com eles contra a vontade do terceiro príncipe. Só nos restava esperar.
- Aconteceu algo importante? – Perguntou Huang Jia quando saímos do quarto.
- É uma longa história. – Falei. – Como está a saúde do príncipe Edlin?
- Muito melhor e parece que a aura dele voltou ao normal.
- Você tem certeza? – Perguntou Ezarel.
- Sim.
Esperamos um bom tempo até que os outros retornassem, tanto que o príncipe Edlin pediu para que voltássemos e fizéssemos companhia a ele. Assim que retornaram, percebemos que suas expressões estavam abatidas. O príncipe Taerin se jogou na cadeira enraivecido enquanto o príncipe Garret passava a mão no próprio rosto.
- O que houve? – Perguntei.
- Theoden está por trás disso. – O terceiro príncipe cuspiu.
- O segundo príncipe Theoden?! – Leiftan não parecia acreditar.
- Percebemos que ele estava escondendo algo. – Taith achou melhor tomar a frente. – Mas Taerin não acreditou e foi falar com ele sobre isso. A partir daí foi uma discussão generalizada, pois eu sabia que ele estava mentindo e ele tentou nos acusar de conspiração. Eu não aguentei e nos levei ao mundo espiritual sem querer.
- Quer dizer o limiar? – Perguntou Nevra.
- Não, o mundo espiritual mesmo. Não havia matéria física, apenas nossas almas. Quando se está em uma camada tão profunda no mundo espiritual, se torna impossível mentir. É como se você interrogasse a alma da pessoa.
- Já estou avisando, foi extremamente assustador. – Disse o príncipe Taerin. – Eu me senti nu quando estávamos lá.
- Theoden admitiu tudo. – Tornou a dizer o príncipe Garret. – Até ele ficou surpreso quando começou a falar.
- Eu lamento, foi sem querer. Eu não queria ter entrado lá, mas eu não consegui controlar.
- Você está brincando?! – Exclamou o quarto príncipe. – Foi graças a isso que descobrimos toda a conspiração de Theoden!
- Há mais?! – Dessa vez a pergunta partiu de Huang Jia.
- Ele planejava matar Ezarel e pôr a culpa em Idril. – O príncipe Garret retomou a palavra. – Por isso Lorde Kieran estava sempre com ela. Ele também não iria dar a mina a ele, mas sim proclamá-la para si. Apenas precisava de um pretexto para se aproximar de Lorde Kieran.
- Ele também me tornou um alvo já que não aprova o nosso relacionamento.
- Infelizmente não podemos provar já que Taith se recusa a repetir o processo na frente de nossos pais.
- Eu já terei problemas por causa disso, não preciso de mais.
- Bom saber que está ciente.
Nos assustamos e olhamos para a porta. Havia um homem encostado no batente com os braços cruzados. Ele era belo, muito pálido, tinha os olhos de um azul muito claro e seu cabelo comprido até o meio das costas parecia prata polida, parecia que estava flutuando em seu entorno. Suas roupas eram azuis claras com branco e extremamente detalhadas, o único adorno simples era a capa azul escura que lembrava a de Tingsi. Também tinha duas espadas embainhadas na cintura, uma tinha a bainha branca e era cravejada de prata e pedras azuis, a outra era simples e tinha a bainha de couro marrom. Claramente ele era algum tipo de nobre. Atrás dele era possível ver Kauan.
- Kauan! Ulfhildr! O que fazem aqui?
- O que você acha?! – Disse o de cabelo prateado. – Te arrastar para casa, o que mais seria?
- Desculpa, Taith, mas minhas mãos estão realmente atadas dessa vez. – Lamentou Kauan.
- Tudo bem, eu não te culpo. Eu vou com vocês, mas assim que Edlin melhorar.
- Não me venha com desculpas. Ele já está bom e você sabe disso.
- Quem diabos é você e como ousa entrar assim nos aposentos de um príncipe?! – Perguntou o príncipe Garret autoritário.
- Este é Lorde Ulfhildr, herdeiro do Clã Máni. Por favor, não arrumem confusão com ele, só vai gerar problemas.
- Você tem ao menos ideia do problema que arranjou?!
- Ulfhildr, eu sinto muito. Seja qual for a punição irei aceitá-la de bom grado.
- A minha vontade é de te esganar, isso sim.
- Você não vai tocar nele! – O príncipe Edlin saiu da cama e se colocou na frente de Taith.
- Você está pensando que somos um bando de animais como vocês?!
- Edlin, pelo amor dos deuses, deixa que eu cuido disso! – Taith se interpôs entre os dois.
- Mas....
- Ulfhildr, eu realmente lamento ter trazido problemas ao Clã Máni. Eu aceitarei qualquer punição que Lorde Lunariel atribuir.
- Não seja tolo, o Clã Máni sabe se cuidar. Eu estou falando de você.
- De mim?
- Pelo que ouvi, você expôs o segundo príncipe, acha mesmo que não vai ter retaliação?!
Aquilo nos pegou de surpresa. Olhei para todos no recinto e troquei um olhar rápido com o príncipe Garret. Até então não tínhamos pensado nessa possibilidade. Agora entendo por que querem levá-lo de volta.
- Eu não tinha pensado nisso. – Taith coçou a nuca.
- Não me surpreende.
- Que tipo de retaliação você está falando? – Perguntei.
- Eu que sei? Só fui pelo raciocínio mais lógico. De qualquer forma, isso não é problema meu.
- Ulfhildr, eu agradeço que esteja preocupado comigo, mas eu não posso ir embora ainda. Antes de ir eu gostaria de conversar com Edlin.
- Quem disse que eu estou preocupado? Você só traz dor de cabeça. Você tem até essa noite para deixar as coisas claras com o seu namorado e se despedir dele. Depois disso vamos embora.
- Obrigado, Ulf! – Ele abraçou o lorde e o levantou.
- Me largue seu destrambelhado! E pare de me chamar assim na frente de desconhecidos.
- Só se admitir que estava preocupado comigo.
- Eu não estou preocupado. Você é problema do Clã Máni, só isso.
- Ulf, mentir é feio.
- Se não me puser no chão agora, eu juro que quando voltarmos vou pedir para o meu pai te fazer copiar todos os textos da biblioteca.
Imediatamente ele o pôs no chão fazendo uma careta cômica, até limpou as roupas do lorde. Pelo que pude observar até agora, ambos são próximos e Ulfhildr não representa perigo para nós, mas também não parece querer colaborar conosco. O nobre retirou a espada mais simples da cintura e a entregou a Taith.
- Sua espada. É bom não esquecê-la de novo.
- Mas eu não esqueci, eu a deixei em casa porque não se usa espadas com vestido de festa.
- Por que não levou debaixo do vestido então?!
- Eu não pensei nisso.
O nobre bateu com a mão no próprio rosto e se afastou, sumindo pelos corredores. Kauan adentrou no quarto e fechou a porta.
- Eu te causei muitos problemas?
- Não se preocupe. Graças ao Ulfhildr, fiquei livre de um monte de tarefas chatas, mas se não o levarmos de volta eu posso me considerar expulso do clã.
- Não acredito que Lorde Taiguara faça isso. – Ele se virou para nós. – Gente, não fiquem bravos com Ulfhildr. Ele tem um temperamento complicado, mas é uma boa pessoa.
- Não estou preocupado com ele, mas com o que ele disse. – Disse o príncipe Garret. – Você era um alvo junto com Ezarel e graças a alguém, acabou se tornando o alvo principal.
- Tá, eu estraguei tudo. – Disse o príncipe Taerin. – Joga na minha cara.
- Se o príncipe Theoden planeja retaliação, deveríamos estar discutindo um plano. – Falei.
- Valkyon tem razão. – Huang Jia me deu suporte. – Não sabemos o que ele planeja ou quando irá agir.
- Eu posso vigiá-lo. – Prontificou-se Nevra.
- Irei com você. – Disse o terceiro príncipe. – Soube do último encontro com o seu pai, portanto é melhor não estar sozinho, principalmente se Theoden estiver se encontrando com ele.
- Aconselho a vocês dois não andarem sozinhos pelos corredores. – Disse Leiftan. – Principalmente durante a noite.
- Obrigado, Leiftan, mas não se preocupe comigo. – Taith agradeceu. – Eu posso me cuidar.
- Não é por nada, mas os poderes dos vampiros aumentam durante à noite. – Tornou a dizer Nevra.
- Os meus também.
- Eu não devia estar fazendo isso, mas agradeçam que venho de uma sociedade militar. – Disse Kauan. – Vou ajudar vocês com o plano.
- Mas Kauan, Lorde Taiguara....
- Não se preocupe com ele. O Clã Guaraci não recua quando os amigos estão em dificuldade.
===Ezarel===
Passamos tanto tempo tentando descobrir o que Theoden devia estar planejando e como nos precavermos que mal notamos quando anoiteceu. Taith não tinha muito tempo, depois dessa noite ele teria que voltar por bem ou por mal. Taith pediu para que eu e Taerin estivéssemos presentes porque não sabia como começar, então Taerin teve uma ideia. Nós quatro fomos em direção a segunda torre mais alta do castelo, já que na primeira ficava o observatório para estudar as estrelas. Ainda me lembro das aulas de astronomia que tive por lá, eram as únicas que eu não faltava.
- Por que estamos indo para lá? – Perguntei me aproximando de Taerin para que os outros dois não ouvissem.
- Taith não pode contar para nós de onde vem, só para o Edlin. Mas ninguém disse nada sobre mostrar a direção de onde ele vem.
- E nesse caso só precisamos olhar no mapa e descobrir quais regiões estão na direção que ele apontar. Taerin, você é um gênio.
- Eu sei.
A torre era bem alta, dava para ter uma boa visão do reino de lá de cima. Eu costumava vir aqui com Edlin para beber escondido de nossos pais ou só para escaparmos dos bailes chatos. Quando crianças, apontávamos para uma área e falávamos sobre cavalgar ali ou sobre construir um novo forte. Eu gostava de vir aqui à noite para olhar as constelações. O vento noturno me fez estremecer de frio, me tirando de minhas lembranças.
- Então, Taith, você pode ao menos apontar de onde vem? – Pediu Taerin.
- Claro. Eu venho dali. – Ele estendeu o braço.
- Da antiga cidade de North’Palladium?!
- Não. Dali! – Ele ergueu um pouco mais o braço.
Taerin e eu tivemos que pegar um mapa para tentar descobrir de onde ele vinha porque estava complicado. Quando eu entendi para onde ele estava apontando, minhas pernas vacilaram. Se eu não tivesse caído em cima de Taerin, estaria no chão. Meu coração se apertou, um vazio se abriu em meu peito e o medo do desconhecido se apoderou de minha alma quando Taith segurou a mão de Edlin. Eu sabia que tinha que deixá-los. Assim que Taerin e eu cruzamos o alçapão e descemos as escadas, nos abraçamos, nos ajoelhamos no chão e começamos a chorar. Nós sabíamos que o estávamos perdendo, só não sabia que seria tão doloroso assim. Ficamos abraçados buscando o calor um do outro. Tenho a impressão de que se nos separarmos, a realidade vai nos bater com um porrete e cuspir na nossa cara.
Silenciosamente decidimos ir até a adega e procurar o vinho mais forte que tinha. Esperamos nos recompormos pelo menos um pouco para conseguirmos nos manter de pé e andar até lá. Mal demos dois passos e Lorde Ulfhildr estava a nossa frente.
- Lorde Ulfhildr, o que faz aqui? – Perguntei.
- O que mais seria? Façam silêncio.
- Por quê?
- Já falei para parar de falar.
Não entendemos o que ele queria. Em um movimento rápido, ele agarrou o meu braço e me puxou ao seu encontro, mas ele não me pegou, me deixando cair de encontro ao chão. Só então percebi o que estava acontecendo. Pela luz do luar que adentrava pelas janelas, vi sangue manchar a manga de Taerin e escorrer pelo seu braço. A lâmina de Ulfhildr era prateada e brilhava ao luar, algo bonito de se ver exceto pela mancha de sangue que a maculava, mas não era o de Taerin. A lâmina que acertou o seu braço era curta e a de Ulfhildr se encontrava cravada na garganta de um assassino.
- Tarde demais. É bom que tenham armas.
Eu não sei o que ele fez, mas ele invocou uma espécie de vento sobrenatural que explodiu de dentro dele para todo o recinto, espalhando uma espécie de poeira prateada. Aquilo revelou a posição dos assassinos ocultos na escuridão. Sem perder tempo, peguei meu florete e fui ao encontro de Taerin. Ele parecia estar com muita dor. Os assassinos vieram ao nosso encontro. Ulfhildr manejou sua lâmina com rapidez e uma elegância que eu nunca vi, nem mesmo os assassinos mais preparados estavam prontos para ele, sequer chegavam perto dele enquanto eu estava tentando não morrer enquanto defendia a mim e a Taerin.
Ouvi o estalar de um chicote. Lorde Ulfhildr tinha trocado a espada por um chicote branco que derrubava os adversários no primeiro golpe. Ele afastou meus inimigos de mim e fui ver o ferimento de Taerin. À primeira vista era superficial, mas ao ver o líquido escuro na borda do ferimento, vi que tinha sido envenenado. Rapidamente rasguei uma tira de pano e amarrei acima do local do corte para evitar a circulação.
- Ulfhildr, temos que levá-lo agora! Ele foi envenenado!
- Tome! – Ele jogou uma algibeira para mim. – Dê a bola verde.
Abri a algibeira e vi que estava cheia de coisas para primeiros socorros. Eu estava procurando a tal bolinha verde quando escutei algo rolar pelas escadas. Era um assassino. Edlin e Taith desceram logo em seguida.
- Ez, o que houve?!
- Taerin foi envenenado! E eu não acho a bolinha verde!
Taith abriu caminho com sua espada e veio imediatamente para o meu lado. Ele pegou uma pequena caixa redonda de prata onde estavam várias bolinhas coloridas. Peguei a verde e pus na boca de Taerin para que a engolisse. Nesse meio tempo, Ulfhildr tinha acabado com todos os nossos inimigos.
- Acha que vai dar certo? – Perguntei.
- Claro. – Taith estava otimista. – Os remédios feitos pelos Clã Chang’E são os melhores. Nem os fenghuangs conseguem fazer um antídoto tão potente assim.
- Taerin, está tudo bem? – Perguntou Edlin ao lado do irmão.
- Agora está. Por que eles me atacaram?
- Por que você acha? – Perguntou o nobre. – Você quem expôs o seu irmão.
- Eu não achava que Theoden fosse tão longe.
- Taerin, eu sinto muito. – Desculpou-se Taith.
- Esquece. Não importa mais.
- Já terminou com o seu namorado? – Ulfhildr perguntou.
- Não exatamente.
- Esquece, vamos pegar Kauan e ir embora daqui. Eles não são problema nosso.
- Não posso fazer isso. São meus amigos e parte dessa confusão é minha. Eu sempre escutei que o Clã Máni não foge dos seus problemas e é isso que eu vou fazer.
- Idiota. Eu não vejo outra escolha senão te ajudar.
- Verdade?
- Nós do Clã Máni não fugimos dos nossos problemas e não abandonamos os nossos. Enquanto você estiver aqui, eu sou obrigado a ficar também.
- Obrigado, Ulf.
- Que momento fofo.
- Lady Lethia?!
Um calafrio gelou a minha espinha. Pelo que Nevra me contou, a mãe dele era a assassina mais mortal que ele já conheceu. Dagma conseguiu se livrar dela graças aos seus poderes, mas ela não está conosco. Lorde Ulfhildr conseguiu bloqueá-la com a espada. Ela era tão rápida que nem mesmo eu percebi que ela tinha tentado nos atacar. Ela se voltou para o nobre e tentou atacá-lo, mas ele era muito mais habilidoso do que eu imaginava e conseguiu segurá-la.
Em um momento em que eles estavam separados, Ulfhildr estalou o chicote no chão. Por um momento ficamos sem entender, mas ele se aproveirou da distração para atacá-la. Vimos os assassinos caídos se levantarem, uns tinham os braços e pernas cortados com ferimentos de incapacitação, mas mesmo assim eles avançaram em Lady Lethia. Ulfhildr aproveitou o momento para parar o ataque e se reagrupar conosco.
- O que estão esperando?! Vamos sair daqui!
Nós evitamos a área em que ela se encontrava e alcançamos o portal que levava à escadaria. Antes de irmos, Ulfhildr conjurou uma runa e a atirou em Lady Lethia. Eu tinha visto essa runa, mesmo estando de cabeça para baixo, era uma das runas das capas dos dois, a runa Laguz. A princípio não surtiu efeito nela, mas foi só estalar o chicote que todos caíram desacordados no chão.
- Que porra acabou de acontecer?! – Perguntamos eu e os príncipes.
- Matá-los iria gerar muitos problemas, pois poderia ser acusado de abusar de meu poder. Nesse caso, incapacitar seria o melhor.
- Ulf, é por isso que você está usando o Chicote das Ilusões?
- Exatamente.
- Chicote das ilusões? – Perguntei sem entender do que estavam falando.
- Sabe o que significa a runa Laguz? – Questionou o nobre.
- É um dos símbolos do clã Máni. – Respondeu Edlin.
- Não só isso. – Disse Taith. – A runa Laguz está associada com a água, a criatividade e a intuição, além das emoções. No entanto quando ela está invertida ela tem uma representação de medo e principalmente de ilusão.
- Tudo isso para explicar que o nosso clã é especialista em criar e quebrar ilusões.
- O Chicote das Ilusões faz o seu alvo entrar em uma ilusão sem precisar de feitiço, não é à toa que Ulf os colocou para dormir com facilidade. No entanto, por ser uma arma espiritual de grande poder, é complicada de domar. Fico impressionado que seu pai tenha te emprestado.
- Claro que ele me emprestou, o que você acha? – Pela cara que ele fez, tenho minhas dúvidas.
- Mesmo? Lembro bem de Lorde Lunariel dizendo....
- Ah, cale a boca e vamos procurar os outros. – Ele foi empurrando Taith pela escadaria.
- Certeza que pegou sem o pai saber. – Sussurrou Taerin para nós.
Saímos da torre à procura dos outros. Assim que alcançamos o corredor, vimos guardas armados, o que achei estranho. Ulfhild sussurrou algo para Taith e se pôs a frente dele. Taith me puxou para o seu lado. Os príncipes perceberam o que estava acontecendo e se puseram à nossa frente.
- Posso saber o que está acontecendo? – Perguntou Edlin.
- Sexto príncipe Edlin, vossa alteza está detida até segunda ordem. Quarto príncipe Taerin, o senhor está preso por conspirar com a Guarda de Eel.
- Por ordem de quem? Hei!
Os guardas seguraram os braços dos príncipes e avançaram na nossa direção. De repente uma cortina de fumaça surgiu do nada. Senti meu braço ser agarrado e minha boca ser tapada enquanto era arrastado. Era Taith. Ulfhildr se juntou a nós arrastando os príncipes. Eles fizeram sinal de silêncio. Taith conjurou uma espécie de véu de seda transparente sobre nós e Ulfhildr conjurou uma ilusão de nós fugindo de volta para a segunda torre. Os guardas seguiram a ilusão e não nos viram enquanto passavam por nós. Pouco depois de subirem as escadas, Taith tirou o véu e Ulfhildr fechou a porta e a trancou.
- Isso deve atrasá-los.
- Isso me lembra de quando fugíamos das aulas na biblioteca.
- Quer dizer você e Luara. Vocês dois só me causavam problemas.
- Vocês precisam nos ensinar isso. – Disse Taerin.
- Não é algo que possa ser aprendido por vocês.
- Sinto muito, Taerin, mas eu ainda tenho amor à vida.
- Temos que achar os outros. – Falei. – E rápido.
Nós os procuramos por todo o castelo. Nós encontramos Valkyon, Leiftan, Huang Jia e Kauan enquanto eles fugiam dos guardas pelos corredores. Kauan tinha usado uma forte luz para cegar os guardas, permitindo a fuga do grupo.
- O que está acontecendo?! – Perguntou Edlin.
- Eles querem prender toda a guarda por conspiração. – Respondeu Leiftan. – Talvez vocês possam fazer algo.
- Infelizmente não. Eles têm ordens para me deter e prender Taerin.
- Onde está Nevra? – Perguntei.
- Não sabemos. – Disse Valkyon. – Nem dele e nem do príncipe Garret.
- Mais importante. – Começou Ulfhildr. – Quantos soldados estão perseguindo vocês?
- Muitos. – Respondeu Kauan.
- Vamos levar essa briga lá para fora. Não tem como enfrentá-los nos corredores.
- Enfrentá-los?! – Perguntou Huang Jia.
- Tem ideia melhor?
Não havia tempo para discutir, nós acabamos indo para os jardins. Eu sei que Ulfhildr quer enfrentá-los, mas estamos em menor número e Taerin está machucado. Theoden apareceu em uma sacada do andar superior com mais alguns guardas e alguns arqueiros. O nobre não parecia se importar e Kauan também não. Eles ficaram à nossa frente.
- Vou dizer apenas uma vez: eu não me importo com nenhum deles, mas Taith é problema do Clã Máni. Se deixá-lo ir, saio do seu caminho e pode fazer o que quiser com os outros, mas se continuar, terá problemas comigo.
- O que você está fazendo?! – Gritei.
- Ez, calma. Ulf sabe o que está fazendo. Não é Ulf?
- Quem te disse que pode me chamar de “Ez”?
- Como eu posso deixar impune esse depravado que seduziu o meu irmão?! – Theoden retrucou. – Pouco me importa o seu clã, vocês não têm poder aqui!
- Eu estava torcendo para você recusar.
Ulfhildr deu um sorriso presunçoso e a batalha começou. Os guardas vieram de todas as direções, flechas foram atiradas em nós. Kauan disparou uma rajada de calor que incinerou as flechas e Ulfhildr começou a controlar a água da fonte para afastar os guardas. Ele também combinou a água em seu chicote para aumentar o dano e o alcance. O cara controla a água! Ainda bem que eles não estão tentando matar ninguém porque esses dois juntos não precisam de um exército.
Os soldados que não eram atingidos ficavam por nossa conta. Foi então que percebi que Taith lutava bem, ele só se fazia de sonso porque ele tinha tanta habilidade com a espada quanto eu. Kauan fez uma barreira de chamas para proteger Taerin e Huang Jia, que cuidava de seu ferimento. Quando ela terminou de tratar Taerin, os dois se juntaram a nós na batalha.
Foi o verdadeiro inferno em Eldarya. Edlin e eu lutávamos um de costas para o outro, Valkyon lutava contra dois ou três ao mesmo tempo, Taerin lutava como podia e Leiftan e Huang Jia davam cobertura a ele. Kauan era extremamente habilidoso com a espada, isso ninguém podia negar, então ele lutava com sete de uma vez, já Ulfhildr tinha abandonado o chicote e sacado a espada, lutando lado a lado com Taith. Os dois pareciam brilhar em meio à noite, como se pertencessem a ela.
O resto da família real apareceu com reforços. Eu só vi a água ser atraída para a espada de Ulfhildr e cobrir toda a lâmina. No instante seguinte, ele desferiu um golpe cortando o ar. Um jato de água se formou a partir da espada, se alongou até o castelo e formou uma parede de água, levando tudo em seu caminho. Ele ficou movendo aquela parede de água com a espada até formar um turbilhão e só parou quando Taith pediu ou eles arrumariam problemas. Pelo menos tivemos tempo para respirar.
A batalha durou até o amanhecer. Kauan foi o primeiro a se cansar, talvez por usar mais energia e lutar com mais intensidade do que nós. Os únicos que ainda tinham energia eram Ulfhildr e Taith, além de Idril, Theoden e sua majestade o rei. O problema é que conforme o dia foi clareando, os poderes deles foram diminuindo e eles estavam começando a se cansar. Alguns guardas estavam de pé e novos reforços tinham chegado, embora muitos se encontrassem desmaiados ou em poder de alguma ilusão.
- Ulf, estou ficando cansado. – Anunciou Taith.
- Você não poupou enquanto ainda estava de noite?!
- Lamento.
- Idiota. Se a gente não tivesse que se conter tanto, teríamos terminado essa luta muito antes.
- Parece que sua sorte acabou de mudar. – Disse Idril, a princesa herdeira.
- É o que você acha? Porque eu acho que ainda temos chance.
- Ulfhildr, não seja burro! – Exclamou Edlin. – Você não vê que estamos cercados?!
- Se eu fosse vocês, me preocuparia menos com ele e mais comigo. – Disse Kauan.
Kauan andou calmamente até Ulfhildr, que recuou para o nosso lado, trocando de lugar com ele. Eu achei estranho, pois ele estava exausto e agora ele parecia bem melhor.
- Por que nos preocuparíamos com você?
- Por uma razão bem simples: eles se levantam com a lua. – Ele fez menção para Ulfhildr e Taith. – Eu me levanto com o sol.
No momento que ele disse isso, ele acendeu fogo com as mãos. Uma energia explodiu dele fazendo com se uma rajada de fogo fosse para todos os lados. Nós não nos machucamos, mas o fogo derreteu todo o metal dos soldados e da família real e chamuscou suas roupas. Um círculo de chamas surgiu ao nosso redor para nos defender e Kauan parecia mais revigorado do que nunca.
- E diferente deles, eu não vou me conter tanto.
- De onde o Kauan é mesmo? – Taerin sussurrou para Taith.
- Dali.
- Do oriente?
- Não. Dali.
- Taith, quer parar de brincadeira?! – Ordenou Ulfhildr. – Estamos no meio de uma luta!
- Desculpe.
- PAREM!
Vimos Nevra e Garret correndo no meio daquela confusão com alguma coisa em mãos. Pelas caras que fizeram, eles não estavam entendendo o que aconteceu. Ambos foram até sua majestade o rei e entregaram os papéis que tinham em mãos.
- O que é isso?!
- Provas da conspiração de Theoden. Senhor meu pai, fomos todos enganados.
Os dois explicaram detalhadamente sobre a conspiração de Theoden, como ele tinha feito acordos com alguns clãs de vampiros por debaixo dos panos entre outras coisas. Sua majestade o rei mandou que detivessem Theoden até interrogatório. Kauan desfez a barreira e Nevra veio até nós.
- O que eu perdi?!
- É uma longa história. – Disse Valkyon. – Te contamos depois.
- Acho que devemos desculpas a vocês. – Disse vossa majestade o rei quando se aproximou. – Por todo o transtorno causado. Espero que compreendam a minha posição.
- Vai me desculpar, mas ainda não compreendi sua posição. – Disse Ulfhildr surpreendendo a todos.
- Perdão?
- Pelo que eu saiba não é a primeira vez que ocorre algum tipo de atentado contra os membros da guarda. Cheguei ontem ao seu reino e examinando a situação de fora, me pergunto por que acusariam aqueles que obviamente são um alvo de conspiração?
- Acho que o que Lorde Ulfhildr quer dizer é que a situação vista de fora não é favorável à reputação de Lund’Mulhingar. – Disse Leiftan. – Nós sabemos como as notícias correm. Acredito que terão muito trabalho pela frente.
- Certamente.
Sua majestade voltou para perto dos seus. Dois homens estranhos caminharam pelo jardim em nossa direção. O primeiro era pálido, tinha o cabelo prateado comprido e olhos prateados, ele vestia uma roupa azul clara com detalhes prateados ainda mais nobre que a de Ulfhildr. Sua capa azul escura tinha as runas Manaz e Laguz. Já o outro tinha o tom de pele avermelhado, o cabelo preto e olhos alaranjados, ele vestia uma roupa vermelha com detalhes dourados que mostrava sua nobreza. Sua capa vermelha tinha uma espécie de primata peludo. Taith, Kauan e Ulfhindr imediatamente se ajoelharam perante eles.
- Lorde Lunariel. Lorde Taiguara.
- Meu pai. Lorde Taiguara.
- Levantem-se. – Pediu o de azul.
- Vocês têm ideia da confusão que se meteram?! – Perguntou o de vermelho.
- Lorde Taiguara, eu não lamento nenhum pouco. – Disse Kauan. – Se passei dos limites, não irei reclamar do meu castigo, mas fui ensinado pelo Clã Guaraci a não recuar perante as dificuldades ou abandonar meus amigos.
- Eu sei e estou orgulhoso que siga os preceitos dos Guaraci. No entanto, não posso deixar sua atitude impune. Precisava derreter metade do metal do castelo?! Lembra o que houve com o Clã Sól?! – Ele suspirou pesadamente juntamente com o outro nobre. – Cento e cinquenta pauladas todos os dias nos próximos três meses. Vai ficar o ano inteiro sem ir para a arena e trabalhando na enfermaria.
- Cento e cinquenta pauladas por dia?! – Exclamou Nevra. – Quem aguentaria isso?!
- Está tudo bem, nossa raça é bem resistente. – Kauan tentou nos apaziguar. – Tanto que competimos em arenas.
- Quer ganhar trezentas?
- Não precisa, cento e cinquenta já está bom.
- Já você Taith. – Começou o de azul, Edlin segurou a mão do seu namorado. – Um mês de isolamento. Da casa para o trabalho e do trabalho para casa, sem poder se comunicar com ninguém além dos seus companheiros de trabalho na hora do expediente. Também vai ficar o mês inteiro sem sair das dependências do Clã Máni.
- É justo.
- Ainda não terminei. No seu tempo livre você vai até a biblioteca transcrever todos os manuscritos antigos para os novos.
- Isso é tortura. – Ele parecia derrotado e eu entendo isso.
- Ninguém mandou vir aqui e arrumar confusão. – Disse Ulfhildr.
- E você irá ajudá-lo.
- EU?!
- Ninguém mandou pegar o Chicote das Ilusões sem permissão.
A forma amistosa como ele disse aquilo, me fez querer rir da cara de Ulfhildr. O herdeiro retirou o cinto, que se transformou no chicote, e o entregou ao pai. Vendo mais de perto, o chicote das ilusões era magnífico. Ele era inteiramente de couro branco e impecável com a ponta do cabo prateada e uma água-marinha em sua extremidade. Ele parecia reluzir, realmente, uma arma espiritual poderosa. Lorde Lunariel o estalou no chão e todos os soldados desacordados começaram a se levantar confusos.
- Só uma pergunta. – Taerin apontou para a capa de Lorde Taiguara. – Que espécie de bicho é essa? Eu nunca a vi.
- Sério, Taerin?! – Edlin e eu reclamamos.
- O que foi? Eu quero saber.
- É um mico leão dourado, o símbolo do Clã Guaraci. – Respondeu Kauan.
- Ainda temos alguns assuntos a resolver. – Disse Lorde Lunariel. – Infelizmente está na hora de vocês voltarem. Se despeçam de seus amigos.
- Mas Lorde Lunariel, eu não terminei de contar ao Edlin sobre nós.
- Não se preocupe, eu posso fazer isso por você. Vocês poderão se ver daqui a um mês.
- Não será preciso. – Disse Edlin. – Eu já tomei a minha decisão. Eu quero ir com ele.
- Mas Edlin, isso não é uma decisão que...!
- Eu não me importo. – Ele levou a mão até o seu rosto e o acariciou com o polegar. – Depois de tudo que vivemos, eu não quero mais me separar de você.
- Vou deixar com que conversem, mas depois se despeçam de seus amigos.
- Obrigado, Lorde Lunariel.
Os dois lordes saíram de perto e foram conversar com a família real. Leiftan e Huang Jia foram com eles enquanto Valkyon explicava a Nevra o que tinha acontecido. Taith achou melhor nos dar privacidade, então os outros dois o seguiram. Taerin achou melhor se reunir com Garret e Idril e me deixar sozinho com Edlin. Ouvi uma música tocar ao longe, mas não consegui identificar qual era.
- Edlin, você tem certeza? – Perguntei temeroso. – Pense bem no que está fazendo.
- Ez, eu nunca tive tanta certeza na minha vida. De onde Taith vem, meu pai não vai conseguir nos fazer nada. Vai ser melhor assim.
- Mas você não sabe o que vai encontrar lá!
- Eu sei, é assustador. Lembra de quando éramos crianças e queríamos explorar Eldarya?
- Isso é diferente, Edlin! – Minha voz se encontrava embargada. – Eu não sei nos veremos de novo.
- Eu prometo que farei de tudo para te visitar.
Ele me abraçou com força. Desatei a chorar em seu ombro, me agarrando ao calor dele como náufrago se agarra a um pedaço de madeira. Senti algo molhar meu ombro também. Eram suas lágrimas. Eu queria retê-lo ali para sempre, acreditar que era só um sonho e que iria acordar no dia seguinte e iríamos roubar hidromel da adega como na nossa juventude, mas não. A separação era real e aquilo doía tanto.
- Uma das maiores alegrias dessa vida foi ter sido seu amigo. – Ele disse. – Gosto de acreditar que se não nos encontrarmos mais nessa vida, nos encontraremos na próxima.
- Seria bom se voltássemos com amigos nessa outra vida.
- A gente vai voltar irmão.
Eu sabia que precisava deixá-lo ir. Com muita dificuldade me soltei do abraço. Ele foi andando em direção ao Taith e cada passo que ele dava era como se um pedaço de mim estivesse sendo arrancado. Meus joelhos tocaram o chão, eu tentava esconder meu rosto com as mãos em vão. Senti alguém me abraçar e imediatamente reconheci os perfumes de Nevra e Valkyon. Nada mais importava naquele momento, não havia mais nada que eu podia fazer.
Notes:
A frase do Kauan "Eles se levantam com a lua. Eu me levanto com o sol." Foi tirada de Avatar: A lenda de Aang.
Chapter 56: Capítulo 56
Chapter Text
===Leiftan===
Os últimos eventos foram extremamente exaustivos. Além de praticamente lutar pela minha vida, tive que ajudar no interrogatório do príncipe Theoden e discutir política com o rei. Vi Ezarel e o príncipe Edlin se abraçando ao som de uma música característica que surgiu do nada. Lorde Lunariel comentou que se chamava See You Again. Ele e Lorde Taiguara vieram prestar esclarecimentos que não serviram de nada, pois suas identidades continuam um mistério. Mal vejo a hora de voltar ao QG e para os braços de Tingsi.
Entrei no quarto de Valkyon naquela noite. Ele estava exausto. A última vez que eu o vi, ele e Nevra estavam consolando Ezarel. Me aproximei dele e me sentei na beirada da cama.
- Como está Ezarel?
- Muito mal. O príncipe Taerin o convidou para beber no quarto dele algum tempo depois, ele também estava bem abatido.
- O que aconteceu exatamente? Tenho a impressão de que perdi alguns eventos.
- O príncipe Edlin foi embora com seu amante. Ezarel era bem próximo dele, é como se ele tivesse acabado de perder um irmão. O príncipe Taerin está na mesma situação que ele e nos convidou para beber em seu quarto. Os dois beberam tanto que começaram a se lamentar e a chorar. Eu nunca o tinha visto assim. O príncipe Garret e a princesa Niena também. O terceiro príncipe se juntou à bebedeira e a quinta princesa se juntou ao choro.
- Nevra está com ele?
- Sim. Eu ajudei Nevra a levar Ezarel até o quarto dele, mesmo que isso significasse levar o príncipe Taerin com eles.
- O quarto príncipe Taerin?
- Ele e Ezarel não queriam se separar de jeito nenhum e Ezarel pedia desculpas a ele a todo instante. Foi de cortar o coração.
- Imagino. Ninguém estava preparado para a despedida do sexto príncipe. E quanto a você? Como está?
- Não se preocupe comigo. Não vi Huang Jia o dia todo.
- Ela retornou ao templo fenghuang. Ela me contou que possui assuntos pendentes antes de ir ao QG.
- Entendo. Você vai mesmo embora amanhã?
- Sim. Nevra pode cuidar da parte diplomática em meu lugar. Tenho muito trabalho no QG.
- Entendo. Poderia levar Ezarel com você? Não acho que ficar aqui seja bom para ele.
- Eu até poderia, mas ele também é próximo do quarto príncipe Taerin. Receio que não vá querer deixá-lo tão cedo.
- Tem razão.
Embora Valkyon não demonstrasse vulnerabilidade, eu sabia em seus olhos que ele estava preocupado. Me aproximei dele para beijá-lo. Ele me correspondeu, talvez por estar mais vulnerável do que eu pensava.
- Leiftan, o que está fazendo?
- Vamos deixar as perguntas para depois.
Tornei a beijá-lo. Fazia tempo que eu o queria, mas toda vez acontecia algo que me impedia de tê-lo. No templo fenghuang ele estava confuso e nas outras vezes meus planos foram interrompidos. Ashkore chegou a duvidar se passamos a noite juntos, mas logo percebeu que eu não estava mentindo. Ele deveria estar borbulhando de ódio por debaixo da máscara. A verdade é que ele não sabe lidar com a falta de atenção.
Nossos beijos se tornaram mais intensos e nossos toques ainda mais ousados. Nossas roupas foram tiradas sem qualquer pressa, apenas para apreciar aquele momento de calmaria. Naquela noite, eu o tive e me entreguei a ele. Eu mal conseguria ficar de pé no dia seguinte, mas aproveitei cada segundo. Recostei a cabeça em seu peito, apenas apreciando a companhia dele.
- Algo o incomoda? – Perguntei ao notar que ele estava pensativo.
- Sim. Apesar dessa história ter terminado bem, não consigo parar de pensar em Taith, no clã Máni, em Kauan, Taynara e nos lordes.
- Entendo. Sabemos muito pouco sobre eles. Estive com Lorde Lunariel antes de vir para cá.
- O que ele queria?
- Nos agradecer por ter ajudado Taith e cuidado dele. Se algum dia formos até a terra deles e precisarmos de ajuda, o clã Máni ficará feliz em nos ajudar.
- Ele te contou de onde vêm?
- Infelizmente não e eu tenho uma péssima notícia.
- O que foi?
- Questionei sobre os poderes de Tingsi e como lidaríamos com eles. Infelizmente ele não pode nos ajudar.
- Não entendi. Ele não tinha dito que o clã Máni ficaria feliz em nos ajudar?
- Sim, mas Tingsi é do clã Chang’E. Ele não pode se intrometer nos assuntos de outro clã. Principalmente porque o pai dela não pôde se explicar e ele não quer tomar essa chance dele.
- Compreendo, mas isso nos coloca em uma situação difícil. Se os poderes dela continuarem crescendo, temo que ela possa se tornar um alvo para nossos inimigos.
- Eu também.
Me aninhei em seu peito. Era incrível como tínhamos a mesma linha de pensamento quando o assunto era Tingsi. O simples pensamento que algo ruim pudesse acontecer a ela nos deixava preocupados. E pensar que um dia fomos dois órfãos sem qualquer apego emocional.
Parti na manhã seguinte com muita dor no quadril. Ezarel não veio comigo, pois ele e o quarto príncipe Taerin estavam de luto pela partida do sexto príncipe. Por esse motivo, pude me encontrar com Ashkore no caminho de volta.
- Se divertiu enquanto eu estive fora? – Perguntei.
- Por que está andando desse jeito?
- Cortesia do seu irmão.
- Você não presta! A propósito, aquela criança que a humana está carregando é sua ou do meu irmão?!
Ashkore estava com tanta raiva que por um momento fiquei surpreso, mas me recompus para que não percebesse.
- Por que está interessado?
- Apenas me responda! É sua ou é dele?!
- Eu não sei. Em todo caso, que diferença faz?
- Não sei quanto a você, mas eu não quero que o sangue de meus antepassados seja maculado por uma humana!
- Caso não tenha percebido, eu sou o último aengel e você e Valkyon são os últimos dragões. A menos que um de vocês tenha um útero escondido ou saibam como gerar um filho sem auxílio de uma mulher, não vejo como nossas raças possam se manter “puras”.
- Mas com uma humana?!
- Qual é o problema?
- Nada, é apenas a raça que matou a sua família. – Disse debochado. – E que levou o sacrifício da minha raça e nos exilou!
Apesar de gostar de vê-lo irritado, aquela conversa estava me irritando. Os humanos eram horríveis, mas faeries não eram diferentes e eu descobri da pior forma. Tingsi é humana e ela se orgulha disso, no entanto, ela me compreende melhor do que Ashkore jamais compreenderia. No fundo, eu sei que ele está apenas enciumado.
- Ainda não vejo como isso é problema seu, mas pode se tornar se você tentar qualquer coisa contra Tingsi ou essa criança.
- Está me ameaçando?
- Apenas avisando. É bom ficar longe dos dois para o seu próprio bem.
- Você está mesmo apaixonado por aquela humana.
- E você está com ciúmes dela, do contrário não teria vindo a Lund’Mulhingar só para me ver.
Ele ficou tenso, provavelmente borbulhando de raiva. Mesmo pondo um fim à nossa relação, ele me desejava. Não porque ele me amava, mas porque queria me possuir. O beijo que ele me deu no baile foi a prova disso. Possessivo, libidinoso, luxuriante. Embora me atraísse no passado, dessa vez senti repulsa.
- Nem preciso dizer para ficar longe dela.
- Teme que eu mate sua preciosa humana?
- Faeliana. Tingsi fez amizade com outros de sua raça e eles podem enxergar através das máscaras. Então vou te avisar uma única vez: se tocar em um fio de cabelo dela ou dessa criança, a guarda será o menor de seus problemas. E eu serei o maior deles.
Abri minhas asas e retomei meu caminho após a reunião irritante com Ashkore. Se ele pensa que vai fazer mal a Tingsi ou ao bebê, ele está completamente enganado. Me certificarei que fiquem em segurança, mesmo que o filho seja de Valkyon. Ele não merece o irmão que tem. É irônico pensar que eu pouco me importava com o que acontecesse com ele, mas agora, acho que eu me acostumei com ele.
===Tingsi===
Voltar para o QG foi um inferno. Não encontramos problemas no caminho, mas foi só botar o pé dentro dos muros que toda a merda desmoronou. Para começar, tivemos que relatar todos os incidentes à Miiko e aí que a raposa surtou de vez. Ela reforçou as defesas do QG, já que não sabia quanto tempo eles ficariam lá e passou a se corresponder com Leiftan. O coitado tinha que mandar duas cartas, um relatório completo para ela e uma carta para mim senão a Ahri paraguaia ia me mandar repassar as cartas.
Para piorar, Ashkore atacou o QG e foi um inferno na terra. Gente desesperada, a guarda procurando por ele, gente procurando abrigo, enfim. Eu queria ajudar nas buscas, mas por conta da gravidez, acharam arriscado. Não só isso, por conta da gravidez, eu não podia fazer exercícios pesados, o que me impedia de treinar.
Karenn tinha pesadelos por estar longe de Nevra e eu também tinha que cuidar de Dagma. Ela estava muito apreensiva com Ezarel e Nevra e eu tentava de tudo para tranquilizá-la. Ela parou várias vezes na enfermaria e tinha que tomar uma poção para dormir de tão aflita que estava.
Eu estava muito puta com tudo aquilo a ponto de não conseguir fazer taichi. Não tinha paciência para nada e a minha própria gravidez também não ajudava. Estava odiando cada segundo daquilo. Peguei a guan dao e fui escondida para a floresta treinar. Mal dei três golpes e Baihu apareceu.
- Abaixa isso! Tem formas melhores de lidar com o estresse.
- Então me fala porque eu estou de saco cheio!
- Me dá isso aqui.
Ele tomou a guan dao das minhas mãos e me ofereceu luvas de boxe. Uma torre de pancada surgiu do nada. Pus as luvas e soquei aquela porra enquanto Baihu a segurava até eu me acalmar.
- Qinglong vai me matar por ter te deixado praticar boxe durante a gravidez, mas você precisava socar alguma coisa.
- Nem isso eu posso fazer também?!
- Há alguns exercícios que você pode fazer além do taichi como pilates, caminhadas, corridas leves e ioga, já que não temos bicicleta ergométrica.
- Que merda!
Me joguei no chão. O tigre se sentou ao meu lado e me deu uma garrafa com água bem gelada.
- Na próxima eu procuro por uma poção para evitar gravidez.
- Existe uma. Ela dura seis meses.
- E você só me diz isso agora?!
- Os eldaryanos acreditam que não existe efeitos colaterais, mas a verdade é que aquilo é uma bomba de hormônios. É mais difícil identificar problemas nos ovários e útero em Eldarya. Fora que cada corpo reage a medicamentos de forma diferente e o uso contínuo dessa poção pode levar a vários problemas.
- Que merda. Nem com magia minha vida é facilitada!
- Magia não é a solução para todos os problemas e alquimia muito menos. Mas isso é só o começo, ainda vai piorar.
- Tem como?!
- Há muitos hormônios envolvidos na gravidez, o que causa alterações de humor. Tem horas que você se verá no espelho e adorará sua barriga e horas que você vai ter problemas com a sua aparência. O corpo incha, os peitos doem, você mija mais que bêbado em festa de fim de ano, se cansa mais rápido, sente muito sono.... Algumas pessoas enjoam do nada, você começa a enjoar com alguns tipos de cheiro, ainda mais os fortes. Ah e tem a prisão de ventre também.
- Puta merda, Baihu!
- Isso porque não cheguei na parte do parto. Pode esquecer a epidural. Aí depois que parir tem o puerpério onde seus hormônios vão despencar. É doloroso, mais para umas do que para outras. Eu já falei da depressão pós-parto e do risco que a mãe pode ficar tão alterada no puerpério que pode matar o bebê?
- Puta que pariu! Isso aí é um filme de terror?!
- É só a realidade. Muita gente glamouriza a gravidez, dizendo que é lindo e maravilhoso, mas ninguém diz o quanto é doloroso, o que você vai ter que enfrentar, o descaso, as críticas....
- Essa parte eu já sei. Todo mundo me acha doida por não estar gostando dessa merda dessa barriga. – Tomei o resto da água de uma vez. – Baihu, você me acha eu vou ser uma mãe ruim por causa disso?
- Claro que não. As pessoas romantizam demais esse negócio de ter um filho de seu sangue e depois a mãe que se foda para criar. Umas adoram a ideia de ser mãe e outras querem arrancar o útero e nehuma delas está errada. Errado é você dizer para outra pessoa como ela deve se sentir e impor suas crenças a ela. E parir para segurar macho. Vai por mim, não existe nada pior.
A última frase me fez rir um pouco. Ele se ajoelhou na minha frente e tomou minhas mãos. As mãos dele eram grandes e quentes, transmitindo uma sensação acolhedora.
- Algumas pessoas odeiam a gravidez e são ótimas mães, outras adoram parir e odeiam a parte de criar e odeiam até mesmo as próprias crianças. Se você gosta ou não da ideia, isso cabe a você, o resto que tome no cu. Não deixe ninguém te dizer como você deve se sentir sobre nada neste ou em qualquer mundo.
- Obrigada.
Eu o abracei por impulso. Senti um grande peso ser arrancado de mim. Talvez por ter uma conversa franca sem ser julgada ou por descobrir que o que sentia era algo que outras pessoas sentiam também. Merda, eu odeio ficar sensível desse jeito.
- Estou com medo.
- Eu sei. Você não precisa lidar com essa merda sozinha.
- Fico feliz que esteja aqui.
- Agora erga essa cabeça. Se alguém encher o seu saco, mande à merda. Se continuar, é só descer o cacete.
- Mesmo quando estiver com um barrigão?
- Aí eu desço o cacete por você.
- Até nas fêmeas?
- Eu uso meu avatar feminino.
- E nos idosos chatos?
- Eu tenho avatares velhos também. Ninguém vai me julgar por bater com uma bengala.
- Zhuniao não vai ficar puto?
- Vai, mas eu me entendo com ele depois.
- Você é um bom amigo. Eu não sei como te agradecer.
- Apenas se cuide. – Ele se afastou e colocou uma mecha atrás da minha orelha. – Você tem a minha palavra que estarei presente quando for parir.
Voltei mais tranquila para o QG. Nos próximos dias, o tigre e o dragão fizeram um workshop de ioga para grávidas na cerejeira e eu e Dagma fomos obrigadas a participar. Os dias foram passando, eu estava irritada e mandava todo mundo à merda. Comecei a grafitar mais que o normal, os muros ficavam praticamente cobertos de grafite a ponto da Miiko reforçar as patrulhas durante à noite, mas claro que ela não conseguia me pegar porque eu grafitava até a prisão.
- Não estou com saco para terapia hoje, Xuanwu.
- Eu sei, apenas estava entediado e queria jogar um jogo, mas não sei qual.
- Eu também não estou com saco para jogos.
- Nem para aqueles antigos para duas pessoas no computador?
- Já jogou Fireboy e Watergirl?
- Nunca tive a oportunidade.
- Use as setas, eu fico com o W, A, S, D.
A gente começou a jogar, mas logo eu parei e me deitei na cama. Xuanwu saiu do quarto e voltou com um chá. Foi difícil beber o chá porque eu estava muito enjoada.
- Melhor?
- Um pouco. Eu não enjoava tanto no começo.
- Deve ser o produto que estão usando para limpar o corredor. O cheiro é um pouco enjoativo.
- Que droga.
- Tem alguma notícia de Leiftan?
- Nenhuma. Ele parou de mandar mensagens e até a Miiko está preocupada. Eu não aguento mais mentir para Dagma que está tudo bem e eles vão voltar em breve.
- Soube que ela voltou à enfermaria.
- É. Não basta Ezarel e Nevra estarem amontoados de problemas, a gravidez está sendo cruel com ela. Acho que vou vê-la.
- Espere um pouco, ainda está enjoada.
- Xuanwu, você disse que teríamos filhos na mesma época. Se algo acontecer com um dos nossos filhos, vai acontecer com o outro também?
- Não vamos pensar nisso. – Ele segurou a minha mão. – Vocês duas não precisam de mais preocupações no momento.
- Você me ajuda com Dagma? Eu não sei mais como tranquilizá-la.
- Claro.
Quando fiquei mais disposta, fomos até a enfermaria. Dagma estava deitada na maca, passando mal como sempre. A pressão dela tinha subido desde que voltamos, Ewelein fazia de tudo para tratá-la, mas sem saber de sua ancestralidade era difícil. Pelo menos o bebê estava bem, em parte pela bênção que Aria tinha dado a ela.
- Como você está? – Perguntei.
- A mesma coisa. Genbu?
- Trouxe um chá para ajudar com a sua pressão. – O deus entregou a xícara a ela.
- É muita gentileza sua. Têm notícias de Ezarel ou de Nevra?
- Leiftan não enviou qualquer nova carta. – Ele falou antes de mim. – Mas não se preocupe. Se algo ruim tivesse acontecido, a informação teria sido espalhada por toda Eldarya.
- Tem razão, mas eu não deixo de me preocupar. Só de pensar em Ezarel sozinho entre tantos que o odeiam me deixa agoniada.
- Quem disse que ele está sozinho?
- Xuanwu tem razão. Nevra, Valkyon, Leiftan e Huang Jia estão com ele. E tem o Edlin também. Eu posso não conhecer bem o Taith, mas ele parece ser confiável e não parece querer o mal do Dobby.
- Soube que encontrou seu pai. Como ele está?
- Você não sabe?!
- Por que eu me importaria em saber? Não sou o maior interessado nessa história, ao contrário de você.
- O que está insinuando?
- Como pretende encontrar as respostas que deseja nesse estado?
- O que ele quer dizer é que você precisa se cuidar. – Me intrometi. – Como é que vamos descobrir mais sobre o seu pai com você vindo para a enfermaria toda hora?
- Tem razão, ficar aqui não vai me ajudar.
- Tomem. – Ele deu a ela algumas folhas de papel e deu outras para mim. – É uma lista de coisas que vocês podem comer, receitas de chás e incensos que podem queimar. Eu não faria a desfeita de faltar às aulas de ioga.
- Obrigada, Xuanwu. – Agradeci sincera. – Vou seguir à risca.
- Eu também. Obrigada, eu acho.
Depois desse dia, Dagma passou a se cuidar mais, a dormir cedo e a focar mais em si mesma. Ela ainda pensava nos namorados, mas pelo menos não ficava mais aflita como antes. Havia muita coisa em jogo e a gente não podia se abater. Uma noite, estava grafitando uma das casas do refúgio, com máscara e óculos de solda. Estava grafitando um Plumobec em neon azul quando senti uma presença atrás de mim.
- Você tem autorização para perambular neste horário?
- Leiftan!
Eu não pude me conter. Tirei os óculos e abaixei a máscara para abraçá-lo e o beijá-lo. Ele me segurou em seus braços como se fosse algo prescioso que não queria soltar. Não sei por quanto tempo nos beijamos e nem me importei, o importante era que ele estava de volta.
- Senti a sua falta.
- Eu também. Cadê os outros?
- Ainda têm assuntos a resolver.
- Mas acabou?
- Sim.
- Deve estar cansado e doido por um banho.
- Você não imagina o quanto.
- Está com fome?
- Um pouco, mas eu não acho que o refeitório esteja aberto.
- Isso lá é problema? Vai tomar um banho e descansar, vou preparar algo para beliscar. Me deixa só mudar de roupa.
- Eu não te mereço, sabia?
- Você sempre diz isso.
Enquanto ele foi deixar as coisas no quarto e tomar banho, coloquei um pijama de camiseta e short e fui para a cozinha fazer a pipoca caramelizada que ele gostava. Nos encontramos no quarto dele e começamos a comer.
- Eu já disse que você é incrível?
- Um milhão de vezes.
- Um milhão e uma agora.
- O que aconteceu enquanto eu estava fora?
- Eu prefiro contar amanhã durante meu relatório. Realmente estou cansado.
- Mas os outros estão bem?
- Sim.
- Então tudo bem, mas eu e Dagma fazemos questão de estarmos presentes.
- Não sei se é uma boa ideia.
- Se for aquele papo que quer me poupar e me proteger, já sabe onde pode enfiar. Eu não preciso que você me poupe e Dagma precisa saber o que está acontecendo. A coitada está sofrendo demais por causa disso. Você não tem ideia do trabalho que foi para tentar fazê-la esquecer um pouco desse assunto.
- Posso imaginar, eu também ficaria aflito caso não tivesse notícias suas.
- Não no nível dela, tenho certeza.
- O que quer dizer?
Contei a ele tudo que tinha acontecido depois que voltamos e sobre o que nós duas estávamos passando. A cara dele era de surpresa.
- Por que você não me contou?! Eu teria vindo antes.
- Justamente para não preocupar vocês. Vocês já estavam penando com a investigação e eu queria que fosse feita direito. O que importa é que finalmente acabou.
- Espero que sim.
Ele deu um beijo no topo da minha cabeça e pousou a mão na minha barriga. Dormi abraçada a ele. No dia seguinte, Leiftan nos contou tudo que sabia sobre a treta sem esconder nenhum detalhe. A gente teve que levar Dagma para a enfermaria porque ela começou a passar mal.
- Eu devia ter ficado lá! Eu sabia que não podia deixá-los, eu sabia!
- Dagma, não pense assim! – Disse Leiftan. – Quando os guardas vieram me prender, eu agradeci aos deuses por Tingsi não estar lá. Imagine como Ezarel estaria com você correndo perigo.
- Leiftan tem razão. – Disse Miiko. – Conhecendo Ezarel como eu conheço, ele iria se culpar por ter deixado você ficar e Nevra não fica atrás.
- É. – Falei. – Pensa nisso: eles estão bem. O Dobby só está triste porque Edlin foi embora, mas está bem.
- Tingsi, é príncipe Edlin.
- Ele não se importa, por que eu devo me importar?
- Por respeito.
- Eu não preciso chamar alguém pelo título para ter respeito.
- Eles devem estar a caminho daqui, já que Leiftan veio antes. – Disse Huang Hua.
- A propósito, Leiftan, precisamos discutir algumas coisas.
- Precisamente.
Miiko foi com Leiftan e Huang Hua para a sala do cristal. Eu fiquei com Dagma na enfermaria por mais algum tempo até que resolvi levá-la às compras junto com Karenn, Alajéa e Colaia.
- Como isso vai me ajudar? – Perguntou a outra humana.
- Yeva e Latifah usavam compras como terapia e todas nós tínhamos que ir. No final, acabávamos nos divertindo.
- Parece mais que você quer enriquecer a Purriry. – Disse Karenn.
- Eu não vejo como isso pode ser divertido. – Disse Colaia.
- É porque você não estava em Lund’ Mulhingar conosco. – Disse Alajéa. – Nós acabamos nos divertindo fazendo compras.
- Eu não estou com muita vontade. – Dagma tornou a dizer.
- Então pense da seguinte forma: a sua barriga vai crescer e você não vai mais conseguir vestir essas roupas. E o bebê quando nascer? Vai ficar pelado? A gente vai enrolar em um lençol na enfermaria?
- Na verdade, isso não importa muito. As roupas para bebês são bem simples.
- E o aparato? Berços, roupas de cama, essas coisas?
- A menos que você seja nobre ou uma princesa, eles são bem simples.
- Saudades do capitalismo. Então vou até a Purriry vender novos desenhos e ganhar dinheiro em cima deles.
- Você vai acabar falindo Eel! – Disse a sereia mais velha.
- A ideia é essa.
Eu tive que sair correndo até a loja da Purriry com esse bando tentando me impedir de falir Eel. Assim que me viu, a Purriry ficou contente.
- Tingsi, ainda bem que você veio! Eu estou com uma coleção nova.
- Então vamos incrementar ainda mais essa coleção porque eu estou cheia de ideias.
- No que você pensou dessa vez?
- Eu estava pesquisando por roupas de grávida e me deparei com umas coisas lindas. Especialmente camisolas. Tem umas lindas que eu até fiz para mim.
- Você sabe costurar?!
- Aprendi e isso é só o começo.
Quando o bando me alcançou era tarde demais. Eu já estava fazendo os esboços para Purriry. Fiz aquelas camisolas de amamentação que só precisa tirar uma espécie de proteção para facilitar, mas de um jeito que evitasse do leite vazar e sem deixar de ser sexy. Fiz sutiãs de amamentação, roupas para bebês, sendo que algumas foram inspiradas nos mascotes. Aí eu tive que fazer pijama de mascote e animais da Terra para crianças e adultos. Acabou que revolucionei os pijamas de Eldarya. Também inventei de fazer roupas de cama para os berços e as crianças.
- Agora eu quero ter um também! – Exclamou Alajéa.
- Calma aí, você e o Sonze mal começaram a namorar. – Disse Karenn.
- Parabéns! – Falei só para dar apoio porque eu não sabia que virou oficial.
- Obrigada.
- Vendo isso fiquei até animada. – Disse Dagma.
- Olha os meus royalties, hein, Purriry.
- Eu não sou caloteira! Por acaso, vocês já pensaram nos nomes?
- Não. – Mandei na cara de pau mesmo.
- Eu estou esperando Ezarel e Nevra retornarem.
- Mas vocês não têm nenhuma ideia?
- Eu até tenho, mas preciso discutir com eles antes.
- Nenhuma.
Eu não estava com saco para isso. A verdade é que fiquei tanto tempo puta lidando com meu próprio corpo, tentando acalmar Dagma e tentando não surtar que nem parei para pensar em nomes ou qualquer coisa. Eu ainda estou incerta com tudo isso e eu só tinha os deuses para conversar. Eu até gosto dos amigos que fiz aqui, mas não consigo parar de pensar nos meus amigos da Terra. Como eles reagiriam? Conhecendo Yuna, ela iria tentar recriar a cena de O Rei Leão na primeira oportunidade. Como Isaiah reagiria? Meu coração deu um pulo ao pensar nele.
- Tingsi, está tudo bem?
- Sim, só estou cansada. Purriry, eu vou deixar algumas coisas encomendadas.
Assim que disse o que queria, voltei para o meu quarto, peguei uma pelúcia e a abracei com toda a força que tinha. Não sei se é por causa dos hormônios da gravidez, resquícios da depressão ou se era apenas saudade, mas comecei a refletir sobre o que Leiftan tinha dito sobre Ezarel estar de luto pelo melhor amigo que era como um irmão para ele. Ao menos ele pôde se despedir, já eu devo ter sido dada como desaparecida e até mesmo morta. Peguei o meu celular e comecei a ouvir Simple Plan, Fall Out Boy, Evanescence, Linkin Park e Skillet, as bandas que nós dois mais ouvíamos.
- Tingsi, o que houve? – Leiftan tinha entrado no quarto. – O que aconteceu?!
Eu só o abracei. Leiftan retribuiu e esperou que eu me acalmasse.
- Alguém te prejudicou?
- Não. Você vai achar idiota, até porque é assunto antigo.
- Você ainda tem saudades da Terra?
- Tenho. Eu sei que vocês estão fazendo de tudo por minha causa, mas eu não consigo evitar, a saudade é grande demais. Eu sei que pode parecer egoísta, mas é como se tivesse um buraco tão fundo que nem uma montanha conseguiria tapar.
- Tingsi, quando você me disse que é o tipo de pessoa que só seria feliz na Terra, eu já sabia em que tipo de relacionamento estava me envolvendo. Eu não acho egoísta, ainda mais depois de ver o quanto a partida do príncipe Edlin afetou Ezarel.
- Você não está chateado?
- Um pouco, mas eu sei que Eldarya não é e nunca será o seu lar, você deixou isso bem claro. – Ele começou a acariciar o meu rosto. – Eu não gosto de te ver assim, mas fico feliz que desabafe comigo sobre o que está sentindo.
- Eu não te mereço, sabia?
- É o contrário.
- Você vive me colocando em um pedestal que não existe.
- Você quem se subestima. Você não tem ideia do quanto mudou a minha vida.
Aquilo realmente me tocava. Ele era tão fofo. Leiftan beijou minha testa e segurou minhas mãos. Mesmo naquele momento carinhoso, notei que ele estava apreensivo.
- Leif, aconteceu alguma coisa?
- Eu vim me despedir. Preciso ficar fora do QG por alguns dias para uma missão e partirei ainda hoje.
- Mas você acabou de voltar!
- Eu sei. Promete que vai se cuidar enquanto eu estiver fora? Pelo menos até a volta de Valkyon ou Huang Jia?
- Você me conhece. Quando volta?
- O mais rápido possível, eu prometo.
Queria que ele ficasse mais tempo, mas sabia que ele tinha que ir. Passei a noite vendo filme com os mascotes. Teve uma hora que enjoei e fui caminhar. Precisava de um tempo sozinha. A lua estava linda essa noite, Leiftan teria adorado. Eu não conseguia tirar os olhos dela, refletindo sobre tudo que tinha acontecido e como Valkyon e Huang Jia estariam, além da partida de Leiftan. Foi então que senti que havia mais alguém ali. Apertei Zidian contra os meus dedos.
- Não precisa usar sua arma espiritual, não sou seu inimigo.
- Você.
Era o mesmo estranho do templo fenghuang. Ele ainda estava de capuz e não fez qualquer menção em tirá-lo.
- Você é o estranho do clã Chang’E. O que quer aqui?
- Apenas saber como você está.
- Acredito.
- É sério, me preocupo com você.
- Ah ta, senta lá Claudia. 23 anos da minha vida e nunca vieram me procurar e de repente tenho até um clã. Se foi o meu pai que te mandou aqui, pode mandá-lo se foder porque eu estou cagando para ele, para você e pro seu clã.
- As coisas não são tão simples assim. Seu pai nunca quis te deixar.
- Mas deixou.
- Você nasceu em um momento de extrema instabilidade política.
- Mas isso passa, né?
- É complicado. Eu sei que o seu pai errou, mas ele se arrepende de cada segundo que esteve longe de você.
- Eu não.
- Em todo caso, eu não vim aqui para falar sobre ele, mas sobre você. Os seus poderes têm aumentado cada vez mais desde que chegou a Eldarya e agora que está grávida, precisa tomar cuidado.
- A mesma ladainha de sempre. Eu já sei, não precisa se preocupar.
- Não, você não entendeu! A nossa raça está ligada ao espírito, por isso somos sensitivos. Quando nos tornamos pais, a nossa intuição se desenvolve a níveis que não podem ser compreendidos. Mentiras e ilusões não nos afetam, tanto que podemos ver através delas, através de qualquer máscara. Por isso que ganhamos uma caixa quando nascemos, para nos ajudar com os nossos poderes.
- E você quer me ajudar com isso.
- Exatamente.
- Dispenso.
- Tingsi, por favor, reflita. Você pode desvendar segredos e quebrar ilusões como aconteceu na floresta. São habilidades muito cobiçadas e muito temidas. Se souberem que seus poderes aumentaram, você arrumará ainda mais inimigos, principalmente aqui. Isso não só vai te colocar em perigo como o seu filho e seus namorados também.
Droga, ele tinha razão! Por mais que eu não queira saber sobre o meu pai, eu não posso deixar Valkyon, Leiftan e a Jia em perigo. Ainda mais com Ashkore e o daemon à solta.
- Com uma condição.
- Farei o possível.
- Dagma está sofrendo com a gravidez. Todos acham que é preocupação por conta de Ezarel e Nevra, mas eu acho que tem algo a mais nessa história e ninguém quer nos contar. Na verdade, eu nem sei se eles sabem o que estão fazendo, já que Ewelein dá uma poção fortificante diferente cada vez que ela vai para a enfermaria.
- Será complicado, então peço paciência.
- Você não é de um clã que fabrica remédios ou algo assim? Deve saber o que fazer.
- Eu te peço dez dias. Farei de tudo para ajudar sua amiga.
- Ótimo.
- Preciso ir.
Ele se afastou e foi embora. Três dias depois os chefes da guarda chegaram. Não pensei duas vezes antes de me atirar nos braços de Valkyon. Ele me abraçou como se não nos víssemos a anos. Novamente fomos escutar o relatório. Dessa vez, Dagma fez questão de estar presente e nem Jamon iria nos segurar. Ao final do relatório, ela abraçou os dois. Os três ficaram abraçados por um tempo até que Dagma passasse mal e fosse levada à enfermaria. Embora estivessem preocupados, eles tinham que voltar para falar com a Miiko. Após deixar Dagma, eu fiquei sentada nas escadas que davam à sala do cristal.
- Você estava nos esperando até agora?! – Nevra perguntou e eu assenti. – E Dagma?
- Deixei com Ewelein. Valkyon, eu preciso falar com você.
- Podemos conversar mais tarde? Eu acabei de chegar e tenho muita coisa para fazer.
- Agora.
Ele apenas respirou fundo e fomos para o seu quarto. Abri sua mochila com o intuito de ajudá-lo a guardar suas coisas, mas ele me impediu.
- Tingsi, você se importaria em ser breve?
- O estranho voltou a aparecer.
- Quando?! – Ele ficou surpreso.
- Há três dias.
- Leiftan sabe?
- Ele saiu em missão no mesmo dia que chegou.
Contei a ele todos os detalhes do meu encontro com o estranho, tudo que tinha acontecido desde que voltamos e minhas suspeitas. Ele me ouviu pacientemente, embora tivesse momentos que eu sentia que ele queria falar alguma coisa.
- Você acredita nele? Que pode estar em perigo?
- Bem, se souberem que vocês têm um detector de mentiras ambulante, vão começar a me colocar em todos os interrogatórios. O que ele falou faz sentido, ainda mais com suspeitas de traidores na guarda.
- Tem razão, eu não tinha pensado nisso. Taith virou um alvo por esse mesmo motivo, eu não quero que o mesmo aconteça com você.
- Eu não tenho problema com isso, o meu problema é se forem atrás de você, do Leiftan, da Jia ou até desse bebê.
- Acha que ousariam ir tão longe?
- Eu não duvido.
Valkyon ficou em silêncio por algum tempo. Era muito para absorver. Eu o abracei e recostei a cabeça em seu peito.
- Também estou preocupada com Dagma. – Mudei de assunto. – Ewelein já fez tudo quanto foi exame, mas não encontrou nada. Eu sei que ela está escondendo alguma coisa, eu sinto isso, mesmo que insista no contrário.
- Vou falar com Ezarel e Nevra.
- Seja cuidadoso, é um assunto delicado. Vou desfazer sua mochila para você.
- Não precisa.
- Mas eu quero te adiantar.
- Deixa que eu faço isso. Vai descansar.
Ele beijou a minha testa antes de sairmos do quarto.
===Ezarel===
Valkyon tinha nos reunido no rochedo da praia dizendo que era urgente. Assim que ele começou a falar, meu sangue gelou.
- Você tem certeza?! – Nevra perguntou.
- São apenas suspeitas, mas Tingsi parece ter muita certeza. Eu também não gosto de saber que Dagma esteve na enfermaria quase todos os dias.
- Vou falar com Ewelein. – Foi tudo que consegui pronunciar.
Não me lembro do caminho que fiz até o QG, tudo que me importava era encontrar Ewelein. Quase fui xingado de novo ao aparecer na enfermaria. As colegas dela achavam que eu era um sedutor ou algo do tipo, mas eu não me importava.
- Ez, o que houve? – Perguntou minha amada. – Você está pálido.
- Eu estou procurando Ewelein. Acho que não estou muito bem.
- O que você tem?
- Acho que só estou fatigado da viagem.
- Quer que eu prepare uma poção para relaxar?
- Eu gostaria de falar com Ewelein antes. Tem algumas coisas que gostaria de discutir com ela. Precisa que te leve até o seu quarto?
- Não, eu estou bem. Alastor tem me acompanhado por todo lado e às vezes ele serve de apoio.
Assim que Ewelein terminou de atender um paciente, pedi para irmos ao laboratório de alquimia. Era normal que fôssemos para lá juntos, afinal, eu era o chefe dela.
- Ewe, seja sincera comigo. Eu quero a verdade sobre os exames de Dagma.
- Do que está falando?
- Soube que ela veio parar na enfermaria quase todos os dias. Se é algo grave, eu preciso saber.
Ela hesitou por um momento, refletindo se deveria me dizer.
- Eu não vou mentir, a situação é complicada. Em todos esses anos eu nunca vi um caso como esse. Ela só não está pior por causa da bênção da mãe dela e porque Tingsi está bem.
- Como assim?
- É como se o corpo dela rejeitasse o bebê, mas não o expulsasse. Parece que há algo em conflito entre o sangue dela e o do bebê, mas eu não sei explicar. Não podemos fazer uma transfusão porque o sangue dela não é compatível com nenhum de nós.
Tive que me sentar ao ouvir aquilo. Dagma e o bebê estavam sofrendo e eu não podia fazer nada! Pedi para Ewelein mandar chamar Valkyon e Nevra, assim eu teria tempo de me recompor. Nevra foi o primeiro a chegar. Ele me encontrou em um estado lastimável. Eu o abracei e chorei em seu ombro enquanto ele acariciava o meu cabelo. Me amaldiçoei por ter recusado a proposta de Taerin em nos acompanhar até o QG. Mais do que nunca eu queria que ele estivesse aqui. Quando Valkyon chegou, eu já estava melhor e pude contar a eles o que Ewelein me disse. Nevra ficou mais pálido do que eu.
- Ez, me diz que isso é uma brincadeira! Por favor, isso tem que ser uma piada de mal gosto!
- Lamento, Nev, mas não é.
- Tingsi se encontrou com aquele estranho de novo. – Valkyon disse.
- Valkyon, a mulher que eu amo está sofrendo e você falando desse estranho?! – Nevra estava bravo.
- Eu não acabei. – Ele parecia estar procurando as palavras certas. – Tingsi aceitou conversar com ele contanto que ajudasse Dagma.
- Ele é do clã Chang’E, não? – Perguntei. – Ouvi Ulfhildr dizer que a medicina deles é a melhor que há.
- Ele concordou em ajudar?!
- Ele pediu 10 dias, já se passaram três.
- Dez dias?!
- Sinto muito, é tudo que eu sei. Só podemos esperar que ele tenha uma solução.
Teríamos que voltar aos nossos afazeres, mas eu não iria conseguir me concentrar depois dos últimos eventos. Falei com Nevra que iria ficar com Dagma, quem sabe assim me acalmaria. Eu a encontrei em seu quarto com Alastor de guarda e Valentine ao seu lado na cama. Ela se levantou e me arrastou até a cama.
- Dag, eu estou bem.
- Mas não parece! Você está pior do que antes!
- Não é nada, não se preocupe. – Acariciei sua mão. – Eu só estou cansado da viagem e não durmo direito desde que Edlin nos deixou.
Eu a puxei para os meus braços, beijei sua testa e pus a mão em sua barriga. Eu queria protegê-la, mas estava falhando miseravelmente. Seu destino estava agora nas mãos de um estranho que eu sequer conhecia. Tudo que eu podia fazer era diminuir suas preocupações.
- Você me prometeu que contaria sobre sua vida antiga.
- Eu sei. Lembra quando me perguntou se eu queria ser alquimista? – Ela assentiu. – Eu gosto de alquimia, mas nunca quis ser alquimista. Como sou filho único, eu fui obrigado a me tornar o terceiro alquimista real e arcar com toda a responsabilidade.
- Sinto muito. Você queria ser músico? Você toca bem a flauta de pã.
- Não, eu queria ser astrônomo. Eu sempre gostei de astronomia, era a única aula que eu não fugia além da alquimia, mas era porque foram meus pais que me ensinaram. Quando éramos mais novos, Edlin e eu sonhávamos em sair do castelo e viajar mundo colecionando aventuras e eu mapearia todas as constelações de Eldarya. Como éramos tolos.
- Eu não acho tolice. Era a sua paixão. E quem nunca quis viajar com o melhor amigo?
- Edlin é mais do que meu melhor amigo, ele é meu irmão. Nós crescemos juntos e Taerin acabou se tornando uma espécie de irmão mais velho degenerado para mim, já que ele e Niena são gêmeos e ele precisava de alguém para passar sua péssima influência. – Esses dias parecem tão distantes agora.
- É por isso que você ficou triste quando ele te tratou com frieza?
- Sim, mas não o culpe. Você sabe da história em que ajudei uma humana. Inicialmente eu estava sozinho, mas Edlin logo descobriu e essa história ficou maior do que poderíamos prever. Até Taerin ficou sabendo e ele nos aconselhou a apagar as memórias dela e abandoná-la no território dos humanos ou largá-la na porta de uma casa longe dali. Devíamos ter ouvido ele.
- Ao invés disso, vocês a levaram de volta.
- Sim. Fomos traídos e alguém contou. Todos fomos condenados à forca, menos o Edlin por ser um príncipe. A realeza iria encobri-lo, ele teria um castigo mais leve, mas ele não concordava. Meus pais usaram de sua influência para conseguir me tirar da forca, mas Edlin foi além. Ele mesmo cortou a corda quando abriram o alçapão e revelou que também estava no plano. Se era para me enforcar, deveriam enforcá-lo também. A minha ordem de soltura chegou pouco depois, mas o estrago estava feito.
Dagma apertou minha mão que estava em sua barriga. Estava fria, gelada, diferente do calor que ela sempre exalava. Beijei o topo de sua cabeça.
- Fomos severamente castigados em isolamento, mas quando boatos de que éramos amantes começaram a se espalhar, ele quase foi rebaixado a um civil. Eu mal saía da torre de alquimia por vergonha, até que um dia, os parentes dos meus companheiros mortos tentaram me matar.
- E você fugiu e veio parar aqui.
- Uma coisa que eu não contei é que eu fui sequestrado enquanto escapava deles. Eu tinha conseguido me esconder e no caminho de volta para a torre de alquimia, senti uma mão tapar a minha boca e o cheiro de uma droga alucinógena. Quando voltei a mim, Taerin estava à minha frente. Ele me tirou do reino e disse para nunca mais voltar porque agora eu era seu inimigo. Aquilo me machucou mais do que as pedras que atiraram em mim.
- Ez, eu sinto muito por tudo que aconteceu.
- Eu também. Ele podia estar magoado comigo, mas nunca quis o meu mal. Tudo que ele fez foi para me proteger e agora eu entendo isso. Lamento por não ter te contado, não é fácil falar sobre isso.
- Tudo bem. Fico feliz que tenha me contado. – Ela sorriu. – Também fico feliz que vocês se reconciliaram e que essa história finalmente acabou.
- Eu também. E você, como está?
- Cansada, mas feliz por finalmente terem voltado. Precisa de ajuda no laboratório?
- Não vou mexer nele hoje, mas tenho que organizar algumas coisas para a Absinto. Eu posso fazer isso depois.
Fiquei com ela até Nevra aparecer. Trocamos um rápido olhar e concordamos sem dizer nada que Dagma não deveria ficar sozinha.
Chapter 57: Capítulo 57
Chapter Text
===Valkyon===
Os dias foram passando e nós tivemos que nos organizar para que Dagma não ficasse sozinha. Ela parecia estar um pouco melhor, mas sua palidez ainda nos preocupava. Eu também não deixava Tingsi sozinha. Podia não parecer, mas ela estava apavorada. Um dia ela acordou choramingando porque sonhou que tinha virado uma bola.
- É normal que mulheres tenham alterações de humor durante a gravidez. – Disse Qinglong quando estávamos fora do QG no caminho para a ilha. – Espere até ela começar a fazer xixi 70 vezes por dia.
- Por favor, me diz que você está brincando.
- Quem me dera. Converse com Ewelein sobre isso, ela irá te explicar melhor. Você já contou a ela?
- Sobre o que?
- A sua raça.
Minha garganta ficou seca. Olhei para ele para ter certeza de que estava falando sério. Não havia qualquer traço de brincadeira em seu rosto.
- Ela não precisa saber.
- Valkyon, você precisa contar para ela.
- Eu não contei nem para os meus amigos mais íntimos, por que eu deveria...?
- Porque esse filho pode ser seu. Você já imaginou o que vai acontecer se por acaso esse bebê nascer com com aparência draconiana? E como você pretende lidar quando as asas crescerem e essa criança começar a voar?
- Eu não sei.
- Você precisa contar a ela.
- Você não entende, Qinglong! Ela vai ficar brava se descobrir que estou mentindo para ela mais uma vez.
- Você tem bons motivos para isso. Ela vai entender.
- E se não entender? E se ela contar para mais alguém?! Se descobrirem que eu sou um.... – As palavras morreram em minha garganta.
- Me entristece que você não conheça sua namorada tão bem quanto pensa. – Ele soltou um suspiro. – Os poderes dela estão crescendo, uma hora ela vai perceber sua mentira, isso se ela não descobrir assim que essa criança nascer. O meu conselho é que você conte a ela. Se ela souber por você será muito melhor do que descobrir sozinha.
- E se ela me detestar?
- Por que ela o detestaria?
- Estou mentido para ela de novo.
- Precisa inventar uma desculpa melhor do que essa se quiser me convencer.
- Qinglong, você não entende!
- Então me explique.
- Como os últimos dragões, você sabe que não devemos nos revelar a ninguém. Os dragões foram extintos, se souberem que....
- Entendo o seu medo, mas ocultar essa informação da mulher que ama vai trazer consequências ainda mais desastrosas. Leiftan e Huang Jia não precisam estar a par, mas Tingsi precisa saber. Ou você acha que vai esconder a identidade dessa criança de todos no QG sozinho? Mas pense em tudo que eu te disse. É melhor que você conte a ela ao invés de descobrir na primeira baforada.
- Agradeço seu conselho, irei pensar.
Ele me deu muito para refletir. Eu devia contar a ela? E depois, ela me odiaria? Guardaria meu segredo? Eu não sei o que pensar. Felizmente Leiftan voltou, me forçando a deixar esses pensamentos de lado. Pedi para conversarmos a sós e contei a ele as últimas notícias.
- Vocês não têm notícia desse estranho até agora?
- Nada. Como foi a missão?
- Revelarei os detalhes depois, eu precisava mesmo falar com você.
- Sobre o que?
- Eu estive pensando em transferirmos Tingsi e Dagma para o segundo andar. Os quartos são maiores, mais arejados e possuem seu próprio banheiro. Além de serem mais seguros.
- Mas são para membros importantes da guarda e o segundo andar está em reforma.
- Sim, mas não na parte dos quartos. Os quartos do térreo são pequenos demais para um bebê, ainda mais se levarmos em consideração a quantidade de mascotes que Tingsi possui.
- É verdade. Talvez seja melhor colocarmos Huang Jia também, assim elas terão uma médica por perto sem precisar recorrer à enfermaria.
- É uma boa ideia. Também preciso organizar nossos horários para cuidarmos do.... Você sabe.
- Compreendo.
- Também é bom mantermos essa informação sobre os poderes dela entre nós. Se ela quiser contar à Huang Jia, isso é com ela, mas devemos manter os poderes dela em sigilo.
- Concordo. Leiftan, você já parou para pensar qual de nós é o pai dessa criança? – A palavra pai ainda era estranha a mim.
- Um pouco, por quê?
- Nada, só curiosidade.
- Independente de quem seja, nós juramos que iríamos ajudar a cuidar. Se preocupa que eu não cumpra com minha palavra?
- De jeito nenhum, eu só.... Fico imaginando que características deve herdar da gente. – Ele arregalou os olhos.
- Ah, sobre isso. Confesso que não pensei muito sobre o assunto. Pensando bem, vamos torcer para não herdar o gênio de Tingsi.
- Verdade, isso seria mais danoso que um terremoto.
Só de imaginar um bebê dragão cuspindo fogo e com a cabeça tão dura quanto a da mãe voando pelo QG eu tenho calafrios.
===Tingsi===
Quanto mais os dias iam passando, mais ansiosa e frustrada eu ficava. Ainda não tinha nenhuma resposta e Dagma ficava cada dia mais desconfiada.
- Tingsi, o que está acontecendo? Vocês estão escondendo alguma coisa.
- Então, eu não posso te contar agora.
- Por quê?
- Vi que a sua gravidez está bem complicada e eu não quero que você se estresse e pare na enfermaria. Assim que você melhorar um pouco, eu te conto, até lá, é melhor se cuidar.
- Tingsi, se é algo que eu preciso saber, precisa me contar.
- Já falei, é complicado e não posso falar. Mas pode ficar tranquila porque os rapazes estão bem e não precisa se preocupar com eles.
- Tem certeza?
- Absoluta. Eu não acredito!
Não dei tempo de Dagma processar, pois corri até Huang Jia, a abracei, a beijei e fiquei rodando com ela até o beijo acabar.
- Você é sempre tão energética assim ou só sentiu a minha falta?
- As duas coisas. O que você faz aqui?
- Eu vim morar com vocês e ajudar a guarda de Eel. Aquilo é um Black Dog?!
- É o Alastor, ele é o da Dagma. Tem três aqui: ele, Dagon e Raum, que é o meu.
- Três?!
- É uma longa história. – Disse Dagma rindo da expressão da amiga.
- Dagma, você está pálida! – Ela se soltou de mim e foi vê-la.
- Você acha?
- Eu tenho certeza. Se importa se eu examiná-la?
- A Ewelein já fez.
- Ficarei mais tranquila se eu mesma fizer.
Rapidamente, ela a levou para a enfermaria. Decidi meditar um pouco enquanto estavam na enfermaria. Fui atrás delas algum tempo depois. Dagma foi descansar no quarto e Jia precisava se apresentar, então me ofereci para levá-la à sala do cristal.
- Jia, o que há com Dagma?
- É só estresse, só isso.
- Você mente muito mal. – Ela nem disfarçava. – Eu já sei que tem algo mais nessa história do que realmente parece, só não estou enchendo o saco da Ewelein para Dagma não se preocupar ainda mais.
- Não é algo simples de explicar e devemos tomar todas as precauções necessárias. Detesto mentir para ela, mas temo que se ela souber será pior. Por isso eu te peço para que não conte a ela, pelo menos por enquanto.
Ela foi se apresentar para Miiko. Huang Hua ficou muito feliz e foi abraçar a irmã. Miiko me pediu para falar com Kero e verificar as acomodações para Jia.
- Certamente preciso conversar com os chefes da guarda, mas irei verificá-las mesmo assim. – Ele disse gentilmente.
- Você pode descansar no meu quarto enquanto isso. – Ofereci.
- Gentileza sua, mas eu não estou cansada. Eu posso ajudar Ewelein na enfermaria.
- Por falar neles, eles se enfurnaram no segundo andar até agora. Você sabe o que eles foram fazer lá?
Antes que Kero pudesse nos explicar, ouvimos um barulho. Fomos os três ver o que era e ao chegarmos no segundo andar, tudo estava uma bagunça. Havia materiais de alquimia, móveis, tecidos e meus mascotes segurando ferramentas. Plum estava nas costas de Cryn com um espanador, o Cryslam corria o máximo que podia e Nevra estava atrás deles.
- Mas que zona é essa?!
- Tingsi, O que está fazendo aqui? Não era para você ter subido! Huang Jia?!
- Ouvimos um barulho e viemos ver se estava tudo bem. – Ela disse.
- Tirando aquele Plumobec ladrão de espanadores, está tudo bem.
- O que vocês estão fazendo? – Perguntei.
- Trabalhando nos novos alojamentos. – Disse Kero. – Por isso que estão aqui em cima.
- Sim! – Disse Nevra rapidamente. – Huang Jia, nós queríamos sua opinião sobre algumas coisas.
- Vocês precisam de ajuda? – Perguntei.
- Não, está tudo sob controle.
- Nevra, onde você está?! – Escutei a voz de Ezarel. – O armário está caíndo!
- Já estou indo, Ez! Tingsi, você poderia por favor ver como Dagma está? Eu até iria, mas estou ocupado.
- SOCORRO!
Valkyon saiu correndo de dentro de um dos quartos com um martelo. Achei melhor deixá-los trabalhando e ver como estava Dagma. À noite saí para um passeio noturno e mandei à merda todo mundo que veio encher o meu saco. Valkyon sabia que eu ia ver se o estranho tinha respostas, por isso ele não me impedia de passear sozinha. Para o meu alívio, ele apareceu na cerejeira.
- No fim nem precisou dos 10 dias.
- É uma questão bastante delicada. Preciso examinar sua amiga antes de prosseguir, poderia trazê-la até mim? Tenho receio de chamar atenção se entrar.
- Vê lá o que vai fazer.
- Não se preocupe, eu apenas quero ajudar.
Ir até o quarto de Dagma e chamá-la não foi difícil, difícil foi convencer Ezarel e Nevra a não nos seguir. Nós fomos até a cerejeira onde o estranho nos aguardava. Ele respirou fundo, fez algumas perguntas e colocou a mão sobre sua barriga. Uma aura estranha começou a emanar dele, então fui até o limiar para ver. Havia um brilho prateado em seu entorno, sua luz era fraca, mas parecia casar com o céu noturno. Já Dagma tinha uma aura dourada e brilhante, mas o que me impressionou foi a mão sobre sua barriga. Vamos dizer que tinha uma aura de natureza por lá que harmonizava com os brilhos. Quando terminou, eu voltei ao mundo material.
- Evite entrar no limiar durante a gravidez, não vai te fazer bem. – Ele parecia preocupado.
- Quem é ele?
- Um pau mandado do corno que resolveu ser meu pai. – Por algum momento tive a impressão de que ele se engasgou com alguma coisa. – Então, o que há?
- Serei sincero: o pai do seu filho é um vampiro.
- Como você sabe disso?! – Ela perguntou tão incrédula quanto eu.
- Ossos do ofício. O que eu posso dizer é que seu corpo não sabe se aceita ou se rejeita a criança. O sangue do seu bebê está em conflito por ser híbrido e também por sua causa. A bênção de uma ninfa que você tem é o que está impedindo que sucumba.
- Você quer dizer que...! – Ela começou a ficar pálida.
- Isso é mais comum do que parece e facilmente tratável. Apenas preciso preparar o remédio com suas especificações, então te peço paciência.
- Ewelein me deu vários remédios diferentes, o que garante que o seu vá funcionar?
- Para começar, eu conheço sua raça. Para tratar este problema, é preciso ingredientes específicos que só eles possuem. Não é difícil.
- Quando fica pronto? – Perguntei.
- Não é uma poção de difícil preparo, posso terminá-la em dois dias. No entanto, há assuntos políticos que preciso resolver.
- Que assuntos? – Perguntou minha amiga.
- A responsabilidade de lidar com este problema é do Clã Sól, não do Chang’E, mas vocês devem saber que ele foi penalizado com reclusão. Seu pai me incubiu de achar uma solução.
- Claro, duvido que ele mesmo levante a bunda da cadeira. – Novamente pareceu estar engasgado.
- Mas Tingsi, você sequer conhece o seu pai.
- E nem quero conhecer.
- Vamos parar de falar dele. – Pediu o estranho. – Repouse o máximo que puder, ande sempre pela sombra e faça o mínimo esforço até tudo se resolver. Infelizmente preciso partir.
- Obrigada. – Ela agradeceu. – Você tem um nome?
- Podem me chamar de Lun.
Ele foi embora e voltamos para dentro. Dagma contou a Ezarel e Nevra o que tinha acabado de acontecer. Vi o rosto de Nevra se iluminar quando dissemos que o filho era dele e o de Ezarel ficar aliviado quando dissemos que era tratável. O problema é que ainda tinha muitas perguntas sem resposta, mas isso vai ficar para depois. Estou morrendo de sono e Dagma precisa descansar. Voltei para o meu quarto e para os braços de Huang Jia. Ela vai ficar comigo até os rapazes terminarem o quarto dela no segundo andar.
No dia seguinte, os rapazes iriam subir de novo, mas eles também tinham muitas tarefas. Sugeri que seria melhor nomearem um segundo chefe, mesmo que fosse provisório. Assim, eles não ficariam sobrecarregados e não negligenciariam suas funções, pois os segundos em comando iriam às reuniões e cuidariam da guarda enquanto eles estivessem fora.
No final da tarde, Dagma, Huang Jia e eu fomos chamadas ao segundo andar. Os mascotes nos acompanharam alegremente. Gronk até carregou Dagma para que ela não subisse as escadas. Até os Black Dogs estavam conosco.
- Por que nos chamaram aqui? – Perguntou Dagma.
- Nós estivemos pensando e decidimos transferir vocês para o segundo andar. – Disse Valkyon. – Os quartos são maiores e possuem seu próprio banheiro. Aqui ficavam os quartos da guarda reluzente, dos guardiões que tinham família e convidados ilustres. Acreditamos que atenderão às suas necessidades.
- Parece ótimo, muito obrigada!
- Só esqueceram que nós duas vamos subir e descer esse caralho de escada com um puta barrigão.
- Desculpe, eu tinha esquecido.
- Não se preocupe, nós podemos usar Gronk de carregador e Magnitude pode nos ajudar quando crescer. Agradeço demais por terem pensado na gente.
- Podemos ver os quartos?
O quarto realmente era bem maior que o meu e tinha vista para o penhasco e o oceano. O meu tinha paredes em tom lavanda e o teto era estrelado, como o do Leiftan, pois eu amava o design do quarto dele. A janela ocupava quase toda a parede e havia um sofa em toda a sua extensão como no meu. O que chamou a minha atenção foram as prateleiras com várias pedras, lugares para pendurar minhas armas e uma lareira que parecia uma fornalha como a que tinha no quarto de Valkyon. Ele sabe que eu amo pedra e cristal, só que eu era pobre para ficar comprando.
Eles fizeram uma fonte para os mascotes como tinha no meu quarto, mantiveram o meu cantinho de vestir em frente à cama, dessa vez com uma penteadeira e um armário maior, e criaram um cantinho para leitura perto da porta com um sofa menor. A cama ficava perto da janela e do sofa e ela era grande o suficiente para quatro pessoas. Perto dela havia um berço de madeira com um colchãozinho. Eu não pude me conter e abracei os meus namorados.
- Obrigada. – Eu não conseguia parar de agradecer.
- Fico feliz que tenha gostado. – Dissse Leiftan.
- Realmente é impressionante. – Disse Dagma. – Estou ansiosa para ver o meu.
Fomos ver o dela. As paredes eram de um amarelo claro e teto lembrava um dia ensolarado. A cama era do mesmo tamanho da minha e o berço era o mesmo também. Encostado na janela havia um sofa como o meu, mas no chão havia grama e uma pequena árvore, além de pequenas flores. Também mantiveram o canto de vestir e o canto de leitura, a diferença é que tinha uma bancada para alquimia. Vasos de planta estavam pendurados pelo quarto e havia frascos e ingredientes de alquimia nas prateleiras. Também tinha alguns enfeites de borboleta nas paredes e nos móveis.
- É lindo!
- Sabíamos que iria gostar. – Disse Nevra. – É mais a sua cara.
- Obrigada. A todos vocês.
- Pelo tamanho das camas, vocês vão mudar de quarto e ficar com a gente, não? – Perguntei.
- Infelizmente não. – Explicou Leiftan. – Como líderes da guarda e braço direito da Miiko, é mais prático estarmos no primeiro andar.
- E eu preciso de um local tranquilo para trabalhar. – Disse Huang Jia. – Posso ficar acordada por noites e não quero te atrapalhar. Mas ficarei perto de vocês neste mesmo andar.
- Mas faremos o possível para não deixá-las sozinhas. – Tornou a dizer Nevra.
- Por isso estou organizando nossos horários. – Tornou a dizer Leiftan.
- Huang Jia, você mencionou que vai ficar neste andar. – Lembrou Dagma. – Isso quer dizer que você tem um quarto?
- Agora eu quero ver. – Falei.
Dagma e eu corremos para ver o quarto da Jia. Basicamente tinha uma mesa de centro com algumas almofadas, um canto que parecia ser um escritório por causa de um monte uma parede só de estantes, bancadas de alquimia, um canto de vestir perto da enorme janela, sofa chinês antigo debaixo da janela, uma cama chinesa que parecia um sofa rente à parede e com dossel parecendo uma carruagem e prateleiras com várias coisas que não identifiquei, um jogo de chá e algumas plantas. Também não faltava era planta lá, seja viva ou seca.
- Tem certeza de que isso não é uma extensão da enfermaria? – Perguntou Dagma à amiga.
- É porque vocês nunca entraram no quarto da Ewelein. – Disse Ezarel.
- Então, suponho que vão nos ajudar na mudança. – Falei. – Até porque a gente está proibida de carregar peso e tenho muita coisa para trazer.
- Agora?
- Não, quando a gente estiver parindo.
- Me juntarei a vocês depois. – Disse Huang Jia. – Tenho que terminar de desfazer minhas malas.
- E a gente tem que ver se as encomendas da Purriry estão prontas. – Lembrou Dagma.
- Verdade! Nevra, você que é rápido vai lá ver.
- Hei, vocês estão abusando!
- E você quer que duas grávidas fiquem subindo e descendo escada carregando um monte de peso? Só a minha guan dao pesa 7 quilos.
- E eu acho que vocês vão gostar do que encomendamos.
- Se for lingerie, eu topo. – Pela cara dos outros, eles iam bater no vampiro.
- Tem algumas, ainda mais que eu revolucionei os pijamas de Eldarya.
- É por isso que tinha gente se matando na loja da Purriry quando chegamos?! – Perguntou Valkyon.
- Sim. Eu vendo desenhos para ela e ganho uma comissão pelas roupas.
- Você vai acabar falindo esse QG!
- Dessa vez vai valer à pena.
- Irei com Nevra. – Disse Leiftan enciumado.
Dagma e eu descemos e começamos a arrumar nossas coisas. A gente não ia terminar nem metade da mudança hoje, mas eu tive a ideia de levarmos coisas que não iríamos usar tão cedo, como nossas armas. Os meus mascotes vieram nos ajudar e logo Alastor, Dagon, Valentine, Amaya, Floppy, Shaitan e Taenmil também se juntaram à nós.
Pandy colocou minha caixa de joias em Shaneera e Aracne usou sua cola para amarrá-la. Ele a acompanhou enquanto subiam as escadas. Snowyn os acompanhou com várias pulseiras e colares em seus chifres. Griffin, Cryn e Plum ficaram encarregados das pelúcias. Gronk teve que rolar Fleur escada acima e Dala serviu de transporte para os mascotes menores. Os Black Dogs e Shaitan ajudavam com os baús enquanto Magnitude, Taenmil e Valentine pegavam algumas roupas para levá-las. Já Crownin se encarregava de impedir que Amaya destruísse qualquer coisa.
- Por hoje é só, cambada! – Chamei a atenção de todos. – Amanhã tem mais.
- Vocês viram a Floppy? – Perguntou Valkyon.
- Acho que ela subiu com alguns mascotes. – Disse Dagma. – Já estou vendo o trabalho que teremos amanhã.
- Eles terão, você vai ficar de repouso. Lembra o que o estranho disse? Aliás, o que você está fazendo em pé?!
- Eu estou bem, sério. Não acha que Nevra e Leiftan estão demorando?
- Muito.
- Chegamos! – Anunciou Nevra carregando várias caixas lacradas.
- Vocês demoraram!
- Estava difícil entrar na loja da Purriry. – Disse Leiftan.
- Claro, com o tanto de coisa que vocês pediram. Compraram a loja inteira por acaso?
- Isso? Podem levar para cima. Amanhã a gente abre.
- Não podemos...? – Dagma iria perguntar.
- Não, deixa para amanhã. Estou cansada e você precisa repousar.
Ezarel concordou comigo e acompanhou Dagma até o quarto dela. Leiftan, Valkyon e Nevra subiram e eu fui tomar um banho e me deitar. Parte dos mascotes iria dormir no novo quarto.
===Leiftan===
Voltei para o meu quarto após um dia exaustivo. Infelizmente eu não dormiria com minha amada naquele dia. Preciso agradecer a Kero por assumir meu papel enquanto trabalhava no novo quarto de Tingsi. Assim que abri a porta do quarto, me deparei com Xuanwu sentado na minha cadeira.
- Isso são horas de aparecer?!
- Depende da circunstância. Para uma consulta, talvez esteja um pouco tarde. Para uma conversa entre dois bons conhecidos, receio que não esteja tão tarde assim.
- Você veio me consultar ou apenas conversar?
- Apenas vim fazer uma pergunta.
- Qual seria?
- Quando pretende contar para Tingsi sobre sua natureza? – Meu sangue gelou.
- Com todo respeito, mas isso não é da sua conta.
- Eu sei, mas irei dar um pequeno conselho: é melhor você contar antes que ela descubra da pior forma. E não existe forma menos pior de descobrir.
- E você sugere que eu adentre em seu quarto e diga “eu sou o daemon que você procura e que quer corromper o cristal”?
- Sim.
- Isso é ridículo.
- Não se explicar os seus motivos.
- Ela vai me odiar e me entregar para Miiko.
- Às vezes me pergunto se a conhece bem o suficiente.
- Eu a conheço e ela não perdoa com facilidade.
- Se este filho for seu, como pretende se livrar dele?
- O que disse?!
- O que você acabou de ouvir.
Ele realmente estava falando sério?! Me livrar do meu próprio filho?! Como ele pode sugerir tamanha atrocidade de forma tão casual? Meu sangue borbulhou, não pude impedir que minha verdadeira forma se manifestasse.
- Xuanwu, entenda uma coisa: eu NÃO machuco crianças, ainda mais a minha.
- E quanto ao seu sócio?
- Jamais eu pediria algo assim, principalmente a ele!
- Então como pretende lidar quando as asas aparecerem?
- Eu não sei, mas eu não vou me livrar do meu filho! – Ele sorriu satisfeito com minha resposta, me deixando confuso.
- Fico contente em saber que tem consciência, mas espero sinceramente que cumpra com o que está dizendo.
- Você estava me testando?!
- E quando não estou? – Ele deu um pequeno riso casual, mas sua expressão imediatamente ficou séria. – Leiftan, espero que entenda que mesmo que Valkyon possa ser o pai, uma hora Tingsi irá descobrir a verdade e você sabe disso. Pode adiar o quanto quiser, mas sabe que não pode impedir. Sabe melhor que ninguém que é apenas questão de tempo e o seu está acabando, por isso, aceite o meu conselho e conte a ela.
- Irei refletir sobre o que me disse.
Ele apenas suspirou e saiu. Escondi minha verdadeira forma e me joguei na cama. Amaya se deitou ao meu lado. Ao que parece, irei passar a noite em claro, refletindo por um bom tempo.
===Tingsi===
Passamos boa parte do dia seguinte terminando a mudança. Quer dizer, nossos namorados passaram, eu arrastei Dagma para comprar xampu e sabonete. Agora que temos um banheiro, eu não preciso mais ficar levando xampu e condicionador para o banheiro comunitário e muito menos usar o sabonete de lá se eu esquecer o meu.
Eu até poderia fabricar o meu, mas tenho que evitar mexer com alquimia por causa da gravidez, ainda mais que aqui não tem luva de látex, então para tirar alguns ingredientes da mão é uma merda. Eu podia pedir para a Jia, mas mal a coitada entrou no refeitório e já tinha um monte de puxa saco tentando descolar uma consulta. Eu também preciso de uma desculpa para distrair Dagma e evitar que ela ajude na mudança. E o meu xampu acabou.
- Oi meninas, o que vão querer? – Perguntou Purroy.
- Tingsi fez questão de vir para comprar sabonete.
- Claro, do que você quer?
- Tem algum de glicerina? Eu estou precisando. E de produtos para cabelo também.
- O que é glicerina?
Lá fui eu pegar o celular para ver o que era essa merda. Acabou que uma coisa levou a outra, o Purroy se empolgou e logo estava copiando receitas e fabricando cosméticos naturais, perfumes, velas, sabão em pó e aromatizadores de ambiente. Levei o que tinha mesmo, pois ele ainda precisava acertar as receitas e testá-las em algumas cobaias. Também chamamos Purreru para falar sobre xampu para mascotes. Se tudo der certo, vou ganhar comissão que nem fiz com a vaselina. Puta merda, me tornei o que mais temia: uma dondoca mimada e empreendedora.
Voltamos para terminar de empacotar as coisas, levar para cima e organizar. Os mascotes ajudaram bastante, tanto que terminamos rápido. Só faltavam as caixas da Purriry. Decidimos abrir no quarto da Dagma, assim ela se deitaria um pouco e veríamos o que era de quem. Na primeira tiramos algumas camisolas fofas e pijamas, mas na segunda ela ergueu uma mantinha com bordado de Kiampu.
- Olha que coisa mais fofa. – Ela disse com um enorme sorriso ao mostrar.
- É para o bebê? – Perguntou Nevra. – Lembro que a Karenn quando nasceu usou algo diferente. Esse desenho está muito bonitinho.
- Concordo. – Disse Ezarel. – É bem delicado e fofo para um bebê.
- Não é mesmo?
- Obrigada. – Agradeci. – Eu que desenhei e pedi para a Purriry fazer.
- Você que...?!
- Seu talento me impressiona a cada dia. – Disse Leiftan.
- Vocês têm que ver os outros. Tingsi fez até roupas para o berço.
- Tem mais? – Perguntou Valkyon.
- Agora fiquei curiosa. – Disse Huang Jia.
Dagma estava tão feliz curtindo aquele momento que me contagiou. A gente começou a tirar as coisas da caixa. Era roupa de berço, cobertor, saco de dormir, toalha, sapato e principalmente roupas, tanto com estampas de mascotes como de bichos da Terra. Inicialmente só eu ficaria com as de bichos, mas quando viram o quão fofas as estampas podiam ser, Dagma quis também e Purriry queria vender. Os rapazes estavam emocionados e participando de cada momento, enquanto Huang Jia surtava com cada estampa bonitinha que aparecia. Eu peguei uma roupinha com estampa de Zarali com nuvem colorida das mesmas cores da crina. Aproveitei e fiz um cropped de mangas ¾ com a mesma estampa.
- É tão fofa! Me dá vontade de ter um.
- Aproveita que você também se relaciona com dois gatos.
- Mal estamos preparados para um e você já quer outro?! – Perguntou Valkyon.
- Eu não, Huang Jia. Por mim podem doar meu útero depois que parir. Vocês gostaram?
- Eu não sei o que dizer, é tudo tão bonito.
- Estou sem palavras. – Disse Leiftan. – Nunca achei que fosse ficar tão animado com um enxoval de bebê.
- Espere até ver os pijamas de mascote. Fiz para recém-nascido e para bebê.
- Até nisso você pensou?
- Acho que deve estar na outra caixa. – Disse Dagma apontando para uma das caixas.
Fomos abrindo as caixas até encontrarmos. Dei para Dagma os pijamas de corpo inteiro com direito a capuz em formato de Alfeli e Black Gallytrot. Já eu peguei o de Musarosa e Panalulu.
- Assim vocês vão me matar! – Exclamou Nevra. – Está muito lindo!
- Tem um de Valuret também e Tingsi pegou um de Braukwin.
- Eu fiz de vários mascotes até para versão adulto. O pessoal deve estar se estapeando na loja da Purriry até agora.
- Você vai deixar essa Purreko rica, isso sim. – Disse Ezarel.
- E o Purroy também, se tudo der certo.
- O que o Purroy tem a ver com essa história?
- Então, ele e Purreru está com projetos para cosméticos e vão precisar de algumas cobaias. Já mostrei os desenhos que fiz para bebês grandes? Quando descobrirmos o sexo, vamos comprar mais.
Mostrei fotos dos desenhos que tinha feito. Eles ficaram babando de doidos por cada peça. Os dias foram passando e Leiftan pôs em prática o plano de não me deixar sozinha. Ele, Valkyon e Jia se revezavam para dormir comigo, às vezes ele e Valkyon dormiam comigo na mesma noite. Até sugeri para os reluzentes deixarem algumas roupas no meu quarto quando fosse assim.
Dagma voltou a ter recaídas. Ela ficou na enfermaria boa parte da manhã com Ewelein e Huang Jia. Ezarel não saía do lado dela. Eu estava falando com Purral sobre algum remédio quando quatro figuras distintas se destacaram na multidão. Todas estavam encapuzadas, mas consegui reconhecer as capas, pelo menos o tecido delas, sendo duas vermelhas e duas azuis.
O primeiro era alto e usava capa vermelha com broches de um arco e flecha em forma de pássaro, tinha a pele amarelada, cabelos médios rosa choque e usava roupas alaranjadas de um nobre. O segundo também tinha capa vermelha com broches de mico leão dourado, sua pele era avermelhada e ele carregava uma valise de couro. O terceiro era uma mulher com um belíssimo e nobre vestido azul petróleo com bordados prateados de vitórias-régias bem espaçados e capa azul com broches de vitória-régia, sua pele também era avermelhada e seus cabelos negros como a noite. Já o quarto também era alto e tinha pele amarelada, mas o que chamou a minha atenção foi a capa azul com broches de coelho. Ele tinha o cabelo médio cor de menta.
Todo mundo se perguntava quem eram eles. Eu me aproximei por impulso por causa das capas. Assim que me viram, o que tinha capa com broches de mico leão dourado tirou o capuz e revelou ser Kauan. Não pude evitar uma exclamação de alegria e me jogar em cima dele.
- Eu pensei que você estava encrencado!
- Eu estou, mas me pediram para vir porque....
- Kauan, a gente pode conversar depois. – Disse a mulher tirando o capuz, fiquei perplexa quando vi que era Taynara.
- Taynara! – Eu também a abracei. – Parece que faz séculos que não nos vemos!
- Realmente, vocês passaram por tanta coisa em tão pouco tempo.
- Nossa, é você mesma! – Disse o outro de capa azul. – Não acredito que enfim nos conhecemos.
- Pode nos levar à enfermaria? – Taynara interveio. – Não é bom conversarmos aqui.
- Lady Taynara tem razão. – Disse o outro de capa vermelha. – Aqui não é o melhor lugar para conversarmos.
Eu os levei à enfermaria. Dagma estava na maca, Ewelein dava outra poção fortificante enquanto Huang Jia tentava descobrir o que ela tinha. Ezarel e Nevra estavam do lado da namorada. Eles ficaram surpresos ao verem a comitiva.
- O que fazem aqui?! Eu pensei que você tinha...! – Ezarel não conseguiu terminar.
- Eu ainda estou de castigo. – Disse Kauan. – Mas Lorde Taiguara me concedeu permissão de vir para ajudar a cuidar de Dagma.
- Acreditamos que um rosto conhecido seja mais tranquilizador. – Disse Taynara.
- Só um minuto, quem são vocês? – Perguntou Ewelein.
- Eu sou Taynara, herdeira do Clã Jaci. Esté é o meu namorado, Kauan do Clã Guaraci. Eu vim acompanhar meu namorado para ter certeza de que está tudo bem e que ele cumpra seu dever como porta-voz do Clã Sól. Enquanto estes são Lorde Perihelion do Clã Houyi e Lorde Aphelion do Clã Chang’E. Eles são os responsáveis por esta empreitada.
Os dois lordes tiraram os caupuzes, revelando que ambos tinham traços asiáticos. Perihelion tinha o cabelo rosa choque comprido. Eu achava que era médio, mas era porque o elástico que o prendia estava no meio das costas. Seus olhos eram magenta. Já Aphelion realmente tinha o cabelo médio cor de menta até os ombros e seus olhos eram lilases como os meus.
- E por que não mandaram ninguém do clã Sól? – Nevra estava desconfiado. – Ou do clã Máni?
- Porque Taith está de castigo e Ulfhildr está ocupado com o seu próprio castigo e com a adaptação do príncipe Edlin. – Respondeu Taynara. – Lorde Lunariel queria enviar outros e ajudar o seu irmão juramentado, mas por questões internas, não puderam vir.
- Por isso, meu irmão e eu entramos em contato com o Clã Houyi. Por serem nossos irmãos juramentados, eles poderiam nos ajudar. Afinal, eu não posso deixar minha sobrinha passar perrengue. – Ele me abraçou como um daqueles personagens babões de anime.
- Eu tenho um tio?!
- Claro que tem! Eu não me apresentei. Aphelion, eu sou o meio-irmão do seu pai, mas pode me chamar de Tio Phel. – Disse com um sorriso genuíno. – Olhe só para você! Está tão crescida!
- Lorde Aphelion, por favor, comporte-se. – Pediu o outro homem.
- Ora, Peri, você não pode me culpar por querer conhecer a minha sobrinha!
- Já falei para parar de me chamar assim! E você está aqui apenas para prestar assistência médica.
- Chato. – Ele mostrou a língua.
- Você é um dos lordes do Clã Chang’E! Comporte-se como tal!
- Senhores, isto é uma enfermaria. – Lembrou Ewelein. – Se continuarem tumultuando, pedirei que se retirem.
- Lamento pelo comportamento de meu irmão juramentado.
- Espere, vocês têm a solução para a doença de Dagma? – Perguntou Ezarel.
- Não é uma doença, mas uma condição. – Disse Aphelion. – Precisamos de espaço para trabalhar, se importa, Peri?
- Não me chame assim!
- Talvez seja melhor um dos namorados ficar.
- Se precisarem de mim, estarei nos jardins. – Disse Taynara e eu a segui.
===Dagma===
Ficaram apenas na enfermaria Ewelein, Huang Jia, Kauan e Aphelion. Ezarel decidiu que iria ficar comigo enquanto Nevra trabalhava. Kauan tirou alguns frascos de uma valise de couro. Uns tinham um líquido que lembrava sangue de tão vermelhos que eram e outros tinham um líquido roxo. Lorde Aphelion me deu um sorriso tranquilizador enquanto ficava ao meu lado e de frente para Ezarel.
- Você vai precisar tomar um frasco desses todos os dias de manhã. – Kauan mostrou um que continha o líquido vermelho. – E um desses assim que anoitecer. – Ele mostrou o que tinha o roxo. – Começando agora.
- Não.
- Dagma, você precisa....
- Só se me derem as respostas que preciso.
- Contanto que não me comprometa, está bem.
- Por isso não pergunte o que nós somos exatamente. – Pediu lorde Aphelion.
- Por que isso está acontecendo, afinal?
- É porque a nossa raça está atrelada ao sol e recebe influência dele. – Kauan explicou. – Já os vampiros pertencem à da noite, tanto suas habilidades aumentam depois que o sol se põe.
- Isso gera uma espécie de conflito no sangue dos híbridos e até mesmo com as mães. – Explicou lorde Aphelion. – Mas não se preocupe, esses remédios são justamente para harmonizar o sangue do bebê. Se você tomá-los corretamente durante a gravidez, seu filho não terá problemas no futuro.
- Isso já aconteceu antes? Pelo que me disseram é bem comum.
- Claro. Quando eu e Taynara nos casarmos e resolvermos ter um filho, isso pode acontecer com ela também, embora ela tenha uma chance muito menor, já que a raça dela lida melhor com esse lance de parto. Por isso não precisa se preocupar.
- Como está o meu pai?
- Preocupado com você. Ele queria vir te entregar pessoalmente, mas Lorde Lunariel e Lorde Taiguara tiveram que acalmá-lo. Eles estão com o seu pai para impedir que não tome decisões precipitadas. O Clã Sól já sofreu demais.
- Por isso que você está como embaixador dele.
- Sim e Lorde Perihelion veio para me fiscalizar. Vai ficar tudo bem, contanto que tome os remédios.
- Aqui. – Lorde Aphelion me deu um papel com a receita. – Você vai tomar por uma semana e depois no primeiro dia de cada mês até o bebê nascer. Certifique-se de se alimentar bem, descansar bastante, não dormir muito tarde, fazer 15 minutos de caminhada ao sol em horário ameno, não pegar peso e ficar longe da sala de alquimia.
- Basicamente todas as recomendações anteriores. – Disse Ez.
- Sim e vocês tratem de lembrá-la dos remédios. O que acha de tomar um agora?
Acabei tomando o remédio vermelho. O frasco era pequeno, dava para pôr no bolso. O gosto era amargo e picante, a minha garganta começou a arder a ponto de não conseguir manter a boca fechada. Lorde Aphelion me deu água purificada para acabar com a ardência. Apesar da experiência terrível, eu estava me sentindo bem melhor.
- Você pode beber água purificada depois de beber. Não se preocupe, o outro é melhor.
- Ficou até mais corada. – Disse Kauan.
- Do que são feitos esses remédios? – Perguntou Ezarel.
- Um bom farmacêutico nunca revela suas receitas. Não precisam mais de mim, vou procurar a minha sobrinha.
- Não tão rápido. Depois que Ulfhildr e Taith foram embora, Lund’Mulhingar mergulhou em um caos.
- As vítimas foram atingidas pelo Chicote das Ilusões ou postas para dormir por algum tipo de ilusão?
- Sim, as duas coisas.
- É simples. Poções calmantes e exercícios leves antes de dormir, evitar álcool até que os pesadelos terminem, evitar qualquer tipo de estresse antes de dormir, beber chás calmantes, nada diferente para combater pesadelos e insônia.
- Mas os efeitos que vi foram devastadores. Não creio que seja o suficiente.
- Quanto às pessoas que foram afetadas por uma ilusão, não é preocupante. Agora, aqueles que foram atingidos pelo Chicote das Ilusões irão demorar um pouco mais de tempo para se recuperar porque o chicote atingiu seus espíritos. Por sorte, Lorde Ulfhildr evitou ao máximo prejudicá-los ou o resultado seria catastrófico. Eu sugiro que além da rotina noturna, façam meditação e criem uma rotina espiritual.
Vi o rosto de Ezarel perder a cor. Ewelein e Huang Jia, que davam atenção a outros assuntos da enfermaria, pareceram ficar tensas. Eles podem atacar a alma?! Lorde Aphelion saiu, nos deixando à sós com Kauan, que sorria.
- Sim, eles podem atacar espíritos. Tanto que se aparecer um fantasma, Tingsi vai ser a única que pode cair na porrada com ele.
- Você lê mentes?!
- Está estampado na sua cara. A raça deles é mais ligada ao espírito enquanto a nossa é mais ligada ao físico. Tente me bater com isso. – Ele pegou uma bandeja de metal da enfermaria.
- Não acho que é uma boa ideia.
- Tudo bem, eu sou bem resistente. Pode bater.
Kauan insistiu tanto que Ezarel pegou a bandeja mais pesada que encontrou e bateu na cabeça dele. A bandeja entortou e deixou o formato da cabeça do Kauan. Todos que estavam na enfermaria naquele momento ficaram surpresos.
- Viu? Eu disse que era resistente.
- Você entortou a bandeja!
- Como eu disse, a nossa raça tem grande resistência física e eu treinei desde cedo para competir em arenas. Não é qualquer coisa que consegue me derrubar.
- Como está Edlin? – Ezarel resolveu mudar de assunto, mesmo estando atordoado.
- Não sei. Taith foi condenado ao isolamento e eu só tive permissão para sair do Clã Guaraci agora, eu não pude me encontrar com ele. Taynara deve saber, os herdeiros têm passe livre para transitar pelas dependências dos clãs. Provavelmente ela ou Lady Jacira deve ter visitado Ulfhildr.
- Quer ir falar com ela? – Perguntei.
- Você vai ficar bem?
- Não se preocupe, eu estou bem melhor. Kauan pode me fazer companhia.
- Cuide bem dela ou então....
- Eu já tenho namorada e das bravas. Se eu fizer besteira, ela será a primeira a arrancar o meu couro.
===Ezarel===
Fui para os jardins procurar Taynara. Não foi difícil encontrá-la, pois seu vestido de nenúfares chamava atenção. Ela estava com a feiosa e lorde Aphelion.
- Desculpe interromper, mas eu poderia falar com lady....
- Nem vem! Você nunca me chamou de lady e não é agora que vai começar.
- Taynara. Eu queria falar com você.
- Claro, vamos dar espaço para eles, certo Ting’er?
- Nem vem, tio Phil do Paraguai! Nunca veio me procurar e nem quero saber.
- Que cruel! A gente não podia na época, eu sinto muito.
- Sempre a mesma desculpa.
- Eles não puderam porque deu uma treta que quase acabou em guerra civil. – Disse Taynara sem paciência.
- Lady Taynara, eu peço que....
- Deixar a garota no escuro não adianta porra nenhuma.
- Guerra civil?! – Tingsi e eu estávamos pasmos.
- Eu lembro que era criança na época e todos os clãs tiveram que se meter.
- Não vamos falar sobre isso, teríamos que explicar muito de nossa política.
- Mas podia ter me dito! Eu não sabia que aquele corno estava lidando com uma guerra.
- Seu pai nunca quis te deixar, mas com a situação que estava e como líder do Clã Chang’E, precisávamos dele mais do que nunca. Eu lamento não poder te contar, mas saiba que ele nunca deixou de procurar por você.
- Vamos deixá-los a sós.
Taynara e eu fomos até a cerejeira. Ela se sentou debaixo da árvore sem se preocupar com a grama em seu vestido.
- Como está Edlin?
- Não muito bem. – Não pude evitar ficar preocupado. – Taith foi castigado com o isolamento, ele não pode falar com ninguém, até os seus colegas de trabalho foram instruídos a não falar com ele a menos que sejam questões de trabalho. Por isso, Edlin não pode morar com ele até que o castigo acabe, ele está hospedado temporariamente na casa de Lorde Lunariel.
- Isso é terrível! Depois de tudo que ele passou, ele....
Não consegui terminar. Edlin verdadeiramente ama esse rapaz, até deixou tudo por causa dele e ainda assim não poder ficar com ele é cruel demais. Ver a pessoa que ama todos os dias e não poder falar com ela, não consigo imaginar como ele deve estar se sentindo. Ainda mais estando longe de casa sem nenhum amigo por perto.
- Pelo menos a sentença é de um mês, eles vão sobreviver. Fora isso, eu diria que ele está bem. Em partes.
- O que quer dizer?
- Taith é querido por muita gente, mas ele tem dois melhores amigos que são como irmãos: Luara e Ulfhildr. Luara é gentil e carinhosa, ela é uma das únicas pessoas que consegue lidar com Ulfhildr. Já Ulfhildr, bem, você já o conhece. Ele não é uma pessoa ruim, mas tem um temperamento difícil.
- Mesmo? Nem deu para perceber. – Fui irônico.
- Ele é bem competitivo e adora lutar. Ele resolveu testar o seu amigo com a espada um dia desses. Posso dizer que o coitado foge dos treinos com ele como eldaryanos fogem de um Black Dog.
- Não me surpreendo. A gente fazia a mesma coisa com o mestre de armas, isso quando não era com Garret. Ele nos pendurava pelos tornozelos depois que nos encontrava.
- Em geral, ele tem se adaptado bem. Da última vez que estive lá, Ulf o fez copiar várias vezes as nossas leis. Pelo menos ele conseguiu ficar sozinho na biblioteca com Taith.
- Não duvido que Edlin possa tê-lo provocado para conseguir isso.
- Acredite em mim, se tivesse, os dois jamais se encontrariam pelo resto do mês, isso se mantivesse a pena de um mês. – Engoli em seco.
- Vocês são amigos há muito tempo?
- Do Taith sim, nos conhecemos há muito tempo. Já Ulfhildr, bem, os herdeiros têm passe livre para transitar pelos clãs para socializar. Eles precisam aprender a conviver uns com os outros e Ulf é noivo da minha irmã. Então a gente se dá bem, mas não somos próximos. Por falar nisso, você também vai ter que aprender a conviver com ele.
- Por que eu faria isso?!
- Porque ele vai se tornar o líder do clã em que seu amigo está e porque ele é irmão juramentado da sua namorada.
- Como assim?
- Os clãs Sól e Máni são opostos, isso quer dizer que sempre que um precisar, o outro tem a obrigação de ajudar, por isso eles precisam se dar bem. São como dois irmãos que brigam, mas que fariam de tudo um pelo outro. Todos os descendentes do Clã Sól são irmãos juramentados do Clã Máni e vice-versa. Da mesma forma que os clãs Jaci e Guaraci e Chang’E e Houyi.
- Se é assim o que o clã Máni fez pela Dagma? Pelo que eu saiba, o clã Sól....
- Quem você acha que esteve ao lado de Lorde Solariel durante seu julgamento? Quando os servos do Clã Sól não podiam sair de seus muros nem para comprar comida, quem você acha que fazia isso? Quem você acha assombrou a fortaleza para dificultar as investigações dos templários e impedi-los de descobrir a vila das ninfas? E tudo isso na iminência de uma guerra civil? O Clã Máni não tem obrigação de cuidar dos membros dos outros, mas a amizade de seus líderes foi decisiva.
Eu não tinha palavras. Eu não sei de toda a história ou como as coisas funcionam por lá. Se for verdade, há muito mais coisa por trás dessa história do que eu posso imaginar, mas que não podem me contar. Eles têm seus motivos e eu não faço ideia de quais sejam. Pelo menos, lorde Lunariel não parece ser cruel e Ulfhildr nos ajudou e correu riscos por conta do Taith.
- Não posso prometer nada, mas vou tentar caso nos encontremos de novo.
- Tentar não é o suficiente, mas é um começo. Se você ofender o Clã Máni, você também ofende o Clã Sól e vice-versa. Significa que se você ofender Ulfhildr, você ofende Dagma também. Se você ofende Dagma, você também ofende Ulfhildr e ele não é alguém que sustenta a diplomacia por muito tempo.
Prendi a respiração. Só me faltava essa agora. Eu me apaixono por uma garota e ganho um monte de agregados de brinde. Isso vai dar uma dor de cabeça, espero que pelo menos Taith esteja com ele se nos encontrarmos novamente.
- Quer mandar algum recado para o seu amigo? Eu posso entregar a ele na próxima vez que for visitar o Clã Máni.
- Você faria isso?
- Só seja breve, devemos partir logo.
Corri para o laboratório buscar papel e uma pena. Escrevi uma carta para Edlin e a entreguei à Taynara. Os quatro foram embora algum tempo depois. Dagma estava muito bem, nem parecia que esteve na enfermaria nos últimos dias.
- Como está? – Nevra perguntou.
- Muito melhor. Kauan e Lorde Perihelion me contaram um pouco mais sobre o meu pai. Ele está bem, está fazendo o possível para limpar o nome do clã. Ele parece ser bem legal, espero conhecê-lo um dia.
- Eu não sei se é uma boa ideia. Vai que ele queira arrancar o meu couro por ter engravidado a filhinha dele. Eu ouvi dizer que Kauan entortou uma bandeja de metal com a cabeça, o que custaria ele me quebrar ao meio? Eu sou lindo demais para acabar assim.
- Deixa de exagero, Nevra. O máximo que pode te acontecer é ser atirado em uma arena e lutar até a morte.
- Oh não! Além de morrer jovem vou morrer fedido e suado!
- E imundo vestindo farrapos, não se esqueça disso. – Impliquei. – Vou fazer questão que seu caixão fique aberto para todo mundo te ver.
- NÃÃÃÃÃOOO! – Não pude evitar gargalhar. – Você está rindo do que, Ez?! Ele pode te atirar na arena também!
- Não porque o pai da Dagma é irmão juramentado de lorde Lunariel. Eu posso muito bem fugir para o clã Máni e duvido que Edlin vai deixar com que me entreguem.
- Seu sortudo!
- Dagma, não está na hora de tomar o seu remédio?
Ela abriu o frasco roxo e o tomou. Dagma começou a se sentir sonolenta e Nevra teve que segurá-la antes que desmaiasse no chão. Peguei a receita e vi que o frasco roxo causava sonolência, por isso era recomendado que ela fosse se deitar algum tempo depois de tomá-lo, mas se tivesse uma noite mal dormida, ela teria que tomá-lo na cama. Nós a levamos até seu quarto e a colocamos no sofa. Enquanto Nevra desfazia a cama, eu escolhia uma camisola. Ainda bem que Tingsi a convenceu de comprar essas camisolas que parecem uma blusa gigante. Eu a troquei e nós a colocamos na cama. Imediatamente Alastor veio e se deitou nas pernas dela. Pelo menos sabemos que ela vai conseguir dormir essa noite.
- Nevra, pode ficar com ela? Preciso escrever para Taerin.
- Mas vocês se separaram há pouco tempo.
- Eu sei, mas eu descobri como combater os pesadelos. Você não vai gostar.
Fui buscar papel e pena. Enquanto escrevia na escrivaninha de Dagma, eu contei a ele sobre o que aconteceu na enfermaria. O vampiro empalideceu. Enviei a carta por um Lapy. Naquela noite, nós dois dormimos ao lado de Dagma. Eu fui mais esperto e peguei o lado livre, já Nevra teve que brigar com Alastor por espaço.
Chapter 58: Capítulo 58
Chapter Text
===Tingsi===
Naquela mesma noite fui procurar pelo Lun. Comecei a refletir sobre o que Taynara disse. De acordo com ela, a nossa raça não tem muitos problemas relacionados à gravidez e aborto a menos que envolvam raças influenciadas pelo sol ou condições muito específicas. Como a porra do oráculo resolveu cruzar nossos destinos, se algo acontecesse com o da Dagma, aconteceria com o meu também e que além da bênção da mãe dela, eu também tinha minha cota para impedir o pior.
O tio Phil falsificado me contou um pouco mais sobre a quase guerra civil. Começou com problemas na sucessão de um dos clãs, só que isso aumentou de tal forma que envolveu todos os outros e foram anos para resolver.
- E por que não vieram atrás de mim assim que essa merda acabou?!
- O sangue faerie é diferente dos humanos e você deve estar familiarizada com a burocracia da adoção e o serviço social. Sequestro não é uma opção.
- Nem para aparecer nos meus 18 anos?!
- Não sabíamos como iria reagir. Eu queria vir, mas o seu pai estava morrendo de medo que piorasse as coisas. Eu entendo que está brava com ele, mas precisa ficar brava com o seu tio Phel também? – Ele fez biquinho.
Apesar de detestar meu pai, não consegui ficar brava com ele. Muitas coisas rondam a minha mente como essa quase guerra civil. Eu sei que não tenho nada a ver com isso e que não é meu problema, mas fico tentada a descobrir. E como eles conseguem transitar entre a Terra e Eldarya com facilidade? Porque para pegar os meus pertences e deixar na porta do meu quarto mesmo eu estando há pouco tempo aqui, eles devem ter algum mecanismo. Isso também me faz pensar em como sabiam que eu estava aqui. Será que tem um espião entre nós? Já não bastava Ashkore e seus lacaios.
- Perdida em pensamentos?
- Até que enfim você apareceu. Vamos logo com isso.
- Por que você é tão arisca comigo? Já te disse que não sou seu inimigo.
- Mas também não é confiável. Para começar, por que não mostra o seu rosto?
- Me sinto mais confortável assim.
Ele me ensinou a como concentrar energia espiritual e expandir a sensitividade para identificar as pessoas ao meu redor, seria ótimo para identificar perigo. Também me ensinou a como usar isso para proteger o bebê, como criar talismãs, como acompanhar o progresso e a saúde do bebê e até mesmo descobrir o sexo. Minha intuição era treinada também. Não sei como é possível, talvez por termos uma intuição muito forte. Contei aos meus namorados, Ezarel, Nevra e Dagma sobre meus encontros com Lun e o meu progresso. Todos ficavam pálidos e logo tratavam de disfarçar, mas Valkyon e Leiftan eram os que mais chamavam a minha atenção.
- E você consegue fazer tudo isso com sua energia espiritual?! – Perguntou Jia curiosa.
- Não é uma doideira? Até o sexo dá para descobrir. Vocês fenghuangs também não veem aura e essas paradas?
- Sim, mas bem menos do que você. Em todos os meus anos de medicina nunca vi algo como isso. Acredito que nem meus ancestrais testemunharam tal proeza, quanto mais serem capazes de realizar.
- Você pode ver o sexo dos nossos bebês? – Dagma perguntou.
- Ainda não, estou treinando para isso. Vamos ao mais importante: você melhorou muito desde a visita do Kauan e da Taynara.
- Sim, os remédios têm me feito muito bem. Embora o roxo me dê muito sono.
- Mas você não tem muito com o que se preocupar. – Disse Valkyon. – Ezarel e Nevra não a deixam sozinha quando vai tomar seus remédios.
- Verdade. Se dependesse do Ezarel, eu não estaria mais trabalhando no laboratório de alquimia.
- Claro, tem muitos reagentes perigosos lá. – Disse o Dobby. – Por isso que reduzi seus trabalhos e não te deixo fazer poções que sejam muito complexas ou perigosas.
- Ainda bem que você não faz parte da Sombra. – Disse Nevra. – Eu não ia te deixar chegar nem perto de uma missão.
- Surprendentemente, Tingsi não tem pegado em armas ou cismado em lutar. – Tornou a dizer Valkyon. – Mas continua depredando o QG.
- Valk, eu sou artista, não soldado. Às vezes bate a vontade de voltar aos treinos e usar armas, mas é só pegar uma tinta que a vontade passa. Eu não abro mão dos meus grafites.
Apesar de não ser recomendado, eu fui ao mundo espiritual falar com os deuses sobre isso e também para visitá-los e jogar majong com todos, coisa que era muito difícil no mundo material. Sério, eles inventaram um workshop para grávidas e obrigaram a mim, Dagma e nossos namorados a participar. Ver os líderes da guarda trocando fralda de um saco de areia foi a coisa mais engraçada e trágica que eu já vi. Eu preciso relatar como foi isso.
Logo no primeiro dia, os deuses nos arrastaram para o que deveria ser uma sala de reunião que está em obras desde 1800 e guaraná com rolha. Tinha uma mesa enorme com fraldas de pano porque descartável só na Terra, talco, uma tina no chão e uns sacos de areia com rosto desenhado de canetinha.
- Deixa eu ver se entendi. – Começou Nevra. – Vocês querem que a gente troque fralda desses sacos de areia?
- Bebês. – Disse Zhuniao. – A partir de hoje serão seus filhos, então tratem como tal.
- Não é menos vergonhoso usarmos as bonecas das meninas do refúgio? – Perguntou Ezarel.
- Se você espetar uma boneca de pano, nada acontecerá. No entanto, se espetar um desses sacos, ele rasgará, assim como se espetar a pele de um bebê, sangue jorrará. – Explicou Xuanwu, mas ninguém entendeu porra nenhuma.
- Seguinte: cada rasgo nesses sacos é um corte que vocês fizeram nos seus filhos. – Resumiu Baihu. – Então tentem não matar os sacos.
Fomos seguindo as instruções. Dagma, Jia e eu fomos cuidadosas, mesmo sem qualquer prática, achei que não fui tão ruim. Embora Valkyon seja o primeiro a cumprir ordens, ele tinha alguma dificuldade e furou o saco várias vezes, já o resto foi uma tragédia atrás da outra.
- Leiftan, eu pensei que você ficasse de babá! – Reclamou o vampiro.
- Às vezes, mas só com crianças mais crescidas. Nunca fui babá de um bebê.
- Dá para ver, furou o bebê quase inteiro. – Disse o tigre. – Ezarel, como você conseguiu rasgar essa porra ao meio?!
- Foi um acidente!
- Acidente?! Olha as tripas do boneco do lado de fora!
- Desculpe!
- Vamos tentar algo mais fácil. – Disse Xuanwu. – Talvez o banho.
As meninas seguiam as instruções direitinho, o Valkyon não teve dificuldade na hora de segurar e o Leiftan se virava muito bem, mas Ezarel e Nevra, eu não deixaria nem meus mascotes nas mãos deles.
- Nevra, preste atenção! – Exclamou o tigre. – Está de cabeça para baixo!
- Está? – Ele ergueu o saco de forma brusca para ver.
- Você ta matando a criança!
Valkyon foi ajudá-lo, mas largou o saco dele na água. Eu não pude perder a oportunidade de zoar com ele.
- Valkyon, você matou o nosso filho! – Comecei a choramingar.
- Eu não....
- Não tire o olho do bebê por um segundo. – Aconselhou o pássaro apontando para a tina.
Cada tentativa de assassinato, eu choramingava e botava pilha. Só que a Dagma começava a ficar pilhada e botava mais pilha. A Jia, coitada, estava tentando ajudar os rapazes. Qinglong tinha que se esforçar para não rir, Xuanwu tinha um sorriso discreto, já Zhuniao me olhava com reprovação.
- Tingsi, pare de sacanagem. – Pediu o tigre. – Eles já estão nervosos e você não precisa botar pilha neles.
- Agora percebem por que essas aulas são tão importantes. – Disse Xuanwu.
- Acho que sacos de sacos de areia não são o treinamento e o estímulo adequado. – Disse Zhuniao. – Eu tenho uma ideia melhor.
De um saco, ele tirou alguns bebês reborn ultrarrealistas e deu para cada um segurar. Todos ficaram com a cara no chão, até eu. Eu não esperava que ele usasse esses bebês bizarros.
- Eles são de verdade?! – Perguntou Valkyon.
- Parece, mas não são. É uma cosinha da Terra chamada bebê reborn. – Ele explicou. – Eles apenas parecem de verdade, têm o mesmo peso de um bebê de verdade, são moles como um bebê de verdade, mas são apenas bonecos.
- Isso é tão estranho. – Disse Huang Jia. – Por que tem coisas assim na Terra?
- Algumas pessoas colecionam esse tipo de coisa. – Expliquei, deixando todo mundo surpreso com aquela bizarrice.
- Acho que eu prefiro o saco de areia. – Disse Ezarel.
Com o tempo eles conseguiram pegar o jeito. Os deuses também tiveram que ensinar a todos os futuros pais do QG e embora eles possam fazer mais de um avatar circulando, eles precisam tomar cuidado para que ninguém veja dois deles ao mesmo tempo. Tanto que tiveram vezes que Xuanwu estava em algum workshop e eu tive terapia com a Hyeonmu, seu avatar feminino. Eu peguei o costume de chamar os avatares femininos deles pelos nomes em coreano para diferenciá-los.
- Está pensando nos seus namorados aprendendo a cuidar de um bebê? – Perguntou Xuanwu enquanto a serpente pegava outra peça.
- Sim. Eu acho que vocês também sabem por que estou aqui.
- Para jogar majong e treinar, é claro. – Disse Baihu. – Além de fofocar.
Não pude conter o sorriso. O mundo espiritual era o único lugar que eu podia continuar com os treinos de wushu sem qualquer problema, até porque era só a minha alma ali, não tinha bebê. Então eu podia fazer o que eu quiser e com as orientações que recebi de Lun, eu podia criar novos treinos ali.
- Tem certeza que você quer desenvolver seus poderes agora? – Perguntou Qinglong. – Pensei que você não se importasse com a sua raça.
- Tenho. Não é por mim, Qinglong, mas o cristal continua quebrado e Ashkore continua livre. Eu quero proteger o meu filho, os meus amigos e os meus namorados. Se trabalhar minha intuição pode me ajudar, é o que eu vou fazer.
- Mas também pode te tornar uma ameça e você pode descobrir segredos que não deviam ser revelados.
- Então eu tenho que aprender ser mais discreta e comentar menos sobre os meus poderes.
- Sábia decisão. – Disse Xuanwu. – É uma pena que possa ser tarde demais para isso.
- O que quer dizer?
- O que você acha?
- Acha que Ashkore pode estar sabendo? Mas eu só contei....
- Para mais gente do que deveria. – Disse Baihu. – Garota, você precisa tomar cuidado.
- Ainda mais agora. – Disse Zhuniao. – Seus inimigos não medirão esforços.
Apesar do calafrio em minha espinha, fiquei mais determinada.
===Dagma===
Desde que comecei a tomar os remédios, comecei a me sentir muito melhor. Eu não sentia mais o meu corpo rejeitar o bebê e minha barriga crescia com o tempo. Ewelein e Huang Jia tinham notado também. Aproveitei a folga da minha amiga fenghuang para dar um passeio.
- Esses Black Dogs sempre te acompanham quando vai caminhar? – Ela perguntou se referindo a Dagon e Alastor.
- Somente Alastor, mas porque eu o adotei como mascote além de Valentine. Dagon parece querer seguir você.
- Por quê?
- Eu não sei. Tingsi que consegue falar com eles.
- Por que deram a eles nomes de Daemons? Principalmente Dagon.
- Não fomos nós, foi Naytili. Eu não sei se já contei essa história, mas eles foram escravizados por ela. Como não tinham nomes e ela os usou nomes de daemons para escravizá-los, acabamos os adotando. Pelo menos esses dois e o Fenrisulfr Moloch, já Raum foi Tingsi que deu e eu não faço ideia do porquê.
- Típico.
- Aliás, como está sendo conviver com esse trio?
- Leiftan e Valkyon são cordiais. Não são os melhores amigos, mas eles parecem ter algum acordo mútuo e se entendem bem. Tingsi é difícil. Eu nunca sei o que ela vai fazer. Acredita que ela misturou lagartas luminosas nas tintas e agora temos desenhos que brilham à noite nos muros?!
- Ezarel comentou algo assim.
- Por falar nisso, como está com os dois? Percebi que ambos estão bem mais unidos desde Lund’Mulhingar.
- Tudo bem. Eles estavam preocupados com os remédios, mas parece que estão mais aliviados por eu estar bem, apesar de estar um pouco inchada.
- É normal na gravidez. Preciso retornar à enfermaria.
- Eu vou ver se encontro meus namorados. Tem algo que preciso falar com eles.
Por um momento esqueci que tínhamos marcado de passar o dia na floresta. Meus namorados resolveram tirar um dia preguiçoso, já que os últimos eventos os esgotaram. Ficamos recostados em uma árvore aproveitando a sombra e comendo algumas guloseimas que eles conseguiram com Karuto. Era bom ficar fora do meu quarto para variar.
- Sabem o que eu estava pensando? – Chamei a atenção deles. – Nós ainda não escolhemos os nomes.
- Verdade. – Disse Nevra. – Em quais está pensando?
- Eu não sei. Queria ver se vocês têm alguma sugestão.
- Já que é do Nevra, ele quem devia escolher.
- Não fique com ciúmes, Ez. Eu te deixo dar algumas sugestões.
- Quais que você mais gosta, Ez? – Perguntei.
- Eu gosto de Aerin. Luthien também é um que eu usaria.
- Aerin até que não é ruim, mas Luthien é um que eu não colocaria na minha filha. – Disse Nevra.
- Por quê?
- Aerin significa oceano, mas Luthien significa filha das flores. Já imaginou uma vampira como o nome de filha das flores?
- Eu gostei desse. – Comentei.
- Dois contra um.
- Hei, não é justo! Eu sou o pai, eu deveria ter prioridade para escolher.
- Tarde demais. – Ezarel sorriu.
- Eu me recuso! Até porque eu já tinha o nome perfeito para uma menina.
- Qual?
- Você vai achar bobo, mas quando eu era mais novo, decidi que se um dia eu tivesse uma menina, ela se chamaria Eztli.
- Você iria dar o nome da sua filha de “sangue”?! – Ezarel estava surpreso.
- Qual é o problema? Eu sempre gostei desse nome.
- Eu não vejo problema. – Falei. – Mas acho que Ezarel deveria escolher caso fosse menino.
- Mas tem que ser o que eu escolher, não pode ser outro.
- Está bem.
- Eu já tenho o nome perfeito. – Ele disse travesso.
- Se você chamar o meu filho de Edlin, eu juro que.... – Pelo sorriso do Ezarel, era esse mesmo. – Filho de um Black Dog!
- O que? Dagma concordou que seria o que eu escolhesse.
- Dag, por favor, eu te imploro!
- Nev, eu não sei qual é o problema.
- Eu não gosto. – Ele ficou emburrado. Nevra estava com ciúmes?
- Ez, eu não sei se é uma boa ideia dar o nome do seu amigo.
- Obrigado!
- Até porque vai ser estranho ele chamá-lo de tio Edlin tendo o mesmo nome.
- Verdade, eu não tinha pensado nisso.
- Quem disse que ele vai chamá-lo de tio?!
- Talvez Taerin seja mais apropriado ou Garret.
- Ez, eu vou te matar!
Ezarel começou a fugir do Nevra. Eu só ria das provocações deles. Era visível que o Nevra tinha ciúmes do sexto príncipe. Vou perguntar a Ezarel sobre isso depois.
===Valkyon===
- Pensou no que eu disse? – Qinglong me perguntou um dia desses.
- Preferiria deixar como estar. No entanto, refleti bastante e você está certo. É melhor que ela saiba por mim.
- Maravilha! Quando pretende dar o grande passo?
- Eu não sei, tenho muito em que pensar.
- Se precisar de ajuda, eu estou aqui.
- Obrigado. Você tem sido um amigo valioso.
- Não sabe o quanto fico feliz ao ouvir isso. – O sorriso dele me tranquilizava.
- Há outros como nós por aí?
- É uma pergunta que não posso responder.
- Por quê?
- Porque é algo que você tem que descobrir. Sinto muito, mas não dou spoilers.
- Isso é alguma brincadeira?
- Não.
- Você fala para eu ser honesto com Tingsi, por que não pode ser honesto comigo? Eu não sei nada sobre você.
- Porque se você souber vai me ver e tratar de forma diferente e eu não vou culpá-lo por isso.
- Não estou entendendo, eu jamais te trataria....
- Valkyon, está tudo bem. Não seria a primeira vez e não o culparei por isso. Minha identidade só traz problemas.
- E mesmo assim você quer que eu revele à Tingsi sobre a minha.
- É diferente. Você é um dragão, eu sou muito mais que isso.
- O que é mais que um dragão, afinal? Você é uma espécie de entidade?
- Acho que ouvi um dos meus irmãos me chamando.
Ele saiu correndo, me inundando de pensamentos. Qinglong é um grande mistério para mim. Sinto que ele é confiável, mas ao mesmo tempo ele é cheio de segredos. Apesar da nossa conversa, eu não me sentia preparado para contar a Tingsi. Cada vez que eu pensava no assunto, mais nervoso eu ficava.
- Está tudo bem? – Perguntou Xuanwu quando esbarrei com ele no corredor.
- Sim.
- Mesmo? Parece que você está em uma briga interna sobre contar ou não algo importante, como um grande segredo, por exemplo.
Engolhi em seco. Como ele sabia?! A expressão dele podia parecer serena, mas os olhos dele, tive a impressão de que poderiam cortar a minha carne. Ele sorriu gentilmente.
- Está estampado em seu rosto. Já estou ciente da situação.
- Qinglong te contou?!
- Ele não precisa, mas eu concordo com ele. Que tal falarmos sobre isso?
- Eu acho que já ouvi o suficiente.
- Que isso, um pouco de terapia nunca é demais.
Eu não sei como acabei concordando. Fomos para o meu quarto.
- Qual é o problema? É visível que não está confortável para contar.
- E se ela me odiar? Eu já quebrei a confiança dela uma vez.
- Eu sei e estou tratando disso até hoje.
- Eu não quero que aconteça de novo. Eu não suportaria magoá-la uma segunta vez.
Xuanwu não me disse nada, apenas fez sinal para que eu continuasse. Contei as mesmas coisas que disse a Qinglong e mesmo assim o homem de preto não disse uma palavra. Confessei os meus medos sobre essa questão até que ele finalmente disse alguma coisa.
- É normal que esteja inseguro, principalmente pelo histórico de Eldarya para com os seres de sangue draconiano após o Sacrifício Azul. Você tem todos os motivos para se sentir assim e eu respeito isso. Geralmente eu não aconselho aos meus pacientes a tomar decisões para as quais ainda não estão prontos, mas o seu caso é um pouco diferente.
- O que quer dizer?
- Tingsi não é burra, mais cedo ou mais tarde ela vai saber. O tempo é o seu maior inimigo neste momento e você só está tentando adiar o inevitável. No entanto, não é a reação de Tingsi que você teme. Isso é algo que você repete a si mesmo para se convencer.
- Xuanwu, é justamente a reação dela que eu tenho medo. Ela não vai me perdoar se descobrir, mas se eu disser a ela, ela ainda vai ficar chateada por ter escondido isso dela.
- Valkyon, você tem todos os motivos para não contar e eu sei que Tingsi irá compreendê-los mais do que ninguém. Como eu disse, ela não é burra. O seu maior medo é que esse filho seja seu, pois você sabe que se alguém descobrir que é um dragão, isso trará questionamentos. Eu sei que sacrificaram pessoas com sangue draconiano no passado para estabilizar Eldarya e essa criança correrá perigo. Você tem se escondido por tanto tempo que o seu verdadeiro eu lhe é estranho.
Era como se o ar tivesse escapado de meus pulmões. Xuanwu parecia olhar através das minhas entranhas e ler minha alma. Por um momento me senti indefeso contra ele.
- Não se preocupe, nós vamos trabalhar esse problema.
- O que quer dizer com “nós”?
- Eu e você. Não adianta negar ou espernear, não temos tempo e essa fase é cansativa. Se você se recusar, eu não irei obrigá-lo, mas saiba que isso pode destruir a sua relação e causar vários problemas no futuro.
- Está dizendo que eu não tenho escolha?!
- Você tem escolha. Pode escolher entre a recuperação e o abismo.
Pisquei várias vezes até assimilar o que ele disse. A forma serena e despreocupada com a qual ele falou seviu apenas para tornar tudo pior. Eu não tinha escolha.
- Sabe por que Qinglong insiste tanto para que conte à Tingsi? – Neguei com a cabeça. – Porque vocês são companheiros e precisam confiar um no outro. Se ela souber, vocês dois saberão como lidar melhor com essa situação. Será melhor que lidem com o seu suposto filho juntos do que você fazendo tudo sozinho.
- Mas e se for de Leiftan?
- E se não for? Você torce tanto para que seja dele e não tenha que lidar com essa responsabilidade e sequer pensa que pode ser seu. Mesmo que seja dele, por quanto tempo você acha que vai conseguir lidar com esse fardo sozinho? E quanto tempo acha que vai demorar até Tingsi descobrir sobre você?
- Eu não sei. – Fui sincero. – Eu realmente não sei.
- O fardo se torna mais fácil de ser carregado quando é dividido, por isso se tornou próximo de Qinglong. Você é forte, Valkyon, mas até para dividirmos os nossos fardos precisamos ser corajosos.
Depois disso, passei um tempo com Xuanwu. Fiquei esgotado com a conversa que tive com ele, mas ao mesmo tempo aliviado. O homem de preto sabe como fazer com que os outros se sintam acolhidos, ao mesmo tempo em que consegue ser severo e dizer duras verdades. Nunca conheci um homem tão sábio e tão perigoso quanto Xuanwu.
Naquela noite, fui ao quarto de Tingsi. Leiftan e Huang Jia estavam no recinto com ela. Floppy tinha ficado o tempo todo com Fleur, que não parecia querer acordar tão cedo.
- Está tudo bem? – Huang Jia me perguntou assim que me viu.
- Sim, só um pouco cansado. Xuanwu me parou no corredor e quis conversar um pouco.
- Você foi para a terapia compulsória, não? – Tingsi perguntou.
- Acho que sim.
- Eu adoro falar com ele. Me sinto muito melhor.
- É, mesmo sendo um pouco cansativo. Então, vocês queriam ver um filme ou algo assim?
- Na verdade eu ia jogar The Sims, mas fiquei com fome, pedi para o Leiftan buscar algo para comer e a Jia foi ajudar.
- Você queria pizza, torta de framboesa e coquinha gelada, não tinha como o Leiftan carregar tudo sozinho. E até agora não nos explicou o que é uma coquinha gelada.
- Para que? Não tem refrigerante aqui!
- O que é refrigerante? – Perguntei.
- Deixa pra lá.
- Estávamos conversando sobre o bebê. – A fenghuang mudou de assunto. – Leiftan e eu estávamos pegamos alguns livros na biblioteca para pesquisar alguns nomes.
- Nós ainda não pensamos em nenhum nome. – Disse Leiftan. – Você já pensou em algum?
- Não.
- Gente, para que biblioteca? Meu notebook está bem ali.
- Acho que assim vai ser mais divertido. – Tornou a dizer o lorialet.
Passamos boa parte do tempo foleando livros, comendo pizza e torta de framboesa. Huang Jia tinha pegado vários livros, tanto que Leiftan e eu não sabíamos por onde começar. Nós vimos vários nomes.
- O que acham de Astoria? – Perguntei.
- Não, me lembra uma figurante de Harry Potter.
- Wang para menino?
- Wang Zhu. Não sei.
- Bjark é um que me chama a atenção. – Falei.
- Bjark Zhu. Puta merda.
- Eu gosto de Darja. – Disse Leiftan.
- Que raios de nome é esse?
- É uma variação de Daria, mas em outra língua. Um dos significados é oceano e outros podem ser prosperidade, aquela que mantém firme suas posses ou riqueza, dependendo da língua.
- Não é um nome ruim. – Comentei. – Eu gostei.
- Darja Zhu. – Ela parecia pensar sobre o nome. – Está bem, vai ser Darja então. Agora falta um menino.
- O que acha de Chang?
- Por causa do clã Chang’E? Nem pensar!
- E Sheng?
- Sheng Zhu. Preciso pensar.
- Por que você fica colocando Zhu no final do nome?
- Porque é o meu sobrenome, Jia. Eu tenho que ver como fica para a criança não sofrer bullying. Vai que sem querer a gente bota o nome de Davi Agra no coitado.
- Davi Agra? – Ela falou em voz alta.
- Viagra é um remédio azul para deixar o pau duro, geralmente quem toma são velhos e pessoas com disfunção erétil.
- Mas o que isso tem a ver?
- O nome que você falou.
- Mas eu falei....
Foi então que percebemos o que ela tinha dito. Huang Jia ficou vermelha enquanto Leiftan e eu começamos a rir. Tingsi apenas sustentava um sorriso travesso.
- Pior que isso só a família Pinto.
- Família Pinto?
- É. Os irmãos Caio, Armando, Décio, Jacinto e Isadora Pinto Aquino Rego. – Não pude evitar rir de tamanho absurdo. – Pois é. Consciência, pessoal.
Passamos horas procurando nomes e conversando sobre eles. O que era para ser uma tarefa séria, se tornou divertida. Isso porque minha namorada conseguia animar qualquer ambiente.
===Leiftan===
- Leiftan, o que você pode me contar sobre os lorialetes? – Ezarel me perguntou, me pegando de surpresa.
- Não muito, apenas o que li nos livros.
- Mas você não é um?
- Sim, mas eu perdi os meus pais quando pequeno e não convivi com outros lorialetes. Sinto muito, mas eu não serei de grande ajuda. – Ele pareceu desapontado. – Por que a pergunta?
- Eu queria saber mais sobre o seu povo. Talvez Taith seja um deles e Tingsi também. – Um calafrio percorreu a minha espinha.
- Não acredito que sejam. Até onde eu me lembro, nós não vemos espíritos. Eu mesmo nunca vi um.
- Obrigado, mesmo assim.
Por um momento fiquei aliviado. Nauplie era uma lorialet e tudo que eu sei sobre eles, eu aprendi com ela. Confesso que tive a mesma dúvida de Ezarel, mas buscando em minhas memórias, não me lembro de vê-la falando com espíritos. Aliás, não me lembro dela ou de Verom falando sobre espíritos fora da época de Halloween. Resolvi ir até o meu quarto verificar, só por precaução.
- Você e Valkyon são mais parecidos do que imaginei. – Disse Xuanwu assim que cruzei a porta.
- Por que acha isso?
- Vocês dois têm medo de ser o pai biológico e torcem fervosamente para que seja filho do outro, pois temem que descubram sobre vocês quando essa criança nascer.
- Pensei que um psicólogo não pudesse revelar sobre os seus pacientes.
- Não revelei, apenas fica estampado em seus rostos toda vez que os vejo juntos.
- É compreensível, visto que ele é um dragão e eu sou um aengel. Somos os últimos de duas raças extintas, o surgimento dessa criança vai trazer questionamentos.
- Mas ele não traiu a guarda como você fez.
- A guarda nunca foi honesta e já cometeu atrocidades no passado. Você deveria se juntar a nossa causa.
- Eu teria que ser muito tolo ou muito ingênuo para isso. Apesar de não ter apreço por este mundo fabricado, ainda tenho por suas criaturas.
- Mundo fabricado?
- Não foram os deuses que criaram este mundo e sim uma mera raça faery. Não estou surpreso por este mundo ter tantos problemas. No entanto, ele é o lar dos faeries, não compensaria que fosse destruído. Você ainda quer destruir este mundo?
- Eu só quero tornar este mundo mais justo para aqueles que são bons.
- Já ouvi essas palavras das bocas de muitos tiranos e idealistas com ideias distorcidas ou complexo de deus.
- Acha que eu sou assim?
- Achar é uma palavra muito vaga, não acha? Não vamos entrar nessa discussão, só vamos desviar do nosso foco. Como pretende transformar este mundo destruindo o cristal?
- O cristal foi quebrado para libertar as almas dos dragões que estavam presos nele. – Tive que tomar cuidado para não mencionar Ashkore.
- Viu algum dragão preso nele?
- Não, mas....
- Algum dragão saiu de dentro dele depois que foi quebrado?
- Não.
- Então não há dragões lá.
O que ele estava falando fazia sentido. Ashokore queria libertar os dragões do cristal, no entanto eu já estive várias vezes naquela sala e sequer vi a sombra de um. Depois de quebrado, não vimos ou soubemos de qualquer dragão que tenha saído.
- Afinal, onde você pretende morar se o cristal for destruído?
- Como assim?
- Este mundo só existe por causa dele.
Refleti um pouco mais. Senti os pelos do meu braço se arrepiarem quando um pensamento cruzou a minha mente. Se o cristal fosse destruído, não haveria um mundo para viver e a vida da Tingsi estava atrelada a ele.
- Você está dizendo que quebramos o cristal à toa?
- Alguém precisa dizer o óbvio.
- Quem disse que eu quero quebrá-lo? – Tentei parecer confiante. – Eu posso corrompê-lo e alcançar os meus objetivos. Ai! – Ele deu um tapa na minha nuca?!
- Pensei que fosse mais inteligente.
- Como?!
- Corrompê-lo também irá destruir Eldarya, de uma forma mais lenta e agonizante. Você já teve provas disso. Imagine, todos os habitantes deste mundo fabricado, homens, mulheres, crianças, idosos, bons e maus perecendo em um mundo miserável onde a mais simples gota de água é motivo de disputa.
- Eu não me importo. – Minha voz estava alterada, minha respiração descompassada.
- Então por que não quebrou o cristal quando teve chance? Ou ajudou Naytili quando pôde?
- Xuanwu, eu estou te avisando....
- Eu não sou bondoso como Qinglong. Se puser estes pensamentos em prática, não irei me conter.
Senti meu interior gelar com a frieza de suas palavras, embora ele parecesse completamente normal. Os olhos dele, negros como a própria escuridão, eram os mais atormentadores. Quem ou o que ele é afinal? Para deixar um aengel neste estado, ele deve ser algo além da minha compreensão. Ficamos em silêncio boa parte do tempo. A tensão no ar ia sumido enquanto eu me acalmava. Xuanwu esperou que eu me acalmasse para começar a falar.
- Sinto muito.
- Pelo que?
- Pela situação em que se meteu, mas você pode voltar atrás.
- Como?! Se eu fizer isso, irei ser morto!
- Pensaremos em um jeito. Até lá, Tingsi precisa saber.
- Xuanwu, você não entendeu?! Eu não posso...!
- Você que não entendeu, Leiftan. Você tem motivos para fazer o que fez, sua raça foi perseguida e exterminada e por isso não consegue confiar em ninguém além de si mesmo. Você teme que seu filho tenha o mesmo destino. Se ela souber, vocês dois poderão bolar formas de lidar melhor com essa criança, protegê-la melhor. Vocês serão mais fortes juntos do que separados.
- Mas e se ela não me aceitar?
- Tem tão pouca fé assim em sua parceira?
Eu não respondi e Xuanwu foi embora.
===Tingsi===
- Leiftan, o que foi?! Está parecendo um fantasma!
Ele estava pálido feito uma vela quando entrou no meu quarto. Ele não disse nada, só me abraçou. Seu corpo tremia. Eu o levei para se sentar na cama.
- Respira. O que houve?
- Nada.
- Leiftan, não minta para mim. O que aconteceu, caralho?!
- Eu só preciso de você, por favor.
Eu o espremi contra mim. Ficamos abraçados até que ele se acalmasse. Quando estava mais calmo, pus sua cabeça no meu colo e comecei a brincar com o seu cabelo. Ele soltou uma fraca risada.
- O que foi?
- Faz tempo que não me encontro nessa posição. Nauplie fazia isso sempre que eu estava chateado.
- Nauplie? Era o nome da sua mãe adotiva?
- Ela não era bem minha mãe. Não era tão velha para ser uma, mas sim, era o nome dela.
- Já soube de muitos irmãos mais velhos que se tornaram pais dos irmãos mais novos.
- Talvez seja esse o caso.
- Você ainda se lembra deles? Dos seus pais biológicos e adotivos?
- Eu não cheguei a conhecer meus pais direito. Tenho boas lembranças do tempo em que fui criado pelo velho Verom e pela jovem Nauplie.
- Quais?
- Talvez um dia eu conte.
- Vou cobrar. Eu não sei nada sobre você.
- Não me acho muito interessante, sou só um órfão com uma história trágica como muitos outros.
- Hei, eu também sou e te contei tudo sobre o meu passado.
- É justo.
- Então, o que foi que aconteceu para você ter ficado naquele estado?
- Tive pensamentos horríveis e um medo enorme de te perder.
- Você não vai me perder.
- É o que eu quero acreditar, mas eu fiz coisas terríveis.
- Como o que? – Ele ficou em silêncio. – Leiftan, o que foi que você fez?
- Eu não posso te contar. – Ele se remexeu para me olhar e segurar o meu rosto. – Tudo o que importa para mim é que você saiba que eu te amo e não vou deixar que nada de mal te aconteça. – Sua mão parou na minha barriga. – Nem a você e nem ao nosso filho.
- Mesmo que seja do Valkyon?
- Não importa de quem seja, eu o protegerei com a minha vida.
- Você está devendo a um agiota? Entrou para alguma máfia ou algo assim? Está traficando drogas? Se meteu em prostituição e tráfico infantil?!
- Fique tranquila, eu não fiz nada disso. Eu prometo te contar um dia, mas te peço que não me odeie.
- Depende, você tem uma amante?
- O Valkyon conta?
- Bobo. – Um segundo. – Vocês dois estão se pegando?!
- Viramos parceiros de cama.
- Safado! Foi por isso que você estava andando todo cagado no outro dia!
- Na verdade eu escorreguei no piso molhado e caí com as nádegas no chão. Nós não nos somos frequentes. – Ele ficou em silêncio por um bom tempo. – Tingsi, o que você acha do daemon que apareceu?
- Eu tinha esquecido que ele existia. – Bati com a mão na testa. – Se bem que ele tem estado muito quieto.
- Acha que ele está planejando algo?
- Eu não sei. Não sei nem porque ele tentou machucar a oráculo.
- Talvez ele queira vingança contra os faeries por terem exterminado a sua raça.
- Eu também teria ficado puta. Se é assim, ele deve ter feito mais vítimas no caminho para cá.
- Você acha?
- Se quer se vingar, pode ter matado vários faeries, mas é estranho que ele tenha me deixado viva. Na primeira vez foi na clareira com Raum e Nevra inconsciente, na segunda, eu e Dagma estávamos debilitadas. Por que ele não aproveitou para matar a gente?
- Talvez ele te ache atraente.
- Ah tá. Ele vai querer trepar logo com uma humana, depois de todo mundo nos culpar pelo exílio.
- Talvez ele tenha mudado de ideia depois que te viu. Você é bem atraente. Acho que estou começando a ficar com ciúmes desse daemon.
- Tomar no cu.
Eu o empurrei, levantei da cama e saí correndo para o banheiro. Leiftan bateu na porta preocupado.
- Tingsi, está tudo bem?
- Sim, eu só estou mijando feito uma desgraçada. Que merda!
- Ewelein e Huang Jia disseram que é normal uma grávida usar o banheiro mais vezes.
- Eu acabei de mijar! Puta merda, que ódio!
===Valkyon===
Passei os próximos dois dias tendo terapia intensiva com Xuanwu. Ele entrou mais a fundo no meu problema para me fazer perceber que eu não precisava ter medo de me expressar ou de ser eu mesmo. Graças a ele consegui reunir coragem para contar à Tingsi sobre mim, mas eu ainda tinha dúvidas.
- Obrigado.
- Eu apenas o orientei, você fez o resto.
- Mesmo assim, obrigado.
- Ainda tem dúvidas?
- Nada escapa de você.
- Sou bem experiente nessa área. O meu único conselho é: faça quando sentir que estiver pronto e o mais longe possível do QG para não chamar atenção.
- Muito obrigado.
Pensei o dia todo em como iria falar com ela. Mesmo com os outros me perguntando por que eu estava aéreo, não contei minhas intenções.
- Valkyon, aí está você.
- Huang Jia. – Respondi depois do susto.
- Sua aura está diferente.
- Não é nada. Estava me procurando?
- Sim. Tingsi me pediu para te chamar.
- Eu já estou indo. Onde ela está?
- No banheiro, morrendo. Palavras dela.
- Deixa que eu sei lidar com ela.
Assim que entrei no quarto, ela saiu do banheiro. Sua barriga crescia conforme o tempo passava.
- Ainda está viva?
- Por enquanto. Me lembra de arrancar meu útero depois que essa criança nascer. Eu não quero engravidar nunca mais. – Ela respirou fundo. – Como você está?
- Eu? Estou bem, por quê?
- Valkyon, não minta para mim. O que está acontecendo? Já vieram me perguntar se você estava doente ou algo assim.
- É que eu estive pensando.... Tudo bem se nos encontrarmos esta noite? Eu preciso te contar uma coisa. É importante.
- Claro.
- Hoje à noite no rochedo.
Voltei ao trabalho, mas não conseguia me concentrar. O dia passou mais rápido do que eu esperava e logo seria a hora de me encontrar com Tingsi. Cada passo que eu dava em direção à praia meu coração era tomado por novas aflições, mas era tarde para voltar atrás. Ela já estava no rochedo, vestindo um de deus hanfus escuros e a capa do clã Chang’E. Sua barriga pretuberante atraíram os meus olhos, mas isso foi antes de olhar para os seus. Era impressão minha ou eles estavam mais brilhantes?
- Você chegou há muito tempo?
- Acabei de chegar. Então, o que você queria me contar?
Fiquei em silêncio, pensando no que iria dizer. Eu devia amenizar a situação? Dizer logo quem era? Falar do sacrifício azul? Eu não sabia como começar, a dúvida e a aflição tomaram conta de mim. Minha garganta ficou seca, não consegui emitir qualquer som. Minha coragem estava me abandonando.
Como se soubesse pelo que eu estava passando, Tingsi segurou minhas mãos e as acariciou com o polegar. Ela não disse nada, apenas me olhava com compaixão e me dava um sorriso encorajador, esperando que eu estivesse pronto. De certa forma lembrei de Xuanwu esperando que eu estivesse pronto para desabafar. Seus olhos lilases emitiam um brilho fraco e hipnotizante, como duas pequenas estrelas ao meu alcance. Reuni toda minha coragem para começar a falar.
- Eu menti para você.
- Sobre o que?
- Sobre ser um faeliano.
Um novo silêncio recaiu sobre nós. Estava sendo difícil falar sobre isso. Ela apertou as minhas mãos para me confortar.
- Então, o que você é?
- Um dragão.
- Mas dragões não estavam extintos por causa do sacrifício azul?
- Sim, mas eu nasci depois do sacrifício. Meu ovo ficou em um vulcão adormecido até que chocasse. Eu e meu irmão Lance éramos os últimos dragões e agora....
Ela me abraçou. Foi impulsiva quando o fez. Eu a acolhi em meus braços. Senti um grande peso ser retirado dos meus ombros.
- Eu sinto muito.
- Desculpe esconder de você, mas se soubessem o que sou....
- Não precisa se explicar. Ezarel e Nevra sabem?
- Não. Você é a primeira pessoa para quem eu conto, mas Qinglong e Xuanwu já sabem. Eles insistiram que eu deveria te contar. Por favor, não conte aos outros. Eu não quero que nosso filho sofra.
- Não vou. Isso quer dizer que se esse filho for seu, ele vai cuspir fogo e sair voando pelo QG para roubar comida do Karuto?!
- Provavelmente.
- Para trocar fralda dessa criança vai ser um cu. Vai sair voando com a bunda toda suja de merda por aí.
- Eu não pensei nisso.
- A gente cria uma rede?! Talvez seja melhor, mas e quando crescer?!
- Tingsi, se acalme. Pode ser que seja do Leiftan e você esteja esperando um lorialet.
- Tudo é possível.
Ficamos em silêncio por um tempo, sem saber o que dizer um ao outro.
- Então, você tem asas ou algo assim?
- Eu não as uso há muito tempo.
- Posso ver?
- Eu....
- Deixa eu ver, não vou sair correndo.
Respirei fundo e mostrei um pouco da minha forma draconiana. Escamas vermelhas surgiram em minha pele, um par de asas escarlates em minhas costas e uma cauda da mesma cor. Tingsi não recuou, pelo contrário. Ela se aproximou e começou a tirar o cabelo do meu rosto. Qualquer dúvida que eu tinha foi dissipada por este gesto.
- Não está com medo?
- Eu estou em um mundo com ogros, sátiros e cogumelos falantes. Um dragão é o básico de um RPG de fantasia. Mesmo que você não seja exatamente o que imagino de um dragão.
- Tem horas que eu não faço ideia do que você diz. Como você imaginava um dragão?
- Da forma ocidental? Um lagarto gigante com asas e uma pilha de ouro. Da forma oriental? Uma serpente com juba e bracinhos.
- Você tem duas visões bem diferentes sobre dragões.
- Sou sino-francesa, Valkyon. São duas culturas totalmente diferentes. Então, podemos dar um rolê?
- Um o que?
- Eu quero voar contigo.
- Eu não sei se é uma boa ideia. Eu não voo há anos.
- Então vá, eu quero te ver.
- Tingsi, eu não....
- Vai. Por favor.
Não tive como negar. Assumi minha forma draconiana por inteiro. Minhas escamas vermelhas se mesclavam com escamas que lembravam o magma, longos espinhos prateados surgiram em meu dorso e minhas mãos não ficavam coladas em minhas asas. Tingsi estava surpresa, mas não recuava. Um brilho infantil surgiu em seus olhos.
Levantei voo. Fazia tempo que não voava, tinha me esquecido completamente como era a sensação de estar livre pelos céus sem qualquer preocupação. Antes de pousar, voltei à minha forma original. Tingsi me recebeu eufórica, ela se jogou nos meus braços e eu a abracei. Seu sorriso aqueceu o meu coração.
- Você parecia tão bem lá em cima.
- Sim, eu tinha esquecido como era a sensação.
- Me promete que vamos voar juntos um dia?
- Eu prometo.
Ela me deu o mais belo sorriso. Achei melhor voltarmos ao QG. Não queria que ela pegasse sereno e se resfriasse. Meu coração estava mais leve e minha consciência tranquila. Por essa noite, resolvi que não iria pensar em problemas.
Chapter 59: Capítulo 59
Chapter Text
===Tingsi===
Quando Valkyon me disse que era um dragão, fiquei surpresa. Estava sendo difícil para ele me contar. Ele não precisou dizer mais nada, eu entendi perfeitamente. Tive amigos e conheci pessoas que passaram por situações semelhantes, seja para contar sobre uma gravidez não desejada, sair do armário ou que vai seguir seu sonho ao invés do que os pais planejaram. No fim ele só queria ser aceito por ser quem era sem julgamentos. Fico feliz por ter me contado.
Mas no dia seguinte o pânico me acertou com um taco de baseball. Valkyon tinha dito que nasceu de um ovo em um vulcão adormecido. Isso quer dizer que eu vou parir um ovo?! Eu não faço ideia de como chocar um!
- Tingsi, está tudo bem?
- Não. – Respondi sem pensar.
Huang Jia tinha dormido comigo na noite passada. Valkyon achou melhor voltar ao seu quarto porque ele teria que acordar muito cedo, pois teria que viajar em missão. Jia estava ao meu lado com cara de sono e uma camisola marfim de seda.
- O que está sentindo?
- Nada, tô ótima. Maravilhosa.
- Tingsi Zhu, o que está havendo?!
- Nada, eu só.... Deixa para lá. Desculpa ter te acordado.
- Você me assustou. Pensei que tivesse acontecido alguma coisa com você ou com o bebê.
- Eu estou bem. – Coloquei uma mecha de cabelo atrás da sua orelha. – É só uma paranoia minha.
- E qual é dessa vez?
- Deixa para lá, é coisa boba. Vamos voltar a dormir, você deve estar cansada de tanto ficar trancada na enfermaria.
- Eu não reclamo. Por outro lado, Ewelein tem mais tempo para dedicar a si mesma.
- Vou só fazer um xixi e já volto.
Aproveitei a ida ao banheiro para lavar o rosto. Estar grávida é uma merda. Tem dias que meu corpo incha tanto que pareço um balão, meus seios cresceram tanto que eu não consegui abotoar o sutiã e tive uma crise de choro por causa disso. Para levantar de qualquer lugar é um cu e para me abaixar, porra! Eu tenho que virar contorcionista para colocar um sapato, isso quando o pé não fica inchado e não entra. Subir e descer escada? Você faz com o cu na mão tomando muito cuidado e com um medo irracional de virar a bola do Kiko e ir quicando até o térreo.
Meu humor nem se fala. Tem horas que eu estou de boa, tem horas que estou chorando por besteira e tem horas que eu quero dar uma de protagonista de GTA e meter o louco. Sério, eu já desci a porrada em quem disse que eu não podia fazer tal atividade por estar grávida. Seja aqui ou na Terra esse povo não respeita grávida, gosta de dar pitaco e acha que tem que ficar dentro de casa. Tem que apanhar mesmo. Hoje eu já não posso bater tanto, mas Baekho está sempre comigo e desce o cacete por mim quando o debate não funciona. Às vezes Baihu resolve virar um velho e descer a bengala nos outros. Várias vezes Zhuniao foi dar um esporro nele por não insistir no diálogo, como se funcionasse. O julgamento parece que triplica. Ele só foi mais brando quando Baihu desceu a bengala no Feng Zifu porque eu estava de top, saia comprida e a barriga de fora. Até parece que esse povo nunca viu grávida com barriga de fora.
Minhas costas doem demais. Se não fossem pelos exercícios de pilates que os deuses fizeram, eu estava fodida porque aqui ninguém sabe que porra é essa. Eu não sei como Valkyon, Leiftan e Jia conseguem me aguentar, provavelmente devem virar dois litros de pinga quando não estou olhando. Esses três têm muita paciência porque o que eu reclamo de dor nas costas, puta merda.
Se alguém pudesse ler meus pensamentos ou me perguntar o que eu acho, eu digo: só tenha filho quando tiver psicológico para isso. Sério, eu faço terapia desde que cheguei aqui e agora redobrei minhas consultas. Nem Xuanwu me aguenta mais. Mentira, ele me ama e até faz massagem quando fico com muita dor nas costas e acupuntura quando tenho muita dor de cabeça ou incho.
Lavei o rosto e voltei para a cama. Jia ainda estava se expreguiçando e nem tinha amanhecido ainda.
- Perdeu o sono?
- É que eu lembrei que Ewelein não vai estar lá de manhã e vou ter que substitui-la.
- Mas hoje é o seu dia de folga.
- É só essa manhã. Hei! – Eu a abracei por trás e a derrubei na cama. – Tingsi!
- Que foi? Você não achou que fosse sair sem uma despedida apropriada.
Ela se virou para mim e eu a beijei. Sem paciência para joguinhos, minha mão deslizou por entre suas pernas e foi parar dentro da sua calcinha. Comecei a provocá-la antes de botar um dedo em sua vagina, arrancando um gemido. Desci a minha boca para o seu pescoço.
- Desse jeito eu vou acabar cansada.
- Esse é o plano. Aí você pode dormir a manhã inteira comigo.
Sua mão parou na minha nuca enquanto minha minha boca descia para os seus seios. Senti uma dor na barriga e me separei dela.
- O que houve?
- Acho que o bebê chutou.
Jia botou a mão na minha barriga para confirmar. Senti de novo. Na mesma hora levantamos para falar com os rapazes, mas aí lembrei que não posso descer escada correndo com medo de sair rolando igual bosta.
- Puta merda, Valkyon deve estar partindo! – Lembrei.
- Acho que posso alcançá-lo.
- Eu tenho uma ideia melhor.
Fui para a escrivaninha e escrevi dois bilhetes. Um entreguei para Dala e mandei ela achar o Valkyon e o outro dei para Spider levar para Leiftan. Pouco tempo depois ouvimos um baque de algo caindo na grama e o som de água. Não demorou para Leiftan entrar no quarto, molhado e andando todo cagado.
- Resolveu se despedir do Valkyon? – Perguntei.
- O que? Não. Seu Chead me assustou enquanto eu dormia e caí da cama.
- Você está bem? – Jia foi logo examiná-lo.
- Não se preocupe comigo. O que aconteceu? Qual a urgência?
- Tingsi! – Valkyon entrou com Dala e olhou para Leiftan. – O que aconteceu com você?
- Caí da cama graças ao Spider. Ainda não sei como ele conseguiu adentrar no meu quarto.
- A porta devia estar aberta, não?
- Não, eu lembro de tê-la trancado.
- Isso é culpa minha. – Confessei. – Eu o ensinei a arrombar fechaduras.
- Você o que?! – Leiftan e Jia estavam chocados.
- Você é inacreditável!
- Eu sei. – Senti outro chute. – Chutou de novo.
- O que chutou?
- O bebê. – Jia explicou. – Ele começou a chutar.
Os dois vieram correndo e puseram as mãos e os ouvidos na minha barriga. Jia veio para perto, apenas isso.
- Ele chutou mesmo! – Disse Valkyon.
- É, agora ele vai usar minha barriga como saco de pancadas.
- Se for como a mãe, vai sair brigando com todo mundo.
- Inclusive, Jia, fica esperta na hora do parto. É capaz dele sair na voadora.
- Vou me lembrar disso.
- Eu também senti. – Disse Leiftan. – Já dá para saber o sexo?
- Eu vou ver da próxima vez que encontrar com Lun e levar Dagma comigo. Quando você volta, Valk?
- Eu não sei. – Ele ficou um pouco triste. – Eu não devo estar aqui quando forem descobrir.
- A gente pode matar os outros de curiosidade até você voltar.
- Tem vezes que você é muito cruel.
- Eu sei.
- Não é justo. – Disse Leiftan. – Não podemos só enviar uma mensagem para ele?
- Não porque eu também não pretendo dizer a vocês quando descobrir.
- O que quer dizer?
- Eu tenho uma ideia.
- Tingsi, olha lá o que você está planejando. – Disse o obsidiano.
- Calma, eu só vou bagunçar um lugar.
- Aonde eu fui me meter? – Resmungou Jia.
Valkyon não estava mais no QG quando amanheceu. Aproveitei e fui para minha aula de forja com especialidade em joias com Zhuniao. A gente não quer se separar no mundo material e como ele é o mais certinho, sempre tenho que procurar alguma coisa nova para fazer. Depois eu fui para o jardim com ele para repetir trocentas vezes a linguagem dos leques.
- Zhuniao, você pode invocar uma coquinha gelada? Só uma.
- Menina, meus poderes não podem ser usados....
- Por favor, eu mataria por uma! Vai, só umazinha.
- Refrigerante não faz bem para o bebê.
- Foda-se, eu não bebo refrigerante desde que caí aqui! Só uma!
- Isso que é vontade de tomar refrigerante. – Disse Baihu surgindo do nada.
- Não julgo, no lugar dela eu faria a mesma coisa. – Disse Xuanwu.
- Vocês então me dão uma?
- Toda sua. – Xuanwu me deu uma garrafa de dois litros que chegava a ficar cinza.
- Dois litros?! Xuanwu, você perdeu a cabeça?!
- Tem razão, deviam ser cinco.
- Não concorde com ele, Baihu!
- Vocês querem um pouco? – Perguntei.
- Eu aceito.
- Eu também.
- Vocês venceram.
- Todos estão aqui? – Perguntou Qinglong aparecendo. – Faz tempo que não vejo esta cena.
- Qinglong, temos coquinha gelada. Quer?
- Não vou negar.
Os deuses não podem usar seus poderes para atender pedidos supérfluos, eles é quem têm que oferecer. Não sei que regra maluca é essa, mas existe. Acabamos esvaziando a coca e Baihu arrumou outra de cinco litros. Eu tomei com tanto gosto que nem ia me importar de morar no banheiro pelo final do dia.
- A propósito, eu queria perguntar uma coisa a vocês.
- Diga. – Disse a tartaruga.
Olhei para os lados e procurei saber se estávamos sozinhos. Eles notaram meu desconforto e Xuanwu fez uma redoma de cristal em formato de casco de tartaruga em nossa volta.
- Valkyon me contou que é um dragão. – Confidenciei.
- Finalmente! – Exclamou Qinglong.
- Você.... É claro que sabia. O que importa é que ele é um dragão e saiu de um ovo. Isso quer dizer que se o filho for dele, eu vou parir um ovo também?!
- Claro que não! – Disse Baihu. – Aqui é time mamífero, porra!
- Baihu!
- E eu estou mentindo? Mamíferos são superiores fisiologicamente.
- Você é humana. – Disse Xuanwu. – Humanos não põe ovos, mas isso não quer dizer que sejam superiores. Até porque nós répteis somos bem adaptáveis tanto em terra como na água.
- Concordo. – Disse Qinglong. – Embora eu me sinta um pouco mal pelos anfíbios por causa das salamandras.
- Meus caros irmãos, vocês se esqueceram que as aves são mais evoluídas? – Disse Zhuniao. – A maioria pelo menos voa.
- Répteis e aves são tão evoluídos que a maioria dos faeries têm uma aparência mais humanóide, se assemelhando mais a um mamífero humano do que um lagarto ou pássaro sobre duas patas. Até os deuses preferem usar avatares mais humanos.
Os outros três fecharam a cara e Xuanwu removeu a redoma apenas para os três correrem atrás do tigre. Baihu não se importava e os provocava, até mostrava a língua. Eles pareciam crianças provocando umas às outras.
- Já chega dessa porra!
- Ele que começou! – Gritaram o pássaro e o dragão apontando para o tigre.
- Não interessa! Vocês não são mais crianças para isso!
- Agora a gente é!
Qinglong, Zhuniao e Baihu viraram crianças e saíram correndo pelo QG. Era só o que me faltava, virar babá de deus. Não fui atrás deles. Xuanwu, o único que permaneceu adulto apenas riu da atitude dos irmãos e sentou ao meu lado.
- Não vai correr com eles?
- Não dessa vez. Alguém precisa ser o adulto da relação.
- Não foi o que eu vi há alguns minutos.
- Às vezes faz bem sair da pose de sério e provocarmos uns aos outros. Não precisamos ser sérios o tempo todo.
- Então, eu não vou parir um ovo.
- Por que iria? Você é humana.
- Faeliana. Eu nem sei qual é a outra raça.
- E nem precisa. Não se preocupe, um ovo está fora de questão.
- Então Baihu estava certo sobre os mamíferos serem mais evoluídos?
- Só não conte a ele.
Os três voltaram e aproveitamos o resto do refrigerante juntos. Eles me tranquilizaram quanto a não parir um ovo, afinal precisava que duas raças fossem ovíparas para que pudesse ser formado um ovo. Conversamos sobre treinos e quando jogaríamos juntos de novo. Quem sabe imagem e ação para variar.
Lun resolveu aparecer dois dias depois da partida de Valkyon. Falei sobre descobrir o sexo do bebê e ele concordou que seria ótimo para mim. Imediatamente fui buscar Dagma. Seguindo as instruções que foram passadas, eu consegui usar o meu poder espiritual para ver se estava tudo bem e descobrir o sexo. Mal acreditamos quando descobrimos o resultado.
- É isso mesmo? – Perguntei.
- Sim. Você fez tudo corretamente, eu mesmo verifiquei.
- Isso quer dizer que nós duas vamos ter.... – Ela começou a falar, a felicidade transbordava em seus olhos.
- Sim.
- Dagma, eu preciso falar com você sobre isso.
- Tem algo errado?
- Não, é que eu não queria revelar nada até o Valkyon chegar e também eu tenho uma ideia.
- O que você está aprontando?
- Então, na Terra tem uma festa muito brega chamada chá de revelação.
À medida que nos afastávamos de Lun, fui explicando para que servia essa festa. A ideia era fazer algo mais simples. Foram dias fazendo experimentos até encontrar o que queria. Assim que recebi a carta do Valkyon dizendo que ele estava a caminho, nós programamos tudo. Seria uma reunião íntima com alguns docinhos de sabor mirtilo simbolizando um menino e framboesa simbolizando uma menina. Seriam dois bolos com recheio colorido, um para Dagma e um para mim.
- Por que os humanos fazem isso? – Perguntou Colaia.
- Porque a gente sempre inventa algum motivo para gastar dinheiro e reunir o pessoal. Mesmo que seja a coisa mais brega que já foi criada.
- Contanto se seja uma desculpa para comer a sua comida, está perdoada. – Disse Nevra.
- Como funciona esse tipo de coisa? – Perguntou Valkyon.
- Depende. Geralmente o médico vê o sexo do bebê e dá o resultado para algum membro da família ou amigos ou para uma confeitaria. Isso sem o casal saber, que fique claro. Aí esses familiares ou amigos organizam uma festa onde eles vão anunciar ao casal e às outras pessoas o sexo do bebê. Quando é para a confeitaria, eles fazem um bolo com recheio dentro. Aí o próprio casal pode dar a festa sem ninguém saber. No caso, Dagma e eu somos as únicas que sabemos o sexo.
- Por que não mandam só para a confeitaria? – Perguntou Chrome. – Parece mais simples.
- Porque tem várias formas dessa revelação acontecer sem ser o bolo. Tem gente que bota vários balões em uma caixa, tem gente que usa fumaça e é um circo atrás do outro.
- Tem um circo? – Perguntou Alajéa.
- Se você tiver como pagar um, por que não?
- Como a gente sabe se é menino ou menina? – Perguntou o Dobby.
- Geralmente usamos azul para menino e rosa para menina, mas dependendo do gosto do casal pode ser qualquer coisa. Tem gente que usa lilás e verde, vermelho e azul, amarelo e laranja. Nós vamos pelo tradicional para não confundir a cabeça de vocês.
- A gente podia ter usado núcleo arcano para menino e poeira arcana para menina.
- Vai por mim, cores são mais fáceis de identificar e associar do que objetos. Quem quer mais bombom?
Decidi me ocupar para não explicar ainda mais. Quem diria que eu um dia ia fazer algo tão brega quanto chá de revelação? Eu sei que deveria ser um momento íntimo com meus namorados, mas eu tenho meus motivos. Para começar, eu teria que mandar os macotes atrás deles porque eu não ia rodar o QG que nem um peru com essa barriga pesando uma tonelada. Meus mascotes não batem muito bem da cabeça, o pessoal não sabe, mas Spider tem mania de invadir o quarto das pessoas para mudar as coisas de lugar e assustar desavisados. Isso já deu treta no refúgio. Eu também teria que falar com todos os meus amigos depois, mas eu não tenho saco e nem saúde mental para dar a mesma notícia várias vezes e falar das mesmas coisas várias vezes, prefiro que seja tudo de uma vez, me deem logo os parabéns e pronto.
- Prontos para descobrir o primeiro bebê?
O bolo que estava na mesa era o de Dagma. Eu tinha feito totalmente branco revestido de chantili rosa e azul no maior estilo candy e em cima eu escrevi “Are you a boy or a girl?”. Detalhe: eu tive que forjar as forminhas, e usar uma manta de algodão para fazer aqueles trecos que decoram bolo.
Dagma escolheu a Karenn para cortar o bolo ao invés de fazer isso com Ezarel e Nevra, pois ela queria ficar ao lado deles quando descobrissem e a Karenn foi tão sacana que cortou na maior lerdeza do mundo, só para ver os dois quase tendo uma convulsão de tanta ansiedade. Quando Karenn ergueu o pedaço de bolo revelando o recheio rosa, o Nevra pegou a Dagma nos braços e saiu rodando que nem pião da casa própria com ela gritando “Nós vamos ter uma menina!”. Ele fez o mesmo com Ezarel e depois ficou gritando “É uma menina!” que nem um Pokémon.
Achei melhor atrasar o meu para os três comemorarem mais e para que eles se deliciassem com o bolo de chantili, pois nunca tinham provado. Nem preciso dizer que a Miiko raspou o prato, ô criatura que gosta de comer. Quando chegou a minha vez, o meu bolo era inteiramente preto com uma confusão de azul, rosa e lilás. Pedi para o Chrome cortar o bolo. Ao contrário da Karenn, ele foi mais afobado e desceu a faca com tudo. Mal ele cortou o bolo e o bolo explodiu, deixando a maior bagunça, todo mundo coberto de recheio, um Karuto puto e uma Miiko mais puta ainda.
- Mas o que significa isso?! – Perguntou a Ahri paraguaia.
- Eu sou uma artista e a arte é um estouro!
- Tingsi, você foi longe demais!
- Algumas pessoas têm formas bem inusitadas na hora da revelação.
- Só tem bolo rosa espalhado. – Disse Alajéa. – É uma menina?
- Acertou!
- Uma menina?! – Valkyon e Leiftan não se recuperaram do choque.
- E ela vai vir com tudo.
- Só espero que ela não puxe à mãe. – Reclamou o Dobby.
- Calma, tem outro bolo na cozinha para vocês comerem.
Fui pegar o verdadeiro bolo. Era de merengue queimado com maçarico e decorado com suspiros rosas e azuis. Como aqui não tem maçarico, eu tive que improvisar um. Eu peguei o desodorante íntimo que usei de perfume uma vez, joguei tudo fora e deixei a embalagem mergulhada por dias em uma solução com sal e bicarbonato de sódio. Lavei a embalagem e coloquei álcool. Depois botei fogo na ponta de uma vara e como ele é de jato seco, pressionei na frente da chama para queimar o bolo. Mais um episódio da série humano fazendo merda. Eu quase botei fogo na cozinha por causa disso, nem sei como o Karuto me aguenta, acho que é para aprender minhas receitas.
Apesar do incidente com o bolo explosivo, tudo ocorreu bem. Tive que explicar para Jia como fazíamos na Terra para descobrir o sexo do bebê entre outras coisas e que saudade de Elena nessas horas. Ela poderia ficar horas falando sobre DNA. Fora isso, todo mundo parecia estar se divertindo e o Nevra implorando para o Karuto me contratar. Os deuses eram os únicos que não estavam ali. Eles já sabiam, mas eu contei para eles antes de todo mundo mesmo assim. Eles não viriam para a festa, então fiz um altar de invocação improvisado e deixei dois bolos e alguns docinhos para eles.
Basicamente é preciso pegar quatro tigelas, pode colocar uma do lado da outra, escrever “norte”, “sul”, “leste” e “oeste” em cada uma e adicionar uma coisa que os represente dentro. A de Quinglong é a que fica escrito leste, pode botar pó azul ou verde, flores ou frutas de primavera ou então um graveto. A de Zhuniao é a que fica escrito sul e pode usar pó vermenlho, pena de pássaro, flores e frutas de verão ou botar fogo nela. A de Baihu é a do oeste e pode botar pó branco, flores ou frutas de outono ou metal. Já a de Xuanwu é a do norte, então é pó preto, flores ou frutas de inverno, neve ou água.
Quando voltei para dormir, eles já tinham comido tudo e deixaram uma nota de agradecimento. Não dá para levar comida para o mundo espiritual e eles não iriam usar seus avatares para vir e se lambusar. Limpei os altares antes de dormir.
Conforme os dias foram passando, minha barriga foi crescendo e o Dagon não largava da Jia. Até dei a ideia de transformá-lo em um cão de resgate e treiná-lo para encontrar sobreviventes, levar mensagens e medicamentos. Ela não aceitou de início, mas consegui convencê-la depois de convencer Dagon a atender na enfermaria. Foi um pandemônio, mas Jia ficou com pena, pois ele estava tentando ajudar. No fim decidiu acatar a minha ideia.
Eu estava suspeitando que a guarda estava escondendo alguma coisa, pois os líderes viajavam muito. Valkyon e Leiftan não quiseram me dizer alegando que era coisa de trabalho, o único que me deu informações foi Valarian, que disse que estavam tendo problemas no exterior e precisavam da ajuda da guarda, mas ele não me contou que problemas eram esses. Provavelmente tem povos tretando em algum lugar.
O tempo foi esfriando, dando lugar ao outono. A paisagem mudou, ficando totalmente amarela, vermelha e laranja, menos a cerejeira centenária, essa não ia mudar nunca. As folhas caíam no chão todos os dias, dando trabalho para os jardineiros. Claro que como uma boa peste ensinei as crianças e os mascotes a brincarem nos montinhos de folhas. Logo seria Halloween e os Eldaryanos têm o costume de explorar o mapa de Halloween nessa época. Eles estavam ansiosos pela abertura do mapa.
- É uma pena que não vamos explorar esse ano. – Disse Dagma. – Seria a sua primeira exploração se não estivéssemos com barriga.
- Se alegrar vocês duas, eu também não irei. – Disse Alajéa. – Não gosto muito de lá.
- Mas mana, eu nunca fui.
- Eu posso ir com você, Colaia. – Disse Karenn.
- E eu também. – Disse Chrome.
- Como vocês da Terra comemoram o Halloween? – Perguntou a outra humana.
- Isso depende. Tem países que não comemoram e outros fazem uma festinha na escola para não passar em branco. Em alguns, ainda mais nos europeus, eles fazem aquela festa, mas nada supera o Halloween nos Estados Unidos.
- O que são Estados Unidos? – Perguntou Chrome.
- Longa história, mas o que importa é que eles tornaram o Halloween popular. As crianças usam fantasias nas escolas e as pessoas esculpem lanternas de abóbora.
- O que são fantasias?
- E o que são lanternas de abóbora?
- Então, fantasias são vocês serem outra coisa que não vocês. Tipo, o Chrome se vestir de vampiro, eu me vestir de sereia, a Karenn se vestir de fada ou então a gente botar uma roupa de médico e fingir que é um. Eu explico melhor depois. Já as lanternas, bem, as pessoas pegam as abóboras, tiram o que tem dentro e fazem caras assustadoras nelas. Depois elas colocam velas e lanternas para iluminar. Tem até concurso para isso e é muito legal.
- Parece assustador. – Disse a sereia mais velha.
- E é, mas a melhor parte vem agora. No dia 31 de outubro, as pessoas colocam suas fantasias. As crianças saem pela rua batendo de porta em porta para pedir doces, se não der, elas podem fazer travessuas na sua casa como jogar papel higiênico no seu telhado e ovo na sua janela. Já os adultos fazem festas com fantasias.
- Parece divertido!
- E é. Na França eu e outras crianças do orfanato tínhamos festinhas patrocinadas por ONGs.
- O que são ONGs?
- Depois eu explico. Teve um ano que Latifah convenceu a gente a viajar para os EUA e aproveitar o Hawolleen de lá. Foi incrível!
- E se fizéssemos algo assim aqui? – Perguntou Dagma. – Assim as crianças de Eel não ficariam tristes por não poder explorar o mapa de Halloween e os adultos que não podem ir poderiam participar também.
- É uma ótima ideia! – Disse Karenn. – Mas como organizamos?
- Primeiro vamos precisar de decorações assustadoras. Eu vi que dá para comer alguns alimentos de mascote e posso procurar algumas receitas temáticas e falar com o Karuto. Também temos que falar com a Purriry sobre as fantasias.
- Você só está esquecendo de uma coisa. – Começou Chrome. – A gente precisa da autorização da Miiko.
- Com comida envolvida, duvido que a Miiko barre. Ainda assim precisamos de um plano. Vamos para o meu quarto.
Fomos para o meu quarto planejar. Expliquei mais detalhadamente o que eram fantasias e até mostrei algumas. Também fui procurando receitas de comidas e bebidas para a data enquanto montávamos nossa festa no papel e um plano para a Miiko aceitar. Era simples: iríamos falar como era o Halloween na Terra para as crianças e deixá-las eufóricas. Com isso poderíamos convencer os pais das crianças que era uma boa ideia organizar uma festa aqui para aqueles que não fossem explorar. Também falaríamos com Purriry sobre a festa e as fantasias e com Purroy para fazer mais pasta de dente para ninguém ficar com cárie. Eu também iria apresentar as receitas novas ao Karuto e falar com Purreru sobre o estoque de candy corn, pirulito terrível e maçã possuída. Também íamos convencer aos outros membros a participar dessa empreitada. Tudo isso antes de falar com a Miiko.
Propagar a palavra foi a parte fácil e juntar os purrekos foi mais fácil ainda. Também dei a ideia de fantasias para mascotes, pois queria colocar nos meus e Purreru e Purriry iriam lucrar com isso. Decidimos falar com a Ykhar, o Jamon e o Kero primeiro, pois eram os mais fáceis de convencer. Depois falaríamos com a Ewelein, o Valarian, a Jia e aí sim falaríamos com os chefes das guardas, mas antes precisávamos falar com Karuto e testar as novas receitas. Fizemos as nossas primeiras balas e caramelos, até testamos para ver se estavam boas.
- Essa bala de amormallow está divina. – Disse Karenn.
- Vamos fazer bombons disso para o dia dos namorados.
- Essas balas de mel estão uma delícia. – Disse Alajéa.
- Deixa algumas para subornar o Ezarel. Também precisamos de algumas amostras para convencer a Miiko e para degustação dos habitantes.
- Eu pensei que fossem comprar, já que a guarda não está patrocinando. – Disse Karuto.
- As pessoas não compram se não sabem se é bom. E essas são só algumas balas.
Distribuímos três balas diferentes e um chocolate para cada adulto e instruímos a não deixar as crianças comerem até a data marcada, para aumentar a surpresa. Subornamos os nossos amigos e apresentamos tudo para a Miiko. Ela ficou puta, mas foi só dar um pirulito com açúcar que ela ficou de boa. A Huang Hua adorou a nossa ideia e a Miiko não pôde negar, ainda mais depois de experimentar as nossas balas. Este vai ser o primeiro Halloween que muita gente vai preferir ficar em casa a explorar o mapa.
Com o mapa aberto, os mascotes foram trazendo coisas para mim. Nossa grande festa estava chegando, nós estávamos decorando tudo com velas, abóboras e espantalhos. Começamos a esculpir em abóboras também. Era trabalhoso, mas o resultado era divertido e qualquer um podia fazer, tanto que os purrekos bancaram um concurso de lanternas de abóbora para os habitantes de Eel e nós iríamos usá-las na decoração.
Todo mundo se animou e os preparativos estavam a todo vapor. Um dia, encontrei com os avatares dos deuses no corredor. Zhuniao me abraçou com força e logo os outros vieram me parabenizar.
- Por que vocês estão tão estranhos?
- Você não sabe que dia é hoje? – Perguntou o tigre.
- Hoje equivale ao dia 28 de outubro na Terra. – Disse a tartaruga.
- Feliz aniversário, sua doida varrida! – Gritou o dragão.
- Minha menininha está crescendo tão rápido! – Choramingou o pássaro com um lencinho. – É o primeiro aniversário que passamos juntos. – Ele logo foi se empolgando. – Estou tão emocionado!
- Menos papo e mais presentes.
- Gente, vocês não precisam....
- Tem razão, presentes! Aqui, abra.
Zhuniao me entregou uma caixa grande e vermelha. Quando abri vi um monte de roupas, sapatos e acessórios. A maioria era preta, algumas tinham detalhes de cor neon e outras eram todas neon nos estilos cyberpunk e kpop. Tinha até um fone de gatinho com iluminação de LED e máscara no mesmo estilo.
- Eu sei o quanto você adora esse estilo, então, parabéns, menina.
- Obrigada! – Eu o abracei chorando. – Malditos hormônios.
- É apenas uma lembrancinha, espero que goste.
Xuanwu me deu uma grande caixa preta. Ao abrir, vi que tinha caixas menores de tamanhos variados. Cada uma delas tinha um grampo de cabelo chinês das mais variadas formas, dos mais simples até os mais elaborados, um mais lindo que o outro.
- Eu sei o quanto você gosta desses grampos. Já que está em Eldarya, pode usá-lós com mais frequência.
- Obrigada! – Eu o abracei.
- Não precisa agradecer.
- O meu é realmente simples.
Baihu me deu uma caixa pequena e branca. Dentro tinha quatro pentes de madeira e um de jade, cada um esculpido de forma diferente. O de jade era o que mais chamava a atenção, principalmente pelo formato de Pimpel.
- Antigamente além de serem acessórios de beleza e símbolos de afeição, eram colecionáveis. Esses são mais bonitos que aquele que tem no seu quarto e pentes de madeira são melhores que aquela sua escova de cabelo.
- Obrigada! – Eu o abracei.
- O meu também é pequeno, mas significativo.
Qinglong me deu duas caixas, uma azul e uma verde. Na azul tinha um simples colar de corda vermelha com pingente de jade com um coelho esculpido, na verde eram contas de madeira com símbolos chineses e estranhos. Uma força emanava delas, mostando que era o único objeto dentre os presentes com algum poder.
- Este é para a sua filha. Eu mesmo as esculpi. Enquanto ela estiver usando, mal algum acontecerá a ela.
- Obrigada! – Eu o abracei. – Vocês não precisavam, mas obrigada.
- É a primeira vez que passamos juntos de fato, é uma ocasião especial.
- Isso merece comemoração! – Disse Zhuniao.
- O que merece comemoração? – Perguntou Dagma, vindo com os rapazes e a Jia.
- Hoje é o aniversário da nossa querida pupila. – Disse Baihu com um grande sorriso.
- Não sabia que era o seu aniversário. – Disse Leiftan.
- Eu nem me lembrava e não me importo tanto assim.
- Mas precisa ter pelo menos um bolinho. – Disse Qinglong.
- Concordo. – Disse Nevra. – Vai fazer bolo de que?
- Ainda não decidi. – Todos olharam para Zhuniao. – Por que estão surpresos? Quem quer fazer e comemorar somos nós e não ela. O mais correto é quem vai dar a festa que arque com os ônus.
- Vê lá o que você vai aprontar. – Disse Baihu. – Melhor, diga seus planos.
- Algo simples, apenas um bolo, alguns petiscos e vitaminas.
- Pode ter bolinha de queijo e coxinha? Bateu vontade de comer os petiscos que Damiana fazia.
- É claro, o que você quiser.
- Não sei o que é, mas parece gostoso.
- Irei ajudá-lo. – Ofereceu Qinglong.
Zhuniao o pegou pelo braço e sumiu pelos corredores antes que qualquer um dissesse algo. Os outros dois respiraram fundo.
- Só espero que ele realmente coloque juízo naquele dramático.
- Soube que vocês estão organizando o Halloween. – Xuanwu se pronunciou. – Como está o progresso?
- Está quase tudo pronto. – Falei. – Falta terminar algumas decorações e distribuir os doces que estão no meu quarto entre os adultos.
- Tivemos que deixá-los no quarto da Tingsi para o Nevra e o Ezarel não comerem tudo. – Disse Dagma.
- Hei! – Reclamaram os dois.
- Podemos ajudar na logística?
- Claro. – Falei antes que Dagma pudesse recusar. – Eu ia juntar as meninas e o Chrome para isso. Precisamos de ajuda para distribuir os doces.
- Ótimo. – Disse o tigre. – Valkyon, você me ajuda a subir essas duas porque elas não podem subir e descer escada, Xuanwu sobe os presentes e o resto pode buscar os outros.
- Acho melhor Leiftan e Huang Jia irem em meu lugar. Serei mais útil nas buscas.
- Desde que não seja lerdo como uma tartaruga.
- Não se preocupe, serei rápido como uma serpente.
Nós subimos. Baihu levou Dagma para o quarto dela e se fez de desentendido. Meus namorados estavam visivelmente incomodados, principalmente ao olhar aquelas caixas. Inferno.
- O que foi agora?
- Nada. – Leiftan tentou desconversar.
- Nada o caralho. Falem logo porque estão com essa cara de cu azedo.
- Você não nos contou sobre o seu aniversário. – Valkyon resolveu dizer.
- Eu nem me importo com isso e nunca me importei. No orfanato quanto mais velho você ficava, menos chance de ser adotado você tinha. Eu nunca tive uma festa, no máximo uma reunião informal na casa da Yeva ou saía para encher a cara.
- Podia ter nos contado mesmo assim. – Disse Leiftan tristonho.
- Eu não contei nem para os meus melhores amigos, eles que descobriram roubando meus documentos ou hackeando os arquivos do cartório. E eu não inventei de fazer festa, eles que quiseram comemorar e vocês chegaram bem quando ia tentar recusar.
- Então você não gosta de comemorar o seu aniversário? – Perguntou Jia compassiva.
- Eu não me importo, é diferente. Comemorar, eu comemoro até boleto quitado.
- O que é boleto?
- Me lembra de tirar um dia só para explicar as coisas da Terra.
Baihu voltou com Dagma e os outros voltaram com Karenn e a sua trupe. Xuanwu deu a ideia de dividirmos os doces em sacos menores com um bilhete indicando os ingredientes e colocá-los em saco um maior antes de distribuirmos. Assim todos saberiam do que se trata caso queiram desviar um pouco para mais tarde ou tenham alguma alergia. Antes de sair do quarto, guardei com cuidado as contas na minha cabeceira.
===Dagma===
O deus Byakko tinha me feito desviar do objetivo para dar a chance de Tingsi se resolver com seus namorados e para me pedir para ajudar na festa. Eu não sei em que posso ajudar, mas farei o meu melhor. Não somente eu, os rapazes e Huang Jia também estariam presentes. Deixamos Tingsi distribuir os doces com Karenn, Alajéa, Colaia e Chrome e fomos para o refeitório. Assim que entramos, encontamos o lugar bagunçado e um bolo enorme. Devia ter uns 50 andares e não tinha cobertura. Era o maior bolo que eu já vi na vida.
- Seu dramático do caralho, o que você fez?! – Reclamou o Deus Tigre.
- O que foi? Não está alto o suficiente?
- Pelo contrário, olha o tamanho dessa porra! Dá para colocar três Valkyons aí dentro! Qinglong, era para você pôr juízo nele.
- Então, eu iria, mas como não sabíamos do que seria o bolo, nós concordamos que seria melhor fazer um andar de cada sabor. Acho que acabamos nos empolgando. – Ele disse com a maior cara de pau.
- Vocês dois se superaram dessa vez. – Repreendeu o deus Genbu. Impressão minha ou a voz dele parecia um pouco alterada? – Eu sabia que não devíamos tê-los deixado sozinhos.
- Agora a caca já está feita. Como vocês pretendem decorar isso?!
- Não pensamos disso.
- Vocês fizeram bolo de que? – Nevra se arriscou a perguntar.
- O primeiro é chocolate com recheio de brigadeiro. – Tornou a dizer o Deus Fenghuang. – Fizemos um de floresta negra que é chocolate com cereja; nuvem de açúcar com lótus preciosa e bombons; tem um de mel e romã; aquele lanchinho americano com chocolate, marshmallow e biscoito; capuccino e canela; bola da noite com fruta da meia-noite e maçã do crepúsculo; estrela das geleiras com fruta da meia-noite e bombom de chocolate; mel e laranja; morango pistache com fruta da lua; romã e rosas....
- Não se esqueça do de morango com champanhe, chantili e chocolate branco; do de gengibre com cookies, chocolate, marshmallow e especiarias; do de bolinho natalino com biscoito de natal; o de frutas do céu, flores de cristal e uva élfica; o de cenoura sanguínea com cerejas.... – O Deus Dragão começou a enumerá-los.
- Nem o de champanhe rosa; o de caramelo com flor de sal; o de caramelo com café, leite e canela; o de lavanda; o de rosas, estrela das geleiras, flores de cristal e flores de cerejeira....
- O meu favorito.
- Recomendo o de merengue com limão e laranja.
Enquanto os dois enumeravam os sabores, eu só olhei para as faces dos outros avatares. Eles estavam impressionados, não sei se de um jeito bom ou ruim. Nevra babava a cada sabor mencionado e os olhos do Ezarel brilhavam toda vez que mencionavam mel. Valkyon, Leiftan e Huang Jia tinham um misto de emoções indecifráveis em seus rostos.
- Eu só não mato vocês porque o de gengibre com cookies parece delicioso. – Disse o Deus Tartaruga.
- E os de romã também.
- Mas que bagunça é essa?! – Perguntou Karuto enfurecido. – Vocês me fizeram montar uma cozinha improvisada no mercado para isso?!
- Pelo que eu saiba, nós pagamos para usar o espaço hoje. – Disse o deus Seiryu.
- Vocês gastaram a nossa despensa toda!
- Nós trouxemos os nossos próprios ingredientes.
- Quero ver como vão limpar essa bagunça!
- Permita-me. – O deus Suzaku se aproximou do Karuto, tirou algo enrolado da manga e abriu, revelando ser uma pintura de Feng Zifu. – Para você. – Ele a entregou ao Karuto. – Aproveite enquanto pode e nos deixe trabalhar. – Ele empurrou Karuto para fora do refeitório e fechou a porta.
- Zhuniao, você deu propina para ele?! – Perguntou o deus Byakko. – Logo você que é o mais ético de nós?
- Claro que não. Não me ouviu dizer “aproveite enquanto pode”? Eu só emprestei a ele, depois pego de volta. É a mesma tática para ocupar criança.
- Por que você tem uma pintura de Feng Zifu com você? – Perguntou Leiftan.
- Preparo, meu caro. Vamos trabalhar?
Sem que pudéssemos protestar, o Deus Fenghuang distribuiu as pessoas para fazer as tarefas. Eu, Valkyon e o deus Byakko ficamos com os salgadinhos, Huang Jia, Leiftan e os deuses Suzaku e Seiryu com a decoração do bolo. O deus Genbu escrevia receitas enquanto os auxiliva e Ezarel e Nevra ficaram com a limpeza para não terem que comer nada enquanto trabalhavam.
Pela conversa que estavam tendo, os dois deuses queriam confeitar cada camada de forma diferente para alinhar com os sabores. O problema era que não tinha como cobrir o bolo todo porque eles colocaram algumas camadas em cima, então cobririam como pudessem e ficaria por isso mesmo. Eles cobriram com chocolate, chantili, frutas frescas, merengue e diversas formas de cobertura, colocando até bombons de chocolate na coberuta, até mesmo flores, fava de baunilha e palitos de canela. Com o trabalho em equipe, estavávamos terminando rápido.
- Não é de bom tom aparecer em uma celebração sem um presente. – Disse o deus Suzaku. – Principalmente se forem os namorados da aniversariante.
- Eu os ajudo a escolher alguma coisa. – Disse o deus Byakko. – Estou quase acabando mesmo.
- Irmão, tem certeza? – Perguntou o deus Seiryu. – Você deu uma caixa de pentes para ela.
- Qinglong, não se deve julgar os presentes dos outros! – Repreendeu o Deus Fenghuang batendo na nuca do outro com o leque.
- E ela adorou, afinal, ela não se importa com o material, apenas se algo lhe é dado de coração. Só não deem caramelos salgados, pelo amor de nós mesmos.
- Mas ela adora esse doce. – Disse Leiftan.
- Acredite em mim, é uma péssima ideia.
- Vocês sabem quem dava caramelos para ela antes de cair em Eldarya?
A pergunta do Deus Genbu fez todo mundo quebrar a cabeça para pensar. Algum tempo depois, vi os olhos de Valkyon e Leiftan se dilatarem, eles estavam pensando o mesmo que eu. Pelas lembranças dela quando treinávamos as Portas de Janus-Geb, quem dava esses caramelos era o Isaiah.
- Acho melhor eu ir com eles. – Falei. – Também quero ver se já distribuíram os doces para o Halloween.
- Certo, vamos continuar decorando. – Disse o deus Suzaku.
- Não acha que está bom? – Perguntou o deus dragão.
- Ainda está muito simples.
- Zhuque, você não tem que vestir a aniversariante ou algo assim? – Perguntou o Deus Tigre.
- Eu já ia esquecendo.
Saí com Valkyon, Leiftan e Huang Jia do refeitório. Eu ainda custava a acreditar que os deuses eram desse jeito. Eles não interagiam muito comigo e quando interagiam, eles viviam discutindo pelas coisas mais banais.
Ao cair da noite, a festa começou. Todos os nossos amigos estavam lá, assim como membros da guarda e moradores do QG. Tingsi apareceu com roupas ainda mais estranhas. Uma regata cropped preta, calça roxa larga com um cinto preto de pano com algo escrito, por sinal havia várias tiras do mesmo pela calça, botas pretas com a sola roxa e o cabelo estava semipreso com dois coques no alto com duas mechas para ser a franja. Ela também tinha uma luva de rede em uma das mãos e pulseiras roxa, rosa e azul em tons fluorescentes no outro pulso e brincos que pareciam espadas. A barriga estava totalmente à mostra. Os namorados dela só faltavam babar.
- Caralho Zhuniao, o que você fez?!
- Como sabe que fui eu?
- Exagerado desse jeito só pode ser você. Olha o tamanho desse bolo!
- Eu ajudei. Cada andar é um sabor diferente.
- Eu não sei se eu abraço vocês ou mato vocês!
- Ficamos com o abraço. – Ela os abraçou.
- Obrigada.
- Tingsi, bem.... – Valkyon corou. – Você está linda.
- Obrigada. Vocês gostaram?
- É incomum. – Disse Huang Jia. – Mesmo assim ficou bem em você. Não imaginava que deixaria a sua barriga inteiramente à mostra.
- Quem não gostar que se conforme. Bolinha de queijo!
Ela ficou muito feliz com o resultado e a felicidade dela parecia contagiar a todos. Até o Karuto estava feliz, mas foi porque descobri que o Deus Tartaruga conseguiu a pintura de Feng Zifu em uma partida de majong e a usou como pagamento para o Karuto ser o nosso barman, fazendo coquetéis de frutas com e sem álcool. Tingsi sabia como se divertir e passar o tempo com todo mundo que gostava, sem deixar de liderar legiões de dança, para o desespero dos namorados.
Enquanto nós duas estávamos bebendo com nossas amigas e colocando as fofocas em dia, uma cabeleira incomum chamou a minha atenção. Tingsi foi prontamente receber o dono e logo se empolgou. Nossos namorados vieram atrás quando ela começou a correr e eu andei rápido. Reconhecemos Taith, o príncipe Edlin, lorde Aphelion, lorde Perihelion, Kauan, Taynara e mais cinco pessoas que eu não conhecia.
O primeiro era um homem cujas descrições só podia ser lorde Ulfhildr, já o segundo homem era parecido com os fenghuangs, se não fosse pelo cabelo rosa chiclete preso em um rabo de cavalo com algumas mechas soltas e os olhos alaranjados, as roupas vermelhas e alaranjadas lhe serviam perfeitamente. Uma das garotas era pálida com o cabelo branco e olhos azuis e seu vestido verde-água era simples, a outra tinha a pele avermelhada, o cabelo preto e olhos verdes e usava um vestido verde de ar nobre, já a última tinha a pele avermelhada, o cabelo dourado e os olhos vermelhos, esta vestia um vestido amarelo bem decotado com fendas e uma armadura durada em formato de espartilho com detalhes em rosa. Ela chegava a brilhar. Tingsi se jogou em cima de Taith, Kauan e Taynara e Ezarel e o príncipe Edlin se abraçaram como se não tivessem se visto há muito tempo.
- Você parece ótimo! – Disse o sexto príncipe.
- Eu? Olhe para você! Está maravilhoso.
- Isso eu sempre fui.
- Convencido.
- Minha sobrinha querida! – Lorde Aphelion a abraçou. – Mal acredito que estou finalmente comemorando um aniversário seu!
- Oi tio Phil da deep web. O que vocês fazem aqui? Não era para estarem de castigo?
- O meu castigo terminou, então está tudo bem. – Disse Taith.
- Eu ainda estou, mas o meu não inclui mais prisão domiciliar. – Disse Kauan. – Tingsi, Dagma, pessoal, deixem-me apresentá-los à Lady Solange, herdeira do Clã Guaraci. Eu a estou acompanhando por hoje.
- É um prazer conecê-los. – A mulher de cabelo dourado e vestido amarelo apertou nossas mãos com energia. – Kauan me contou muito sobre vocês.
- Só coisas boas, eu aposto. – Disse Nevra.
- Eu não apostaria muito nisso. – Disse o nobre de cabelo prateado.
- Ulf! – Taith tentou repreendê-lo.
- Minha futura cunhada Lady Jacira do Clã Jaci.
- Prazer. – Disse a mulher de cabelo preto e vestido verde, ela tinha semelhanças com Taynara.
- O noivo dela, Lorde Ulfhildr, herdeiro do Clã Máni e irmão juramentado de Dagma. – Ele apenas fez uma mensura formal. – Lorde Taiyang, herdeiro do Clã Houyi e seu irmão juramentado.
- Finalmente temos a honra de nos conhecermos. – Disse o rapaz de cabelo rosa.
- E eu não faço ideia de quem você seja, não sendo um pau no cu, já é um começo.
- Tingsi! – Todos nós exclamamos.
- Pode ficar tranquila quanto a isso.
- E esta é Luara do Clã Máni. Ela quem cuida dos jardins.
- É um prazer conhecer os amigos de Taith e Ulfhildr. – Disse a garota de cabelo branco.
- Eu não diria bem amigos. – Disse Ulfhildr. – Apenas cruzamos nossos caminhos já que alguém resolveu se meter onde não devia.
- Ulf, você ainda está chateado? – Taith fez bico.
- Eu devia ter te deixado perder a cabeça em Lund’Mulhingar. Mas aí aqueles elfos tirariam a minha chance de te esganar por fazer tanta besteira.
- Você me ama.
- Meninos, é dia de comemoração. – Disse Luara. – Deixem os problemas para depois. Agora, façam as pazes.
Os dois se olharam e apertaram as mãos, mesmo mostrando a língua um para o outro. Pareciam duas crianças. Eles a presentearam e voltamos à festa. Se Tingsi já liderava pelotões de dança, Taynara não ficava atrás e ladies Jacira e Solange complementavam o grupo. Era como se elas fizessem parte de um grupo de dança profissional. Taith gostava de atazanar Ulfhildr e Luara era a apaziguadora deles. Em um momento da festa, lorde Ulfhildr veio até mim.
- Lady Dagma, será que poderíamos ficar a sós por um momento?
- Acho que está me confundindo, eu não sou uma lady.
- É herdeira do Clã Sól, é claro que é uma lady.
- O que você sabe sobre o clã Sól?
- É melhor darmos uma volta.
Eu acabei o seguindo. Não fomos muito longe por causa da minha gravidez, nós paramos no quisque e nos sentamos.
- Como tem estado? Melhorou?
- Sim, agradeço pela preocupação, lorde Ulfhildr.
- Esqueça as formalidades. Você é uma herdeira e nós somos irmãos juramentados. Só usamos formalidades quando estamos no conselho ou em missão diplomática.
- Você diz que somos irmãos juramentados, o que isso quer dizer?
- Quer dizer que os clãs Sól e Máni estão ligados por um elo de alma muito antes de nossos nascimentos. Qualquer coisa que aconteça com um, o outro precisa ajudar. Somos como irmãos, por isso é primordial nos darmos bem.
- Então você só veio se aproximar de mim por política?
- O que posso fazer? Meu povo preza muito pela política e ambos os clãs têm esse acordo desde a criação. Não vamos falar disso. Tome. – Ele me entregou uma caixa de madeira.
- O que é isso?
- É do seu pai.
- Você conhece o meu pai?!
- Não acabei de dizer que somos irmãos juramentados? Esquece, não é algo que você vai entender tão cedo.
- Está me chamando de burra?!
- Só estou dizendo que é muita coisa para digerir. Você não espera que eu te explique todas as nossas políticas em apenas uma noite. Tudo que você precisa saber por enquanto é que os meus inimigos são seus e os seus inimigos são meus.
Respirei fundo. Quando me disseram que ele tinha personalidade difícil, não imaginava que seria tanto. A caixa no meu colo era simples e vermelha. Assim que a abri, vi vários envelopes lacrados com um selo que tinha as runas Sowilo e Dagaz. Achei melhor ler quando estivesse em uma luz melhor.
- Como está o meu pai?
- Não vou mentir, está pior do que pensa.
- Como assim?! O que ele tem?!
- Melancolia. Você deve saber sobre o que aconteceu com o Clã Sól. O seu pai gosta de você, tanto que nos pediu para atrapalharmos as investigações dos templários por sua causa. O meu fez mesmo sabendo o que isso poderia custar.
- O seu pai...?!
- Já falei, são irmãos juramentados. Eles também são bons amigos, um faria de tudo pelo outro. O seu pai não lamenta o que fez, mas sim não poder te ver crescer ao lado dele e agora, ele não pode ver a neta dele.
Senti uma pontada de tristeza quando ele disse aquilo. Eu não conhecia o meu pai e nem sei se um dia vou vê-lo. Ele vai se tornar avô e não poderá ver minha filha também, é isso? Isso não é justo!
- Ele é mais forte do que imagina. – A voz de Ulfhildr me tirou dos meus devaneios. – Ele tem suportado sua ausência por anos, mas fala com muito orgulho de você. Ele nunca perdeu as esperanças de te conhecer, mesmo com a responsabilidade de limpar o nome do Clã Sól.
- Você o viu?!
- Sim.
- Mas eu pensei que...!
- Os únicos que podem adentrar nas dependências de um clã, mesmo que tome as mais altas punições, são seus irmãos juramentados. Eu te disse, nossos pais são muito amigos e às vezes eu o acompanho.
- Eu quero vê-lo!
- Ele já tem muitos problemas, não arrume mais.
- Mas...!
- Dagma, preste atenção! O meu pai o está ajudando no que pode. Eu não posso te levar até ele, mas posso te contar sobre ele, ou pelo menos dos meus encontros com ele.
Não pude evitar bufar de frustração. Por que eles guardam tanto segredo assim? Serão mesmo confiáveis? Ao menos posso perguntar sobre o meu pai, pelo menos enquanto Ulfhildr estiver no QG.
- Como é o meu pai?
- É um bobalhão. Está sempre com um sorriso no rosto, sempre otimista, mas está sempre de cabeça erguida é um ótimo guerreiro. Ele sempre acreditou que nós dois fóssemos nos dar bem, como se pudesse prever esse tipo de coisa. – Ele cruzou os braços, nisso eu concordo com ele. – E tem dominado as arenas nos últimos anos.
- Arenas?!
- É coisa do seu povo, eles adoram. – Ele suspirou. – Apesar disso, ele sente muita falta da sua mãe.
- Pode parecer uma pergunta idiota, mas você conheceu a minha mãe?
- Não, mas tem alguns quadros da sua mãe e até dos dois juntos. Ela não era bonita, se quer saber.
- Hei!
- O que foi? Eu não disse que ela era feia, ela só tinha um rosto comum, mas tinha muita coragem para chamar a atenção do seu pai. Os dois chegaram a duelar quando se conheceram.
- O que?! Espere, como você sabe disso?!
- Seu pai conta essa história para quem quiser ouvir. Ele me contou centenas de vezes.
- Você pode me contar?
- Está bem, mas não se espante pela falta de noção ou nexo dele.
Ulfhildr começou a me contar como meus pais se conheceram. Os templários tinham dominado um vilarejo e estavam se organizando para colocar ordem e dividir os espólios. A minha mãe era contra tomar os bens dos faeries mais pobres e ela discutia com todo mundo, até com o comandante dela. O meu pai estava na cidade e ele teve a brilhante ideia de chamá-la para sair, então esperou que ela estivesse sozinha. Ela o interpretou mal e acabou sacando a espada. A discussão evoluiu para uma luta que durou até o anoitecer e depois para um monte de copos vazios em uma taverna.
Eu não pude evitar rir da interpretação que ele fazia ao relatar o acontecimento. Até os comentários dele davam vida à narrativa e tornava o meu estranhamento perante a situação mais brando. Ulfhildr me contou mais sobre o meu pai. Ele era um homem amável e feroz. Sempre que Ulfhildr ou lorde Lunariel iam ao clã Sól, ele sempre os recebia com doces e boa bebida e mesmo que estivessem lotados de trabalho, nenhum dos lordes perdia o bom humor. Eles também cruzavam espadas regularmente.
Ficamos tanto tempo conversando que mal vimos a hora passar. Nós voltamos para a festa. Nevra nos olhou incomodado e Ulfhildr se inclinou para me dizer que era ciúmes. Ele veio até nós.
- Se divertindo muito? – Ele perguntou seco.
- Nevra, eu sugiro não falar nesse tom com ela, principalmente na minha frente.
- Você não tem uma noiva para cuidar?
- Lady Jacira é livre para se divertir sozinha e conversar com quem quiser, eu só posso confiar nela.
- Mesmo com todos esses rapazes bebendo?
- Isso é desvio de caráter deles, não dela. Se alguém importuná-la, pode ter certeza de que ela saberá se defender e se ainda assim insistir, não nos culpe pelo que acontecerá depois.
- Ulfhildr, estávamos te esperando. – Luara apareceu sorrateira. – As batidas de frutas estão uma delícia. Por que não vamos todos aproveitá-las?
- É uma ótima ideia. – Concordei. – Estou morrendo de sede.
- Lady Dagma, precisa experimentar a de pêssego. É realmente deliciosa.
- Me chame só de Dagma.
- Lamento, mas não posso fazê-lo. Somos de posições diferentes na hierarquia, é mais educado chamá-la pelo título.
- Luara, Dagma é nossa irmã. Você não precisa usar de títulos se não quiser.
- Ulfhildr, nós não somos próximas. – Ela manteve a calma e a doçura. – Faz mal me referir à nobre pelo nome sem termos proximidade, principalmente de outro clã.
- Tudo bem, faça como achar melhor.
- Se for o caso, podemos ser amigas. – Falei. – Assim você pode me chamar só pelo nome.
- Eu adoraria.
- As batidas de frutas então?
Eu tinha concordado em beber para acalmar aquela situação, pois parecia que os dois iriam brigar. Por sorte Luara se mostrou uma grande apaziguadora e conseguiu distraí-los do assunto. Nos juntamos a lady Solange e lady Jacira para desfrutarmos de nossas bebidas. Ulfhildr beijou a mão de sua noiva, a fazendo dar um sorriso bobo. Dava para ver no olhar o carinho que eles tinham um pelo outro, mesmo sendo completamente diferentes. Jacira era animada, gostava de conversar e rir enquanto ele era mais recluso, mas eles bebiam cerveja de forma igual.
===Ezarel===
Quando Edlin apareceu, vi que ele usava roupas de boa qualidade e tecidos caros, embora não fossem mais as do palácio. Ele me contou que eram presente de Ulfhildr e que Taith tinha se proposto a pagar por elas, mas o nobre recusou. Nós fomos aproveitar a festa juntos enquanto víamos Tingsi e Taynara montarem um grupo de dança e Taith implicar com Ulfhildr, colocando Luara no meio, mas eles pareciam se divertir.
- Eles são sempre assim?
- É o sujo falando do mal lavado. Nós fazíamos o mesmo com Garret.
- Mas éramos crianças.
- Taerin faz o mesmo com ele até hoje.
- Taerin não conta. Então, como você está naquele lugar? Soube que teve problemas.
- Sim, o castigo do Taith complicou tudo. Luara foi amável comigo desde que cheguei, ela me ajudava a acalmar minhas aflições e a não perder as esperanças. Agora sei por que a estimam tanto, ela é como se fosse uma irmã para esses dois. Já Ulfhildr teve que me explicar todo o funcionamento e a política deles. E eu pensava que nossas aulas eram terríveis.
- É tão ruim assim?
- São um povo extremamente diplomático. Eles têm muitos protocolos e visitas formais. Taith e lady Jacira não podem entrar nos clãs sem ser anunciados ou sem permissão e há um controle de entrada e saída, mas os herdeiros podem transitar sem problemas. Taynara mesmo só precisa tocar a campainha que alguém a levará para a sala espera ou aos jardins para falar com Ulfhildr.
- Mas por que lady Jacira não tem o mesmo tratamento?
- Ela não é mais herdeira. É como se Idril pudesse entrar nas casas de nossos nobres a hora que quisesse sem precisar de convite, mas eu não. Herdeiros não podem se casar uns com os outros se forem filhos únicos, pois precisarão indicar um membro da elite do clã para liderá-lo. Jacira foi a herdeira do clã Jaci, mas com o seu envolvimento com Ulfhildr, o cargo ficou para sua irmã Taynara, perdendo esse privilégio.
- Isso é muito estranho.
- Eu sei. As leis deles são doidas.
- Soube que você estava morando com lorde Lunariel.
- Isso foi antes de acabar o castigo do Taith. Nós fomos morar juntos depois e eu conheci os pais dele. Eles me acolheram bem. Nossa casa é pequena, mas aconchegante e quem diria que trabalhar fosse ser um saco?! – Não pude evitar de sorrir. – Que cara é essa?
- Nada, só estava esperando um “você tem razão, ó glorioso Ezarel, eu te admiro por ficar horas a fio no laboratório e me rendo à sua sabedoria”.
- Ah, vai arrumar o que fazer!
- Só depois de admitir que eu tinha razão.
- Está bem, você tinha razão.
- Não está esquecendo de algo?
- Você tinha razão, ó grande e sábio Ezarel. Levantar cedo para trabalhar todos os dias é uma tarefa árdua que um príncipe como eu não compreendo.
- Melhorou. Agora só falta me pagar o pote de mel que você está me devendo.
- Vou fazer melhor, tome. – Ele me deu uma garrafa de hidromel. – Taith quem fez, ele queria te dar uma garrafa quando te visse novamente.
- Se é um presente de Taith, então você continua me devendo. Presente não cobre aposta.
- Monstro de gula!
- Príncipe caloteiro! Sendo sincero, em que trabalho te puseram?
- Eles não me puseram, eu não achei justo Taith ter que me sustentar e achei melhor pedir um emprego. Ulfhildr precisava que alguém o ajudasse com um monte de protocolos e papelada e assim eu poderia aprender mais sobre o povo deles.
- Deixe-me adivinhar, Taith implorou a ele por esse emprego.
- Claro que não, eles reconheceram meus estudos e habilidades para diplomacia.
- Então não foi porque você falhou em todo o resto e descobriu que não consegue fazer uma sopa sozinho?
- Também não precisa ser tão cruel. – Ele cruzou os braços e fez bico, mostrando que eu estava certo.
- E você está feliz? – Perguntei mais sério.
- Apesar de tudo, sim.
- Isso é tudo que importa para mim.
- E você, como estão as coisas com Nevra e Dagma?
- Bem. Dagma tem sofrido com a gravidez, mas está tudo bem agora.
- Eu soube. Lorde Lunariel teve que ir até o Clã Sól para que ele e lorde Solariel pudessem brigar por uma autorização no conselho, pois Taith e Ulfhildr tinham sido punidos com trabalho na biblioteca. Soube que até o líder dos Chang’E se envolveu e foi uma confusão.
- O pai da Tingsi?!
- Ela é filha do lorde Lunariel?
- Lunariel não é o do clã Máni?
- Lunadriel. Esses nomes são muito parecidos. Não bastam esses dois e tem Jacira e Jaciara, Solariel e Solandriel....
- Jaciara? Solandriel?
- Jaciara é a mãe da Jacira e da Taynara e Solandriel é o pai do Taiyang. Eu estou sendo obrigado a gravar os nomes dessa gente, e são muito parecidos! Ez, você não tem ideia da tortura que é esse trabalho!
- Você tem notícias do pai da Dagma?
- Não faça pouco caso do meu sofrimento! Mas sim, eu só tenho quando Ulfhildr vai visitá-lo. Infelizmente só os nobres mais próximos de lorde Lunariel têm permissão para visitá-lo. Ez, eu me preocupo que essa história não tenha um fim tão cedo.
- O que você quer dizer?
- Ez, eu ouvi os rumores das atividades recentes de Eldarya. Tome muito cuidado.
===Tingsi===
A festa tomou uma proporção maior do que eu imaginava. Todo o refúgio estava aqui para comemorar e apesar de eu estar tomando batidas sem álcool, parecia que eu estava em uma saída com as minhas amigas. Solange, Taynara, Jacira e Taiyang sabiam dançar as músicas da Terra, então a gente tinha uma sincronia muito maior. Era como se eu estivesse dançando com Yuna e as outras e bebendo com elas também, mesmo consumindo batidas sem álcool. A gente ria, fazia piada, bebia, dançava. Tinha horas que eu ficava com dor nas costas por causa da barriga e tinha que sentar, mas eu não percebia o cansaço de tanto que estava me divertindo. Acabamos nos juntando aos outros para beber.
- Eu não me divirto assim há anos!
- Tem que ver as festas que damos. – Disse Taynara. – A gente sai virado e nem sabe onde acorda.
- Quando eu parir, me chama? Eu preciso saber onde vocês moram porque eu só consigo fazer isso na Terra.
- Você não vai ter outras prioridades depois? – Perguntou Taiyang.
- O pai aguenta ficar uma noite sozinho com a cria. – Disse Solange. – Não é justo os bonitos irem beber e a mãe se foder com a criança.
- Em todo caso, eu tenho meu querido irmão juramentado para cuidar para mim.
- Tingsi, não é para isso que....
- Você não disse que os clãs Houyi e Chang’E se ajudam independente das dificuldades?
- Sim, mas....
- E que eles não são como irmãos?
- Sim.
- Logo, você é um tio. Como bom tio, pode tomar conta da criança quando os pais não estiverem presentes ou precisarem sair.
- Eu mal consigo dar conta do meu e você quer que eu cuide da sua também?!
- Sim!
- Você consegue ser pior que Solange e Taynara juntas!
- Você que veio com esse papo de irmãos juramentados e que precisamos nos dar bem pelo bem da política dos nossos clã e blábláblá.
- Já estou quase arrependido de ter te conhecido.
- Você tem filhos, Taiyang? – Valkyon perguntou.
- Tenho um de 2 anos, ele se chama Orpheus.
- Aí, Dagma, você pode fazer o mesmo com Ulfhildr. – Dei a ideia.
- Filha de uma égua leprosa! – Xingou o próprio.
- Hey, eu estou aqui! – Reclamou Taiyang.
- Ótima ideia. – Disse Taith. – O tio Ulf vai adorar ter um sobrinho.
- Não inventa você também!
- Mas Ulf, a gente não ia ter filhos? – Perguntou Jacira fingindo estar desapontada.
- Taith já vale por 50 filhos. Uma criança consegue causar menos confusão que ele.
- Poxa, Ulf. – Ele fez bico. – Assim eles vão ter uma ideia errada de mim.
- Como se apresentar para os seus futuros sogros com um vestido de baile fosse uma ótima ideia.
- Foi atípico e eu não tive chance de trocar de roupa.
- E ainda deixou a espada em casa.
- Foi um acidente.
- E quanto a tingir as ceroulas do rei de rosa?
- Isso também foi um acidente.
- Que história é essa aí?! – Perguntou Ezarel.
- Então, eu tinha pedido para o Taith pegar vinho na adega para mim. – Começou Edlin. – Só que ele se perdeu, entrou na lavanderia, teve confusão e ele deixou a garrafa cair na tina em que estavam as ceroulas do meu pai.
- Isso não foi nada. – Disse Kauan. – Lembram de quando Taith deixou cair sabão na cisterna do Clã Máni na semana do festival de música?
- Ou de quando ele sem querer quebrou uma garrafa de vinho na fonte da cidade. – Disse Taynara.
- Edlin, você tem certeza de que quer continuar com esse cara?
- Hei, eu não te julgo por você estar com o Nevra e a Dagma.
- Como assim “por estar com o Nevra”?! – Perguntou o vampiro.
- Não é por nada não, mas vocês merecem coisa melhor que ele.
- Nisso eu concordo.
- Eu também. – Disse Dagma.
- Hei, não concordem com ele! E você ainda me deve um pote de mel.
- Te dou quando lorde Ulfhildr pagar o meu salário.
- Aqui. – Ele deu um saco de maanas para o Edlin. – Agora pague o mel que você deve, pois o Clã Máni não aceita caloteiros.
- Filho de um Black Dog!
- Se até quando formos embora você não tiver pagado o mel, pode se preparar para três meses de trabalho na biblioteca. – Ele engoliu em seco.
Eu tive que cortar aquele bolo de 50 andares. Eu não sei o que Zhuniao e Qinglong tinham na cabeça porque depois que eu soube dos recheios, quis provar um de cada. Claro que não consegui, mas os que eu comi estavam divinos. Os habitantes do refúgio puderam levar um pouco para casa.
Acabei a noite esgotada. Eu só queria jogar uma água no corpo e cair na cama. Apesar do cansaço, estava feliz. Fui para o banheiro, tomei um merecido banho e coloquei uma camisola azul clara. Iria deixar para abrir os poucos presentes que ganhei no dia seguinte. Assim que saí do banheiro, vi meus namorados perto da janela.
- Vai todo mundo dormir aqui hoje?
- Viemos ver como você está. – Disse Valkyon. – E saber se gostou da festa.
- Eu amei. E vocês, gostaram?
- Foi divertida.
- O bolo estava uma delícia. – Disse Huang Jia.
- E as batidas de frutas também. – Disse Leiftan. – Me pergunto se Karuto irá adicioná-las ao cardápio.
- Espero que sim.
- Temos algo para você. – Jia voltou a falar.
- Gente, vocês sabem que não precisa, é sério.
- Eu sei, mas queríamos dividir esse momento com você. É o seu primeiro ano em Eldarya, não?
- É.
- Um Fenghuang me contou que você adora mitologia. Felizmente eu tenho um livro sobre nossas lendas. – Ela me deu um livro.
- Jia, eu não sei o que dizer. – Eu a abracei. – Muito obrigada. Eu posso inclusive ler para a Darja quando ela for mais velha.
- Eu não tinha pensado nisso. Fico feliz que vá servir para as duas.
- Eu sei o quanto você gosta de pedras e o mesmo fenghuang me disse que você gosta desse estilo maluco que você vestiu hoje.
- Está falando de cyberpunk ou kpop?
- Algum desses. Eu mesmo minerei esse magma cristalizado. – Valkyon me deu um colar de corrente grossa com uma pedra que parecia magma vivo.
- Valkyon, você é um amor. – Me joguei nos braços dele. – Eu amei!
- Fico feliz que tenha gostado.
- O meu não é tão impressionante quanto o dos outros.
- Para com isso, Leiftan. Se você me der uma bala já vou ficar feliz.
- É um pouco mais do que isso. – Ele estendeu uma rosa brilhante que parecia com a da Bela e a Fera, uma pétala caía e depois se transformava em poeira brilhante. – Eu vi que você não parava de olhar para ela no mercado, então pensei que....
- Ela é linda! – Tive que abraçá-lo com cuidado por causa da flor. – É tão delicada e tão brilhante. Tenho até receio de pegar.
- Quer colocá-la em um frasco?
- Pior que eu não tenho um vaso bonito para colocar.
- Você não pegou alguns dos meus frascos de alquimia? – Perguntou Jia. – Use-os.
- Eu já usei e transformei em um frasco de estrela, só que eu usei para outra coisa.
- Eu vou pegar um.
Jia saiu e reapareceu com um vaso de porcelana esmaltada. Eu coloquei a rosa eterna na prateleira ao lado do frasco de estrela, que eu tinha usado para fazer uma solução de gliter brilhante nas cores que lembravam galáxia e brilhava no escuro. Crownin quase enlouqueceu com o tanto de largartas luminosas que usei como experimento. No fim acabei fazendo umas soluções assim em outras paletas, mas eu usei frascos redondos por darem menos trabalho.
- Baihu te deu mesmo uma caixa de pentes? – Perguntou Valkyon.
- Deu, querem ver?
Mostrei os pentes a eles. A Jia ficou encantada com os desenhos e eles sem entender por que a gente estava entusiasmada com um monte de pente. Eu tive que explicar que era porque a cultura dos fenghuangs se assemelhava com a China Antiga e o significado dos pentes era outro. Dessa vez, todo mundo resolveu dormir comigo naquela noite.
Chapter 60: Capítulo 60
Chapter Text
===Dagma===
Minha querida filha,
É estranho estar escrevendo isso, ainda mais que você é apenas um bebê, um lindo bebezinho. Talvez você leia quando for mais velha ou talvez eu queime esta carta. Devo ou não entregá-la à ninfa? É melhor não, as coisas estão agitadas por aqui. Desculpe meus devaneios, eu realmente não sou muito bom nisso. O que eu quero dizer é bem-vinda ao mundo! É isso o que se diz aos bebês, certo?
Eu sinto muito por não poder estar presente e por não ter conseguido proteger sua mãe. Eu devia tê-la trazido para casa muito antes, talvez se eu a tivesse colocado por sobre o ombro e corrido o máximo que conseguisse, isso não teria acontecido. Talvez ela me batesse pelo sequestro, mas eu não consigo deixar de pensar que teria vocês duas comigo. Lunariel diz que não é minha culpa, mas eu não consigo concordar com ele. Lamento por não poder estar presente para você.
Mas o que eu estou falando? Esse papo melancólico é péssimo para uma carta de boas-vindas. Um dia iremos nos reencontrar, tenho certeza. Até lá, que as runas Sowilo e Dagaz conduzam sua vida. Dagma. Dagaz. Agora entendi por que sua mãe te deu este nome. Eu preciso ir, mas não se preocupe, eu vou estar sempre te observando.
Com amor, papai.
Dagma,
Parabéns pelo seu primeiro ano de vida! Quem diria que 04 de maio seria o dia em que fui abençoado com uma linda filha? Eu deveria enviar um presente, mas Lunariel e Taiguara acham que é uma péssima ideia. Desculpe, conversa chata de adulto, um dia você vai entender. Por enquanto, tudo que posso fazer é que no dia 04 de maio desabrochem as mais lindas flores na vila das ninfas. Na vila não, onde você estiver. Esse será o meu presente até o dia em que nos encontrarmos.
Lunariel trouxe Ulfhildr para me visitar hoje. Acho que vocês se dariam muito bem. Ele parece ser bom com a espada, talvez um dia possam lutar juntos na arena, para o desespero de Lunariel. Brincadeira, ele me mataria se eu o levasse para lá, por isso que eu vou pedir para os nossos criados o levarem quando voltarem a circular pelas ruas ou aos outros clãs quando puderem me visitar. Parabéns pelo seu primeiro ano.
Com amor, papai.
Minha querida Dagma,
Quem diria, enfim é o seu 16º aniversário! Minha menininha enfim é uma mocinha. Uma moça! Uma linda moça. Deuses, daqui a pouco estará se casando e eu não vou poder expulsar os pretendentes com a ponta da minha espada! Isso é tão injusto! O que eu não daria para torrar seus namorados até virarem cinzas?! Minha bebê agora é uma mocinha! Mal posso acreditar!
Você estava linda durante a dança. Não se preocupe com o que as outras ninfas disseram, você dança graciosamente e eu não estou dizendo isso porque sou o seu pai. Talvez eu esteja um pouco, mas você sempre vai ser a maior dançarina das flores no coração do seu pai. Como eu queria te ensinar a usar uma espada, aquelas meninas iriam pensar duas vezes antes de te perturbar. Ah, os doces 16, o que eu não daria para realizar o seu banquete de debutante? Com muita bebida, muitos doces, muitas lutas.... (eu juro que não sou um bárbaro, a sociedade que me ensinou a ser assim)
Que os deuses sejam bons contigo. Que a luz brilhe na escuridão mais intensa e que o dia disperse os temores da noite. Que o sol a guie e que a glória não a cegue. Ulfhildr está dizendo que você não deve compreender o valor dessas palavras. É assim que nosso povo se saúda e se despede. Ele e Lunariel vieram me fazer companhia, vamos beber em sua honra até acordar no dia seguinte no telhado do celeiro e sem sapatos.
Parabéns pelo seu dia.
Com amor, papai.
Conforme eu lia as cartas, as lágrimas desciam pelo meu rosto e muitas emoções se apoderavam de mim. Ezarel e Nevra apenas leram as duas primeiras comigo antes de perceberem que eu devia lê-las sozinhas. Havia uma carta para cada aniversário meu e outras falando de outras ocasiões. Eu ficava feliz e triste ao mesmo tempo. Podia sentir todo o carinho que ele colocava em cada letra e ao mesmo tempo o vazio pela minha ausência. Eu nunca pensei que fosse sentir tanta falta dele, mesmo não o conhecendo.
A conversa com Ulfhildr passou pela minha cabeça. Se não fosse por ele e por lorde Lunariel, eu nem sei o que seria do meu pai. Pelas cartas parece que ele projetou o sentimento paterno em Ulfhildr, tanto que em uma ele mencionou que o ensinou a lutar e eles lutam ocasionalmente. Antes de ir embora, o príncipe Edlin disse que a pior coisa era se tornar parceiro de luta de Ulfhildr.
Continuei lendo as cartas uma a uma. A melancolia do meu pai se tornava mais evidente quando eu lembrava da minha conversa com Ulfhildr, mas o meu pai disfarçava e mudava de assunto para deixar meu coração quentinho com o carinho que tinha por mim. Mesmo assim eu não conseguia evitar o vazio que sentia ao pensar em como ele deve estar. No fundo, sou grata ao lorde Lunariel por sempre lhe fazer companhia.
Dagma,
Eu soube que você está grávida. Quem diria, o meu bebê vai ter um bebê! Se ao menos sua mãe estivesse aqui para ver isso, até imagino o que ela diria. Quase consigo ouvir a voz dela querendo matar seus namorados. Desculpe, eu vou terminar por aqui. Parabéns pelo bebê.
Com amor, papai.
A carta era curta e terminava de forma abrupta. Tinha algumas manchas no papel, como se estivesse molhado e secado. Pelo tamanho das manchas pude constatar que eram lágrimas. Senti um aperto no coração. Levei a carta ao peito e a deixei lá por algum tempo, como se fosse tentar amenizar a dor que estava sentindo. Não sei quanto tempo demorei guardar a carta e abrir outra.
Dagma,
Finalmente pude te conhecer. Lamento que nosso tempo tenha sido curto, mas eu não podia ficar muito tempo. Fiquei tão feliz ao te ver! Você cresceu tão linda. Percebi que está com problemas, eu espero que não seja o que estou pensando.
Tenho sorte de Taiguara não poder vir aqui, mas ele foi reclamar com Lunariel junto com Lady Jaciara e passar a repreensão para mim. Você não deve conhecê-la, é a mãe da Taynara e líder do Clã Jaci. Lunariel me repreendeu pelo que eu fiz, mas ele foi bem brando. Coitado, ele deve ter ficado tonto com o tanto de bronca que ouviu daqueles dois. Pelo menos foram só eles.
Vamos deixar as broncas para outro dia. E você, como está se sentindo? Tem se alimentado bem? E Aria, como está? O bebê está saudável? São tantas emoções e tanta coisa que quero te perguntar! Como eu queria um dia de chuva que você não estivesse no QG para sair escondido de novo! Não que o QG seja ruim, eu só não quero alarmar os moradores com a minha presença e como eu sei que as notícias voam, posso acabar em maus lençóis.
Eu sei que faltam poucos anos para terminar a minha sentença e como líder do Clã Sól não posso colocar tudo a perder. Eu só saio de casa para ir à arena ou ao conselho, pois querendo ou não eles ainda precisam do meu voto. No entanto, eu não consigo evitar! Negar a um pai o desejo de ver sua filha é cruel demais! Me perdoe se por acaso eu não puder cometer esta loucura novamente, eu preciso fazer isso por mim, por você e pelo Clã Sól. Espero que entenda.
Com amor, papai.
As últimas cartas falavam das complicações da minha gravidez e dos amigos que eu tinha feito. Ele tinha uma alegria infantil ao falar sobre mim e pelas cartas dava para ver que ele gostava muito de Ulfhildr. Talvez ele tenha mesmo projetado nele todo amor que ele não pôde me dar. Meu coração se apertava com esses pensamentos. As batidas na porta me tiraram de meus devaneios. Tingsi entrou.
- Ezarel e Nevra disseram que você precisava ficar sozinha. Está tudo bem?
- Mais ou menos. Eu estava lendo as cartas do meu pai.
- Como ele está?
- Resistindo. Percebo que ele sente a minha falta e o quanto a minha ausência o afetou, mas ele tenta não deixar transparecer e nem me deixa a par da situação.
- Complicado.
- É.
- O meu também me enviou uma carta. O Aphelion me entregou ontem.
- Mesmo? E o que diz?
- Olhe você mesma. – Ela me entregou a carta.
Tingsi,
Eu sei que não tenho o direito, mas queria desejar parabéns pelo seu aniversário. Gostaria de ter ido, mas eu sei que sou indesejado e se eu fosse só estragaria o seu dia com discussões em andamento. Por isso pedi para Aphelion entregar esta carta, nós temos tanto para discutir. Quero que saiba que eu não a deixei de lado, mas ao mesmo tempo eu não sei como me reaproximar de você.
Quando você nasceu surgiram problemas internos os quais não pude negligenciar e não posso explicá-los aqui. Eu sei que poderia entrar com uma ação e um pedido de DNA, mas o meu sangue é muito diferente do seu. O seu pode se passar pelo humano ou faery, mas o meu claramente me denunciaria. Eu poderia entrar com um pedido de adoção, mas a Terra é burocrática e tem milhares de formas de proteger a criança durante a adoção, fora a fiscalização. Eu não poderia me ausentar por muito tempo e muito menos me passar por um estrangeiro querendo adotar visto que os países europeus ainda são muito nacionalistas. Nesse caso, agradeço aos deuses por você não ser alemã. Eles defendem os deles de uma forma que nunca vi.
Eu poderia tentar me reaproximar quando você alcançou a maioridade, mas o que eu deveria dizer? “Tingsi, eu sou o seu pai e não fui comprar cigarro?”. Como eu disse, eu não sei como me reaproximar. Seu tio Aphelion acha que eu posso simplesmente ir até o QG e falar com você, pois com ele foi tranquilo, mas não é dele que você tem raiva. Como poderia? Seu tio é do tipo que te acobertaria para fazer o que você quisesse.
Eu lamento pelos anos que perdemos e por eu não ter podido presenciar a mulher maravilhosa que se tornou. Eu lamento por não ter conseguido evitar o que aconteceu com sua mãe e por tê-la deixado sozinha, eu lamento por não ter te ajudado quando mais precisou, mas saiba que eu cuidei de você de longe, mesmo que não tenha percebido. Não se preocupe com as suas contas, eu jamais a deixaria passar fome seja na Terra ou em Eldarya. Lamento por tudo, espero que possa me perdoar um dia, mas irei entender se não quiser.
Seu pai, Lorde Lunadriel do Clã Chang’E.
Conforme eu lia, mil perguntas e pensamentos brotavam em minha mente. Ele era tão formal! A carta inteira era um pedido de desculpas, mas o que chamava a atenção era ele falar da Terra. Eu me lembro que Tingsi comentou sobre seus pertences da Terra terem sido deixados fora do seu quarto e Taynara, Jacira, Solange e Taiyang sabiam cantar e dançar as músicas terrestes muito bem, coisa que ninguém aqui do QG conseguia.
- Eu me sinto meio mal por isso. – Ela disse. – Sinto que as palavras dele são verdadeiras, mas eu não consigo evitar de ficar puta com ele.
- O que ele quis dizer com DNA e sangue?
- DNA é o nosso código genético. As células da pele, o sangue, saliva, tudo em você carrega características únicas. Tipo, se estivéssemos na Terra e alguém pudesse analisar o seu sangue, conseguiria descobrir o seu sexo, a sua cor de cabelo, se tem alguma doença hereditária, até mesmo se as pessoas são parentes, para quais doenças você tem anticorpos e o sangue ainda serve para dizer se você é compatível para doar órgãos para uma pessoa.
- Nossa! Ele pode fazer tudo isso?
- Pode. Geralmente analisam o sangue por ser bem mais rico. Isso é com Elena, eu sou uma negação em biologia.
- É com os exames de sangue que fazemos?
- Não exatamente. Os nossos são feitos acho que por uma máquina e são mais completos. Tem até uns aparelhos que vendem para o público para acompanhar a quantidade de açúcar no sangue. É ótimo para quem tem diabetes.
- Diabetes? É assim como vocês chamam a doença do açúcar?
- É, não me pergunte por quê.
- A Huang Jia vai ficar louca quando descobrir.
- Ela já está. Ela leu a carta comigo e fez a mesma pergunta. Eu tive que ensiná-la a pesquisar no Google Acadêmico. Agora ela resolveu ler uma porrada de artigos científicos. Vamos mudar de assunto? Eu vim te buscar.
- Para que?
- Para a gente ajudar o Karuto com a limpeza da festa e começar a organizar a cantina para a nossa festa de Halloween.
- Verdade, eu tinha esquecido!
- A gente ainda tem que acertar os últimos detalhes e tirar a Jia do computador.
Fomos buscar Huang Jia no quarto da Tingsi antes de irmos ajudar o Karuto. Nosso café da manhã foi bolo de capuccino e algumas frutas. Eu achei que fosse sobrar mais bolo, mesmo com os habitantes levando pedaços para casa. O pessoal gostou mesmo dos bolos a ponto de repetir, só Tingsi provou um de cada. Confesso que também comi mais do que deveria. Desde que comecei a tomar as poções que Kauan me deu, a minha gravidez melhorou muito e eu comecei a ter desejos estranhos, mesmo com a gravidez chegando ao fim.
Dois dias depois chegou o Halloween, mas o trabalho não acabou. Estávamos ajudando o Karuto com as comidas temáticas não só para a festa como também para o dia todo. A festa seria depois dos doces e travessuras. Tingsi obrigou todo mundo a usar fantasia para entrarmos no clima junto com as crianças. A minha era de fadinha, eu tive que usar asas falsas e uma coroa de flores laranjas, além do meu vestido amarelo que lembrava uma flor. Nevra estava de pirata para aproveitar o tapa olho e Ezarel apareceu vestido de vampiro.
- Hei, eu não sou assim! – Reclamou o vampiro.
- Mesmo? Pois para mim é exatamente assim como você se parece.
- Ez, você me paga!
- Eu vou chupar o seu sangue!
- Ez!
- Meninos, por favor. Podem se comportar um pouco?
- Ele que começou!
- O que? Vampiros não são assim?
Às vezes parece que namoro duas crianças. Fomos nos encontrar com Tingsi e os namorados dela. Ela estava de bruxinha, Huang Jia de enfermeira terrestre, Valkyon de bárbaro e Leiftan de fantasma da ópera. Quando começou a anoitecer, as crianças saíram para pedir doces. Até o Chrome foi vestido de bruxo para pegar doces. Nós da Guarda de Eel também ficamos de dar doces. A carinha de felicidade das crianças ao gritar “gostosuras ou travessuras” e após receberem os doces foi a coisa mais fofa que já vi.
- Gostosuras ou travessuras?! – Gritou o Mery vestido de pirata com o Milo de fantasma.
- Vocês dois estão uma graça. – Falei colocando os doces no balde.
- Obrigado. – Disse Milo.
- Essa ideia foi muito boa. – Disse Leiftan. – As crianças estão realmente felizes.
- E nós também ficamos com os doces. É bom que podemos dar um pouco de alegria para esse povo tão sofrido, ainda mais depois dos últimos eventos.
- Concordo. Acho que isso pode virar tradição além do que os humanos chamam de Natal.
- Tomara, assim ano que vem podemos sair com nossas filhas para pegar doces.
- Mas bebês não podem comer doces.
- A gente come por eles.
- Isso se o Nevra e o Ezarel não acabarem com os doces antes. – Disse Valkyon vindo para perto da gente. – Tingsi foi ajudar Ewelein a distribuir pasta de dente também.
- Ah, sim, eu tinha me esquecido. Ela ficou preocupada com o dano que o açúcar pode causar aos dentes e perturbou a Ewelein, o Purroy e a Huang Jia para criar pasta de dente. Ela até ficou de fazer um workshop ontem.
- Vocês pensaram em tudo mesmo.
Conforme a noite ia avançando, as crianças iam terminando de pedir doces e iam trocando os que não gostaram tanto pelos que mais gostavam umas com as outras. Elas dividiam a alegria de experimentar a primeira bala com os amigos, era algo tão fofo. O Jamon também estava de fada e a carinha dele dando doces para as crianças foi a coisa mais fofa que eu já vi. Infelizmente elas tiveram que voltar para casa, carregando seus baldes cheios de doces. A festa iria começar.
- Vocês vão para a festa? – Perguntei a Jamon e Valarian quando os encontrei no refúgio.
- Jamon não participar. Jamon fazer ronda e proteger o QG.
- E eu fiquei de ajudar a Tingsi a nova iniciativa.
- O que ela inventou dessa vez?
- Nem todos os membros da guarda irão para a festa, então ela teve a ideia para esses membros ficarem de babá para os pais poderem ir. Eu fiquei de recrutar esses membros junto com a Colaia e vou tomar conta do Mery esta noite.
- Que ideia maravilhosa!
A festa foi bem animada e a comida estava assombrosamente deliciosa. Tingsi tinha arrumado um jeito de fazer gelo seco ou pelo menos de substituir e colocado nas bebidas com uma pinça para fazer uma fumacinha que deu um toque especial. Claro que ela falou sobre isso antes e nós testamos ontem. Ficamos umas duas horas só observando a fumaça sair de um copo de suco de tão legal que era. A festa foi um sucesso!
===Tingsi===
O tempo foi passando e a hora do parto chegando. Pelo menos era a minha impressão porque pré-natal não existe aqui e todos os exames que fiz foram concentrando poder espiritual com ajuda de Lun.
Eu voltei a praticar taichi, só que eu faço durante a noite porque ninguém vem encher o meu saco e porque eu me sinto melhor. Meus movimentos não estão tão fluidos como antes por causa da barriga e eu preciso ir mais devagar para me cansar menos, mas minha articulação melhorou muito. Eu estava praticando durante uma noite na cerejeira quando notei que tinha alguém ali. Era apenas o Valkyon.
- Não tinham te proibido de fazer exercícios?
- Não se eu for devagar e respeitar os meus limites. Veio me assistir?
- Eu vim me despedir.
- Vai sai em missão.
- Isso mesmo.
- Que missão dessa vez?
- É confidencial.
- Não pode me dizer nem para onde vai?
- Sinto muito.
- Quando volta?
- Eu não sei dizer, vou ter uma ideia melhor quando chegar lá. Vai ficar bem sem mim?
- Vou sobreviver.
Ele me beijou como se fosse a última vez. Não era a primeira vez que ele partia para outro lugar por causa de missão, mas todas as vezes que ia, ele me beijava da mesma forma. Demoramos a nos separar e então ele partiu.
Os dias passaram até que Valkyon mandasse notícias e estipulasse quando voltaria. Estávamos no que parecia ser quase o final de novembro. Eldarya tem duas semanas a mais que a Terra, mas de alguma forma as datas festivas coincidem. É bem louco. Eu estava com Huang Jia e Dagma no laboratório de alquimia. Jia estava mexendo com plantas enquanto Dagma tentava ajudar Ezarel, para o desespero dele.
- O que está fazendo? – Perguntei.
- Verificando as propriedades e documentando. Li em um artigo terrestre sobre o eucaliptol e suas e propriedades. Eu pensei que se se eu puder descobrir a substâncias das plantas de Eldarya, extraí-los e combiná-los, eu poderia criar medicamentos mais eficientes. Ou quem sabe novos reagentes.
- Você mergulhou mesmo de cabeça na ciência.
- É uma pena que a gente não tenha um daqueles microscópios ou qualquer um daqueles equipamentos que li a respeito. Você já viu um?
- Sim, no laboratório da universidade. Elena fazia engenharia química e o pessoal de biológicas usa muito o laboratório. Até mesmo o pessoal de pesquisa. Ela ficava doida toda vez que ia lá.
- O que é um microscoptelo? – Perguntou Dagma, que até então estava discutindo com Ezarel.
- É microscópio. É um aparelho humano que dá para ver coisas que não podemos ver a olho nu. – Explicou Jia. – Dá para ver até as células.
- Como é?! – Perguntou Ezarel.
Enquanto Jia tentava explicar a eles o que é um microscópio, eu senti um líquido morno escorrer pelas minhas pernas. Merda, como me mijei?! Espere, isso é água?
- Jia, acho que a bolsa estourou.
Assim que ela pôs o olho em mim, já foi me conduzindo para fora do laboratório. Ezarel parecia em choque e Dagma gritou que o bebê estava vindo. Eu não estava sentindo nada, mas li que isso é assim mesmo quando a bolsa estoura. Estranhei quando nós atravessamos a sala das portas.
- A enfermaria é para lá.
- Tingsi, os partos são feitos dentro de casa.
- NEM FODENDO! E se der merda e precisar de uma cesariana de emergência? Vai fazer em cima da cama?
- Cesariana? – Perguntaram Dagma e Ezarel.
- A gente só faz quando a mãe falece e tem chance de salvar a criança.
- Se foder! Eu não vou parir no quarto. – Cruzei os braços.
- Tingsi!
- A gente pare em hospital justamente para o caso de dar merda.
E fui para a enfermaria, ninguém iria me segurar, ainda mais puta daquele jeito. Senti uma dor enorme no útero e soltei um “puta que pariu” bem alto. Baihu se aproximou de mim.
- Por que estão todos parados? Vamos para a enfermaria.
Ele me pegou no colo e me levou, sem dar oportunidade dos outros protestarem. Na enfermaria, ele me levou até uma maca afastada e me deu uma camisola curta e de tecido claro e simples para trocar enquanto ele passava as informações à Ewelein. Jia chegou e verificou a minha dilatação.
- Ainda não está boa.
- Tomar no cu! Caralho, que dor!
- Vire de costas. – Ele pegou um tipo de injeção. – É uma poção analgésica, tem os mesmos efeitos de uma epidural.
- Você é um anjo, sabia?
- Eu nunca ouvi falar de uma poção analgésica. – Disse Ewelein.
- Nem eu.
Virei e ele aplicou o bagulho sem dar tempo para protestar. Alguns minutos depois, comecei a ficar com frio e o meu corpo começou a tremer, mas confio em Baihu com a minha vida. Eu não estava dilatada o suficiente, então o tigre arrumou uma bola de pilates para me ajudar a fazer exercícios. Era isso ou andar e eu já estava xingando tanto que andar seria pior. Ele mesmo estava me segurando para fazer os exercícios e enquanto me ajudava com a respiração.
- Cadê Leiftan e Valkyon?! – Perguntou Baihu.
- Valkyon ainda não voltou e Leiftan deve estar ocupado, por quê? – Perguntou Ewelein.
- Porque era para ele estar aqui durante o parto.
- Eu não vejo por quê. Ele não sabe....
- Eu tenho direito a um acompanhante durante o parto! – Gritei. – Ainda mais um acompanhante de luxo!
- Tingsi! – Exclamou Jia.
- É efeito da Anestesia. Algumas pessoas podem ficar sonolentas, outras ficam mais falantes. Cuidado que ela não vai segurar a língua.
- Já estamos acostumados com isso.
- Alguém pode buscar o Leiftan e ver o se o Valkyon já chegou?
- Mas os homens não podem ficar durante o parto a menos que seja o médico.
- Na Terra pode, eu quero um parto terrestre!
- Deite-se um pouco. – Ele me ajudou a deitar na cama. – Eu vou trazer Leiftan pelo chifre.
- Pega o corno!
===Leiftan===
Eu estava em uma reunião com a Miiko quando um dos membros da enfermaria veio me chamar com urgência. Tingsi entrou em trabalho de parto e se eu não for para a enfermaria agora, Baihu vai me arrastar até lá pelos meus chifres. Eu não sei ele está falando no sentido figurado ou se sabe da minha real natureza. Imediatamente corri para a enfermaria. Assim que cheguei, Baihu estava massageando as costas de Tingsi.
- Baihu, você vai ficar comigo?
- Prometi que ia estar presente e eu não vou sair até que você para.
- Obrigada, amigo, você é um amigo. – Ela segurou a mão dele.
- Até que enfim você chegou. Cadê o Valkyon? Ele já voltou?
- Eu não sei. Foi para isso que me chamou?
- Não, é porque vocês dois deviam estar aqui apoiando sua namorada. Vai ver se ele já chegou.
- Caralho, ainda está doendo!
- Calma, aguente mais um pouco.
- E se tiver que ser cesariana? Esses putos vão me matar!
- Se for, eu trago Xuanwu para fazer o parto. Vai ficar tudo bem, confia na call. – Cal? – O que você ainda está fazendo aí?
- Só estou vendo o quão preocupado você está. Até parece que você é o pai dessa criança.
- Se eu fosse o pai, teria arrastado Xuanwu pelo rabo antes mesmo de entrar. Está vendo Xuanwu aqui?
Eu tive que sair para procurar Valkyon. Ele ainda não havia retornado de viagem, então não estava no QG. Apesar disso, fiz um esforço para procurá-lo. Quando cheguei à grande porta para perguntar aos sentinelas se ele tinha retornado, vi sua silhueta ao longe. Corri até ele.
- Valkyon, graças aos deuses você retornou!
- Aconteceu alguma coisa?
- Tingsi está dando à luz.
Corremos para a enfermaria. Ele sequer guardou sua mochila no quarto. Ouvimos os gritos e xingamentos de Tingsi. Quando entramos, Baihu segurava seus ombros, Ewelein e Huang Jia estavam em frente as pernas dela. Sua intimidade estava exposta e havia algo saindo de dentro dela, parecia ser uma cabeça. Senti meu rosto empalidecer e minhas pernas fraquejarem. Olhei para Valkyon e ele parecia petrificado, ele só se moveu quando me viu. Se ele não estivesse ao meu lado, meu corpo teria ido de encontro ao chão frio.
- Se vai passar mal, encoste na parede e sente no chão, pois estamos aqui para auxiliar a mãe. Vão ficar parados feito plantas?! Venham aqui!
Valkyon me levou até eles. Baihu nos instruiu a ficar cada um de um lado dela e segurar uma de suas mãos. Eu fiquei com a esquerda e Valkyon com a direita. Ela fazia força e parava para descansar. Cada vez que ela fazia força, mais a cabeça do bebê saía. Se não fosse por ela quase esmagar a minha mão, eu teria desmaiado.
- Leiftan, você está bem? – Questionou Valkyon preocupado.
- Vou ficar.
- Mais força, garota! – Instruiu Baihu.
- EU ESTOU TENTANDO! QUER PARIR NO MEU LUGAR?!
- Está quase! – Exclamou Huang Jia. – Um pouco mais de força!
- Caralho, é um ovo essa porra?!
- Ovo o caralho, aqui é time mamífero, porra!
Tentei me concentrar no rosto dela. Estava ensopado de suor, o cabelo desgrenhado, o cansaço evidente e a boca mais suja que a de um marinheiro xingando a tudo e a todos. Valkyon estava prestando apoio e às vezes limpava o suor de seu rosto com um pano molhado sem soltar a sua mão.
Então ouvimos um choro alto, forte como um trovão. Meu coração explodiu de alegria e não consegui mais parar de sorrir. Valkyon estava tão feliz quanto eu, vi lágrimas brotarem no canto de seus olhos. Huang Jia também sorria enquanto limpava o rosto da criança com um pano. Foi então que percebi por que Baihu fazia tanta questão da nossa presença. Vivenciar aquele momento, ver aquele pequeno ser vir ao mundo, era o maior presente que qualquer um de nós poderia receber.
Tingsi estava exausta, sua respiração ofegante, mesmo assim ela pegou a criança nos braços. Ela ria e sorria, mas logo o sorriso desaparecia e reaparecia. Darja nasceu sob o signo de sagitário. Ela ainda estava ensanguentada, por isso Ewelein a levou para limpá-la melhor. Assim que se recuperou um pouco, Tingsi se virou para Baihu. Eu tinha me esquecido completamente de sua presença, o que era estranho, pois era impossível que ele passasse despercebido.
- Eu nunca mais quero parir na vida.
- Acho difícil, aqui não tem camisinha.
- Puta merda. Dá para arrancar o meu útero?
- Tingsi! – Valkyon a repreendeu. – Isso é coisa que se fale?!
- Pare você então. Ou bota um ovo.
- E se quisermos ter outro? – Perguntei.
- Arrume um útero e pare você. Por isso quero tirar o meu.
- Não existe esse tipo de cirurgia aqui e duvido que Xuanwu o faça.
- Merda. Me dá então aquela poção anticoncepcional?
- Quer pegar câncer de ovário de graça?
- Quero.
- Isso não é difícil de acontecer.
- Eu colo a boceta com superbonder então.
- E onde você vai achar?
- Purral trafica para mim.
- Tingsi, por favor, pare de falar besteira! – Disse Huang Jia.
- É efeito da anestesia misturada com o cansaço, deixa as pessoas atordoadas. Não se preocupem, ela está bem.
- Bem?! Eu caguei um peru de natal pela vagina! Xuanwu!
- Vejo que o parto acabou. – Disse Xuanwu ao entrar na enfermaria.
- Tira o meu útero?
- Eu não posso fazer isso. Ouvi dizer que uma mulher está com dificuldades em dar à luz no refúgio. Vim pegar material para fazer uma cesariana de emergência.
- Mas cesarianas só são feitas.... – Ewelein começou a dizer quando chegou com o bebê enrolado em panos limpos.
- Ainda bem que os terrestes arrumaram um jeito de fazê-las de forma segura e que todos fiquem vivos. Eu posso ensiná-las, mas precisamos ser rápidos.
- Vão com ele. – Aconselhou Baihu. – Irei levar Tingsi até o quarto para banhá-la antes que pegue uma infecção nesta cama ou algo assim. Você que está passando mal, vem me ajudar, Valkyon cuida da criança.
E assim foi feito. Baihu pegou Tingsi com cuidado enquanto Huang Jia me deu um remédio para a pressão. Enquanto as meninas seguiram Xuanwu, nós dois fomos até o quarto com Baihu. Eu fiquei com a tarefa de banhá-la enquanto ele insistiu que iria preparar a cama. Quando saímos do banheiro, vimos apenas Valkyon no quarto segurando Darja nos braços. Ele a olhava com tanto zelo com um sorriso no rosto que eu tinha a impressão de que iria babar no bebê.
- Onde está Baihu? – Perguntei.
- Disse que tinha que resolver algumas coisas, mas que voltaria depois. Ele me passou algumas recomendações.
A cama estava preparada para que Tingsi se deitasse e a bebê usava um macacão branco enquanto estava enrolada em uma manta rosa. Valkyon a entregou a mim para ajudar Tingsi a deitar. Pela primeira vez eu a olhei atentamente. Darja era a cara de Valkyon. Tinha o mesmo tom de pele, a mesma cor de cabelo, até os olhos eram iguais aos dele.
Por um lado, fiquei aliviado por ser dele, mas por outro fiquei chateado por não ser minha. Ela era um pouco grande, mas era tão e frágil e tão indefesa. Ela começou a chorar.
- Calma, está tudo bem.
- Deve ser fome. – Disse Tingsi. – Traz ela aqui.
Eu a levei até a mãe. Tingsi desabotou um dos fechos da camisola, expondo seu seio direito. Ela segurou Darja nos braços, a levando até ele, a amamentanto. Eu não conseguia tirar os olhos da cena, Valkyon também não.
- Ela mama com força. – Disse Tingsi. – Vai arrancar o meu mamilo um dia desses.
- Vai ser forte como o pai. – Comentei, deixando Valkyon orgulhoso.
- Só espero que não tenha o gênio e a delicadeza de Monchon da mãe.
- Hei!
- Olhe só a carinha dela.
- Acho que temos um pai babão. Leif, você está melhor?
- Sim, obrigado por perguntar.
- Valkyon, pode abrir a mesa de cabeceira e pegar uma pequena caixa para mim?
- Claro. – Ele o fez. – É essa aqui?
- Sim.
Tingsi pediu para que ele a abrisse e ele o fez. Eram pequenas contas de madeira perfeitamente redondas com símbolos esculpidos nelas, como aquelas contas de proteção que podemos adquirir nos templos. No entanto, senti um imenso poder emanar delas. Tingsi as colocou ao redor do pulso de Darja, elas se ajustaram até ficar do tamanho do pulso dela. Pouco tempo depois, Huang Jia entrou no quarto maravilhada. Ela me perguntou se eu estava melhor e ficou ainda mais encantada quando viu Darja, que a essa altura tinha acabado de se alimentar.
- Ela é ainda mais linda depois de limpa.
- Quer segurar?
- Só um pouquinho. – Tingsi entregou Darja a ela. – Ela é muito fofa. Essas são contas são poderosas. – Ela analisou as contas no braço. – Quem fez?
- Qinglong. Ele me deu de aniversário e disse para dar à minha filha.
Eu soube exatamente por que ele queria protegê-la, preciso agradecer a ele depois. O quarto foi invadido pelos demais membros da guarda para ver o bebê. Huang Jia tinha que tomar as precauções para não deixar as pessoas em cima da criança enquanto Tingsi berrava para lavarem as mãos ou iria atirar facas nas pessoas. O tumulto cessou quando Baihu apareceu na porta.
- Mas que confusão é essa?! Vocês estão assustando a criança! Fora daqui! – Ele expulsou todo mundo. – Voltem na parte da tarde! Dois ou três por vez.
- Valeu, Baihu. – Tingsi agradeceu. – Veio ver a Darja?
- Vim ver você. Como está se sentindo?
- Cansada.
- Está com fome? Quer alguma coisa? Gelatina é boa para a cicatrização.
- Me dá um pouquinho?
- Claro. Vai lá buscar. – Ele foi empurrando Valkyon para a porta.
- Por que eu?
- Eu sou o pai por acaso?
Não teve jeito, Valkyon teve que ir. Mal ele saiu e Zhuniao entrou no quarto. Ele ficou encantado ao ver Darja, mas se sentou na cama perto de Tingsi.
- Como você está, menina?
- Cansada, descabelada, eu estou horrível!
- Isso é fácil de dar um jeito. Permita-me.
Ele foi até a pendeadeira, pegou um pente de madeira e começou a pentear o cabelo dela. Huang Jia e eu ficamos surpresos que nenhum dos dois quis segurar a criança e sim dar atenção à mãe. Valkyon voltou com a gelatina para Tingsi comer.
- Meu corpo dói.
- A anestesia deve estar passando. – Disse o homem de branco. – Você pode sentir um pouco de tontura quando se levantar agora que está sem a barriga. Por isso, precisa ficar em repouso o máximo que conseguir.
- Também com aquela barriga amassando os seus órgãos. – Disse o homem de vermelho. – Vai levar uns dois meses até voltar ao normal. Até lá, vai ter que ficar sem relações sexuais.
- Evite se estressar garota. E vocês três evitem deixá-la sobrecarregada ou estressada. É sério, a mãe precisa de muito apoio durante esse tempo.
- Durante esse tempo? Durante a vida, ou acha que o filho vai crescer magicamente daqui a um ano, se tornar um adulto e parar de fazer besteira?
O olhar que ele nos lançou arrepiou até a minha alma. Qinglong e Xuanwu entraram no quarto. Zhuniao ainda deu uma caixa com um chocalho, afinal, não se visitava um bebê pela primeira vez sem trazer um presente. Qinglong foi lavar as mãos para pegar Darja no colo, já Xuanwu se dirigiu à Huang Jia.
- Aqui estão as receitas das poções anestésicas, os projetos de agulhas mais finas e das linhas de sutura, além dos procedimentos e minhas recomendações.
- Muito obrigada.
- Tingsi, podemos ficar a sós um minuto?
- Terapia logo agora?
- Sim.
Qinglong colocou Darja no berço e Xuanwu ficou para a terapia. Segundo eles, era bom que a mãe tivesse acompanhamento psicológico durante o resguardo. Fomos até o salão principal comemorar com nossos amigos. Xuanwu se juntou a nós algum tempo depois.
- Como ela está? – Perguntei.
- Dormindo. É bom que descanse bastante.
- Irá se juntar a nós? – Convidou Valkyon.
- Depois, ainda tenho outra mãe para visitar. Aproveitem a comemoração.
- A gente guarda a sua bebida. – Disse o homem de branco.
- Obrigado, irmão.
===Nevra===
Dois dias se passaram desde que Darja nasceu. Valkyon estava todo bobo com a filha, quanto a mim? Eu estava treinando meus recrutas no porão quando um membro da enfermaria veio correndo me avisar que Dagma tinha entrado em trabalho de parto. Ezarel já estava lá segurando a mão dela, além dele estavam apenas Ewelein, Huang Jia e Dagon com um colete com bolsos.
- Nevra, ainda bem que você chegou! – Disse a fenghuang.
- Já nasceu?
- Não, mas precisamos que você fique ao lado dela.
Eu fui para o seu lado esquerdo e segurei sua mão. Dagma apertava nossas mãos enquanto fazia força. Mesmo ela se esforçando muito, não havia sinal do bebê. Ewelein apalpou a barriga, o rosto dela empalideceu.
- A criança está virada. – Declarou a elfa. – Temos que dar um jeito de desvirá-la ou teremos que operar igual a ontem.
- Vou pedir para alguém trazer Xuanwu.
- Não precisa, eu estou aqui.
De onde ele veio?! Não pude perguntar porque Dagma esmagou a minha mão. Os três tiveram trabalho ao desvirar a minha filha, mas conseguiram realizar tal façanha. O cheiro de sangue subiu até minhas narinas. Era inebriante, simplesmente delicioso. Saí dos meus devaneios depois que Ezarel deu um tapa na minha nuca. Tive que me controlar para não entrar em transe de novo.
- Queime um pouco de erva ácida perto dele. – Orientou Xuanwu.
- Dagon, erva ácida.
O BlackDog saiu da enfermaria e retornou com um punhado de erva ácida na boca. Huang Jia colocou em uma tigela e queimou perto de mim. O cheiro forte contaminou o cheiro de sangue, o que foi uma boa notícia. Começamos a ver a cabeça do bebê. Ezarel desmaiou na hora.
- Ez!
- Dagon, pegue o frasco de cheiro naquela bancada e dê ao Nevra.
Dagon fez o que ela pediu. Peguei o frasco, o abri e o coloquei perto das narinas do elfo. Ezarel começou a despertar, mas foi só olhar para baixo e ver o bebê que ele desmaiou de novo.
- Quando for assim, bata nele.
Todos arregalamos os olhos com a frase de Xuanwu. Tive que acordar Ezarel de novo e quando ele ameaçou desmaiar, Dagma deu um tapão no rosto dele e gritou para olhar para a cara dela. Ela estava muito estressada. Ez e eu segurávamos suas mãos e trocávamos olhares. Dagma gritou e então ouvimos um choro. A gente começou a sorrir, meu corpo estava tomado pela euforia e meu coração cheio de felicidade. Minha filha, eu tenho uma filha! Ewelein a limpou um pouco e deu para que Dagma a segurasse por um momento. Ela era tão pequena e tão linda com a pele clara, as orelhas pontudas e o cabelo preto. Ela é a minha cara!
- Você pariu um novo Nevra! – Ezarel queria implicar comigo.
- Agora ele vai ficar insuportável.
- Vocês estão com inveja porque eu sou lindo.
- Preciso limpá-la antes que possam levá-la. – Disse Ewelein.
- E eu que peguem uma maca para levar Dagma para o quarto.
- Por que uma maca? – Perguntei.
- Porque é a forma correta de locomover pacientes, principalmente gestantes.
- Mas Baihu levou Tingsi no colo.
- Baihu é um irresponsável.
Impressão minha ou a voz dele mudou? Nós a levamos para o quarto Ezarel ficou de dar banho nela enquanto nós preparávamos a cama. Huang Jia iria trazer a Eztli quando terminassem de limpá-la e fizessem alguns exames para ver se era saudável. Dagma saiu do banheiro com uma camisola de amamentação e apoiada em Ezarel. Nós a levamos para a cama e a cobrimos.
- Voltarei mais tarde para averiguar como está.
- Mas está de noite. – Ez disse. – Não vai ficar muito tarde?
- Está tudo bem. – Dagma se pronunciou. – Se Xuanwu acha necessário, melhor não contestar.
Achei melhor ir atrás dele com a desculpa de ver como estava Eztli. Ez iria cuidar de Dagma e ver se ela queria algo.
- Não pode deixar para amanhã?
- Não, eu tenho que averiguar antes de ela dormir. Depois do parto, a taxa de hormônios cai drasticamente. Algumas mães não deixam ninguém chegar perto do bebê, outras podem adquirir depressão pós-parto e algumas até mesmo matam seus filhos. Por isso, é preciso prestar todo o tipo de apoio e evitar o estresse o máximo possível.
- Entendo. Eu não sabia disso.
- Irei dar algumas das recomendações que dei a Valkyon, Leiftan e Huang Jia, mas eu preciso observar como ela vai se comportar esta noite.
Fomos juntos à enfermaria. Ele não só iria devolver a maca como também iria ajudar Ewelein a reformular a enfermaria para poder fazer novos partos. Seria melhor do que em casa não só por uma questão de higiene como também por uma questão de segurança para a mãe e para o bebê.
Peguei Eztli no colo. Ela era tão linda, parecia uma bonequinha. Não aguentei quando ela abriu os olhinhos para me ver. Até os olhinhos são cinzas como os meus. Ela é uma graça.
- Já nasceu?! – Perguntou Karenn ao encontrar comigo no corredor.
- Sim. Olha só que coisa mais fofa.
- Parece uma bonequinha.
- É a minha cara.
Eztli começou a chorar. Achei melhor levar até a mãe para que ela pudesse amamentar. Karenn veio comigo. Eu não conseguia parar de admirar a minha filha.
- Tem certeza que o seu irmão não é um Jipinku disfarçado? – Perguntou Ezarel. – A língua dele está quase no chão de tanto babar.
- Está até fazendo uma poça.
- Seus chatos! – Mostrei a língua.
- A minha sobrinha é tão linda!
- Também, puxou a mãe.
- Hei, é claro que puxou a mim! Ela é a minha cara!
- Está dizendo que eu sou feia?
- Não, meu amor. Você é linda como as flores do meu jardim.
- Que jardim que você tem?
- É, porque você sempre foi uma negação com plantas.
- Vão ver se eu estou na esquina!
Aqueles dois tiraram o dia para me atazanar. Apesar disso, ficávamos encantados com os barulhinhos que Eztli fazia. Zhuniao apareceu com um chocalho de presente, seguido por Qinglong e Baihu para nos parabenizar. Quando Xuanwu apareceu, entendemos que tínhamos que sair do quarto. Ele ficou com Dagma até que ela dormisse de cansaço. Foi então que nos passou as recomendações. Ez e eu achamos por bem dormirmos juntos dela.
Não sei o que o futuro nos reserva, mas sei que nossas vidas vão mudar daqui para frente.
Continua em As Crônicas de Eldarya: A Ascenção do Sol e da Lua