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As Crônicas de Eldarya: A garota do cabelo verde-água

Chapter 4: Capítulo 4

Chapter Text

Acordei com os mascotes pulando na cama. Essas criaturas têm muita energia. Ainda grogue pelo sono, peguei meu celular para ver a hora, esqueci que o relógio tinha parado e só indicava se era manhã tarde ou noite. Muito útil.

 

- Já acordei! – Reclamei.

 

Levantei puta, afinal, hoje seria minhas aulas de alquimia e de forja, mas aí lembrei que meu querido chefe não tinha me dado os horários. Ótimo. Coloquei uma roupa e abri a porta. Tropecei em algo que estava lá.

 

- Merda!

 

Procurei pelo que tinha tropeçado, mas o corredor estava escuro. Espera, ainda é madrugada? Mas que porra! Tateei pelo escuro, mas não tinha interruptor no meu quarto. Acendi a lanterna do celular e quando me acostumei com a claridade cegante, vi que tinha uma caixa de papelão na porta do meu quarto. Havia um papel dobrado ali como meu nome escrito de forma elegante.

 

- Quem deixou isso aqui?

 

Empurrei o negócio para dentro e fechei a porta. Os mascotes não paravam quietos. Antes de abrir a caixa, eu desdobrei o papel. A caligrafia era tão rebuscada que tive problemas para entender.

 

Não pergunte a ninguém sobre o conteúdo dessa caixa, eles não têm ideia do que seja e isso só lhe trará problemas. Eles também não saberiam o que procurar e muito menos trazer para cá.

Um amigo.  

 

Mas que porra?! Entendi nada, mas abri a caixa. Meu queixo caiu. Eu fiquei sem reação, só olhando os itens que estavam lá. Meu notebook que eu tinha comprado com muito custo, minha mesa digitalizadora, escova de dentes, bolsa de remédios, maquiagem, minhas latas de spray, umas poucas roupas e itens pessoais que estavam no meu dormitório da universidade, além de um saco de maanas. A única coisa que não estava ali eram várias das minhas roupas. Aquilo me deixou desnorteada. Como?! Como eles...?!

 

Eu não via mais nada, tudo era turvo e negro. Mil pensamentos passavam pela minha cabeça, mas não conseguia me concentrar em nenhum deles. Voltei à realidade quando um jato de água jogou na minha cara. Ao perceber o que estava acontecendo, vi Sirius na beirada da fonte. Ele cuspiu mais água no meu rosto.

 

- Sirius! Que nojo!

 

Peguei uma toalha para secar o meu rosto e ele cuspiu de novo, dessa vez por diversão. Reclamei com ele, mas o desculpei quando fez uma carinha fofa de cão sem dono. Voltei a olhar a caixa e depois o bilhete. Reparei na caligrafia, se fosse alguém, teria uma letra elegante, talvez eu pudesse descobrir quem era. Pensando bem, não tinha como alguém do QG saber sobre o meu dormitório, eu nem falei o nome da faculdade ou do meu curso! E se essa pessoa trouxe as minhas coisas para cá, isso só pode significar duas coisas: 1- essa pessoa sabe como transitar entre os dois mundos; 2- eu tenho um stalker!

 

Mano, essa pessoa deve me conhecer do meu mundo! Isso é bizarro, mas então por que me entregar as minhas coisas?! Liguei meu notebook e minha mesa atrás de algum aplicativo espião, mas não havia nenhum. Isso não faz sentido, mas por outro lado, estou feliz de ter minhas coisas de volta. Demorei horrores para pagar as parcelas do notebook e da mesa digitalizadora. Não adianta pensar nisso agora, voltei a dormir. Quem sabe de manhã eu não descubro alguma coisa?

 

De manhã, a primeira coisa que fiz foi ligar meu notebook e tentar entrar nas redes sociais. Claro que não deu certo, então pus maanas nas baterias dos eletrônicos. Assim como meu celular, tinha acesso à internet, mas não a qualquer meio de comunicação. Frustrada, guardei os eletrônicos no baú para não correr o riso dos mascotes quebrarem e saí do quarto.

 

Ao amanhecer fui tomar café da manhã. O lugar estava vazio, já que tinham poucas pessoas no QG. Encontrei Nevra tomando o café dele, claro que não perdi a oportunidade de falar com ele.

 

- Oi Nevra, tudo bem?

- Finalmente decidiu que não pode resistir aos meus encantos?

- Ridículo. Vim perguntar se sabe que horas começam as aulas de alquimia e de forja.

- Por quê?

- Valkyon me inscreveu, mas não me passou os horários.

- Então ele achou um jeito de te manter longe de problemas? Isso é genial.

- Haha, vai sonhando que vai ser fácil assim. Os problemas me procuram até quando estou dormindo.

- Imagino. Bem, as aulas de alquimia devem começar daqui a pouco e geralmente as aulas de forja são depois.

- Obrigada.

- Vê se tenta não melecar a sala inteira.

- Com a sorte que eu tenho, é capaz da sala não ter mais teto.

- Ainda bem que você é responsabilidade do Valkyon.

 

Terminei o café e fui para a sala de alquimia. Para o meu azar, quem ministrava as aulas era o Ezarel. Tentei dar o meu máximo, mas só saía merda. Ou esse elfo está me passando instruções erradas como vingança ou eu sou uma bosta em alquimia. Ou podem ser os dois. A aula terminou com uma gosma verde e viva ambulante rastejando atrás dos alunos e do elfo, nem preciso dizer que eu quem criei o projeto de Muk. Acontece que a gosma deixou um rastro escorregadio no chão e quem passava, escorregava.

 

Por sorte a aula de forja iria começar e deixei que o Ezarel se virasse com a meleca. Claro que o Valkyon seria o supervisor das aulas de forja e aproveitou para ficar de olho em mim. A aula foi um desastre, derrubei o metal no chão, passei do ponto, quebrei a lâmina, mas poderia ser pior.

 

- Me encontrem na cerejeira depois de comer. Irei treinar a turma em combates.

 

Nós vimos um figurante aleatório escorregar na meleca no chão e dar de cara na parede. Valkyon apenas olhou para mim e arqueou a sobrancelha.

 

- Eu que não vou limpar. Eu limpo por maanas e você me proibiu de trampar.

- Proibi de que?

- Trampar, trabalhar. Sem maanas, sem trampo.

- Só vai comer e me encontre depois.

 

E assim o fiz. Terminando o almoço tardio, eu fui para a cerejeira. O próprio Valkyon quem instruiu a pequena turma nos combates. Nem preciso dizer que os outros eram mais avançados do que eu. Eu tive que trocar golpes contra um deles até. Eu já tinha entrado em brigas algumas poucas vezes, mas nada como aquilo, aquilo não era uma briga fora da escola, era combate mesmo.

 

Meu oponente veio para cima de mim, mas eu desviei de forma totalmente improvisada. Acontece que em um golpe que bloqueei, o infeliz enfiou a perna dele por entre as minhas, me derrubou e ainda pisou no meu tornozelo. Ah, mas esse filho da puta não perde por esperar. Anos tentando imitar as divas pop me ensinaram que o chão é o melhor palco, então no chão mesmo, prendi as pernas dele com as minhas e o derrubei.

 

Eu me levantei pleníssima. Mentira, minha perna doía para cacete. Ele tentou fazer o mesmo comigo, mas anos de tai chi me ensinaram a ter equilíbrio e movimentos fluidos, então escapei da armadilha e ainda dei um pisão no tornozelo dele. Infelizmente foi com a perna ruim, então ficamos os dois sentindo dor e segurando o local. Ele no chão e eu me recusando a cair no chão.

 

- Já chega. – Escutei Valkyon falar. – Os dois já para a enfermaria.

 

Na enfermaria, conheci Ewelein, uma elfa bonita de cabelo azul claro e chefe da enfermaria. Para a minha sorte, eu só torci e o cara também. Tive que tomar uma poção para a dor e colocar gelo para desinchar. Pelo menos eu pude voltar para o quarto, depois de prometer 500 vezes que iria continuar com a bolsa no tornozelo.

 

Fiquei no meu quarto com a perna em cima de um travesseiro com uma bolsa de gelo em cima e o notebook no colo. Shaneera, Sirius, Pandy e Snowyn tinham voltado trazendo mais coisas e quando me viram naquele estado, rapidamente subiram na cama e não saíram do meu lado.

 

- Alguém quer ver um filme?

 

Eles me olharam curiosos, então apontei para a tela. Fui procurar por um filme baixado por vias questionáveis porque eu não sou rica para pagar Netflix. Como eles eram bebês, optei por uma animação. Coloquei A Bela e a Fera para eles assistirem. O movimento na tela chamou a atenção deles com o castelo da Disney sendo desenhado. Eles só desgrudavam os olhos da tela quando eu cantava junto com o filme. Sirius e Pandy até tentavam acompanhar, mas eram dois desafinados.

 

A cena era da invasão dos aldeões ao castelo da Fera. Prendi a respiração junto com eles, afinal, as coisas estavam chegando ao clímax. O Gaston iria enfrentar a Fera quando algum arrombado bateu na porta. Eu tive que pausar o filme para a minha frustração e o desespero dos mascotes.

 

- Tingsi, sou eu, o Leiftan. Posso entrar?

- Um momento!

 

Rapidamente eu semifechei o notebook e o coloquei debaixo da cama para ele não ver. Permiti a entrada dele ao mesmo tempo que disse para a minha turminha não contar para ele sobre o aparelho ou eles ficariam sem saber o final do filme. Os mascotes não estavam com um humor bom para recebê-lo.

 

- Aconteceu alguma coisa com eles?

- É que você interrompeu uma história que estava mostrando para eles. Aconteceu alguma coisa?

- Eu soube do que a aconteceu no treino e vim saber como você estava. Não foi sério, foi?

- Não, eu só torci. Com as poções que a Ewelein me deu e o gelo, deve ficar bom amanhã.

- É bom ouvir isso.

- Se bem que eu acho que o cara fez de propósito.

- Não duvido. Muitos não gostam de humanos.

- Vocês nem conhecem os humanos para dizer isso.

- Na verdade, os humanos são a razão de terem criado Eldarya.

- Como é?

- Acho melhor perguntar a Kero sobre isso, eu não sou muito bom em história. Pelo que eu sei, Eldarya foi criada para refugiar as criaturas dos humanos.

- Entendo. A gente faz muita merda e por pouca coisa. É só ver a Segunda guerra Mundial.

- Segunda guerra Mundial?

- É, você sabe, Hitler, Roosevelt, Churchill, o Dia D....

- Sinto muito, mas eu não entendo uma palavra do que está dizendo.

- Espere aí, quando foi que se exilaram?

- Eu não sei exatamente, por muito tempo nós não nos preocupamos em documentar a nossa história.

- Qual a última coisa do mundo humano que você ouviu falar?

- Antes de você, bem.... Joanna D’Arc, eu acho.

- Isso foi na Idade Média. – Comecei a fazer conta de cabeça, demorei um tempo até vir a resposta. – Pelo menos uns 500 anos! 590 e alguma coisa! Quase 600!

- 490. Pelo pouco que me lembro das aulas de história, nosso mundo foi criado 100 anos depois da morte de Joana D’Arc.

- Puta que pariu!

 

Ouvimos batidas na porta. Era Valkyon pedindo para entrar. Leiftan se despediu e saiu, trocando de lugar com meu chefe. Meus mascotes só faltaram surtar.

 

- Qual é o problema deles?

- Querem saber o final da história. O que veio fazer aqui?

- Vim conversar sobre o que aconteceu no treino.

- O que eu fiz dessa vez?

- Nada. – Me surpreendi.

- QUE?!

- Tingsi, você não fez nada. Se eu soubesse o que iria acontecer, eu teria te colocado para treinar com outra pessoa ou nem teria feito isso.

- Explica aí que eu não estou entendendo nada.

- O golpe que recebeu foi proposital, a lesão poderia ter sido mais grave.

- Aquele filho da....

- Muitos acham que os humanos não são confiáveis. Eu não posso culpá-los por isso.

- Ah, mas você vai ver! Eu vou treinar dia e noite para jogar na cara desse povo!

- Eu mesmo não te acho confiável, mas como está sob minha responsabilidade, eu preciso cuidar de você.

- Eu não preciso ser cuidada, eu preciso de meios para me defender. Vocês não sabem nada sobre os humanos.

- Eu sei que graças a vocês tivemos que criar essa terra para nos exilarmos. Acha que estaríamos no seu mundo se não tivéssemos nos exilado?

- Talvez! Nós mesmos somos filhos da puta uns com os outros, mas também temos pessoas maravilhosas no nosso mundo. Fora que as coisas mudam! Monarquias caíram, escravidão foi abolida há o que, mais de 200 anos?! Hoje em dia pessoas do mesmo sexo podem se casar e alguns templos religiosos fazem o casamento, coisa que no tempo de vocês lá não acontecia. Sabia disso?

- Não...

- Pois é. Nós também temos leis trabalhistas, nós escolhemos os nossos governantes pelo voto, as mulheres não são mais propriedade do marido ou do pai, há leis contra violência doméstica, muitas lutas pelos direitos das mulheres, das crianças, dos gays, das lésbicas, dos trans, das pessoas LGBT+, muito se discute sobre liberdade sexual e até mesmo sobre relacionamentos entre 3, 4,5, mil pessoas. Tem muitos desgraçados que parecem viver no passado e são uns cuzões, tem, mas tem pessoas que estão tentando mudar isso e aos poucos conseguindo. Ainda há muito a ser feito, mas e vocês, o que têm feito nesses 490 anos além de culpar os humanos pelo exílio?

 

Ele ficou sem saber o que dizer. Eu só escutei Baihu gritar como se fosse o meme do Turn Down for What e Qinglong perguntando se era mesmo necessário, mas eu tenho a impressão de ter ouvido alguém gritar “pisa mais que está pouco”, só não sei se foi a voz de Zhuniao, da serprnte ou de algum espírito que devia ter escutado a discussão.

 

- A questão que é que não é possível saber como seriam as coisas se vocês nunca tivessem se exilado. Mas se antes as pessoas que eram oprimidas lutaram para terem melhores condições de vida, e hoje ainda lutam, eu não vejo por que vocês não poderiam também. O casamento LGBT+ foi aprovado a muito pouco tempo, há países que ainda é proibido e países em que ser assim dá pena de morte, mas há muita gente lutando para mudar isso. Com a internet então, fica mais fácil se organizar e ter acesso a informações.

- O que é LGBT+ e internet?

 

Tive que explicar para ele o que significava a sigla, as letras depois do mais e o que era internet. Eu tentava explicar o melhor possível. Também expliquei a ele sobre o que tinha mudado, sobre direitos das mulheres, que alguns países ainda as tratam como propriedade, crimes de guerra, direitos dos animais, poliamor, enfim, muitas questões. Ele ficou chocado com muita coisa e se enrolou com as letras da sigla. As três primeiras ele sabia o que era, mas do T em diante era novo, por assim dizer. Em uma coisa nós pudemos concordar: humanos eram complicados.

 

- Quando se trata de humanos, nós não somos bons ou ruins. Tem gente que é escrota que nem o cara que tentou quebrar o meu tornozelo, tem gente que é ruim e tem gente que é como o Kero, gentil e que tenta ajudar os outros. Eu tenho que me desculpar com ele.

- Seria bom. Sempre ouvi dizer que humanos eram egoístas e gananciosos.

- Nós somos isso também, mas também podemos ser solidários e gentis. Não somos pretos ou brancos, somos cinza, e talvez sejamos mais parecidos em alguns aspectos do que imagina.

- Como quais?

- Não sei, vamos descobrir.

- Por enquanto se cuida e amanhã estará dispensada do combate, mas só amanhã por causa do tornozelo.

- Entendido, capitão.

 

Ele saiu do quarto e fechou a porta. Xuanwu me parabenizou pelo diálogo que tivemos e me alertou para tomar cuidado. Eldarya também era evoluída em alguns aspectos, mas era medieval em outros. Peguei o notebook e coloquei no colo.

 

- Quem quer ver o final do filme?

 

Os mascotes se animaram e voltamos à assistir a cena. Eles ficaram chocados e maravilhados também, então coloquei Tarzan. É incrível como as músicas têm outro significado quando a gente cresce, ainda mais Two Worlds (Dois Mundos) e Son of a Man (Como um grande homem deve ser), essa então eu me empolguei ao cantar e me identifiquei ao mesmo tempo. Acho que será a música da minha vida nos próximos dias.

 

No dia seguinte eu só fui para as aulas de alquimia e forja. Meu tornozelo estava melhor, mas assim como Valkyon, Ewelein achou melhor não forçar. Então fui para a loja do Purreru para comprar mais incubadoras. Nesse meio tempo, meus mascotes conseguiram mais um ovo.

 

- Tem certeza de que vai conseguir lidar com tantos?

- Eu dou meu jeito. Tem gente que tem uns vinte bichos em casa no meu mundo.

- Minha nossa!

- Eles também não dão muito trabalho.

- Eles me parecem felizes.

- É, estamos tirando um tempo juntos.

 

Os ovos eclodiram. Nomeei o meu Crylasm de Cryn, o Plumbec de Plum, a Liclion de Lily e o Jipinku de Jinp e ainda errei a grafia já que era para ser Jimp, mas agora já era. Ah e também tem o ovo que trouxeram, era um Crowmero que chamei de Crownin. Enquanto os mascotes exploravam e mostravam o lugar para os novos amigos, eu fui até a biblioteca me desculpar com Kero.

 

- Tingsi, não esperava vê-la aqui.

- Eu vim me desculpar pelo lance do mascote do Mery. Eu acabei não vindo antes, mas eu sinto muito.

- Tudo bem, o que importa é que o mascote está bem, mas você se arriscou muito na floresta.

- Eu não sei o que vocês tanto falam dessa floresta, eu não encontrei nada, nem vivo e nem morto.

- Isso é bom, eu acho.

- Qual é a história desse lugar? Pelo que conversei com Leiftan e Valkyon ontem, teve um exílio 100 anos depois da morte da Joana D’Arc. Isso dá 490 anos e uns quebrados da minha época.

- Quatrocentos e noventa anos?! Em que século vocês estão?

- No século XXI.

- Caramba! E a gente só passou a documentar a nossa história há um século. O que aconteceu por lá?

- Coisa pra um caralho. Vamos fazer uma coisa? Você me conta a história de Eldarya e que raios de exílio é esse e eu te conto o máximo que eu puder do que aconteceu por lá.

- Está bem.

 

Ele me contou que havia três raças poderosas: os dragões, os daemons e os fenghuangs. Esse último eu conhecia, era chamado de fênix chinesa, embora fosse diferente da fênix egípcia e se assemelhava mais a Zhuniao. Só que antigamente os machos eram chamados de Feng e as fêmeas de Huang, mas acabaram juntando em uma coisa só e transformando em uma entidade feminina para ser comparado ao dragão chinês, uma vez que era tido como masculino.

 

- Você já ouviu falar deles?

- Eu era viciada em mitologia, se bem que mitologia parece ser real no seu mundo.

- Entendo. Para os humanos nós somos apenas mitos?

- Sim. Há algumas pessoas que acreditam em fadas e sereias ou em vampiros e lobisomens, mas no geral é mais um universo fantástico. O que aconteceu depois?

 

Ao que parece, os três decidiram que os dragões e os daemons iriam se sacrificar para o bem dos demais raças por serem muito poderosos, só que alguns daemons traíram o rolê e com isso se corromperam e agora Eldarya é infértil e tem uns portais que eles usam para conseguir comida na Terra, mas são inconstantes e ao que parece um cu de abrir e por isso devia ser difícil de me mandar para casa.

 

Ele também me contou sobre o cristal que foi quebrado e tornou tudo mais perigoso, os habitantes fracos, loucos ou agressivos e o caramba. E alguns eventos também. Sério, eu já li fanfics mais elaboradas que a história desse lugar. Até mesmo a mitologia nórdica que era em sua maioria oral e a celta que além de oral era regional têm mais coisas que a história deles.

 

Contei ao Kero sobre o que aconteceu com a história humana. Sobre a Peste Negra e as péssimas condições sanitárias, sobre a ascensão da burguesia, sobre o renascimento, sobre as grandes navegações que levaram os europeus a explorarem a América, a África e a Oceania, sobre a revolução industrial, a inquisição, a queda do absolutismo e os modelos da república e o parlamentarismo, o fim da escravidão, as inúmeras guerras que enfrentamos até a primeira e a segunda guerra mundial, a Guerra Fria, a descolonização....

 

Kero ficava impressionado e ao mesmo tempo chocado e perdido com tudo que eu dizia. Ele sempre me perguntava sobre tudo e eu tentava explicar da forma mais clara possível para ele. Muitas coisas não entravam na cabeça dele, como o fato de termos criado armas de destruição em massa, mas eu também dei exemplos de pessoas boas que ainda existiam por lá. Falei de Gandhi, do Oscar Schindler, da Irena Sendler, da Madre Teresa, que a energia nuclear também pode ser usada para levar luz às casas. Também falei das lutas pelos direitos humanos que estavam acontecendo, dos direitos trabalhistas, do movimento sufragista, o movimento LGBT+, lutas para acabar com o racismo e outras coisas que mostravam que estávamos querendo progredir socialmente. Falei também sobre a corrida espacial e do homem na lua.

 

- A lua?!

- Por incrível que pareça sim. Alguns acham que é falso, mas não encontramos nada lá.

- Fascinante. Vocês não encontraram os Selenitas?

- Selenitas, que isso?

- É o povo da lua. Dizem que são ancestrais dos Lorialets.

- Que isso?

- Os Lorialets são os filhos da lua. Alguns dizem que se alimentam de raios lunares. Leiftan pode te ajudar, pois ele é um.

- E os Selenitas?

- Sinto muito, eu não tenho muitas informações sobre eles. Não sabemos nem se eles ainda existem ou foram extintos.

- Se existirem, ou eles foram muito espertos em se esconder dos humanos ou o governo dos Estados Unidos está escondendo eles da gente. De qualquer forma, a lua não nos interessa mais. Nós estamos enviando sondas para Marte.

- Isso é possível?!

- É. Ah, Kero, com essa confusão toda, eu esqueci de dizer que eu encontrei uma coisa estranha na floresta enquanto procurava o Crylasm.

- O que?

 

Mostrei a ele o cristal que achei. Ele me disse para levá-lo até Miiko. Foi o que eu fiz. Ela estava conversando com Leiftan. Quando viu, ela reuniu todos os chefes da guarda para discutir e colocou o fragmento junto ao enorme cristal. O treco começou a brilhar, surgiu uma criatura toda estranha do nada, falando um troço que ninguém entendia e apontou para mim.

 

- Que porra é essa?!

 

Tentei chegar para o lado, mas o braço continuava estendido para mim. Saí correndo ao redor da sala que nem uma louca, mas não tinha jeito. Para onde quer que eu fosse, a coisa apontava para mim. Até que ela sumiu.

 

Todo mundo ficou chocado e se perguntando o porquê daquela coisa ter aparecido para mim, mas eu tinha questões mais importantes. Então respondi a pergunta que tinha feito e fui repreendida porque ela era o Oráculo, espírito do cristal, que aparecia em eventos importantes e o caralho.

 

- Talvez ela tenha....

- Talvez....

- Não, ela não pode ter.....

- Galera, dá para parar com esse suspense de quinta e ir direto ao ponto?

- Achamos que você possa ter sangue Faery.

- Que droga vocês estão usando?!

 

Eu que entro em um círculo de cogumelos e esse povo que fuma. Acontece que eu vou ter que fazer um teste para descobrir, mas como estava tarde, deixamos para amanhã. Voltei para o meu quarto e para os meus mascotes. Abracei todo mundo, falei com eles, coloquei os mesmos filmes de ontem para eles assistirem enquanto fiquei no sofa debaixo da janela vendo a lua e desenhando na minha mesa digitalizadora enquanto escrevia algumas anotações no meu caderno. Purreru disse que não havia livros sobre os mascotes, então enquanto eu estiver aqui vou documentar a porra toda.

 

É estranho que eles só tenham decidido documentar suas histórias nos últimos 100 anos, sendo que nós humanos fazíamos desde a antiguidade. Fora que temos historiadores, arqueólogos, antropólogos e paleontólogos preocupados em resgatar o passado, mesmo sem registros escritos. É engraçado, eles são desconfiados dos humanos, mas nós também estamos preocupados em documentar, pesquisar e nos aprimorar.

 

Tive uma ideia. Larguei tudo que estava fazendo para pegar a minha caixa. Era um portal para o mundo espiritual, então eu deveria abri-la espiritualmente? Não custa tentar. Sentei com as pernas cruzadas e tentei fazer aquele negócio, eu não esperava ser sugada sei lá para onde. Quando vi, estava ofegante, sem a caixa e no lugar de sempre.

 

- Devia tomar mais cuidado ao manejá-la. Não irá gostar de parar aleatoriamente em um plano desconhecido.

- Xuanwu! Exatamente quem eu estava procurando.

- Pois diga.

- O que você acha dos humanos?

- O que você acha?

- Às vezes acho que fomos um erro e que seria melhor um meteoro extinguir o ser humano.

- Nada na natureza é um erro. Tudo é criado para haver equilíbrio. Humanos são seres como quaisquer outros, dotados de bem e mal. Nada é dotado apenas de um ou de outro, nem mesmo a luz e as trevas.

- Saquei, Yin e Yang.

- Entendeu mesmo?

- Não. Como é que a luz pode ser ruim e as trevas podem ser boas?

- A luz pode cegar e as trevas podem revelar verdades dolorosas. Humanos são seres complexos, é verdade, ambiciosos, não que isso seja algo ruim.

- E como isso pode ser algo bom?

- Ambição em si não é ruim, os meios que você utiliza para realizá-la sim. Se os humanos não fossem ambiciosos, ainda estariam morando em cavernas.

 

Fazia sentido. Pensei em tudo que tinha conversado com Kero mais cedo, sobre nossas invenções e o quão longe chegamos. Estávamos enviando sondas para Marte!

 

- Mas a que preço?

- Essa não é uma pergunta que eu devo responder. – Tradução: se vira para descobrir. – Você mesma disse a vários deles que os humanos também podem ser bons.

- Sim, mas....

- Eles não sabem o que você ou qualquer humano é capaz. Há três palavras que definem os seres humanos.

- Hipócritas, egoístas e gananciosos?

- Ambiciosos, imprevisíveis e adaptáveis. Vou deixá-la meditar sobre isso.

- Xuanwu, espera! E se eu não for uma humana? Sabe....

- Você tem sangue humano, logo é humana. Suponhamos que você não seja totalmente humana, você continuará sendo humana, mesmo que em partes. Não pode mudar sua natureza, Tingsi, mas pode mudar suas escolhas.

- Mostre o lado bom dos humanos. – Qinglong surgiu do nada.

- Qinglong, você estava ouvindo?!

- Eu e Baihu.

- Zhuniao achou um absurdo espionar, por isso não está conosco. Só não entendo por que ele precisa fazer tanto drama para isso.

- Típico. – Falei, afinal, ele tinha como atributo a ética. – E vocês, o que acham?

- Quer mesmo saber?

 

Vindo de Baihu poderia esperar o pior, afinal o atributo dele é a retidão, além de força, coragem e justiça. Ele nunca mente e às vezes ele é bem direto, o que chega a ser cruel.

 

- Você mesma disse que vocês também são bons. – Disse Qinglong. – E citou várias benfeitorias que fizeram, inclusive suas lutas por igualdade. Sei que há muito a ser feito, mas se persistirem por esse caminho, talvez um dia possam conviver juntos novamente.

- Isso depois de um monte de guerras e cagadas.

- Estragou todo o clima, Baihu. – Comentei cruzando os braços e batendo o pé.

- Não podemos esquecer que os humanos também possuem uma natureza maldosa, mas os Faeries não são diferentes. Ignorância não tem raça, coloque isso na sua cabeça. E mais uma coisa, você precisa de treinamento.

- Baihu, você sabe que não podemos interferir. – Disse Xuanwu.

- Se orientar fosse interferir, então todos nós temos nossa parcela de culpa.

- E o que você planeja? – Perguntei.

- Eu vou te ajudar a dominar o corpo.

- Eu posso ajudar a dominar o espírito. – Disse Zhuniao aparecendo do nada e chamando a atenção de todos. – Vim pedir para participar da conversa, mas como estão querendo me irritar, vou apenas concordar.

- Então eu irei ajudá-la com os sentimentos.

- Já que vocês estão tão dispostos, eu posso orientá-la a dominar a mente, mas você terá que fazer tudo sozinha.

- Obrigada, eu acho.

- Se bem, que você precisa mesmo é de um psicólogo. – Tornou a dizer Baihu.

- Hei!

 

Voltei ao meu quarto. Os mascotes não tinham percebido, ainda bem. Quando acabaram os filmes, me deu vontade de ouvir música, então coloquei alguma para tocar. Parecia que a normalidade tinha voltado dentro do possível. Senti saudade da época em que estava com meus amigos tanto da escola quanto da faculdade, quando ia às festas e até do trabalho.