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As Crônicas de Eldarya: A garota do cabelo verde-água

Chapter 17: Capítulo 17

Chapter Text

Nunca pensei que uma sessão de treino me faria bem, mesmo que tivesse sido só no mundo espiritual. Consegui descarregar todo o estresse nos golpes. Também fui mergulhando cada vez mais fundo na água. Quando voltei, estava mais calma.

 

- Tingsi, finalmente você acordou.

- Leiftan, o que está fazendo aqui?

- Você me deixou preocupado.

- Desculpe. Eu não queria te preocupar.

- Mas me preocupou. Por que você fez aquilo?!

- Eu precisava ficar sozinha e respirar. Leiftan eu te juro que se fosse possível ficar no meu quarto, eu não teria feito aquilo.

 

Eu o abracei, mais para conter o nervosismo dele do que qualquer outra coisa. Ele demorou a corresponder o meu abraço. Senti sua respiração desacelerar um pouco.

 

- Me desculpe, mesmo, mas eu precisava ficar sozinha. Eu não iria conseguir meditar no meu quarto depois de ter mandado aquele velho tomar no cu.

- Ezarel me contou. Não faça isso de novo.

- Não posso te prometer nada. – Disse mais travessa.

- Que cheiro é esse?

- Eu coloquei desodorante íntimo no lugar de perfume só de raiva. – Me separei dele. – Em minha defesa, eu nunca usei e detesto essas coisas.

- Você não existe. Se você não gosta, por que comprou?

- Eu não comprei, eu ganhei de uma amiga. O cheiro é horrível, não é mesmo?

- Já senti piores.

- A gente precisa mesmo voltar?

- Sim. Ainda haverá uma celebração ao ar livre esta noite e precisamos estar lá. Principalmente você, que está na missão de acompanhar a Huang Hua.

- Eu me demiti. Podem me expulsar, mas não vou virar capacho desse povo.

- Sente-se comigo esta noite. Estarei com os outros chefes da guarda, então sei que se sentirá mais à vontade.

- Muito obrigada, Leif.

 

Decidimos voltar para o QG. No caminho, encontramos Valkyon, Ezarel e Nevra.

 

- Tingsi, finalmente te encontramos! – Exclamou Valkyon.

- Pelo Oráculo, você nos deu o maior susto! – Dessa vez foi Nevra. – Ficamos preocupados.

- Eu não achei que você ficasse tão abalada com uma brincadeira.

- Não foi a sua brincadeira, Ezarel. Eu já estava me controlando para não mandar o velho à merda o dia todo. Você só deu o empurrão que eu precisava.

- Foi tão ruim assim? – Perguntou o vampiro.

 

Contei a eles todos os desaforos que tinha ouvido desde que estive na sala do cristal. Foi bom desabafar com eles e aliviar qualquer resquício de raiva que sentia.

 

- Estou impressionado que você não pôs fogo na roupa dele ou algo assim. – Disse o elfo.

- Ainda mais que você não aguenta desaforo por muito tempo. – Comentou meu chefe. – Até com Karuto você arrumou confusão.

- E jogou uma panela no Ezarel. – Lembrou Nevra. – E esse cheiro não é perfume, é?

- Desodorante íntimo.

- Para que serve isso?!

- Sei lá, só sei onde usa.

 

Voltamos ao QG. Eu tinha que encontrar Huan Hua e me desculpar. Tenho que confiar em Zhuniao. Chegando ao quiosque central, Karenn veio ao nosso encontro.

 

- Vocês a acharam?!

- Calma, eu estou bem aqui, Karenn.

- Ainda bem e você está com a caixa. Você pode me emprestar? Eu meio que falei dela para a Ykhar e vamos precisar dela, já que não temos músicos no QG. – Foi então que todo mundo notou a caixa que eu carregava.

- Vocês podem explicar o que está acontecendo? – Pediu o vampiro mais velho.

- Descobri que essa coisa aqui pode reproduzir qualquer música, não importa o mundo.

- Onde arrumou isso? – Perguntou Ezarel.

- Eu tenho desde que nasci. Não é algo do meu mundo, acreditem, se fosse comum lá, todo mundo teria uma.

 

Ezarel pegou e analisou minuciosamente. Era uma caixa de chá azul cobalto com entalhes prateados em forma de coelhos, pequena o suficiente para carregar na bolsa e seu fecho tinha o formato de um círculo prateado sem lugar para chave. Ele tentou abrir, mas nada aconteceu. Olhou de todos os ângulos para ter certeza. Até me pediu para tocar uma música. Apenas pus a mão em cima do objeto. Ele os entalhes começaram a brilhar e começou a tocar Numb do Linkin Park, o que assustou todo mundo.

 

- Eu nunca vi algo assim.

- Se passa por uma caixa normal do meu mundo, mas garanto que nenhuma delas faz isso.

- Também se passa por uma das nossas, mas não conheço nenhuma que faça isso. Talvez esteja enfeitiçada.

- Faz sentido.

- Conversarei com Kero sobre ela mais tarde.

- Até lá, ela vai para o salão principal para a comemoração. Levo assim que terminar de me arrumar.

- Por que não deixa que eu cuido dela? – Perguntou Karenn.

- É um pouco complicado. Garanto que te entrego assim que entrar lá.

- Está bem.

 

Fui em direção ao prédio. As pessoas estavam de um lado para outro procurando as melhores roupas para usar e todo mundo que eu encontrava me dizia para não ir à comemoração vestida daquela maneira, afinal, eu acompanharia Huang Hua e minhas roupas não eram adequadas. Purriry quase teve um treco quando me viu, mas eu a confortei dizendo que não queria estragar seu traje. Finalmente encontrei Huang Hua e sua comitiva no corredor. A única que trocou de roupa foi Dagma, que vestiu algo mais social.

 

- Tingsi, estou tão feliz em te ver! – Disse a emissária. – Você está melhor? Ezarel me disse que você estava com dor de barriga.

- Estou sim, obrigada por perguntar. Eu gostaria de me desculpar pelo meu comportamento. Eu não deveria ter agido daquela forma.

- Realmente, seu comportamento foi deplorável. – Disse Feng Zifu. – Onde já se viu...?!

- Eu estou me desculpando por ter deixado a Huang Hua sozinha não por ter te mandado à merda, pois eu ainda te acho um pau no cu. – Ele ficou vermelho e o resto chocado. – Estou pouco me fodendo para o que você acha, mas pelo menos eu sou honesta em minhas ações.

- Como ousa?!

 

Eu os deixei sozinhos e fui tomar banho. Ykhar passou no meu quarto para confiscar meu desodorante íntimo e me dizer para usar a roupa que eu estava antes, afinal, eu ainda tinha que bancar a dama de companhia da Huang Hua. Saco. Assim que fechei a porta e me virei, o avatar de Zhuniao estava segurando o traje da Purriry em um cabide.

 

- Vai usar isso? Amarelo definitivamente não é a sua cor.

- E eu tenho escolha? Fiz o que me pediu, confiei em você.

- Eu vi. Estou aqui para a segunda parte do meu plano, que inclui te ajudar a se vestir.

- Virei sua boneca agora?

- E por que não? Aliás, tenho o vestido perfeito para você.

 

Ele pegou um vestido vermelho de finas alças douradas com um decote profundo que ia quase até o umbigo. A parte do tórax era toda bordada em fios de ouro e ia se esvaindo quando ia para a saia. A saia era curta na frente e longa atrás, formando uma cauda de pavão com bordados de ouro e forro dourado. As mangas eram luvas 7/8 presas no dedo médio com desenhos de plumas bordadas com fios de ouro. Os desenhos faziam o traje parecer que estava pegando fogo. Zhuniao também segurava um par de sapatilhas chinesas de salto vermelhas com detalhes em dourado.

 

- É lindo!

- É um dos meus vestidos favoritos. Pode usar o colar que Leiftan te deu com ele.

- Eu não posso aceitar.

- Claro que pode. É emprestado e não dado.

- Mesmo assim, é tão....

- Esse é o meu plano. Eles esperam uma linda dama de companhia, mas você é mais do que isso. Você tem voz. Não deixe que a ponham em uma gaiola.

- Você afrontaria o seu próprio povo?

- Por que não? Pelo que eu saiba, a Guarda de Eel os está recepcionando como anfitriões, não a Miiko. E mantenha entre nós, eu adoro um bom drama.

- Isso é novidade? – Rimos.

 

Vesti o traje que ele me pediu. Depois ele me pediu para sentar na cadeira em frente ao espelho e começou a pentear o meu cabelo. Ele fez uma espécie de penteado antigo, preso na parte de cima e solto embaixo, além de colocar adornos de ouro no meu cabelo. Ele também me maquiou. Fez um delineado perfeito, a sombra era nas cores vermelha e amarela contornadas de preto, parecendo fogo, mas não passava da área dos olhos ou era exagerado.

 

Ele era tão bonito e tão atraente, podia ver o delineado nos olhos dele e a fina sombra vermelha. Não sei o que deu em mim, eu tentei beijá-lo, mas ele pôs o indicador nos meus lábios.

 

- Não faça isso. Não quero iludi-la ou lhe dar falsas esperanças.

- Desculpe, eu não sei o que deu em mim.

- Estou quase acabando.

 

Ele aplicou um batom vermelho em meus lábios. Ele também desenhou uma espécie de flor de lótus vermelha na minha testa. Olhei no espelho, eu estava linda. Poderia facilmente ser da antiga família imperial chinesa. Zhuniao pôs o colar que Leiftan comprou para mim e me entregou uma fina capa branca de corpo inteiro indo até o chão para cobrir todo o traje e minha cabeça.

 

- Quando estiver na cerejeira, coloque fogo na capa. Causará um belo impacto.

- Você quer recriar aquela cena da Cruella revelando o vestido vermelho na frente de toda a festa?

- Captou a minha referência.

- Mas você é afrontoso mesmo.

- Eu sei. Quase ia me esquecendo, aqui está seu leque. Há lâminas nele para eventuais emergências e aposto que vai gostar da estampa.

 

Era um leque vermelho de hastes pretas. Ao abrir, vi as lâminas afiadas. Do outro lado estavam letras douradas grafais formando um grande “foda-se”. Não pude evitar de sorrir. Ético, vingativo e afrontoso, esse é o Pássaro Vermelho do Sul que eu conheço.

 

- Conceder-me-ia o prazer de admirá-la, senhorita Zhu? – Perguntou fazendo uma reverência antes de me estender mão.

- É claro, senhor Zhu. – Rimos e aceitei a mão dele, que me rodopiou para ver como eu estava.

- Vermillion é uma cor magnífica para nós Zhu. Embora cobalto, púrpura e índigo sejam suas cores.

- Achei que fosse rosa.

- Rosa a deixa fofa, mas cobalto, púrpura e índigo.... Acho que deveria experimentá-los algum dia.

 

Zhu quer dizer vermelho em chinês, mais especificamente vermillion, um tom de vermelho bem forte, também conhecido como vermelhão. Curiosamente é o tom de vermelho do vestido que estou usando. Está bem que Zhu é uma variação do sobrenome Zhou, que é até que comum, mas vale o trocadilho.

 

Ele borrifou um pouco de Hypnotic Poison em minhas roupas e colocou a capa em mim. Prendi o leque no vestido, peguei a caixa e saí do quarto. Encontrei Karenn no quiosque central junto com Karuto. Entreguei a caixa a ela e expliquei o que devia ser feito.

 

- Você vai entrar vestindo isso?

- Qual é o problema?

- É inapropriado. Ainda mais que você está acompanhando Feng Zifu e Huang Hua.

- É, tem razão.

 

Fui para lá mesmo assim para o desespero do Karuto. Quando cheguei, a decoração estava linda, as mesas espalhadas pelo lugar com as toalhas elegantes do Karuto, lanternas de papel decoravam a cerejeira e iluminavam todo o ambiente. Não era só Karuto que estava em desespero. Muitos membros ao ver meu traje começaram a se perguntar o que eu estava vestindo, o olhar de Feng Zifu era de total desaprovação. Sorri com a cena.

 

Risquei um fósforo e o deixei cair na capa. Em questão de segundos ela se incendiou, revelando o traje vermelho e dourado que tinha por baixo, além do meu penteado e maquiagem. Por onde quer que eu olhasse não conseguia encontrar uma boca fechada. Eu ainda olhei para cada um que estava julgando minhas roupas antes com a cara mais debochada que consegui.

 

- E agora? Minha roupa está adequada para vocês?

- Isso é um ultraje! – Gritou o velho pau no cu. – Senhorita Tingsi, sugiro que se troque imediatamente!

- É senhorita Zhu para você. – Peguei o leque e comecei a imitar Zhuniao sem abri-lo. – E ainda que você pagasse o meu salário, você não é o meu dono para exigir que eu ou qualquer um aqui se troque. Se pensa que sua criada, pensou errado.

- Tingsi, será que você pode se comportar pelo menos uma vez?! – Perguntou Miiko. – Pelo menos na presença de....

 

Eu só abri meu leque despretensiosamente revelando o grande foda-se que estava lá. Uns estavam tentando não rir enquanto outros estavam chocados. A Miiko ficou putassa.

 

- Eu não acredito que vocês estão tão preocupados com um pedaço de pano. – A voz de Dagma se fez presente.

- Senhorita Dagma não entende que esta garota está nos afrontando?!

- Se você se sente afrontado por conta de uma vestimenta, você precisa rever seus conceitos. A meu ver, ela só gostou da moda fenghuang.

- Mas o leque é totalmente ofensivo.

- Mesmo? – Pus lenha na fogueira.

- É óbvio que é.

- Foda-se! – Falei em tom de brincadeira.

- Isso não tem graça! – Reclamou Karuto. – Desculpe-se com Feng Zifu, agora.

 

Dei de ombros e fui andando. Ele tentou pegar o meu pulso de forma enfurecida. Fui mais rápida, retirei o meu pulso, agarrei o pulso dele e torci em um reflexo defensivo.

 

- Não toque em mim. Nunca mais.

 

Eu o soltei e fui até a mesa dos chefes da guarda. Não havia cadeiras disponíveis, apenas os quatro. Estranhei.

 

- Você enlouqueceu?! – Perguntou Ezarel.

- Eu já nasci doida. Eu pensei que a gente fosse sentar juntos.

- Conversamos com a Miiko, mas Huang Hua quer você na mesa dela. – Disse Leiftan derrotado.

- Não tem problema.

 

Me sentei no colo do Nevra. Claro que eles arregalaram os olhos e não só eles, o recinto inteiro. Muitas garotas cochichavam. Nevra enlaçou a minha cintura.

 

- Mas você não tem limites! – Resmungou o elfo.

- Quem tem limite é município. E não é como se eu não tivesse sentado aqui antes.

- Pode dizer, eu sou irresistível e quer repetir a dose. – Nevra começou a se gabar.

- Inclusive te algemar de novo, de ponta cabeça dessa vez.

- Primeiro vai ter que me levar para o quarto.

- Olha, isso não é muito difícil. – Olhei para os outros dois. – Não me olhem com essas caras, eu me sentei aqui porque não queria deixar vocês dois desconfortáveis e o Ezarel me jogaria no chão. Já Nevra não presta tanto quanto eu.

- Hei! – Todos da mesa riram. – Se é assim, eu vou te tirar daqui.

- Eu sento na mesa.

- Já não acha que causou confusão demais? – Perguntou Valkyon.

- Eu queria que parasse, mas cada hora acontece uma merda diferente.

 

Por algum motivo, Dagma e Huang Hua vieram à nossa mesa. De início estranharam me ver sentada no colo do Nevra e não em uma cadeira.

 

- Tingsi, você está aí! – Começou Huang Hua. – Venha, sente-se com a gente.

- Eu prefiro sentar com os meus amigos.

- Sentar com eles ou sentar em cima deles? – Perguntou a ninfa.

- Eu preferia sentar neles, mas é a vida. Sentem com a gente. Isso é, se não for problema.

- Problema nenhum. – Disse a emissária. – Mas assim a Miiko vai ficar tão sozinha, acho melhor eu ficar com ela. Dagma, por que você não fica com eles?

- Como quiser, Dama Huang Hua.

 

Huang Hua nos deixou. Algum tempo depois ela estava sentada no colo da Miiko. Feng Zifu só faltava ter uma síncope e Miiko que lide com esse B.O. Arrumaram duas cadeiras para nós. Eu me sentei entre Nevra e Leiftan e Dagma entre Ezarel e Valkyon. Sendo que o Ezarel estava ao lado do Nevra e o Valkyon teve que ir para o lado do Leiftan.

 

- Valeu por ter tentado me defender naquela hora.

- Acho que eu quem devo te agradecer. Eu também te devo desculpas. – Me surpreendi.

- Pelo que?

- Eu não gosto de covardia. Vi como Feng Zifu te tratou o dia inteiro e não disse nada. Quando você o enfrentou, eu fiquei pensando no porquê da sua atitude. Eu nunca vi alguém que discordasse ou ofendesse um fenghuang.

- Ninguém nunca fez isso?

- Por que questionaria? Digo, eu questionava algumas coisas quando fui viver entre eles e pela primeira vez em anos, eu comecei a me questionar novamente.

- Que vida merda.

- Perdão?

- Não poder questionar nada e nem ninguém. Como se fosse parte de um rebanho, sei lá. Mentalidade de rebanho me assusta.

- Por que acha ruim?

- Porque forma idiotas úteis capazes de defender com unhas e dentes a bolha em que vivem sem ouvir a opinião contrária ou enxergar a realidade bem na frente deles. Tem muitos desses no meu mundo, o diálogo se torna quase impossível. Se sair nem que seja um pouco da linha, seus iguais começam a atacar gratuitamente.

- Por isso que você é assim? – Perguntou Valkyon.

- Devia ter me visto na adolescência. Eu era literalmente uma delinquente, apesar de nunca ter roubado.

- Por que você...?! – Começou Ezarel. – Deixa para lá.

- O movimento que você fez, eu não lembro de ter te ensinado. – Valkyon voltou a falar. – Aliás eu não me lembro de tê-la visto treinar com nenhum membro da guarda.

- Eu posso não treinar com os membros da guarda.

- E com quem você treina? – Perguntou Nevra.

- Quer dizer que o chefe da Guarda Sombra não tem todas as informações, afinal.

- Você também não fala nada. O que era aquele negócio de senhorita Zhu, afinal?

- Zhu é o meu sobrenome.

- Você deve ser importante para a sua família ter um nome. – Disse Leiftan pela primeira vez.

- Talvez em eras passadas. Agora todo mundo na Terra tem um, até mesmo para fins de registro. Como esse era o sobrenome da minha mãe, ela me registrou com ele.

- Ela não tinha morrido no seu parto?

- Sim, mas é possível registrar o filho ainda no hospital, um pouco antes de parir ou depois. Ou pedir para um enfermeiro fazer isso.

- Como ela sabia que você era menina? – Dessa vez quem perguntou foi Ezarel.

- Existe um aparelho que ajuda a ver alguns nos nossos órgãos internos e até bebês. Dá para ver o sexo, mas pode não ser muito confiável. Tem um exame de sangue específico que dá para saber qual o sexo biológico da criança.

- Ewelein vai adorar saber disso.

 

As bebidas começaram a chegar. Conversamos mais um pouco ao som de alguma música que eu não conhecia. Dagma até que não era ruim, apenas comportada demais e ela parece que se deu bem com o irritante do cabelo azul. Teve uma hora que as pessoas se levantaram para dançar algum tipo de dança medieval que eu só vi em filmes e feiras do tipo. Não que eu frequentasse, mas Yuna, Damiana e Elena me arrastavam para todas as que tinham, fora os eventos de anime.

 

- Essa caixa toca músicas do seu mundo, não? – Karenn perguntou quando veio à nossa mesa.

- Toca.

- Pode tocar algumas? Estou curiosa quanto a elas.

- Depende, você quer algo mais dançante, algo para sofrer, para cantar, pular na frente de um palco alucinadamente ou só para ouvir e apreciar?

- Tudo isso?!

- Tem muitos estilos. Acho que sei o que colocar.

 

Fui até onde tinham deixado a caixa, que era perto da mesa da Miiko e da Huang Hua. Karenn avisou que iria colocar algo do meu mundo para tocar. Coloquei Boogie Wonderland do Earth, Wind & Fire. Eu não me contive e comecei a dançar que nem o Driss dos Intocáveis.

 

- O que é isso? – Perguntou Kero.

- Não fala comigo porque estou em transe.

 

Algumas pessoas começaram a se animar e eu as puxava para dançar comigo, isso quando não eram outras que as puxavam. No final da música, puxei Karenn e Alajéa para perto de mim.

 

- Façam como eu meninas.

 

Eu tive que ensinar Single Ladies para elas antes de começar a tocar. Foi bem legal a gente dançando a música da Beyoncé. Duas músicas e três copos de bebida depois, eu estava coreografando Pop Stars do K/DA com uma galera tentando me imitar e depois More. Mais dois copos de bebida, eu estava rasgando a garganta com Giants do True Damage. Uma música depois, eu cantei Black Magic Little Mix em cima da mesa.

 

Foi passando Fifith Harmony, Beyoncé, Rihanna, Madonna, Shakira até chegar Britney Spears. Aí o povo, que à essa altura estava mais louco que o Batman, começou a se soltar ainda mais. Quando eu vi, estava dançando Despacito com Nevra, Dagma, Ykhar, Alajéa e Jamon e o Ezarel estava batucando na mesa. Nem comento do Karuto e do Feng Zifu putos com o povo cantando We Will Rock You e batendo nas mesas. Esses dois se merecem.

 

Coreografei Boombayah com o Nevra, o Ezarel e a Dagma, depois eu e Dagma nos juntamos à Karenn e a Alajéa para cantar e coreografar Kill This Love. Dancei Woman Like Me com a Miiko em cima da mesa e liderei uma legião em One More Time. Nem comento da performance de Power com Miiko e Huang Hua em cima das mesas com direito a pole dance em algum poste de iluminação.

 

Eu ainda me lembro de ver o povo se soltar completamente ao som de I Will Suvive, nem o Karuto e o Feng Zifu ficaram parados. Aquele povo bêbado dançando essa música, claro que não ia prestar. Eu estava tão bêbada que quando dei por mim, eu estava dançando Dancing Queen com Ezarel e Nevra completamente bêbados em cima da mesa. A última coisa que eu me lembro foi de estar sozinha com o Nevra no meio da multidão. Eu me virei para ele e disse:

 

- Duvido você beijar o Ezarel.

 

Ele me deu um sorriso malicioso, agarrou o elfo pela nuca e deu aquele beijo de novela. Os dois pareciam sedentos por mais. Depois disso, eu não me lembro de mais nada.

 

===Valkyon===

Estávamos esperando Tingsi chegar com a caixa misteriosa. Por algum motivo, ela não queria deixá-la conosco. Faz sentido, visto que ela disse possuir aquela caixa desde seu nascimento. Leiftan não estava na mesa que nos foi designada, ele conversava algo com Miiko enquanto eu, Ezarel e Nevra tínhamos tomado nossos lugares.

 

- Por que está tão quieto? – Perguntou Ezarel.

- É, você nem prestou atenção no que eu disse sobre a Dagma.

- Eu estava pensando. Há algo que não contei a vocês.

- O que seria?

- Lembram quando comentei que tinha encontrado a Tingsi quando voltamos da missão? Eu não apenas a encontrei como ela se jogou nos meus braços.

- Estamos falando da mesma pessoa?! – Ezarel tornou a perguntar.

- Ez....

- Eu só estou surpreso, só isso. Ela não deixa ninguém se aproximar.

- Fale por você. – Começou Nevra. – Comigo ela se abriu muito mais.

- E te deixou algemado e nu o dia todo.

- E te fez ficar atrás de mascote para coletar o cocô.

- Em todo caso, por que está nos contando isso? Te afetou de alguma forma?

- Eu não sei. Minha cabeça chega a doer quando penso no assunto.

 

Os dois se entreolharam por um instante e depois olharam novamente para mim. Nevra quem começou a falar.

 

- Valkyon, você gosta da Tingsi?

- Claro, como gosto da Ykhar, da Ewelein....

- Não é disso que eu estou falando. Digo, ela é atraente, é bonita, esperta, meio doida, mas a loucura compensa.

- Poupe-me dos detalhes, Nevra.

- Ela é encrenca, isso sim. – Disse Ezarel.

- De qualquer forma, é bom você chegar à uma resposta antes que seja tarde demais e outra pessoa roube o coração dela.

- Quer dizer, você?

- Não, eu gosto da minha vida de solteiro.

 

Leiftan veio até nossa mesa e se sentou. Ele parecia exausto e ao mesmo tempo frustrado.

 

- Aconteceu algo? – Perguntei.

- Tentei convencer a Miiko a deixar com que Tingsi se sentasse conosco, mas Huang Hua quer que ela se sente com ela. Isso vai dar dor de cabeça.

- Concordo. – Disse Ezarel. – Eu devia ter trazido algodão para tampar meus ouvidos sensíveis.

 

Algum tempo depois, Tingsi chegou coberta inteiramente por uma capa branca. Já sabíamos que iria arrumar confusão, principalmente por estarem preocupados com o traje dela. Quando ela colocou fogo na capa e revelou o vestido por baixo, meu queixo caiu.

 

Nunca tinha visto tanta beleza na vida. O cabelo verde-água contrastando com o céu noturno e a lua brilhante, seu traje se destacando na multidão, a maquiagem chamativa. Ela parecia uma princesa fenghuang como nas histórias. Mal me importei com a confusão ou com a afronta, eu não conseguia pensar em mais nada até ela se aproximar e se sentar no colo do Nevra, me deixando surpreso e ao mesmo tempo me dando uma pequena pontada de tristeza. Mesmo que se ela resolvesse se sentar no meu fosse muito estranho. Não tive coragem de dizer o quanto estava magnífica, apenas perguntei se ela não se cansava de arrumar confusão.

 

Quando a primeira música humana começou a tocar, ela começou a dançar de forma estranha e divertida, fazendo os demais se juntarem a ela. As músicas foram trocando e as bebidas estavam cada vez mais presentes. Quanto mais ela dançava, mais eu me via encantado, como uma espécie de feitiço.

 

- Dagma, você acha que ela talvez possa ser uma ninfa?

- Sabe que eu estava me perguntando a mesma coisa? Talvez seja uma lâmpade.

- Uma ninfa do submundo? – Perguntou Leiftan.

- Pelo pouco que eu ouvi dizer dela, está sempre metida em confusão, quebrando regras ou desrespeitando os superiores.

- Entendo.

 

Eu tinha bebido e dançado uma música ou outra, mas não demorou para que eu, Leiftan e Kero virássemos mães de bêbados e levássemos as crianças para suas devidas casas. As coisas estavam fugindo do controle, pois até Miiko dançava em cima da mesa, até mesmo Huang Hua. Tingsi também fez uma performance sensual para mim, Ezarel e Leiftan.

 

- You can dance, you can jive, having the time of your life! See that girl, watch that scene, dig in the Dancing Queen!

 

Quando eu vi, estavam Tingsi, Ezarel e Nevra cantando, dançando e fazendo performance. Nevra ficou deitado na mesa como uma musa até ser pego pela mão pelos outros dois. Estava engraçado, mas eu estava ocupado demais ajudando Kero a separar uma briga.

 

- Valkyon, acho que está na hora de começarmos a dispersar as pessoas. – Disse Leiftan tentando lidar com Alajéa.

- Também acho.

 

Ao me virar vi Ezarel e Nevra se beijando com voracidade, ambos sem camisa. Pelo Oráculo! Esses dois devem ter bebido mais que o normal. Separei os dois e levei cada um para o seu quarto antes que fizessem alguma besteira. Quando eu voltei, estava a Huang Hua se jogando para cima da Miiko, que se jogou em Kero para sair daquela situação. Eu mal cheguei até eles, pois vi Tingsi de ponta cabeça na cerejeira beijando uma garota. A garota saiu, mas um cara apareceu e a desceu de lá. Ele tinha o cabelo preto comprido e usava roupas azuis. Ele a guiava para fora da cerejeira. Eu interceptei os dois.

 

- Não se preocupe. – Ele disse. – Sou apenas um amigo.

- Eu nunca te vi por aqui antes. Quem é você?

- Sou aquele que você nunca conheceu, aquele que sua raça há muito esqueceu e aquele de quem precisará um dia. Posso confiá-la a você?

 

O homem tinha olhos incrivelmente azuis e benevolentes, não parecia uma ameaça de forma alguma. Ele entregou Tingsi aos meus cuidados. Ela estava tão bêbada que tive que segurá-la nos braços.

 

- Adeus, Valkyon.

 

Quando o homem passou por mim, eu senti uma sensação familiar e tranquila, como se eu o conhecesse e ao mesmo tempo como se fossemos íntimos, sendo que eu nunca o vi na vida. Ele andou pela multidão. Ninguém parecia se importar com sua presença e tampouco ele se importava com o que estava acontecendo. Eu o perdi de vista.

 

- Qinglong sabe fazer saída dramática também?

- Quem é esse?

- O dragão que passou na sua frente.

- Não há dragões há séculos.

- Mas você é cego.

- E você está bêbada.

 

Eu a levei para o quarto, felizmente os mascotes dormiam. Quando voltei para a cerejeira, a música tinha cessado e a caixa tinha sumido.