Chapter 1: Primeiro Contato
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Era cedo. Bem cedo, aliás. O Sol parecia estar com preguiça de se levantar, e uma leve neblina cobria a cidade.
Roier, por outro lado, estava mais acordado do que nunca. Mal havia conseguido dormir na noite passada, tamanha sua ansiedade. Teve dificuldade em descobrir que tipo de ansiedade se tratava; se era da gostosa, que dá um frio na barriga, ou da terrível, que causa mal estar. Talvez fosse ambas.
Não era de se estranhar. Afinal, ele entrevistará o mais famoso escritor do mundo moderno. Sua carreira alavancaria, finalmente! Logo mais, seu nome será conhecido por todos os outros jornalistas do país, e talvez ao redor do planeta. Ele fará aqueles colegas da faculdade se arrependerem de tê-lo chamado de “futuro funcionário da Oxxo”. Roier estava a algumas horas de esfregar sua vitória na cara deles.
Bom, isso só aconteceria se o escritor não fosse embora no meio da entrevista. E, sejamos honestos, haviam grandes chances disso acontecer.
– Ora, bom dia, Roier! Correndo tão cedo assim?
– Bom dia, sra. Lenay. É claro! O dia de hoje é extremamente importante, e preciso estar em perfeita forma. – O homem parou de andar momentaneamente, mas se manteve em movimento, caminhando parado.
– Ah, jovens e sua energia inesgotável. – Ela suspirou, saudosa. – Me diga, a que se deve tamanha animação?
Lenay parecia uma senhora de idade com aquele cardigã rosa bebê e pantufas de ursinho. Roier se perguntou porque ela estaria de pé tão cedo, mas preferiu se atentar a sua tola ideia de que ela apenas gosta de caminhadas matinais, como ele.
– Vou fazer um trabajo muito importante, hoje! Pode mudar minha vida!
– Bom, sendo assim eu não serei aquela que vai te atrasar! Boa sorte, menino.
– ¡Gracias!
Ele acenou em despedida e seguiu sua caminhada. Precisava montar uma estratégia se queria conseguir uma entrevista perfeita com Cellbit. O escritor era famoso por abandonar conversas na metade por simplesmente desgostar da pergunta; por isso, alguns o chamavam de arrogante e outros, de gênio. Em todo caso, uma entrevista perfeita com ele valia mais do que ouro. E uma entrevista sobre a vida pessoal dele vale 10 vezes mais! Roier não perderia essa oportunidade.
Os nervosos pensamentos fizeram com que sua caminhada passasse em um piscar de olhos. Chegando em seu apartamento – ou, como gostava de chamar, “apertamento” – começou a preparar algumas tortilhas para Bobby.
Roier, como o pai amoroso que era, tinha muita dó de deixar seu pequeno na escolinha o dia todo, mas não tinha o que fazer. Melhor lá, com outras crianças, do que sozinho em casa. E no final, sempre podia ouvir o que Bobby aprendeu durante o dia, as brincadeiras que havia feito, e as brigas nas quais havia se metido.
Roier entrou no quarto de seu filho. O cômodo gritava a cor favorita de Bobby: azul. As paredes, os brinquedos, as roupas… apenas o chão era de madeira, mas era coberto quase que completamente por um tapete felpudo azul e branco.
O homem se aproximou da cama do menor e sentou-se no chão. Fez um carinho nos cabelos da criança e esperou que o menino abrisse os olhos.
– Buenos días, Bobby. Te levantas que el día será largo.
O menino coçou os olhos e encontrou as mãos de Roier sobre sua cabeça. Com suas mãozinhas, ele puxou e deu um beijinho nos dedos do mais velho e tentou pegar no sono de novo. Ah, Roier se derretia com a fofura dele. Amava tanto essa criança. De manhã era tão calmo, tão manhoso… nem parecia ser o Bobby pestinha que conhecia.
– Vamos luego, Patitas de Cheeto.
– Apa… – resmungou o menino, sentando-se na cama. Seus cabelos castanhos estavam completamente bagunçados, seu rosto amassado e os olhos mal abriam – ¿Por qué tengo que levantarme ahora? Es muy temprano…
– ¡Yo lo sé, mijo, pero tu apa precisa trabajar y tú precisas estudiar para ser muy rico y sustentarte a mi y a ti! – falou, rindo – Es broma, pero tú precisa levantarte luego, Bobby. Estoy por terminar tus tortillas. ¡Trocate depressa! – deu um beijo delicado na testa do menino, acendeu a luz do quarto, e foi à cozinha.
Era um dia especial, digno de um café da manhã especial: tortilhas de carne moída e queijo, suas favoritas. Assim que colocou os pratos na sala de jantar – que não era nada mais do que um pedacinho da cozinha – viu Bobby se aproximar com seu macacão azul, blusa branca e faixa na cabeça.
– ¡Ay, qué hijo más hermoso que tengo! – Falou, colocando a mão no peito e jogando a cabeça para trás, melodramático.
– Para pai, deixa de ser bobo!
Roier olhou com o queixo caído, e o Bobby abriu um sorriso enorme no rosto.
– ¡No mames, wey! Desde quando fala português, Bobby? – Perguntou, mas suas palavras saíram rápidas demais para o menino entender. – Desde quando fala português, Bobby? – Repetiu, devagar.
– Meu maestro tem me ensinado. No, un instante… no es maestro en portugués… pro… – o menino sentou-se na cadeira com um olhar sério – pro… sólo o llamamos de pro, pero…
– Professor? – Tentou Roier.
– ¡Ay, apa!¡ Casi estaba recordando! – Respondeu irritado por não poder demonstrar seu português perfeito para Roier. Puxou um prato com tortilhas e começou a comer de cara fechada.
O homem sorriu com doçura.
– Estou impressionado, filhote. – Novamente, Roier falou com calma e com pausas. – Faz quanto tempo que está aprendendo?
– Hum, tal vez… digo, talvez… desde fevereiro. – Seu pai levantou as sobrancelhas, em sinal de surpresa. – A gente pratica bastante! Miércoles hablamos en español. En el Lunes es francés. Martes y jueves, en portugués. Y el viernes hablamos en inglés.
– ¿Apoco si ? – Bobby, que estava com a boca cheia, então acenou positivamente em resposta. – ¿ Y no sientes que es muy difícil?
– Más o menos. Hay algunas personas en la aula que nos ayudan, y el pro dice que "Tá tudo bem falar um pouco de portunhol! O importante é tentar!". – Ditou, mudando um pouco o tom de voz para imitar o professor.
E assim passaram a seguinte hora. Bobby alternando entre português e espanhol, a fim de surpreender Roier e este, por sua vez, estava impressionado de como havia, de fato, se esquecido dessa história de escola poliglota. E ainda mais impressionado com a inteligência de seu menino.
As mãos de Roier suavam, o pé dele tremia quando ele pisava na embreagem do carro e mesmo com as janelas abertas para ventilar, ele se sentia enjoado. O dia estava frio, mas ele precisou tirar seu cachecol e sobretudo para não começar a suar. Ele estava nervoso. Extremamente ansioso.
Ele não poderia falhar. Não poderia desagradar Cellbit nenhuma vez sequer, ou sua chance de alavancar na vida escorreria ladeira abaixo. Roier aproveitou o farol vermelho para fechar os olhos por alguns segundos e respirar fundo. Precisava se acalmar ou gaguejaria a entrevista inteira.
O ponto de encontro era em uma cafeteria, do outro lado da cidade, a pedido do próprio escritor. De seu apartamento para lá, era quase 1h30 de distância, mas tudo bem! Era apenas um pequeno esforço para agradar Cellbit e ter uma boa entrevista. Um pequeno esforço para ganhar um bom bônus e poder trabalhar um pouco menos. Um pequeno esforço para passar mais tempo com o seu menino. Alguns quilômetros não eram nada.
Apesar da distância, Roier chegou na cafeteria meia hora antes do combinado. Ele não tinha pressa, e o tempo era bom para ele relaxar um pouco. Olhou a fachada do lugar e viu em grandes letras luminosas “Star Boy”. Sorriu, lembrando-se de seu menino. Ele entrou e um sininho acima da porta anunciou a sua entrada. O local era simples, porém tinha o cheiro de lar e ar de conforto. O chão de madeira clara, as paredes de concreto queimado e várias plantas espalhadas; logo entendeu a escolha do escritor.
Pensou consigo que Cellbit deveria preferir um local um pouco afastado dos outros clientes. Procurou um cantinho um pouco escondido e próximo da cozinha e encontrou um assento que lhe agradou. Mesas com sofás altos e com plantas grandes por perto. Discreto e confortável. Se sentou e secou as mãos nos jeans escuros outra vez.
– Boa tarde senhor. – Rapidamente, uma atendente veio em sua direção, com um celular em mãos e olhar levemente cansado. – Gostaria de ver o cardápio?
– Ah, no, no, no, no, obrigada! – Como detestava sua mania de dizer “não” repetidamente quando estava nervoso. – Poderia me trazer um café expresso, sem espuma? E uma garrafa de água gelada, também.
– Gostaria do expresso já adoçado, senhor? – Perguntou, escrevendo no pequeno celular.
– Eu adoço aqui mesmo, gracias .
A moça assentiu com a cabeça e voltou para atrás do balcão.
Ele mexeu em seu celular por alguns segundos, avisando a Jaiden que já havia chego e quando notou, o expresso e sua garrafa já estavam sobre a mesa. Depois de beber um pouco de água, seu calor passou, e ele finalmente vestiu o cachecol novamente. Colocou três generosas colheres de açúcar no expresso e deu gole; estava doce, mas de acordo com o seu gosto. O calor que passou pela sua garganta e desceu para o estômago lhe fez relaxar um pouco.
Então, o sininho tocou, indicando a chegada de outro cliente. Roier olhou para a entrada do comércio de modo instintivo e assim que viu quem havia entrado, fez questão de respirar fundo, pois sabia que poderia se esquecer de o fazer.
Um homem alto, de talvez um metro e oitenta e cinco, olhava para seu relógio de pulso enquanto entrava no local. Ele vestia um suéter marrom claro e um sobretudo branco. Seus cabelos com cor de trigo já colhido, com exceção de uma mecha branca, chegavam em seus ombros. Uma cicatriz acima de sua barba esculpida quase desvia a atenção de seus olhos azuis gélidos que observam o ambiente. Era Cellbit, tinha que ser.
O homem procurava um local para se sentar quando viu Roier com o braço estendido. Seu olhar mostrou surpresa por alguns segundos, e então sua feição se fechou conforme ele se aproximava da mesa.
Roier suspirou de alívio. De um segundo para outro, todo o nervosismo do jornalista sumiu. Sentia-se mais confiante e seguro do que nunca.
– Boa tarde. – Disse Cellbit, assim que se sentou no sofá de frente para Roier. – Você está adiantado.
– O senhor também está. – Roier falou simpático. Ele estendeu a mão que prontamente foi apertada pelo escritor. – Gostaria de pedir um café?
– Não há necessidade de me chamar de “senhor”, Cellbit é o suficiente. E sim, um café seria ótimo.
Roier olhou para trás, em direção do balcão, e poucos segundos depois a garçonete finalmente o notou e se direcionou à mesa.
– Pois não?
– Uma xícara de café para o cavalheiro aqui, por favor. – Sua voz soava confiante. Sua ansiedade havia dissipado completamente. Esse era o seu momento.
– Na verdade… – Cellbit interrompeu o jornalista rapidamente. – Eu quero uma caneca de café bem cheia, por gentileza. Café preto e sem açúcar.
– Perfeitamente. Com sua licença.
Roier engoliu seco. Talvez tivesse se empolgado demais.
Deu uma fitada em Cellbit e o viu tenso. Ombros rígidos, cabeça virada para baixo e mãos entrelaçadas; sua postura estava completamente fechada.
– Ah, creo que aún no me presenté. – Roier tossiu, torcendo para que o escritor não tenha notado o espanhol. – Eu sou Roier de Luque, é um grande prazer e honra.
– Hm… prazer, Roier. Você deve estar ciente, mas me chamo Cellbit.
– Você sempre se adianta para seus compromissos? – Falou depressa, assim que notou que o escritor não ia se estender no assunto. – Se me permite a pergunta.
– Sim, na verdade. Eu tentei chegar antes para escolher um assento que me agradasse, mas aqui é bom o suficiente. – Suspirou. – Imagino que deseja iniciar a entrevista, certo?
– Bem, senhor… digo, Cellbit. Particularmente, eu não tenho pressa alguma.
O escritor finalmente levantou a cabeça para encarar Roier, um tanto surpreso com a resposta que recebeu.
O jornalista claramente era mais novo que ele, mas não deveria passar de 3 ou 4 anos de diferença. Ele tinha o maxilar marcado, praticamente sem barba alguma. Os olhos eram curiosamente grandes, amendoados e eram acompanhados de sobrancelhas grossas. O cabelo ondulado era portador de um tom castanho escuro, e não sabia dizer se aquilo era um topete, ou se estava apenas bagunçado. Mas combinava com ele, de certa maneira.
– E o que sugere, então? – Perguntou Cellbit, arqueando a sobrancelha.
– Bueno… – Roier pegou sua mochila, e começou a revirá-la, em busca de algo em específico. – Eu gostaria de te pedir um favor. Sei que deve ser muito antiprofissional da minha parte, mas eu nunca me perdoaria se eu fosse embora sem o autógrafo do meu livro favorito.
Cellbit suspirou, desgostoso. Havia certeza de que seria algum livro que escreveu durante a ditadura, a favor dele. Honestamente, por que pensou que seria diferente? Todos eram assim; cheios de falsos sorrisos e simpatia até que tentam descobrir algo sobre aquela época. Uma pena. Seu café nem havia chego e ele já teria de partir.
O escritor começou a se levantar, pronto para ir.
– Com licença, eu vou-... – e ele se interrompeu, ao ver qual livro estava na mão do jornalista.
A capa de couro velha, um pouco surrada. Detalhes e a caligrafia que identificava o título brilhavam em vermelho escarlate. Poucas páginas, não passando de 200 folhas. A quanto tempo não via esse livro?
– Faz anos desde que você o escreveu, mas eu sou apaixonado por essa história, man. O plot revelado no início, a maneira que os personagens se conectam e mostram seu lado mais desumano e real com o passar dos acontecimentos, a contradição moral… eu adoro. – Roier começou a folhear o livro, os olhos brilhando de admiração. – E eu sei que você foi muito criticado pelo final ser justamente o começo, pero para mi, es perfecto. Simplemente perfecto.
– Você… realmente gosta…? – Ele, inconscientemente, estendeu a mão para segurar o livro nas mãos. Roier o entregou. – Essa capa de couro é da versão de colecionador… saiu a… a… nossa, a muitos anos atrás.
Um sorriso bonito finalmente surgiu nos lábios de Cellbit. Ele estava, genuinamente, contente.
– Claro que sim! Já li ‘O Arrependimento Mata’ mais de dez vezes! – Roier se apoiou na mesa para olhar seu adorado livro um pouco mais. – Eu comprei essa edição assim que saiu.
– Eu não sabia que seria entrevistado por um fã. – O sorriso deu um ar de desdenho para o escritor, que folheou um pouco mais seu antigo livro.
– De fato, não sou seu fã. Sou fã desse livro. São coisas diferentes.
Cellbit franziu o cenho e olhou para o jornalista, que sorria.
O mau humor do escritor pareceu desaparecer de um segundo a outro. Engraçado.
– E com qual dos dois você concorda? – Cellbit questionou, ajeitando sua postura curva.
– Nas primeiras vezes que eu li, eu estava 100% do lado do Ethan. Porém, eu reli a história esses dias e concordei muito mais com a Gabrielle… ainda assim, o Ethan é o meu favorito de longe.
– Curioso…
– O que?
– Normalmente as pessoas tendem a concordar mais com a Gabrielle na primeira leitura. Ainda mais quando o livro foi lançado. – Comentou, se lembrando da reação de seus amigos lendo o livro pela primeira vez. – O que te fez concordar com ele?
Roier deu uma risada tímida, e suas bochechas tomaram um tom avermelhado.
– Es que … quando eu li pela primeira vez, eu ainda era um adolescente, sabe? Y lo que pasó, es que yo imaginé que Ethan era demasiado guapo… y se quedó así. – Falou entre risos.
O escritor o encarou por alguns breves segundos, em silêncio, e logo depois gargalhou. Riu tão alto que até alguns clientes se viraram para ver. Roier riu junto, mas as maçãs do seu rosto permaneceram coradas.
Após se acalmar, Cellbit estendeu a mão, pedindo silenciosamente pela caneta que o jornalista segurava.
– Me alegra saber que você goste tanto desse livro, Roier. Hoje em dia, ninguém se lembra que ele existe.
– Não sabem o que estão perdendo!
– Notei que você falou espanhol. Veio de onde?
– Haha, desculpe. – Ele arrumou a faixa em sua cabeça, sem graça. – Acabei deixando escapar.
– Não se desculpe, só estou curioso.
– Vim do México, há sete anos atrás. Já estou bem acostumado com o português, mas por falar espanhol diariamente, às vezes acaba saindo quando fico agitado.
– Entendo…
Cellbit abriu o livro na página de dedicatória e assinou ali mesmo, com certo capricho. Fechou o livro, e o devolveu junto com a caneta.
– Você fala português muito bem. – Prosseguiu, após desviar o contato visual. – Tem pouquíssimo sotaque.
– Verdade? Costumavam dizer que eu meu sotaque era muito forte… se bem que eu vejo isso como um charme meu. – Respondeu Roier, e logo depois deu uma piscadela.
– Faz sentido. O espanhol é uma língua charmosa, assim como seus falantes. – Retrucou.
A garçonete chegou, carregando a caneca de café de Cellbit quase transbordando. Depois dos primeiros goles, o homem ficou ainda mais à vontade.
A conversa se estendeu por cerca de 15 minutos. Roier gostava de falar, o que era bom para Cellbit. Uma entrevista gravada já bastava. Ouvir outra pessoa falar sobre si mesma era ótimo. O jornalista tinha uma voz bonita e a maneira que não o bajulava agradava o escritor. Cellbit sabia, no entanto, que tudo era uma estratégia para que ele fosse mais sincero e menos breve em suas respostas durante a entrevista. Não se importou, contudo. Havia se passado muito tempo desde que conheceu um jornalista tão simpático e paciente o suficiente para conversar antes dos negócios; já havia perdido as contas de quantos nem se apresentaram, e apenas procuravam por informações nas mínimas em curtas interações com Cellbit, famintos por qualquer migalha de novidade.
Roier olhou seu relógio de pulso. Marcava 16h05. Já deveria ter começado a conversa, mas o mexicano não queria ser rude.
– Já deu 16h? – Cellbit terminou de beber o café. – Acabei me empolgando ao ouvir suas opiniões. Sinto muito se o fiz falar demais.
– ¡No, no, no! É ótimo falar com você! – Roier disse, nervoso. – Mas… agora que disse, sim, já passou das 16h. Se importa de começarmos?
– De maneira alguma.
Roier rapidamente começou a preparar seus equipamentos. Tirou um bloco de notas da bolsa, um gravador antigo e abriu o gravador no aplicativo de seu celular, também.
– Precisa de dois? – O escritor perguntou, com seus olhos azuis curiosos.
– Do que… ah, sim! Acontece que, uma certa vez, o gravador do meu celular parou de funcionar no meio da entrevista e eu só notei quando cheguei em casa. – Riu, sem achar graça. – Me lembrar das respostas após 5 horas foi extremamente difícil.
Cellbit sorriu em forma de risada e Roier, um pouco concentrado, prosseguiu ajeitando seus materiais e equipamentos. Quando estava prestes a acabar, o celular de Cellbit começou a vibrar intensamente, incapaz de acompanhar as notificações.
– Ah, me desculpe! – Ele soou envergonhado pela primeira vez. – Vou colocar no modo silencioso.
– Pode atender. Pode ser que seja importante.
– Obrigado. Eu serei breve.
O escritor atendeu a ligação. Roier se arrependeu de suas palavras quando viu o cenho de Cellbit franzir. Em poucos segundos, o loiro pediu licença e foi até o lado de fora da cafeteria. Ele andava de lá para cá e parecia irritado com algo. Mandou mensagens e voltou a ligação. Estava frio, mas ele parecia suar. Estava nervoso com algo.
E lá se vai todo o clima amistoso que eu criei , pensou Roier.
A demora o estava inquietando, no entanto. Ele definitivamente desgostava do que estava acontecendo. Seus anos no jornalismo lhe diziam que nada de bom resultaria nisso. Por que permitiu que ele atendesse? Por educação? Para o caralho com a educação! Educação não lhe daria dinheiro.
Cellbit entrou apressado e Roier sentiu um aperto no coração; um sinal de má notícia.
– Eu.. aconteceu um problema… e só eu estou disponível para resolver… foi mal, Roier.
Ah, entonces perdí mi oportunidad…
Tudo isso por nada. Gasolina gasta a toa. Tempo perdido. Dinheiro gasto nesse café, que por mais doce que estivesse, começou a deixar sua boca amarga.
Será que Cellbit tinha ideia do quão difícil foi conseguir essa entrevista? Ser escolhido entre tantos outros jornalistas para uma tarefa tão importante quanto essa? Quantos e-mails precisou trocar com o secretário dele para confirmar e agendar uma única hora de entrevista? Quanto tempo demoraria para remarcar tudo novamente, isso se ele não fosse substituído por um jornalista que pudesse fazer o trabalho direito?
Claro que não. Uma pessoa famosa como ele não deveria se preocupar com esse tipo de problema.
– ¡No te preocupes! Todo está bien, cosas así se pasan. – disse sorrindo, mas seu estômago se revirava e desdobrava de frustração.
– Me dá a caneta. – Mandou, enquanto guardava as coisas em sua bolsa com pressa.
– Que?
– Uma caneta, rápido!
Roier entregou a caneta que foi usada para autografar seu livro, minutos atrás. Cellbit a pegou e, sem tempo de procurar por um papel, segurou a palma de Roier e começou a escrever ali mesmo.
– Esse é o meu número de celular. – Falou com pressa. Assim que terminou de escrever, ele abriu a carteira de forma desajeitada. – Nem precisa mandar e-mail pro meu secretário, melhor pular toda aquela enrolação. Só mandar mensagem e a gente marca outra coisa, beleza?
– Ah… si.
Ele tirou oitenta reais da carteira e deixou na mesa.
– Foi um prazer te conhecer, Roier! ‘Tamo junto. Até!
E em um piscar de olhos, Cellbit havia saído da loja.
Por longos segundos, Roier não soube reagir. Ficou em choque, parado, olhando o número escrito em tinta azul na sua mão. Tentava, inutilmente, assimilar o que havia acontecido.
Mejor seguir en tópicos. Concluiu.
Cellbit havia abandonado a entrevista? Sim. Ele retornaria ainda hoje? Parecia improvável. Mas prometeu outra entrevista! Certo? Certo. Por isso escreveu seu número de telefone na mão de Roier. Ei, sem chance desse ser o número de telefone dele, né? Não, no máximo, deve ser o número que ele usa no trabalho. Porém, ele foi atencioso. Será? Sim, deve ser. E o que foi aquele vocabulário? Mudou totalmente seu jeito de falar. Ele deixou os oitenta reais para pagar a conta? Provavelmente, mas com certeza ia sobrar. E por que seu coração batia tão rápido?
Um sorriso frouxo foi desenhado nos lábios de Roier à medida que encarava os números na palma de sua mão. Será?
Olhou o seu celular por instinto. Para sua surpresa, Jaiden estava ligando para ele.
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Jaiden havia falado com ele por cinco minutos inteiros, mas graças aos últimos acontecimentos, Roier estava tão aéreo que absorveu apenas cerca de 20% da informação. Pelo menos, ele havia captado o essencial: Bobby havia se metido em encrenca novamente. Nada de novo.
Já estava no carro, a caminho da escolinha de seu filho, mas o coração permanecia acelerado. Os últimos 30 minutos de seu dia não pareciam ser reais. Seu dedo batia em tique nervoso, e ele apertava o volante com mais força do que necessário. Quando o sinal ficou vermelho, Roier aproveitou e encostou a cabeça no volante – com cuidado para não acionar a buzina – e respirou fundo.
Ele tinha muitas coisas que queria se assegurar, que queria rever e confirmar. Queria mandar mensagem para Cellbit agora e lhe perguntar se aquilo na verdade faria parte de um reality de TV. Mas não podia, no entanto. Tinha que se concentrar no que podia fazer.
Necesito concentrarme. Algo le pasó a Bobby. Hombres y negocios pueden esperar.
Ao chegar na escolinha, viu o adorável lugar que seu filho passava a maior parte de seus dias. Era um local especializado para crianças em desenvolvimento, desde o jardim de infância até o 5° ano do fundamental I ; Bobby ainda estava no 1° ano. O lugar era grande e bonito, com várias árvores, arbustos e flores. Os muros de tijolos, o chão pintado de giz, a amarelinha que ia até 15 e o playground de primeira linha foi o que conquistou ele e a Bobby.
Roier cumprimentou o jovem porteiro com aceno de cabeça e seguiu em direção à diretoria sem mais explicações. Bobby era tão pestinha que não era incomum ver Roier e Jaiden na escola para acalmar seu menino.
Assim que entrou, o mexicano cumprimentou o secretário; dessa vez, com um aperto de mão.
– E aí, Phil? Quanto tempo, man . Já faz o que… umas duas semanas? Como anda?
Philza sempre estava com cara de cansado, apesar de nunca mal-humorado. Ele vestia um jeans preto e suéter verde, com vários bordados divertidos nas mangas. Seu cabelo estava preso em um pequeno rabo de cavalo baixo, e alguns fios que caiam sobre seu rosto eram presos por uma presilha infantil, em formato de patinho – provavelmente, presente de uma das crianças. Mesmo sendo apenas o secretário, os pequenos adoravam passar o recreio ao lado dele.
– Bem, bem. – Balbuciou, com um ar de cansaço. – Bom, Roier, é o mesmo de sempre… O Bobby brigou com um menino da sala dele, o Richarlyson, mas já está tudo bem agora. O pai da criança também já está aqui e acalmou o filho, mas o Bobby não quer pedir desculpas de jeito algum. Ah, ele acabou machucando o dedão, também.
– Mas é grave?
– Não, não! Só está dolorido. Uma semana sem esportes e ele deve ficar bem.
– ¿Pero, por qué eso?
Philza cruzou os braços, e pensou por alguns segundos de olhos fechados – foi até um tanto parecido com o gesto que Bobby fez essa manhã. Talvez passar tanto tempo com as crianças fez com que Philza imitasse alguns comportamentos inconscientemente.
– Creio que eles explicarão para você melhor do que eu.
Um tanto confuso, Roier se despede de Philza e vai até a diretoria – lugar o qual já está bastante habituado a ir.
Mesmo que já esteja acostumado com os corredores, o jornalista sempre dá um tempo de seus próprios pensamentos para apreciar a magia da escolinha, recheada de cor e vida. Nas paredes, haviam inúmeros trabalhos e recortes feitos em EVA colorida e glitter. O chão tinha uma estampa de quebra-cabeças de cores diversas e podia-se encontrar quatro ou cinco lápis de cores perdidos. O local era levemente silencioso, visto que as crianças estavam em aula. Ainda assim, exalava juventude e ânimo.
Finalmente, se deu de frente com a porta no final do corredor, que exibe uma placa com as palavras “ Sala do Diretor ”. Roier bateu duas vezes e aguardou breves segundos.
– Entre. – Disse o diretor Fit, com sua voz grave.
– Com licença… – o homem abriu a porta, com a cabeça levemente baixa – É um prazer revê-lo, senhor diretor! Mesmo que em circunstâncias não tão prazerosas…
Fit riu. Sua risada soava forte e potente, como sempre.
– Sem essa conversa de jornalista para cima de mim, Roier, por favor. – Ele sorriu.
O diretor virou o olhar para o pequeno Bobby, que se sentava de frente para Fit. Ele estava com as mãos no joelho e a cabeça virada para baixo. Seu pézinho direito também estava sem sapato e meia, e seu dedão parecia estar envolto de alguma espécie de pomada.
– Está vendo, Bobby? Seu apa chegou. – As palavras de Fit, por mais graves que soassem, tinham um tom extremamente terno. – Está tudo bem agora.
– Hijo, dime lo qué pa- …
– Roier?!
O mexicano sentiu seu coração errar a batida. Ele não podia acreditar na voz que acabara de ouvir. Olhou para o homem que estava sentado na cadeira ao lado e o viu. Viu ele. O mesmo homem com quem conversou a minutos atrás e que escreveu o número de seu celular na sua mão. Cellbit parecia tão incrédulo quanto Roier.
Ele já não vestia sobretudo e seu cabelo estava mais bagunçado do que antes. O que diabos…
–¿Cellbit?
– Oh, vejo que já se conhecem? – Fit perguntou, na esperança de não precisar realizar as apresentações. O silêncio constrangedor, entretanto, foi o suficiente para ele desistir dessa ideia. – Cellbit, esse é Roier, pai de Bobby. Roier, esse é Cellbit, pai de Richarlyson; o menino que brigou com seu filho.
– Ei! Ele que brigou comigo!
O jornalista finalmente se deu conta de que havia uma criança no colo de Cellbit. Ele deveria ter a idade de Bobby, se não, um ano mais novo. Tinha uma pele negra cheia de machucadinhos e curativos coloridos. Cabelos cacheados, volumosos e bonitos, tão grandes que cobriam parte de seus olhos. A criança vestia uma camisa da seleção brasileira número 9, do jogador Richarlison – e apesar de um pouco larga, estava bem cuidada. Ele tinha um shorts preto, além de ter uma prótese na meia-perna direita.
Cellbit olhou para seu filho com o cenho franzido.
– Richas, já falamos sobre isso! É verdade que Bobby começou a briga, mas você o provocou depois continuou, não foi? – O menino o olhou um tanto triste e concordou com a cabeça. – Então peça desculpas.
– Só peço desculpas se ele pedir primeiro! – Disse cruzando os braços e fez biquinho.
– Richarlyson!
– Está tudo bem, Cellbit. – Roier colocou a mão no ombro do escritor. Em seguida, se ajoelhou de frente para seu filho. – Bobby, si realmente empezaste la pelea, primero necesitas disculparse.
– Pero, ¡apa! – O menino reclamou, com os olhos marejados de dor e leve frustração.
– Dime lo que pasó, mi hijo. – Roier permaneceu firme, mas fez um leve carinho nas costas de seu pequeno.
Bobby explicou, inteiramente em espanhol, o que havia acontecido. Durante o jogo de futebol, Bobby chutou uma bola ao gol e Richarlyson a segurou. Ele zombou de Bobby e mostrou a língua. Determinado a se mostrar bom no esporte, Bobby novamente tentou fazer outro gol, mas Richarlyson segurou a bola e riu dele. Com raiva, o pequeno artilheiro chutou a perna do pequeno goleiro; mas foi justamente a perna de fibra de carbono, o que acabou machucando seu dedão. Eles iniciaram uma briga e o professor precisou separá-los.
Roier ouviu tudo em silêncio, sem interromper o menino nenhuma vez.
– ¿Entende, apa?
– Si, mi hijo… – Roier respirou fundo. – Juguemos a imaginar, ¿ok? Hm… Miras a papi de Richarlyson.
Bobby virou sua cabeça e pela primeira vez, notou o homem de cabelos loiros escuros.
– Imagine que él y yo estamos a competir para ver quién escribe mejor. Y, debido a su increíble torcida, yo soy el ganador.
Bobby concordou com as palavras de seu apa. Ouvir que seu pai ganharia do pai de Richarlyson o fez sorrir. O outro menino, por sua vez, quis interromper e questionar a veracidade da história, porém Cellbit pediu para que fizesse silêncio.
– Entonces, triste y frustrado, el papá de Richarlyson… ahn… parte mi bolígrafo en dos. Ahora, ¿piensa que él ha hecho mal en querer herirme solo porque yo gané?
– Si, ha hecho mal. – Bobby concluiu após pensar por alguns segundos.
– Vea, mi hijo… hoy, tú fuiste el papi de Richarlyson y Richarlyson fué yo. Jamás debes herir a alguien o algo solo porque perdió. Mismo que no sea tu mejor dia o mismo que fue provocado. No es cosa de buenos niños.
Bobby franziu a sobrancelha. Quando finalmente entendeu o que uma história tinha a ver com outra, fez bico e se virou para frente.
Richarlyson discretamente pediu para que seu pai o colocasse no chão. Mesmo que receoso, Cellbit o tirou de seu colo. O menino andou lentamente até ficar de frente para Bobby e lhe estendeu a mão. Seu olhar era sério e ele não pretendia dar para trás. O rapazinho com a faixa na cabeça revirou os olhos, mas apertou a sua mão.
– Lo siento, Richarlyson. No lo haré de nuevo. – Entortou o nariz enquanto dizia, mas falou olhando nos olhos. Já era um avanço.
– Tá desculpado! E me desculpe, também. Não vou mais te provocar. – Richarlyson sorria como um ganhador, exibindo um sorriso cheio de buracos.
A verdade é que Richarlyson não estava realmente querendo pedir desculpas. Na sua perspectiva, não havia feito nada de errado. Mas queria impressionar seu pai Cellbit; queria parecer grandinho e responsável. E pelo sorriso que seu pai deu, parecia ter alcançado sua meta!
– É um prazer Richarlyson. Meu nome é Roier, sou o papa de Bobby. – Falou, gentil, fazendo um gesto de soquinho para o menino, que contente, socou de volta.
– Oi, tio! Pode me chamar de Richas! Todo mundo me chama assim! Até o pai Cellbit! Tem dias que é só isso o dia todo! Ele só fica me chamando “Richas! Richas! Richinhas!”
– Ok, filho, – Cellbit interrompeu, levemente envergonhado – creio que ele já entendeu.
Fit tossiu falsamente chamando a atenção de todos da sala.
– Estou orgulhoso de vocês, meninos. Porém, temo que terei que dá-los uma advertência de qualquer maneira. Richarlyson, pode fazer a gentileza de buscar a sua agenda? – O diretor bateu o olho no dedão machucado da outra criança. – E de Bobby, também. Por favor.
– Pra já, sinhô diretô’! – E Richarlyson saiu aos tropeços para fora da diretoria.
– Bobby, – Roier chamou seu filho – ¿como estás se sentindo? ¿Sientes mucho dolor ?
O menino só concordou com a cabeça e não disse mais nada.
O jornalista suspirou. Ele conhecia seu filho. Estava mais irritado por pedir desculpas do que pela dor no pé.
– ¿Crees que puedes ser capaz de andar? – O menino não respondeu. – Bobby, no sea así, mi hijo…
– Ah, que pena que ele não pode andar… – Cellbit disse ao vento.
– ¿Como?
– Ah, bem… acontece que apareceu um rapaz com uma barraquinha de sorvete atrás da escola… – o escritor colocou sua mão no queixo e notou que havia captado a atenção do pequeno – mas se ele está com tanta dor assim, talvez seja melhor levá-lo para o hospital. De fato, é uma pena… afinal, ninguém sabe quanto tempo aquele vendedor vai ficar por lá…
Os dedinhos de Bobby começaram a se mexer inquietamente. Logo em seguida suas pernas. Em um movimento arriscado, ele desceu da cadeira e começou a analisar onde sentia dor e onde não. Os três adultos o observavam com atenção, prestes a socorrer se um choro começasse.
Após mais alguns segundos de avaliação, Bobby começou a calçar a meia e o sapato de novo.
– Si lo ando normal no siento dolor…
Roier suspirou em alívio. Encarou Cellbit e sorriu com os olhos em sinal de agradecimento. Ele desviou o olhar, contudo.
Richarlyson entrou na sala, segurando duas agendas parecidas. Ambas do Homem-Aranha, mas em poses diferentes. Ele deu a volta ao redor da mesa de Fit e entregou os caderninhos ao diretor.
– Thank you, Richarlyson.
Fit escreveu brevemente as advertências nas agendas das crianças, e logo depois as devolveu para seu respectivo dono.
O diretor se levantou e mostrou ser maior que todos ali presentes, com mais de 1,95m. Ele tinha tatuagens nos braços – bem musculosos por sinal, – e seu rosto tinha uma expressão naturalmente fechada. Sobrancelhas grossas e olhos castanhos levemente pequenos o faziam ter um olhar ríspido, e alguns alunos diziam temer sua careca.
Ele deu a volta em sua mesa, e ficou perto dos pequenos.
– Bem, senhores pais… se me dão licença, eu preciso levar os pequenos de volta a sala de aula. Faltam apenas 40 minutos para o fim das aulas, mas serão 40 minutos recheados de novas lições. – Os meninos reclamaram em coro. – Sim, sim… seguindo. Vocês, pais, podem esperar aqui, é claro.
Os pequenos se despediram e foram levados para fora da diretoria. Os pais que ficaram, no entanto, seguiram com um silêncio constrangedor.
O pé de Cellbit começou a bater no chão rapidamente e ele se levantou da cadeira.
– Eu… – a voz de Roier soou baixa. Quase perdeu a coragem de falar. – eu não sabia que você tinha um filho.
– …Ninguém sabe. Ninguém deveria saber. – Respondeu entre suspiros. Cellbit tentava desfazer o cenho franzido com os dedos da mão direita, apesar de não ser muito efetivo. – Eu só queria que ele tivesse uma infância tranquila…
Silêncio, novamente.
– Por isso você detesta entrevistas pessoais.
O escritor finalmente se virou para encará-lo. Seus olhos pareciam mais azuis do que nunca, vibrantes e nervosos. Exalavam desespero em sua mais pura forma.
– Não fale disso para ninguém. Quanto você receberia por uma matéria assim? Seja sincero. Eu pago o dobro. O triplo. Qualquer valor, é só me dizer.
Roier se manteve quieto, apenas o encarando. Ficou levemente ofendido pelas palavras do escritor. Mas poderia pensar sobre o assunto.
Uma entrevista pessoal e esse dinheiro? Ia ser de grande ajuda. Estava com algumas dívidas para quitar, é verdade. O cartão de crédito venceria semana que vem. O aluguel já estava atrasado há 15 dias. A mensalidade da escolinha estava com um atraso de 2 meses. Um dinheiro a mais seria de muita ajuda.
Não poderia, no entanto.
Roier jurou jamais ser comprado. Sempre que tivesse uma verdade em mãos que precisava ser exposta ao mundo, ele a publicaria; não importava se receberia centavos. Ele sempre foi fiel a sua crença de que todos tinham o direito de saber a verdade. Nem mesmo um escritor charmoso o faria mudar de ideia. Era uma promessa tola e ingênua, sim, mas Roier não gostava de quebrar juramentos.
– Só há uma coisa que desejo, Cellbit. – Ele diz, enfim.
– Claro. Qualquer coisa.
– Quero que perdoe o meu menino por ter brigado com o seu.
Acontece que a existência de uma criança não era necessariamente uma verdade que precisava ser revelada para a mídia – por mais encrenqueira e adorável que ela fosse.
O loiro ficou sem palavras. Como alguém poderia fazer tamanha piada de mal gosto nesse momento? O olhar sério de Roier, contudo, o fez considerar que ele estivesse sendo genuíno. Ainda assim, ele esperou. Esperou pela verdadeira proposta, ou uma confissão sobre o senso de justiça jornalístico ou qualquer tipo de chantagem. Porém, não recebeu nada. Nada mesmo.
Recebeu apenas um confuso par de olhos castanhos, que ansiavam por uma resposta.
– Por que?
– Não sei se você notou, mas eu também tenho um filho. – Roier riu sozinho e então um olhar levemente soturno se instalou nos seus olhos. – Só de pensar ele tendo que ficar dentro de casa o tempo, sentir aversão à fotos, medo de paparazzi, se privar de brincar com outras crianças… é terrível. Se bem que não temos como saber o que aconteceria, mas… não vale o risco.
Cellbit não seria tolo de cair naquela conversa de jornalista. Roier dizia isso, mas assim que ele fosse para casa, publicaria uma matéria sobre como ele havia enganado tudo e a todos. Como ele foi um pai extremamente irresponsável durante as eleições. Como ele não deveria ter o direito de cuidar de uma criança.
Então por que se viu tão tentado a acreditar?
Por que ele parecia tão genuíno? Seria possível que alguém tão jovem como ele pudesse entender? Havia alguma chance de que suas palavras gentis fossem verdadeiramente honestas? Ele não acreditava ser possível. Mas então, por que os olhos amendoados o faziam ter certeza de que nada aconteceria?
Seria imprudência, em sua mais pura e viva forma.
– É claro que eu o perdoo. Porém, você deve me perdoar por estragar a sua entrevista.
E mesmo assim, Cellbit deu o seu salto de fé. O mais perigoso e arriscado de todos.
Roier sorriu, exibindo covinhas.
– Ei, nem se preocupe! De certa forma, foi o meu filho que parou a entrevista! – Riu. – Você não vai se decepcionar, man! Eu juro. Bobby vai ser um ótimo amigo para o Richarlyson.
Por fim, o dia finalmente acabou. Roier estava exausto.
Seu coração implorava por uma noite longa e tranquila de sono. Hoje, ele havia pulsado mais do que nunca! O sono comprido teria de ser adiado, no entanto. Roier fez algumas horas extras em home office quando chegou em casa, além de ter estendido a roupa recém lavada e dado um banho em Bobby.
Quando se deitou na cama, sentiu sua coluna doer. Olhou para a sua bolsa ao lado da cama e aproveitou para ver a assinatura que havia ganhado de seu livro preferido. Procurou pela página de dedicatórias e a leu por inteira.
Roier encarou para a assinatura, incrédulo. Afinal, mais do que um autógrafo, tinha uma dedicação para si e um apelido próprio.
– Más que cabron… – falou consigo mesmo, rindo com um sorriso de canto. – Guapito…? ¡Ay! Un sobrenombre muy bueno…
Fechou o livro, e parou para pensar ao mesmo tempo que se deitava para dormir. Como era "guapo" em português mesmo? Bonito? Lindo? Bem, sim, mas não eram essas palavras que procurava. Lembrou-se! Gato! Parando para pensar, aqueles olhos azuis de Cellbit também se assemelhavam um pouco aos olhos de um gatinho assustado.
A ideia o divertiu por alguns segundos. Então, Roier adormeceu.
Notes:
sério, que inferno de colocar essa imagem!!!! Kkjasdnkajsdsa
Se alguém tiver uma ideia melhor ou dica, estarei aceitando!! Infelizmente, esse foi o melhor que pude fazer por vocês!Obrigado por ler!
Chapter 3: Apelido?
Notes:
Um capítulo extra de presente para vocês!
É curtinho, mas espero que gostem!
Chapter Text
Bobby observava as outras crianças jogarem futebol entristecido.
“Eu teria acertado aquele passe!” ou “Se tivesse passado para mim, eu teria driblado certo!” ele pensava. Fazia apenas dois dias desde que seu dedo estava machucado, o que significava que só poderia jogar semana que vem.
Suas pernas estavam encolhidas e envoltas por seus braços gorduchinhos. Bobby estava verdadeiramente chateado.
– Oi, Bobby-bolota! – Exclamou uma voz. Bobby virou o rosto, já irritado.
– ¿Qué quieres, pendejo?¡Déjame en paz! – Respondeu grosseiro. O seu machucado era culpa de Richarlyson, afinal de contas.
– “Pendejo”? – Ele ponderou por alguns segundos, e então a ficha lhe caiu. – ‘Tá me chamando de idiota? Você é o idiota!
Bobby não respondeu, e prosseguiu com o rosto virado. Richarlyson saiu resmungando e pisando forte até o lado oposto ao campinho de futebol.
Quando finalmente pensou que ficaria em paz, ele voltou e se sentou ao seu lado. Que coisa! Será que Richarlyson não tinha entendido que ele queria ficar sozinho?
– ¡Ya hablé para dejarme solo, Richas! – quase gritou. Bobby virou o rosto, já arregaçando as mangas, quando viu quem realmente estava ao seu lado. Seus olhos arregalaram e ele cobriu a boca.
– Tem certeza? Eu acho que você nunca me disse isso. E meu nome não é Richas.
– …Lo siento, pro Felps…
O professor estava sentado com as pernas cruzadas e suas mãos, cheias de pulseiras feitas de miçangas que ganhou de alunos, descansavam sobre os joelhos. Ele vestia uma saia preta e comprida, com as estrelas costuradas à mão. Tinha uma blusa listrada, preta e branca, e um colete charmosinho por cima. O seu cabelo cacheado tinha uma presilha que ganhou de presente, em formato de coração – assim como o seu sorriso.
– ‘Tá tudo bem! Que sorte que você falou isso para mim e não para a pro Tina! – Ele riu, de sua maneira engraçada. – E esse pézinho aí? Por quanto tempo ele vai ficar ruim?
– H asta…hm... até segunda.
– E tudo culpa do Richarlyson, não é? – Finalmente, ele chamou a atenção do pequeno mexicano. – Ele é terrível, mesmo. Mas quer saber um segredo, Bobby?
Bobby pensou por segundos, e acenou com a cabeça.
– Na verdade, ele ficou muito chateado que você não pode jogar. Me disse que se você não estiver no campo, ele nem tem vontade de ir.
– ¡Qué mentira!
– É verdade! Olha ali! – Felps apontou com as sobrancelhas para um cantinho do parquinho, perto das casinhas de plástico. Lá, Richarlyson desenhava sozinho. – ‘Tá vendo? Hoje também não quis jogar.
– ¿Me juras que no me estás diciendo eso sólo porque él es tu hijo? – Bobby lhe estendeu o mindinho, extremamente sério.
– Juro. – E assim, o professor estendeu ao aluno o último dedo da sua mão.
O menino, ainda um pouco desconfiado, fez o juramento.
Naturalmente ele não acreditaria nessa besteira. Mas, sabe, foi o tio Felps que disse isso. E o tio Felps não mentiria para ele.
– E… hm… você crees que eu deveria pedir desculpas? Nem somos carnales .
– Não sei. Mas… quando você me confundiu com ele, você falou “Richas”, não falou? – Falou com a mão no queixo, se lembrando do início da conversa. – Até onde eu sei, só chamamos alguém pelo apelido quando somos amigos.
– ¿ Apellido?
Felps parou por alguns segundos, até se lembrar que, em espanhol, “apellido” significa “sobrenome”. Deu uma risadinha.
– Un apodo. És como decimos en português. – O professor explicou. – E aí? Acha que deve desculpas para o seu amigo?
Sem falar nada, após alguns segundos, o menino se levantou determinado e foi atrás de Richarlyson.
Felps também ficou de pé e foi em direção à sala dos professores, com um sorriso de canto no rosto. Ele sabia que os meninos teriam um papo sério. Aquele tipo de papo que as crianças eram especialistas, e os adultos eram péssimos; onde eles abriam o coração um para o outro e eram sinceros.
Chapter Text
– ¡Por favor, apa!¡ Es para un trabajo escolar! – Reclamou Bobby.
Roier tinha muita dificuldade em negar coisas que seu filho pedia.
E era mais difícil ainda quando ele estava determinado. Sabe, Roier adorava ser parecido com Bobby, mas como queria que o pequeno não tivesse puxado a sua cabeça dura e teimosa. E, infelizmente, o jovenzinho era ainda mais insistente que Roier quando queria algo.
O jornalista precisava, ao menos, ser o mais firme possível. Mesmo que já tivesse aceitado o resultado.
– Ya dice que no, mi hijo. En casa es muy apretado, no hay como hacer algo allí. ¿Por qué no te ves con Richarlyson y se va a casa del?
– ¡Es que Richas tienes tantos papás diferentes que no sabes que casa elegir!
– ¿Comó?
Claro, Roier ficou imensamente contente que Bobby havia feito uma nova amizade. E ficou mais contente ainda ao saber que seu novo amigo era Richarlyson! Não fazia ideia do que havia acontecido, mas de um dia para outro, os dois viraram melhores amigos.
E, sempre que Bobby falava de seu melhor amigo, Roier se lembrava que ainda precisava mandar mensagem para o pai dele, mesmo que sempre lhe faltasse coragem…
– Si, ¡es verdad! Tienes tres papas, lo creo. Y como cada papa tiene una casa, no sabes cuál elegir.
Ricos e seus problemas de ricos. Queria Roier ter essa preocupação.
– Aún no conozco todos los padres de Richas… – Bobby prosseguiu falando. – Hay él tío con mechón blanco que habló de él gelatero y… hm… ah, si, ¡mi maestro!
– ¿Su maestro?
– Si. Pro Felps, lo llamamos. ¡És un de mis maestros preferidos!
Felps? Esse nome… de onde Roier conhecia esse nome? Felps, Felps, Felps…porra, estava na ponta da língua! Ah, que seja. Uma hora iria lembrar.
– Bueno, si es tu maestro puedo hablar con él en la escuela. – Roier olhou para seu filho pelo retrovisor e ele finalmente parecia mais calmo. – Felps, ¿eh?
– Sim! – Falou em português, orgulhoso de sua pronúncia quase perfeita.
Roier riu um pouco, o que deixou Bobby bravo. Como ele ousava debochar de seu português apurado?
Após mais alguns minutos, eles finalmente chegaram à escolinha. Dessa vez, Roier estacionou o carro e desceu ao lado de seu pequeno. Conforme eles andavam juntos, Bobby lhe contava sobre o que tinha aprontado em cada cantinho. O jornalista estava em tremenda dúvida se deveria o parabenizar ou lhe dar uma bronca; para a sorte do jovenzinho, eles chegaram na sala de aula antes que ele chegasse a uma conclusão.
– Comportarse, ¿si? – Roier se ajoelhou na altura de Bobby. – No pelee mucho, porqué esa patita de cheeto aún no está 100%.
– ¡Todo va a depender si Richas no se queda un pendejo hoy! – ele cruzou os braços e riu sozinho, se lembrando de algo.
– Bobby! – a voz do menino em questão soou pela sala de aula. – Vem cá ver a beyblade nova que eu ganhei!
Bobby já estava indo até seu melhor amigo quando seu pai segurou seu ombro.
– ¿Qué pasa?
– Hoy te vas a volver con mamá Jaiden. ¡No te olvides!
Ele abriu um sorriso enorme e contente. Deu um abraço rápido em seu pai – um grande sinal de afeto, já que Bobby não era fã de contato físico – e saiu correndo até onde Richarlyson e uma menina pequena com hijab e boina francesa estavam.
O jornalista se levantou e andou tranquilamente até a secretaria, enquanto assobiava uma música. À medida que se aproximava, ouviu uma conversa que captou sua atenção. Ele se escondeu na curva do corredor para a secretaria, de maneira em que não pudesse ver, mas ouvia bem o que acontecia na outra sala. Não que tivesse orgulho em ser fofoqueiro, porém era como um instinto natural, desenvolvido após anos trabalhando no jornalismo.
– Você não tem dormido muito.
A voz era gentil. Um pouco séria, também.
– Eu estou tão acabado assim? – Roier rapidamente reconheceu a voz de Philza, seguida de um riso fraco. – Agradeço a sua preocupação. Eu estou melhorando e vou tirar uma semana de folga segunda que vem.
– Sabe que sempre pode contar com a gente, né, Phil? – O secretário não respondeu e a voz prosseguiu. – ‘Cê também é família. O Chay e a Tallulah também.
– Thanks. It’s just… this divorce thing is so exhausting. It was not supposed to be like that…
Philza suspirou fundo e falou algo tão baixo que nem mesmo os tímpanos sensíveis de Roier conseguiram captar.
– Cara, vai dar certo. E se não der, a gente faz dar.
– Obrigado, Felps. Acho que ele só precisa de tempo, mas-...
Felps! Como Roier era sortudo. Ele adoraria continuar ouvindo, porém logo deveria retornar para o trabalho – trabalhar bastante, diga-se de passagem –, e antes disso, tinha que conhecer o tal professor favorito de seu filho.
Ele deu alguns passos para trás e fingiu estar caminhando até a secretaria inocentemente.
– Bom dia, Phil! – O mexicano acenou charmosamente, como estava acostumado. Virou-se para Felps com um falso olhar impressionante. – Ah, bom dia! Eu estava querendo falar com o professor de Bobby… ele se chama Felps, se não estou enganado. Sabe onde posso achá-lo?
– Sou eu! – Falou, animado. – Posso ajudar?
– Ah, ¡que bueno! – Prosseguiu. Talvez devesse abandonar o jornalismo e iniciar a carreira de ator. O salário era quase o mesmo. – Sou o pai do Bobby, prazer!
– E aí! Ouvi coisas boas sobre você. – Felps o olhou de cima a baixo e sorriu. – Agora eu entendi…
– Hm? Entendeu o que?
– Nada, nada não. Mas fala aí, como posso ajudar?
Roier naturalmente estranhou. Suas sobrancelhas franziram, mas o professor não fez menção de que iria se explicar.
Philza, assim que notou que não seria necessário na conversa, aproveitou para levar atividades recém-impressas para o 4° ano.
– Bem, Bobby me contou sobre uma certa atividade que você passou para os alunos fazerem em casa… em grupo. – Ele enfatizou as últimas duas palavras.
– Sim, é importante que as crianças aprendam a fazer trabalhos em conjunto fora do ambiente escolar. – Felps pensou por alguns segundos antes de falar, como se estivesse escolhendo as palavras. – E qual seria o problema?
– No, no, ¡no hay problema! É que, bem, ele me disse que você também é pai do Richarlyson, certo?
– Isso mesmo.
– O Bobby formou grupo com o seu menino e… hm… acontece que eu não tenho condições de receber muitas pessoas em minha casa. É pequena demais.
Felps sorriu, empático. Seu sorriso tinha formato de coração.
Que engraçado. Que homem mais engraçado esse que lhe sorria. Não engraçado de digno de risadas, mas intrigante. Afinal, quando se fala de um homem com tatuagens no pescoço e braços, alargador e roupas pretas, ninguém imagina o indivíduo em questão lecionando no jardim de infância. Ao mesmo tempo, não o conseguia ver fazendo nada além disso. Talvez fosse bom cavando buracos, também. Mas só.
– Já saquei. Peraí, deixa eu ver o que posso fazer… – Ele retirou seu celular do bolso da saia e começou a trocar mensagens com alguém. O diretor, Roier supôs.
– Obrigado. Enquanto isso, se importa se eu lhe fizer uma pergunta meio pessoal?
– Não, ‘tá de boa.
Roier levantou ambas as sobrancelhas, em paralelo a sua tentativa de formar uma frase que não soasse tão estranha.
– Bobby me contou que Richarlyson tem muitos pais… é verdade isso?
– Sim! – O rosto de Felps desenhou um sorrisinho de canto. – O Richas tem 4 pais.
– ¿Qué?
Roier sentiu que a informação o acertou como um soco no estômago.
– Pois é! – De um instante a outro, Felps pareceu murchar. – Na verdade, hoje em dia somos 3… um deles veio a falecer.
Dessa vez, o soco foi no rosto.
– Meus pêsames.
– Valeu. Mas já passou. Enfim, é uma longaaaa história. – Ele apoiou as costas no balcão, olhando para o celular. – Só um de nós temos a guarda dele judicialmente, mas não fazemos muita distinção na prática, não… e a gente não tá em um relacionamento, nem nada assim.
Roier não entendeu o porquê da adição final, mas decidiu não refletir muito sobre.
Felps sorriu para o celular e spammou várias figurinhas. Roier não sabia que ele era tão amigo do diretor.
– ‘Cê vai fazer alguma coisa hoje, depois do horário de escola? – O professor perguntou, despretensiosamente.
– Hm, sim. Farei hora extra.
– Que dedicado! E amanhã?
– Amanhã? Amanhã é sexta, correto? – Franziu a sobrancelha. Não fazia ideia para onde essa conversa estava indo. – Não, não tenho nada planejado para amanhã.
– Fechou, amanhã no parquinho ali do lado da prefeitura, então?
– Claro, mas… para fazer o que?
Felps sorriu de novo.
– Bem, já que não dá para fazer o trabalho na sua casa, eu ofereceria a minha! – Felps gesticulava bastante ao falar. Não só as mãos se moviam, mas sua cabeça não parava quieta. – Mas eu ‘tô fazendo uma reforma interminável, aí 'tava vendo com um dos outros pais do Richas se eles não podem conversar para marcar um dia com você. Aí vocês marcam certinho amanhã!
– Pero…
– Relaxa, vocês já se conhecem! – Ele pegou algumas pastas coloridas e as ajeitou no braço. – Boa sorte!
E ele saiu.
Eles já se conhecem? Roier andou pensativo até o carro. Assim que colocou a chave do carro na ignição, se deu conta, finalmente! Começou a rir. Riu tanto que ficou sem ar.
Felps, né? Mais do que engraçado, era um homem engenhoso.
Roier havia passado o dia todo pensando nisso.
Em sua corrida matinal, estava analisando o clima e notando que diferentemente de ontem, hoje o dia seria frio; típico de Quesadilla. Ao fazer o café da manhã, pensava que tipo de roupas deveria usar. Como o Bobby estava sendo cuidado pela Jaiden hoje, teve bastante tempo para decidir que tipo de abordagem usaria. Durante o período de trabalho, pensava se ele ainda se lembraria dele, ou se o jornalista engraçadinho já não teria caído no vale do esquecimento.
Não tinha como saber, no final das contas.
O dia havia acabado, finalmente. Para seu azar, dessa vez o carro estava com Jaiden; em compensação, só precisava de um ônibus para ir até a escola de Bobby, que era do lado do parquinho.
– Eu sinto muito, Roier. Se você tivesse me avisado antes, eu teria me programado melhor, mas… – Jaiden soava preocupada. Algo um tanto raro de se ver.
Eles dividiam um Parati vermelho de 2006, já usado e meio velho; mas nada que um bom trato não consertasse. Jaiden havia comprado o carro e era ela quem pagava os impostos, mas Roier insistia em pagar por toda a gasolina consumida. Eles tinham dias combinados na semana para usar o carro, porém, acontecia de um precisar usar um dia e deixar o outro na mão, sem querer.
A verdade é que Roier era quem usava o carro em 60% dos casos. Ele só não pedia para pagar os impostos além do combustível, porque aquele dinheiro lhe faria muita falta. Mas tinha vontade.
– No , está tudo bem! Hoje é o seu dia de ficar com o carro, de qualquer maneira! – Para a sorte de Roier, o ônibus estava vazio o suficiente para ele conseguir falar no telefone. – Fique tranquila. Para ir do parquinho até minha casa é só uma linha de metrô, acho que o Bobby vai gostar.
– Bom, se tem tanta certeza…
– Sim! Pode ficar em paz. Eu te aviso assim que chegar em casa.
– Ok, ok. Love ya. Take care.
– También te quiero. Besotes. – e desligou. Bem na hora! Já era o seu ponto de descida.
Estava bem frio.
Dessa vez, Roier apostou em uma roupa mais casual, e nada melhor para isso do que seu moletom de homem aranha e uma jaqueta-jeans preta por cima. A razão principal é porque só tinha duas veste de frio formais e já havia gasto uma delas na cafeteria. A segunda é que decidiu não tratar a entrevista como um assunto a ser discutido naquele dia.
Havia notado como Cellbit estava satisfeito em apenas ouvir e falar frivolidades ao invés de pular diretamente para os negócios.
Se Roier queria a melhor entrevista possível, teria que jogar o jogo. Tudo bem, ele sabia ser paciente. Na maioria das vezes, pelo menos.
Ao chegar na escola, logo viu Bobby conversando com o porteiro. Um rapaz jovem, deveria ter menos de 19 anos.
– Buenas tardes, ¡Tubbo! O Bobby está dando muito trabalho?
– O mesmo de sempre, sr. Roier. – O jovem rapaz deu uma leve abaixada em seu chapéu, em forma de cumprimento. – Hoje ele está mais elétrico do que nunca!
– Ah, que bom! Já que vamos no parquinho hoje.
– ¿És sério? – O pequeno olhou, desacreditado. Bobby estava adorável com o gorro e o cachecol novos que ganhou de Jaiden.
– Uhum! Agora seja educado e se despeça do porteiro.
Ele tentou se despedir em inglês, a língua nativa de Tubbo. Mas, ao invés de dizer "goodbye", suas palavras soaram ao mais como "god bear", o que fez o porteiro rir. Claro, Bobby não deixou barato e lhe deu um pisão forte com o seu pé não machucado. Roier riu em silêncio.
Enquanto caminhavam por algumas quadras até o parquinho, Bobby pediu para ir nos ombros de Roier.
Conforme Bobby crescia, ficava mais difícil carregá-lo. Entretanto, Roier sabia que logo mais ele pararia de querer ser carregado; que ele gostaria de fazer as coisas sozinho. Não poderia o impedir, afinal, ele mesmo foi assim. Lhe restava aproveitar o tempo que tinha hoje.
Talvez devesse voltar a fazer academia. Só precisava arranjar dinheiro para fazer pagar a mensalidade.
Finalmente chegou no parquinho que ficava atrás da prefeitura. Tinha trepa-trepa, balanço, gangorra, escorregador, caixa de areia e um xadrez em escala gigante feito de plástico. Tudo que um parquinho precisava. Havia algumas crianças por ali, mas logo viu Richarlyson correr até eles; o que significava que ele também estava lá.
– Oi tio Roier! Caramba, adorei o seu moletom, muito maneiro! – Ele sorriu, contente como sempre. O pequeno estava bem agasalhado e suas luvinhas eram de alta qualidade. – Cadê o Bobby?
– Aqui em cima, tonto! – Ele se inclinou até a orelha do pai. – Papá, déjame caer, por favor.
Dito e feito. Logo que estava no chão, os meninos fizeram o toque de mão inventado que arrancou um sorriso de Roier.
– Você também está com luvas muito maneiras, Richas! – O jornalista disse, se agachando para ficar na mesma altura dos pequenos.
– Hihi, valeu! Foi o pai Cellbit que me deu de presente.
– E onde ele está, falando nisso?
– Ali, ó!
Richarlyson apontou para um banquinho discreto, escondido pela sombra de uma grande árvore. De fato, havia um homem lá, quase imperceptível. Ele vestia roupas escuras, como marrom e preto. Tinha um cachecol tão grande que cobria metade de seu rosto. Por alguns segundos, Roier duvidou que aquele realmente fosse Cellbit.
Mas então, o escritor pareceu finalmente ter notado Roier. E aqueles olhos azuis, cortantes como o frio daquele dia, o observavam cautelosamente. Pareciam brilhar na penumbra. Bem, agora o jornalista tinha certeza. Aquela figura com certeza era o famoso escritor.
Roier suspirou fundo.
– Beleza! Se divirtam, mas não suem demais para não pegar um resfriado! Não quero ver ninguém brigando hoje, ou se não, ninguém vai ganhar balinha. – Roier retornou a sua atenção as crianças. – Combinado?
– Combinado! – Disseram, juntos.
– Então vão brincar, porque o tempo está passando. – Ele sorriu malicioso, olhando o relógio.
Os meninos saíram em disparada, quase tropeçando em seus próprios pés no processo.
Roier caminhou calmamente até Cellbit. Estava tudo bem, era só ficar calmo. Ele só precisava não entrar em pânico e tudo estaria bem.
– Bom dia!
– Hm… – Cellbit olhou o relógio em seu pulso. – Boa noite.
Puta madre.
Roier respirou fundo. Ele olhou ao redor e observou as folhas das árvores mexendo. Ouviu o riso das crianças. Sentiu o vento gelado sobre o seu rosto. Ele precisava relaxar. Não importava o quão rico e famoso ele era, Cellbit era apenas um homem.
– Escolheu um bom lugar. Bem discreto.
– É melhor assim. Não costumo sair em público com o Richas, mas quando saio, prefiro ficar mais reservado. É o mais seguro.
Não demorou muito para Roier se sentar ao lado de Cellbit. Agora, olhando de perto, ele parecia mais bonito do que se lembrava. A única coisa que incomodava era a frieza em seu olhar. Teria todo seu progresso ido de água abaixo, ou só estaria Cellbit de mau humor?
Roier riu sozinho, se lembrando da noite que achou semelhanças entre o escritor e um gato arisco. Supôs que teria de conquistá-lo novamente. Tudo bem, ele já havia decidido que jogaria esse jogo.
Cellbit pareceu curioso sobre o motivo da risada, mas não questionou.
– Sinto muito em te dar todo esse trabalho ao invés de só te mandar mensagem. - Suspirou com um sorriso nos lábios. Foi possível ver o ar quente sair de sua boca graças ao frio. - Depois do que você escreveu no livro, admito que fiquei com um pouco de vergonha.
– Eu… – o escritor suspirou, frustrado. Ele cobriu o rosto com a mão, mas Roier ainda conseguiu ver seu rosto levemente rubro. – eu não imaginei que te veria de novo… desculpe por aquilo.
– Desculpas? No digas eso, ¡wey! – Roier cruzou as pernas. – Ou já parou de me achar gatinho, hm?
Cellbit finalmente relaxou os ombros. E riu.
Já era hora.
– Não foi isso que eu quis dizer. – Sua voz soava leve. – Sinto muito se eu questionei sua beleza em algum momento.
– Ora, assim você me constrange! – Roier fingiu modéstia. Cellbit riu um pouco mais. – Está em um dia ruim?
– Notou?
– Um pouco, sim. – Roier abotoou sua jaqueta jeans, cobrindo o moletom. – Mas não se preocupe. Todos temos dias ruins.
– Está com frio?
Quis mudar de assunto, assim, drasticamente? Ok! Sem problemas.
– Não muito, mas vermelho chama bastante atenção, não acha? Não quero estragar seu disfarce mega secreto.
– Ah… obrigado. – Ele ajeitou o cachecol que deslizou um pouco. Roier notou que suas unhas estavam pintadas de preto. Se bem se lembra, não estavam assim no começo da semana.
Ambos passaram alguns minutos observando seus meninos brincarem. Bobby e Richarlyson se juntaram a outras crianças e estavam competindo para ver quem conseguia subir no trepa-trepa primeiro.
– E… também agradeço por não fazer nenhuma matéria sobre… sobre nós. – Cellbit finalmente olhou para ele. – Teria sido um grande problema.
– Ei, eu prometi que não faria isso, não é? – Roier deu um soquinho no ombro de Cellbit. – Eu não quebro promessas!
– Bom saber. – Ele falou com as sobrancelhas arqueadas e sorriso estranho. – Bom, o que acha de marcarmos o tal trabalho em grupo?
– Bem lembrado! O Felps falou sobre… ahn, minha situação?
Cellbit pegou o celular em mãos e leu algumas mensagens. Roier não podia o culpar por não se lembrar de coisas assim. Já estava satisfeito que ele não o havia esquecido, ao menos!
– Ah, sim! Me desculpe, são tantas coisas para se lembrar… bem, presumo que podemos fazer na minha casa, então?
– Não é incômodo?
– De maneira alguma! Esse domingo à tarde… pode ser?
– Claro.
Silêncio, novamente. Roier ajeitou o cabelo e notou Cellbit o encarando.
- Aliás, gostei das unhas, man! Estão bonitas, como você.
O olhar de Cellbit mudou de curioso para surpreso, e de surpreso para envergonhado. Sério, como um homem daquele não estava acostumado com flertes?! Era o mínimo! Roier teria que mudar as coisas.
Afinal, seria bom para a entrevista se ele estivesse mais à vontade com a personalidade de Roier.
– Você é bom nisso. – O escritor riu, ainda levemente sem graça. – Eu estou enferrujado nesse tipo de coisa.
– Bueno , sinta-se livre para desenferrujar! Não vou levar pro pessoal. Juro!
– Jura mesmo?
E de um momento para outro, Cellbit estava perigosamente perto. Tão perto que Roier poderia ver seus cílios e olhar desafiador. Tão perto que dava para sentir o cheiro de perfume de damasco e limão. Tão perto que Roier podia ver sardas quase invisíveis pela falta de Sol, em torno de seu nariz e abaixo dos olhos.
Que homem belo Cellbit era. Chegava a ser impressionante.
– Estou vendo que você não está tãaao enferrujado assim, sr. escritor. – Roier se fingiu inabalado, mas até mesmo ele ficou um pouco nervoso com tamanha visão. – E, é, você está correto. Talvez eu tenha me apressado demais nesse juramento. Terei de revê-lo.
– Me deixe sabendo quando chegar a uma conclusão… – Cellbit ponderou por alguns segundos, sorrindo. – … Guapito . – arriscou.
Foi a vez de Roier rir.
É, ele estava gostando de ser paciente.
Notes:
Demorei, mas está feito!!
Naturalmente eu já teria lançado esse capítulo antes, mas eu a cena do parquinho é completamente nova, então demorou um pouco mais do que eu imaginava!! Olhando assim parece tão curta, mas são 9 páginas no docs!
Espero que tenham gostado!!

bannboleo on Chapter 2 Fri 28 Mar 2025 05:35AM UTC
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Artena_jll on Chapter 2 Fri 28 Mar 2025 03:27PM UTC
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