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Juntas até o fim da linha

Summary:

Ellie prometeu á Abby que voltaria á Seattle por ela, e ela cumpria suas promessas – mesmo quando acabou tendo que ir para Santa Bárbara, enfrentar uma gangue sádica e resgatar uma Abby quase morta, enquanto lutava para o Cordyceps não tomar conta do seu corpo.
Almas gêmeas Ellabby.

Notes:

Essa é a segunda parte dessa história. Se não tiver lido a primeira, não fará muito sentido.
Baseado principalmente no jogo.

(See the end of the work for more notes.)

Chapter 1: A Ilha dos Cicatrizes

Chapter Text

- Uau, o mar é incrível!
Ellie gostava do mar – uma imensidão de azul, de ausência de infectados, de ausência da presença constante deles em sua consciência.
Lev, ao seu lado, com uma careta de enjôo, não parecia compartilhar de sua opinião.
O barco era pequeno demais para oito pessoas, então eles estavam mais ou menos aglomerados em dois grupos. Yara, Mel, Dina e Jesse estavam lá dentro. Ellie e Lev subiram para o convés para fugir da tensão sufocante. Owen era o responsável por guiar o barco, e Tommy estava por perto sem confiar na direção de Owen.
O mar era incrível, mas o clima no barco não muito.
- Você acha que a Abby vai ficar bem? – Lev perguntou de repente, destruindo todo o esforço de Ellie de se distrair com a vista e não pensar em Abby.
Deixar ela para trás havia sido difícil. Se tivesse mais tempo, Ellie provavelmente teria discutido mais pra tentar convencê-la a ir com eles, mas Abby tinha a resolução de uma torre de aço; não cederia quando estava convencida de algo.
Sua alma gêmea. Era tão inacreditável e inesperado que Ellie a tivesse encontrado no lugar mais improvável.
- Ela é forte. – Ellie respondeu, numa tentativa de não pensar profundamente na pergunta de Lev.
Deixar Abby para trás parecia uma traição á si mesma, mas não voltar para Joel também seria trair sua própria promessa.
- Você e ela... – Lev se interrompeu. – Vocês pareciam se detestar ontem, e hoje pareciam amigas.
Ellie riu. Sim, para alguém de fora, com certeza parecia loucura que Abby havia apontado uma arma pra ela no inicio do dia anterior e elas terminaram o dia se abraçando – e algumas coisas mais.
- Quantos anos você tem, Lev? – Ellie perguntou com curiosidade genuína.
- 13 anos.
- Ah. Você é novo demais pra entender isso.
- Eu não sou burro. – rebateu o garoto, mal humorado.
Ele lembrou a Ellie de si mesma, nessa idade. Pobre Joel, havia sofrido com suas crises de humor.
- Okay, então você já teve sua primeira namoradinha? – provocou Ellie.
- Eu iria me casar há alguns dias. – respondeu Lev.
Ellie se arrependeu imediatamente de ter tocado no assunto.
- Puta merda. Seu povo é meio louco, sabe disso né?
Por sorte, Lev não pareceu muito ofendido.
- Nossos costumes são diferentes. – ele respondeu, como se isso explicasse algo.
- Esses costumes são fodidos. Merda. – Ellie levou uma mão á testa, se lembrando do conselho de Dina: “não xingue tanto perto das crianças”. – São errados, entendeu?
- Você e a Abby são namoradinhas, então? – perguntou Lev, como o merdinha provocante que ele era.
Ellie disse á si mesma pra não pegar leve com ele – ele definitivamente cresceria pra ser um espertinho, assim como ela.
- Você já ouviu falar de almas gêmeas? – ela perguntou, tentando ganhar tempo para pensar em como explicar sobre ela e Abby.
Não havia explicação. Até em sua própria cabeça, era uma história improvável.
- Não. – Lev respondeu.
- Certo, a maioria das pessoas hoje em dia não fala sobre isso. É uma coisa pré-surto. Era uma grande coisa antigamente, sabe? Importante e tal. – Ellie tentou explicar, se lembrando vagamente do dia que Joel lhe contou sobre isso. – Você nascia com a marca de outra pessoa na sua pele, e isso simbolizava que vocês estavam destinados, ou algo do tipo.
Lev a encarou com mais critica do que uma criança de treze anos deveria.
- Você está inventando isso. – ele acusou.
- O que, porra? Eu não estou! Eu não sou mentirosa! Pergunta pro Tommy.
- Eu não quero falar com ele.
- Tudo bem, Tommy é legal, ele só está bem mal humorado esses dias. Ta vendo isso? – Ellie mostra o desenho em seu braço. – Eu nasci com essa marca.
- Você nasceu manchada? – perguntou Lev, claramente cético.
- Ei, é uma marca bonita! – protestou Ellie.
- Entre o meu povo, nascer manchado é uma maldição. – explicou Lev.
- O seu povo é fodido. Digo... Eles são idiotas. Você deve saber disso, um pouco, se fugiu deles, certo?
Ellie não sabia exatamente porque Yara e Lev estavam fugindo dos cicatrizes; ela e Abby não chegaram exatamente a se aprofundar numa conversa sobre isso, distraídas demais com outras coisas.
- E o que a Abby tem a ver com isso? – Lev perguntou.
- Ela tem essa mesma marca, nas costas dela. – Ellie afirmou com mais orgulho do que provavelmente deveria.
- Igual? – duvidou Lev.
- Sim, igual. Isso significa que somos almas gêmeas.
Explicar isso para Joel – ou qualquer outra pessoa – seria uma festa. Ellie mesmo não acreditaria nisso se alguém lhe falasse, mas ela passou horas olhando e tocando as costas de Abby. Seus olhos eram treinados demais em arte para confundir a marca dela com qualquer outra coisa.
Ela se perguntava se Abby gostava de ver sua marca nela tanto quanto ela gostava da sua nela? Ellie se arrependeu de não terem conversado mais sobre isso.
Lev finalmente pareceu compreender, e falou:
- Mas vocês duas são garotas.
- Sim, e daí? Eu só gosto de garotas. Isso é um problema pro seu povo? Ou melhor, o que não é um problema pro seu povo? – provocou Ellie.
- A Abby sabe disso?
- Sim.
- Foi por isso que ela estava machucando você ontem lá em cima?
Ellie sentiu seu rosto corar.
- Ela não estava me machucando. Quando você for um pouco maior, você vai entender.
Ellie virou de costas para o mar e viu Dina subindo ao convés.
- Ellie, podemos conversar? - Dina perguntou.
- Vou ver como está Yara. – Lev avisou e se afastou rapidamente.
- Oi, Dina.
- Oi. Fez novos amigos?
- Sim, eles são legais.
- E os Lobos? Confia neles?
- Não, mas precisamos deles.
- Como você convenceu eles a nos ajudar?
- Eu conversei? – respondeu Ellie com incerteza.
Ela também apontou uma arma para Mel e Owen, mas não acha que foi isso que os fez querer colaborar. A chance de escaparem de Seattle provavelmente foi o que pesou mais na decisão final.
- Tommy parece pensar que você se tornou amigo deles. – observou Dina.
- Tommy pode ir se foder. – desabafou Ellie. – Ele só queria matar todos eles e trazer a cirurgiã á força. Ela não iria nos ajudar se matássemos os amigos dela, ou poderia matar Joel na mesa de cirurgia. E Tommy sabe que eles tiveram motivos para ir atrás do Joel.
- Quais motivos? – Dina perguntou e Ellie se lembrou que não deveria estar falando sobre isso.
O assunto da sua imunidade não era algo que ela pudesse compartilhar, nem mesmo com Dina. Por sorte, sua alma gêmea já estava por dentro dessa parte pelo menos, pra que ela não precisasse guardar segredo de mais uma pessoa.
- Há quatro anos, houve uma treta em Salt Lake City. Joel acabou matando o pai da Abby. – resumiu Ellie.
- Uau. Que merda.
- Sim.
- E a Abby? Ela parecia bem... intimidadora.
Não era a palavra que Ellie usaria para defini-la. Forte, bonita, impressionante, poderia ser um começo.
Ellie balançou a cabeça para espantar os pensamentos. Ela estava tão obcecada por sua alma gêmea que era patético.
- Ela estava bem. – é o que ela responde, tentando soar casual e errando por uma milha.
- Essas crianças eram dela? – perguntou Dina, o que fez Ellie rir ao imaginar Abby com filhos.
- Não. Ela acabou resgatando elas dos Cicatrizes.
- Entendi. E você decidiu trazer eles pra Jackson?
- Ela me pediu. – admitiu Ellie.
- Vocês conversaram, então?
- Isso, e um pouco mais. – confessou Ellie, porque ela era péssima em esconder segredos de Dina.
Dina a conhecia bem demais para não entender.
- Sério? Você fodeu a assassina do Joel? – ela perguntou, com mais irritação do que Ellie esperava.
- Em minha defesa, ela não é a assassina dele, já que ele está vivo. – brincou Ellie, sabendo perfeitamente bem que o problema de Dina não era por Abby ser a assassina de Joel. Ela estava familiarizada demais com os ciúmes de Dina para não reconhecer.
- O que Joel diria disso?
Ah, a pergunta que Ellie estava evitando se fazer.
Antes que ela pudesse responder com qualquer bobagem do qual provavelmente se arrependeria, Dina colocou a mão na boca e se debruçou sobre a murada do barco para vomitar. Certo, Ellie nunca a viu ter uma crise de vomito no meio de uma crise de ciúmes.
- Dina, você ta bem? – perguntou, segurando o braço da amiga com medo dela cair.
- Eu estou grávida. – anunciou Dina abruptamente. – Descobri há alguns dias.
- Uau. – Ellie recuou pela surpresa. – Parabéns, eu acho. Jesse sabe?
- Sim, contei a ele no teatro.
- Puta merda, Jackson está recebendo três crianças de uma vez. – comemorou Ellie. – Maria vai adorar. Você vai me deixar ser a madrinha, certo? Prometo que não vou ensinar ele a xingar.
- Não se desvie do assunto, espertinha. – insistiu Dina. – A Abby...
- Ela é minha alma gêmea. – Ellie falou antes que pudesse se conter.
Dina pareceu incrédula por um segundo, antes de exibir uma expressão resignada.
- Ah. Legal. Quero dizer, parabéns que você finalmente a encontrou. Menos de 1% das pessoas ainda encontram sua alma gêmea hoje em dia, certo? Você tirou a sorte grande.
Dina não era muito boa em fingir alegria.
Ellie seria idiota se dissesse que não sabia que Dina tinha esperanças para elas. Elas estavam namorando, terminando e reatando há mais de dois anos. Dina a amava, mas também amava Jesse, e Ellie era lésbica demais e monogâmica demais pra conseguir entrar num relacionamento com ambos, como Dina queria.
- É. Obrigada. – Ellie agradeceu, e não se surpreendeu quando Dina inventou uma desculpa e voltou para dentro do barco.
- Parabéns, Ellie. Ótima maneira de melhorar a viagem. – ela murmurou consigo mesma.
///
- Ei, Abby! O Isaac está procurando por você! – um soldado gritou assim que a viu.
Suas esperanças de conseguir chegar ate seu quarto, até Manny, primeiro, foram imediatamente frustradas.
- Okay, já estou indo ver ele. – Abby respondeu, mas fez um desvio antes para entrar em seu quarto.
Ela precisava ver Manny mais do que ver Isaac e combinar uma história com ele.
- Puta madre! – Manny exclamou ao vê-la. – Está louca, Abigail?
- Desculpa, Manny. As coisas fugiram um pouco do controle. – ela se desculpou sinceramente, mesmo que isso fosse um eufemismo. As coisas haviam saído de controle num nível astronômico. – Como ta a situação?
- Uma merda. Isaac já interrogou eu e Nora duas vezes sobre seu paradeiro.
- Tá. O que você disse pra ele?
- Que você foi atrás do Owen. Não quis arriscar inventar algo e ele te interrogar antes da gente combinar a história.
- Tá, valeu Manny. Vou dar um jeito de me explicar pra ele.
- E o Owen?
- Ele foi embora com a Mel.
- E deixou você pra trás? – Manny perguntou com incredulidade. – Porque você não foi com ele?
- E deixar você aqui? Lutamos juntos até o final, Manny.
- Uau, estamos sentimentais hoje, Abigail. – provocou Manny. – Owen te deixou de bom humor? Espero que essa marca de corda no seu pescoço não seja dele.
Abby revirou os olhos.
- Foram os cicatrizes. – admitiu.
- Pervertidos. – zombou Manny, claramente pensando ser uma piada.
- Estou falando sério.
- Não brinca, Abs. Sério? E você escapou?
- Umas crianças me ajudaram. História pra outra hora, Manny. Vamos lá, tenho que falar com o Isaac.
- Eu vou querer ouvir sobre isso mais tarde.
///
No amanhecer do terceiro dia no barco, Owen os acordou com uma surpresa desagradável:
- Vamos ter que descer aqui e ir caminhando. O combustível acabou, e de qualquer forma, não há como chegar nem na metade do caminho pra Jackson de barco.
- Se tivéssemos os cavalos… - Tommy resmungou.
- Três cavalos não iriam levar oito pessoas até Jackson. – discutiu Ellie. – Temos que pensar num plano alternativo.
- Joel não tem muito tempo alternativo. – Tommy rebateu.
- Foda-se Tommy.
- Ei. - Owen interrompeu. - Vamos procurar veículos, algo do tipo.
- Sim, uma boa idéia. – Jesse concordou.
Ele e Owen estavam se dando bem, pelo menos, pra aliviar a tensão do restante do grupo.
- Seria bom ter pelo menos um cavalo pra Yara. – Mel murmurou.
- Eu carrego ela - Ellie se ofereceu.
Yara era pequena, e se Abby tinha conseguido carregar ela, Ellie pensava que também conseguiria. Ela não era mais fraca que Abby.
- Vamos nos revezar. - Jesse sugeriu e Ellie assentiu.
- Também posso ajudar. - Dina se ofereceu.
- Você não. - Ellie e Jesse recusaram imediatamente, o que fez Dina revirar os olhos de forma carinhosa pra eles.
- Sim, não é bom para o bebê que você pegue peso. – Mel concordou e um silencio percorreu o grupo.
Os olhos de Yara e Lev pareciam que iriam saltar das órbitas.
- Você está grávida?! – Tommy reagiu primeiro.
- Oh. Era segredo? – Mel questionou, sem demonstrar nenhum arrependimento.
- Não é mais. – suspirou Jesse. – Vamos em frente.
- Eu posso caminhar. – Yara disse, quando Ellie se ofereceu para carregá-la.
Seu queixo teimoso a lembrava estranhamente de Abby.
- Tudo bem. – Mel concordou. – Mas quando precisar descansar, você avisa.
- Vamos parar cada vez que ela precisar descansar? – Tommy reclamou.
- Não. Quando ela se cansar, vamos carregá-la. – retrucou Ellie com pouca paciência.
Quando eles desceram do barco carregando um bocado de bolsas e começaram a caminhada, ela procurou ficar o mais longe possível de Tommy. A companhia de Yara e Lev era mais agradável, e ela prometera a Abby que os manteria seguro.
- Ele é o seu pai? – Yara perguntou e Ellie fez uma careta.
- Deus me livre, não. Joel é mal humorado, mas não é rabugento assim. Ele é da família. Irmão do Joel.
- Como é em Jackson? – Yara perguntou.
- Muito legal. Há muitas crianças da idade de vocês.
- Não somos crianças. – Lev retrucou, de uma forma que lembrou Ellie de si mesma nessa idade.
- Querido, você tem treze anos. Você é criança. – ela provocou, porque era divertido ver as reações de Lev.
- Os Seraphitas se tornam adultos aos doze anos. – ele discutiu.
- Você não está mais com os Cicatrizes. No mundo real, você é uma criança. Quantos anos você tem, Yara?
- 15. Eu era um soldado.
- Você só terá permissão para patrulhar depois dos 16 anos.
- Patrulhar?
- É o que os soldados de Jackson fazem.
- Vocês tem muitos inimigos?
- Só os Infectados. De vez em quando um grupo de caçadores aparece por lá, mas nada tão louco como o que havia em Seattle.
- Quantas pessoas vivem ali?
- Acho que na contagem do ano passado, éramos 356 pessoas.
Ellie continuou dando informações sobre Jackson para as duas crianças pelas próximas horas, e isso foi bom para distraí-la do cansaço e dor nas pernas. Ela estava acostumada demais a andar de cavalo.
Quando o dia estava escurecendo, Owen falou:
- Vamos acampar aqui.
- Porra, finalmente! – Dina comemorou e até Yara soltou um suspiro de alivio. Como Ellie suspeitava, ela estava se esforçando alem do que devia para acompanhá-los.
- Podemos caminhar mais um pouco. – Tommy discutiu.
- Está escurecendo, e há muitas árvores. – argumentou Owen. – Podemos ser emboscados por infectados.
- Não seremos. A Ellie... – Tommy parou a tempo.
- A Ellie o que, Tommy? – Ellie perguntou com um sorriso ameaçador.
Ele pelo menos teve consciência o suficiente pra parecer envergonhado, enquanto recuava:
- Nada. Vamos acampar. – concordou. – Vou fazer a primeira guarda.
///
- Abby. – Isaac a olhou com uma calma que era pior do que ira. – Como está o Owen?
- Não sei. Não consegui encontrá-lo. Os Cicatrizes me pegaram. – ela respondeu, apontando para a marca de corda no pescoço. – Voltei o mais rápido que consegui.
Ela decidira ficar o mais próximo possível da verdade, já que sempre fora uma péssima mentirosa. Também não perdeu tempo com desculpas inúteis. Conhecia Isaac o suficiente pra saber que ele não as apreciaria.
Ele a encarou por um momento, e ela se manteve firme, mas sinceramente não saberia dizer se ele acreditava nela ou não.
- Você escolheu sua equipe? – Isaac perguntou.
- Sim. – ela mentiu. Manny escolheu pra ela e lhe falou os nomes á caminho da sala de Isaac; ela não conseguia se lembrar de mais do que três deles.
- Você deveria sair com o primeiro grupo há uma hora atrás. Como chegou atrasada, vai com o grupo do Manny. Nick liderou o primeiro grupo no seu lugar. – disse Isaac, observando-a.
- Tudo bem. – concordou Abby.
- Abby. – Isaac se aproximou. – Estou contando com você. Não faça eu me arrepender novamente.
Soou mais como uma ameaça do que como uma exigência. Abby não recuou nem desviou o olhar.
- Não vou. – ela prometeu com firmeza.
Ela precisava sobreviver até Ellie retornar, e a WLF ainda era sua melhor chance de sobrevivência ali.
- Dispensada. – Isaac falou, sem dar nenhum sinal se confiava ou não em suas palavras.
Abby suspirou ao sair. Conquistar a confiança de Isaac novamente levaria tempo. Ela havia fodido muito as coisas ao ir atrás de Owen, mas não se arrependia por isso. Se tivesse permanecido na base, Ellie provavelmente viria, levaria Mel embora, e Abby nem saberia que ela passara na cidade. Os poucos e sublimes momentos que elas passaram juntas faziam valer a pena todo o problema que ela fosse ter com Isaac pelos próximos dias.
Manny a esperava do lado de fora da sala, tentando não parecer nervoso.
- E ai? Ele arrancou sua pele? – ele perguntou, analisando-a.
- Não. Ele está focado no ataque. Eu vou ir com o seu grupo. – ela avisou.
- Seja bem vinda. Você pode nos liderar, se quiser. – ofereceu Manny. – Sei o quanto você detesta seguir ordens.
- Tudo bem. – concordou Abby. – Quando saímos?
- Em dez minutos. Vamos buscar nossas armas e suprimentos.
///
Abby acompanhou o grupo de trinta soldados até a marina. De lá, entraram num barco e navegaram em direção á ilha dos cicatrizes.
A maioria dos soldados estavam animados, alguns poucos apreensivos. Abby estava tensa, verificando suas armas e munição de forma compulsiva. Parte de sua mente estava no iminente confronto com os Cicatrizes, mas outra parte estava em Ellie, Owen, Mel, Lev, Yara – se eles haviam conseguido, se eles estavam seguros.
Manny era uma presença reconfortante ao seu lado, mas ela sentia falta da familiaridade de ter Owen e Nora ao seu lado, e até mesmo Mel.
- Como você acha que vai ser isso? – Manny perguntou, numa clara tentativa de chamar sua atenção.
- Uma carnificina. – confessou Abby.
- Preocupada?
Não pelos motivos que a maioria deles estava. De alguma forma, ser capturada e torturada não era uma de suas maiores preocupações no momento. Perder Manny figurava entre as maiores delas, junto com...
- Provavelmente haverão crianças. – Abby murmurou, sem conseguir evitar pensar em Lev e Yara.
- Sim, é sempre uma merda ter que matar crianças. – concordou Manny.
Abby sentiu seu estomago revirar.
- Eu salvei a vida das duas crianças que me salvaram. – ela confessou, em voz baixa.
Manny a encarou incrédulo, antes de balançar a cabeça.
- Você tem um coração mole demais, Abs. Não deveria ter se tornado um soldado. Deveria ter ficado como Nora, cuidando dos feridos.
Abby não recebeu isso como um elogio.
- Foda-se, Manny. Sou a melhor soldada daqui, tanto em combate corpo a corpo quanto em armas.
- Será? Que tal uma aposta? – Manny provocou. – Quem matar mais cicatrizes arruma o apartamento por uma semana.
- Você vai trapacear quando eu não estiver olhando.
- Eu nunca faria isso. Tudo bem, que tal... Vamos apostar, e se você não puder matar algumas crianças, eu faço isso por você?
Abby revirou os olhos.
- Você tem uma maneira terrível de demonstrar amizade.
Manny deu de ombros:
- Foi você quem disse: nós lutamos juntos até o final. Não vou deixar algum pirralho te acertar uma flecha porque você não consegue matá-lo. Posso lidar com a culpa. Você já tem muitos fantasmas pra lidar.
Abby não discutiu, pois seria inútil; Manny dormia em seu quarto e via a quantidade de pesadelos que ela tinha ao longo dos anos.
- Tudo bem. – ela concordou. – Mas se eu precisar esconder algumas crianças, você vai me cobrir.
Manny suspirou, alto e sofrido.
- Okay. Custa muito caro ser seu amigo, sabe?
- Foda-se. Ninguém te tolera mais do que eu.
- Sim, é por isso que você é minha melhor amiga.
- Atenção! – o grito de um soldado rompeu os murmúrios no barco. – Estamos avistando a ilha!
Abby preparou suas armas, assim como todos os soldados.
- Vamos lá, Abs. – Manny esbarrou em seu ombro. – Vamos matar alguns Cicatrizes.
- Que a nossa sobrevivência seja longa. - suspirou ela.
///
É uma carnificina, assim como Abby esperava.
A primeira equipe enviada por Isaac - aquela na qual ela estaria - foi massacrada na praia.
Os cicatrizes começaram a atacar antes mesmo do barco atracar na praia. Eles desceram debaixo de uma chuva de flechas, enquanto começavam a atirar bombas na direção dos cicatrizes.
A primeira grande dificuldade era sair da praia, do campo aberto, para a cobertura das árvores. Alguns soldados não conseguiram.
Abby focou em abrir caminho na defesa deles, derrubando vários cicatrizes com tiros certeiros na cabeça.
Os cicatrizes começaram a recuar para a ilha.
- Vamos aguardar chegar mais reforço. - decidiu Abby.
Mais dois barcos chegaram na praia, e ela podia ver outros se aproximando. Ela reuniu os soldados e avançaram para dentro da ilha.
Lentamente, eles foram encurralando os cicatrizes, mas perdendo muitos lobos no processo. Abby não focou em quem estava caindo ou gritando; ela os contava como números, não como rostos familiares. No momento do combate, focava sua mente cem por cento na batalha, sempre deixava pra lamentar depois; isso a tornou um dos melhores soldados da WLF. Não permitia que as emoções a distraíssem de seu objetivo.
- Vamos lá, vamos acabar com todos eles!
- Há um acampamento á frente! – avisou alguém.
Quando avistou as cabanas por entre as arvores, Abby teve um mal pressentimento.
- Vou dar uma olhada. - Manny disse.
- Tudo bem. – ela concordou. – Vou te dar cobertura.
Ela observou quando Manny avançou e abriu a primeira cabana. Balançou a cabeça; vazia. A outra o fez parar por um tempo longo demais. Abby apertou a arma com tanta força nas mãos que sentiu doer.
- Vazia! - Manny gritou e seguiu para a seguinte.
- Se espalhem! - ordenou Abby para os soldados. - Eles devem ter abandonado o acampamento e se escondido. Encontrem todos eles!
Os soldados correram, seguindo suas ordens.
Ela foi atrás de Manny, arma em punho e vigiando ao redor.
- O que tem na cabana? - ela perguntou. Conhecia Manny há tempo suficiente pra saber quando ele estava blefando.
Ele fez uma careta.
- Crianças.
- Quantas?
- Várias.
Abby sentiu seu estômago embrulhar. Ela já havia lutado com soldados muito jovens antes; mas de alguma forma, depois de conhecer Lev e Yara, a idéia de fazer isso era repulsiva. Como ela poderia encará-los depois disso? Como ela poderia tocar sua alma gêmea, se fizesse isso?
Pela expressão de Manny, não eram crianças que já tinham idade para lutar – provavelmente mais novos do que Lev.
Sua indecisão tomou tempo demais. Ela começou a ouvir a voz de soldados se aproximando.
- Deixe isso comigo, vou dar à eles uma morte rápida. - Manny decidiu, afastando-a com uma mão.
- Não. – negou Abby. Isso era algo que ela não desejaria nem para seu pior inimigo. – Derruba todas as cabanas. - Abby ordenou.
- Abby.
- Agora, Manny.
Ela começou a fazer isso rapidamente. Manny xingou algo e seguiu seu conselho.
Havia três cabanas com crianças dentro. Abby arrastou as peles das cabanas vazias e jogou sobre elas.
- Eles não vão morrer sem ar? – perguntou Manny.
- Não consigo matar mais de trezentos soldados para proteger eles. Com sorte, os soldados vão ver as cabanas caídas e não vão olhar. Vamos sair daqui.
Não havia o que ela pudesse fazer.
Abby não foi muito longe. Ficou observando de longe as cabanas, enquanto ordenava os soldados pra longe dali.
Um grupo de três soldados tiveram a idéia de queimar as cabanas.
- Ei, vocês estão loucos? Querem queimar a floresta inteira?
- O que tá acontecendo? - Manny chegou.
- Esses putos querem colocar fogo aqui.
- Saiam daqui.
- Isaac disse que podíamos queimar a ilha. – um deles discutiu.
- Quando todos tiverem saído daqui. Comecem a evacuar para o barco. – ordenou Abby com autoridade.
Por um momento, o soldado parecia que iria enfrentá-la. Abby usou seu melhor olhar de “vou te quebrar em pedaços” e ele recuou.
- Vou avisar todos para irem para os barcos. - Manny lhe avisou, antes de se afastar com um tapinha em seu ombro.
A escuridão começava a cobrir a ilha e Abby estava completamente molhada pela chuva torrencial, com frio e preocupada com a vida de algumas crianças cicatrizes mais do que com o que Isaac faria com ela se descobrisse seu pequeno erro.
- Que loucura você tá fazendo, Abigail Anderson. - resmungou consigo mesma. - Ellie faria o mesmo. – disse, tentando se convencer de que não ficara completamente louca. – Não, ela provavelmente atacaria os soldados e tentaria levar as crianças. Aquela louca. Porra, espero que ela esteja bem.
Abby não sabia se confiava na promessa de Ellie, de que voltaria por ela. Ela havia dito aquilo com tanta convicção, e parecia ter a determinação necessária para isso, mas haviam tantas variáveis. Joel deixaria ela sair de Jackson? Ela iria querer sair, depois de estar em segurança?
Abby não deveria querer que ela saísse e se arriscasse tanto por ela, mas não conseguia mentir para si mesma. Ela queria que Ellie viesse por ela. Ela queria que Ellie a quisesse mais do que qualquer outra coisa. Ela queria que Ellie estivesse pensando nela tanto quanto ela estava pensando nela, como uma obsessão.
Abby pensou que nunca poderia desejar algo mais do que a vingança, mas ela estava começando a perceber que ela havia subestimado o quanto desejava ser amada.

Chapter 2: Uma leve obsessão

Summary:

Demorei, mas voltei.
Não é o reencontro delas ainda, mas estamos perto.

Notes:

(See the end of the chapter for notes.)

Chapter Text

Ellie despertou da melhor maneira possível: com o peso quente de alguém sobre ela, pernas entrelaçadas nas suas e braços fortes que a seguravam.
Abby era um peso bem vindo sobre ela. Seu corpo, grande e forte, a cobria completamente. Surpreendentemente, Ellie gostava de se sentir pequena e protegida.
- Abby. - Ellie gemeu.
Porra, Abby tinha um corpo perfeito. Ela era toda de músculos firmes, pele morena e sardas atraentes que Ellie queria mapear com a boca.
Ela tinha olhos azuis lindos. Ombros musculosos que as mãos de Ellie não se cansavam de tocar.
Ellie estava dividida sobre pra onde olhar cercada por tanta beleza - ela gostaria de preencher dezenas de diários com desenhos dela.
- Querida. - ela sussurrou, deslizando as mãos pelos braços de Abby.
- Ellie. - ela respondeu, encostando a testa na sua.
- Oi, baby. - Ellie suspirou, deixando um beijo no nariz.
- Ellie!
Um empurrão a tirou dos braços de Abby. Ellie rosnou e ergueu seu canivete, apenas pra ser atingida pela visão assustada de Lev.
- Acorda, estamos indo. – ele falou.
- Merda. Desculpa, Lev. – ela se desculpou, abaixando o canivete.
Porra, parecia que não fazia mais do que vinte minutos que havia deitado. Ellie se levantou resmungando, enquanto dobrava o casaco que havia usado como cobertor. Suas costas doíam, mas pelo menos seus pés haviam se recuperado. Ao fim do dia, seus pés doeriam e suas costas estariam melhor. Era uma rotina diária.
O céu já começava a clarear, anunciando um novo dia de caminhada. O grupo ao seu redor juntava seus pertences, prontos para ir, em diferentes níveis de desânimos. Ellie conseguia ver o esgotamento no rosto de cada um deles; imaginava que o seu rosto não estava muito diferente.
- Aqui. - Yara lhe ofereceu uma garrafa de água.
- Obrigada, Yara. – Ellie agradeceu, antes de se afastar para lavar o rosto.
A água fria terminou de lhe acordar.
Ao final dos dois meses que haviam saído de Seattle, o mal humor estava começando a afetar até os mais tranqüilos do grupo. Ellie já não contava tantas piadas, Jesse se calava, e eles não trocavam mais do que conversas necessárias. Pelo lado bom, pelo menos as discussões haviam diminuído. Até Tommy estava cansado demais para ser implicante.
- Estamos quase lá. – ele falou, dando um tapa no ombro de Ellie.
- Não lembrava que era tão longe assim. – Owen resmungou.
- Nós viemos de carro. – lembrou Mel.
- Deveríamos ter roubado um carro da WLF. – Dina suspirou.
- Sim, boa idéia. – Jesse concordou.
Na metade do caminho entre Seattle e Jackson, Tommy começou a guiá-los. Owen não conhecia muito bem a rota fora do caminho que havia trilhado de carro no inverno passado para Jackson. Tommy era o especialista em navegar por estradas desconhecidas. Ellie estava acostumada demais a deixar Joel guiá-los para se incomodar, ela só se intrometia quando sentia que havia infectados por perto, o que ainda acontecia mais do que ela gostaria.
Na primeira semana da viagem, Mel comentou:
- É tão estranho não termos encontrado infectados.
Quando era apenas dois ou três deles, Ellie não perdia tempo se desviando do caminho para evitá-los. Mas quando eram mais infectados do que o número deles, ela preferia guiá-los por longe - o que economizasse mais tempo. Joel não tinha muito tempo, afinal - algo que Ellie vinha evitando pensar.
E por falar em evitar pensar, Ellie tentou não pensar no sonho que acabara de ter. Não era o primeiro e provavelmente não seria o último. Não queria pensar em Abby, ou o desejo de retornar para Seattle se tornava perturbador. Sentia falta dela. Principalmente do toque físico, que era a forma mais intensa que haviam se conectado, mas também do olhar, de simplesmente falar com ela. Conhecer Abby através de outras pessoas não era tão bom.
Já sabia mais do que precisava saber sobre os Cicatrizes, sobre o que acontecera com Yara, Lev e Abby em Seattle. Caminhar por dois meses com as mesmas pessoas forçava certos tipos de intimidade. Ellie já sabia que Owen e Mel discutiam muito, que Mel era inteligente e observadora, que Yara era uma irmã mais velha super protetora e que Lev era um garoto trans.
Dina finalmente parou de vomitar várias vezes ao dia, a barriga de Mel começou a aparecer e Yara já havia se recuperado da cirurgia.
Tommy parou de repente. Ellie se concentrou ao redor, se perguntando se havia se distraído o suficiente para não perceber algum perigo.
- Lá. – Tommy apontou para um ponto escuro ao longe. – É o ponto de controle mais longe que temos de Jackson. Podemos parar e descansar por um tempo.
///
- Uau. É maior do que eu esperava. - Yara comentou ao ver as muralhas de Jackson.
- Eles não vão nos atacar? - Lev perguntou, segurando seu arco com receio.
- Eles tem binóculos lá em cima. Provavelmente vão nos reconhecer bem antes de chegarmos. – explicou Ellie.
- O que é binóculos? – questionou Lev.
- É uma lente, que permite enxergar a distância. – Jesse explicou.
- Você tem certeza que estaremos seguros lá? - Mel questionou, olhando com receio para Ellie.
- Sim. – ela afirmou.
Eles saíram de Jackson como um grupo de quatro pessoas. Estavam retornando como um grupo de oito.
Poderiam ser nove, Ellie pensou melancolicamente.
Eles foram reconhecidos de longe, pois os portões se abriram para eles quando se aproximaram. Tommy entrou primeiro, seguido por Dina e Jesse.
Ellie se juntou a Lev e Yara no fundo do grupo. Os dois estavam claramente assustados.
- Sejam bem vindos de volta. - disse Maria com um sorriso, antes de abraçar Tommy.
- Como ele está? - Tommy perguntou antes que Ellie pudesse.
- Melhor do que antes.
- Quero vê-lo. - Ellie se pronunciou.
Maria a olhou de cima abaixo, avaliando seu estado físico, então se deu por satisfeita e a puxou para um abraço.
- Vamos acomodar os recém chegados primeiro, e então você pode ver Joel. – ela falou.
- Esses são Mel e Owen. – Ellie apresentou. – Ela é a neurocirurgiã.
Maria estendeu a mão amigavelmente, ignorando o fato de Owen estar a frente de Mel como ela fosse atacá-los.
- Sou Maria, uma das líderes da comunidade. Agradeço por terem vindo de tão longe.
- Não tivemos muita opção. - Owen comentou, mas Mel o empurrou levemente e apertou a mão de Maria.
- Ellie disse que podemos ficar aqui se eu operar o Joel. – ela falou.
- Claro, vamos conversar sobre isso depois que descansarem. – assentiu Maria. – Vocês tiveram uma longa viagem. Vou lhes mostrar onde irão ficar e explicar as regras. – Ela notou Lev e Yara escondidos atrás de Owen. – As crianças são suas?
- Lev e Yara estão comigo. - Ellie se intrometeu.
- Você os levará com você?
- Sim. Eles podem ficar comigo e Joel. – concordou Ellie, então olhou para Yara. – Tudo bem?
Yara assentiu.
- Vou levar eles pra casa.
///
Entrar novamente em casa era uma sensação boa. Ellie não sabia o quanto sentia falta disso ate se ver ultrapassando a porta da frente.
Estava menos empoeirado e mais arrumado do que ela esperava, então Maria ou alguém continuava limpando.
- Ellie? – uma voz familiar soou do segundo andar.
Ellie sorriu.
- Ei, velho. Você está em casa? – ela respondeu.
Lev e Yara a encararam.
- Esse é meu pai. – ela avisou. – Fiquem à vontade, eu já volto.
Joel estava em sua sala de trabalho, antes de ouvi-los. Ellie o encontrou caminhando para a escada, apoiado em uma muleta de madeira. Ele parecia mais vivo do que quando ela o viu pela ultima vez, o que fez seu sorriso crescer.
- O doutor deixou você vir pra casa ou você foi tão teimoso que ele teve que te liberar? – provocou Ellie.
- Estou bem. Não precisava ficar sendo paparicado 24 horas por dia. – respondeu Joel com pouco caso. Ele a olhou como Maria fez, procurando ferimentos. - Você está bem?
Ellie diminuiu a distancia e o abraçou, tomando cuidado para não desequilibrá-lo.
- Estou bem. Eu disse que ia voltar, não disse? – ela respondeu.
- Todos estão bem?
- Sim. Eu trouxe a neurocirurgião, ela está falando com a Maria. E… Tem uma surpresa. Você pode descer?
- Claro, eu disse que estou bem.
Joel não estava tão bem. Ellie percebeu a maneira como sua mão tremia, mas não disse nada. Ele obviamente já havia descido as escadas de muleta o suficiente pra fazer isso com facilidade.
Yara e Lev continuavam de pé no meio da sala, como dois patinhos perdidos. Eles ficaram um pouco tensos ao verem Joel.
- Yara e Lev. Esse é Joel. – Ellie apresentou.
- Uau. – Joel respirou fundo. – Você adotou algumas crianças.
- Vou colocar eles no meu antigo quarto, tudo bem?
- Claro. Só… eles estão sozinhos?
- Sim.
- Bem, você ta me fazendo avô bem antes do que eu esperava. – brincou Joel, então sentou no sofá com um pouco de dificuldade. - Tem café. – ele avisou.
Ellie riu baixinho.
- Eu não acho que eles gostem de café. – Ela se virou para eles. - Vamos lá, deixa eu mostrar seu quarto. Aqui é o banheiro, ali a cozinha.
- Onde você vai ficar? – Lev perguntou.
- Olha lá fora. Tá vendo a garagem? Ali é o meu quarto. Vou pegar umas roupas pra vocês, então podem tomar banho. Deve estar quase na hora do almoço.
- Tem água encanada? - Yara perguntou com espanto.
- Sim. E um chuveiro. Eu vou te ensinar como usar.
Depois de acomodar Yara e Lev em seu quarto e ensiná-los a usar o chuveiro, Ellie desceu para encontrar Joel na varanda, bebendo seu precioso café. Ele parecia bem melhor do que da última vez que o vira.
- E aí? Novidades? – ela perguntou.
- Tivemos alguns recém chegados há algumas semanas.
- Boas pessoas?
- Ainda não decidi.
Ellie decidiu que não valia a pena evitar o elefante na sala, então perguntou:
- Como tá sua perna?
- Funcionando.
- Poderíamos conseguir uma cadeira de rodas.
- Fodidamente não. Já é ruim o suficiente usar essa merda. – bufou Joel, olhando para as muletas.
Ellie decidiu não insistir no assunto.
- Você está indo almoçar no refeitório? – perguntou.
- Maria tem me trazido comida, a maioria dos dias.
- Então você tem se isolado aqui desde que saiu do hospital? – questionou Ellie.
- Mais ou menos. – Joel deu de ombros. – Não tenho tido muito tempo livre. Há muito trabalho a ser feito por aqui. As necessidades da comunidade não param e sem você, Tommy, Jesse e Dina, tem ficado corrido.
- Não tem patrulhado, né?
- Não. Apenas ficado de vigia sobre a muralha alguns dias.
Ellie cerrou os dentes.
- Joel.
- É totalmente seguro. – ele garantiu. – Precisávamos ficar de olhos nos infectados, já que você não estava aqui.
Ellie não estava aceitando nada disso.
- E quantas vezes você desmaiou nos últimos meses? – ela questionou.
Joel revirou os olhos.
- Vá cuidar das suas crianças. Você se tornou mãe bem cedo.
Ellie bufou, sabendo que essa seria uma discussão que não venceria. Entre ela e Joel, não saberia dizer quem era mais teimoso.
- Vou levar eles pra almoçarem e conhecerem o pessoal. – ela avisou. – Você vem?
- Sim.
///
Ellie podia sentir a tensão na sala.
De um lado da mesa da cozinha, Joel estava sentado, braços sobre a mesa e expressão tensa. Owen ficou de pé do outro lado, braços cruzados e expressão cautelosa. Na ponta da mesa, Mel olhava para alguns papéis. Maria e Tommy estavam sentados ao lado de Joel, o doutor Kennedy a frente dele. Ellie ficou do outro lado de Joel.
Mel finalmente levantou os olhos e falou, mirando Joel:
- Eu fico realmente puta de ter que usar o conhecimento do doutor Anderson pra salvar a vida do assassino dele.
Ellie precisava admirar a coragem dela. Joel não se mostrou surpreso.
- Mas eu também faria qualquer coisa por um filho, então não estou aqui pra julgar. – ela terminou, colocando uma mão sobre sua barriga.
- Obrigada. - Maria agradeceu.
- Estou de acordo com a avaliação do doutor Kennedy. – continuou Mel. – O nódulo precisa ser operado o mais rápido possível. A questão é: vocês tem os recursos?
- Sim. - o doutor afirmou com confiança.
- Propofol e remifentanil? – ela questionou.
- Temos. – o doutor confirmou. – Estamos á sua disposição, para fazermos quando você quiser.
- Eu nunca realizei uma cirurgia dessas antes. - admitiu Mel e Ellie sentiu a ansiedade apertar seu peito. – Estudei bastante ao lado do doutor Anderson, que era neurocirurgião e ajudei em algumas cirurgias, mas nunca como cirurgiã responsável. Se algo der errado na mesa de operações, Ellie me garantiu que poderíamos ficar aqui. – Mel olhou para Maria. – Preciso de garantias, por causa do meu filho.
- Sim, você tem um lugar para ficar aqui. - Maria concordou. - Só peço que você faça o seu melhor, pois você é a nossa melhor e única opção.
- Eu farei. - garantiu Mel. Ela não olhou para Joel em nenhum momento.
Por algum motivo, Ellie confiava nela. Os três meses que passou observando-a lhe diziam que ela era uma pessoa confiável – embora mal humorada. Ou talvez fosse apenas namorar um idiota como Owen que a deixava assim, supôs Ellie.
///
- O doutor Kennedy disse que ela é muito boa. - Maria falou, numa tentativa óbvia de acalmar Ellie.
Fora da sala de cirurgia, ela e Ellie aguardavam por noticias.
- Abby disse que ela era a melhor aluna do doutor Anderson. - Ellie deixou escapar.
Maria ergueu as sobrancelhas, parecendo surpresa.
- Vocês duas conversaram?
- Sim.
- Por quê ela não veio junto com os amigos?
Provavelmente porque Abby estava menos empolgada do que Owen para estar no mesmo lugar que Joel, pensou Ellie, mas respondeu o que Abby lhe dissera:
- Seria difícil e demorado extrair os outros amigos dela. Não tínhamos tanto tempo. E o barco não conseguiria levar todos.
Ellie estremeceu ao ouvir uma porta bater. Maria segurou sua mão.
- Joel é forte. – ela disse.
- Eu sei. – Ellie respondeu.
Ela sabia, o problema era que todas as pessoas que ela amava pareciam deixá-la. Sua mãe, Riley, Sam, Henry, Abby... Parecia inevitável.
- Tommy disse que Seattle era um inferno. – Maria falou, numa tentativa de distraí-la.
- Sim.
Maria continuou sua conversa unilateral até que a porta da sala de cirurgia foi aberta.
Ellie tremeu. O doutor Kennedy saiu primeiro, tirando a máscara azul do rosto.
- Ele está estável. – ele falou.
Ellie observou Mel sair em seguida. Ela mantinha a mesma calma de sempre, como se não tivesse acabado de abrir a cabeça de alguém e costurar de volta, como se não tivesse com o peso da vida de alguém suas mãos.
- Obrigada. - Ellie agradeceu sinceramente.
Mel assentiu e se afastou.
///
- Porquê você acha que ela está com ele? - reclamou Ellie, olhando como Owen e Mel, num canto afastado da fogueira, pareciam estar no meio de outra discussão. - Ele é um idiota.
- Uma pena que ela seja hétero. - suspirou Dina, sentada ao seu lado.
Ellie riu. Dina sempre deixou claro que queria um relacionamento trisal, então não era uma surpresa ouvir isso.
- Me pergunto o que diabos a Abby viu nele. - Dina falou, e o bom humor de Ellie acabou.
Ela ficou sabendo sobre Owen e Abby entre a segunda e terceira semana de viagem, totalmente contra sua vontade. Ela escutou uma das discussões deles dois, e o nome de Abby entrou no meio. Isso com certeza colaborou pra ela gostar menos de Owen, ainda mais ao saber que ele namorou Abby por cinco anos. O “Eu nunca transei com uma mulher” de Abby fazia mais sentido. Ellie havia sido a primeira mulher dela, e havia uma parte egoísta e hipócrita de si que gostaria de ter sido a primeira em tudo dela. Bem, não era culpa dela, nem de Abby, nem de Owen, que elas demoraram tanto a se encontrar.
- Como está o neném? - Ellie mudou de assunto, porque ainda achava que era cedo demais pra falar de Abby com sua ex-namorada. Dina parecia estar superando, mas não queria arriscar. Dina era, acima de tudo, sua melhor amiga. Brigar com ela tornava tudo em Jackson mais chato, já que ela era a pessoa que sempre aceitava entrar em aventuras com ela.
- Estou com três meses. - Dina passou uma mão carinhosamente na barriga. - Os pais de Jesse ficaram extasiados. O primeiro neto deles.
- Estou feliz por vocês. - admitiu Ellie. - Não vejo a hora de segurar o pequeno.
- E as crianças? – Dina perguntou, desviando o olhar para a dupla de ex-cicatrizes.
Ellie sorriu ao vê-los no meio das outras crianças e adolescentes de Jackson. Eles estavam se enturmando lentamente. Ellie adorava te-los por perto, mas estava tentando não monopolizá-los. Eles precisavam da companhia de pessoas da idade deles.
- Joel gosta de tê-los em casa. – ela confessou.
Isso foi inesperado. Joel era muito anti-social, então Ellie achou que ele demoraria a se aproximar dos dois.
- Vou ir pra casa cedo. - Ellie avisou, levantando. - Você pode olhar as crianças pra mim?
Ellie não iria encerrar a pequena diversão deles.
- Claro. – Dina assentiu. – Divirta-se com Joel. Vou passar lá amanhã.
- Divirta-se e não faça nada que eu não faria. - brincou Ellie, antes de beijar a bochecha de Dina e se afastar.
Maria a impediu antes que ela pudesse sair da praça.
- Ellie, podemos conversar um pouco? – ela pediu.
- Estava indo ver como Joel está. – admitiu Ellie.
Já fazia duas semanas que ele havia sido operado, mas ela ainda estava um pouco preocupada.
- Tommy está com ele. – avisou Maria.
- Tudo bem. – Ellie a acompanhou por alguns passos, ate estarem afastadas de todos. – Então?
- Relaxe, você não está enrascada. – sorriu Maria. – Só queria saber como você está lidando com as coisas. Não conversamos muito desde que você chegou.
- Estou bem. – garantiu Ellie. Não era mentira; tirando o desejo insano de ir encontrar Abby, ela estava muito bem.
- Quer conversar com a psicóloga?
Ellie fez uma careta. Não era a primeira vez que Maria sugeria isso.
- Não.
- Você acha que as crianças precisam?
- Só se eles quiserem.
- Reparei que o Lev… - Maria hesitou. – A enfermeira comentou comigo sobre ele.
- Ele é um garoto trans. – confirmou Ellie.
- Não sabemos lidar muito com isso aqui. Espero que você consiga ajudar ele.
- Tenho conversado com ele. - admitiu Ellie. - Há algo que eu queria falar com você, mas preciso falar com Joel primeiro. Podemos conversar amanhã?
- Claro. Estarei livre… na hora do almoço.
- Me diga se precisar que eu faça alguma coisa.
- Está tudo bem. Mas falando nisso… Owen. Você acha que seria sensato colocar ele nas patrulhas?
- O que Tommy acha?
- Que seria melhor ele ficar apenas de vigilância na muralha por enquanto.
- Concordo. Yara provavelmente vai querer ajudar em algo também.
- Ela perdeu um braço. Não é seguro pra ela sair em patrulha.
- Ainda seria bom ela ter algo pra fazer. – insistiu Ellie. – Sei que ela está estudando com as outras crianças, mas a escola só dura até os quinze anos e ela faz dezesseis em breve.
- Vou ver se ela se interessa pela agricultura, ou cuidar dos animais. – prometeu Maria.
- Obrigada, Maria.
- Boa noite, Ellie.
- Boa noite.
As ruas estavam quase desertas, a maioria das pessoas estavam participando do evento social na praça. Ellie se sentia em casa. Nos cinco anos que viveu ali, Jackson se tornou sua casa. Pensar em partir era uma pequena agonia.
Ela entrou em casa e subiu as escadas silenciosamente.
Joel estava em seu quarto, sentado numa cadeira, mexendo em seu violão.
- Você não precisava voltar correndo para ver como eu estou. - ele falou, ao perceber sua presença.
- Eu não. - Ellie mentiu. - Estava cansada. Isso não é álcool, certo? - ela indagou, olhando para as xícaras sobre a mesa. Mel deixara bem claro que nada de álcool para o recém operado por um tempo.
- Café. Tommy e eu estávamos bebendo. E você? Bebeu?
Ellie deu de ombros.
- Um pouco. – admitiu. Estava com muitas coisas na cabeça.
- Você e Dina brigaram outra vez? - questionou Joel.
- Não. Ela e Jesse estão juntos. Ela está grávida.
- Ah. - Joel soou desapontado. Ele gostava de Dina e Ellie juntas e nunca escondeu isso.
Ellie mudou logo de assunto:
- A Mel veio hoje? O que ela disse sobre sua saúde?
- Estou bem. Só precisarei ficar de repouso por mais alguns dias.
Ellie assentiu, então ficou inquieta, movendo-se sobre seus pés. Joel aguardou.
- Eu queria conversar com você. - ela finalmente falou.
- Claro. Sente.
Ellie ocupou a ponta da cama, de frente para a cadeira de Joel. Ela esfregou as mãos, pensando em como iniciar isto. A pouca bebida que tomara não estava ajudando.
- Lembra quando estávamos em Boston? E você me contou sobre almas gêmeas? – ela perguntou.
- Sim. - Joel respondeu, olhando automaticamente para seu braço marcado.
- Eu encontrei a minha quando estava em Seattle. – confessou Ellie.
Joel não teve uma grande reação, assim como ela esperava. Seus dedos continuaram dedilhando o violão.
- O que aconteceu com ela? – ele perguntou.
- Ela não pôde vir.
- Ela sabia que vocês eram…
- Sim.
Ela sabia que Abby sabia, mesmo que não tivessem conversado sobre isso.
- Sinto muito. – Joel falou.
- Eu vou voltar a Seattle para buscar ela. – Ellie soltou de uma vez.
Isso fez as mãos de Joel pararem no violão.
- Ela pediu pra você fazer isso? – ele perguntou.
- Não, ela não pediu. Não tivemos muito tempo de conversar. Lá estava um caos, e eu só descobri que éramos almas gêmeas um dia antes de vir. Mas eu ainda acho que ela gostaria que eu fizesse isso.
Pelo menos, ela não havia dito ‘não’ quando Ellie disse que voltaria.
- Ellie. – Joel a encarou com receio. – Jackson precisa de você aqui.
Soou mais como um “eu preciso de você aqui”, o que fez a culpa pesa em seu peito.
- Eu preciso dela. – Ellie admitiu.
- E você precisa ir agora?
- Sim. A situação lá em Seattle é complicada, ela pode estar em perigo.
Ela não achou necessário acrescentar que confiava que Abby podia se livrar da maior parte dos perigos. Isso não a preocupava, exatamente. Abby estava com a WLF, eles eram um grupo grande e organizado, e Abby era... extremamente capaz e inteligente. Ellie lutou ao lado dela, sabia o quão mortal ela era.
- Gostaria de poder ir com você, mas… - Joel parou, olhando para sua perna.
- Eu sei que você não pode. Não se sinta mal sobre isso. – pediu Ellie.
- Você não está planejando ir sozinha, certo? – perguntou Joel, desconfiado.
Essa era uma pergunta que Ellie gostaria de evitar.
- Jackson não pode ficar sem tantas pessoas. – ela argumentou. – E eu quero viajar seguindo os infectados, será mais seguro pra mim. E mais rápido.
- Maria não vai permitir.
- Eu sei. Por isso estou falando com você. Ela te ouve.
- Arrume pelo menos uma pessoa pra ir com você. Alguém confiável. E Ellie… eu acho que você não deveria ir. É muito arriscado.
- Você sabe que eu prefiro me arrepender de ter tentado do que de não tentar.
- E eu preferia que você ficasse aqui, segura. Você sabe que uma marca às vezes não significa nada.
- Eu voltaria por ela mesmo que não fôssemos almas gêmeas. – garantiu Ellie.
Ela não precisou de uma marca pra se sentir atraída por Abby, nem pra querer ela.
Claramente aquele seria mais um assunto que ela e Joel teriam que concordar em discordar, assim como sobre Salt Lake City. Joel pelo menos já sabia o suficiente pra não tentar ir contra a vontade de Ellie.
- Vou falar com Maria amanhã. – ele prometeu. – Não posso garantir que ela vai concordar.
- Eu sei.
Ellie sabia que ela não iria concordar.
- O que você está lendo? - ela perguntou, olhando para o livro sobre a cama de Joel.
- Um de seus quadrinhos. Lev disse que é bom. Sabe, sempre pensei que você não se importava com essa questão de almas gêmeas. – comentou Joel.
- Não ligo. – concordou Ellie. – Mas ela… A gente se conectou antes mesmo de eu saber sobre isso.
Joel assentiu, como se entendesse. Ele provavelmente não entendia, mas significava muito pra Ellie que ele tentasse compreender.
- Como ela é? – ele perguntou e Ellie estremeceu. Mais uma pergunta que ela queria evitar.
- Forte. Inteligente. E teimosa. Acho que vocês se dariam bem, se…
Se não houvesse um passado tão violento entre eles, ela completou em sua cabeça.
- De que lado ela estava? Dos Cicatrizes ou dos Lobos?
- Dos Lobos.
- Pensei que ela poderia ser a mãe das crianças. - admitiu Joel.
Ellie bufou.
- Ela não é tão velha assim.
- O que a Dina achou dela?
- Pergunte pra ela amanhã. Ela virá aqui.
///
Ellie não esperou pelo dia seguinte. Ela levantou entre 3h e 4h da madrugada. Não ousou entrar na casa principal para não acordar Joel, Lev ou Yara. Ela tinha certeza que Lev e Yara não aceitariam ficar para trás, eles iriam querer ir em busca de Abby com ela. Joel provavelmente não percebeu que a conversa que tiveram era seu aviso e despedida, mas era melhor assim.
A culpa era pesada em seu peito ao pensar em como Maria, Dina e as crianças iriam reagir, mas ela sabia que era melhor assim.
Ela saiu sozinha.
Ela não queria arriscar ninguém nessa missão. Era sua missão, era pessoal, e se houvesse qualquer prejuízo, que fosse apenas dela.
Era a primeira vez que deixava as muralhas de Jackson para trás e viajava sozinha.
Só fazia três semanas desde que chegara á Jackson. Ela esperou Mel fazer a cirurgia, esperou Joel estar estável. Não havia nada mais que a impedisse de sair.
Ela amava Jackson, amava as patrulhas, amava a rotina, amava a maioria dos moradores, as pessoas que mais amava estavam ali. Mas a sensação de que algo estava faltando não desaparecia.
O cavalo sob ela relinchou.
- Shhh. Quieta, Édra.
Era uma viagem longa demais pra se ter apenas um cavalo pra conversar, mas Ellie levava consigo seus diários. Um para escrever as experiências da viagem para Joel, outra para escrever suas experiências com os infectados para si própria, e outro que ela definitivamente não deveria ter trazido - mas deixar todos os desenhos que fez de Abby em Jackson não parecia certo.
Ela estava desenhando como uma obsessão desde que saíra de Seattle. O rosto de Abby, os braços fortes de Abby, o cabelo solto de Abby, a trança de Abby, as sardas de Abby espalhadas em seu nariz e ombros, as costas definidas de Abby, nus de Abby que a deixavam com tanto tesão que ela precisava parar de desenhar e se masturbar. Era constrangedor o quanto ela lembrava com perfeição de alguém que vira tão poucas vezes - e nua menos ainda. Mas cada linha do corpo de Abby ficou gravada em sua mente, e ela a desenhava incansavelmente por toda a viagem até Jackson e pelos dias que esteve ali.
Sua obsessão estava - levemente - fora de controle. Quando dormia, ela sonhava com variações de sua noite sexy com Abby ou pesadelos sobre Joel e Abby.
A viagem para Seattle provavelmente iria acabar com as páginas de seu diário - se ela parasse por tempo suficiente para algo além de comer e dormir.
Era um longo caminho, mas Ellie estava ansiosa por isso; tanto pela viagem quanto pelo que a esperava em Seattle.
Ela iria buscar Abby Anderson.

Notes:

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Chapter 3: Santa Bárbara

Summary:

Reparou na tag sobre estupro? Não é explícito, mas é sobre o que acontece com Abby em Santa Bárbara, e vamos falar sobre isso nos próximos capítulos.

Notes:

Reencontro, garotas

(See the end of the chapter for more notes.)

Chapter Text

Chegar ao Aquário deu menos trabalho do que da primeira vez. Havia menos soldados da WLF pela cidade, o que Ellie não sabia se era algo bom ou ruim. As poucas patrulhas que ela viu eram pequenas, não mais do que quatro soldados.
Sozinha, ela não precisou se desviar de nenhum infectado e chegou a Seattle ainda com seu cavalo intacto - por muito pouco; Ellie o pressionou mais do que deveria, na pressa de chegar ao seu destino. Além de parar pra dormir e comer, e desenhar um pouco enquanto o cavalo descansava, ela havia viajado incansavelmente, motivada por um desejo crescente de ver Abby.
Ela foi cuidadosa ao se aproximar do Aquário. As portas estavam trancadas, o lugar parecia abandonado, mas Ellie sabia que isso não significava nada.
Ela decidiu arrombar uma janela para entrar.
- Pare!
Ellie congelou ao ouvir uma arma sendo engatilhada á suas costas.
- Que merda você tá fazendo aqui de novo? - uma voz familiar rosnou.
- Hmmm. Olá pra você também. - ela disse, forçando um sorriso ao se virar e fitar Nora. Não ousou abaixar as mãos. Nora tinha uma arma apontada pra ela e parecia disposta a usar. Apesar do breve encontro delas quando Ellie esteve ali antes, ela não era tola a ponto de considerá-la uma aliada.
- O que você tá fazendo aqui? – insistiu Nora, com firmeza.
- Procurando a Abby. – admitiu Ellie.
Nora lhe lançou um olhar que era metade exasperação e irritação.
- Você não desiste, né?
- Não é o que você tá pensando. – garantiu Ellie, mantendo as mãos para o alto. – Joel foi operado, ele está bem.
- Foda-se ele, eu não me importo. – grunhiu Nora, sem abaixar a arma.
- Okay, o que eu quero dizer é que eu não vim matar ninguém. – explicou Ellie rapidamente. Citar Joel com certeza não foi uma boa jogada. Nora parecia odiá-lo tanto quanto Abby, ou mais.
- Vou te dar só mais uma chance. – ameaçou Nora. – Porquê você está aqui?
- Eu e a Abby tivemos um caso e eu voltei pra buscar ela. – Ellie respondeu antes que pudesse pensar em algo melhor.
- Você mente muito mal. – criticou Nora, erguendo a arma alguns centímetros. Mirava agora na cabeça de Ellie.
- Certo, não é exatamente o motivo, mas... – Ellie se apressou. – Ela é a minha alma gêmea.
- Ela não tem uma.
- Sim, ela tem. Só me diga onde ela está e ela pode te dizer isso. – retrucou Ellie, já sem paciência.
Nora abaixou a arma, então suspirou, ombros caindo em desanimo.
- Eu não sei. – ela finalmente respondeu.
- Como não sabe?
- Ela desapareceu.
Ellie sentiu suas forças a deixarem e abaixou as mãos, percebendo que ainda estava com elas para o alto. Um frio desagradável tomou conta de sua barriga.
- Como assim desapareceu? – insistiu.
- Depois da luta com os Cicatrizes na ilha, ela teve um problema com Isaac. Ele ordenou a morte dela. Ela fugiu com o Manny. – explicou Nora.
- Pra onde?
- Não sei, porra! - explodiu Nora, raiva e ansiedade aparecendo em seu rosto. - Eles não entraram em contato. Só sei que fugiram de barco. Não sei se estão vivos ou pra onde foram!
Ellie sentiu a agitação dentro si crescer, exigindo que fizesse algo.
- Okay, eu vou na ilha…
- Jordan já foi com o esquadrão dele olhar. Não encontrou eles. – respondeu Nora.
- Nora? – uma nova voz chamou.
Ellie reagiu instintivamente, erguendo sua arma. Se arrependeu imediatamente. Havia uma criança no final do corredor, uma menina de no máximo oito anos.
- Espera aí, Maya. Já estou indo. - Nora respondeu. – Está tudo bem. Volte pra dentro.
A garota a obedeceu. Ellie franziu a testa. Por algum motivo, a menina a lembrava de Lev e Yara.
- O que tá acontecendo? São Cicatrizes?
- Abby teve um desentendimento com Isaac sobre matar as crianças ou não, isso deu tempo de algumas delas fugirem e se esconderem. Jordan as encontrou lá quando foi procurar por Abby. – explicou Nora.
- E você tá cuidando delas? O que o Isaac acha disso?
- Eu desertei. Estou aqui, esperando Manny e Abby aparecer ou os soldados da WLF me encontrarem primeiro e me matarem. – respondeu Nora com desgosto. – Foda-se a Abby, ela sempre me coloca no meio das merdas dela.
- Eu vou atrás dela. – Ellie afirmou. Não tinha vindo tão longe para perder o rastro de Abby. Havia prometido que iria encontrá-la, fosse em Seattle ou qualquer outro lugar.
- Conheço Abby e Manny, eles são idiotas leais até a medula. Eles não me deixariam aqui. Se não vieram até agora, estão mortos ou presos em algum lugar. – admitiu Nora com resignação e uma preocupação mal disfarçada.
- Você não tem nenhuma idéia de pra onde eles poderiam ter ido?
- Pela direção que fugiram, podem estar em Santa Bárbara.
- Eu vou procurar eles.
- Você precisa de um barco. – observou Nora.
- Okay, então eu vou encontrar um barco e ir atrás deles.
- Você não é muito boa de planejamento, né? – zombou Nora. – Apenas contando com a sorte todas as vezes.
- A sorte me trouxe até aqui. – rebateu Ellie.
- A sorte um dia acaba.
Ellie deu de ombros.
- Eu vou pra Marina roubar um barco. Você vai ficar aqui?
- Tem cinco crianças aqui. Não posso deixá-las sozinhas.
- Mas se a WLF te encontrar você está morta, então seria melhor vir comigo.
- Consiga o barco e traga ele aqui, e podemos conversar. – rebateu Nora.
Era um desafio. Um que Nora obviamente queria que ela vencesse, pois entregou uma de suas armas pra ela.
- Venha aqui, vou te dar munição. – ela chamou, levando-a para outra sala. – A WLF perdeu metade dos soldados na luta com os Cicatrizes, então eles não estão patrulhando tão longe. Isso é o que tem me salvado. Mas fique alerta, há infectados.
- Entendido. Quão grande precisa ser o barco?
- Que caiba pelo menos cinco pessoas.
- E as crianças?
- São pequenas. Conseguimos fazer elas caberem.
Ellie guardou a munição na mochila, verificou suas armas, então deu uma ultima olhada em Nora.
- Okay. Boa sorte então. Que a sorte esteja com vocês. – falou como despedida.
- Tome cuidado. - aconselhou Nora, com algo que quase parecia preocupação.
Ellie respirou fundo ao sair do aquário. A chuva incessante a molhou instantaneamente. Era um dia frio e nublado, como parecia ser todos os dias ali. Ela já sentia falta de Jackson. E de Abby.
- Vamos lá, Ellie. Você consegue. – murmurou consigo mesma.
Ela não podia entrar em desespero. Abby estava em algum lugar e ela precisava encontrá-la.
Ela não se permitiu pensar em outra possibilidade. Com passos decididos, se afastou da segurança do Aquário.
///
- Você é fodidamente louca. - Nora murmurou ao vê-la descer do barco. Havia espanto e admiração na voz dela, mesmo que bem oculto.
- Ellie Willians, ao seu dispor. – Ellie fez uma reverencia brincalhona. – Solucionadora de problemas impossíveis.
Nora balançou a cabeça.
- Me ajuda a trazer as crianças. – ela pediu.
Ellie a acompanhou para dentro e foi recebida por latidos de uma cachorra brava.
- Quieta, Alice! – ordenou Nora.
Numa sala que se tornara um quarto improvisado, haviam cinco crianças, como Nora havia dito, mas ela esqueceu de mencionar um pequeno detalhe: um deles era um bebê com menos de um ano. Estava enrolado em um ninho de panos improvisado.
- Puta merda. – murmurou Ellie.
- Controle a porra da boca. – Nora a repreendeu.
- Você acabou de xingar. – observou Ellie, revirando os olhos.
Nora lhe lançou um olhar que dizia claramente “e daí? Eu posso e você não”.
- Vamos lá, estamos saindo daqui. – ela falou para as crianças.
A criança maior a encarou, desconfiada de um jeito que lembrou Ellie de Lev.
- Para onde? – ela perguntou.
- Para um lugar seguro. Longe dos lobos. – respondeu Nora.
- Rápido, alguém pode ter me visto roubando o barco. – apressou Ellie.
Havia quatro soldados na marina, e ela teve que matá-los para pegar o barco, mas poderia haver mais escondidos. Ela não podia ter certeza que não havia sido seguida.
Nora pegou o bebê, felizmente. Ellie não achava que conseguiria lidar com algo tão delicado e pequeno. Ela seguros as mãos das duas crianças menores, e as outras acompanharam.
Após acomodar elas no barco, ela ajudou Nora a trazer as bolsas pesadas e armas que estavam embaladas.
- Você realmente preparou tudo. – observou Ellie. – Tinha tanta certeza que eu ia voltar?
- Você é como uma praga. Não morre facilmente. - respondeu Nora.
- Ah, tô começando a perceber porque você , Abby e Mel se dão bem. – provocou Ellie. – Mel é a rabugenta, você é a cadela sádica.
- Não, a sádica é a Abby - retrucou Nora. - Eu não torturo ninguém se puder evitar.
Ellie mordeu a língua. Ela não queria falar sobre o que aconteceu em Jackson no inverno passado.
- Você sabe dirigir isso? – perguntou Nora, olhando para o barco.
- Não.
As sobrancelhas dela se ergueram.
- E como você trouxe ele até aqui?
Ellie deu de ombros.
- Eu segui a correnteza.
- Meu Deus. – Nora suspirou. – Você é totalmente louca.
- Relaxa, encontrei um manual na Marina.
- Um manual? – zombou Nora, seu tom deixando bem claro que ela pensava que Ellie era uma idiota.
- Você tem um plano melhor, gênio? – rebateu Ellie. – Então cala a boca e me deixa resolver isso.
Nora a empurrou quando ela tentou assumir a direção.
- Eu te garanto que sei um pouco mais do que você sobre isso. Fica longe do leme. – ela ordenou.
- Tão ingrata. - suspirou Ellie. - Você sabe chegar em Santa Bárbara?
- Owen deixou um mapa.
- Okay, eu vou… ficar com as crianças, então.
Nora não protestou, focada em tirar o barco do lugar. Ellie a deixou com isso e foi ver como estava as crianças.
- E aí. Vocês são amigos do Lev e da Yara? – perguntou.
- Quem é Lev? – uma menina questionou.
- Ah. Desculpa. Acho… - Ellie não sabia qual era o nome de Lev antes. – Vocês conheciam a Yara?
- Sim. – a maior respondeu. – Ela está viva?
- Sim. Ela está em um lugar seguro.
- E a irmã dela? Lily?
- Ele também está vivo. Qual o nome de vocês? Eu sou Ellie.
Já que passariam alguns dias juntos, ela achava que era melhor se familiarizarem.
- Maya. Ylena. Nico. Barney e a pequena ainda não tem nome. – respondeu a garota mais velha.
- Não tem nome?
- Ela nasceu no dia do ataque dos lobos. A mãe dela morreu. – explicou a garota.
- Era a sua mãe também?
- Sim. Ela é minha irmã. - Maya confirmou.
- Porra. Sinto muito. – Ellie disse com sinceridade. Então tentou mudar de assunto, para não pesar ainda mais o clima. – Vocês viram a Abby, então?
- A loba grande. Ela tentou nos proteger. Os lobos perseguiram ela. – Maya respondeu.
- Ela estava ferida?
- Não sei. Nós corremos. – a outra garota respondeu. – Entramos nos esconderijos subterrâneos.
- Ylena. – Maya repreendeu.
- Okay, não precisa me contar seus segredos. Só estou interessada em encontrar a Abby.
///
Elas avistaram Santa Bárbara em três dias. Nora dirigiu o barco, examinou as crianças, planejou rotas. Ellie vigiou, pescou, preparou a comida, contou histórias e piadas para distrair as crianças. Foi um equilíbrio tênue que funcionou bem. Havia companhias piores para se ter do que Nora e algumas crianças tímidas.
Quando avistaram a ilha, Ellie usou a lente de seu rifle para avaliar o que as esperava. O que viu não a tranqüilizou.
- Que merda. Tem um barco da WLF no porto. – ela reconheceu.
- E o que mais?
- Vigias. Muralhas. Parece ser um grupo grande.
- Algum nome?
- Um desenho de serpente.
- Vamos esconder o barco. Não podemos chegar assim. – Nora decidiu.
- Eu vou me infiltrar. Você fica com as crianças. – Ellie propôs.
- Sozinha? – questionou Nora, claramente julgando isso uma decisão terrível. Ellie não precisava que lhe dissessem, ela sabia que era. Mas ao olhar para as crianças sabia que era a única decisão possível.
- Eles são indefesos. Não podemos deixá-los aqui pra se defenderem sozinhos. – ela argumentou.
Nora, talvez pela primeira vez, não tinha um contra argumento.
- Okay. – ela cedeu. – Se você não voltar, eu vou navegar pra Santa Catalina.
- Me dê pelo menos um dia, okay? – pediu Ellie – E não vá pra direção oeste da ilha, há muitos infectados.
- Como você sabe?
- Confia em mim, eu sei.
Ela também sabia que havia infectados no grupo na ilha. Não sabia exatamente o que isso significava.
Nora remexeu em sua mochila.
- Leve apenas o mais necessário. Deixe os livros, tudo que seja peso inútil…
Antes que Ellie pudesse intervir, um de seus diários caiu no chão. Uma imagem nua de Abby a encarou.
- Porra, não saia mexendo nas coisas dos outros. – Ellie resmungou, se abaixando rapidamente antes que qualquer criança se aproximasse.
Nora a olhava, boquiaberta e chocada. Então balançou a cabeça, como se tentasse espantar alguma mosca ou a imagem que vira.
- Eu não quero saber disso. Eu não vi isso. – ela murmurou, então lançou um olhar acusador para Ellie. – Você é fodidamente obcecada por ela.
- Sim, eu sou. Não mexa nos meus diários. – rebateu Ellie sem nenhuma vergonha.
O fato de estar obcecada por Abby – era muito cedo pra usar a palavra ‘apaixonada’ – não era motivo de vergonha para ela.
Nora colocou em sua mochila quase todo o armamento que tinha, armas, munições, kit médico.
- Que a sua sobrevivência seja longa. - ela disse ao lhe entregar a mochila.
- Que a sorte esteja comigo. E com vocês. – respondeu Ellie, colocando a mochila nas costas. Lançou um ultimo olhar para seus diários. Não gostava de sair sem eles, mas Nora estava certa; precisava levar apenas o mais necessário.
Nora percebeu seu olhar.
- Sinto te dizer isso, mas não tenha muitas esperanças. A Abby é muito hétero.
Ellie não pode evitar de sorrir, a lembrança de Abby gemendo sob ela, sobre ela, um filme vivido em sua memória.
- Obrigada pelo seu conselho. – ela agradeceu com ironia, então lançou um ultimo olhar para as crianças encolhidas na beira do barco. - Tchau, crianças! Vejo vocês em breve!
Maya acenou timidamente de volta.
Ellie sentiu o sorriso sumir de seu rosto ao descer do barco.
Era uma missão suicida, ela sabia disso. Se infiltrar sozinha seria praticamente impossível.
- Eu disse que voltaria por você. Agüenta aí, Abby.
Ela caminhou por quase quatro horas antes de avistar o acampamento.
Quando entrou na floresta, sentiu a presença de um infectado. Apenas um. Sua curiosidade foi maior. Ela o seguiu.
Havia um infectado preso numa árvore.
- Quem está aí? - um velho gordo perguntou.
Ellie pegou sua arma com silenciador e atirou. Na perna. O homem caiu com um grito. Ela aguardou, mas ninguém apareceu.
Ellie respirou fundo e entrou na clareira.
- Quem diabos é você? – o velho perguntou.
- Não interessa. Estou procurando alguém. Duas pessoas que chegaram num barco preto com o símbolo da WLF.
- O que? Não sei quem são.
Ellie puxou o canivete.
- Vou te ajudar a lembrar. Que tal?
- Espera, espera! Como eles são?
- Um homem e uma mulher alta, forte, cabelo loiro escuro preso numa trança. - Ela não se lembrava da aparência de Manny, então descreveu Abby.
- Ah, a garota dos braços enormes. – o homem murmurou, para sua surpresa.
Ellie estremeceu, esperança se agitando em seu peito.
- Onde ela está?
- Pegamos uma garota assim há algumas semanas. Ela está junto com os outros escravos. Não estou mentindo.
Ellie sentiu um calafrio percorrer seu corpo.
- Os outros o quê? – perguntou.
O homem hesitou.
- Os outros prisioneiros.
Ela atirou no homem e seguiu em frente.
///
Causar uma rebelião dentro do acampamento não foi tão difícil. Ela soltou alguns prisioneiros, deu á eles armas e o caos estava solto.
O difícil era encontrar Abby no meio da loucura que se tornou o lugar.
- Você viu uma garota alta e forte? Loira? – Ellie perguntava a cada pessoa que a olhava por mais de um segundo.
Na décima ou vigésima pessoa, alguém respondeu:
- Existe uma garota assim que tentou fugir. Eles a levaram pra praia.
Ellie ignorou a dor, o ferimento sangrando em seu abdômen e seguiu em frente. Ela sabia que deveria parar pra costurar o ferimento em seu abdômen, mas estava com medo de ser tarde demais para salvar Abby. Se tivesse chegado até ali para falhar por causa de alguns minutos que havia perdido se costurando, sabia que iria se odiar pelo resto da vida.
Havia inúmeros cadáveres na praia. Pessoas penduradas em pedaços de madeira. Corpos apodrecendo no chão.
A esperança de Ellie enfraqueceu. A dor em seu abdômen aumentou.
- Puta merda. Vamos lá.
O primeiro prisioneiro vivo que ela encontrou lhe deu esperança. Ela não perdeu tempo em solta-lo. Precisava encontrar Abby primeiro.
Quando viu o próximo prisioneiro que aparentemente respirava, também o ignorou. Então escutou uma voz familiar:
- É você.
Ellie voltou um passo, olhando para o prisioneiro pendurado. Ela demorou alguns segundos até reconhecer Abby.
- Puta merda, o que fizeram com você, Abby? Espera aí. Vou te tirar. Merda.
Encontrar um jeito de tirar Abby sem derrubar ela levou mais tempo do que deveria. Ellie sentia que sua mente não estava funcionando bem, e não sabia se era por causa do nervosismo, da alegria de encontrar Abby ou da perda de sangue.
Quando apoiou Abby em seu ombro, quase caiu com o peso dela, mesmo ela estando muito magra. Ellie se dobrou sob o peso, apoiando um joelho no chão para segurar Abby. Seu coração acelerou em seu peito, uma mistura de adrenalina e alívio. Abby estava ali, viva em seus braços.
- Ei. Como você está? – Ellie ofegou. Sabia que era uma pergunta idiota, mas foi a primeira que lhe veio á mente.
- É realmente você. – Abby suspirou em seu pescoço, soando surpresa.
- Sim, eu disse que viria, certo? Embora aqui não seja Seattle, e sim Santa Bárbara. E eu esperava encontrar você em melhores condições. – Ellie se forçou a parar de divagar. – E eu acho que deveríamos sair daqui logo. Os moradores não são os mais hospitaleiros.
Abby se afastou o suficiente para olhar para ela. Seus olhos azuis acinzentados continuavam o mesmo, embora seu rosto estivesse abatido, ferido e queimado pelo sol. Ela era como uma sombra pálida da Abby que um dia fora. Ellie não queria sequer começar a imaginar o que a levou a tal estado deplorável. A culpa era uma coisa viva corroendo em seu peito, gritando que ela deveria ter chegado ali antes.
- Você está ferida. – Abby percebeu imediatamente.
- Um pouco.
- Porque você não costurou isso?
Ellie se sentiu corar. Ela não ia admitir que estava preocupada demais em encontrar Abby pra parar.
- Não tive tempo.
Abby olhou para sua mochila.
- Você tem um kit médico?
- Sim, mas acho melhor sairmos daqui. Ta meio que acontecendo uma rebelião lá, é o melhor momento para fugirmos.
- Me dê seu kit médico. – ordenou Abby, mais autoritária do que ela tinha o direito de soar estando tão ferida. – Você vai sangrar até a morte nesse ritmo, então eu vou ter que fugir com o seu cadáver.
Ellie abriu a boca para discutir, mas decidiu ceder. Não era o melhor momento para debater com Abby; as duas estavam em péssimo estado. Ela tirou a mochila das costas e pegou o kit médico que Nora havia enfiado entre as munições.
Abby pegou uma arma para si primeiro e a colocou sobre sua coxa, então pegou a linha e agulha em seguida.
- Como você conseguiu isso? – ela perguntou, indicando o ferimento.
Ellie preferiu olhar para ela do que para o que suas mãos faziam. Mesmo machucada, suja e enfraquecida, olhar para Abby era um privilegio que ela queria desfrutar o máximo possível.
- Um idiota me acertou com uma foice. Mas ele teve o que merecia... Porra! – ela saltou quase trinta centímetros no ar ao sentir a agulha perfurar sua pele.
- Há quanto tempo você chegou? – Abby perguntou, numa tentativa óbvia de distraí-la.
- Algumas horas. Temos um barco perto daqui... – Ellie respirou fundo, parando de falar para focar em suportar a dor.
- Você deixou o barco aonde? – Abby continuou falando.
- Há algumas horas daqui.
- Não vamos conseguir ir andando. Há dois barcos aqui perto.
- Eu consigo... – teimou Ellie.
- Eu não consigo. – Abby interrompeu. – Estou amarrada nessa merda há três dias e não estou sentindo minhas pernas.
Ellie suspirou. Abby conseguia admitir fraquezas melhor do que ela, e isso era surpreendente. Ela pensava em Abby como alguém maior que tudo, que era forte e decidida, e não admitia fracassos ou fraquezas. Apenas mais uma prova de que ela não a conhecia bem o suficiente – e ela queria muito conhecer essa mulher incrível que também era sua alma gêmea.
- Okay, vamos seguir o seu plano, então. – Ellie concordou com um grunhido de dor. – Os barcos...
- Sim, os barcos. – Abby cortou a linha, finalizando os pontos. – Onde está o Manny?
- Eu esperava que você me dissesse isso, na verdade. – confessou Ellie.
Abby checou a munição de sua arma, claramente pensando em planos e estratégias. Ela era bonita quando se concentrava assim.
- Preciso achar o Manny. – ela falou.
- Eu vou com você. – Ellie disse imediatamente. Isso não era algo no qual ela cederia.
Abby encarou seu ferimento, mas então assentiu, parecendo perceber sua determinação.
- Vamos lá.
Ela precisou da ajuda de Ellie para levantar, suas pernas claramente ainda fracas. Ellie se perguntou o quão mal ela realmente estava, o quão bem ela conseguia esconder sua debilidade. Ela estava claramente desidratada, havia perdido quase todos seus músculos e sua pele estava queimada do sol e com novas cicatrizes.
- Tem água na mochila. – Ellie lembrou.
Abby aceitou. Tomou dois goles e devolveu a garrafa.
- Vou vomitar se beber mais. – ela explicou para o olhar questionador de Ellie. – Como está a situação dos Cascavéis?
Ellie hesitou por alguns segundos, se perguntando se havia perdido algo durante a conversa. Não lembrando nada, ela perguntou timidamente:
- Quem são os Cascavéis?
Abby pelo menos não zombou dela, como Nora faria.
- Os filhos da puta que governam essa ilha.
- Ah. – ela entendeu. – Eu soltei todos os presos, então eles estão numa briga. Mas eu acho que os Cascavéis vão vencer, eles são muito bem armados e experientes.
Soltar os prisioneiros não havia sido totalmente pela bondade do seu coração. Ela nem sabia quem eram aquelas pessoas, inocentes ou assassinos. Mas dar a eles uma chance de lutar por suas vidas parecia certo, alem do fato de que ela precisava da distração.
- Vamos se infiltrar e procurar o Manny. – Abby falou.
- Como ele é? – Ellie perguntou.
- Mais alto que eu. Moreno, barba escura, cabelo escuro. Se não tiverem raspado a cabeça dele. Faz tempo que não o vejo. – admitiu Abby, o que fez Ellie olhar para o cabelo dela. Havia sido cortado curto, e não parecia que havia sido por vontade própria. Ellie achou melhor não perguntar. Não era o momento.
– Nora está com você? – Abby perguntou, mas soou como uma afirmação.
- Sim, ela está no barco. Como você descobriu?
Abby mostrou a arma que segurava.
- É a arma dela. E o kit médico também.
Alta habilidade de observação, Ellie mentalmente acrescentou na sua lista de “coisas sobre Abby”.
- Sim, ela me ajudou a sair de Seattle. Ela está preocupada com vocês.
Abby não respondeu, tornando seus passos mais silenciosos ao se aproximar do caos. Ellie a seguiu, igualmente silenciosa e atenta.
O primeiro Cascavel que encontraram, Abby o esfaqueou silenciosamente. Elas derrubaram três deles furtivamente, antes de chegarem ao coração do caos, então precisaram usar as armas.
A maioria dos prisioneiros já haviam sido mortos ou capturados.
A furtividade delas não durou muito. Logo um grupo de Cascavéis as encontraram.
- Tem mais duas aqui!
Abby derrubou o primeiro deles com um soco, então o segundo e o terceiro caíram com tiros na cabeça antes que Ellie pudesse atacar.
- Abby, tem um atirador em cima dos telhados! – ela avisou, tentando dar cobertura para Abby, que terminava de cortar a garganta do homem.
- É o Manny. – afirmou Abby, se erguendo ofegante. – Vamos encontrá-lo.
Elas derrubaram mais alguns Cascavéis no caminho até o telhado. Encontraram Manny na metade do caminho, descendo para encontrá-las.
- Abby! – ele puxou a amiga para um abraço rápido.
- Vamos sair daqui. – Ellie chamou. – Onde estão os barcos?
- Me sigam. – ordenou Abby.
Eles tiveram que matar mais alguns Cascavéis para chegar até os barcos. Manny era um atirador mais do que decente, o que ajudou bastante. O combate corpo a corpo não era o ponto forte de nenhum deles no momento – todos estavam feridos de alguma maneira. Manny ainda parecia o melhor dos três.
- Para onde? – ele perguntou, assumindo a direção do barco.
- Para lá. – Ellie apontou. – Segue a costa. Nora tem um barco ancorado perto de algumas árvores.
- Nora também veio? – ele perguntou, soando surpreso.
- Eu trouxe ela.
- Porque você está aqui? – Manny perguntou, com uma curiosidade leve como se não fosse nada estranho Ellie ter aparecido ali. – Foi você quem soltou os prisioneiros.
- Sim, de nada. – Ellie se exibiu.
- Sozinha? – Manny perguntou.
- Sim.
- Você é louca, porra. – Manny riu, soando admirado e incrédulo.
- Sim, já me disseram. – Ellie deu de ombros, então voltou seu olhar para Abby. Ela estava estranhamente quieta.
Ellie não havia pensado no que exatamente diria quando a encontrasse. Nesse momento, tinha menos noção ainda do que deveria dizer. Estava claro que Abby havia passado por um inferno, e não estava exatamente com vontade de conversar.
A lembrança dela pendurada na praia era uma memória angustiante em sua mente, junto com o conhecimento de que se tivesse se atrasado mais um dia, ela estaria morta.
Ellie abriu a mochila, tirando a garrafa de água. Ofereceu para Abby, mas ela estava distraída demais para perceber.
- Ei. – Ellie a chamou. – Você está bem?
Abby se assustou levemente, antes de pegar a garrafa de água.
- Como está o seu ferimento? – ela perguntou.
Ellie levantou a camisa pra que ela mesma visse.
- Que bom que Nora está conosco. Isso provavelmente vai infeccionar. – observou Abby.
- Então, depois de pegarmos Nora, para onde vamos? – Manny perguntou, olhando para Abby.
Não passou despercebido para Ellie que Abby, mesmo moída e abatida, continuava sendo a líder natural deles. A capacidade de liderar parecia algo nato nela.
Ellie podia ver na postura e expressão de Abby como a persona de líder tomava conta.
- Como Mel e Owen estão? – Abby perguntou á ela.
- Estão bem. – respondeu Ellie, ignorando a centelha de ciúmes em seu peito. Não era o momento para isso. – Eles foram bem aceitos em Jackson, como eu disse que seriam. Mel está trabalhando na clinica médica, e Owen esta ajudando na vigilância.
- Abby, por favor. – Manny gemeu. – Você não está seriamente pensando em ir pra lá, certo?
- E Lev e Yara? – Abby perguntou, ignorando-o.
- Estão bem. Já estão freqüentando a escola e fazendo amigos.
- Quem ficou cuidando deles? – Abby perguntou, e Ellie se sentiu grata por não ter trazido nenhum dos dois. Abby claramente confiava que ela não faria isso.
- Maria, Dina... e Joel. – admitiu Ellie. – Outras pessoas. Todos nós cuidamos das nossas crianças lá.
A reação de Abby á menção de Joel foi mais tranqüila do que Ellie esperava.
- O que aconteceu com a Nora? – ela continuou.
Ellie se sentiu perdida.
- Nada aconteceu com ela.
- Ela não veio aqui com você. – observou Abby.
- Ah. Ela está com algumas crianças.
- Espera, não me diga... – Manny murmurou, incrédulo.
- Eles eram Cicatrizes. – confirmou Ellie.
- Puta merda. Pelo menos valeu a pena essa merda que passamos, hein Abs? – brincou Manny, erguendo a mão como se fosse bater amigavelmente em Abby.
Ellie se encolheu automaticamente; Abby parecia que qualquer contato poderia machucá-la. Manny também percebeu isso, porque abaixou a mão como se nada tivesse acontecido.
- Quantas crianças? – perguntou Abby, com sua máscara de comandante firmemente no lugar.
- Cinco, todas mais novas que Lev. Bem mais novas. – respondeu Ellie.
Abby assentiu, finalmente parecendo ter tomado uma decisão. Não parecia ser uma decisão que ela gostava. Mas era difícil dizer algo sobre o que ela sentia, porque ela parecia manter tudo muito bem trancado atrás de uma expressão controlada. Ellie queria muito ver o que estava abaixo de todo aquele controle.
- Vamos pra Jackson. – Abby falou. – É o lugar mais seguro pra elas.
O fato de que algumas crianças desconhecidas pesou mais na decisão de Abby do que sua alma gêmea incomodou Ellie, mas ela se recusou a pensar nisso. Já havia problemas demais para resolver sem acrescentar seus problemas de relacionamento – ou não relacionamento – com Abby.
- Okay, qual é o plano? – Manny perguntou, olhando para Abby.
- Vamos á Seattle, roubamos um ou dois carros da WLF e seguimos para Jackson. Não podemos ir andando com essas crianças.
- É muito cedo para fazermos isso. – Ellie se intrometeu. – Se não nos recuperarmos primeiro, vamos ir numa missão suicida.
- Eu pensei que missões suicidas fossem sua especialidade. – provocou Manny.
Ellie gostava do humor dele. Era um equilíbrio á seriedade de Abby. Dava pra ver que eles trabalhavam bem juntos.
- O aquário foi comprometido? – Abby perguntou.
- Até sairmos de lá, não.
- Vamos pro Aquário, nos recuperar e preparar um plano. – decidiu Abby. – Além dos carros, vamos precisar de suprimentos, armas, munição, comida, remédios. Conhecemos os melhores pontos de suprimentos da WLF na cidade. Vamos fazer excursões diárias, pegar tudo o que precisarmos e então vamos sair.
Parecia um bom plano. Ellie não achava que poderia fazer um melhor.
Ela não tinha nenhum problema com Abby liderando, o problema era que Abby parecia usar essa liderança como um escudo para se afastar – tanto de Ellie quanto de Manny. Seu olhar e pensamentos pareciam distantes, um foco absoluto num plano que só ela enxergava. Ellie se perguntou se havia alguma parte da Abby suave e calorosa que ela conheceu em um quarto do Aquário debaixo daquela superfície dura – ou se Santa Bárbara havia transformado tudo.
Ela tinha a sensação de que havia encontrado Abby, mas não a sua Abby. Não importava o quão profundamente ela havia se escondido, Ellie iria encontrá-la.

Notes:

Cheguei á parte que eu mais esperava dessa história, que é o desenvolvimento de relacionamento.
Espero que vocês me acompanhem até o final e deixem comentários para incentivar esta autora.

Chapter 4: Pesadelos

Chapter Text

- Puta merda. O que diabos fizeram com você? – Nora falou com raiva ao ver Abby. – Me deixe dar uma olhada em você.
Abby a seguiu sem protestar para dentro do barco.
Ellie sentou sobre uma caixa de madeira, enquanto tirava a mochila das costas. Foi um alivio se livrar do peso, mas seu corpo ainda doía, de inúmeros ferimentos que ela não se permitiu sentir antes, silenciados por sua obstinação em encontrar Abby. Ela conseguia senti-los agora, até demais – o principal deles sendo o corte costurado em seu abdômen.
Manny foi checar o leme do barco.
- É melhor sairmos daqui antes que esses putos venham atrás da gente. – ele falou, antes de ligar o motor do barco.
- Como vocês acabaram em Santa Bárbara? – Ellie perguntou.
- Fugindo da WLF. Fomos emboscados pelos Rattlers.
- Ah.
Ellie abaixou a cabeça por um minuto, para tentar aliviar a dor em seu pescoço e ombros. Acordou com alguém tocando levemente em seu braço.
- Ei. – Abby falou. – A Nora quer dar uma olhada no seu ferimento.
Ellie caminhou pesadamente para dentro do barco. Seu corpo estava lento e pesado, drenado de toda adrenalina.
Nora indicou a cadeira, que se tornara seu leito improvisado. Sobre outra cadeira, ela tinha uma bolsa aberta com suprimentos médicos.
- Caralho. – ela sibilou quando Ellie ergueu a blusa. – Belo corte. Tire essa camisa suja, antes que piore a situação.
- Seus modos de flertar são péssimos. – Ellie tentou provocar, mas sua voz saiu desanimada demais pra sequer soar como uma provocação.
Tirar a blusa acabou com toda a pouca energia que lhe restara. Nora lançou um olhar curioso para seus seios nus.
- Porque você não tem um sutiã?
- Detesto eles. – replicou Ellie, cansada demais pra sentir qualquer timidez.
Nora limpou seu ferimento rapidamente e aplicou algum tipo de remédio. Ellie estava cansada demais pra reclamar da dor.
- Você precisa descansar para se recuperar. – Nora falou ao terminar.
- Sim, doutora.
Ellie vestiu uma nova camiseta, saiu da cadeira, desabou no chão e deitou, usando sua mochila como travesseiro. Ela apagou em menos de cinco minutos.
Quando acordou, estava claramente á noite – o barco estava escuro. Á poucas centímetros dela, Abby estava profundamente adormecida no chão de madeira, virada de frente para ela e com um braço sob a cabeça. Do outro lado da sala, as crianças dormiam agrupadas.
Ellie voltou seus olhos para Abby. Ela parecia tão… pequena e frágil, deitada sobre o chão de madeira do barco. Muito diferente da Abby que Ellie esperava encontrar. A vontade de abraçá-la, de protegê-la, era inesperada.
Ellie não esperava sentir tanto tão rápido.
Abby gemeu baixo. Sua respiração acelerou, então ela se sentou de um salto, sua mão quase acertando Ellie.
- Ei. Está tudo bem. - Ellie falou baixo. Não queria assustá-la.
Abby ficou paralisada por um momento, então virou as costas pra ela e vomitou. Ellie se ergueu, preocupada.
- Abby. Você quer que eu chame a Nora?
- Tô bem.
Ela não parecia bem.
Ellie engoliu as palavras que queriam sair e foi procurar algo pra limpar o chão. Lá fora, Manny estava no leme e Nora sentada ao seu lado, enrolada num lençol. Ambos ergueram os olhos ao vê-la.
- Olá, bela adormecida. - Manny a cumprimentou. Nora a ignorou.
Ellie encontrou um balde e um pano e voltou para dentro.
Abby estava sentada, costas contra a parede, um cansaço extremo transparecendo em seu rosto e postura. Ela parecia frágil de uma maneira inesperada.
Depois de limpar o chão, Ellie sentou ao lado dela.
- Pesadelo? – adivinhou.
- Sim.
- Quer falar sobre isso?
As vezes conversar ajudava.
- Não. Ainda não.
Ellie não insistiu. Sabia, por experiência própria, que falar nem sempre ajudava. Ás vezes só trazia mais lembranças desagradáveis. Lembrou como Joel a distraia quando a acordava de seus pesadelos – “quer ouvir uma música nova?”, “já ouviu essa piada?”. Funcionava, a maioria das vezes.
- Quer ver algo que vai te distrair? – Ellie perguntou, tendo uma idéia.
Abby a encarou, curiosa.
- O quê?
Ellie levantou, atravessou a sala e recuperou seus diários confiscados por Nora. Ela entregou o primeiro deles a Abby e guardou os outros dois na mochila.
- O que é isso? – Abby perguntou com curiosidade, examinando a capa.
- Tipo um diário. Gosto de escrever as coisas. Desenhar, principalmente. – explicou Ellie, ignorando o frio de ansiedade em sua barriga.
Abby o folheou por um longo tempo, absorta e em silencio.
Ellie tentou não pensar na quantidade de coisas que havia escrito e desenhado sobre Abby. Esperava sinceramente que isso não a assustasse.
- Você é habilidosa. - Abby elogiou.
- Treinei bastante. E a modelo é bonita. - acrescentou Ellie com um sorriso.
Abby corou levemente, olhos grudados na página.
- Sua memória é boa. - observou ela. - Você desenhou isso depois de Seattle?
- Algumas antes de vir a Seattle pela primeira vez. - admitiu Ellie. - Você me causou uma grande impressão em Jackson.
“E não de todo ruim” Ellie esperava que sua voz transmitisse.
- Joel sobreviveu á cirurgia, então? - Abby deduziu, tom neutro o bastante para Ellie não conseguir identificar qualquer sentimento, bom ou ruim.
- Sim.
- Você não acha que ele vai querer me matar quando me ver? – Abby perguntou, mais curiosa do que preocupada.
- Provavelmente sim – admitiu Ellie com sinceridade. – Mas eu vou conversar com ele.
- Vai dizer a ele que somos… - Abby hesitou, como se lembrasse que não haviam falado sobre isso ainda. O grande elefante na sala.
- Sim, vou dizer a ele que você é minha alma gêmea. - confirmou Ellie.
Era bom finalmente dizer em voz alta.
Abby não protestou, apenas assentiu. Continuou a folhear o diário, parando pra ler as pequenas divagações de Ellie e analisar os desenhos.
Revelar essa parte de si tão cedo não estava nos planos de Ellie. A forma como estava atraída por Abby, quase ao nível da obsessão, poderia assustar uma pessoa menos intensa. Abby não parecia assustada; ela parecia impressionada e encantada, pesadelo esquecido, então o risco valeu a pena.
Ellie sorriu. Abby era claramente uma amante de livros.
Mesmo sem olhar pra ela, Ellie percebeu quando ela viu a primeira imagem dela nua. A respiração dela parou e acelerou.
- Te incomoda? - Ellie perguntou. Por mais que gostasse de desenhar Abby nua, ela não o faria se isso fosse algo que ela não quisesse.
- Não. - Abby respondeu com voz rouca, passando para outra página. - Você desenha todas as suas amantes assim?
Ellie corou. Abby parecia mais curiosa do que ciumenta.
- Sim. - admitiu.
- E o que fez com os desenhos delas depois de terminarem?
- Dei pra elas. Não sei o que fizeram com eles.
- Você não desenha você. – observou Abby, olhando para um desenho onde obviamente havia as mãos de Ellie nela, mas nada mais da ruiva.
- Você quer um desenho meu? – provocou Ellie.
Abby lambeu o lábio, bochechas coradas.
- Sim. – ela respondeu timidamente. – É justo.
Ellie riu.
- Okay, eu vou ver o que posso fazer sobre isso usando um espelho. – prometeu. A idéia de se desenhar, para Abby, era interessante.
Abby analisou até o último desenho. Seu rosto estava de uma cor vermelha escura ao terminar.
- Você desenha bem. - ela elogiou ao devolver o diário.
- Obrigada. - agradeceu Ellie.
Abby apertou as mãos no colo, evitando seu olhar e parecendo nervosa. Ellie não conseguiu conter o desejo de provocar.
- Algum favorito? – perguntou.
Abby levou sua pergunta á sério – ela pensou sobre isso por longos segundos, bochechas escurecendo provavelmente ao pensar nos desenhos que acabara de ver.
- O que você desenhou... das minhas costas, no banheiro. – ela respondeu.
- Ah. Eu amo esse também. – confessou Ellie. Amava ver sua marca na pele de Abby. Foi o primeiro desenho que fez ao sair de Seattle, ainda no barco.
Percebeu o olhar de Abby para seu braço, onde sua marca era visível.
- Abby.
- Sim?
- Posso te beijar?
Abby hesitou, mesmo que seu corpo se inclinasse automaticamente para Ellie, olhos azuis descendo para sua boca e de volta aos seus olhos. Ellie aguardou, sentindo seu coração acelerar.
- Sim. – Abby sussurrou.
A confirmação era tudo que Ellie precisava pra abrir mão de sua contenção. Ela se aproximou lentamente, uma mão tocando levemente a bochecha de Abby. Ela a beijou suavemente, mais um selinho do que um beijo. Os lábios de Abby estavam rachados e ressecados, por sua exposição contínua ao sol e mar. Ellie não estava tão desesperada por isso a ponto de machucá-la.
- Porra, senti tanto sua falta. - sussurrou na boca dela. Era, de alguma forma, mais fácil admitir isso quando estavam tão próximas.
Abby suspirou em sua boca.
- Obrigada por ter vindo. – ela sussurrou, como se falar alto demais fosse quebrar a conexão frágil entre elas. – Eu pensei…
- Pensou que eu não viria?
Abby negou com a cabeça, se afastando o suficiente para olhar em seus olhos.
- Pensei que não nos encontraria. – falou. – E… não queria que você viesse aqui. Não queria que eles pegassem você.
- Eles não me pegaram. Eu posso ser bem durona. – brincou Ellie, sorrindo numa tentativa de afastar a escuridão dos olhos de Abby.
Abby fechou os olhos, e Ellie se aproximou ainda mais, beijando seu nariz. O gosto de algum tipo de remédio ficou em sua boca, mas ela não se importou. O assunto ‘Santa Bárbara’ ainda parecia muito sensível para Abby.
- Vamos descansar. - Ellie sugeriu. - Temos uma longa jornada pela frente.
Abby assentiu, então Ellie a puxou para deitar ao seu lado. Ignorou o desejo de se aproximar, de deitar em seu peito ou abraçá-la; sabia que seu corpo era um grande hematoma de ferimentos e queimaduras de sol. A proximidade era o suficiente.
O sono não veio fácil, mesmo com o balanço do mar e o barulho das ondas. Olhar para Abby parecia muito mais interessante do que qualquer pesadelo que lhe aguardasse no mundo dos sonhos.
- Me fale sobre Jackson - Abby pediu, claramente também lutando com a falta de sono.
- Calmo. Tranqüilo. Monótono, às vezes. Mas seguro. – respondeu Ellie facilmente. – É o mais próximo que já tive de ‘casa’.
Abby se virou de lado, para poder olhá-la.
- Há quanto tempo está lá? – perguntou com curiosidade.
- Desde os 13 anos. Depois de Salt Lake City, Joel me levou pra lá.
- E antes?
- Nasci e cresci em Boston, num orfanato da FEDRA. Depois conheci a Marlene, ela me entregou pro Joel e viajamos juntos por um ano até chegar nos Vagalumes. – resumiu Ellie.
- Joel… - Abby hesitou, como se o nome a ofendesse pessoalmente. – É seu pai adotivo?
- Sim, nunca conheci meu pai biológico.
- E sua mãe?
- Morreu quando eu nasci.
- Então Joel é sua única família. – presume Abby e Ellie assente. – Você gostava de Boston?
Ellie fica grata pela mudança de assunto. ‘Joel’ nunca será um tema confortável para ela e Abby.
- Não, era uma merda. Muitas regras. Prefiro Jackson mil vezes. – disse Ellie, então mudou o rumo da conversa: - Me fale sobre você.
Sua curiosidade sobre quem era Abby Anderson não seria saciada tão cedo.
- Cresci nos acampamentos dos Vagalumes. – começou Abby. – Meu pai era o cirurgião principal deles, então eu cresci bastante protegida. Pretendia ser uma médica, como meu pai.
Era possível ouvir a saudade na voz dela.
O passado delas era um campo minado, mas Ellie sabia que era necessário passar por ele. Ela queria conhecer tudo sobre Abby – quem ela foi, quem ela era, quem ela pretendia ser. Não havia como fugir do que havia forjado Abby na mulher que ela era.
///
A visão do Aquário foi um bálsamo para Abby, uma sensação de retornar para casa.
Sentira muita falta disso.
- Eu e Manny vamos entrar e averiguar o perímetro. - Abby decidiu. - Vocês permanecem no barco e se eu disser pra ir, vão.
- Okay, comandante. - Nora concordou prontamente.
Seus amigos estavam acostumados demais com sua liderança para questionar.
Ellie cruzou os braços como se tivesse muito a discordar sobre isso, mas não disse nada. Não era uma surpresa para Abby que ela não gostasse de seguir ordens.
Abby pulou do barco, estremecendo ao sentir o desequilíbrio imediato da perda de peso e músculos. Se recuperou antes de cair. Ainda não estava acostumada a ser tão leve. Sentia como se seu corpo não fosse o seu. Não via a hora de poder trabalhar para recuperar seu corpo, que havia lutado tanto pra forjar.
- Eu esquerda, você direita? – sugeriu Manny, com a familiaridade de anos trabalhando juntos.
- Okay. – concordou Abby, verificando sua arma.
Fizeram uma rápida avaliação do local, procurando principalmente por infectados ou invasores. Não encontrando ninguém, voltaram para o barco.
Abby ignorou que Ellie estava sentada no muro do barco, parecendo pronta pra saltar a qualquer momento.
- Vocês demoraram. - ela justificou.
- Está tudo limpo, mas tomem cuidado. – disse Abby. – Vamos fazer vigias duplas durante o dia. Ellie, você pode ficar com Manny na primeira ronda?
- Claro. – assentiu Ellie, parecendo ansiosa por finalmente ter algo pra fazer.
- Manny está com a área leste e sul, você está com norte e oeste. – avisou Abby.
- Okay. – concordou Ellie.
- Nora, você e eu ficamos com as crianças. Vamos trocar de turno com eles em algumas horas.
- Certo.
Depois de transportarem as crianças e as malas para o Aquário, Abby se afastou para tomar banho. Sentia o peso de dias de sujeira sobre seu corpo, e o pior não era a sujeira. Era sentir o toque de outras pessoas em seu corpo, fazendo-a lembrar da sensação de desamparo, raiva e dor. Enfiar todas essas lembranças nos lugares mais profundos de sua mente, onde não a incomodassem, era difícil. Abby usou a mesma técnica que a ajudou a sobreviver por meses com os Rattlers: afogar as más lembranças com as boas – como a lembrança do banho com Ellie.
Ela gostaria de tomar banho novamente com Ellie, mas isso teria que esperar. Não sabia se estava fisicamente pronta, e mais importante, a segurança deles vinha em primeiro lugar. Como fizera durante boa parte de sua vida adulta, teria que deixar seus próprios desejos e vontades em segundo lugar durante algum tempo, até todos estarem em segurança. Eles eram sua responsabilidade. Não podia permitir que nada a distraísse disso. Já fizera um péssimo trabalho levando ela e Manny direto para os Rattlers.
Abby se permitiu lamentar sob a água. Havia perdido meses de vida, sua força, seus músculos, seu cabelo. Mas não era a primeira vez que perdia quase tudo e precisava se erguer do nada. Sua força interior era muito maior que sua força física. Precisava focar no que ficou. Tinha seus amigos, tinha um lugar pra onde ir, tinha pessoas para proteger, tinha um objetivo, tinha Ellie. Precisava levantar e reconstruir. Sobreviver, como havia feito até agora.
Ter coragem. E ter coragem significava fazer algumas coisas bem desagradáveis.
- Nora, posso falar com você? – Abby perguntou ao sair do banho, finalmente limpa.
- Claro. – Nora entregou o bebê para a criança mais velha e a seguiu.
- Preciso de uma avaliação física. – Abby falou rápido.
- Okay.
- Íntima.
- Okay. Vamos lá. Só me deixe ver se ainda me sobrou alguma luva.
Abby odiava essas avaliações. Nora meio que sempre fora sua ginecologista, então era menos constrangedor, mas igualmente desagradável ter que se expor tanto e ficar tão vulnerável.
Fingir que esse era apenas um exame normal de rotina não funcionou, porque Nora estava calada demais, quando em outras ocasiões ela teria falado sobre tudo pra distrair Abby.
- Aqueles filhos da puta. – Nora sibilou ao terminar, arrancando as luvas com raiva. Abençoadamente, ela entendeu o porquê do seu pedido sem Abby ter que explicar. – Não consigo te dar um diagnóstico assim, Abby. Preciso de um laboratório, exames reais.
- Okay. – concordou Abby, tentando não demonstrar desanimo. Essa seria mais uma preocupação para ela, uma distração desnecessária.
- Você tem algumas lacerações pequenas, mas sobre doenças sexualmente transmissíveis, vou precisar de um exame. – esclareceu Nora. – Quão avançada é a medicina em Jackson, você acha?
- Não sei. Espero que seja bom. Mel está lá. E eles conseguiram fazer uma cirurgia cerebral. – considerou Abby.
- Se você sentir alguma coisa, me avise. Vou pegar alguns remédios quando formos pegar suprimentos, por precaução. – disse Nora.
- Como está a situação aqui? – perguntou Abby, ansiosa para mudar de assunto.
Nora lhe deu um resumo: como estava a WLF, a cidade, as patrulhas, o que havia acontecido depois de seu desaparecimento.
- Como estamos de suprimentos? – perguntou Abby.
- Precisamos de alimentos. Urgente.
- Okay. Vou sair hoje.
- Leve a Ellie com você. – sugeriu Nora. – Ela é uma boa lutadora.
- Eu sei.
Ellie era uma lutadora incrível, Abby sabia. Ver ela lutar contra Rattlers e infectados havia sido uma experiência quase religiosa. Abby adoraria lutar contra ela algum dia.
Procurar Ellie levou algum tempo, que Abby aproveitou para pensar. No diário, nos desenhos. Como era se ver pelos olhos de Ellie.
Havia surpresa, é claro. Abby nunca imaginou que aquela garota tão inquieta e fogosa fosse alguém apegado á arte. Ela era uma artista incrível, e ser a musa de sua obra era profundamente satisfatório.
Ellie claramente amava seu corpo, o que lhe fazia ainda mais ansiosa pra recuperá-lo, mas não apenas isso. As frases que ela escreveu sobre Abby demonstravam que ela via muito além de sua aparência, ou da imagem que Abby tentava mostrar.
“Uma montanha inabalável, escondendo um coração frágil”.
“Forte como um touro, delicada como uma flor”.
Abby a encontrou sentada na beirada de um telhado. A falta de noção de perigo dela a assustava - como ela simplesmente achou que era uma boa idéia ir sozinha enfrentar os Rattlers era algo que Abby provavelmente nunca iria compreender. Não mudava o fato de que ela faria o mesmo, se a situação fosse invertida.
- Uau. Você está fofa. - Ellie sorriu ao vê-la usando calças de moletom e blusa larga pela primeira vez. Era a única roupa que estava disponível, provavelmente roupas antigas de Owen, e teriam ficado justas no antigo corpo de Abby, mas agora estavam largas de uma forma desagradável que a fazia querer evitar olhar para si mesma.
Ellie não parecia ter esse mesmo problema; ela estava sempre olhando para Abby, um olhar que parecia vê-la por dentro e por fora. Surpreendentemente, Abby não achava desagradável ser tão vista por Ellie.
- Viu alguma coisa? – perguntou Abby, referindo-se á patrulha.
- Nada. Exceto uma garota fofa usando pijamas. – provocou Ellie.
- Nora disse que estamos com poucos alimentos. Temos que sair numa excursão hoje. Você quer vir? – perguntou Abby.
- Claro. – Ellie levantou imediatamente. – Vamos lá.
- Daqui a pouco. – disse Abby, aproveitando que Ellie se afastou da beirada do telhado para cruzar a distancia entre elas.
Ellie era menor do que ela uns dez centímetros. Estava mais magra do que quando a vira meses atrás, mas continuava igualmente forte e determinada. A sujeira de dias não conseguia esconder a beleza dela – olhos verdes salpicados de marrom, rosto pálido salpicado de sardas, um nariz adorável e uma boca atraente.
Abby se esforçou para não se distrair.
- Você pode ir tomar banho primeiro. – falou. Parecia cruel negar esse conforto simples á Ellie antes de saírem.
Ellie se ergueu sobre seus pés, aproximando seu rosto de uma forma que fez o coração de Abby acelerar.
- Eu preferia tomar banho com você. – ela sussurrou, lhe lançando um olhar que fez seu rosto corar.
Ela se afastou com um sorriso, como se soubesse perfeitamente o efeito que tinha sobre Abby.
- Em breve. - prometeu Abby. - Me encontra aqui em meia hora.

Chapter 5: Compartilhando traumas

Chapter Text

Andar por Seattle com Ellie não era novidade. Porém, sem a presença amortecedora de Lev, era diferente. A situação era diferente. Abby não estava tão confiante em si mesma como da outra vez, tendo perdido tanta força. Também confiava mais em Ellie agora, conhecendo suas habilidades, agilidade e experiência. Não tinha problemas em deixar ela cuidar de suas costas, como antes, e era quase cômico que ela confiasse sua vida á uma garota que um dia prometeu matá-la.
- Vamos invadir um estoque da WLF? – perguntou Ellie, soando um pouco desconfortável.
- É a forma mais rápida de conseguirmos suprimentos. – Abby respondeu.
- Você sabe que talvez teremos que matar lobos, certo?
- Eu sei.
Abby não tinha problemas com isso. Seu povo era aqueles que haviam ido com ela, não aqueles que haviam seguido as ordens de Isaac para caçá-la e matá-la. Ela era uma desertora, ou pior, e qualquer Lobo que a reconhecesse tentaria matá-la sem pensar duas vezes. Abby também não hesitaria.
Ellie colocou uma mão em seu ombro para impedi-la de avançar para o próximo prédio.
- Vamos atravessar em outro prédio. – ela sugeriu.
Não parecia um desafio direto á liderança de Abby, nem uma critica pessoal, mas ainda foi inesperado.
- Por quê? – Abby questionou.
- Infectados.
Abby ficou em silencio e tentou ouvir, mas não conseguiu escutar nada.
- Você tem uma super audição? – perguntou, tentando não desconfiar que Ellie pudesse estar mentindo por algum motivo.
- Não exatamente. – Ellie deu de ombros, antes de guiá-la para outro prédio. – Você sabe sobre a minha imunidade.
- Sim. – Abby admitiu, estremecendo.
Esse era um assunto ainda mais desagradável do que Joel – saber como seu pai quase matou sua alma gêmea por uma possível cura. “Se fosse eu, eu ia querer que fizesse a cirurgia” ela havia dito ao seu pai. Não era mentira, ela realmente acreditava naquilo naquela época. Se soubesse, na época, que Ellie era sua alma gêmea, com certeza não teria tanta certeza em apoiar a decisão de seu pai. Talvez, assim como Joel, estaria disposta a fazer uma carnificina para proteger Ellie. Esse era um pensamento desagradável – que pudesse se assemelhar em algo ao monstro que odiava.
- Isso me deu uma certa consciência dos infectados. – continuou Ellie, andando com cautela á sua frente. – Consigo sentir a presença deles.
Abby congelou, o que fez Ellie parar e olhar para trás, para ela.
- Consegue sentir os infectados desde quando foi mordida? – questionou Abby.
- Sim. – Ellie assentiu, parecendo de repente nervosa.
Se qualquer outra pessoa lhe dissesse isso, Abby não acreditaria. Mas sendo Ellie, sua alma gêmea, a garota imune, uma raridade em bilhões, não era tão inacreditável.
- Isso é… bastante útil. – observou ela, voltando a caminhar.
- Sim, já me livrou de muitos problemas. – concordou Ellie. – Assim como já me meteu em alguns.
- Como assim? – questionou Abby, ficando mais perto para conversar em voz baixa.
- Te explico outra hora. – Ellie fugiu do assunto.
- Como você foi mordida? – perguntou Abby. Isso era algo sobre o qual ela tinha bastante curiosidade, então aproveitou pra perguntar, já que haviam entrado no assunto.
Abby descobriu sobre Riley e um pouco do que aconteceu com Ellie em Boston. Sobre como Ellie teve que matar a melhor amiga/primeira paixão dela aos doze anos de idade. Entendeu parte do que tornava Ellie tão forte. Aquela força fora forjada, assim como a dela.
- Como está seu ferimento? – Abby perguntou ao terem que escalar alguns escombros.
Já sabia, pelo pouco que conhecia Ellie, que ela tinha tendência a exagerar e minimizar seus ferimentos.
- Está bem. – ela respondeu rápido. – E você?
- Gostaria de ter meus músculos de volta. – suspirou Abby.
- Você vai conseguir. – afirmou Ellie, com convicção.
- Odeio me sentir fraca. - admitiu Abby.
- Você não é. – Ellie debateu. – Você é uma das mulheres mais forte que já conheci, e não apenas fisicamente.
Abby sabia disso, é claro, mas ainda era bom ouvir e saber que sua alma gêmea a via assim.
- Obrigada. – ela agradeceu, sentindo-se corar.
O prédio que era um dos estoques da WLF finalmente apareceu e ela acenou para Ellie.
Elas entraram silenciosamente, mas não demoraram a encontrarem Lobos. Ellie derrubou um com um golpe de arma, e Abby atirou num soldado antes que ele atirasse nelas. Conseguiu pegar os próximos dois soldados desapercebidos e entrou num combate físico com eles. Foi bem mais difícil vencer do que Abby esperava – não estava acostumada ainda a lutar com suas novas limitações físicas.
Por sorte, havia poucos Lobos de guarda ali. Abby realmente não queria entrar numa matança desenfreada; estava fraca demais para uma luta muito extenuante.
Ao derrubar o último soldado, Abby podia sentir o olhar de Ellie sobre ela como uma coisa física.
- O que? – perguntou.
- Porra. Você fica tão quente lutando. - Ellie suspirou.
Abby estremeceu. Fugir dos elogios e flertes de Ellie só iria durar até certo ponto. Ela precisava conversar com ela, mas só de pensar nessa conversa sentia calafrios.
- Os suprimentos ficam por aqui. – disse Abby, focando em seguir o plano.
Elas encheram as mochilas com alimentos, principalmente enlatados, alguns remédios e munição. Abby nunca recusava munição.
- Vamos voltar. – ela decidiu.
Ellie a seguiu sem protestar, um pouco mais animada com seus bens roubados.
No Aquário, eles comeram numa mesa improvisada - a mesma onde Yara foi operada. No meio da mesa, abriram um mapa e começaram a trilhar o caminho que fariam para Jackson. Ellie, Nora e Manny tinham varias sugestões a dar, mas deixaram a decisão final com Abby. Receber esse nível de confiança era uma grande responsabilidade.
Depois do jantar, Abby foi ajudar Nora a colocar as crianças para dormir.
- Como eles estão? – ela perguntou, observando-os se aglomerarem na cama (a mesma que ela e Ellie transaram). Abby se esforçou para não lembrar sobre isso.
Nora a puxou para o corredor.
- Um pouco desnutridos. Eu não conseguia cuidar deles e conseguir alimentos o suficiente.
Abby analisou a amiga, talvez pela primeira vez.
- Você também está fora do peso.
- Vou me recuperar quando estivermos seguros.
- E a saúde deles? – insistiu Abby.
- Sinceramente, não acho que o bebê vai durar até Jackson. – respondeu Nora, em voz baixa. – Um dos meninos apresentou sintomas de asma. Estou fazendo o meu melhor, mas sendo otimista, talvez dois ou três sobrevivam. É uma longa viagem até o Wyoming, e estamos entrando no inverno. Vamos chegar lá com tudo congelando.
- Vamos fazer o nosso melhor.
- Por quê você os salvou? Não teria sido misericordioso dar á eles uma morte rápida? – questionou Nora.
- Pelo mesmo motivo que você arriscou sua vida para cuidar deles. – respondeu Abby com firmeza. – Somos soldados, mas também somos humanos, Nora.
- Então o quê? Vamos ir pra Jackson e perdoar aquele filho da puta?
Abby sabe imediatamente sobre quem Nora está falando.
- Eu nunca vou perdoar aquele maldito. – Abby grunhiu.
- Espero que não. – Nora respondeu, antes de entrar na sala.
Abby teve que respirar fundo algumas vezes antes de segui-la.
Manny e Ellie estavam discutindo sobre músicas, mas se calaram ao vê-la.
- Vamos dividir a vigilância noturna em três turnos individuais. – Abby decidiu. – De meia noite as três, de três as seis e de seis as nove.
- Eu fico com o primeiro turno. Tô de boa. - Manny falou.
- Fico com o segundo. - Ellie se ofereceu.
- E eu com o terceiro. - Abby decidiu.
Nora provavelmente não dormiria muito mais do que eles, cuidando das crianças.
- Vou dormir na sala de controle. - Abby decidiu, antes de levantar. Sentiu o olhar de Ellie sobre ela, então a encarou de volta. - Você vem?
Nora e Manny ergueram sobrancelhas curiosas, mas não falaram nada – ainda. Abby sabia que ambos teriam perguntas, cedo ou tarde.
Ela corou ao sair da sala, ouvindo os passos leves de Ellie atrás de si.
A idéia de dormir sozinha, quando tinha Ellie bem ali, não era atraente.
Abby forrou alguns panos velhos no chão. O único quarto que tinha uma cama ficou para as crianças.
Abby tirou as botas, mas manteve as roupas. Estava acostumada a dormir vestida, sempre pronta pra qualquer eventualidade. E depois de toda merda em Santa Bárbara, se sentia mais confortável quanto mais estivesse vestida.
Sentiu seu corpo tremer ao se deitar, como se tivesse passado o dia treinando na academia. Era irritante ter que lidar com essas novas limitações e fraquezas, mas respirou fundo e tentou se sentir grata porque estava viva. Podia se fortalecer novamente.
Ellie tirou o sapato e a calça. Ficou apenas de calcinha e camiseta, e se deitou ao seu lado.
Hesitou ao tocar em Abby. Mesmo após três dias, sua pele ainda estava se recuperando.
Deixando de lado suas próprias frustrações pessoais, Abby se virou para ela.
- Bom trabalho hoje. - ela falou.
- Eu sei seguir ordens, tenente Anderson. Quando eu estou motivada. – provocou Ellie com um sorriso atrevido.
Abby sorriu de volta, mesmo que isso irritasse a queimadura de sol em suas bochechas.
- O que te deixou motivada? – questionou.
Ellie sorriu, se apoiando em um cotovelo e inclinando o torso sobre ela.
- Gosto de ver você liderando. É fodidamente quente.
Abby sentiu sua respiração falhar ao ver a boca de Ellie tão próxima. Ela passou o dia todo resistindo, tentando não se aproximar demais, mas sua resistência estava tão fraca quanto seu corpo agora.
Abby estendeu uma mão, agarrando o cabelo de Ellie. Estava mais curto agora, na altura de seus ombros, mas igualmente bonito.
- Combinou com você. O corte. – ela falou.
Os olhos de Ellie foram automaticamente para sua cabeça, o que quase fez Abby se arrepender de tocar no assunto. Ela estava evitando propositalmente seu reflexo e detestava sua aparência nesse momento.
- Vai deixar crescer novamente? – Ellie perguntou.
- Sim.
Ellie aproximou uma mão para acariciar seu cabelo.
- É prático, pelo menos. Ninguém pode puxar seu cabelo numa briga.
- Sim.
Abby teve um dejavu horrível, sobre mãos agarrando sua trança.
Ela se distraiu passando os dedos pelo cabelo de Ellie, sentindo como os fios castanhos avermelhados eram macios em seus dedos.
- Quero te beijar. - Ellie sussurrou, olhos verdes cobiçando seus lábios.
Abby segurou o cabelo dela com força e a puxou em direção a sua boca. Ellie segurou seu rosto com uma mão cuidadosa, desacelerando o beijo para algo mais suave e menos desesperado. Ela ainda estava com medo de machucá-la. Tanto quanto Abby apreciava isso, ela também queria que Ellie a tocasse com força e a fizesse esquecer tudo sobre outros toques.
- Ellie. - Abby desceu uma mão para suas costas, tentando convencê-la a subir em cima dela.
Ellie resistiu, deixando um beijo em seu queixo e em seu pescoço. Seus olhos eram duas pequenas brasas excitadas ao olharem para Abby, claramente se contendo. Abby não queria que ela se contivesse. Ellie desceu as mãos por seu torso, acariciando seus seios e abdômen, então subiram devagar, levantando a bainha de sua camisa.
Abby se sentiu parte excitada, parte desconfortável. Não tanto com o que Ellie estava fazendo, mas em ficar nua quando seu corpo não parecia seu.
Ellie beijou seus seios amorosamente, então desceu com beijos suaves em sua barriga. Abby se sentiu ficando mais tensa do que excitada quando percebeu pra onde ela estava indo e reminiscências de sua conversa com Nora esfriaram seu desejo.
- Ei. - Ellie olhou em seus olhos, percebendo imediatamente seu desconforto. - Tudo bem?
- Sim. Só… Não estou confortável em fazer isso agora. - respondeu Abby com sinceridade.
Detestava mentir, era péssima nisso, e sinceramente não sentia que precisava disso com Ellie. Sua alma gêmea parecia alguém que era extremamente sincera e que detestava ser enganada.
- Okay. - Ellie relaxou ao seu lado, apoiando o rosto na mão para continuar a olhá-la. Ela não parecia chateada, o que Abby agradeceu silenciosamente. Owen sempre parecia achar que havia um problema quando ela não queria intimidade. - O que te deixou desconfortável?
- Meu corpo. Não gosto de como ele é agora. - admitiu Abby.
Ellie assentiu, como se compreendesse .
- O que mais?
Abby suspirou, olhando para o teto. Decidiu que era melhor arrancar o curativo de uma única vez, afinal, não queria inventar uma desculpa cada vez que Ellie tentasse tocá-la.
- Quando eu era prisioneira dos Rattlers, fui estuprada.
O silêncio de Ellie era alto. Abby olhou pra ela, porque não era exatamente a reação que ela esperava.
- Você não parece surpresa. – observou.
- Eu vi os tipos de filhos da puta que os Rattlers eram. Imaginei que poderia ter acontecido algo assim. – admitiu Ellie.
Abby assentiu e foi para a parte que era importante, a parte que estava lhe dando calafrios em deixar Ellie lhe tocar:
- Posso ter contraído algum tipo de doença daqueles desgraçados, mas só irei saber quando fizer alguns exames. Não quero correr o risco de passar nada pra você. – explicou.
- Nora te examinou?
- Sim.
- Entendi. Obrigada por me dizer.
Ellie deitou, apoiando a bochecha em seu ombro, com um olhar pensativo. Abby quase se arrependeu de ter trazido um assunto tão pesado para a hora de dormir, mas sabia que não podia ficar adiando isso.
- Você quer falar sobre o que aconteceu em Santa Bárbara? - Ellie perguntou depois de um tempo em silencio.
- Não. Eu gostaria de esquecer tudo que aconteceu em Santa Bárbara. – confessou Abby. E sinceramente, não queria assombrar Ellie com que as merdas que havia visto e vivido ali. Já bastava uma delas ter que carregar isso pra sempre.
- Quando eu tinha 12 anos, passei por algo parecido. Fui seqüestrada por um grupo de canibais. Joel estava muito ferido, não conseguiu me proteger. O líder deles tentou me estuprar. – contou Ellie, o que fez Abby se sentir gelada.
- O que você fez?
- Eu matei ele. Acho que foi uma das mortes mais brutais que já cometi.
- Ele conseguiu te machucar?
- Ele não me estuprou. Consegui matá-lo antes.
- Bom. Eu gostaria de ter matado todos eles também. – admitiu Abby.
- Poderíamos voltar e matar todos eles.
Abby riu, apesar da seriedade do assunto. Ela demorou a perceber que Ellie não estava apenas conjecturando, mas sugerindo.
- Eu já segui o caminho da vingança uma vez e não foi muito bem. Não vou arriscar o que tenho agora por uma vingança. De qualquer forma, eu matei alguns deles, e você matou ainda mais.
Ellie acariciou sua mão, exibindo um olhar frio que Abby particularmente não gostava.
- Eu poderia tê-los matado mais lentamente. – ela falou.
- Como eu fiz com Joel? - questionou Abby, o que fez Ellie estremecer. Abby não se arrependeu; isso pelo menos fez Ellie parecer mais com ela mesma e não aquele fantasma vingativo de Abby. Ela não desejava que ninguém, principalmente Ellie, ficasse tão louca por vingança como ela ficou.
- Não deixe isso te consumir, não vai trazer nada de bom. – aconselhou. – É melhor deixar o passado no passado.
Ellie bufou.
- Parece que funcionou pra você.
- Não funcionou pra mim. Se eu desse ouvidos ao meu antigo eu, não pararia até ver Joel morto, independente de quantas pessoas se ferissem no processo.
- Mas você desistiu.
- Por causa de você. – admitiu Abby. – Porque eu queria que isso funcionasse mais do que queria vingança. E sim, o fato de eu ter conseguido me vingar um pouco de Joel, ajudou na decisão. Não sei se eu conseguiria desistir antes.
Ellie ficou em silencio por um tempo. Abby quase achou que havia dormido, até ela falar:
- Sei que minha situação não foi igual á sua com os Rattlers. Só estou dizendo isso pra que você saiba que pode falar comigo sobre isso ou qualquer outra coisa. – ela explicou. – Só porque sou mais nova não significa que não entendo muitas coisas. Já vi mais do que a maioria dos adultos. Não sou uma criança.
Abby sorriu.
- Eu não teria transado com você se te visse como criança. – esclareceu.
- Eu sei. Talvez essa não seja a melhor comparação, só… Percebo que você meio que quer me poupar das coisas, por eu ser mais nova. – explicou Ellie.
- Sim, acho que eu faço isso. – reconheceu Abby.
- Bem, você não precisa. Estou acostumada já com as merdas desse mundo. Então, pode falar comigo sobre qualquer coisa. – garantiu Ellie.
- Okay. – concordou Abby. – Não sei se falar sobre isso ajudaria.
- Pra mim, sim.
- Com quem você falou?
- Dina. E Maria.
- Não sou boa em falar sobre sentimentos. – admitiu Abby. – Nem mesmo com Owen, ou qualquer um dos meus amigos.
- Que tal falar apenas sobre o que aconteceu? – Ellie sugeriu.
Abby hesitou, se perguntando por onde deveria começar.
- A tortura dos Rattlers era patética, não se comparava em nada com a que Isaac fazia. Eles apenas escravizavam prisioneiros e os colocava para trabalhar. – começou Abby. – O estupro não era uma forma de tortura, apenas a idéia que eles tinham de diversão. Se você relaxasse e fosse boa pra eles, poderia até ser divertido, uma prisioneira me falou. – Abby respirou fundo, reprimindo as lembranças. – Eu lutei todas as vezes. Eles não conseguiam me dominar se estivessem em menos de quatro homens. Não importava o quanto eles me batessem, ou me mordessem, eu lutava até o fim. Aqueles covardes filhos da puta sempre esperavam pra vir á noite, quando estávamos cansadas do dia inteiro de trabalho. E eu nunca me iludi em pensar que sou uma boa pessoa, mas cheguei ao ponto baixo de me sentir aliviada quando eles levavam outra prisioneira ao invés de mim. Mas o que me assustava mais não eram os estupros. Era quando eles nos colocavam perto dos infectados. É estranho que eu tivesse mais medo de ser infectada do que violentada?
- Acho que não. Acho que temos mais medo do mal que desconhecemos do que o que já enfrentamos. – respondeu Ellie. – Em Jackson, há uma psicóloga, caso você queira conversar com alguém que possa realmente ajudar.
- Você conversou com ela?
- Não. Mas eu posso ir com você, se quiser.
Abby balançou a cabeça.
- Não estou traumatizada nem nada do tipo. Só... Sinto que o que eles fizeram me deixaram suja e que se você me tocar também vai se sujar.
- Eu sei. Me senti assim por um tempo.
- Quanto tempo levou pra passar?
- Alguns anos, eu acho. Só vim ter minha primeira experiência sexual com 15 anos.
- Você acha que isso... – Abby hesitou, sem saber como perguntar. – Por causa disso que você não gosta de homens?
Ellie riu.
- Não. Eu já gostava apenas de mulheres antes. E você? Sempre foi apenas Owen?
Abby não sabia como a conversa passou de traumas compartilhados pra ex-namorados, mas estava grata. Ela realmente não queria falar sobre os Rattlers.
- Sim, eu namorei Owen dos 14 anos até os 19.
- Filho da puta sortudo. – xingou Ellie, o que fez Abby rir. – Bem, melhor ser a atual do que a ex. Há alguma coisa mais que você queira falar?
- Por hoje não.
- Tudo bem. – Ellie se acomodou ao seu lado, preparando-se para dormir. – Só pra deixar claro, não importa o quão diferente seu corpo esteja, você continua sendo atraente pra mim.
- Eu percebi. - sorriu Abby. – Você não é muito sutil.
- Engraçadinha.
Ellie deixou um beijo em sua bochecha, antes de puxar seu braço ao redor de sua cintura.
- Boa noite, Abby.
- Boa noite, Ellie.

Chapter 6: Bem vinda ao lar

Summary:

Olá, leitores fantasmas.

Chapter Text

Eles só conseguiram roubar um carro da WLF.
Manny ficou responsável por dirigir, pois já conhecia o caminho. Nora sentou ao lado dele com o bebê no colo, e eles ainda conseguiram fazer caber duas crianças ao lado dela.
Na caçamba do carro, Ellie, Abby, Maya, Ylena e um cachorro se espremeram com as bolsas. Ellie preferiu não discutir sobre o cachorro, quando percebeu o quão apegada Abby era com ela.
Ellie jamais imaginara Abby como alguém fã de animais, mas, surpreendente ou não, ela era toda fofa com a cadela e Ellie ficou cativada o suficiente para não reclamar de ter que dividir o espaço e a comida com o canino.
Ela gostava desse lado suave de Abby, que nem as catástrofes do mundo conseguiram suprimir. A fazia pensar em que tipo de pessoa Abby seria, se o mundo em que vivessem fosse mais gentil – em que tipo de pessoas ambas seriam se não fossem forçadas a sobreviverem a qualquer custo.
- Quanto tempo vocês levaram para chegar até Jackson de carro? – Ellie perguntou.
- Cinco dias. – Abby respondeu.
- Puta merda. Levamos quase dois meses de cavalo. Você acha que temos combustível suficiente pra chegar lá?
- Sim.
Viajar por cinco dias na caçamba de um carro com certeza não era confortável, mas muito melhor do que viajar á pé ou em cima de um cavalo.
Comparada ás duas viagens que Ellie já havia feito, essa tinha tudo pra ser uma viagem tranqüila. Tinham o carro, combustível, alimento, suprimentos médicos. Ainda assim, não foi tão tranqüilo. O frio na caçamba do carro fez as duas meninas adoecerem no primeiro dia, e Ellie começou a tossir a partir do segundo dia. Nora trocou as crianças de lugar, mas então os outros dois meninos também adoeceram.
- Eles estão desenvolvendo uma pneumonia. – Nora disse, no terceiro dia.
- Que merda. – Ellie tossiu.
Por causa disso Abby se recusou a fazer pausas maiores do que vinte minutos, então Manny e Nora se revezaram dirigindo e Abby e Ellie se revezaram vigiando da parte de trás, com poucos momentos de sono.
O esforço valeu a pena, pois com quatro dias na estrada, eles avistaram as muralhas de Jackson ao longe.
- Finalmente, porra. – Ellie suspirou, se aquecendo no calor do corpo de Abby.
A neve já começava a cobrir tudo e eles não tinham nada adequado para o inverno. Ela havia colocado a maioria dos lençóis sobre as crianças, e seu casaco não estava fazendo um bom trabalho para aquecê-la. Se agarrar á Abby também não ajudava muito, trazia mais conforto do que calor, mas Ellie preferia assim.
- Eles não vão atirar em nós á distancia? – Abby perguntou, apertando os braços ao seu redor.
- Coloque o capuz, só pra garantir. – ordenou Ellie.
Afinal, não confiava que se Tommy reconhecesse Abby pela mira de seu rifle ele não atiraria – e provavelmente não erraria o tiro.
Nenhuma cavalaria saiu dos portões para encontrá-los, então ela supôs que eles a reconheceram.
Ellie desceu do carro primeiro, acenando para o vigia do portão. Ela estava com mais medo do sermão de Maria do que de ser alvejada.
Ainda demorou quase dez minutos antes que eles abrissem os portões.
- Ei, Ellie! – Cat gritou ao vê-la entrar. – Quem você trouxe?
- Amigos.
- Eles não podem entrar antes da Maria ou Tommy falar com eles. Regras, você sabe.
- Cat, eu tenho cinco crianças com pneumonia. Você pode trazer a Maria o mais rápido possível? Ou a Mel? – Ellie implorou, enquanto tremia.
- Okay. Dennis, você vai lá.
Ellie aguardou, caminhando de um lado para o outro impaciente até que Maria apareceu. Infelizmente, não sozinha. Tommy estava com ela.
- Você está bem encrencada dessa vez, mocinha. – foi o cumprimento de Maria.
- Eu sei. – suspirou Ellie. – As crianças podem entrar logo? Elas estão doentes.
- Doentes como...
- Não, não infectados. Pneumonia.
- Okay, traga elas.
Com a ajuda de Cat e Dennis, Ellie trouxe as crianças.
- Meu Deus. – Maria suspirou ao ver o bebê.
Mel chegou exatamente nesse momento.
- O seu sonho é montar uma creche? – ela resmungou, antes de pegar o bebê e levar as crianças.
- Então, quem você trouxe? – Tommy perguntou, lançando um olhar desconfiado para o carro.
- Solte a arma primeiro. – Ellie pediu, se movendo para impedi-lo de ter uma visão clara do carro. Com sua altura, ela provavelmente não teve muita sorte.
- Ellie. – Tommy rosnou, nem um pouco enganado. – Não me diga que você...
- Tommy, larga a arma. – Ellie repetiu.
- Fodidamente não! Ela quase matou o meu irmão, você se esqueceu? – Tommy gritou, avançando na cara dela.
Ellie avançou nele de volta, mãos empurrando seu peito, porque recuar não estava em sua natureza.
- Eu sei o que aconteceu. Quem assistiu fui eu e não você, porra! – ela gritou de volta.
- Se acalmem, vocês dois! – Maria interveio, mas não ousou entrar no meio de um Tommy furioso e uma Ellie raivosa, ambos armados. Seria suicídio.
Felizmente, nenhum dos dois estava planejando usar suas armas.
- Não, porra! Eles não vão entrar aqui! – Tommy gritou, empurrando Ellie.
- Então eu estou saindo. – Ellie gritou de volta.
Um tiro soou, perto demais – errando o pé de Tommy por muito pouco. Ellie ergueu os olhos, assustada. Por um momento, cogitou que Tommy pudesse ter atirado por engano, mas ele estava igualmente assustado.
É claro que apenas Joel arriscaria atirar assim. Mesmo perdendo uma perna e usando uma muleta, a mira dele continuava impecável. Ellie sentiu tensão e alivio ao vê-lo.
- Sai de perto da minha filha. – Joel ordenou friamente para o irmão.
Ellie o viu furioso assim poucas vezes.
Tommy recuou, infeliz.
- Bom, então você fala pra ele quem você está trazendo pra cá. – cuspiu Tommy.
Ellie imediatamente desejou que Joel não estivesse se intrometido, nem estivesse ali. Ela pretendia conversar com ele primeiro, não soltar a bomba assim.
Não havia o que fazer. Abby saiu do carro, ao ouvir o barulho do tiro. Ela se aproximou mais cautelosamente ao ver que Ellie estava bem.
- Estamos entrando ou indo embora? – ela perguntou, com mais coragem do que deveria.
- Quem é você? – Maria perguntou, ficando tensa ao ver a arma de Abby.
- Abby Anderson. – ela respondeu. – A que quase matou o filho da puta do Joel Miller.
- Meu Deus, Abby. – Ellie suspirou. – Fique quieta e me deixa resolver isso.
Ela olhou ao redor para avaliar o dano. Joel continuava com a arma nas mãos, mas longe demais para ter ouvido – Ellie esperava. Tommy estava se contendo por muito pouco.
- Eu os trouxe de Seattle. Eles precisavam de um lugar para ficar. – Ellie explicou, focando sua atenção em Maria. Ela era a mais racional de todos eles.
- Okay. Eu vou conversar com eles, você vai se explicar para o seu pai porque você sumiu. – Maria decidiu.
- Certo. Você pode não incluir o Tommy nessa conversa? – Ellie pediu, mesmo sabendo que estava na malha fina com Maria.
- Não. – Maria negou, como esperado.
- Okay. – cedeu Ellie, se aproximando de Abby e abaixando a voz: – Se comporte, okay? Maria é legal. Você precisa da aprovação dela pra ficar.
O olhar de Abby não lhe passou muita confiança, mas ela assentiu.
Ellie decidiu confiar nela.
///
- Você está bravo? - Ellie perguntou, um pouco receosa.
Ela detestava brigar com Joel. Isso lhe trazia péssimas lembranças sobre os meses em que havia ficado sem falar com ele, por causa de Salt Lake City.
- Não. - Joel respondeu.
- Você parece bravo. – ela insistiu.
- Não com você. Você voltou, é o que importa, garota.
Ellie assentiu, mordendo o lábio. Não havia se preparado para essa conversa. Ao longo dos anos, ela e Joel melhoraram na comunicação, mas ainda não eram os mais faladores. Eles se entendiam mais com ações do que com palavras.
- Ela é minha alma gêmea. - Ellie assumiu, decidindo que adiar isso mais não traria bem nenhum.
Joel aceitar ou não, não mudaria nada. Ela não estava disposta a abrir mão de Abby. Ainda assim, ela detestava desejar que ele aprovasse. Não era tão fácil como um sogro aceitar a nora; a situação entre eles era muito mais complicada do que isso.
- Isso é bom. - Joel falou, surpreendendo Ellie.
- Você acha?
- Eu gosto da forma como ela é obstinada. De uma forma que faria qualquer coisa pra proteger alguém que ama. E se ela está disposta a deixar coisas como Salt Lake de lado pra ficar com você, acho que ela merece um voto de confiança. – ele explicou.
- Ela me lembra você. - admitiu Ellie.
- O que aconteceu com ela? – perguntou Joel, e ela entendeu imediatamente sobre o que ele estava falando. A mudança na aparência de Abby era tão grande que era impossível não notar.
- Ela foi capturada por uma gangue em Santa Bárbara.
Ellie não disse mais nada. Não era sua história pra contar, e ela sabia que de todas as pessoas, Joel seria quem menos Abby gostaria que soubesse de sua vida.
- E vocês se dão bem? - Joel perguntou.
- Sim.
- Bom, isso é o que importa. - ele decidiu.
///
Ellie estava aguardando quando Maria finalmente liberou Abby, Nora e Manny de sua conversa. Demorou bem mais do que sua conversa com Joel, o que a deixou ansiosa.
- E então? – ela perguntou quando os viu.
- Podemos ficar. - Manny anunciou com um sorriso aliviado.
- Você quer ir ver o laboratório agora? - Ellie perguntou para Nora. Sabia o quão preocupada Abby estava com essa questão, mesmo que ela não falasse.
- Okay, vamos lá. - Nora concordou.
- Ellie. - Maria a chamou antes que pudesse sair. - Ainda não terminei com você, mocinha.
- Ia mostrar a eles o lugar. – tentou Ellie. Conversar com Maria, logo após Joel, não era algo que estivesse ansiosa pra fazer.
- A Cat pode fazer isso. – decidiu Maria.
- Okay. – suspirou Ellie.
Ela tocou a mão de Abby ao passar por ela. Esperava que ela entendesse que não estava deixando-a por vontade própria. Ela realmente queria ser aquela que lhe mostraria o lugar.
- Você me deve dois cavalos. – Maria falou ao segui-la para sua sala.
- Bem, eu trouxe um carro? – argumentou Ellie, com um sorriso forçado ao sentar em frente á Maria. Ela não pareceu impressionada.
- Você tem idéia do quão preocupados ficamos quando você desapareceu? – Maria questionou, fazendo Ellie sentir a culpa que vinha evitando desde que saiu de Jackson. Ela estava se justificando dizendo que era necessário, mas sabia que o que havia feito era errado.
- Sinto muito. De verdade. Não queria preocupar nenhum de vocês, só... Achei que seria melhor assim. – ela tentou explicar.
- Joel disse que você tinha um motivo, e que iria me contar quando voltasse. Eu espero que seja um bom motivo, ou você está fora da patrulha por pelo menos um ano. – avisou Maria.
Ellie estremeceu. Ficar presa em Jackson, sem poder patrulhar, seria cruel.
- Abby é minha alma gêmea. – ela falou.
Maria não se impressionou.
- E daí?
- Eu prometi a ela que voltaria a Seattle para buscá-la.
- E você não poderia ter me dito isso antes de ir?
- Você não me deixaria sair sozinha.
- Claro, por quê você não deveria sair sozinha.
- Eu viajo mais rápido quando estou sozinha, porque não preciso evitar os infectados. – argumentou Ellie, mesmo sabendo que era inútil.
- Você ainda quebrou as regras e saiu sem permissão. Não vou te dar tratamento preferencial. – avisou Maria.
- Okay.
- Você está fora de patrulha por três meses. E se não se comportar, posso aumentar isso.
- Okay.
- Vou colocar você pra trabalhar nos estábulos, pra compensar o cavalo que você deixou em Seattle, e te dar tempo pra pensar.
- Okay.
Maria suspirou, então se aproximou e lhe deu um abraço reconfortante.
- Seja bem vindo de volta. E não faça mais isso, você me enlouqueceu. A Dina vai arrancar sua pele.
- Obrigada por deixar eles ficarem. – agradeceu Ellie.
- Espero não me arrepender disso. Eles me garantiram que não tem nenhum problema mais contra Joel. Vou ficar de olho neles e sugiro que você faça o mesmo.
- Okay. Onde você vai colocá-los?
- Estamos com um problema grave de falta de espaço. Manny e Nora vão ter que ficar com a Mel. Imaginei que você queira ficar com a Abby?
- Sim, mas vou falar com ela primeiro.
Não imaginava que Abby se sentiria bem em ficar tão próxima de Joel.
- Você acha que Joel vai ter problemas com isso? – questionou Maria.
- Não. Já conversei com ele. – ela respondeu.
‘Mais como Abby vai ter problemas com isso’, pensou Ellie.
///
Quando Ellie chegou ao laboratório, Nora e Abby já estavam na sala de exames, então ela aguardou.
Abby saiu da sala de exames com uma roupa nova, acompanhada de Nora e Mel. A expressão delas não era muito boa.
- Tudo bem? - Ellie perguntou.
- Vamos saber em breve. – Nora respondeu.
- Cadê o Manny? - Abby perguntou.
- Foi com o Jesse arrumar um lugar pra colocar o carro. – respondeu Ellie. – Terminaram aqui?
- Sim. – respondeu Nora. – Posso dar uma olhada em você?
- Eu tô bem, é só uma tosse. Juro. Amanhã posso vir aqui pra ser examinada.
Nora lhe lançou um olhar desconfiado, mas assentiu, também cansada.
Ellie se voltou para Abby.
- Abby, a Maria perguntou se você poderia ficar comigo. Lá em casa, com o Lev e Yara. – ela anunciou, mencionando Lev e Yara como um incentivo.
- Tudo bem. – concordou Abby.
Ellie esperava mais relutância, mas não olharia os dentes de um cavalo ganhado.
- Nora, você vai ficar com a Mel e Owen por enquanto. – ela continuou.
- Okay.
- Vamos lá? - Ellie chamou, estendendo uma mão automaticamente para Abby.
Hesitou por um momento ao perceber que não sabia como Abby se sentia sobre demonstrações publicas de afeto ali, mas Abby segurou sua mão sem hesitar e a seguiu. Ellie não quis examinar muito de perto a satisfação em seu peito.
- É bonito aqui. - Abby observou ao saírem na rua.
- Sim. Ali é o bar do Seth, ali é o refeitório onde fazemos as refeições comunitárias. Tem uma biblioteca ali. – Ellie apontou.
- Uma biblioteca? – Abby se interessou, é claro.
- Eu sabia que você era uma nerd por livros. – provocou Ellie.
- Ellie! Sua filha da puta! - uma voz familiar gritou, interrompendo seu momento.
Ellie estremeceu.
- Ai merda, é a Dina.
Abby ficou tensa ao seu lado, mas não soltou sua mão.
- Qual é o problema dela?
Sem tempo pra responder, Ellie forçou um sorriso ao ver a amiga.
- Oi, Dina!
- Como você ousa sair sem me avisar? Eu pensei que fossemos amigas! – Dina gritou com ela, ignorando a presença de Abby.
- Você está grávida, não podia pedir pra vir comigo! – argumentou Ellie, mesmo sabendo que seria inútil. Dina não ouvia a voz da razão quando estava com raiva.
- Sim, você deveria ter pedido. – ela rebateu, alto o suficiente para atrair o olhar de algumas pessoas.
Isso deixou Abby mais tensa.
- Dina, podemos conversar depois? – pediu Ellie.
Isso com certeza a deixou mais irritada, mas ela recuou um passo, colocando sua fúria sob controle.
- Claro. Quando você tiver tempo. – ela zombou.
- Vou passar na sua casa mais tarde. – Ellie avisou, numa tentativa de apaziguar.
Dina se afastou fumegando com passos furiosos.
- Eu fui pra Seattle sem avisar ela. – explicou Ellie para o olhar confuso de Abby.
- Sua ex?
- Sim. Ela é minha melhor amiga.
Abby assentiu.
- Cadê o Lev e a Yara?
- Pelo horário, devem estar na escola.
- Há uma escola?
- Sim. Eles aprendem principalmente sobre sobrevivência, caça, primeiros socorros, cuidar de animais, agricultura. – explicou Ellie.
- Entendi.
- Lar, doce lar. - anunciou Ellie, apontando para a casa. A visão familiar liberou um peso em seu peito. - Quer um tour pela casa ou direto para o quarto?
- Quarto. – respondeu Abby sem hesitar, e Ellie não podia culpá-la. Estava tão cansada da viagem de quatro dias praticamente sem dormir que não podia esperar para cair na cama.
Ela a levou direto para a garagem, que havia sido transformado em seu quarto.
- Lev e Yara estão ficando no meu antigo quarto, na casa. – explicou. – Eu só tenho uma cama, mas ela é de casal. Se você quiser uma própria, podemos conseguir, em alguns dias.
Abby lançou um olhar para a cama.
- Não me importo de dormir com você. – ela falou, o que deixou Ellie aliviada.
Além de preferir dormir com Abby do que sozinha, tirar sua cama de casal pra colocar duas de solteiro daria um trabalhão – que ela estaria disposta a fazer, se fosse o que Abby quisesse.
Ela continuou, apresentando seu quarto:
- Meu armário de roupas, tem espaço pra você colocar as suas, porque eu não tenho muitas roupas. Eu guardo armas ali no alto, sapatos aqui embaixo. Você quer tomar um banho? Ali é a porta do banheiro. É pequeno, mas tem água quente.
- Obrigada. - Abby a puxou para perto pela mão que ainda segurava.
Ellie não hesitou em abraçá-la, mãos cercando sua cintura com familiaridade.
- Não consigo acreditar que você tá realmente aqui. – confessou. Ter Abby em Jackson, em seu quarto, era tão irreal que levaria alguns dias para se convencer de que não estava sonhando.
- Nós conseguimos. – suspirou Abby com alivio, mãos acariciando suas costas.
- Sim, conseguimos. - Ellie suspirou, encostando suas testas. - Estou feliz de ter você aqui.
- Estou feliz de estar com você aqui. – confessou Abby. – Obrigada por não ter desistido de mim.
Ellie encarou os olhos azuis.
- Não vou desistir de você. Você é minha, Anderson. – ela declarou.
Abby deu um pequeno sorriso, antes de se afastar.
- Eu preciso de um banho.
- Okay. Vou arrumar uma roupa pra você.
- Só não do Joel. – implorou Abby, com uma careta.
Ellie hesitou.
- Minhas roupas não cabem em você.
Por mais que Abby tivesse perdido peso, ela ainda era maior do que ela e todas suas roupas eram apertadas em seu próprio corpo. Ellie já havia percebido que Abby detestava roupas apertadas, principalmente depois de Santa Bárbara.
- Posso conseguir alguma coisa do Owen… - Abby se calou diante do olhar de Ellie, percebendo que essa não era uma boa idéia.
- Eu prefiro que você não use a roupa do seu ex. – admitiu Ellie.
- Ah, eu vejo. – Abby sorriu com satisfação. – Você é ciumenta.
- Sim. – admitiu Ellie.
Abby a olhou de cima abaixo, com um olhar carregado de tensão que fez Ellie se sentir aquecida.
- Eu gosto. - ela falou, antes de virar e entrar no banheiro.
- Filha da puta gostosa. - resmungou Ellie, resistindo a vontade de segui-la.

Chapter 7: Primeiros Dias de uma nova vida

Summary:

Um capítulo bem Ellabby para nossa alegria.

Chapter Text

Ellie acordou com o som de batidas altas na porta. Por um momento ficou tensa, um pouco desorientada sobre onde estava, mas logo reconheceu seu quarto.
Estava deitada em sua cama, e o corpo de Abby estava grudado no seu como se estivesse tentando se fundir com ele. A sensação calorosa quase a fez dormir novamente, mas as batidas eram insistentes.
- Já vai! - Ellie gritou com voz rouca, o que fez sua tosse retornar.
Abby acordou assustada com seu grito, o que a fez se arrepender imediatamente.
- Shhh, tô aqui, é apenas eu baby. - sussurrou Ellie antes que ela tivesse a chance de lhe dar um soco.
Não seria a primeira vez que Abby acordava de um pesadelo de forma violenta. Receber um soco ou ser sufocada não era realmente o problema para Ellie, mas quando isso acontecia, Abby passava o dia se sentindo mal por isso.
Abby piscou atordoada algumas vezes, antes de reconhecê-la e visivelmente relaxar.
- Ah. Oi. – ela murmurou sonolenta. – Bom dia. Ou é boa noite?
- Não sei. Vamos descobrir.
Ellie saiu da cama no mesmo momento que novas batidas soaram na porta.
- Abby! - chamou uma voz familiar.
Isso fez Abby se desvencilhar dos lençóis e sair da cama.
Ellie ainda chegou na porta primeiro e a abriu.
- Olá pra você também, Lev. – cumprimentou.
Ele lhe ignorou, passando direto para ver Abby. Seus olhos ficaram chocados ao verem Abby, mas ele correu pra abraçá-la assim mesmo.
- Oi, garoto. - Abby o abraçou de volta, mostrando um de seus raros sorrisos.
- Ele claramente tem sua preferida. - bufou Ellie, observando-os com carinho.
- Você tá bem? - Lev perguntou, examinando Abby com preocupação. Da ultima vez que ele a viu, ela estava bem diferente.
- Sim, estou bem melhor agora. – garantiu Abby. – E você?
- Quem machucou você? – Lev perguntou, irritado e protetor.
- Eles estão mortos, Lev. Não se preocupe com isso. – pediu Abby.
Ele olhou para Ellie com raiva, então ela levantou as mãos de forma defensiva.
- Juro que não fui eu.
- Você poderia ter me dito que iria atrás dela. – acusou ele.
Ah, certo. Sobre isso era ela culpada.
- Sim, e a Abby me mataria se eu te levasse atrás de mim. Ela me pediu pra te manter seguro e Jackson é seguro. Reclame com ela. – respondeu Ellie, não se envergonhando de jogar Abby aos lobos.
Lev olhou para Abby, buscando a verdade.
- É verdade. – ela concordou. – Eu pedi pra ela te manter seguro.
- Eu queria ter ido. – insistiu Lev.
- Abby, eu vou dar uma olhada no Joel, okay? - avisou Ellie. Queria dar aos dois privacidade pra conversar e também queria falar com Joel, já que a conversa que tiveram fora muito breve.
- Tá bem. - concordou Abby. - Mas você deveria se vestir primeiro.
Ellie olhou pra si mesma e percebeu porque Lev estava evitando olhá-la. Ela estava usando apenas uma calcinha e uma camiseta.
- Certo. Eu não ia sair assim…
- Acho melhor não. Está congelando lá fora. - Lev falou.
Ellie se vestiu com roupas apropriadas antes de sair. Lev e Abby se sentaram na cama para conversar, se atualizando sobre tudo que aconteceu.
Ellie enviou um beijo pra Abby quando ela lhe olhou sobre o ombro de Lev e fechou a porta ao sair. Bateu na porta da casa, quando normalmente teria entrado direto. Depois de passar tanto tempo longe, sentia que era mais a casa de Joel do que a sua. Com a presença de Lev e Yara também, ela preferia bater antes de entrar.
Yara atendeu.
- Ellie. - ela sorriu ao vê-la. - Falei pro Lev não acordar vocês, mas ele é teimoso.
- Sem problemas, a Abby também estava ansiosa pra ver ele e você. Tudo bem por aqui?
- Sim. Joel está trabalhando lá em cima.
- Obrigada, Yara. Se você quiser dar uma olhada na Abby, ela também quer ver você.
Ellie subiu as escadas de forma ruidosa, pra que Joel soubesse que tinha companhia. Ele parecia concentrado em seu trabalho, mas levantou os olhos para ela.
- E aí? - cumprimentou Ellie. - Trouxe algo pra você.
Joel olhou para o diário e o pequeno pacote que ela colocou sobre a bancada.
- Obrigado. Seu violão está ali, mantive ele afinado.
- Obrigada. Estava com saudades de tocar.
Ellie pegou o violão, então sentou sobre um banco de madeira e dedilhou algumas notas.
- Acho que mal me lembro como tocar. - murmurou ela, mas tocou uma canção logo em seguida.
- Não dá pra esquecer. - comentou Joel, abrindo o pacote com cautela.
- Café. Consegui em Seattle. Imaginei que seu estoque estava acabando. – explicou Ellie.
- Obrigado. - agradeceu Joel, então deu uma olhada no diário. - Não é nada estranho, né?
Ellie corou. Joel uma vez, sem querer, viu seu diário de desenhos da Dina. Era uma ocasião que ambos gostariam de esquecer.
- É sobre a viagem. Coisas legais que vi. – respondeu ela.
Joel deu uma olhada nas primeiras páginas. Era principalmente sobre paisagens e lugares. Se ele entendeu o propósito, não falou nada. Ellie não disse nada também. Falar sobre o fato de Joel não poder viajar mais era um assunto que ela preferia não tocar.
- Está tudo bem? - Joel perguntou, sem tirar os olhos do diário. - Ouvi que vocês trouxeram mais crianças.
- Eram filhos dos Cicatrizes. A Abby conseguiu salvar algumas delas.
- Ela parece ter um ponto fraco por crianças. – observou Joel.
- Sim, ela adora.
- Maria disse que vai procurar pessoas para adotar as crianças, quando estiverem saudáveis. – comentou Joel.
Havia uma pergunta ali, em algum lugar.
Ellie riu.
- Eu sou muito nova pra adotar crianças. Você tá querendo netos? – brincou.
- Bem, você já me deu Lev e Yara. – Joel deu de ombros.
- Lev e Yara são os protegidos da Abby.
- Então? Mesma coisa.
Ellie achou melhor não discutir. Sim, ela protegeria aqueles que eram importantes pra Abby, mas não os via como filhos. Yara só era dois anos mais nova que ela e Lev cinco anos.
- Bem, eu não pretendo adotar crianças agora. – esclareceu Ellie, para não dar a Joel falsas esperanças. – Se a Abby quiser, eu não teria problemas, mas não está nos meus planos. Eu só tenho 17 anos.
Pensar em cuidar de alguém tão dependente dela na verdade lhe dava arrepios.
- Seu aniversário está chegando. – lembrou Joel.
- Sim? - Ellie estava meio perdida nas datas, com tantas viagens.
- Daqui a duas semanas.
- Ah, verdade.
- O que está planejando fazer?
- Bem, eu tô de castigo, não vou poder sair. Maria me colocou três meses de molho.
- Ela não está errada.
- Eu sei. Por isso não estou reclamando.
- E a Abby?
- O que tem ela?
- Ela vai querer ficar aqui?
- Aqui na casa ou aqui em Jackson?
- Ambos.
- Ela vai ficar. – Ellie respondeu, com mais certeza do que provavelmente deveria. Abby não lhe deu garantias, mas ela tinha esperança. – Ela cortou laços com a WLF em Seattle, então ela não tem um lugar pra voltar e os amigos delas estão aqui.
Joel assentiu.
- Ela é uma boa adição para Jackson. – ele comentou. – Considerando que eu estou fora de combate.
- Você, fora de combate? Duvido muito. – rebateu Ellie.
Joel balançou a cabeça, dando um tapa em sua perna amputada.
- Não estou voltando para as patrulhas. – ele admitiu.
- Eu sei. – ela murmurou.
Ellie imaginou que ele teve bastante tempo pra aceitar isso, então não tentou discutir ou adoçar a verdade.
- Então é bom que ela esteja aqui pra patrulhar com você. – disse ele. – Já que ela sabe do seu ‘problema’ com os infectados.
Ellie forçou uma risada.
- Não consigo imaginar ela patrulhando com Tommy. – falou.
Na verdade, conseguia imaginar, e seria uma bagunça.
- Eu prefiro que você não vá com Tommy. – Joel falou. Ele ainda estava claramente irritado com o irmão.
Não era a primeira briga deles, e não seria a ultima. Eles se resolveriam, Ellie sabia.
- Ele tem sido um pé no saco desde Seattle. – admitiu Ellie.
- Sim, se ele não respeita suas decisões, é melhor não confiar sua vida nele. – disse Joel. – A Abby parece ser boa com uma arma e com os punhos.
- Ela é. – concordou Ellie.
- Bom.
///
Jantar no refeitório comunitário era normalmente agradável. Ellie nunca foi muito sociável, então ela cumprimentou algumas poucas pessoas e entrou na fila para pegar comida. Abby, em suas costas, estava mais tranqüila do que ela esperava, talvez acostumada com uma rotina familiar na WLF.
Depois de receberem a comida, Ellie olhou ao redor. Normalmente sentava com Dina e Jessie, ou Joel, Maria e Tommy, mas viu o olhar de Abby para seus próprios amigos e seguiu naquela direção.
Mel, Nora, Manny e Owen estavam sentados numa mesa no canto, parecendo não muito enturmados, mas não completamente excluídos.
- Ei, Abs! - Manny a cumprimentou, afastando a cadeira ao seu lado para ela sentar.
- Olá. Como vocês estão? – perguntou Abby, sentando.
Não surpreendeu Ellie que ela quisesse checar pessoalmente como estavam seus amigos. Ela era leal assim.
Ellie sentou do outro lado de Manny, o ultimo lugar vago.
- Trabalhando loucamente. - Nora respondeu.
- Você foi quem trouxe o trabalho. - Mel comentou.
- As crianças estão bem? - Ellie perguntou.
- Vão sobreviver. – respondeu Nora de forma despreocupada.
- Ouvi dizer que vão colocar eles pra adoção. – comentou Ellie.
- Você tá interessada? - provocou Manny.
Abby a olhou, como se estivesse interessada na resposta. Ellie se arrependeu de ter tocado no assunto. Ela e Abby ainda não haviam conversado sobre isso – e sobre um monte de assuntos importantes, na verdade.
- Hmmm. Não. – Ellie respondeu imediatamente. – Algum de vocês já estão patrulhando?
- Não. Eles não confiam tanto em nós. - Owen respondeu, um tanto amargo.
- Acabamos de chegar, é claro que eles não confiam em nós. – Mel retrucou, então lançou um olhar desagradável pra Abby. – E graças á alguém, estamos na lista negra deles.
Ellie não sabia exatamente do que se tratava, mas estava á um segundo de abrir a boca pra perguntar qual era o problema dela com a Abby, porém Manny chegou primeiro:
- Se você não quisesse ter vindo atrás do Joel, era só não ter vindo. Ninguém te obrigou. – ele falou.
Isso silenciou o grupo. Ellie achou melhor não comentar, ao entender o assunto.
Eles comeram em silencio por um tempo, mas é claro que o amigo tagarela de Abby não agüentou por muito tempo.
- Então, vocês duas estão juntas? – Manny perguntou, olhando de Abby para Ellie com um olhar malicioso.
Ellie não teve nem tempo de pensar numa resposta ou engasgar.
- Sim. – Abby respondeu, continuando a comer como se não fosse nada.
- Espera. Sério? – Nora questionou, incrédula.
Ela não era a única cética. Owen, Manny e até Mel pareciam não acreditar.
Manny riu, quebrando a tensão.
- Você me deve uma, Abs. – ele falou, dando um soco no braço dela.
- Eu não. – retrucou Abby.
- Sim, eu apostei que você um dia pegaria garotas e você disse que não.
- Eu não pegava garotas na época.
- Você está pegando agora, então ainda é válido.
Ellie estava se divertindo assistindo Manny provocar Abby – ela já havia decidido que ele era o amigo mais legal de Abby – até que Owen abriu e boca e trouxe a tensão de volta:
- Vocês realmente estão juntas? – ele perguntou, claramente incomodado.
- Sim. – Abby respondeu com firmeza e sem hesitar.
- Namorando? – insistiu Owen.
- Pergunte á Ellie. – sugeriu Abby calmamente.
Ellie engasgou com a sopa. Ela não esperava ser questionada, mas não ia perder a oportunidade.
- Sim, ela é minha namorada. – falou antes que alguém perguntasse.
- Bem, meus parabéns então. – Manny parabenizou alegremente, então deu um tapa no ombro de Ellie. – Parabéns por conseguir tirar a Abby do armário e fazer ela quebrar o celibato.
- Obrigada, eu acho. – murmurou Ellie.
- Ela não estava exatamente em celibato. – Mel comentou, então o silencio estranho retornou á mesa.
Ellie achou melhor não perguntar qual era o problema dessa vez, pois não queria se estranhar com os amigos de Abby.
Depois do jantar, Ellie levou Abby para andar um pouco pela cidade. Havia muitas coisas que queria mostrar a ela, e queria aproveitar enquanto não estavam cheias de trabalho pra fazer. Maria com certeza não as deixaria de folga por muito tempo. Jackson estava sempre carente de mão de obra.
E por falar em mãos, Ellie estava incrivelmente satisfeita ao perceber como Abby gostava de andar de mãos dadas em qualquer lugar, sem se importar com quem estivesse olhando. Sua necessidade de contato e proximidade era claramente recíproca.
- Vou te mostrar algo que vai te deixar excitada. - disse Ellie maliciosamente.
- Você está vestida demais pra isso. – provocou Abby.
Ellie riu, antes de levar Abby através das portas de madeira de uma casa alta. Não havia nenhuma placa na entrada.
Os ruídos que ouviram vindo lá de dentro deixaram Abby levemente tensa, até ela ver o que havia na casa.
- E aí, excitada? - provocou Ellie.
Era uma academia. Provavelmente não tão boa quanto a da WLF, mas era funcional. Não era um lugar que Ellie costumava visitar muito, mas ela supôs que isso estava prestes a mudar, se o olhar admirado de Abby significasse algo.
- E aí, meninas. - Jesse cumprimentou. - Querem uma tour?
- Obrigada, Jesse, mas acho que a Abby já está familiarizada com tudo. – respondeu Ellie.
Abby a encarou, tentando e falhando em esconder a empolgação – como se Ellie tivesse lhe apresentado maconha ou algo igualmente viciante e não aparelhos velhos de ginástica.
- Eu posso usar? – ela perguntou.
- Se você quiser.
Assistir Abby malhar seria muito difícil para Ellie, mas ela estava disposta ao sacrifício. Estava claro pra ela que Abby sentia falta não apenas do seu antigo físico, pelo qual havia trabalhado muito, mas também sentia a necessidade de se exercitar.
Abby fez alguns alongamentos rápidos sob o olhar atento de Ellie, antes de seguir pra umas das máquinas.
- Me ajuda aqui, Ellie. – ela pediu.
- Eu não agüento muito peso. - avisou Ellie ao se aproximar.
- Vou pegar leve. - Abby respondeu.
- Certo. Não quero ver o que é você pegando pesado. - suspirou Ellie, se posicionando para segurar a barra de ferro enquanto Abby deitava no banco.
- Tem certeza? - ela perguntou, um pouco temerosa ao ver que Abby queria levantar quase 100 quilos.
- Sim. Eu agüento. – garantiu Abby.
Ela agüentou. Sua memória muscular provavelmente ajudou. Ellie ainda ficou tensa, com medo dela se esmagar sob a barra pesada, mas Abby completou a série que queria.
- Porra. Senti falta disso. - Abby suspirou. - Até que horas fica aberto aqui?
- Até às 23h.
- Bom.
Ellie suspirou, contendo um sorriso. Elas obviamente passariam bastante tempo ali, mas era satisfatório ver Abby recuperar um pouco o brilho dos olhos.
///
Ellie passou em casa pra dar boa noite pra Joel, o que acabou se transformando em uma conversa, então quando chegou em seu quarto, Abby já havia tomado banho e colocado sua roupa de dormir – calças e blusa largas.
Ellie trocou de roupa rápido e a seguiu para a cama. Então se arrependeu de não ter ido tomar banho - ela poderia ter aproveitado pra se masturbar no banheiro. Assistir Abby malhar tinha sido muito quente, e considerando o tempo que ela estava sem nenhuma ação sexy, foi o suficiente pra deixá-la agitada. Mas abraçar Abby na cama também era bom, então ela relaxou em seu peito, satisfeita quando Abby a cercou com seus braços.
- Você falou com a Nora? – perguntou, numa tentativa de ignorar o calor entre suas pernas.
- Sim. Ela disse que eu tenho uma infecção bacteriana e herpes. Vou tomar antibiótico por algum tempo. – respondeu Abby.
- Ah. Que merda. – suspirou Ellie.
- Bem, pelo menos não estou grávida.
Ellie congelou.
- Havia a chance de você estar grávida? – perguntou, alarmada.
Ela não havia considerado isso.
Abby riu baixinho, descansando o queixo em sua cabeça.
- Você entende como funciona o sexo hétero, né?
Ellie a empurrou, de leve.
- Eu sei sobre os pássaros e as abelhas. – brincou, tentando não deixar a conversa entrar numa área sombria. Falar sobre Santa Bárbara e suas conseqüências ainda era difícil pra ambas.
- Nora me pediu pra fazer um teste de gravidez, por precaução. Felizmente eu tinha um DIU, então isso me protegeu. – explicou Abby.
- Ah, entendo.
Abby a olhou, com um sorriso provocante e desconfiado.
- Você não entendeu, né?
- Não.
Ambas riram, então Abby lhe explicou exatamente o que era um DIU. Ellie não se lembrava de ter estudado isso na escola, ou se estudou não prestou atenção, imaginando que era algo que nunca precisaria.
Abby deslizou as mãos por seus braços enquanto falava, parecendo especialmente cativada pela cicatriz e sua marca de alma em seu braço direito.
Ellie tentou se distrair da excitação baixa em sua barriga, então se lembrou da cena no refeitório, mais cedo, que a havia deixado curiosa e confusa.
- Por quê a Mel não gosta de você? – perguntou.
- Por causa do Owen. - respondeu Abby sem hesitar.
- Mas vocês dois terminaram há dois anos. – Foi uma afirmação, mas também uma pergunta. Ela se lembrava claramente de Abby falando que eles terminaram quando ela tinha 19 anos.
- Sim, mas o Owen… Ele meio que não aceitou bem o término, e a Mel percebeu isso. E eu também fui uma filha da puta, então ela meio que tem o direito de estar chateada. – confessou Abby com calma.
- Sério? Tipo… - Ellie a olhou, surpresa e curiosa, mas muito hesitante pra sugerir o que ela estava pensando.
Abby desviou o olhar, envergonhada.
- Eu transei com ele quando ela estava grávida. – ela admitiu.
- Caralho. Eu definitivamente não esperava por isso. – Ellie se surpreendeu. Abby sempre lhe pareceu o tipo de garota ‘certinha’.
- Eu disse que não sou uma boa pessoa. - ela deu de ombros, tentando parecer indiferente e falhando.
Ellie preferiu não discutir como o fato dela estar tão claramente arrependida e envergonhada não lhe fazia uma má pessoa.
- Não vou te julgar, eu e a Dina tínhamos algumas recaídas quando ela estava namorando com o Jesse, mas ele meio que sabia e não tinha problema com isso.
Foi a vez de Abby ficar surpresa.
- Uau. – ela murmurou.
- Eu sei, é bem louco, eles queriam um relacionamento a três, só que eu não consegui. Jesse é muito legal, mas eu realmente não gosto de homens, e sou ciumenta demais pra assistir alguém fodendo a minha namorada.
- Eu também não gosto de dividir. – admitiu Abby, acariciando suas costas.
- Bom, pelo menos estamos de acordo nisso. Mas se você transou com o Owen quando a Mel tava grávida, isso foi… - Ellie hesitou, com medo de fazer suposições erradas.
Abby corou, desviando o olhar e parecendo ainda mais envergonhada.
- Antes de você chegar a Seattle. - ela confirmou.
- Você já sabia que eu era sua alma gêmea.
- Sim. Eu só pensei que… Nunca mais iria te encontrar. Foi estúpido. Owen disse que iria embora pra Santa Barbara, e eu…
- Transou pra fazer ele mudar de idéia? – supôs Ellie.
- Não. Era mais como sexo de despedida. Foi estúpido. - repetiu Abby, envergonhada.
- Você não precisa se desculpar. Não é como se estivéssemos juntas na época. - Ellie falou, mas algo em sua voz deve ter soado errado, porque Abby a olhou com preocupação.
- Eu não vou transar com ele de novo, Ellie. – ela garantiu com firmeza.
- Eu espero que não. Porque eu cortaria a porra do pau dele fora. - bufou Ellie, então a beijou possessivamente, parando apenas pra sussurrar: - Eu confio em você, Abby. Você é minha, porra.
Abby segurou seu queixo para beijá-la completamente. Ellie abriu a boca ao sentir sua língua entre seus lábios, e não conseguiu evitar gemer ao sentir a língua de Abby dentro de sua boca. Isso foi como derramar gasolina no fogo baixo que era sua excitação. Abby a beijou com paixão, carinho e mais do que um pouco de empolgação.
- Quer que eu te chupe? – Abby perguntou, mordendo seu lábio ao se afastar.
Ellie respirou fundo, tentando se acalmar.
- Não, eu sou muito fã de reciprocidade. – negou. – Se você me tocar, vou querer te tocar.
- E se você se tocar? - Abby sugeriu, não percebendo o quanto queria isso até dizer em voz alta. Não gostava de ver Ellie reprimindo seus desejos por causa dela, e já havia percebido que ela o fazia desde Santa Bárbara.
Ellie se ergueu sobre o cotovelo, encarando-a.
- Você quer assistir?
- Sim.
- Tem certeza? - perguntou Ellie, buscando algo em seus olhos.
- Sim.
Ellie mordeu o lábio, então levantou e empurrou uma cadeira sob a maçaneta da porta. Abby se sentiu aquecida ao vê-la retornar para a cama balançando os quadris numa calcinha que não escondia nada de suas pernas bonitas.
Ellie sorriu para ela, tirando a camiseta pela cabeça. Seus seios pálidos e alegres a cumprimentaram, mamilos endurecendo rapidamente pelo frio. A beleza deles quase a distraiu do que havia mais abaixo. Ainda havia hematomas em seu torso. Em seu abdômen, o ferimento que Abby havia costurado ainda estava cicatrizando.
Abby quase se arrependeu de ter sugerido isso. Quase, mas não se arrependeu, pois sabia o quão reprimida Ellie estava desde Santa Bárbara.
Ellie lambeu dois dedos, deixando-os molhados e então acariciou seu mamilo esquerdo. Ela fez o mesmo com a outra mão, então brincou com seus dois mamilos ao mesmo tempo, dando um show para Abby.
- Estou pensando em colocar um piercing. - comentou.
- Um o que?
- Tipo um brinco. No mamilo.
Abby estremeceu ao imaginar.
- Deve ser dolorido.
- Sim, mas é um dolorido agradável. - garantiu Ellie. - Como fazer uma tatuagem.
- Você não tem tatuagem.
Ellie lhe deu um sorriso malicioso.
- Tenho.
- Onde?
Ellie levantou o cabelo, mostrando sua nuca. Ela tinha uma tatuagem, quase na linha do cabelo. Uma pequena mariposa.
- Quero fazer outra.
- Onde?
- Estou pensando em fazer uma aqui. – ela acenou para o espaço entre seus seios. – Mas vai depender se vai te incomodar.
- Tatuagens não me incomodam.
Na verdade, Abby achava tatuagens bem sexy em Ellie. Combinava com ela.
- Não a tatuagem. O fato da minha ex tatuar meu peito. – provocou Ellie, soltando os mamilos para brincar com seus seios.
Abby ergueu uma sobrancelha, tirando os olhos das mãos talentosas de Ellie para encará-la.
- Dina é uma tatuadora?
Por algum motivo, isso era inesperado.
- Não. A Cat é uma tatuadora. E eu acho que você é ciumenta. – comentou Ellie com um sorriso provocador.
Ellie afastou as mãos de seus seios, revelando mamilos avermelhados, enquanto abaixava a calcinha. Abby perdeu imediatamente o fio da conversa quando ela virou as costas para Abby e se ajoelhou na cama, ficando de quatro e lhe dando uma visão desimpedida de sua boceta.
Abby gemeu. Seu corpo respondeu automaticamente, formigando de desejo ao ver como Ellie colocou dois dedos dentro de si e se fodeu, sons altos ecoando do atrito molhado com sua boceta.
Abby sentou na cama, sentindo sua boca encher de água.
- Ellie. Posso te chupar? – ela meio que pediu, implorou, esquecendo totalmente que o acordo era apenas observar Ellie se masturbar.
Ellie se virou pra ela, abrindo as pernas e estendendo uma mão.
- Vem cá, querida.
Abby não hesitou, se aproximando para ficar entre suas coxas abertas. Beijou a boca de Ellie, um beijo sedento e desesperado. Beijou seu pescoço, esterno e finalmente pegou um seio na boca. Porra, ela sentira tanta falta disso.
- Abby. - Ellie gemeu, dedos se movendo entre suas próprias pernas.
Abby acariciou seus quadris, sentindo seus movimentos ansiosos e desesperados enquanto chupava seu mamilo. Acariciou sua bunda macia e forte, com um toque carente que provavelmente deixaria marcas.
Ellie agarrou seu cabelo, puxou sua boca para a dela e gemeu no meio do beijo.
- Quero que você me foda. – ela exigiu, pegando sua mão e guiando para o meio de suas pernas.
Abby não hesitou, guiando seus dedos para dentro dela, onde ela estava molhada e carente. Gemeu ao sentir o calor e suavidade de Ellie, a fome dela em sugar seus dedos. Foder ela ainda era tão natural como respirar, tão certo e tão incrível. Deixava Abby se sentindo toda quente e excitada.
- Porra, Abby! Sim, assim, tão boa, caralho, vou gozar... – Ellie choramingou em seu pescoço.
Abby agradeceu por estarem tão distante da casa. Amava ouvir o quão alta e desinibida Ellie podia ficar na hora do sexo.
Ela a fodeu com força até a conclusão. Sua mão e braço doeram, desacostumados com tantos movimentos, mas Abby não parou até ver Ellie tremer e gemer alto.
Ellie gozou em seus dedos, gemendo em sua boca. Abby a acariciou até o final, aproveitando para beijar sua boca aberta e carente.
Sorriu satisfeita ao puxar seus dedos molhados.
- Isso foi rápido. – ela observou com malícia.
- Você me fez passar o maior período de seca da minha vida. - comentou Ellie, caindo nos lençóis com a respiração acelerada.
Ela não pediu para tocar em Abby, o que foi um alívio. Simplesmente a puxou para deitar com ela.
- O que, seis meses? – zombou Abby.
- Sim. A única coisa que me salvou foram seus desenhos.
- Você se masturbou com eles? – perguntou Abby, intrigada e surpresa.
- Óbvio. Você estava muito longe e eu só tinha minha mão e minha imaginação. Isso te incomoda?
- Não.
Abby se sentia lisonjeada, na verdade, que alguém tão sexy e quente como Ellie estivesse se masturbando pensando nela. O calor em seu corpo aumentou, mas ela não queria fazer nada sobre isso.
- Você não se masturbou nenhuma vez pensando em mim? – questionou Ellie, curiosa e soando um pouco ofendida.
- Eu fui pra guerra com os Cicatrizes no dia que você saiu. De lá, fugimos e encontramos os Rattlers. Não tive oportunidade.
- E antes disso?
- Não.
- Você nunca se masturbou pensando em mim ou nunca se masturbou?
Abby se sentiu corar. Essa era uma das conversas mais constrangedoras da sua vida, talvez mais do que admitir que havia fodido Owen.
- Não costumo me masturbar. - admitiu.
Não era uma coisa que achasse particularmente prazerosa ou eficiente.
- Mas você sabe fazer isso? - questionou Ellie, interessada.
- Sim.
- Quer me mostrar? - soou como uma sugestão, mas também como um pedido.
Abby corou ao perceber que Ellie queria ver isso. Ela estava excitada, era impossível não estar depois do show que Ellie lhe deu, e podia se sentir molhada, mas não estava exatamente no clima para sexo. Embora seu corpo estivesse totalmente no clima, sua mente estava muito ferrada depois de Santa Bárbara.
- Só se você quiser. – Ellie acrescentou, como se sentisse sua hesitação.
- Eu não vou tirar a roupa. – avisou Abby.
- Tudo bem.
Abby se viu colocando uma mão entre suas pernas e se esfregando sob a calça e calcinha. Era constrangedor o quanto estava molhada sob seus dedos apenas de observar e foder Ellie.
Ela sabia se tocar. O problema era sua mente prática; ela não conseguia ser tão criativa ou imaginativa a ponto de fantasiar qualquer coisa, então sempre acabava se distraindo com alguma coisa e perdendo a vontade antes da conclusão.
Ellie mordeu o lábio, encarando sua boca, como se estivesse se controlando para não tocá-la.
- Me deixe olhar pra você. – Abby suplicou, e Ellie felizmente entendeu e atendeu prontamente, abrindo as pernas e começando a se tocar lentamente, totalmente visível.
Abby gemeu, acompanhando seu ritmo. Ellie percebeu e manteve o ritmo lento, até que Abby gemeu:
- Mais rápido.
Então Ellie deslizou seus dedos para dentro de si e se fodeu com força, e Abby a acompanhou, como se estivessem fazendo isso juntas.
O prazer se construiu lentamente, vendo como Ellie estava excitada, gemendo e desesperada por isso.
- Abby, porra, vou gozar.
- Você está tão fodidamente sensível. - observou Abby.
- Querida, por favor, goza pra mim - Ellie implorou e isso a levou ao ápice.
Foi bom. Não tão satisfatório como seria se fosse Ellie lhe tocando, mas Abby ainda gozou pela primeira vez em meses. Mal tinha terminado antes de colocar a boca em Ellie e ajudá-la a chegar até o final.
O gosto dela em sua boca era incrível. Ellie gemeu alto e desavergonhada enquanto tentava ficar quieta sob ela, mas sem ter muito resultado.
Ela gozou em sua boca e em seus dedos, e Abby respirou aliviada ao perceber que sim, foder Ellie ainda era sua coisa favorita no mundo.
Ela não estava tão quebrada que não pudesse se sentir bem com a mulher que amava.
Ellie a olhou com olhos atordoados de prazer, mas também preocupação.
- Tudo bem? – ela perguntou.
Abby a abraçou antes de responder:
- Sim, tudo bem.

Chapter 8: Três meses depois

Summary:

Volteiii pra cumprir minha promessa de nunca mais deixar uma fanfic sem concluir.
A inspiração correu de mim, mas eu corri atrás dela kk.

Chapter Text

Ellie acordou com uma sensação calorosa por todo o corpo.
Abby estava adormecida ao seu lado, resmungando algo ininteligível.
Ellie conhecia todos os seus pequenos ruídos sonâmbulos. Os resmungos que significavam que ela passaria o dia com um olhar assombrado, e os resmungos que significavam algo bom.
Esse era um bom gemido.
Ellie sorriu. Ela adorava assistir Abby acordar, vê-la passar do estado relaxado para tensa e alerta, então relaxar novamente ao perceber que estava segura e sorrir ao ver Ellie.
- Bom dia, querida.
- Bom dia.
Abby procurou sua boca, lhe dando um beijo suave. A forma favorita de Ellie começar o dia.
- Vamos lá, é a nossa primeira patrulha. - Ellie falou, empolgada.
Abby riu, reproduzindo um dos sons favoritos de Ellie.
- Estamos animadas, hmmm? – ela provocou.
- Sim. Quero te mostrar minhas rotas favoritas.
- Estou vendo a minha rota favorita. - provocou Abby, olhando maliciosamente para seu corpo nu.
Ellie se levantou da cama com um largo sorriso, sem se intimidar. Gostava do olhar de Abby sobre ela.
- Sim, então levanta porque eu quero te mostrar todos os melhores lugares pra transar por aqui. – provocou Ellie, indo para o armário pegar sua roupa.
- Meu Deus. Você é insaciável. - comentou Abby, mas não soou como uma reclamação.
Ela se levantou, se espreguiçando. Isso, é claro, distraiu Ellie. Abby estava lentamente recuperando sua força física e seus músculos, graças aos dias e noites que ela passava malhando na academia, sendo assistida e animada pela namorada. Ela havia dormido de sutiã e calcinha, e era uma visão deliciosa. Ellie quase se arrependeu de ter saído da cama tão rápido.
- Vê algo que gosta? - Abby provocou, percebendo seu olhar sedento.
- Sim, tudo. - respondeu Ellie, antes de enfiar uma camisa pela cabeça.
- Você poderia colocar um sutiã. – observou Abby.
- Não, eu gosto de ver você se distraindo com meus mamilos. – provocou Ellie maliciosamente.
Abby a puxou para um beijo mais sensual e carente. Ellie aproveitou para aprofundar as mãos nos cabelos dela, beijando sua boca com força. Manter as mãos e boca longe de Abby era sempre um desafio.
O cabelo dela havia crescido um pouco, mas ainda estava numa fase que não dava para trançar. Ellie amava passar a mão sobre ele, durante o beijo ou num cafuné - ou segurar com força quando Abby estava lhe fazendo revirar os olhos de prazer.
Passar três meses sem patrulhar não havia sido nada mal, aproveitando seu tempo junto com Abby entre tarefas dentro dos muros de Jackson. Maria também não a liberou para a patrulha, pois ela teve que tratar algumas infecções e problemas de saúde – e ela estava passando pelo ‘teste de confiança’ de Maria. O fato dela ser aprovada ao mesmo tempo que Ellie voltava á patrulha era, segundo Abby, a prova de que Maria tinha um ponto fraco por Ellie.
Hoje seria a primeira patrulha de ambas.
- Vamos lá. - Ellie falou, se forçando a se afastar de Abby e de seu abraço firme.
Abby vestiu sua própria roupa, uma calça folgada, uma camiseta larga e botas, enquanto Ellie tentava ajeitar o cabelo na frente do espelho. Penteou o cabelo e amarrou uma parte para não interferir em sua visão. Ela gostava de se arrumar para Abby - ignorando o fato de que ela já havia a visto em seus piores momentos - mas havia um limite no quão bonita ela podia estar numa patrulha.
- Pronta? - perguntou, lançando um olhar para Abby.
A outra mulher estava tentando pentear o cabelo com o pente preto que pertencia a Ellie, mas sua expressão frustrada revelava que não estava tendo muito sucesso.
- Vem cá. - Ellie pediu, estendendo a mão para pegar o pente.
- Estamos atrasadas. - Abby comentou, mas se submeteu a sentar na cadeira para Ellie ajeitar seu cabelo.
Era uma coisa que ambas gostavam. Ellie mal podia esperar para que o cabelo de Abby crescesse e pudesse trançá-lo ou mesmo vê-lo solto.
Os fios estavam muitos mais escuros agora, do que eles eram antigamente. Ellie estava seriamente pensando em procurar tinta em alguma farmácia para que Abby não parecesse tão insatisfeita ao se ver no espelho.
- Pronto. - a ruiva anunciou, então virou o rosto de Abby para si e lhe deu um beijo. - Gatinha.
Abby se ergueu revirando os olhos, mas Ellie podia ver o canto de sua boca se contorcendo num sorriso mal disfarçado.
Pegaram suas armas e saíram.
Ellie segurou a mão dela a caminho da porta de casa. O simples ato de poder segurar a mão de Abby num ambiente seguro era um sentimento inebriante a qual ainda não estava acostumada.
Ellie bateu na porta três vezes e Lev atendeu, parecendo impaciente.
- Estamos atrasados. - anunciou, com seu mal humor adolescente costumeiro.
- Bom dia, Lev. - Abby passou a mão na cabeça dele de forma carinhosa.
Se Ellie era o ponto fraco de Maria, Lev era o ponto fraco de Abby.
- Bom dia, Yara. - cumprimentou Ellie ao vê-la na cozinha.
- Bom dia, Ellie.
Joel estava sentado à mesa, tomando seu café matinal, com uma aparência bastante saudável.
- Bom dia velho. - Ellie cumprimentou, procurando uma xícara no armário.
- Bom dia. Voltando a ativa? - Joel respondeu.
- Sim.
- Vai patrulhar com quem?
- Abby. Vamos fazer os percursos menores. - respondeu Ellie, enquanto derramava leite num copo e café numa xícara.
- Bom. Tome cuidado lá fora.
- Eu sempre tomo. - disse Ellie com um sorriso provocante. - O que vai fazer hoje?
- Reparo de armas. Yara vai me ajudar. Ela é boa nisso.
- Legal. - Ellie tomou o leite num gole só. - Quer ver um filme mais tarde?
- Se você quiser.
- Às 20h?
- Okay.
- Já vou. Bom trabalho pra vocês. Até mais tarde.
Abby a esperava do lado de fora. Ela nunca entrava na casa, mesmo se Joel não estivesse lá. Ellie nunca pediu que o fizesse.
Ellie lhe entregou a xícara de café. Abby fez uma careta, mas aceitou, sabendo que não teriam tempo de passar no refeitório comunitário.
- E aí garoto, pronto pra aula? - Ellie provocou Lev bagunçando o cabelo dele, que havia crescido bastante.
Ele lhe deu um tapa na mão, como esperado.
- O que vocês estavam fazendo que se atrasaram tanto? - retrucou ele.
Ellie estendeu uma mão para Abby, a qual ela agarrou, enquanto segurava Lev com a outra.
- Você quer saber em detalhes? - provocou Ellie com um sorriso malicioso.
Elas haviam ido dormir bastante tarde, perdidas no calor e no prazer de estarem juntas. Como na maioria das noites.
- Ei, não corrompa o Lev com suas perversidades. - Abby falou, lhe lançando um olhar repreensivo e brincalhão.
- Minhas perversidades ou nossas perversidades? - brincou Ellie.
- Eu já tenho 14 anos. Não sou uma criança. - Lev argumentou.
- Eu sei. - Abby falou.
- Eu poderia ir patrulhar também.
- Essa não é uma discussão que você vai vencer, Lev. Maria pode ser muito difícil de convencer. - disse Ellie.
Algumas pessoas os cumprimentaram na rua. A maioria dos cidadãos de Jackson, inocentes sobre quem era Abby e seus amigos de Seattle, não tiveram nenhuma dificuldade ou preconceito em aceita-los como parte da comunidade. Ainda mais trazendo Mel e Nora, acrescentando mais médicos a comunidade. Para a maioria das pessoas, eles eram um acréscimo valoroso a comunidade.
Para Ellie, porém, era muito mais. O fato de Abby estar se adaptando a Jackson era algo incrível.
Deixaram Lev na escola primeiro, então foram para o estábulo.
Ellie selou seu cavalo, Abby o dela, e saíram pelos portões principais de Jackson, junto com outras patrulhas.
- Ah, finalmente liberdade. - suspirou Ellie.
Abby estava cautelosa ao seu lado. Era sua primeira vez do lado de fora, desde que se estabelecera em Jackson, e ela sabia da quantidade de infectados que havia. Vira algumas pessoas chegar da patrulha ferida – bem menos do que em Seattle, mas ainda o suficiente pra lhe deixar cautelosa.
Ellie guiou seu cavalo e ela a seguiu, aproveitando para admirar como Ellie tinha uma postura invejável sobre seu cavalo. Apesar de amar os cavalos, Abby ainda não tinha muita habilidade em guiá-los. As aulas no estábulo só a levaram até certo ponto. Ela precisava da experiência real.
Ellie direcionou seu cavalo por entre as árvores, com confiança e empolgação.
- Você consegue senti-los? - Abby perguntou com curiosidade.
- Sim. Vamos caçar uns infectados primeiro, depois eu te mostro algumas coisas legais.
Abby não discutiu, seguindo-a. Quando se tratava de infectados, Ellie era a especialista. Como Maria havia lhe dito, “deixe os infectados com Ellie. Se concentre em caçadores ou viajantes”.
- Corredores e Estaladores. – avaliou Ellie quando chegaram próximo á alguns edifícios abandonados.
- Você consegue sentir todos os tipos de Infectados?
- Sim, exceto esporos. Quer ver uma coisa legal? – Ellie perguntou.
Abby avaliou seu sorriso com um pouco de receio. Não era nenhum segredo pra ela o quão impulsiva Ellie era.
- Agora? – questionou, pois podia escutar o ruído dos infectados e só queria seguir o protocolo e eliminar a ameaça rapidamente, sem nenhuma distração. Brincar durante a missão era mais uma coisa de Manny.
- Sim. Prepare sua arma. - avisou Ellie, parecendo divertida.
Abby ficou tensa, mas confiava em Ellie. Ela preparou sua arma e focou, mas ainda assim viu pelo canto do olho quando Ellie mordeu a mão.
- Ellie! – ela protestou.
O primeiro tiro da arma de Ellie a distraiu. Os infectados vieram correndo para elas, então Abby focou em atirar neles o mais rápido possível. “Economizar munição e fazer um trabalho rápido”, as palavras de Maria ecoaram em sua cabeça. Seu treinamento em Jackson valeu a pena; ela não errou nenhum tiro. Não estava tão enferrujada como pensara.
Ellie riu, divertida como se estivesse no meio de um passeio.
- Okay, eram apenas cinco. – disse ela.
- O que diabos foi isso? – perguntou Abby, um pouco irritada.
- Eles também conseguem me sentir. Se eu me machucar, eles correm pra me ‘socorrer’. – explicou Ellie, trazendo uma lembrança desagradável á Abby; de uma garota ruiva mordendo a própria mão no banco de um carro.
- Foi isso que você fez pra tentar salvar Joel. – lembrou Abby.
- Sim. Mas também tem o lado ruim, que é se eu me machucar sem querer perto dos infectados, eles me perseguem. Não é um problema se eu estiver sozinha, pois eles não me atacam, mas se tiver alguém comigo, pode ficar perigoso. É por isso que eu geralmente só saio pra patrulhar com Tommy e Joel.
E, no entanto, Maria havia confiado em Abby para patrulhar com Ellie. Sozinhas. Era um nível de confiança um tanto lisonjeiro, que ela pretendia honrar - não só porque, de alguma forma, parecia importante ser bem vista pela família de Ellie, como pelo seu interesse pessoal no bem estar de Ellie.
Mas Ellie não facilitava muito isso.
- Entendi, mas você poderia ter me contado sem se morder. - reclamou Abby - Me deixe ver sua mão.
- Não machuquei muito.
Abby balançou a cabeça ao ver a marca da mordida.
- Não faça mais isso, porra.
///
- Você pode abrir os olhos agora. - Ellie anunciou, o que Abby prontamente fez.
Confiar em alguém o suficiente para cavalgar de olhos fechados. Ela se perguntou até que ponto ela ainda chegaria, por Ellie. Confiar nela parecia inevitável.
A visão diante de seus olhos valeu a pena, no entanto. Elas estavam no alto de uma colina, e de lá podia ver a maior parte de Jackson, mas não o acampamento, e sim a natureza. Florestas, montanhas, o por do sol brilhando sobre a última neve que derretia.
- É bonito. - admitiu Abby. - Entendo porque é o seu lugar favorito.
- Sim, fica ainda mais bonito no verão. - respondeu Ellie, saltando do cavalo.
Abby avaliou os arredores antes de fazer o mesmo.
- Não é perigoso sermos vistos aqui em cima? - questionou.
Ellie sorriu, enquanto tirava a mochila das costas.
- Relaxe, comandante. Estamos protegidos pelas árvores.
Não exatamente , avaliou Abby, mas preferiu não discutir, vendo como Ellie se sentava sob uma árvore e começava a tirar coisas da mochila. Sanduíches. Garrafas.
- Quando você teve tempo de fazer isso? - questionou Abby, se aproximando para amarrar os cavalos.
- Não amarre demais, caso precisemos sair rápido. - aconselhou Ellie, o que demonstrou que ela não era totalmente despreocupada em relação á segurança. - Deixei na geladeira do Joel ontem.
Abby terminou de amarrar os cavalos e sentou de frente pra ela, de modo que conseguisse cuidar das costas de Ellie e ela da sua. Deixou as armas ao seu lado, assim como Ellie fizera. Não havia motivos pra se descuidar apenas porque parecia um bom dia.
Ellie lhe estendeu um sanduíche.
- Nada muito extravagante. - avisou ela.
- Obrigada. - Abby agradeceu.
- Cerveja ou café? - perguntou Ellie.
- Café.
- Você é tão…
- O que?
- Parecida com alguém que conheço.
Ela não precisou dizer mais nada. Abby entendeu, mas preferiu tomar seu café em silêncio.
Ellie estendeu as pernas, apoiando os pés em seu colo. Abby bufou, antes de remover os sapatos dela, deixando seus pés apenas com as meias. Ellie sorriu enquanto comia.
- Todas as patrulhas são assim? – Abby questionou.
- Românticas? Não. Estou fazendo o ‘especial Ellie’ só pra você. – provocou Ellie, cutucando sua barriga com o pé.
Abby não conseguiu evitar o sorriso.
- Eu quis dizer tranqüila.
- Normalmente sim. - respondeu Ellie. – Maria lhe deu quantas patrulhas por semana?
- Três.
- Você vai patrulhar uma sem mim, então. Ela só me deu dois dias de patrulha, por enquanto.
- Você deve ser muito necessária no estábulo. – brincou Abby.
- Haha, foda-se. Minha melhor habilidade é caçar infectados.
Ellie terminou sua bebida, então usou seus pés para se esgueirar para o colo de Abby, o que lhe causou um mini curto circuito. Não sabia se conseguiria rejeitar Ellie, ainda mais quando ela estava tão perto, bonita e sorridente. Sua dificuldade em dizer não para Ellie definitivamente era um problema que crescia como o Cordyceps, cada dia mais. Não era realmente sua culpa. Ellie era muito convincente quando queria algo.
Ellie levou as mãos de seu pescoço até seu rosto, então acariciou suas bochechas. Abby sentiu sua respiração acelerar com a proximidade.
Ellie acariciou seu cabelo, então de volta para sua nuca. Então lhe deu um beijo rápido.
- Vamos lá, matar mais alguns infectados e chegar ao posto de controle.
Abby estava trêmula quando ela saiu de seu colo.
///
- Você assina aqui. - Ellie explicou, lhe mostrando o livro velho sobre uma mesa igualmente velha.
Ao lado do nome de Ellie, Abby assinou o seu. Então reparou em Ellie removendo as luvas e casaco.
- O quê? - perguntou Abby, engolindo em seco.
Sua mente estava indo pra sarjeta rápido demais e a culpada disso? A ruiva sacana na sua frente.
- Tem algumas coisas legais aqui. - respondeu Ellie, com um sorriso malicioso.
- Tipo o que?
- Maconha. Já fumou?
- Não. Não é uma boa idéia, estamos em serviço.
Ellie sorriu mais largo, como se ela tivesse dito alto engraçado.
- Você é tão…
- O que? - perguntou Abby defensivamente. Não, ela não era muito descolada. Nunca fora. Beber, fumar e se drogar não eram exatamente sua idéia de diversão.
- Sensata e certinha. Me deixa ansiosa pra corrompe-la. - provocou Ellie, lhe lançando um olhar provocante de cima a baixo.
Abby engoliu em seco, se sentindo aquecida. Era vergonhoso o quão rápido Ellie a fazia se excitar, precisando de apenas alguns olhares e palavras. Era uma fraqueza contra a qual não tinha defesas.
- Se você quiser fumar, vou ficar de olho. - falou, numa tentativa de não acabar com os planos de Ellie.
- Não. Tem algo muito mais divertido aqui. - declarou Ellie, se aproximando.
Abby recebeu seu beijo com satisfação. Estava ansiando por isso o dia todo.
- Ellie. - ela suspirou em sua boca, toda carente e excitada, suas mãos agarrando a cintura magra dela.
Ellie amava deixá-la assim. Colocou as mãos sob a blusa de Abby, acariciando seus abdominais firmes.
- Tudo bem? - perguntou.
- Sim, por favor.
Ellie a beijou com mais intensidade, enquanto subia sua blusa. Tirou a camiseta de Abby com a facilidade de quem praticara inúmeras vezes, então afastou o sutiã preto para pegar um mamilo na boca.
- Porra, Abby. Seus peitos perfeitos do caralho. - gemeu.
Ellie amava os peitos de Abby e nunca se cansava de falar sobre isso - ou sobre cada coisa que amava nela.
Ela adorou o pequeno inchaço suave com carinho, fome e desejo. Era uma das poucas partes macias de Abby, e era incrivelmente perfeito em sua boca.
- Ellie. - Abby suspirou, tirando seu próprio sutiã, deixando seus seios livres para a boca e mãos de Ellie, que aproveitou a nova liberdade para segurar o outro em sua mão.
Ela se afastou o suficiente para admirar sua obra de arte - como o seio de Abby ficara vermelho e brilhante de sua boca, o mamilo duro e pontudo, implorando pra ser chupado.
- Ah, tão bonita, porra. - Ellie elogiou, beijando uma trilha no vale entre seus seios. - Quero te comer, sim ou não baby?
- Sim. - Abby gemeu.
Ellie abriu sua calça com uma mão, deslizando ela por suas pernas em seguida, enquanto a outra estimulava o seio. Ela era boa em tirar as roupas de Abby.
Ellie a empurrou para sentar no sofá, então se colocou ajoelhada entre suas pernas, com um olhar faminto familiar que nunca deixava de ser lisonjeiro. Ellie a desejava sem reservas, e isso era muito excitante.
- Puta merda, Abby. Toda molhada pra mim, gatinha. - disse Ellie, com admiração na voz que deixou Abby mais quente do que envergonhada.
Ellie a adorava molhada, e não havia nada pra se envernizar sobre isso.
Ellie a lambeu de baixo até em cima, recolhendo seus fluídos na língua e provando-a.
Abby gemeu, jogando a cabeça para trás ao ver sua expressão satisfeita - como se tivesse provado sua coisa favorita no mundo. Sim, Ellie a fazia se sentir como se ela fosse a mais desejável no mundo inteiro, então é óbvio que ela estava escorrendo entre suas pernas com apenas um olhar ou beijo.
- Segura essas pernas abertas pra mim, bebe. Quero te comer até você esguichar na minha boca. - pediu Ellie, beijando sua coxa.
- Porra, Ellie! - Abby gemeu alto, obedecendo imediatamente, mãos trêmulas enquanto puxava suas coxas mais alto.
- Boa garota. - Ellie beijou sua entrada. - Se contorcendo toda pra mim.
Abby perdeu a capacidade de responder ou falar pelos próximos minutos. Seus gemidos soaram muito altos e desesperados, mas estava fora de si o suficiente pra não se importar.
Ellie sempre a comia como se fosse sua fruta favorita ou algo do tipo. A lambia, chupava, beijava e deixava Abby desesperada de tesão, tremendo tanto que ela precisava de um momento para se mexer depois.
- Me fode. - Abby implorou.
- Sua boceta faminta quer algo pra apertar? - Ellie provocou.
- Por favor.
Ellie deslizou dois dedos pra dentro dela. Ela nunca foi de negar nada que Abby lhe pedisse.
Seu corpo aceitou os dedos de Ellie facilmente - tão molhado e familiarizado com eles. Ellie encontrou seu lugar de prazer com uma precisão assustadora.
Abby gemeu com as estocadas e lambidas, choramingou e gozou em sua boca. Ellie a chupou até a conclusão e então a lambeu até se sentir satisfeita.
- Boa garota. Tão boa pra mim, Abby. - elogiou, sabendo o quanto Abby amava ser elogiada.
Ela estava toda corada quando a puxou para um beijo.
- Quero te fazer se sentir bem. - Abby suspirou em sua boca.
- Você fez, querida. - garantiu Ellie.
- Ellie. Tira a roupa, porra.
Ellie obedeceu com uma risadinha. Abby teria revirado os olhos, se não estivesse distraída com a visão à sua frente.
Ellie era bonita, é claro que ela sabia disso. Mas isso não a impedia de ficar sem fôlego toda vez que a via em toda sua glória nua.
Ela havia ganhado algum peso e músculos, acompanhando Abby na musculação. Sua pele clara estava sempre cheia de novas sardas, que Abby adorava olhar - e tocar.
Abby se sentiu sem fôlego ao admira-la desde sua clavícula sardenta, seus seios pálidos e macios, a curva de sua cintura, a maciez de sua barriga, a curva do quadril e o vale entre suas pernas.
Ganância deveria ser algo ruim, mas quando ela via Ellie, se sentia gananciosa da melhor maneira possível.
- Aquele desenho que você fez… - Abby murmurou.
- Qual deles?
- Que você me chupava, enquanto eu chupava você.
- Ah. - os olhos de Ellie brilharam com reconhecimento e desejo. - Você quer?
- Sim.
- Deixa eu me deitar então. Você fica por cima.
Abby teve alguns flashbacks ruins nas primeiras vezes que Ellie subiu em cima dela, então preferia evitar. No recomeço da intimidade física delas, ela sempre deixava Abby por cima.
- Eu sou pesada. - Abby protestou.
- Querida, você está grande, mas não tão grande assim. E mesmo se estivesse, eu ia gostar de ter você em cima de mim. - disse Ellie, lhe dando uma piscadela.
Ellie deitou no sofá, então Abby subiu nela com cautela.
Ellie suspirou ao ter uma imagem traseira de Abby: seus ombros musculosos e sardentos, suas costas pálidas e marcadas, sua cintura forte, sua bunda. Suas mãos foram imediatamente tocar, acariciando de sua cintura até a curva de seus seios.
Abby se acomodou em cima dela, pernas abertas apoiadas em seus ombros lhe dando uma visão deliciosa de sua bunda e vulva.
Ela nunca fodeu Abby por trás - anal - porque ela teve uma péssima experiência com os Rattlers. Ela deixou bem claro que não queria tentar nunca mais, e Ellie jamais tentou fazê-la mudar de idéia. Isso não a impedia de admirar o quão bonita era a bunda dela.
Abby se deitou sobre ela, mãos fortes abrindo suas coxas. Suas próprias pernas se abriram, revelando seu núcleo molhado.
Ellie gemeu. Abby tinha uma boceta fabulosa. Umas das coisas que ela amava sobre bocetas é que elas eram únicas e diferentes, cada uma com sua própria beleza individual. A de Abby tinha lábios gordos que não conseguiam esconder seus lábios menores, porque eles eram grandes, perfeitos pra chupar. Seu clitóris normalmente estava inchado demais pra se esconder sob o capuz, e era sempre uma visão de dar água na boca.
Ellie a lambeu cuidadosamente, aproveitando como ela estava escorregadia sob sua língua, antes de circular seu clitóris e começar a estimulá-lo com lambidas rítmicas.
Abby gemeu, quadris se empurrando contra sua boca, então encontrou seu caminho para sua boceta. Ellie gemeu ao sentir o calor da boca dela em seu lugar mais sensível.
Perfeito.
Ela segurou a bunda de Abby enquanto a comia.
Chupou Abby com fome e ganância, estimulada por seu próprio prazer. A boca de Abby entre suas pernas se sentia boa demais. Essa troca, essa intimidade de dar e receber prazer, era algo incrível que ambas haviam perdido muito.
- Ellie, me fode. - Abby pediu.
Ellie colocou dois dedos dentro dela. Abby gostava de gozar se sentindo preenchida, diferente de Ellie que as vezes preferia gozar apenas do seu clitóris.
Abby gozou primeiro, e não foi uma pequena explosão, foi um pequeno riacho.
Ellie riu baixinho. Ela amava quando conseguia fazer Abby esguichar - e não por causa de ego, mas porque sabia o quão confortável ela precisava se sentir pra se liberar assim. Demorou semanas até ela descobrir que podia fazer isso, até superar todas suas inseguranças, traumas, timidez e nervosismo ao se permitir ficar tão vulnerável com Ellie.
Abby choramingou, sensível, então Ellie acariciou suas coxas numa tentativa de acalmá-la. Sua própria boceta latejando era mais difícil de acalmar. Ela estava muito excitada pela visão de Abby, seus cheiros, seus sons e gemidos.
Abby se recuperou rápido, puxou Ellie para seu colo, abriu suas pernas e a fodeu com dois dedos.
- Porra. Abby!
O braço em sua cintura a impediu de se mover, então ela não podia ditar o ritmo, apenas pegar o que Abby lhe dava. E ela amava isso - ser segurada, ser fodida com força, ficar à mercê.
Gemeu no pescoço de Abby, aproveitando pra beijar e deixar marcas em sua garganta. Abby acariciou seus seios com ternura, então beliscou o mamilo duro o suficiente pra doer.
- Ah, porra. - Ellie se contorceu.
Ela não sabia se foi bom ou ruim Abby ter percebido tão rápido que ela gostava da dor - bom, seu corpo cantou; definitivamente bom.
Ser fodida com ternura era definitivamente bom, mas Ellie gostava mais áspero quando estava sendo fodida. E, bom, Abby sabia fazer doer sem necessariamente machucar como uma especialista.
Abby puxou seu cabelo, então beijou sua boca. Mordeu seu lábio e passou as unhas curtas sobre seus mamilos.
- Porra, vou gozar! Abby, vou gozar!
Abby não deu trégua. A fodeu em seus dedos grossos até ela gozar, choramingando.
- Caralho. - Ellie estremeceu, desabando suada no peito da namorada. - Você quer me matar, porra?
Abby acariciou seus seios com ternura, acalmando os arranhões avermelhados, e beijou seu pescoço suado.
- Você podia ter me dito pra parar.
- Não sou louca.
Abby riu em seu pescoço, então sussurrou com uma voz pecaminosa:
- Se fode na minha coxa.
- Porra.
Ellie obedeceu. Sim, ela amava quando Abby ficava toda mandona e exigente, assim como amava quando ela era toda carente e doce. Era um contraste incrível.
Ellie se esfregou em sua coxa, ajudada por seus fluidos e suor, enquanto foi apalpada e acariciada por Abby. Um puxão em seu mamilo, um chupão em seu pescoço. Dedos em seu clitóris.
- Por favor. - Ellie suplicou.
Abby encontrou o caminho para dentro dela outra vez, deslizando facilmente em seus fluidos.
Abby a fodeu assim. Por um longo tempo.
- Abby, porra, me toca.
- Estou te tocando.
- Caralho. Você é tão má.
- Okay, então me diga onde você quer ser tocada.
- Toca meu clitóris.
- Clitóris. - repetiu Abby.
Porquê ela achava sexy a forma como Ellie dizia isso, ela nunca ia entender.
Abby a satisfez, empurrando-a sobre o sofá e colocando sua boca nela.
Abby comeu sua boceta e a fodeu até o orgasmo.
Ellie estremeceu.
- Porra. Você está ficando tão boa nisso que estou ficando preocupada.
- Preocupada com a competição?
- Preocupada que eu não vou sobreviver.
Abby a puxou para seu colo.
- É bom pra você entender como eu me sinto.
- Tão bom assim?
- Você sabe que sim.
///
Já estava quase escuro quando elas se aproximaram de Jackson. Com certeza, bem mais tarde do que qualquer outra equipe de patrulha havia chegado. Abby sabia que receberia algum tipo de sermão de Maria, mas havia valido a pena. E não por causa do sexo - elas faziam um monte disso em casa - mas pela empolgação e alegria que Ellie demonstrava por estar fora dos muros. Ela era como um pássaro, não havia nascido pra viver enjaulada.
O silêncio de Ellie ao se aproximar de Jackson, no entanto, estava lhe preocupando um pouco.
- Eu e Joel vamos assistir um filme hoje a noite. - Ellie finalmente falou, depois do que pareceram horas de silêncio, mas provavelmente foram só alguns minutos. Não era comum Ellie ficar calada - não com Abby.
- Okay. - Abby respondeu.
Esperava que Ellie não estivesse distraída por causa disso. Tipo, ela fazia noites com Joel pelo menos uma vez na semana e Abby nunca se importou com isso. Enquanto Ellie estava lá, ela normalmente iria pra academia ou lia um livro na cama, se seus amigos não inventassem alguma coisa.
- Você tem planos? - Ellie perguntou.
- O de sempre.
- Ah. Você pode vir, se quiser. – Ellie disse, de forma muito despreocupada.
- Ah. - Abby murmurou, entendendo.
Ellie nunca lhe pediu pra falar ou interagir com Joel. Ela fingia que ele não existia, Joel também ignorava sua existência, e era isso. Com Abby trabalhando na escola com as crianças, comendo com seus amigos no refeitório e malhando na academia, não havia muitas oportunidades dos dois se esbarrarem – ambos faziam um esforço óbvio pra evitar isso. O mais próximo que já haviam chegado havia sido no aniversário de Ellie.
Quando Abby ouviu alguém bater na porta, ela pensou imediatamente em Lev. Ele e Yara vinham procurá-la constantemente, querendo conversar ou treinar com ela.
Ela se adiantou pra abrir a porta, então congelou.
Joel Miller estava na sua frente.
O monstro raivoso em seu peito se revirou. Seus punhos se cerraram, em busca de uma arma inexistente – felizmente, suas armas estavam guardadas no armário.
- Ah. – Joel pareceu surpreso ao vê-la, como se não soubesse que ela morava ali com a filha dele. – Tô procurando a Ellie.
Abby respirou fundo, cruzando os braços no peito para evitar uma reação violenta.
- Ellie, seu pai. - ela avisou, se afastando da porta com todo seu autocontrole.
Ellie levantou, deixando seu diário de lado. Abby focou no desenho que ela estava pintando, para evitar olhar para o convidado indesejado.
- Ei, Joel. Bom dia.
- Bom dia, garota. Feliz aniversário.
- Você lembrou. - comentou Ellie, alegre.
- Sim. Eu trouxe um bolo. Não queria interromper a tradição.
- Obrigada. Você quer entrar? - Ellie hesitou no final da pergunta.
Abby sentiu seus ombros ficarem ainda mais tensos. Ela não confiava em si mesmo no mesmo ambiente que Joel.
- Não. - felizmente Joel recusou.
- Okay. Lev e Yara estão acordados?
- Sim.
- Vou levar o bolo pra cantarmos parabéns.
- Okay.
Ellie fechou a porta segurando um bolo e com um sorriso no rosto. Abby lutou para deixar a agressividade de lado, para não apagar esse sorriso que ela adorava.
- Não sabia que era seu aniversário. – comentou.
- Desculpa, eu esqueci totalmente de te contar. Pra falar a verdade, eu também esqueci que era meu aniversario. – riu Ellie. – Você quer vir comer bolo?
- Vamos lá. – Abby deu de ombros.
Era o aniversário de Ellie. Ela podia mostrar um pouco de contenção.
Entrar na casa de Joel foi tão desconfortável quanto ela imaginou que seria.
Ellie levou o bolo para a mesa, mas Abby permaneceu ao lado da porta, o mais longe possível de todos, já na intenção de sair o mais rápido possível.
- Okay, vamos cantar parabéns para mim. – Ellie falou.
- O que é isso? - Lev perguntou, intrigado.
Ellie olhou pra Joel.
- Joel vai ensinar vocês. Cadê o violão?
Abby não sabia, naquela época, que Ellie tocava violão. Apenas mais uma coisa que ela não sabia sobre ela.
Joel cantou, Abby bateu palmas, e Lev e Yara fizeram uma tentativa fraca de cantarolar enquanto Ellie tocava o violão.
A lembrança não era terrível, porque o que ela mais lembrava era o sorriso de Ellie quando lhe entregou o pedaço de bolo, o beijo que ela lhe deu e as músicas que ela tocou depois na varanda – melodias românticas olhando para Abby. Ellie ficou feliz. Isso era o importante.
Entrar na casa de Joel por dez minutos, no entanto, era diferente de assistir a um filme. Lev já havia lhe contado exatamente como eram essas noites de cinema em casa, como eles começavam com um filme, que se tornava dois e três, como cada um queria dar suas opiniões sobre o filme.
- Tudo bem. - Abby se viu concordando.
Ellie virou o pescoço rápido para olhá-la.
- Tem certeza? – perguntou, em duvida.
- Você quer que eu vá. – respondeu Abby, dando de ombros. Isso era motivo o suficiente.
- Bem, sim. Não gosto de me divertir com Joel, Lev e Yara sabendo que você está sozinha. – explicou Ellie.
- Eu me divirto lendo livros e malhando.
- Eu sei. Mas eu acho que seria melhor com você lá. – admitiu Ellie.
- O clima vai ficar pesado.
- O clima nunca fica pesado quando se tem filmes, eu, Joel, Lev e Yara juntos. – garantiu Ellie. – É divertido.
- Veremos.

Chapter 9: Esporos

Summary:

Desculpem a demora, e também os erros desse capítulo (escrevi hoje e não revisei).

Chapter Text

O sol nascia com preguiça sobre os telhados cobertos de neve do acampamento Jackson. Era uma manhã incomum: nem os estalidos das cercas elétricas, nem os chamados urgentes pelo rádio atrapalhavam o silêncio raro daquele início de primavera.
Abby Anderson se espreguiçava lentamente na cama, os músculos ainda doendo da patrulha do dia anterior. Já Ellie, sentada no chão com o violão no colo, dedilhava distraída uma melodia que teimava em fugir das cordas.
- Isso aí é novo? - Abby perguntou, a voz rouca de sono.
Ellie deu um sorriso de canto, sem tirar os olhos do violão.
- Tô tentando compor algo alegre... pra variar.
Abby arqueou a sobrancelha e se sentou na cama, cobertor ainda enrolado no corpo.
- Alegre? No meio do apocalipse?
- Acredite ou não, você me dá inspiração.
Elas riram juntas. Era fácil esquecer o mundo lá fora quando estavam assim: só as duas, num quarto.
/

Em Jackson, tudo era mais calmo do que o mundo lá fora — o mundo onde tudo desmoronou. As cercas estavam de pé, o gerador raramente falhava, e os turnos de patrulha eram intercalados com colheitas, brincadeiras e piqueniques improvisados. Era quase fácil esquecer que, do lado de fora, o mundo ainda era um caos.
Quase.
Ellie estava sentada no topo do celeiro, como sempre fazia nas tardes mais mornas, dedilhando seu violão de seis cordas remendadas com fita adesiva. Ela não estava ali pra fugir das responsabilidades - bem, talvez um pouco - mas principalmente porque tinha descoberto que Abby passava por ali por volta das três da tarde, sempre com uma cesta nas mãos e seu cachorro enorme trotando ao lado.
- Você sabe que dá pra entrar no celeiro pela porta da frente, né? - Abby falou lá de baixo, olhando pra Ellie com uma sobrancelha arqueada e um sorrisinho no canto da boca.
- Claro que sei. Mas subir pelo lado é muito mais empolgante. — Ellie respondeu, fingindo um solo dramático no violão.
Abby riu, sacudindo a cabeça, e o cachorro latiu como se estivesse rindo também.
- Trouxe amoras. E pão. Quer descer ou vai fingir que é um corvo por mais meia hora?
Ellie fingiu pensar.
- Você já viu um corvo que toca violão?
- Já vi um que assovia "Take on Me". Conta?
Ellie desceu, um tanto desajeitada por causa do violão. E, ao tocar o chão, sentiu aquele calor familiar no peito. Abby tinha esse efeito: ela fazia o mundo parecer um lugar que ainda valia a pena.
Ela acompanhou Abby até a sombra de uma árvore meio torta que os moradores chamavam de “A Sobrevivente”. Deitaram na grama, dividindo as amoras, jogando o pão pro cachorro, e conversando sobre coisas absurdas - como abrir uma pizzaria no apocalipse ou fazer um show cover da Taylor Swift com Ellie no vocal e Abby na bateria improvisada com baldes.
- Acha que a gente teria se conhecido num mundo normal? - Abby perguntou, meio distraída, olhando o céu.
Ellie ficou em silêncio por um segundo. Um silêncio raro pra ela.
- Acho que não. Você ia ser uma atleta famosa e eu ia ser... sei lá, uma garota com coturno num café underground tocando folk triste.
- Eu ia me apaixonar mesmo assim - Abby respondeu, simples.
Ellie tentou esconder o sorriso, mas foi inútil.
- Brega.
- É, mas funcionou.
O cachorro latiu de novo, como se tivesse aprovado a resposta.
E ali, entre o som distante das galinhas, o cheiro de pão fresco e o gosto doce das amoras, o mundo parecia outro. Um lugar onde o amor não precisava de grandiosidades. Só de dois corações teimosos, uma sombra confortável e um motivo bobo pra sorrir.
/
A manhã começou com o som da sirene de patrulha ecoando pelo acampamento. Ellie já estava de pé, prendendo a faca no coldre da perna e checando a munição. Quando ouviu passos atrás dela, não precisou se virar.
- Pronta pra matar infectados antes do café? - Abby perguntou, encostando o ombro no batente da porta com um sorriso preguiçoso.
- Só se você prometer que a gente para pra pegar amoras na volta. - Ellie respondeu, piscando.
- Querida, eu sou a melhor na colheita de amoras. Fechado.
As duas montaram os cavalos e partiram pela trilha leste. A patrulha era uma daquelas rotas médias: longe o suficiente pra ser perigosa, mas não tão longe a ponto de não voltarem antes do pôr do sol.
O mundo fora de Jackson era o mesmo de sempre: árvores retorcidas, carros abandonados, silêncio desconfiado. Mas as duas sabiam se divertir mesmo assim.
- Aposto que você não consegue matar um infectado com uma pedra. - Ellie disse, equilibrando uma no dedo.
- Aposto que você não consegue ficar cinco minutos sem flertar comigo. - Abby respondeu, sem nem olhar.
- Ugh. Me pegou.
Riram.
O primeiro sinal de infectados veio perto de uma antiga loja de conveniência. O vidro estava quebrado, e havia pegadas frescas na lama.
- Clicker. - Ellie sussurrou, apontando com o queixo.
Elas se separaram como haviam treinado: silenciosas, coordenadas, afiadas. Ellie entrou pelos fundos, com faca na mão e olhos atentos. Abby foi pela lateral, o machado preparado.
Dentro, o clique sinistro do infectado ecoava entre as prateleiras caídas. Ellie avançou primeiro - pé leve, respiração contida. Um passo em falso, e o Clicker virou na direção dela. Abby surgiu atrás como um raio e acertou o machado bem no meio do crânio da criatura. O corpo caiu com um baque surdo.
- Que timing. - Ellie disse, olhando pra Abby com um misto de respeito e orgulho.
- Eu te disse. Somos o time dos sonhos.
Mais três infectados depois, tudo estava silencioso de novo. Pararam na cobertura do posto de gasolina e abriram um dos pacotes de comida que haviam trazido.
- Sabe o que eu tava pensando? - Ellie disse, mastigando um biscoito seco.
- Que eu sou incrivelmente sexy mesmo coberta de sangue?
- Isso também. Mas... se a gente sobreviver a tudo isso, devia fazer uma coisa só nossa. Tipo uma casa na árvore. Ou um bar clandestino só com piadas ruins e shows de violão.
Abby riu.
- Um bar clandestino pós-apocalíptico... com entrada exclusiva pra quem sabe dançar mal.
- E bebida feita com frutas fermentadas e... sei lá, ervas aleatórias que a gente achar no mato.
- E eu toco violão toda noite. E você dança. Mal.
Ellie fingiu indignação.
— Eu danço perfeitamente bem.
Elas se encostaram uma na outra por um momento, compartilhando o silêncio tranquilo que só se encontra depois de um combate bem-sucedido — e com a certeza de que, mesmo naquele mundo quebrado, tinham algo inteiro entre elas.
- Pronta pra voltar? - Abby perguntou, levantando.
- Pronta pra mais infectados... e pra catar amoras. Promessa é promessa.
E lá foram elas de novo - duas garotas, dois cavalos, uma missão e um amor que, contra todas as probabilidades, florescia no fim do mundo.
De volta ao acampamento, o céu já estava escurecendo. O portão de Jackson rangeu enquanto Ellie e Abby passavam montadas, os cavalos exaustos, mas vivos. Como elas.
- Lar doce lar - Ellie murmurou, esticando os braços acima da cabeça assim que desmontou.
- Lar com banho quente e comida de verdade. - Abby completou, passando a mão pelos cabelos suados.
Depois de devolverem os cavalos ao estábulo e entregarem o relatório da patrulha, as duas foram direto para o pequeno chalé onde Abby dormia - afastado, discreto e com vista para a colina norte. Havia construído com suas próprias mãos e esforço, e a ajuda de Ellie, Lev e Manny. Era um lugar pequeno, mas aconchegante, que, apesar de pertencer oficialmente á Abby, também se tornara a casa de Lev e o segundo lar de Ellie.
- Tem certeza que você não quer ir pro seu quarto? - Abby perguntou, tirando as botas.
Ellie deu de ombros, sentando no sofá.
- Minha cama está cheia de roupas suja. A sua tem... você. E um sofá fofo.
- E talvez... - Abby abriu uma caixa escondida embaixo da cama — ...um vinho pré-apocalipse que eu estava guardando.
Ellie arregalou os olhos.
- Isso é contrabando.
- Aprendi com você. — Abby respondeu, servindo duas canecas velhas com o líquido escuro.
Sentaram-se juntas na varanda, cobertas por um cobertor só, dividindo o calor e o silêncio da noite. O céu acima de Jackson era um tapete de estrelas empoeiradas, com traços suaves da antiga civilização que uma vez brilhou demais.
- Incrivel, né? - Ellie murmurou, apoiando a cabeça no ombro de Abby.
- O mundo acabou. A poluição parou. O céu agradeceu.
- Poético.
- Culpa do vinho.
Ficaram ali por um tempo, rindo baixinho, brincando de dar nomes às estrelas. Ellie apontou pra uma constelação torta e disse que parecia uma lhama com depressão. Abby jurou que viu um coração gigante. Ellie respondeu que era só um satélite caído. Abby a empurrou de leve.
- Você nunca acredita em nada romântico, né?
- Eu acredito em você.
Silêncio. Um bom silêncio.
Abby virou o rosto devagar e beijou Ellie - um beijo lento, sem pressa, cheio de carinho guardado entre as batalhas e as cicatrizes. Um beijo de quem sobreviveu por tempo demais sem saber se teria isso.
- Você também tá fedendo a sangue seco. - Ellie murmurou, sem se afastar muito.
- Romântica do jeito certo, né? - Abby respondeu, rindo.
- Absolutamente.
Quando o vinho acabou, quando os olhos ficaram pesados e o mundo lá fora parecia mais distante do que nunca, Ellie encostou a cabeça no peito de Abby e deixou o sono vir.
Ali, na varanda de um chalé simples, num mundo despedaçado, elas tinham uma noite só delas. Sem tiros. Sem patrulha. Sem medo.
Só duas garotas e um céu cheio de estrelas quebradas — e mesmo assim, ainda brilhando.
/
O céu já estava clareando quando Ellie acordou. A cabeça ainda apoiada no peito de Abby, o cobertor escorregado até os pés, e o mundo lá fora ainda silencioso, como se tivesse esquecido de começar o dia.
Abby dormia com a boca entreaberta, a expressão tranquila, como alguém que finalmente baixou a guarda.
Ellie ficou ali por alguns minutos, só observando. Ela sabia que momentos assim eram raros. Valiosos. E, às vezes, dolorosos.
Com cuidado, ela se sentou, puxando o cobertor até os ombros, e ficou olhando pro horizonte. A mente começou a correr, como sempre fazia.
O que aconteceria se Abby não voltasse de uma patrulha um dia?
E se Ellie fosse a próxima a ficar pra trás?
Quanto tempo mais esse pedaço de paz resistiria?
Abby se mexeu, acordando devagar. Piscou, viu Ellie ali, e sorriu com sono.
- Bom dia, estrela da destruição.
- Bom dia, atleta do apocalipse.
Riram baixinho, mas havia algo no olhar de Ellie que fez Abby franzir a testa.
- Tá tudo bem?
Ellie hesitou. Mexeu nos dedos. Evitou o olhar.
- Você nunca... tem medo? Tipo... de se apegar de novo?
Abby respirou fundo, sentando ao lado dela. Ficou um tempo em silêncio antes de responder.
- Todo dia.
- Então por que...?
- Porque você vale o risco.
Ellie mordeu o lábio, lutando contra a vontade de esconder o rosto. Mas não fugiu. Não dessa vez.
- Eu já perdi muita gente. E às vezes... eu sinto que te amar é como ficar em cima de uma corda bamba, esperando o vento.
- Eu sei. - Abby respondeu, baixinho. - Eu também perdi. Eu também me fecho. Mas aí você aparece, com seu humor péssimo, suas músicas tristes e sua teimosia... e eu lembro que sentir ainda é melhor do que não sentir nada.
Ellie olhou pra ela. Os olhos marejados.
- E se tudo isso acabar?
- Então a gente aproveita enquanto existe. - Abby pegou a mão de Ellie com cuidado. - Porque enquanto você estiver aqui, enquanto eu estiver aqui, isso é real. E é bonito. Mesmo que doa às vezes.
Silêncio.
Ellie se aproximou, encostou a testa na de Abby.
- Eu não sei como ser boa nisso. Amar alguém, sabe? Eu sou quebrada em vários lugares.
- Eu também. - Abby disse. - Mas a gente pode ser quebradas... juntas. Isso conta?
Ellie sorriu. Um sorriso pequeno, cansado, mas sincero.
- Conta pra caramba.
E ali, com o sol começando a nascer atrás das montanhas, elas se abraçaram. Um abraço longo, apertado, como quem segura o outro pra não cair. Como quem sabe que no fim do mundo, o que realmente importa não é sobreviver… é ter pra quem voltar.

/
O céu estava cinzento, pesado de nuvens que prometiam mais frio. O hálito dos cavalos subia em névoa enquanto eles seguiam pelo caminho batido da floresta. Patrulhas de rotina costumavam ser entediantes, mas Ellie tinha tossido tantas vezes na última meia hora que Abby já não se concentrava direito em nada além dela.
— Isso não soa como alergia, Ellie — Abby murmurou, mantendo o tom baixo para não chamar atenção de Lev.
— Já falei que estou bem. — Ellie ajeitou o lenço no pescoço, irritada. — Nora disse que é só o frio.
— Nora disse que provavelmente era alergia. Não custa ir de novo à enfermaria.
— Custa, sim. — Ellie rebateu, a voz mais áspera do que queria. — Não vou voltar a ficar trancada numa sala branca com cheiro de desinfetante.
Lev, que cavalgava alguns passos à frente, fingia não ouvir, mas Abby percebeu como ele segurava mais firme as rédeas. Ele também estava preocupado.
O silêncio só foi quebrado quando encontraram os primeiros infectados: um pequeno grupo de corredores escondidos entre os restos de uma loja saqueada. Ellie assumiu a frente, arco em punho, os movimentos precisos como sempre. Abby a cobriu com a escopeta, Lev vigiava as laterais. Tudo correu rápido, eficiente.
Ellie recuperava uma flecha do pescoço de um infectado quando tossiu de novo, mas dessa vez a tosse soou diferente. Mais áspera. Molhada.
E então ela congelou.
Abby percebeu antes que ela dissesse qualquer coisa. O olhar de Ellie se fixou no chão, os olhos arregalados.
— Máscaras! — Ellie gritou, a voz trêmula, quase histérica. — Coloquem as máscaras, agora!
Assustados, Abby e Lev obedeceram sem discutir, mesmo que estivessem ao ar livre. Abby ajustou a dela depressa, o coração disparado, enquanto os olhos buscavam alguma nuvem invisível de esporos. Não havia nada. Nenhum sinal. Apenas o frio, o vento, e Ellie respirando rápido demais.
— Ellie, calma… — Abby começou, mas parou ao ver.
Um pequeno véu de partículas saía da boca de Ellie a cada tosse, brilhando fracamente contra a luz cinzenta do dia. Não havia como negar. Eram esporos.
Ellie tropeçou para trás, derrubando o arco, as mãos tremendo.
— Não… não, não, não… — ela balbuciava. — Isso não pode estar acontecendo. Eu… eu sou imune. Eu sempre fui…
Abby avançou devagar, instinto de soldado misturado ao desespero de alguém que ama.
— Ellie, olha pra mim. Respira comigo. — ergueu as mãos, mostrando que não tinha arma. — Ninguém aqui vai deixar você sozinha.
Ellie puxou a pistola com mãos trêmulas, apontando para o chão, mas próxima o bastante para que Abby entendesse: o medo dela não era dos outros, era de si mesma.
— Se eu mudar… — a voz dela se quebrou. — Se eu virar um Corredor… você tem que me parar.
O estômago de Abby se revirou, mas ela manteve a voz firme:
— Isso não vai acontecer. Você me ouve? Não vai.
Ela lançou um olhar rápido para Lev, que estava pálido, os olhos arregalados atrás da máscara.
— Lev, volta pra Jackson. Agora. Traz Joel. Diz a Maria que é urgente.
— Mas… — Lev começou.
— Agora! — Abby ordenou, e a dureza em sua voz não deixava espaço para discussão.
O garoto hesitou apenas um segundo antes de montar de novo no cavalo e partir, o som dos cascos se afastando rápido.
Abby voltou o olhar para Ellie, que ainda tremia, o dedo perigosamente próximo ao gatilho.
— Ei. — Abby deu um passo lento à frente. — Você confia em mim?
Ellie engoliu em seco, lágrimas começando a arder nos olhos.
— Mais do que em mim mesma.
Abby respirou fundo. Estava prestes a fazer a coisa mais difícil da sua vida: desarmar alguém que amava, sem destruir o pouco de controle que ela ainda tinha.
Ela se aproximou, estendeu a mão para a pistola.
— Então deixa eu carregar esse peso com você. Só por hoje.
A respiração de Ellie falhava, os olhos cheios de pavor. Mas, depois de alguns segundos que pareceram uma eternidade, sua mão enfraqueceu, e Abby conseguiu segurar a arma antes que caísse no chão.
Abby a puxou para um abraço apertado, ignorando os tremores, ignorando os esporos flutuando em volta delas.
— Eu tô aqui, querida. Eu não vou a lugar nenhum.
E Ellie desabou contra ela, soluçando como se fosse a primeira vez em anos que se permitia sentir medo de verdade.
/
O posto de controle estava silencioso, exceto pelos passos nervosos de Ellie, que não parava de andar em círculos. Ela esfregava as mãos, respirando rápido demais, como se o ar fosse insuficiente. Abby a observava, mantendo a pistola de Ellie descarregada na mochila e tentando não mostrar o próprio pânico.
As paredes de madeira do abrigo eram frágeis, mas ao menos as mantinham fora da vista. O rádio chiava em cima da mesa, até que a voz rouca e inconfundível de Joel surgiu:
— Jackson, aqui é o Posto Sul. Vocês estão ouvindo?
Abby olhou para Ellie. A ruiva travou, encarando o aparelho como se fosse uma armadilha. Sua garganta se fechou; não havia condições de falar. Abby sentiu a urgência pesar.
Com um suspiro, ela pegou o rádio.
— Aqui é Abby. Estamos no Posto Sul.
Um silêncio pesado caiu. Do outro lado, Joel demorou alguns segundos para responder.
— …Abby? — a desconfiança era evidente. — Onde tá a Ellie?
Abby fechou os olhos por um instante, forçando-se a engolir o orgulho.
— Ela tá comigo. Tá nervosa demais pra falar agora.
— O que aconteceu? — a voz de Joel endureceu.
Abby hesitou. Era loucura expor a situação assim, mas esconder não ajudaria.
— Ela… ela tossiu. E começou a soltar esporos.
O silêncio seguinte foi pior do que qualquer resposta. Abby quase desligou o rádio, mas Joel voltou, mais baixo, mais contido:
— Repete o que você disse.
— Eu não sei como, nem por quê. Mas é real. Eu vi. Lev viu. Não é só a tosse, Joel. — Abby respirou fundo, escolhendo cada palavra como se andasse sobre gelo fino. — Ela tá apavorada. Precisa de você.
O rádio chiou de novo.
— Fica com ela. Não deixa a Ellie sozinha. Tô a caminho. — A voz dele falhou apenas por um segundo antes de endurecer novamente. — Segura firme.
Abby colocou o rádio de lado, os dedos tremendo. A última pessoa com quem esperava trocar palavras daquele jeito era Joel Miller, mas aquele dia tinha passado de improvável para absurdo em questão de horas.
Ellie parou o vaivém e encarou Abby com olhos marejados.
— Você falou com ele?
— Falei. Ele tá vindo. — Abby se aproximou devagar, segurando-lhe os ombros. — Você não vai passar por isso sozinha.
/
A espera foi longa, cada minuto arrastando como uma eternidade. Abby manteve Ellie próxima, tentando distrair sua mente com qualquer coisa: lembrar músicas antigas, comentar sobre o cavalo de Lev, até contar uma história boba de Manny. Nada arrancava mais do que meio sorriso nervoso da ruiva.
O barulho de cascos finalmente ecoou do lado de fora. Ellie prendeu a respiração, mas Abby soltou o ar em alívio.
A porta rangeu, revelando Joel, seguido por Lev, Yara e Nora. Abby se levantou rápido, os olhos encontrando primeiro os de Nora.
— Graças a Deus você veio. — Abby respirou, exausta. — Ela precisa de você.
Joel entrou primeiro, olhos escaneando o ambiente antes de fixar o olhar em Ellie.
- Jesus, Ellie... - ele murmurou, se aproximando sem se importar com nada mais.
- Fica aí. - Ellie disse, com a voz fraca, mas firme.
Joel parou. Mas não desviou os olhos.
- Como você está?
Ellie deu de ombros e não respondeu.
- Ela tá com sintomas pela primeira vez na vida. Isso é novo. E perigoso. – Abby falou.
- E se ela não for imune mais? - Joel perguntou, dando voz aos pensamentos internos da maioria deles.
Enquanto isso, Nora abriu a mochila, já retirando os poucos instrumentos e remédios que trouxera. Seus olhos encontraram os de Abby.
— Eu vou examinar ela. Talvez não seja o que parece. — disse Nora, séria. — Precisamos de calma.
Abby assentiu, um nó na garganta.
Ela não esperava milagres de Joel — ele era o apoio emocional, o pilar que Ellie precisava para não despencar. Mas de Nora… de Nora, ela esperava o impossível. A explicação, a solução, a chance de que o caos não fosse o fim.
Lev se aproximou de Abby, silencioso. Tocou levemente seu ombro.
- Você tá bem? - ele sussurrou, olhando para os olhos dela.
Abby assentiu. Depois, com um sorriso cansado:
- Melhor agora que vocês estão aqui.
Abby se ajoelhou ao lado de Ellie, segurou suas mãos.
- Você disse que não queria que eu visse você quebrar. Mas tá todo mundo aqui. E a gente escolheu ver. Ficar. Lutar com você.
Ellie olhou pra Abby. Depois para Joel. Os olhos marejaram, mas não deixaram cair.
- E se eu for a chave outra vez? - ela disse. - E se tudo isso for o começo de algo pior? Eu já fui imune. Talvez isso esteja mudando. Ou... talvez tenha sido mentira esse tempo todo.
Joel apertou os punhos.
- Eu fiz o que fiz pra te proteger. - ele disse, a voz baixa, cheia de cansaço.
- Eu sei. - Ellie respondeu. - Mas eu não sei mais se isso me salvou... ou me condenou.
Silêncio.
Lev andou até Ellie e se agachou ao lado dela.
- Você tá viva. Isso ainda é algo. E enquanto você respirar... a gente decide juntos o que fazer. Ninguém vai te trancar. Ninguém vai decidir sozinho.
Ellie olhou pra ele - surpresa por aquele gesto. Ele não sorria. Mas seus olhos diziam tudo.
Joel respirou fundo.
- Temos suprimentos, testes rápidos. Vamos montar um acampamento aqui mesmo. Você não volta até sabermos o que tá acontecendo. E eu fico.
- Eu também. - disse Lev.
Abby olhou para Ellie.
- E eu nunca saí.
Naquela noite, quatro pessoas dormiram sob o mesmo teto. Um pai que errou tentando amar. Um filho adotivo que aprendeu a ser leal. Uma mulher que carregava o mundo nos ombros. E uma garota que talvez não fosse mais imune... mas ainda era o coração de todos eles.
O que estava por vir, ninguém sabia. Mas agora, ela não enfrentaria sozinha.

Chapter 10: A Primeira de Nós

Notes:

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Chapter Text

No galpão, agora cercado por barracas improvisadas, vozes conhecidas ecoavam entre a tensão.
Dina abraçava Ellie com força, os olhos vermelhos.
Jessie, sempre calmo, questionava Joel sobre a segurança do local.
Manny e Owen trocavam olhares com Abby - olhares que diziam “o que vamos fazer com isso?”.
E Yara, a irmã de Lev, observava tudo com desconfiança silenciosa.
Ninguém sabia ao certo o que Ellie tinha, mas todos sabiam que o tempo era curto - e que uma decisão precisava ser tomada.
Testar? Isolar? Esperar?
Ou agir?
///
Naquela noite, enquanto todos dormiam ou tentavam parecer calmos, Abby saiu em silêncio.
Ela caminhou pela floresta úmida, armada e com o olhar fixo. A luz da lanterna tremulava nas árvores enquanto ela sussurrava para si mesma:
- Só preciso de alguém. Um invasor. Um bandido. Um qualquer... alguém que mereça. Só isso. Só um.
Ela tentava acreditar nisso.
Que era necessário. Que Ellie não podia ser testada diretamente.
Que sacrificar alguém que já era ameaça não era o mesmo que ser um monstro.
Ela não sabia que Lev a seguia.
A meia hora da base improvisada, Abby encontrou pegadas. Rastros recentes. Talvez um caçador, ou algum andarilho. Um homem - com roupas rasgadas, um rifle velho nas costas, e uma cicatriz horrível no rosto. Ele a viu e sacou a arma. Abby foi mais rápida.
Ela o derrubou com um golpe certeiro e o imobilizou com cordas improvisadas. O homem acordou tossindo sangue, amarrado a uma árvore.
- Você vai me matar? - ele perguntou, rindo com escárnio. - Vai cortar minha garganta como os outros da sua "comunidade pacífica"?
- Não. - Abby respondeu, olhos frios. - Você só vai respirar por mim.
Ela abriu um pequeno frasco com os filtros usados da máscara de Ellie. Segurou com luvas, meticulosamente. Estava pronta para colocá-lo perto do rosto do homem.
- Abby! - a voz cortou o silêncio.
Ele surgiu das sombras, com o arco em mãos, mas a expressão cheia de angústia - não de ameaça, mas de decepção.
- Você mentiu pra mim.
Abby congelou.
- Lev... eu só... eu precisava saber. Se Ellie é contagiosa... a gente não pode arriscar Jackson. Não pode arriscar vocês.
- Você ia matar esse homem?
- Ele ia morrer de qualquer jeito. Você viu a cicatriz dele. Provavelmente parte de uma gangue. Um assassino. Eu só... ia acelerar o processo. Pra salvar ela.
- Você acha que ela gostaria disso? Que isso ia salvá-la?
Abby não respondeu.
- Você se tornou tudo que a Ellie temia em você.
A frase caiu como uma lâmina.
Abby largou o frasco no chão. O homem, ainda inconsciente, continuava respirando com dificuldade.
- Você acha que precisa fazer isso sozinha. Como Joel fez. Como todo mundo fez com ela. - Lev continuou, se aproximando. - Mas ela precisa de alguém que confie nela, não que a sacrifique por medo.
Abby sentiu o corpo desmoronar por dentro. Deitou de joelhos na terra molhada, os olhos perdidos, os músculos tensos como cordas prestes a arrebentar.
- Eu só queria salvá-la. Mesmo que ela me odiasse por isso.
- Ela não precisa de uma salvadora. - Lev disse, com calma. - Ela precisa de você. Inteira. Não com sangue nas mãos.
/
Na manhã seguinte, Abby voltou com Lev, calada. O homem foi deixado vivo, desacordado, a caminho da estrada.
No acampamento, todos notaram a mudança.
Joel, ao olhar nos olhos de Abby, entendeu:
Ela tentou.
E não conseguiu seguir adiante.
Mas a dúvida continuava.
Ellie ainda não melhorava.
Os sintomas estavam mais fortes.
A imunidade - antes absoluta - agora era apenas uma esperança em ruínas.
E ninguém sabia o que vinha depois.
///

Do lado de fora do galpão, a floresta dormia sob uma neblina baixa. Lá dentro, o silêncio era espesso como fumaça.
O médico de Jackson — um sobrevivente calado chamado Dr. Isaac Ramires — havia chegado com os suprimentos na madrugada anterior. Ele montou um pequeno laboratório improvisado e passou as últimas dez horas analisando o sangue de Ellie.
Todos esperavam do lado de fora, ansiosos, exaustos.
Ellie estava sentada, uma manta sobre os ombros. Abby ao seu lado, sem encostar. Ainda respeitando o espaço. Lev, em pé do outro lado, atento como uma sentinela.
Joel caminhava em círculos.
Yara e Dina conversavam baixinho, Jessie de braços cruzados, Owen e Manny revezando vigia.
Quando Ramires saiu da sala, tirando as luvas, todos se calaram.
— E então? — Joel foi o primeiro.
Ramires respirou fundo.
— O sistema imunológico dela ainda reconhece o fungo... mas está se comportando de forma diferente. Adaptando-se. Ou pior: tentando resistir a uma mutação nova.
— Isso nunca foi visto antes.
— Ela está contaminada? — Dina perguntou, com a voz presa.
— Não. Ainda não. — Ramires respondeu. — Mas a imunidade dela... está quebrando. Lentamente.
O silêncio foi absoluto.
— Por quê? — Ellie perguntou, num fio de voz.
Ramires a olhou com pesar.
— Sua imunidade vinha de uma resposta anormal do seu corpo ao Cordyceps. Mas o fungo está mudando. Ele... aprendeu a contornar a sua defesa. Você era a cura. Agora... você é o próximo campo de batalha.
Joel levou a mão ao rosto. Abby fechou os olhos. Lev apenas abaixou a cabeça.
— Ela vai virar? — Manny perguntou, com brutal honestidade.
— Não sabemos. — Ramires respondeu. — Mas se virar... pode não ser como os outros. Pode ser algo completamente novo.
O medo se espalhou como um eco.
/
Mais tarde, sozinha com Abby, Ellie olhava para o chão de concreto, a voz quase sussurrada:
— Se eu não sou mais imune... quem eu sou?
Abby não respondeu logo. Sentou ao lado dela, devagar.
— Você é a pessoa que eu amo. Com ou sem imunidade. Com ou sem certeza.
— E se eu for o início de uma nova infecção? E se eu for... pior que tudo que a gente já enfrentou?
Abby virou o rosto dela com as duas mãos.
— Então você vai lutar. E eu vou lutar com você. Até o fim.
Ellie fechou os olhos. Uma lágrima escorreu.
— Eu tenho medo de virar algo que nem eu reconheça.
— Se isso acontecer... eu vou te lembrar de quem você é. Todos os dias. Até o fim. Ou até você me mandar calar a boca.
Ellie soltou uma risada fraca, entre lágrimas.
— Você nunca cala a boca.
— Ainda bem.
Lá fora, o grupo discutia possibilidades. Isolamento. Tratamento. Risco.
Mas uma coisa era certa:
O mundo havia perdido a cura.
E talvez, tivesse ganhado algo muito mais imprevisível.
/
Na segunda noite após o diagnóstico, Ellie acordou ofegante.
A barraca estava quente, abafada. O ar denso. O peito dela parecia carregado, como se algo estivesse crescendo por dentro.
Ela saiu sem fazer barulho.
Passou entre as árvores do acampamento improvisado, caminhando sozinha, sem saber para onde. Os sons ao redor estavam estranhos… abafados. Como se ela estivesse ouvindo tudo debaixo d’água.
A respiração ficou pesada. Os olhos começaram a embaralhar o escuro com formas.
E então, tudo mudou.
Ellie estava num corredor branco, sem portas, sem janelas.
Pelas paredes, flores de fungo cresciam, pulsando lentamente como se respirassem. A luz vinha de cima, mas não havia fonte — só claridade.
Ela andou.
Ao longe, ouviu uma risada de criança.
Depois, uma canção. Uma música de violão que ela mesma costumava tocar.
— “If I ever were to lose you…”
Parou. A voz era dela mesma. Só que... mais nova.
Ela virou o corredor e viu.
Uma versão mais jovem de si mesma, sentada no chão, tocando violão. Sem cicatrizes. Sem armas. Só a menina de 13 anos que queria aprender acordes e escrever músicas tristes.
— Você lembra de mim? — a menina perguntou.
Ellie não respondeu.
— Você acha que me matou quando decidiu que vingança era mais importante que perdão. Mas eu ainda tô aqui. Dentro de você. Na parte que o fungo não alcança.
Ellie caiu de joelhos.
— O que tá acontecendo comigo? — ela murmurou.
A menina sorriu, triste.
— Você era imune, Ellie. Agora... você é a ponte. Canal. O fungo não quer te matar. Ele quer usar você pra mudar.
As paredes começaram a tremer. As flores cresceram, cobrindo tudo com fios dourados e pretos.
Uma nova voz surgiu.
Baixa. Grave. Quase um sussurro dentro da mente.
— Você pode nos entender agora. Sentir o que sentimos. Ver o que vemos. Um só corpo. Uma só mente.
Ellie gritou:
— NÃO SOU PARTE DE VOCÊS!
Mas a risada voltou. A voz da criança. A voz do fungo. A dela mesma.
— Você já é. Só ainda não aceitou.
/
Ellie acordou gritando, suada, o peito arfando.
Abby correu até ela. Lev, Dina e Joel logo atrás.
— O que foi?! — Abby segurou os ombros dela.
Ellie não conseguia responder. Os olhos estavam perdidos — não com medo, mas com entendimento.
— Eles... falaram comigo. — ela murmurou, finalmente.
— Quem? — Joel perguntou.
— O Cordyceps. O fungo. A coisa toda...
Todos se entreolharam.
— E o que ele disse? — Abby perguntou.
Ellie virou o rosto pra ela. A voz firme, ainda trêmula:
— Ele não quer me matar. Ele quer... evoluir. E eu sou o caminho.
/
No laboratório improvisado, o Dr. Ramires estava mais pálido do que o normal.
Os monitores portáteis — vestígios de uma tecnologia antiga resgatada de hospitais abandonados — mostravam ondas cerebrais instáveis. Muito além do que ele esperava.
Ellie sentava-se numa cadeira de metal, conectada a eletrodos adaptados. Abby ao lado, apertando os punhos, sem piscar.
Joel, encostado à porta, não disfarçava a desconfiança.
Dina e Lev observavam de longe.
Yara e Manny vigiavam do lado de fora — a tensão crescendo no ar como tempestade.
— Pode falar logo, doutor. — Joel exigiu.
Ramires olhou para os gráficos, depois para eles.
— Há... atividade elétrica anormal nas regiões frontais e límbicas do cérebro da Ellie. Regiões responsáveis por empatia, memória, processamento emocional... e consciência.
— Então ela tá alucinando? — Dina perguntou, confusa.
— Não exatamente. — Ramires respirou fundo. — O que está acontecendo com ela... é inédito. Há sinais de sincronização neural com padrões semelhantes aos de infectados... mas sem degradação cognitiva. Ellie continua plenamente consciente. Mas o cérebro dela está... se “afinando” com algo maior.
Abby se inclinou pra frente.
— Você tá dizendo que ela está conectada à “rede” do Cordyceps? Àquela coisa que os infectados compartilham?
Ramires assentiu lentamente.
— É como se o fungo não a estivesse destruindo... mas absorvendo. E sendo absorvido de volta. Uma simbiose em desenvolvimento. Evolutiva.
Joel se afastou, como se estivesse ouvindo uma sentença de morte.
— Então ela não é mais humana?
Ellie, que até então permanecia em silêncio, falou:
— Eu ainda sou eu, Joel. Não é tão diferente de como eu me sentia antes. Mas tem... vozes. Não como palavras. Como intenções. Sensações. Às vezes eu sei onde tem infectados antes de qualquer som. Às vezes eu sinto o que eles sentem — raiva, medo, fome... mas também paz. Como se houvesse... uma inteligência lá dentro.
Todos ficaram em silêncio.
— E se essa “inteligência” assumir o controle? — Joel perguntou, encarando o médico.
— Por enquanto, não há sinais de perda de autonomia. Mas sim, há riscos. Isso é uma estrada sem mapas.
Abby apertou os olhos. A respiração dela estava irregular.
— Você tá dizendo que Ellie pode ser... — ela hesitou — a ponte entre humanos e o Cordyceps?
Ramires não respondeu. Mas seu olhar dizia tudo.
/

Mais tarde, Abby encontrou Ellie sentada num tronco, olhando para a floresta silenciosa.
— Sabe o que eu pensei? — Ellie disse, sem virar o rosto. — Talvez a imunidade nunca tenha sido o fim da história. Talvez tenha sido o começo de uma mutação. E eu não sou mais a cura. Sou o próximo estágio.
— Isso te assusta? — Abby perguntou, sentando ao lado.
— Mais do que qualquer coisa. — Ellie respondeu. — Mas também me alivia, de um jeito estranho. Porque, pela primeira vez... eu não me sinto sozinha. Mesmo quando deveria estar.
Abby não disse nada. Apenas estendeu a mão. Ellie segurou.
E, por um momento, apesar da escuridão, do medo e do que poderia vir...
houve paz.
/
Três dias depois dos exames, o acampamento havia mudado.
O medo deu lugar a silêncio respeitoso — e a um tipo estranho de reverência.
Ellie se mantinha afastada, dormindo sozinha, alimentando-se pouco.
Mas estava viva. Atenta. Lúcida.
O fungo não a havia destruído.
Ele a havia aceitado.
Dr. Ramires passou os últimos dois dias estudando os esporos que Ellie exalava em momentos de esforço físico ou emocional.
O resultado dos testes trouxe algo impossível:
— Os esporos dela não causam degeneração cerebral nos ratos de laboratório. Ao contrário... — ele disse, olhando para Abby, Joel, Lev, Dina, Owen e os outros ao redor da mesa improvisada — ...há traços de regeneração neural. Novas sinapses. Como se o cérebro estivesse... aprendendo com o fungo sem ser dominado por ele.
Todos ficaram em silêncio.
— E se isso funcionar em humanos? — Lev perguntou.
— Não seria uma cura. Seria uma... fusão. — Ramires respondeu. — Ellie não está lutando contra o Cordyceps. Ela está coexistindo com ele. E ele, com ela.
Joel engoliu em seco.
— Você tá dizendo que ela pode... transformar outras pessoas?
Ramires hesitou. Então assentiu.
— Potencialmente, sim. Se alguém inalar os esporos dela... e sobreviver aos primeiros estágios da infecção... o corpo pode adaptar-se como o dela. Tornar-se algo... novo.
Dina se afastou da mesa.
— Isso é perigoso demais. E se a transformação não parar? E se não houver controle?
— E se esse for o caminho da sobrevivência? — Abby rebateu.
/
Mais tarde, Ellie estava sentada num campo, observando uma fileira de cogumelos crescendo num tronco úmido. Abby se aproximou.
— Eles sabem. — Abby disse.
— Eu sei. — Ellie respondeu, sem virar.
— E?
— Eu não quero infectar ninguém. Não sem certeza. Não sem consentimento. Isso me assusta. Porque se eu for o primeiro passo... talvez eu também seja o primeiro erro.
Abby se sentou ao lado dela.
— A vida nunca nasce do controle. Sempre nasce do risco. Você não pediu por isso, Ellie. Mas talvez... seja o primeiro sopro de esperança em muito tempo.
Ellie encarou Abby.
— Você se arriscaria? Respirar meus esporos?
Abby hesitou.
— Se fosse a única forma de ficar com você até o fim? Sem dúvida.
Silêncio.
Ellie abaixou o rosto, emocionada.
— E se não for o fim, Abby? E se for o começo?
Abby sorriu.
— Então eu quero ver esse mundo com você. Nem que a gente vire algo que ninguém entenda. Ainda assim... quero estar do seu lado.
/
Nas semanas seguintes, o grupo se dividiu:
Dina, Joel e Jessie insistiam em cautela, testagem, limites.
Abby, Lev, Manny e Yara viam esperança.
Owen? Owen só queria saber se o mundo novo teria espaço pra perdão.
Mas uma coisa era clara:
A sobrevivência da humanidade não seria sobre matar o fungo... mas sobre aprender a conviver com ele.
E Ellie?
Ellie se tornou o primeiro passo nessa direção.
Não mais a cura.
Não mais o milagre.
Mas a primeira de uma nova espécie.
/
A manhã nasceu silenciosa, como se a floresta tivesse prendido a respiração junto com eles.
O grupo estava reunido no centro do acampamento.
O céu nublado parecia refletir a dúvida no rosto de todos.
Ellie permanecia de pé, máscara pendurada ao lado, ao lado de Abby, que não tirava os olhos dela.
À frente, de pé e sereno, Lev.
— Você tem certeza? — Ellie perguntou, a voz baixa, firme.
Lev assentiu.
— Você não pediu por isso. Mas eu posso escolher. Se o mundo vai mudar, alguém precisa ir primeiro.
— Não precisa ser você. — Abby sussurrou, tentando conter a emoção.
— É claro que precisa. — Lev respondeu. — Você ama ela. Eu... confio nela. E se ela não puder fazer isso com ninguém, vai carregar esse peso pra sempre. Isso não é justo.
Joel, com os braços cruzados, observava de longe. Dina, visivelmente desconfortável, murmurava algo para Jessie.
Yara, ao lado de Manny, parecia presa entre orgulho e medo.
Dr. Ramires organizava a coleta de dados e equipamentos médicos.
— Se algo der errado, — ele disse, — teremos cerca de seis horas para agir. Ou aceitar as consequências.
/
O momento chegou.
Lev tirou a máscara, encarou Ellie.
Ela hesitou.
— Você tem certeza absoluta?
— A única certeza que eu tenho... é que você não é o fim, Ellie. Você é a semente. – o garoto disse com a certeza que nenhum adulto possuía.
Ellie fechou os olhos. Respirou fundo. Lev e sua maldita fé nos deuses. Se isso desse errado, Ellie não se perdoaria – e pior, temia que Abby não a perdoaria. Mas Lev era teimoso demais pra ser impedido.
Ela inspirou devagar, depois exalou os esporos.
O ar brilhou levemente diante deles. Como poeira dourada à luz do amanhecer.
Lev ficou imóvel, olhos abertos, deixando os esporos tocarem seu rosto, entrarem pelos pulmões, atravessarem o corpo.
Silêncio total.
/
As primeiras horas foram horríveis.
Febre. Tremores. Alucinações.
Ramires monitorava tudo. Ellie não saiu do lado dele.
Abby segurava sua mão, enquanto o corpo de Lev parecia travar uma guerra silenciosa.
Joel murmurava uma prece que ninguém esperava ouvir.
Dina chorava em silêncio.
Manny se mantinha firme, e Owen se afastou sozinho, incapaz de assistir.
Mas ao fim da quinta hora…
Lev parou de tremer.
A temperatura caiu.
A respiração ficou estável.
E então… ele abriu os olhos.
— Ellie? — ele disse, voz rouca.
Ellie correu até ele. Abby logo atrás.
— Você me ouve? Você sabe quem é? — Abby perguntou.
Lev assentiu.
— Eu tô bem. — ele disse. — Mas… tem algo novo.
Ele tocou o peito.
— Como se meu corpo… ouvisse coisas. Sussurros. Batimentos do mundo ao redor. Mas eles não me controlam. Eles me perguntam. Como se... pedissem permissão.
Todos congelaram.
O doutor Ramires olhou para Ellie.
— Você não infectou ele. Você o transformou.
/
Mais tarde, Lev e Ellie caminharam sozinhos entre as árvores.
Ambos sem máscara.
Ambos… vivos.
Conscientes. Conectados.
— Você ainda se sente humano? — Ellie perguntou.
Lev pensou.
— Mais do que nunca. Mas agora… como se eu fosse parte de algo maior. Como se a solidão tivesse acabado.
Ele olhou para ela.
— Eu entendo você agora.
Ellie sorriu. Pela primeira vez em dias, sorriu de verdade.
Porque agora… ela não era mais a única.

/
O acampamento original não existe mais.
Foi deixado para trás semanas atrás, silenciosamente, à noite — quando ficou claro que a cidade de Jackson nunca aceitaria o que Ellie estava se tornando.
E menos ainda o que ela poderia oferecer ao mundo.
Agora, em meio a ruínas cobertas de verde, silenciosas e esquecidas, o Jardim nasceu.
Um assentamento pequeno, sem cercas ou armas visíveis, onde pessoas viviam em barracas costuradas com folhas de velhos uniformes, iluminadas por tochas e esperança.
No centro, uma clareira.
E no centro da clareira: Ellie.
Ela não liderava, nem mandava.
Mas era o coração batendo ali.
/
Quatro semanas após a transformação de Lev, três voluntários haviam se unido a ele.
Uma senhora idosa chamada Marta, que havia perdido tudo — e queria sentir algo novo antes de morrer.
Um adolescente mudo, Rael, que nunca havia falado uma palavra na vida, mas agora parecia capaz de “ouvir” Ellie sem usar palavras.
E um ex-militar chamado Jonas, que buscava perdão por todas as mortes cometidas no velho mundo.
Todos sobreviveram.
Todos se tornaram... algo entre humano e infectado.
Conscientes. Tranquilos.
Conectados a Ellie — e entre si.
Chamavam a si mesmos, em sussurros, de Os Silenciosos.
/
Na periferia do Jardim, estavam os cuidadores.
Dina ficou.
Joel também — embora ainda não aceitasse, nem entendesse, mantinha-se perto, como pai, como protetor.
Yara ajudava com segurança e ensinava os novos a se moverem com os sentidos mais aguçados.
Abby organizava o cotidiano, incansável.
Lev... se tornara o elo entre os dois mundos.
O mundo externo ainda era o mesmo:
Facções violentas. Bandidos famintos. Cidades que explodiam seus próprios doentes.
Mas ali, no Jardim, era diferente.
Ali, as pessoas escolhiam.
/
Certa noite, Ellie se sentou ao lado de uma pequena fogueira.
Ao seu redor, os cinco transformados — os Silenciosos — estavam em círculo. Nenhum deles falava. Mas todos se compreendiam.
Abby chegou devagar, sentando-se ao lado dela.
— Você parece tranquila. — disse.
— Estou. — Ellie respondeu. — Porque eles não precisam mais de mim pra sobreviver. Só… pra começar.
— Você é a primeira folha num mundo novo. — Abby sussurrou.
— Ou a última flor do antigo. — Ellie sorriu.
Elas se olharam. A noite era morna. As árvores dançavam com o vento leve.
E pela primeira vez desde que o mundo quebrou… havia esperança.
Não na cura.
Mas na adaptação.
Na escolha.
Na comunidade.
No silêncio entre aqueles que aprendiam a ouvir.
///

Era uma noite calma, como poucas.
As árvores dormiam. O vento estava leve. O mundo parecia em paz.
Ellie e Abby caminhavam devagar, longe das barracas, longe dos outros.
A floresta ao redor tinha cheiro de terra molhada e folhas secas.
Era o lugar onde tudo tinha começado — e onde tantas versões delas mesmas haviam morrido e renascido.
Ellie sentou num tronco coberto de musgo. Abby se sentou ao lado, de costas eretas, como sempre.
Mas os olhos… esses estavam diferentes.
— Lembra quando a gente se conheceu a primeira vez? — Ellie perguntou.
— Lembro que você queria me matar. — Abby sorriu.
— Você parecia uma fortaleza. Nada entrava. Nada saía.
— E você era um raio. Toda vez que se aproximava, eu sentia medo... de ser atingida. Mas não conseguia sair de perto.
Ellie riu, baixinho.
— Acho que te atingi.
— Acho que você me desarmou. — Abby respondeu, e dessa vez sua voz tremeu um pouco.
Ellie se virou para ela, olhos firmes.
— Você ainda consegue me ver?
— Sempre. — Abby tocou o rosto dela. — Mesmo quando o mundo tentar te apagar. Mesmo quando esse fungo fizer barulho na sua cabeça. Mesmo se você mudar.
Silêncio.
— Você me amaria se eu fosse outra coisa? — Ellie perguntou. — Se meu corpo não fosse mais humano. Se minha mente começasse a escutar coisas que ninguém entende.
Abby sorriu com tristeza.
— Eu já te amo sendo tudo isso. E se amanhã você for metade fungo, metade estrela, eu vou amar cada parte. Porque o que eu amo em você... não é o que você é. É como você escolhe ser, mesmo com tudo contra.
Ellie mordeu o lábio, emocionada.
— Eu queria mais tempo com você.
— A gente tem o agora. — Abby respondeu.
Então elas se abraçaram, lento, longo.
Como quem não queria mais soltar.
Como quem sabia que o mundo ainda era perigoso — mas que por um instante, elas eram o centro dele.
///
Na manhã seguinte, o sol apareceu devagar.
E com ele, a rotina da aldeia.
Mas naquela manhã, Ellie não era lenda.
Era apenas uma pessoa, com a mão suja de terra, ajudando a carregar lenha.
Joel apareceu do outro lado do campo, caminhando com dificuldade, mas com aquele olhar sempre atento.
— Você parece… feliz. — ele disse.
— Acho que tô. — Ellie respondeu, secando a testa.
— Você sabe que não foi fácil pra mim… aceitar isso tudo. Mas ver você assim… é tudo que eu sempre quis.
— Mesmo que eu tenha virado metade planta? — ela brincou.
Joel sorriu, sem negar, sem afirmar.
— Você virou o que o mundo precisava. E eu ainda sou seu pai. Mesmo sem entender metade disso.
Do outro lado do campo, Yara ensinava crianças a usar o arco.
Lev ria, como há muito tempo não ria, equilibrando uma cesta de frutas na cabeça enquanto dançava com as crianças.
Abby surgiu logo depois, jogando um pano de água no rosto de Ellie com humor.
— Você vai ajudar ou resmungar, senhorita Miller?
Ellie ergueu as mãos.
— Já entendi, já entendi. Tô indo.
Ellie olhou em volta.
Viu a família que não era de sangue, mas de escolha.
Gente que podia ter fugido.
Gente que podia ter morrido.
Mas que ficou.
E naquele fim de mundo — entre árvores, esporos, lembranças e cicatrizes — eles fizeram uma casa.
Sem muros.
Sem mentiras.
Sem promessas de eternidade.

Só amor.
Só agora.
Só tudo que restava.

Notes:

É isso, o final amores.
Obrigada por acompanharem até aqui!
Beijos!

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