Chapter 1: Capítulo 1
Notes:
Um aviso importante para quem não é brasileiro e está usando o tradutor do Chrome.
Por favor, se você estiver usando o detector automático de idioma, troque manualmente para traduzir do português para o idioma desejado.
Português ~> Espanhol, por exemplo.
Parei para dar uma olhada usando o detector de idioma para entender se vocês estavam recebendo uma tradução precisa, e percebi que ele mistura vários idiomas na tradução.
Muitas das vezes, ele mistura espanhol com português e outras línguas, então algumas palavras perdem o sentido, como "mas" e "mais".
O "mas", que deveria significar "porém", acaba sendo traduzido como "mais" de adição, entre outros exemplos.
Então, se quiser ler com uma tradução mais precisa, troque o idioma, defina como original o português e escolha traduzir para o idioma que estiver lendo.
Chapter Text
Kim Dokja não se descreveria como uma figura interessante, nem sequer de muita relevância. Muito pelo contrário, ele achava que era um cara muito medíocre. Um homem adulto, sem muitas conquistas, sem histórias interessantes para contar, apenas um assalariado de escritório comum.
Não tinha esposa, nem filhos, nem perspectivas de um futuro brilhante ou de uma família feliz. Era um homem solitário, vivendo em um pequeno apartamento, tão apertado e sufocante quanto um cubículo e trabalhando para uma empresa pequena que tratava os assalariados como merda. Ele não era exceção, ele era apenas mais um entre muitos.
Por mais mundana e sem graça que fosse sua vida miserável, Kim Dokja simplesmente teve o azar de nascer em um mundo onde indivíduos com habilidades sobrenaturais travavam batalhas caóticas, muitas vezes sem se importar com a segurança de civis indefesos como ele.
O surgimento dos caçadores foi tão repentino quanto o aparecimento dos monstros. Criaturas aterrorizantes começaram a emergir de fissuras dimensionais, devastando cidades e ameaçando a extinção da humanidade. O planeta mergulhou no caos, e parecia não haver esperança — até que, como uma resposta divina de Deus aos clamores da humanidade, que suplicava por misericórdia, pessoas comuns começaram a manifestar poderes sobre-humanos.
Esses indivíduos foram rapidamente reconhecidos como os salvadores da humanidade, guerreiros capazes de enfrentar as feras que assombravam o mundo. Chamados de caçadores, eles se tornaram a última linha de defesa contra a destruição. Entretanto, com grande poder veio também a desigualdade. Nem todos os caçadores lutavam por justiça, e nem todos os civis estavam a salvo, mesmo com a presença desses novos "heróis".
Superforça, super velocidade, metamorfose, gigantismo, controle mental, manipulação dos elementos, sentidos ampliados — esses eram apenas alguns dos inúmeros poderes que surgiram após o aparecimento dos portais. Essas estranhas fissuras no tecido da realidade surgiam do nada e desapareciam com a mesma imprevisibilidade, manifestando-se em locais completamente aleatórios.
No início, os portais pareciam fenômenos isolados. O primeiro caso registrado ocorreu na China, mas, em pouco tempo, eles começaram a aparecer em todo o mundo: Estados Unidos, Inglaterra, França, Brasil, México, Tailândia, Japão, Coreia do Sul, Rússia, Canadá — até que não restasse um único país que não tivesse testemunhado a aparição dessas fendas misteriosas. Cada portal possuía uma presença intimidadora, com uma aura que mudava de cor e formato, desafiando qualquer explicação lógica.
Enquanto cientistas de todos os cantos tentavam estudá-los minuciosamente, a primeira grande invasão aconteceu. Em um evento catastrófico, todos os portais ativos ativaram simultaneamente, liberando enxames de monstros que atacaram cidades e populações inteiras. O massacre foi brutal e incontrolável. Durante vinte dias consecutivos, a humanidade esteve à mercê dessas criaturas, mergulhando em um caos absoluto.
Foi somente após esse período de terror que ocorreu o primeiro despertar. Crianças, adolescentes, adultos e idosos começaram a manifestar habilidades sobrenaturais simultaneamente. Esses indivíduos foram chamados de "caçadores", pois, com seus novos poderes, finalmente conseguiram revidar contra os monstros e salvar a humanidade de um destino que parecia inevitável.
Dez anos depois, a situação estava relativamente sob controle graças a esses caçadores. Entretanto, o mundo havia mudado drasticamente. A sociedade foi remodelada, e uma nova estrutura de poder surgiu. Agora, tudo girava em torno dos despertados. Uma nova hierarquia social foi estabelecida, colocando-os no topo da cadeia. Caçadores eram exaltados, protegidos e, muitas vezes, intocáveis perante a lei. Com habilidades que desafiavam os limites da humanidade, esses indivíduos se tornaram tanto salvadores quanto tiranos, exercendo sua influência sem medo de represálias. O equilíbrio de poder estava longe de ser justo — e Kim Dokja, vítima desse desequilíbrio, sabia bem disso mais do que ninguém.
Dez anos se passaram desde a catástrofe. O mundo, antes à beira do colapso, foi reconstruído. Mesmo com os portais ainda se abrindo, mesmo com os monstros ainda espreitando na escuridão, a humanidade seguiu em frente. Mas não foi a resiliência das pessoas comuns que garantiu essa sobrevivência, foram os caçadores. Apenas graças a eles o mundo não foi engolido pelo caos. Enquanto os portais existirem, os caçadores estarão lá para enfrentá-los.
No entanto, o título de "caçador" não era para qualquer um. Havia uma hierarquia rígida, cruel, que definia o destino de cada despertado. No topo, os lendários caçadores de Rank S, indivíduos tão poderosos que podiam sozinhos exterminar hordas inteiras de monstros e fechar fissuras que ameaçavam cidades. Abaixo deles, os de Rank A e B, guerreiros formidáveis que lideravam equipes e guildas, protegendo a humanidade em troca de dinheiro e influência. Os de Rank C e D formavam a base operacional, soldados eficientes, mas descartáveis. E, por fim, existia os de Rank F.
Os despertados de Rank F eram tratados como uma piada. Embora fossem tecnicamente caçadores, não tinham poder suficiente para caçar nada além das criaturas mais fracas. Para o mundo, eles não passavam de falhas, lixo sem utilidade. O sistema os considerava inferiores até mesmo em relação aos civis comuns, pois ao contrário destes, que podiam seguir carreiras normais, um Rank F nunca seria levado a sério. Eles não eram heróis, não eram protetores — apenas aberrações que o despertar condenou a uma existência miserável.
E os civis? Eram ainda menos do que isso. Os não despertados não possuíam nenhuma força ou influência. Eram meros espectadores, condenados a viver à sombra dos caçadores, dependendo deles para tudo. Alguns prosperavam como comerciantes ou empresários, explorando o mercado ao redor dos portais. Outros se conformavam com uma vida de servidão, aceitando qualquer trabalho para sobreviver em um mundo que não lhes pertencia mais. Afinal, a verdade era cruel: sem poder, sem um rank alto, você não passava de nada.
E era exatamente aí que Kim Dokja se encontrava. Sem poderes sobrenaturais, sem sentidos aguçados, sem qualquer habilidade especial que um despertar poderia conceder. Apenas um homem comum, vivendo em um mundo onde ser comum significava ser irrelevante. Era decepcionante, claro. Mas ele já tinha aceitado isso. Essa era a vida de Kim Dokja, um homem normal demais para um mundo onde apenas os fortes tinham valor.
O fato de ainda estar vivo, dez anos após o colapso, era um verdadeiro milagre. Enquanto os despertados esculpiam seu próprio destino com poderes além da compreensão, ele apenas existia, arrastando-se dia após dia em uma rotina sem saída. Como civil, ele estava no degrau mais baixo da sociedade.
Dentro da empresa em que trabalhava, essa hierarquia era ainda mais cruel. Os despertados — especialmente aqueles acima do Rank D — tinham oportunidades. Eles subiam na carreira, tornavam-se gerentes, diretores, até mesmo CEOs. Eram valorizados, respeitados, temidos. E Kim Dokja? Ele era descartável. Um mero funcionário de escritório, um escravo do sistema, trabalhando até os ossos por um salário miserável, apenas para manter um teto sobre a cabeça.
Não importava o quão inteligente ou esforçado fosse, nunca passaria de um civil insignificante. No fim, nesse mundo de monstros e caçadores, ele não passava de um figurante.
Ele tinha 18 anos quando o primeiro portal em Seul abriu. Um adolescente do ensino médio com hematomas por todo o corpo, abaixo do peso, com apenas um celular e uma mochila surrada, de repente vivendo exatamente o mesmo cenário que ele lia nas novels, lutando pela própria vida enquanto se escondia em escombros e tentava de tudo para sobreviver vinte dias em uma cidade infestada por monstros. Ele sentia arrepios apenas de se lembrar. Mas seu eu de 18 anos estava certamente excitado, acreditando que era uma espécie de protagonista. Quando os caçadores começaram a surgir, Dokja esperou ansiosamente pelo seu próprio despertar.
Isso nunca aconteceu. E ele ficou devastado. Foi somente quando ele foi salvo por alguns caçadores que ele finalmente percebeu – ele não era como eles. Ele não era um protagonista. Ele era apenas um leitor. E leitores não interferiam na história do protagonista.
Ele se questionou do porquê sobreviver àqueles vinte dias infernais se fosse para isso. Ele tinha acreditado teimosamente que tinha sobrevivido até aquele momento pois tinha um destino, algo destinado a ser, algo grande, um herói. Mas no fim, ele não foi nada.
Com as mudanças trazidas pelo apocalipse, a vida já complicada de Dokja piorou mais ainda. Ele não recebeu um despertar, portanto, não poderia receber auxílio do governo nem conseguir um emprego fácil. Ele foi colocado nas linhas de frente no momento em que pisou no exército para lutar pelo país e ajudar os caçadores. Ele também não conseguiu uma nota muito satisfatória no exame de admissão para entrar em uma boa faculdade, então acabou pegando a primeira coisa que conseguiu com sua nota para não passar fome. Depois de completar a faculdade, achar empregos era ainda mais difícil e houve uma época em que passou fome para manter um teto sobre a cabeça.
Foi uma sequência de eventos miseráveis que o levou até onde estava. Um homem solteiro de 28 anos, financeiramente ferrado e mentalmente acabado.
O dito homem atualmente corria para pegar o trem antes que fosse tarde demais. Como se sua vida já não fosse trágica o suficiente, ele ainda acordava atrasado numa sexta-feira por passar a madrugada lendo webnovels, sua única salvação.
Enquanto sua figura esguia passava apressadamente entre as pessoas na estação de metrô, pôsteres e mais pôsteres enchiam sua vista, até um particularmente grande chamar sua atenção.
Os olhos caídos e cansados de Dokja pousaram no pôster chamativo com a imagem de um caçador em particular. Um dos caçadores mais poderosos de Seul, o Rei Supremo, rank S. E, sem perceber, ele se viu parado na frente do pôster, encarando-o.
Yoo Joonghyuk. O Rei Supremo. Pousando para um anúncio, parecendo completamente inacessível. Sua beleza era realmente de outro mundo. E Dokja não conseguia desviar os olhos, encarando aquele homem inalcançável com olhos exaustos.
Um homem grande, alto, forte, imponente, nada além de majestoso. Vestido completamente em um terno preto, seus cabelos negros levemente ondulados elegantemente penteados para trás, fazendo-o parecer um Deus grego.
Kim Dokja queria ser como ele.
Queria ser ele.
Percebendo a própria linha de pensamento, Kim Dokja balançou a cabeça para afastar os pensamentos. Não, ele jamais seria como Yoo Joonghyuk. Nem sequer chegaria aos pés daquele homem. Era impossível. Ninguém jamais chegaria aos pés daquele homem.
Segurando firmemente a alça da bolsa carteiro que carregava, ele desviou o olhar do pôster e voltou a correr. Felizmente, ele chegou a tempo de pegar o trem. O problema era que estava lotado. Suspirando pesadamente, Kim Dokja apenas se esgueirou para algum canto e encontrou um lugar para ficar e se agarrar na barra, seguindo viagem.
Sem mais nada para fazer, ele tirou o celular do bolso e entrou na webnovel que estava lendo anteriormente e passou o caminho lendo. Quando chegou no ponto, desceu e foi andando a passos apressados para o local de trabalho antes que se atrasasse mais.
「• • •」
"Como você tem coragem de chamar isso de relatório?! Refaça imediatamente essa porcaria e pare de relaxar, funcionário Kim! Quero isso feito direito na minha mesa, pra ontem!" O gerente da equipe de QA estava gritando sem parar, honestamente, Kim Dokja já tinha parado de ouvir há um bom tempo.
"Sim senhor." Kim Dokja respondeu rapidamente, apesar da insatisfação estar estampada no rosto dele apenas de se imaginar fazendo extras por causa de um relatório que estava bom o bastante.
Mas aparentemente não era bom o bastante para o gerente de equipe de QA, um rank C que adorava assediar os funcionários abaixo dele no escritório.
E o gerente de equipe saiu xingando, cuspindo furiosamente em todo mundo. E Dokja, como o pobre e infeliz escravo do sistema que era, voltou os olhos para o computador e focou-se na tarefa de refazer o maldito relatório.
Ele seria demitido em breve, ele sabia disso. Seu contrato não foi renovado e era por isso que ele não estava realmente fazendo as coisas direito. Se ele seria demitido de qualquer jeito, por que se esforçar? Era um esforço inútil.
Com um último suspiro, Kim Dokja pressionou a tecla enter e enviou o relatório corrigido. Não é como se ele tivesse se esforçado para fazer aquilo. Dane-se eles e essa empresa maldita.
No momento em que bateu o ponto, com um pouco mais de uma hora de hora extra, Kim Dokja saiu apressadamente do escritório, não querendo nada mais do que chegar em casa, tomar um banho e se jogar na cama para ler. Ele estaria mais do que feliz em passar o final de semana na cama como um vagabundo.
Ele prosseguiu normalmente. Deixou a empresa, andou até a estação e pegou o primeiro trem que o levasse até o ponto que queria descer, enquanto lia uma webnovel. Sua mente entrou no modo automático no momento em que ele tinha o celular nas mãos com uma aba aberta em uma novel interessante. Ele desceu no ponto que tinha que descer e pegou o mesmo caminho que sempre pegava para ir até o complexo de apartamentos em que morava.
Fosse pela distração ou pela familiaridade da situação, Kim Dokja não notou nada realmente estranho durante o trajeto. Nem mesmo o quão deserta a rua parecia estar. Era de noite, certo, mas ainda parecia muito quieto. Mas Dokja estava imerso demais em seu próprio celular para notar.
ESTRONDO!
O som ensurdecedor tirou Dokja de sua distração rapidamente, com o coração no peito quase saindo pela boca. E quando seus olhos captaram o que aconteceu, ele congelou, enrijecido.
O muro do outro lado estava em escombros com o impacto. Isso deveria ter sido alarmante o suficiente, mas quando seus olhos cinzentos se encontraram com o vermelho sangue daquela criatura caída do muro, imóvel, ele se viu congelado no lugar.
Que porra era essa?! Um portal abriu?! Quando?!
Kim Dokja não conseguiu desviar o olhar. Tanto ele quanto a outra criatura estavam completamente imóveis. Tão imóvel que Kim Dokja realmente pensou que o que quer que fosse aquela coisa, estava morta.
Um corpo deformado, meio humano, com ombros largos, quatro pernas e três braços. O rosto era conturbador, um total de nove olhos e três cabeças, uma cabeça humana deformada no meio e duas de bode. Todas as três mandíbulas estavam caídas, como se estivessem quebradas, com dentes pontiagudos. Muitos dentes, e salivava grotescamente. O cheiro de enxofre era nauseante.
Se Kim Dokja fosse descrever aquilo, ele diria ter vindo diretamente do inferno. Era um monstro horrendo, parecendo até uma criação científica que deu errado. Uma mistura de humano, bode e demônio em um corpo de dois metros tonificado.
Isso era aterrorizante de verdade.
Quando a criatura não se moveu, Kim Dokja deu um passo para trás, cobrindo o nariz rapidamente quando o cheiro insuportável de chorume e enxofre o atingiu diretamente no rosto. E era tão forte que ele estava lacrimejando.
Com o estômago revirado, ele girou nos calcanhares e recuou, buscando abrigo antes que algo mais acontecesse, já que, a área parecia estar restrita. E só então ele notou o quão deserto a rua estava.
"Porra!" Ele pensou ao finalmente notar o quão deserto a rua estava, enquanto acelerava o passo para sair da área.
Mas o cheiro estava ficando mais forte. O que era estranho, pois ele estava definitivamente se afastando. Não se aproximando.
Reunindo coragem, ele olhou para trás. E, oh, como ele se arrependeu de ter feito isso.
BAQUE!
O corpo de Kim Dokja foi arremessado contra um dos muros com um baque nauseante e um grito surdo. Magro e fraco como era, nem tinha forças para levantar. Caído no chão, respiração pesada e ofegante, pálpebras pesadas e sangue fresco escorrendo pela testa, ele levantou o rosto e olhou para cima, sendo recebido pela visão daquela coisa meio humana, cabra e demônio.
O cheiro. Sem conseguir aguentar aquilo por mais nem um minuto, Dokja apertou a barriga e vomitou, o cheiro podre infestando suas narinas desagradavelmente.
Ele tossiu, segurando a respiração para bloquear o odor desagradável. Mas, antes que pudesse, o ar foi tirado de seus pulmões rapidamente quando o que quer que fosse aquela criatura chutou seu peito, fazendo-o tossir mais e ofegar por ar.
Ele mal registrou quando o monstro o agarrou pela garganta, levantando-o do chão como se não pesasse nada. Dokja se debateu, lutou, mas o aperto era o suficiente para quebrar seu pescoço. Ele ouviu um som estranho, uma mistura de um rosnado animalesco com um grunhido arrepiante. Mas seus ouvidos estavam surdos o suficiente com o som do próprio coração dele e do sangue de seu corpo, já que não recebia oxigênio.
Manchas pretas obstruíam seu campo de visão e, à beira da inconsciência, Dokja começou a delirar. E ele se arrependeu da vida que viveu. Ele estava insatisfeito de como viveu. Se ele tivesse uma segunda chance, ele gostaria de ter sido mais como Yoo Joonghyuk. Mais como um protagonista.
Dokja engasgou com sons sufocados, a última coisa que ele viu sendo aquela coisa demoníaca.
「• • •」
Kim Dokja piscou lentamente, abrindo os olhos para se deparar com um teto branco imaculado.
"Onde...?" Ele murmurou fracamente, sua voz soando mais áspera e rouca do que ele esperava.
Essa era a vida após a morte?
"Hospital." Um homem respondeu imediatamente, assustando Dokja.
Uhm. Ok, então ele estava vivo.
Kim Dokja piscou novamente, agora olhando para o enfermeiro. Ele respirou fundo e se afundou na maca novamente, exausto. Porra, tudo doía. Principalmente o peito.
"Como você se sente, senhor Kim?" O enfermeiro perguntou calmamente, ajustando o travesseiro de Kim Dokja enquanto conversava com o homem.
"Seco. Como se estivesse num deserto." Kim Dokja respondeu sinceramente, sua voz terrivelmente áspera e seca.
"Certo." O enfermeiro assentiu e rapidamente saiu para buscar um copo de água.
Quando o enfermeiro voltou com a água, Dokja se sentou com muita dificuldade. Por algum motivo, seu corpo parecia pesado. Muito pesado. Rígido também.
Ele pegou o copo e bebeu, engolindo a água como se fosse um homem sedento. Foi um pouco desconfortável, ele estava com o estômago vazio e a água parecia estar balançando dentro dele.
"Uhm... por quanto tempo eu dormi?" Kim Dokja perguntou cautelosamente, menos rouco agora que tinha molhado a garganta.
"Uma semana." O enfermeiro respondeu.
Kim Dokja piscou uma, duas, três vezes, até olhar para o enfermeiro novamente com uma expressão idiota no rosto.
"Uma...semana? Uma semana?" Ele repetiu como se não acreditasse e então gemeu.
Puta merda. O trabalho. Naquele ponto, ele já deve ter sido cortado completamente. Uma semana sem aparecer. Ótimo.
Estressado, Dokja esfregou a cabeça para afastar a dor de cabeça latejante que viria. Não funcionou.
「• • •」
Exatamente como ele previu, assim que conectou o celular num carregador e ligou, recebeu um email formal de demissão. Ele queria bater a cabeça na parede até morrer, mas tinha que sair logo e começar a se candidatar para outras vagas antes que fosse chutado do apartamento decadente que estava vivendo nos últimos anos.
Ele ficou apenas mais dois dias no hospital antes de receber alta. Nesses dois dias, ele descobriu o que aconteceu naquela rua enquanto ele pegava o mesmo atalho de sempre.
Ele realmente tinha se deparado com algum monstro demoníaco. Aparentemente, aquela coisa tinha saído do portal e atacou a equipe de reconhecimento que estava perto do portal. Logo depois, invadiu aquela área que foi evacuada enquanto um grupo de caçadores entraram na cena para eliminar o demônio. E Dokja, sendo o idiota sem sorte que era, se distraiu lendo e não percebeu que entrou em uma área restrita.
Ele quase quis rir do tamanho da imbecilidade da situação. Ele conseguia imaginar o: Extra, extra! Idiota viciado em webnovel morre depois de não perceber área fechada por quebra de masmorra!
É um milagre que ele tenha sobrevivido.
Depois de receber alta, Kim Dokja prontamente correu para casa. No momento em que pisou no velho e decadente apartamento de dois cômodos, um quarto com uma cozinha embutida e um banheiro, ele abaixou a guarda e se jogou na cama, exausto. Tinha sido muita coisa de uma vez só.
Ele realmente precisava colocar a cabeça no lugar.
Dokja nem pensou muito quando afundou a cabeça no travesseiro, cansado demais para fazer qualquer outra coisa. Ele ainda se sentia pesado por algum motivo e sua cabeça estava latejando desde que acordou no hospital. Mas era suportável, então ele não citou. Suas costas não estavam bem também, mas levando em conta a maneira que ele foi arremessado.
"Droga...dor desgraçada..." Ele resmungou com um gemido, afundando o rosto no travesseiro.
Ele realmente achou que ia morrer. E de fato ia. Mas um caçador o salvou.
"...me salvou, huh..." Kim Dokja murmurou, sua voz abafada contra o travesseiro.
Ele deveria ficar agradecido? Provavelmente. Mas agora ele estava mais fodido do que nunca. Sem emprego, morrendo de dor, sem nenhum tostão na conta.
Que sorte.
Dokja piscou lentamente, suas pálpebras pesando com o cansaço e o estresse acumulado. E, sem perceber, adormeceu rapidamente.
「• • •」
Kim Dokja despertou com um grito. Seu próprio grito. Ele foi pego de repente na dor excruciante que seu próprio corpo estava experienciando. Seu peito parecia estar sendo dilacerado, doía, era difícil respirar.
Estava quente.
Ele ofegou, percebendo tardiamente que estava tremendo e suando como se estivesse queimando de febre. E ele estava tão, mais tão pesado e fraco. Levantar era terrivelmente difícil.
Uma pontada insuportável o atingiu, fazendo-o se sentar e agarrar a própria cabeça. Sua cabeça parecia prestes a explodir!
Estava doendo, tudo doía. Seu peito estava apertado, dificultando a respiração, sua cabeça estava latejando como se fosse estourar e suas costas pareciam estar sendo dilaceradas.
Com pernas trêmulas, ele se empurrou para fora da cama, cambaleando e batendo nas paredes estreitas do pequeno apartamento até o banheiro. Ligar a lâmpada foi a próxima coisa, e seus olhos arderam com a luz, fazendo com que ele fechasse os olhos e gemesse de dor em protesto.
Ele estava completamente sensível.
Desesperadamente, ele se agarrou a pia e se segurou, lutando com suas próprias pernas para não cair. E somente quando abriu os olhos e olhou para o próprio reflexo no espelho é que ele realmente notou.
Tinha algo de errado com ele.
Olhos vermelhos sangue o encararam de volta, fazendo-o cambalear para trás e bater as costas na parede. E novamente, algo estava em suas costas.
Kim Dokja engasgou com um grito de dor, curvando-se quando a dor da dilaceração se tornou insuportável. Ele gritou em agonia quando um par de tufos de penas pretas saíram de suas costas, cobertos de sangue.
Incapaz de se manter de pé por muito mais tempo, ele caiu de joelhos, respirando pesadamente e olhos embargados, cobertos por uma névoa agoniante de dor.
Doía. Doía muito. Muito. Estava rasgando.
Ele soluçou, o pânico tomando conta quando ele agarrou a própria cabeça novamente e dessa vez, sentiu dois calos enormes no topo.
E ele não sabia exatamente quanto tempo ficou ali, agonizando no chão, gritando e chorando. Mas, em algum momento, a dor pareceu ter diminuído um pouco. Não tinha ido embora, mas agora, parecia mais suportável.
Kim Dokja soltou uma respiração trêmula e, com as mãos trêmulas e sem força, agarrou a pia do banheiro, usando-a para se impulsar para cima e se levantar.
A visão que o recebeu não foi muito agradável.
Seu rosto estava completamente encharcado, os olhos tão cansados como nunca, com bolsas sob os olhos e cabelos desgrenhados. Mas não era esse o problema. E sim o par de chifres vermelhos na cabeça e os olhos vermelho sangue. Sua pele estava doentemente pálida, e o contraste com o par de asas enormes nas costas com penas pretas e bonitas parecia uma zombaria de muito mal gosto.
Sua blusa estava completamente rasgada, com as asas passando entre os rasgos e erguendo-se triunfantemente nas costas de Kim Dokja, que olhou para o reflexo com nada além de pavor.
"Que porra..." Kim Dokja suspirou, trêmulo.
Chapter 2: capítulo 2
Notes:
Segundo capítulo e eu percebi que isso provavelmente será um slow burn (preciso adicionar essa tag) realmente looongo.
Inclusive, alguns detalhes para não passar abatido:
Doce criança de verão é basicamente chamar alguém de inocente.
(-ah) e (-ya) depois do nome, se não me engano, é uma maneira carinhosa de chamar alguém mais novo (não sou realmente familiarizado com honoríficos coreanos.)
É isso. Avise-me se você encontrar algum erro para que eu possa corrigir. Boa leitura!
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Kim Dokja recuou, os olhos ainda fixos no reflexo do espelho. Sua boca se abriu em um suspiro de choque e horror, enquanto seus olhos percorriam, atônitos, cada característica não humana adquirida.
Longas asas cobertas por penas negras e prateadas, largas e assustadoramente realistas, erguidas majestosamente em suas costas, como se fossem parte de sua própria essência. Um par de chifres vermelhos, pontiagudos e curvados, emergindo da cabeça, acrescentando um toque de temor à sua figura, conferindo-lhe um aspecto demoníaco que parecia desafiar qualquer lógica. O rosto, também coberto por linhas pretas que se assemelhavam a rachaduras e dois olhos vermelhos.
O coração de Kim Dokja batia descontrolado no peito, sua respiração cortada e pesada, enquanto seu corpo permanecia paralisado diante daquela visão que se refletia diante de seus olhos.
Isso era ele? O reflexo dele?
Kim Dokja piscou rapidamente, como se o simples ato de fechar os olhos por um instante pudesse apagar aquela visão anormal. Mas, quando os abriu novamente, a imagem permaneceu. As asas tremularam levemente com o movimento e os chifres continuaram lá. Não era uma ilusão.
Os dedos de Kim Dokja tremiam quando ele levou a mão ao próprio rosto, hesitante. Sua pele estava quente, real. Ele deslizou os dedos para cima, sentindo a textura incomum das rachaduras na pele macia até chegar aos chifres – sólidos, resistentes, definitivamente parte dele.
Não era um sonho.
O pânico deu lugar a uma onda gélida de compreensão. Lentamente, como se testasse os limites da realidade, Kim Dokja abaixou a mão e moveu um dos ombros. As asas se contraíram, respondendo à vontade dele. Os músculos em suas costas protestaram com um desconforto estranho, uma sensação desconhecida de agora ter um par de asas grandes e pesadas penduradas nelas.
Um arrepio percorreu sua espinha.
Ele não sabia como aquilo tinha acontecido. Não sabia o porquê. Mas uma coisa era certa: tudo era real demais para ser apenas um delírio febril.
「• • •」
Banhado e recém recuperado do pequeno surto de ganhar uma aparência demoníaca, Kim Dokja se viu sentado na cama, longas e pesadas asas negras o envolvendo como uma coberta quente e aconchegante enquanto debatia suas opções em sua própria cabeça.
"Isso definitivamente deve ser um despertar." Ele murmurou, cenho franzido enquanto listava todas as possibilidades.
Despertados sofriam tanto com seus despertares? Se um despertar era isso, ele realmente sentia pena dos pobres despertados. Por Deus, ele quase desmaiou no banheiro quando sentiu suas costas sendo dilaceradas para libertar um par de asas e sua cabeça quase explodir quando chifres emergiram.
Ele sentiu um arrepio apenas de se lembrar.
Balançando a cabeça para afastar as memórias vívidas da transformação, ele suspirou e olhou para as próprias mãos. Eram definitivamente as mãos dele. Mas, era diferente. Suas unhas eram normalmente curtas e ressecadas. No lugar delas, ele tinha agora unhas longas e pretas. Não eram garras, mas certamente serviriam para o propósito.
O rosto de Kim Dokja se transformou em uma carranca ao analisar as mudanças.
Ele era inegavelmente um demônio. Qualquer um que batesse os olhos nele diria isso, era impossível confundir com outra coisa.
Consumido pela inquietação, Dokja rapidamente ligou o telefone e abriu uma nova aba de pesquisa. Antes mesmo que ele percebesse, estava pesquisando sobre sua condição. Qualquer coisa sobre despertados, demônios e sintomas ao despertar.
E ele não encontrou nada semelhante.
Ele percorreu fórum após fórum, mas não encontrou nada realmente útil. Segundo os relatos, despertados não sentiam dores estranhas ao despertar — apenas uma onda intensa de adrenalina e um formigamento antes de manifestarem seus poderes.
Além disso, não existiam despertados humanos com aparência ou características demoníacas. De acordo com as discussões, demônios eram considerados monstros, inimigos naturais dos caçadores, algo a ser exterminado sem hesitação.
Quanto mais lia, mais claro ficava: ele não se encaixava em nenhuma categoria conhecida.
Quando o último resultado que encontrou ao pesquisar seus sintomas na internet foi câncer, ele fechou o laptop com um suspiro exasperado.
Que perda de tempo. Ele definitivamente não tinha câncer. E, com ainda mais certeza, sabia que câncer não fazia chifres brotarem da cabeça, nem asas saírem das costas.
Se fizesse, os médicos precisavam urgentemente atualizar os panfletos de prevenção e os oncologistas teriam histórias bem mais interessantes para contar.
Deixando o laptop de lado, Kim Dokja se deitou de bruços, permitindo que as asas descansassem. O peso adicional em suas costas era exaustivo, e seu corpo ainda não tinha se acostumado à presença dos novos membros.
Sem outra opção, ele fez o que sempre fazia: pensou demais.
Ele se lembrou do momento em que voltava do trabalho e se deparou com aquele monstro saído de uns dos portais, aquela criatura demoníaca que o atacou. O que aconteceu depois foi um borrão; ele desmaiou antes de entender a situação.
E agora, refletindo melhor, havia uma forte possibilidade de que sua transformação estivesse diretamente ligada àquele demônio-bode bizarro. Nada mais explicava sua situação, e não importava o quanto ele consultasse a internet, não achava outra resposta.
Mas a verdadeira questão era: por quê?
Por que isso aconteceu com ele? A criatura o transformou nisso? Como isso era possível? E por quê?
Fazia mais sentido acreditar que toda essa bagunça era culpa daquela coisa. Mas por que, entre todas as pessoas do mundo, tinha que ser justamente ele?
Kim Dokja tinha certeza absoluta de que havia gente por aí muito mais interessante do que ele — e que, com certeza, saberia fazer um uso bem melhor dessa transformação demoníaca. Mas ele? Ele é só um simples assalariado de escritório. Quer dizer, era. Agora, ele é apenas um vagabundo desempregado.
Um vagabundo desempregado demoníaco. Porque a vida, aparentemente, achou que ferrá-lo de maneira normal não era o bastante.
Falando em ferrado...
O estômago de Kim Dokja roncou audivelmente e ele gemeu miseravelmente, se empurrando para cima para levantar, sentando-se com a energia de alguém que havia acabado de renascer das cinzas.
"Que fome..." Dokja resmungou, arrastando as palavras.
Ele estava morrendo de fome. Desde que saiu do hospital, tudo o que tinha no estômago era um mingau sem gosto. Claro, não que ele tivesse tido muito tempo para se preocupar com comida, assim que chegou em casa, só conseguiu se jogar na cama e apagar. Passar uma semana em coma não ajudava em nada, especialmente para alguém que já era desnutrido por padrão.
Movido pela fome, Kim Dokja levantou e se arrastou até a cozinha, ainda não estava acostumado com as asas, que se arrastavam pelo chão junto com seus pés desanimados. Ele foi até a geladeira e, quando abriu a porta, quis torcer o nariz de desgosto.
Ele tinha uma caixa de leite estragado que sabe-se lá Deus há quanto tempo estava abandonada dentro daquela geladeira, um único ovo solitário, algumas garrafas de água, cebolinhas e cenouras que pareciam ter passado por um apocalipse, e um kimchi que provavelmente já havia adquirido consciência própria de tanto mofo.
Kim Dokja fechou a geladeira lentamente, encarando o nada com um semblante estóico e olhos vazios.
Ah… a dura realidade de ser pobre.
Ele nem se deu ao trabalho de criar expectativa antes de abrir os armários. E, para a surpresa de absolutamente ninguém, eles estavam praticamente vazios – com exceção de dois últimos pacotes de ramyeon, a última salvação de Dokja que sobraram da última vez em que ele passou na loja de conveniência.
"Jesus Cristo, quando acabou o sal?!" Kim Dokja engasgou, como se tivesse descoberto que o último pedaço de dignidade também tinha sido levado.
Ele estava à beira do desespero. Já não bastava ter sido atacado por um demônio-bode assustador, ficar em coma por uma semana, ser despedido do trabalho e virar um literal demônio, agora ele ainda estava prestes a morrer de fome. O que mais a vida poderia fazer com ele?
E não era exagero. Ele não estava brincando. A cozinha inteira tinha sido reduzida a apenas dois pacotes de ramyeon. Nem sal, nem açúcar, nem sequer um resto de arroz esquecido no fundo do pote. Nada.
「• • •」
Sem muitas opções, no fim, Kim Dokja simplesmente cozinhou os dois últimos pacotes de ramyeon e fritou o único ovo que tinha na geladeira. Agora, sentado na cama, ele estava saboreando sua primeira refeição do dia... às três da manhã. Não era exatamente um banquete, muito menos saudável, mas antes isso do que nada. E estava comestível o suficiente.
Ele realmente precisava ir ao mercado dessa vez, mas a questão era: como? Não era como se ele fosse exatamente a pessoa mais "normal" do mundo agora. Se saísse do jeito que estava, provavelmente a cidade inteira chamaria uma equipe de caçadores para lidar com ele, como se ele fosse um monstro saído de um portal... o que, teoricamente, era o caso.
E tinha outro problema.
Com a boca cheia de ramyeon, mastigando silenciosamente enquanto abria o aplicativo do banco, ele quase engasgou ao ver o saldo.
Porra, esqueça a ida ao mercado. Ele ia conseguir, no máximo, comprar um saco de arroz e mais alguns pacotes de ramyeon com aquele saldo. Esqueça os ovos, as salsichas, os vegetais — ou qualquer coisa que não fosse ultra-processada e barata. Nesse ritmo, se ele não encontrasse um emprego logo, morreria de fome.
Afundado pateticamente na cama, Kim Dokja enfiou mais ramyeon na boca e mastigou, engolindo forçadamente enquanto seu celular era deixado de lado. Honestamente, ele não tinha a mínima ideia do que fazer.
Se saísse do jeito que estava — asas, chifres, olhos vermelhos e todo o resto — será que poderia simplesmente dizer que era um cosplayer e seguir com a vida?
Ele franziu o cenho com o pensamento estúpido. Impossível. Fazer cosplay de demônio em plena luz do dia para ir ao mercado? Quem acreditaria nessa história maluca? Ele provavelmente seria chutado na bunda por caçadores em um piscar de olhos e, se tivesse sorte, estaria sem cabeça no minuto seguinte.
Era mais seguro continuar morrendo de fome em casa, longe de caçadores e do mundo exterior.
「• • •」
Ele realmente pensou nisso. Mas, quando seu estômago começou a roncar e revirar de fome no dia seguinte, Kim Dokja decidiu que o risco era um preço a se pagar.
Se fosse para morrer, que fosse uma morte rápida, com sua cabeça voando por aí, do que seu corpo perecendo de fome lentamente.
E é por isso que ele estava nessa situação: dois moletons por cima de uma blusa, um cachecol velho enrolado no pescoço, uma calça moletom e crocs. Suas asas, grandes e longas, estavam desconfortavelmente espremidas entre as costas pelas camadas e mais camadas de roupas. Seus chifres também estavam escondidos pelo capuz. Ele parecia um esquisitão corcunda, todo de preto. Mas, antes um esquisitão, do que um homem sem cabeça. Dane-se sua dignidade.
Kim Dokja estava saindo de casa, com todos os documentos em mãos para qualquer emergência — caso fosse descoberto, ele pelo menos poderia provar que era um civil — um celular em uma mão e as chaves do apartamento na outra. Somente quando desceu todos os cinco andares e saiu do bloco de apartamentos, foi que ele ouviu uma vozinha o chamando.
"Hyung?" Lee Gilyoung chamou hesitante, reconhecendo-o apesar de estar coberto dos pés à cabeça.
Kim Dokja agradeceu profundamente por estar usando uma máscara. Pelo menos poderia fingir estar doente.
E, seguindo essa linha de pensamento, ele forçou uma tosse e se virou para o garotinho que o observava com olhos preocupados.
"Gilyoung-ah! O que você está fazendo do lado de fora? Está frio!" Kim Dokja rapidamente se aproximou do menino e, sem perder tempo, tirou o cachecol que estava usando e o enrolou ao redor do pescoço dele, que não usava nada.
Lee Gilyoung, ao contrário de parecer chateado por estar sendo repreendido, sorriu timidamente e corou, aconchegando-se no cachecol. Mas isso não foi suficiente para afastar a preocupação do pobre garotinho.
"Mas o hyung está tossindo, o hyung é quem deveria estar usando o cachecol..." Gilyoung, como a doce criança de verão que era, teve a doçura de se preocupar com o hyung dele antes dele mesmo.
"Besteira. Eu sou um homem adulto. Consigo aguentar um resfriado." Dokja rapidamente dispensou a preocupação do menino com um tapinha afetuoso na cabeça dele.
Lee Gilyoung era um garotinho de dez anos que morava no mesmo complexo de apartamentos que Kim Dokja, embora em um bloco diferente. A vizinhança era uma das áreas mais pobres de Seul — daquelas em que se podia ouvir casais brigando em alto e bom som, graças às paredes finas dos apartamentos.
Kim Dokja morava ali desde que se conhecia por gente. O aluguel era baixo o suficiente para que, com um pouco de sorte, ainda sobrassem alguns wons para comida — o mínimo necessário para não morrer de fome. Seu salário era apertado e aquele lugar era mais do que suficiente para sobreviver.
Lee Gilyoung passava por uma situação semelhante. Sua família era extremamente pobre. O pai o abandonou assim que sua mãe engravidou, e a mãe, uma alcoólatra, raramente estava em casa — preferindo estar bêbada em qualquer outro lugar. Quando estava, gritava e agredia o menino. Basicamente, quem criava o garoto era sua avó.
Isso tudo mudou quando Lee Gilyoung conheceu Kim Dokja. O homem esguio apareceu uma vez na casa deles, conversando com a avó do garoto, que, para sua surpresa, ele logo descobriu que eram parentes de sangue por parte materna. E foi fácil gostar de Dokja, que parecia sempre cansado, mas mesmo assim estava sempre sorrindo para ele. Desde aquele dia, Gilyoung começou a se grudar nele como se fosse sua tábua de salvação, procurando o homem sempre que ele estava em casa e, às vezes, até dormindo por lá — porque, sinceramente, sua própria casa não era exatamente um ambiente acolhedor.
"Mas eu não quero que o meu hyung fique doente..." Gilyoung murmurou, fazendo um beicinho adorável.
Kim Dokja apenas suspirou e balançou a cabeça, sorrindo fracamente por baixo da máscara.
"Eu vou ao mercado, vai ser rápido. Você vai querer alguma coisa?" Dokja perguntou gentilmente — mesmo sabendo que ele provavelmente recusaria.
Como esperado, Gilyoung balançou a cabeça com tanta força que parecia pronto para deslocar o pescoço.
"Não, hyung! Estou bem!" Gilyoung respondeu firmemente, sem vacilar.
Kim Dokja sorriu para o garoto. Ele sabia que Gilyoung não estava pedindo nada porque não queria incomodar. Mas, apesar do saldo de sua conta bancária estar mais negativo que a temperatura de Seul em janeiro, ele fez uma anotação mental: comprar algo gostoso para Gilyoung.
"Tudo bem." Kim Dokja respondeu facilmente, bagunçando o cabelo do garoto. "Mas não fique aqui fora sozinho, ouviu? Se não quiser ficar na casa da sua vó, suba para o meu apartamento e me espera lá em cima. Está muito frio aqui fora."
Gilyoung assentiu com um sorriso de orelha a orelha e, antes que se despedissem, deu um abraço apertado em seu hyung e se despediu.
「• • •」
Kim Dokja passou em um caixa eletrônico e sacou todo o dinheiro que tinha na conta. O que não era muito, mas pelo menos agora estava oficialmente zerada e ele tinha alguns trocados no bolso.
Como não dava para se dar ao luxo de um supermercado, ele fez o mais sensato: parou na loja de conveniência perto de casa, onde a única coisa que seu saldo podia comprar era um saco de arroz e alguns pacotes de ramyeon.
Com uma cesta pendurada no braço, ele caminhava pelos corredores, já com o arroz, as salsichas e os ramyeons dentro. Ele ainda tinha alguns trocados sobrando e pensou em comprar algo doce para Lee Gilyoung, mas...
Os chocolates estavam especialmente caros.
E os sorvetes? Bem, estavam igualmente caros. E, sinceramente, estava frio demais para Gilyoung comer sorvete. Quem ia querer um picolé nesse clima?
Kim Dokja estava ali, quebrando a cabeça para encontrar algo para o garoto, quando seus olhos caíram sobre um pão doce recheado com chantilly e uma embalagem pequena de pudim. O pão recheado de chocolate parecia delicioso, mas o pudim estava mais barato.
Era uma embalagem com dois pudins com calda, enquanto o pão doce era só um. Ele fez uma rápida contagem das moedas no bolso e, com um suspiro de resignação, decidiu que o pudim seria a escolha mais sensata.
Com um olhar conspiratório para o pão doce, ele o ignorou e enfiou o pudim na cesta. Pelo menos dois pudins para Gilyoung...ele esperava que fosse ao menos gostoso.
Decidido de que tinha tudo o que precisava — ou pelo menos, tudo o que conseguiria levar com todos os seus trocados — Kim Dokja foi até o caixa e começou a despejar os produtos na esteira. O universitário atrás do caixa levantou uma sobrancelha ao vê-lo, mas seguiu passando os itens pelo scanner sem dizer uma palavra.
Kim Dokja podia sentir os olhares direcionados a ele e, honestamente, teve que concordar: parecia estranho. Um homem adulto todo de preto, aparentemente corcunda, usando uma máscara, óculos escuros, capuz, calça moletom e crocs não era exatamente a visão mais comum do mundo.
Ele parecia tão suspeito como um daqueles stalkers que aparecem em séries de quinta-feira à noite, sabe, aquelas que ninguém lembra depois que o episódio acaba.
"Dinheiro ou cartão?" O atendente perguntou, com a indiferença de quem não era pago o suficiente para lidar com isso.
"Dinheiro." Kim Dokja respondeu rapidamente, entregando as notas de wons, tentando não parecer mais suspeito do que já estava.
O atendente olhou para as unhas longas e pretas, levantou novamente a sobrancelha, mas, surpreendentemente, não fez nenhum comentário. Ele apenas continuou trabalhando, provavelmente já tendo visto casos mais estranhos antes.
Terminando de empacotar as compras e separar o troco, o atendente entregou a sacola para Kim Dokja, ainda encarando fixamente seu rosto coberto.
"Volte sempre." O atendente disse, com a monotonia de quem já disse isso 10 mil vezes antes.
"Obrigado..." Kim Dokja respondeu, meio sem jeito, pegando suas coisas e saindo rapidamente
Desconfortável. Muito desconfortável.
Ele praticamente fugiu da loja de conveniência, sentindo que seria engolido pelo chão se passasse mais vergonha naquela loja.
「• • •」
A porta não estava trancada, Kim Dokja notou. Ele a abriu e, como esperado, Lee Gilyoung estava deitado na cama, desenhando em um caderno velho com lápis de cor. Quando o garoto o viu, rapidamente se levantou.
"Hyung!" Gilyoung exclamou com um sorriso radiante antes de se lançar nos braços de Kim Dokja.
"Estou em casa, Gilyoung-ah." Kim Dokja pegou o garoto assim que ele se jogou em seus braços, abraçando-o.
Notes:
Nessa fanfic, Lee Gilyoung e Kim Dokja são parentes de sangue, um pouco distantes, mas ainda são parentes por parte materna.
Lee Sookyung, a mãe de Kim Dokja, terá alguns parentes citados aqui e ali, como a mãe de Lee Gilyoung e a vó dele. E Kim Dokja não se dá realmente bem com eles, mas ele é particularmente chegado com Lee Gilyoung e com a vó do garoto por causa dele.
Lee Gilyoung é um pouco mais jovem aqui.
Lee Gilyoung e Kim Dokja são bem próximos, e eu acabei deixando eles com uma relação bem parental. De qualquer forma, muita obrigado por ler!
Chapter 3
Notes:
Esse capítulo foi corrigido graças a ajuda de M3ridian_1! Muito obrigado por me avisar sobre os erros de honoríficos e me ajudar a corrigí-los!
Boa leitura!
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Gilyoung estava sentado na cama, já que não tinha mesa, saboreando o pudim com um sorriso satisfeito, achando a sobremesa deliciosa — especialmente depois de uma refeição composta por arroz, salsicha e alga velha. O pudim parecia divino perto daquela coisa que Dokja chamava de jantar.
Kim Dokja, honestamente, sentiu um grande alívio. Ele não tinha muito, principalmente agora, mas saber que ao menos conseguia colocar algo na mesa para Gilyoung comer já era reconfortante.
"Está gostoso?" Kim Dokja perguntou suavemente.
Gilyoung assentiu freneticamente, os olhos brilhando de alegria.
"Sim! Tá muito gostoso, hyung!" Gilyoung respondeu com um sorriso tão puro que chegava a doer.
Kim Dokja suspirou internamente. Que Deus o perdoe por ser um pão duro. Esse garoto merecia coisa melhor do que um pudim de loja de conveniência... Mas era o que tinha pra hoje.
Ele meio que se sentiu culpado por não ter comprado o pão doce de chocolate recheado com chantilly. Era coberto de chocolate e parecia realmente delicioso. Na próxima vez, ele com certeza compraria um para Gilyoung.
"Mas, hyung..." Gilyoung começou, hesitante. "Por que você está vestido assim?"
Ah, sim. Claro. Ele meio que esqueceu que ainda estava parecendo um esquisitão psicopata saído de um filme de terror. Sem contar que, até agora, não tinha tirado os óculos escuros. Deveria parecer bem estranho para Gilyoung.
"Por que? Não tá legal?" Kim Dokja provocou, tentando mudar o foco da conversa.
"Não, não, não!" Gilyoung balançou as mãos no ar freneticamente, desesperado. "O hyung fica legal com qualquer coisa!"
Pobre garoto. Até mentia por ele.
"É só que..." Gilyoung murmurou timidamente, espetando o pudim com a colher. "É diferente. E parece desconfortável também..." Ele lançou um olhar hesitante para o mais velho.
Bom, ele estava certo. Era extremamente desconfortável. Kim Dokja só queria arrancar todas aquelas camadas de roupa, se jogar na cama e deixar suas asas caídas e estendidas como bem entendesse. Mas ele não podia. Não com Lee Gilyoung ali.
Como o pobre garoto reagiria ao descobrir que a única pessoa que admirava tinha se transformado num demônio?
Definitivamente não seria a reação mais agradável do mundo.
"Um pouco." Dokja admitiu. Na verdade, era muito desconfortável. "Mas isso é bom para a febre. Suar faz a febre baixar."
Gilyoung imediatamente olhou para ele com preocupação, parecendo um cachorrinho filhote.
"E como eu estou muito resfriado, não é bom você dormir aqui hoje. Pode ser contagioso." Ele mentiu, observando o garoto murchar ao ouvir que não poderia passar a noite.
Lee Gilyoung era uma criança muito comportada e nunca causava problemas para Kim Dokja. Mas, naquela situação, ele simplesmente não podia arriscar. Mais cedo ou mais tarde, o garoto perceberia que algo estava errado.
E ele não era um sem noção que empurraria uma criança para dentro dessa bagunça toda.
"Tudo bem..." O garoto murmurou desanimado, sem insistir.
Kim Dokja suspirou, sentindo uma pontada de culpa por ser o motivo daquele olhar abatido. Gilyoung sempre parecia tão animado quando ficava com ele, e agora estava ali, cabisbaixo, espetando o pudim sem muita vontade de realmente comer.
"Ei, não faz essa cara..." Dokja bagunçou o cabelo do garoto, tentando animá-lo. "Prometo que assim que eu melhorar, você pode dormir aqui de novo, que tal?"
Os olhos de Gilyoung brilharam por um instante, mas ele logo abaixou a cabeça, tentando disfarçar a animação.
"Não precisa, hyung..." O garoto murmurou timidamente.
"Eu prometo, de dedinho e tudo." Dokja estendeu o dedo mindinho, e o garoto logo entrelaçou os mindinhos, sorrindo meio sem jeito.
Era um alívio ver Gilyoung sorrir de novo. Mesmo que, no fundo, Dokja soubesse que essa promessa talvez fosse um pouco mais difícil de cumprir do que ele queria admitir.
「• • •」
Depois de se certificar de que Gilyoung estava bem alimentado, Kim Dokja o levou para casa. Não era muito longe, apenas alguns blocos de distância, mas ele preferia acompanhá-lo a deixá-lo ir sozinho. O mundo era um lugar perigoso, e com monstros escapando de portais e atacando civis de vez em quando, ele não queria correr riscos.
Subindo as escadas até o quarto andar, ele parou diante da porta do apartamento da avó do garoto e bateu suavemente, enquanto Gilyoung esperava ao seu lado. Não demorou muito para que uma senhora de idade abrisse a porta, bem agasalhada contra o frio da noite.
"Oh, Dokja-ya, meu filho!" Ela abriu um sorriso caloroso ao vê-lo. "Entre, entre! Está frio aí fora!"
Kim Dokja sorriu de volta, mas balançou a cabeça educadamente.
"Ah, não precisa, halmoni. Só vim trazer o nosso Gilyoung-ah para casa." Ele disse, dando tapinhas leves nas costas do garoto, que parecia relutante em entrar.
A senhora olhou para o neto e depois para Dokja, seu olhar atento como se soubesse que algo estava diferente.
"Tem certeza, meu filho? Você parece um pouco abatido..." A senhora comentou, preocupada.
"É só um resfriado." Ele mentiu com um sorriso tranquilizador. "Preciso descansar um pouco. Mas passo aqui outro dia para conversarmos, tudo bem?"
Ela suspirou suavemente, mas não insistiu.
"Tudo bem, tudo bem... Mas se precisar de alguma coisa, sabe que pode me falar. Posso fazer um caldo ou um chá para ajudar no seu resfriado." Ela ofereceu, na esperança de que ele acabasse cedendo.
"Eu sei. Obrigado, halmoni. Mas não se preocupe, não é nada demais." Ele dispensou rapidamente, com a mesma atitude descontraída.
Gilyoung olhou para Dokja uma última vez, parecendo hesitar antes de finalmente entrar. O garoto deu um pequeno aceno antes de fechar a porta atrás de si.
A senhora Lee gostava de Dokja, era perceptível, embora ele nunca a tivesse conhecido muito bem antes. Sua mãe sempre evitou a família depois de se casar com o pai abusivo de Dokja, mas ele sabia que eram parentes de sangue.
E é aí que a coisa toda começava a ficar complicada. A avó de Lee Gilyoung, a senhora Lee, não confiava nem na própria filha — mãe de Gilyoung. E, para ser sincero, o motivo era bem óbvio: a mulher era uma péssima mãe e, pelo visto, uma péssima pessoa também. Quem, em sã consciência, deixaria uma criança com uma mulher que estava bêbada e agressiva 24 horas por dia e, quando não estava em casa, provavelmente estava desmaiada em alguma vala?
Era compreensível que a senhora Lee não confiasse nela. O problema é que, na família deles, todo mundo tinha algum tipo de problema. As relações eram complicadas e ninguém se dava bem com ninguém. A avó de Gilyoung estava sozinha, muito velha, e sempre que estava com Dokja, falava sobre quando morreria, como se fosse inevitável.
E aí vinha o assunto que deixava Dokja realmente desconfortável: ela dizia que, quando morresse, ele deveria pegar a guarda de Lee Gilyoung, pois ninguém mais faria e o garoto seria enviado para um abrigo. O problema era que Dokja mal estava conseguindo se sustentar e já tinha suas próprias preocupações. Como poderia cuidar de uma criança? Como poderia dar a ele uma vida melhor se mal conseguia garantir a sua própria?
Kim Dokja não se via como alguém qualificado para assumir essa responsabilidade. Ele amava Gilyoung, sem dúvida. O garoto era a única presença reconfortante em sua vida, a única pessoa que ainda trazia algum tipo de conforto ao seu dia. Mas ao olhar para Gilyoung, ele via algo mais, via a dor que ele mesmo carregava. Era como olhar para um espelho rachado, refletindo suas próprias cicatrizes e traumas. Essa conexão profunda é o que o motivava a tentar dar ao garoto tudo o que ele nunca teve – algo que, no fundo, ele sempre quis para si mesmo.
Mas, tornar-se oficialmente o guardião de Gilyoung? Ele não sabia se seria capaz. E o pior: não tinha confiança alguma em sua habilidade de cuidar de outra pessoa. Ele nem mesmo tinha um emprego agora, sempre viveu com um salário apertado e estava em território instável. A ideia de arrastar uma criança para essa bagunça pesava em sua consciência. Ele não queria ser mais uma pessoa que iria falhar. Ele não queria ser um parente ruim. Ele não queria ser como o pai dele.
Além disso, tinha o fato mais difícil de encarar: ele não era mais humano. Ele era um monstro, uma criatura nojenta que agora tinha asas e chifres, que parecia algo saído exatamente de uma história de terror. Como Gilyoung reagiria se ele descobrisse isso? Como ele ficaria ao perceber que seu hyung, a única pessoa em quem ele confiava, era alguém tão assustador?
Ele sabia que era uma situação hipotética, mas o simples fato de pensar nisso o fazia se sentir ainda mais impotente. A senhora Lee estava falando tanto sobre morrer, e isso, de alguma forma, estava mexendo com a cabeça de Kim Dokja. Ele não queria que Gilyoung passasse por isso, fosse por sua causa ou pela própria ausência da avó. Ele não queria que o garoto fosse deixado à deriva, levado para um orfanato, onde talvez fosse ainda mais afetado.
Mas a realidade era que ele estava, de fato, impotente naquele momento. Ele não conseguia fazer nada além de observar em seu estado atual. Ele não podia resolver nada.
Kim Dokja soltou um suspiro pesado e esfregou o rosto com uma mão enluvada. Agora só restava voltar para casa e lidar com seus próprios problemas… seja lá como faria isso.
「• • •」
Resumidamente, ele não lidou com isso.
Chegando em casa, Kim Dokja tirou as roupas desconfortáveis, tomou um banho e se jogou na cama, pronto para assumir sua nova realidade: a de um desempregado vagabundo.
Foi então que percebeu um novo problema.
Como diabos ele vestiria suas roupas antigas agora que tinha duas asas gigantescas nas costas? Era simplesmente impossível. Mas a ideia de cortar buracos nas costas de suas camisas boazinhas o deixava em pânico. E se ele voltasse ao normal de repente? Suas roupas estariam condenadas!
Mas ficar pelado para sempre também não era uma opção.
Suspirando, ele se levantou e vasculhou o fundo do armário até encontrar ela. A lendária camisa velha. A relíquia do passado. Aquele pedaço de pano desbotado, cheio de manchas e furinhos, que já deveria ter sido jogado fora há anos.
Sem um pingo de remorso, Dokja pegou uma tesoura e, com a precisão cirúrgica de alguém que já não tinha mais dignidade — nem paciência, fez dois rombos monstruosos nas costas da camisa. Assim que vestiu e passou as asas pelos buracos improvisados, sentiu um alívio imediato.
Sim… muito melhor. Nada de asas esmagadas, nada de camadas sufocantes de roupa.
Ele se olhou no espelho e suspirou pesadamente.
"Essa é a minha vida agora?" Kim Dokja se perguntou, encarando seu reflexo no espelho. O que ele viu não era nem de perto o homem que costumava ser. Ele parecia um mendigo com todos aqueles trapos que chamava de roupa.
Com um suspiro profundo e uma sensação de derrota total, ele se jogou na cama, pronto para adiar a resolução de seus problemas até que o universo se cansasse de jogar suas absurdas reviravoltas em cima dele.
"Dane-se. Eu já estou fodido mesmo." ele resmungou, afundando no travesseiro e já pensando no que faria até a próxima crise.
「• • •」
A próxima crise chegou como um soco no estômago: aluguel atrasado, armários vazios, geladeira parecendo um deserto. Kim Dokja estava, sinceramente, à beira do desespero. Naquele ritmo, ele seria despejado.
Ele já tinha enviado seu currículo para todas as vagas possíveis de home office. Não tinha a menor chance de conseguir um emprego presencial com aquela aparência... a não ser que alguma empresa estivesse contratando demônios para atendimento ao cliente — o que, honestamente, até faria sentido. Só um demônio para lidar com outro.
Por sorte, ele conseguiu algo. O problema? Pagava muito mal, o que condizia com a carga horária de duas horas. O salário era tão simbólico que mal cobria a conta de luz, quem dirá aluguel e comida. Mas para quem não tinha literalmente nada, era uma luz no fim do túnel.
E então, sem nem perceber, ele começou a pular cada vez mais refeições — o que já não era nenhuma novidade vindo dele. Mas quando ele finalmente desmaiou no meio de uma faxina no apartamento dele, a ficha caiu de vez.
Ele não podia continuar assim. Não podia fugir para sempre. Por mais que quisesse se esconder do mundo e nunca mais ser visto com essa cara de monstro de RPG, a realidade não ia mudar sozinha.
Que tipo de homem ele era, afinal? Sempre fugindo dos problemas? Como poderia ser um bom exemplo para Gilyoung se nem conseguia um emprego? Se nem ao menos tentava enfrentar suas próprias limitações?
Ele precisava dar um jeito. Não dava para passar o resto da vida confinado naquele apartamento minúsculo de dois cômodos.
E foi assim que, respirando fundo e tentando ignorar a súbita vontade de gritar em um travesseiro, ele abriu o laptop e marcou uma consulta no Centro de Despertados de Seul. Com sorte, ele consolidaria sua identificação como caçador.
Ou, no mínimo, não seria decapitado antes de conseguir explicar o porquê parecia ser um demônio saído direto de um jogo de RPG.
Poderia até parecer dramático, mas Kim Dokja estava realmente preocupado sobre o que poderia acontecer com ele. Ele não achava que era um despertado. E se o considerassem um perigo? Isso era fácil, ninguém ia perder tempo pensando duas vezes antes de se livrar de um cara miserável como ele.
Mas, claro, isso era um problema para o Kim Dokja do futuro. O Kim Dokja do presente, no entanto, estava mais preocupado em não passar fome do que continuar com esse joguinho de esconde-esconde.
「• • •」
Era um sábado até que razoavelmente agradável. Kim Dokja tinha um teste marcado para segunda-feira e, decidido, vestiu um sobretudo branco que cobria seu pescoço e ia até os joelhos. Era um sobretudo velho, surrado e um pouco acabado, mas foi a única coisa que ele encontrou no armário que, ao menos, não fazia ele parecer um stalker — o que não mudou muita coisa, já que, quando ele vestiu um gorro branco, óculos escuros e máscara branca, ele continuou parecendo um stalker.
Única diferença é que agora ele era um stalker que se vestia de branco e não de preto.
Hoje, ele estava planejando passear com Lee Gilyoung pelo centro da cidade. Passar na feira, comprar alguns doces e, quem sabe, tentar arrancar um sorriso do garoto. Afinal, ele só queria garantir que Gilyoung tivesse bons momentos caso, por algum motivo, ele decidisse morrer na segunda-feira.
Porque, claro, é sempre bom garantir que o garoto tenha algum tipo de felicidade antes que Kim Dokja pudesse traumatizá-lo com sua morte. Uma pequena garantia.
E assim, vestido com o máximo de disfarces possíveis para ocultar suas feições demoníacas — chifres escondidos sob o gorro, óculos escuros mascarando os olhos vermelhos, máscara cobrindo o rosto, cachecol disfarçando as rachaduras pretas na pele e asas comprimidas contra as costas por baixo do sobretudo — Kim Dokja finalmente saiu de casa para buscar Lee Gilyoung.
Foi hilário ver a reação de Gilyoung. Ele não esperava encontrar Kim Dokja na porta, pronto para chamá-lo para sair, e quase voou para dentro de casa, correndo para se arrumar em um piscar de olhos.
"Hyung! Espera aí!" Gilyoung gritou do corredor, puxando a camisa com pressa, "Eu só vou colocar os tênis!"
Dokja teve que segurar o riso que ameaçava escapar com a reação adorável do garoto.
“Dokja-ya, meu filho, você está aqui para levar meu netinho para passear?” Ela sorriu gentilmente, chamando-o de "filho" tão casualmente como se fosse da família.
Kim Dokja, já acostumado, apenas deu um sorriso educado, — apesar de estar usando máscara — tentando não deixar transparecer o desconforto.
“Sim, halmoni.” ele respondeu respeitosamente, se curvando levemente. “Estou levando Gilyoungie para dar uma volta. Está tão bonito hoje que parece um desperdício ficar em casa.”
A senhora riu, divertida com a maneira como Dokja sempre a tratava com tanto respeito.
"Você sempre tão educado, filho. Fique à vontade, viu?" Ela disse com um sorriso carinhoso.
Logo, Gilyoung apareceu, todo arrumado, ansioso para sair, e Dokja se despediu com um último aceno para a senhora.
"Descanse, halmoni. Gilyoung-ah estará em casa por volta das 19h, então não se preocupe." Kim Dokja disse, se despedindo da senhora com um aceno.
"Não se preocupe com o horário, apenas passe o tempo que você quiser com o seu filho, Dokja-ya!" A senhora respondeu com um sorriso firme e caloroso.
Dokja quis abrir a boca para corrigir, dizer que Lee Gilyoung não era seu filho, mas a expressão de felicidade da senhora e o brilho nos olhos de Gilyoung, que parecia totalmente encantado com a ideia de ter Dokja como pai, o fez hesitar. Ele sabia que corrigir ali só estragaria a atmosfera.
Então, após um breve suspiro, ele se manteve em silêncio, aproveitando para bagunçar os cabelos castanhos do garoto, que riu e se agarrou á ele.
「• • •」
Gilyoung se divertiu tanto no passeio, muito mais do que normalmente faria. Ele, que muitas vezes era quieto e tímido, estava se soltando como nunca, agarrado a Dokja e repetindo uma ladainha de "hyung, hyung, hyung" sem parar.
Kim Dokja não se importava nem um pouco. Ele achava aquilo adorável. Era bom ver o garoto tão animado e feliz. Era, de fato, um ótimo dia.
Dokja, por outro lado, havia esvaziado quase toda a carteira no passeio. Não tinha muito, mas fez o possível para gastar o que tinha com o garoto. Ele ainda tinha um trocado, e foi nesse momento que olhou para os pés de Gilyoung.
Seus tênis estavam em péssimas condições, com furos e manchas feias. Era claro que o garoto precisava de novos, aqueles eram velhos demais e usados excessivamente.
Antes que ele pudesse perceber, estava parado em frente à vitrine de uma loja, avaliando os tênis expostos para Gilyoung.
"O que você está olhando, hyung?" Gilyoung perguntou com a boca cheia de churrasco, mastigando o espetinho distraidamente.
"Tênis novos. Qual você gosta?" Kim Dokja perguntou com uma voz suave enquanto se virava para o garoto, que ainda estava empolgado com o lanche.
Lee Gilyoung arregalou os olhos um pouco, suas bochechas corando ao perceber o que Dokja estava fazendo.
"Qual...eu gosto?" Gilyoung repetiu, um pouco tímido agora que estava prestes a receber um presente de seu hyung.
Ele olhou para a vitrine com os olhos brilhando e, hesitantemente, apontou para um par de tênis verdes.
Eles eram bem o estilo de Gilyoung mesmo, Kim Dokja observou com um sorriso.
Entrando na loja com o garoto, Kim Dokja pediu pelos tênis verdes. O vendedor trouxe um par no tamanho de Gilyoung, mas um pouco maiores para que durassem mais tempo. Gilyoung, empolgado, calçou-os rapidamente, enquanto Dokja fazia o pagamento.
E quando saíram da loja, Lee Gilyoung estava nas alturas com seus novos tênis.
"São tão confortáveis, hyung!" O garoto exclamou com um sorriso enorme.
"Não é? Na próxima vez, vamos comprar algo ainda melhor, Gilyoung-ah." Kim Dokja bagunçou os cabelos do garoto afetuosamente.
Lee Gilyoung pareceu muito feliz com isso. Kim Dokja também.
Eles continuaram o passeio, mas agora que Kim Dokja não tinha mais dinheiro, ele usou seus últimos wons para comprar um último tokkebi e deu para Gilyoung, que estava aproveitando o passeio ao máximo. Kim Dokja, por sua vez, não comprou nada para si.
Era um passeio para Gilyoung, ele comeria ramyeon quando chegasse em casa.
「• • •」
Estava começando a escurecer e o passeio deles estava quase no fim. Gilyoung estava de ótimo humor e com a barriga cheia, agindo como uma criança da idade dele deveria ter agido desde o início.
E Kim Dokja estava muito satisfeito com isso.
"Está quase na hora de irmos embora. Então, vamos devagarinho, ok, Gilyoung-ah?" Kim Dokja falou suavemente, observando o garoto murchar um pouquinho ao ouvir que teriam que se separar.
Ele até fez um beicinho. Kim Dokja quase riu. Quase. Mas o som ensurdecedor de uma explosão o assustou o suficiente para fazê-lo pegar Gilyoung no colo e olhar ao redor, alarmado.
Todo mundo parou, exatamente como Kim Dokja.
"Hyung...?" Gilyoung chamou hesitantemente, assustado.
Então, os alarmes soaram. Os alarmes de quebra de portal ecoaram pelas ruas estridentemente.
"ALERTA DE QUEBRA DE PORTAL. EVACUE A ÁREA IMEDIATAMENTE. REPITO, EVACUE A ÁREA IMEDIATAMENTE."
Dizer que Kim Dokja estava apavorado era um eufemismo. Ele estava completamente paralisado, o pânico tomando conta dele. Definitivamente não era assim que ele imaginava que acabaria o dia.
Foi só quando o caos começou a se espalhar que ele reagiu. O som de pessoas empurrando umas às outras, gritos desesperados e a pressão da multidão correndo para longe da área de risco fez com que ele finalmente despertasse de sua paralisia.
"Hyung, o que está acontecendo...?" Gilyoung perguntou, sua voz trêmula enquanto ele se apertava mais contra Kim Dokja, sentindo o pânico ao seu redor.
"Fica calmo, Gilyoung-ah. Estamos bem." Kim Dokja falou, tentando manter a compostura enquanto segurava o garoto com mais força, correndo entre as pessoas que começavam a empurrar umas às outras em uma tentativa frenética de escapar da área de risco da quebra do portal.
'Porra, porra, porra!' Kim Dokja pensou, com a mente em pânico. Como diabos um portal abriu tão perto de uma feira? E com tantas pessoas? O que esses filhos da puta estavam pensando?!
A medida que ele corria, tentando desviar das multidões, ele sentia a respiração apressada de Gilyoung contra seu pescoço, o garoto agarrado a ele com força. Era claro que ele estava assustado, mas confiava em Kim Dokja para mantê-lo seguro.
“H-hyung...n-não vai acontecer n-nada com a gente, v-vai?” Gilyoung perguntou, a voz trêmula e cheia de medo.
Kim Dokja apertou os lábios, sem poder prometer nada. O pânico estava em cada canto daquela rua e ele só podia fazer o seu melhor para escapar com o garoto ileso. Sim. O filho dele era a prioridade naquele momento.
O caos estava instalado. Pessoas corriam em todas as direções, empurrando-se sem olhar para trás, movidas pelo puro instinto de sobrevivência. Kim Dokja mal conseguia manter o equilíbrio enquanto era jogado de um lado para o outro, mas se recusava a soltar Lee Gilyoung. Ele usava o próprio corpo como escudo, protegendo o garoto dos impactos enquanto tentava avançar em meio à multidão desesperada.
Eles estavam perto. Só mais um pouco e—
Uma explosão violenta sacudiu o chão, ressoando pelo ar como um trovão. Kim Dokja parou abruptamente, assim como todos ao seu redor. O cheiro de queimado e carne chamuscada invadiu suas narinas.
E então, ele viu.
Bloqueando o caminho, erguia-se uma criatura colossal, um réptil grotesco que parecia ter saído de um filme de terror. Sua pele escamosa era negra como obsidiana, refletindo a luz em padrões irregulares. Os olhos, grandes e amarelados, brilhavam com uma fome irracional, pupilas fendidas que se dilatavam conforme analisavam a presa à sua frente.
Seus membros eram longos e musculosos, as garras afiadas arranhando o asfalto e deixando marcas profundas. Mas o mais perturbador era sua mandíbula — aberta em um ângulo impossivelmente perturbador, revelando fileiras e mais fileiras de dentes serrilhados, babando um líquido esverdeado que fumegava ao tocar o chão, corroendo o concreto.
Ele não era apenas imenso. Ele parecia muito forte também.
Kim Dokja sentiu um arrepio percorrer sua espinha quando o monstro jogou a cabeça para trás e soltou um rugido ensurdecedor, um som gutural e reverberante, como se dezenas de vozes gritassem ao mesmo tempo.
Gilyoung estremeceu nos braços de Dokja, agarrando-se mais forte à sua camisa.
"Hyung..." O garoto choramingou com a voz trêmula e baixa, apavorado.
Kim Dokja engoliu seco, sentindo a adrenalina tomar conta do seu corpo.
Eles estavam presos. Todo mundo.
Notes:
É isso. Não sou muito criativo para criar monstros. É apenas um réptil muito feio, escamoso e horrendo.
Me avise se encontrar erros na escrita, irei corrigí-los imediatamente. Muito obrigado por ler!
Chapter 4: Capítulo 4
Notes:
Esse capítulo é pura ação e (ironicamente) sou péssimo para narrar ação. Mas é o que é, espero que gostem! Boa leitura!
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
O silêncio durou apenas um instante. E então, o caos se instalou.
O monstro se moveu com uma velocidade que não combinava com seu tamanho, sua cauda cortando o ar como um chicote antes de acertar um grupo de azarados que estavam perto demais. O impacto foi brutal — ossos estalaram, corpos foram lançados como bonecos de pano, e um rastro de destruição abriu-se no meio da rua.
Gritos de pavor ecoaram quando o monstro avançou, suas garras afiadas dilacerando o asfalto enquanto saltava sobre a multidão em fuga. Pessoas corriam desesperadas, mas não rápidas ou suficientes. Com um único golpe, o monstro agarrou um homem pelo torso, suas garras se fechando ao redor da vítima como uma armadilha. O grito foi interrompido por um estalo nauseante quando ele foi esmagado sem piedade.
A mandíbula da criatura se abriu ainda mais — de forma grotesca, monstruosa — e ela se lançou sobre outro grupo, abocanhando três de uma vez. Houve um ruído molhado e as pernas de um deles se debateram por um segundo antes de desaparecerem completamente. O líquido verde de sua saliva escorria pelo queixo do monstro, pingando no chão e abrindo buracos fumegantes no concreto.
A multidão entrou em pânico, empurrando-se sem pensar, uns pisoteando os outros na tentativa desesperada de fuga. Mas o réptil apenas continuava sua carnificina, olhos predatórios brilhando na escuridão. Cada passo seu fazia o chão tremer, cada golpe de sua cauda transformava estruturas inteiras em entulho.
O mundo ao redor de Kim Dokja era um borrão de caos e desespero. O cheiro forte de sangue e o fedor corrosivo da saliva do monstro queimavam suas narinas, mas ele não tinha tempo para se importar. O rugido ensurdecedor da fera ainda ecoava em seus ouvidos, misturando-se aos gritos aterrorizados das pessoas que corriam em todas as alternativas, desesperadas para sobreviver.
Sem pensar, sem sequer hesitar, Dokja segurou Gilyoung com força e disparou em meio à multidão em pânico. Os pés batiam contra o asfalto rachado, os ombros eram empurrados por desconhecidos igualmente apavorados, os corpos se chocavam uns contra os outros sem piedade. Alguns tropeçavam, caíam, eram pisoteados sem que ninguém tivesse tempo de parar para ajudar.
“Hyung!” Gilyoung soluçava, a voz embargada pelo medo e pela confusão, os pequenos braços se apertando ao redor do pescoço de Dokja como se sua vida dependesse disso — e, na verdade, dependia.
"Segura firme!" Dokja comum, ignorando a dor nos músculos, ignorando o peso extra, ignorando tudo, exceto a necessidade de correr.
E então, veio um estrondo.
O chão tremeu, um impacto esmagador abalando tudo ao redor como um terremoto. Um baque estrondoso reverberou pelo ar — o monstro aterrissou atrás deles. Dokja sentiu o tremor subindo por suas pernas, os pulmões travando em puro terror.
O som cortante de algo grande e mortal rasgou o vento.
A cauda vinha.
A multidão gritava, se empurrava, lutava para escapar. Mas não havia mais tempo. Não importava o que fizeram.
Era impossível fugir disso.
O som de tecido se rasgando foi abafado pelo estrondo seco do impacto. Mas o golpe nunca veio.
Por um instante, o mundo pareceu segurar a respiração.
A multidão — alguns caídos, outros ainda lutando para correr — parou. Primeiro em choque. Depois, em esperança.
Diante deles, no meio da rua devastada, um homem vestindo um sobretudo branco surrado permanecia de pé, segurando uma criança no colo. Uma asa negra e prateada se erguia majestosamente de suas costas, estendida como um escudo, bloqueando a cauda cortante do monstro.
Sangue escorria da borda das escamas negras, pingando no chão em gotas pesadas. Ele estava machucado. Mas estava de pé.
Um caçador! Um caçador veio ao resgate! Eles estavam a salvos!
Os murmúrios de choque e alívio percorreu a multidão, mas Kim Dokja não tinha tempo para isso.
"CORRAM!" Kim Dokja rugiu, a voz rouca, mas firme.
O frenesi voltou à multidão. Pessoas retomaram a corrida, algumas tropeçando nos escombros, outras puxando amigos e desconhecidos para longe.
Kim Dokja não sabia o que diabos tinha acabado de acontecer. Seu corpo se moveu antes que sua mente pudesse acompanhar. Tudo o que ele ouviu foi uma voz insistente martelando em sua cabeça.
Proteja Gilyoung.
E então, antes que percebesse, suas asas tinham rasgado o sobretudo e se expandido, bloqueando o ataque da criatura. Elas eram fortes. Fortes de um jeito que ele nunca tinha percebido antes.
Mas ele não tinha tempo para se chocar com aquilo.
Sem perder mais tempo, ele colocou Lee Gilyoung no chão e o empurrou levemente para longe, seus olhos fixos no pequeno rosto manchado de lágrimas.
"Corre!" Sua voz saiu firme, mas urgente.
"Mas, hyung—" Gilyoung engasgou, o olhar apavorado tremendo sobre ele.
"AGORA, GILYOUNG!" Kim Dokja gritou.
E então, estupidamente, ele fez a única coisa que parecia certa naquele momento.
Ele avançou.
Direto para o monstro.
Talvez fosse instinto. Talvez fosse desespero. Talvez burrice. Ou talvez fosse simplesmente porque sua vida já era uma merda mesmo. Se fosse para morrer, que fosse fazendo algo útil.
Não era como se fosse a primeira vez que ele pensava nisso.
Não era como se fosse a primeira vez que ele tentava acabar com a própria vida.
Mas, dessa vez, pelo menos, ele tinha um propósito mais heróico.
Ele podia ouvir Lee Gilyoung gritando desesperado por ele, a voz do garoto trêmula e carregada de pânico. Mas Dokja não olhou para trás. Ele não podia.
Kim Dokja só podia esperar que Gilyoung não fosse tão idiota quanto ele e não tentasse segui-lo.
Não venha.
Por favor, não venha.
Fique seguro.
Lee Gilyoung.
O monstro rugiu, seus olhos amarelados fixando-se na presa que se recusava a fugir. Com um movimento violento, ergueu uma de suas garras enormes e a trouxe para baixo com força, mirando para esmagar Kim Dokja no asfalto como um inseto insignificante.
O instinto gritou antes da razão, e, surpreendendo a si mesmo, suas asas negras se abriram majestosamente. O vento soprou forte quando ele as bateu com força, seu corpo erguendo-se desajeitadamente no ar, escapando do ataque por um fio. O impacto das garras rachou o chão onde ele esteve momentos antes, fragmentos de asfalto voando para todos os lados.
Ele pousou de forma desengonçada, tropeçando um pouco ao sentir o peso do próprio corpo novamente, mas não teve tempo para recuperar o equilíbrio. O monstro se virou com um movimento ágil e inesperado, sua cauda cortando o ar como um chicote.
Merda!
Sem pensar, Dokja saltou novamente, as asas impulsionando seu corpo para cima no último segundo. Ele passou por cima da cauda do monstro como se estivesse pulando corda, sentindo o vento forte raspar contra sua pele. O golpe atingiu um grupo de carros estacionados, arremessando-os como se fossem brinquedos, metal se retorcendo com um estrondo ensurdecedor.
Mas Dokja nem teve tempo de processar aquilo.
Ele estava se movendo. Planando. Batendo as asas e girando ao redor da criatura em um padrão errático. Seu voo era instável, sua respiração ofegante, mas ele não parava.
E, contra todas as expectativas… ele estava se sentindo estranhamente excitado.
O medo ainda estava lá, agarrado a ele como um parasita, mas, de alguma forma, a sensação de voar, de se esquivar, de sentir o vento contra o rosto — era eletrizante. Ele nunca tinha corrido tanto, nunca tinha se sentido tão livre e, ao mesmo tempo, tão próximo da morte.
O monstro rugiu, girando seu corpo imenso para tentar acompanhá-lo, seus olhos amarelados brilhando com uma fúria crescente. Ele estava ficando puto.
Bom. Kim Dokja não sabia quanto tempo conseguiria manter esse ritmo, mas uma coisa era certa, se ele ia morrer hoje, ele faria isso irritando essa coisa ao máximo.
E, por ironia do destino, ele tinha um talento especial para irritar os outros.
E estava funcionando.
O monstro rugiu novamente, dessa vez com uma fúria ainda maior. Ele podia ver a frustração na forma como as pupilas fendidas da criatura se estreitaram, na maneira como seus golpes ficavam mais agressivos, erráticos e desesperados.
Kim Dokja não sabia exatamente quanto tempo passou desviando dos ataques, mas seu corpo já dava sinais claros de exaustão. Sua estamina tinha um limite, por mais que sua forma demoníaca estivesse permitindo que ele se mantivesse de pé por tanto tempo.
Ele só precisava aguentar um pouco mais. Só até os verdadeiros caçadores chegarem.
O cenário ao seu redor era um retrato do caos. Prédios desmoronados, o asfalto reduzido a crateras, carros amassados e arremessados como latas velhas. A rua, antes movimentada e cheia de vida, agora parecia o epicentro de um apocalipse.
Kim Dokja sentia cada músculo gritar em protesto.
Seu gorro havia sido levado pelo vento há muito tempo, seu cachecol perdido em meio aos escombros, e seus óculos escuros estavam agora em pedaços, soterrados em algum canto daquele inferno. Seus chifres curvados, suas enormes asas negras e olhos vermelhos brilhantes estavam completamente expostos para quem quisesse ver. O disfarce arruinado se tornou um dos seus menores problemas no momento.
Ele arfava pesadamente, suando, o corpo se movendo por puro reflexo enquanto continuava a desviar dos golpes cada vez mais violentos da criatura. O monstro estava furioso. A frustração era visível na forma como seus olhos reptilianos se contraíam e seus ataques ficavam cada vez mais imprevisíveis.
‘Droga... quanto tempo mais eu tenho que segurar essa coisa?’
Merda. Se ele soubesse que passaria por isso, teria treinado melhor o voo. Ou qualquer outra merda que o ajudasse a não morrer agora.
O pensamento mal tinha se formado em sua mente quando algo no canto de sua visão o fez hesitar por um instante.
Um brilho artificial entre os destroços.
Atrás de um carro capotado, parcialmente encobertos pelos destroços, um grupo de jornalistas estava abaixado, câmeras em mãos, transmitindo tudo em tempo real.
Kim Dokja cerrou os dentes. Eles só podiam estar de brincadeira.
Os idiotas estavam gravando, sussurrando entre si, completamente alheios ao perigo real que corriam. Um deles, um homem mais velho de cabelos grisalhos e desgrenhados, segurava um microfone com as mãos trêmulas, enquanto um homem mais jovem ao lado mantinha a câmera firme, apesar do medo estampado no rosto.
Eles estavam perto demais. Perto demais.
Por uma fração de segundo, Dokja hesitou. Seu olhar fixou-se nos jornalistas, nos olhos arregalados e na câmera que transmitia tudo ao vivo para o país inteiro. Ele abriu a boca para gritar um aviso—
E essa fração de segundo foi tudo que o monstro precisou.
O rugido do monstro foi a única coisa que ele ouviu antes do impacto.
O rabo do monstro cortou o ar como um chicote e o atingiu em cheio no peito.
O impacto foi exatamente como ser atropelado por um carro esportivo em alta velocidade.
Seu corpo foi arremessado para trás com uma força devastadora e a dor explodiu em cada fibra de seu ser antes mesmo de seu cérebro processar o que tinha acontecido. Seu campo de visão girou violentamente antes que seu corpo colidisse contra uma parede de concreto.
A estrutura rachou no instante em que foi atingida.
Kim Dokja sentiu o choque reverberar por seus ossos, o ar sendo arrancado brutalmente de seus pulmões. Algo estalou dolorosamente dentro dele. Talvez uma costela. Ou várias.
Ele deslizou para o chão em meio à poeira e destroços, tossindo violentamente, tentando puxar o ar que parecia ter fugido de seus pulmões. O gosto metálico do sangue preencheu sua boca.
E, acima dele, o monstro rugiu, preparando-se para dar o golpe final.
E Kim Dokja se preparou para o impacto.
O estrondo metálico reverberou pelo ar, abafando todos os outros sons por um instante. Kim Dokja abriu os olhos, atordoado, sua visão ainda turva pelo ataque que recebeu antes.
Diante dele, uma figura grande e imponente bloqueava o monstro com o próprio corpo — O Mestre do Aço.
Lee Hyunsung.
Um dos caçadores mais renomados da Coreia do Sul, membro da equipe do Rei Supremo, um dos lendários caçadores Rank S.
Dokja arregalou os olhos, o coração martelando contra suas costelas doloridas. Ele tinha acabado de ser salvo pelo Mestre do Aço em pessoa.
O homem à sua frente era uma verdadeira muralha viva, sua pele completamente transmutada em metal reluzente, refletindo a luz das explosões e do caos ao redor. Cada músculo parecia esculpido em aço bruto, como se fosse uma fortaleza inquebrável de aço puro.
O monstro rugiu, forçando-se contra Hyunsung, mas o caçador não cedeu um milímetro. Com os braços erguidos, ele suportava o ataque como se não fosse nada. O impacto que teria partido Kim Dokja ao meio foi absorvido pelo corpo metálico do caçador, como se não fosse nada além de um mero empurrãozinho.
Se Dokja tivesse recebido aquele golpe...
Ele provavelmente estaria morto agora.
"Você está bem?" Lee Hyunsung se virou para ele, a voz grave carregando preocupação genuína. Seus olhos avaliavam o estado lamentável de Kim Dokja, mesmo através de sua expressão firme.
Dokja abriu a boca para responder, mas a única coisa que saiu foi um ruído rouco e úmido. No momento seguinte, ele foi tomado por uma onda de tosse violenta, o gosto ferruginoso de sangue preenchendo sua boca. Ele tossiu mais uma vez, o líquido quente escorrendo por seu queixo e manchando suas roupas esfarrapadas. Algo quente e metálico subiu por sua garganta. Ele se inclinou para frente e cuspiu sangue no chão.
O semblante rígido de Lee Hyunsung se contorceu em algo próximo a pavor, olhos arregalados, parecendo realmente apavorado.
Kim Dokja ignorou isso.
Pelo canto do olho, Dokja percebeu outra movimentação.
Uma garota recém saída do ensino médio com um rabo de cavalo, empunhando uma espada, avançava contra o monstro com uma fúria implacável.
Lee Jihye.
Mesmo com a dor latejante nublando sua mente, ele a reconheceu imediatamente. A Almirante Marítima, outra caçadora Rank S, também integrante da equipe do Rei Supremo.
É claro que ele sabia quem eram. Quem na Coreia não saberia?
Mas, naquele momento, Kim Dokja mal conseguia processar a presença deles. Sua respiração estava falha, fanha, entrecortada. Cada parte do seu corpo gritava em agonia.
Uma de suas pernas estava dobrada em um ângulo preocupantemente anormal, suas asas tremiam incontrolavelmente, rasgadas e sujas de poeira e sangue. Seu rosto estava anormalmente pálido, e, por algum motivo, o olhar de Hyunsung se demorou em seu corpo magricelo.
Ele só não tinha quebrado completamente porque não era um humano. Em circunstâncias normais, ele já estaria morto.
Kim Dokja soltou um riso rouco e sem humor.
O som escapou de seus lábios antes que pudesse se conter — um riso sarcástico, vazio, desprovido de qualquer verdadeira diversão.
E ele se arrependeu instantaneamente de ter rido.
Assim que a risada fraca e rouca deixou sua boca, uma sensação dolorosa percorreu seu peito, como se estivesse sendo queimado ou rasgado por dentro. Cada espasmo de sua respiração forçava mais sangue a subir por sua garganta, queimando como ácido.
Seu corpo se curvou involuntariamente, a visão se turvando quando ele tossiu violentamente, respingos vermelhos manchando suas roupas brancas.
Kim Dokja nem percebeu quando mãos firmes o seguraram, erguendo-o com cuidado.
Lee Hyunsung se ajoelhou ao seu lado, apoiando-o com delicadeza surpreendente para alguém feito de aço. A mão pesada sustentou suas costas, ajustando sua posição para que pudesse respirar melhor. E foi só então que ele percebeu o quão difícil era respirar.
Ele estava sufocando.
O ar entrava e saía de seus pulmões com um chiado úmido e doentio. Cada respiração parecia puxar cacos de vidro para dentro do peito, e mesmo ele sabia que aquilo não era um bom sinal.
"Isso é ruim..." Lee Hyunsung sussurrou, a voz carregada de uma preocupação que Kim Dokja escolheu ignorar.
Em vez de responder, seus olhos vermelhos se voltaram para a batalha à frente.
No campo de batalha devastado, Lee Jihye avançava contra o monstro réptil com uma ferocidade implacável. Sua lâmina brilhava sob a luz distorcida do fogo e dos destroços, cada golpe dela lançando vibrações no ar. A jovem caçadora se movia como uma tempestade — ágil, determinada, assassina.
Ela era boa. Muito melhor pessoalmente. Ele desejou estar em um estado melhor para acompanhar a luta com os olhos.
Kim Dokja piscou lentamente. Seus membros estavam pesados, um torpor estranho começando a tomar conta de seu corpo exausto. Cada parte dele implorava por descanso.
Mas Lee Hyunsung não o deixou fechar os olhos.
"Ei, ei, fique acordado!" a voz grave do caçador rompeu o torpor de Dokja. O aço frio dos dedos metálicos pressionou contra seu rosto, tentando mantê-lo consciente. "Ei!"
Kim Dokja apenas fechou os olhos por um momento, a exaustão o puxando como uma maré forte.
Ele realmente precisava descansar um pouco.
Só um pouco.
「• • •」
O golpe final da espada de Yoo Joonghyuk cortou o ar com uma força avassaladora antes de atingir o monstro em cheio.
O impacto ressoou como um trovão, e o monstro réptil soltou um último rugido de agonia antes de cair, morto, sobre a rua destruída, seu cadáver sendo consumido por chamas negras. O silêncio que se seguiu durou apenas um instante — o suficiente para que os sobreviventes absorvessem a realidade de que tudo tinha finalmente acabado.
Então, o caos recomeçou.
A equipe de investigação e reconhecimento finalmente chegou — muito atrasada, acompanhada por ambulâncias e uma multidão de repórteres que se aglomeravam como abutres sobre os destroços. Aqueles jornalistas que já estavam escondidos no local, transmitindo o massacre ao vivo, saíram de seus esconderijos com microfones e câmeras em punho, ávidos por declarações.
Os repórteres avançaram sobre os caçadores mais famosos do país, mas ninguém ousou se aproximar do primeiro que deixou o campo de batalha.
Yoo Joonghyuk.
Com passos firmes e poderosos, ele afastou-se do cadáver fumegante do monstro, sua expressão carregada de desagrado. Seu rosto estava sombrio, escurecido, tenso, e qualquer um que tentasse interceptá-lo recebia apenas um olhar mortal como aviso.
Ninguém teve coragem de impedir sua saída.
Ao redor, a destruição predominava.
Doze mortos.
Vinte e sete feridos.
Uma tragédia.
E poderia ter sido muito pior… Se não fosse por ele.
Aquele homem.
O olhar de Yoo Joonghyuk percorreu a cena, observando os cadáveres sendo recolhidos, e encontrou Lee Hyunsung parado diante de uma ambulância. O homem de aço, sempre inabalável, agora segurava alguém nos braços — um corpo esguio, frágil e imóvel.
Um garotinho estava ali, chorando incontrolavelmente, agarrando-se ao homem inconsciente nos braços de Lee Hyunsung. Seu desespero era evidente — soluços rasgavam sua garganta enquanto ele se recusava a soltá-lo.
Lee Hyunsung parecia abalado também. Fosse pelo choro da criança ou pelo estado do homem mole em seus braços.
Um peso desagradável se instalou no peito de Yoo Joonghyuk.
Ele estava morto?
Seu cenho franziu-se de imediato ao pensamento.
Não.
Ele não poderia estar.
O relatório que recebeu mencionava doze mortos, e aquele homem não estava entre eles. Mas, pelo estado dele…
"Mestre!"
Yoo Joonghyuk desviou o olhar quando Lee Jihye correu até ele. Seu uniforme estava encharcado de sangue, os cabelos grudados na testa pelo suor e sujeira, os olhos carregados de algo que ele conhecia bem.
Culpa.
Ela mordeu o lábio antes de falar, tentando esconder o tremor na voz.
"Por favor," A garota parou diante dele, as sobrancelhas franzidas e a expressão transbordando culpa. "Deixe isso comigo e com Lee Hyunsung-ssi oppa. Nós vamos resolver tudo."
Yoo Joonghyuk permaneceu em silêncio.
Ela estava fazendo aquela cara.
É claro que estava.
Doze civis morreram. Quase trinta estavam feridos.
E, acima de tudo, eles dependeram de um despertado não identificado para ganhar tempo porque não chegaram a tempo.
Nada disso estava certo.
E, para piorar, tudo tinha sido transmitido ao vivo.
Os vídeos já circulavam. O pânico, a destruição, o sangue derramado. Um portal de origem desconhecida abrindo no meio de um festival, em um dos dias mais movimentados da cidade? Parecia suspeito. Era suspeito.
As críticas viriam. Elas sempre vinham.
Mas Yoo Joonghyuk não se importava com o que diziam dele.
Ele nunca se importou com opiniões vazias.
Mas, era outra história quando seu time falhava.
Quando pessoas morriam.
O peso do fracasso esmagava seus ombros.
E, por mais que tentasse se convencer de que aquilo era apenas mais um massacre no qual a humanidade provava sua fraqueza…
Ele fechou os olhos por um instante, reprimindo a fúria fria que ameaçava emergir.
Lee Jihye permaneceu parada à sua frente, esperando uma resposta. Seus ombros estavam encolhidos e tensos, os punhos cerrados, como se quisesse se punir pela tragédia que havia se desenrolado diante deles.
Yoo Joonghyuk soltou um suspiro pesado.
“Faça o que quiser.”
Sua voz saiu áspera, cortante, como uma lâmina afiada. Havia um peso frio em suas palavras, um tom rígido que não deixava espaço para discussão.
Ele estava furioso.
Mas, pior do que isso, ele se sentia culpado.
A culpa corroía sua mente, sussurrando que ele deveria ter sido mais rápido, mais atento, mais forte. Doze mortos. Quase trinta feridos. E, no meio de tudo, um despertado não identificado lutando desesperadamente para proteger civis enquanto eles — os caçadores que deveriam estar lá primeiro — chegavam tarde demais.
Sem mais uma palavra, ele deixou Lee Jihye para trás, seus passos firmes e carregados de uma frustração silenciosa.
Ele não sabia exatamente o que esperava ao caminhar até Lee Hyunsung. Talvez estivesse apenas seguindo o instinto, o peso da culpa empurrando-o para frente. Mas sua expressão continuava a mesma de sempre — sombria, fria, intimidadora.
Quando parou, encontrou-se de frente para as costas largas de Lee Hyunsung, que depositava cuidadosamente um corpo esguio sobre uma maca. Seus olhos automaticamente foram atraídos para a figura imóvel, absorvendo cada detalhe com uma precisão sufocante.
O garotinho de cabelos castanhos imediatamente se lançou sobre a maca, as mãozinhas tremendo enquanto agarravam o tecido ensanguentado da roupa do homem inconsciente. Seus soluços eram engasgados, entrecortados pelo desespero que apertava sua garganta.
“P-pai… p-pai, a-acorda por f-favor... p-por f-favor...” A voz trêmula e suplicante do garotinho, cheia de desespero e pânico, pesava o ar. Cada palavra dita entre soluços eram o suficiente para cortar o coração de quem ouvisse.
Mas eles tinham câmeras ao redor.
Gravando cada mínimo detalhe.
Como urubus rondando uma carcaça, os repórteres estavam ali, registrando cada segundo daquela cena devastadora.
Uma criança pequena chorando desesperadamente sobre o corpo ensanguentado de um homem, chamando-o de pai, implorando-o para acordar — seria o tipo de manchete perfeita. Um espetáculo de sofrimento que alimentaria as telas e os jornais como se fosse um banquete. O tipo de matéria sensacionalista que eles tanto adoravam.
Normalmente, Yoo Joonghyuk teria jogado todas aquelas câmeras para o ar num instante.
Mas Yoo Joonghyuk, dessa vez, quase não prestou atenção.
Porque, no momento em que ele realmente olhou para o rosto do homem inconsciente, o mundo ao seu redor congelou.
O tempo desacelerou.
Seu olhar pousou sobre aquele rosto pálido, marcado por olheiras profundas, cílios longos e lábios rachados. A pele, branca como papel, estava coberta de hematomas — cada marca contando uma história que ele desconhecia. As roupas estavam gastas e sujas, como se pertencessem a alguém que já não se importava mais consigo mesmo.
Mas ele conhecia aquele rosto.
O choque atingiu seu peito como um golpe, tirando-lhe o fôlego.
Uma avalanche de memórias antigas, há muito tempo enterradas, explodiu em sua mente sem aviso, esmagando qualquer outra sensação.
As imagens se sobrepunham — flashes de uma voz, um rosto suave, palavras reconfortantes, de uma presença que ele nunca deveria ter esquecido.
Seus olhos se arregalaram. Seu coração, tão habituado à batalha, errou uma batida.
Ele abriu a boca, mas sua voz saiu fraca, quase inaudível.
“Você..."
Seu olhar permaneceu fixo no rosto inconsciente à sua frente, como se temesse que ele desaparecesse a qualquer momento.
E, pela primeira vez em muito tempo, Yoo Joonghyuk sentiu o frio gélido do passado apertar seu peito.
O todo-poderoso e insuperável Rei Supremo estava abalado.
Tudo por causa daquele rosto.
"Kim...Dokja...?"
Notes:
Lee Hyunsung (O Mestre do Aço, Rank S e habilidades de tanker, sua especialidade é se transformar em metal e superforça)
Lee Jihye (Almirante Marítima, Rank S e habilidades de ataque, sua especialidade são batalhas navais e manipulação da água)
Yoo Joonghyuk (Rei Supremo/O Herói da Coreia do Sul, Rank S.)
Chapter 5: Capítulo 5
Notes:
Primeiramente, gostaria de agradecer pelos comentários que tenho recebido. Eles são a minha maior motivação para continuar escrevendo, então muito obrigado! 🤍
Em segundo lugar, quero deixar um aviso: este capítulo contém temas sensíveis, como bullying e assédio, que podem ser desconfortáveis para alguns leitores. Por favor, leia com cautela.
Terceiro, todo este capítulo é um flashback narrado sob a perspectiva de Yoo Joonghyuk. Ou seja, os eventos descritos não acontecem no presente, mas sim no passado.
Quarto, esse capítulo ainda não está finalizado. Esta é apenas a primeira parte, mas terei que postar o outro separado como capítulo 6. Inicialmente, eu planejava publicá-lo inteiro, mas ele ficou muito longo e difícil de revisar. (Para dar um exemplo, apenas de tentar copiar o capítulo todo do bloco de notas para colar aqui, meu celular esquentou tanto que achei que fosse explodir).
Quinto, Mia é mencionada no início do capítulo, mas, nesse ponto da história, ela ainda não nasceu. Sua citação faz parte de uma narração mais reflexiva, por isso ela ainda não aparece nesse capítulo.
Dito isso, peço desculpas pelo tamanho do capítulo. Também já deixo um pedido de desculpas caso haja erros na escrita, meu celular é bem velho e trava bastante, o calor também não tem ajudado em nada.
Muito obrigado pela sua atenção e boa leitura! 🤍
Edit: Esse capítulo também foi corrigido graças a ajuda de M3ridian_1! Muito obrigado por me ajudar a corrigir os meus erros, M3ridian_1!
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
!AVISO DE GATILHO!
ESTE CAPÍTULO CONTÉM: BULLYING, ASSÉDIO E AGRESSÃO.
Yoo Joonghyuk teve uma vida que poderia ser chamada de fácil, sem dúvidas. Não importa como olhasse para ela, ele não conheceu obstáculos.
Sua mãe era uma advogada e empresária bem-sucedida, enquanto seu pai era um médico renomado. Ele cresceu em um lar privilegiado. Seus pais, embora raramente estivessem em casa, faziam questão de garantir que não faltasse nada para os filhos.
Ele teria uma irmãzinha adorável, Yoo Mia, que preencheria todos os espaços de sua vida com risadas e alegria, nunca permitindo que ele se sentisse solitário. Sua casa era enorme, espaçosa, confortável e aconchegante, com babás para cuidar de Mia e empregados para cuidar de tudo. Viviam em um bairro tranquilo e luxuoso, com todos os confortos e luxos que uma família bem-estabelecida poderia oferecer. As melhores escolas, roupas, viagens e qualquer desejo seu estavam sempre ao alcance.
Ele era bonito, e isso nunca passou despercebido. Recebia elogios o tempo todo, onde quer que estivesse. Na escola, não era apenas o garoto popula, era o aluno perfeito. Tinha as melhores notas em todas as matérias, ganhava todas as competições esportivas, era sempre o mais habilidoso, o mais talentoso. Estava sempre rodeado de pessoas, sempre cercado por uma multidão que admirava sua habilidade de ser bom em tudo, sem esforço.
Ele tinha tudo. Exatamente tudo o que alguém poderia pedir.
Ele era feliz.
Mas algo começou a mudar desde que ele mudou de colégio.
No começo, foi apenas mais uma transição. O mesmo de sempre: garotas se apaixonando por ele, garotos tentando se aproximar, ele sendo o centro das atenções, como sempre foi. Nada de novo, nada que ele não estivesse acostumado.
Mas havia algo, ou melhor, alguém, que o incomodava de uma maneira que ele não conseguia explicar.
Um garoto, em particular.
Ele estava sempre lá, sentado no fundo da sala, em silêncio, ocupando o menor espaço possível. Seu uniforme era o mesmo todos os dias — surrado, desbotado de tão velho, alguns números maior que seu corpo magro. Os tênis estavam gastos, esburacados, quase descolando de tão usados. Sua pele, sempre pálida, era marcada por hematomas e ataduras visíveis, mesmo que ele tentasse escondê-las sob mangas longas e gola alta.
Mas nunca conseguia cobrir tudo.
Ele nunca falava com ninguém. Nunca olhava nos olhos de ninguém. Sua atenção estava sempre voltada para o celular, com os dedos se movendo e os olhos percorrendo a tela rapidamente, como se aquilo fosse a única coisa que o mantinha ancorado à realidade.
E Yoo Joonghyuk não sabia por que, mas ele não conseguia parar de olhar para ele.
Talvez fosse pela aparência — a magreza extrema, a pele anormalmente pálida, os ossos visíveis sob a fina camada de carne. Ou talvez fosse seu tamanho. Para um adolescente de quatorzeanos, ele era pequeno demais. Seu rosto ainda tinha traços infantis, mas seus olhos...
Seus olhos eram vazios demais para alguém tão jovem.
Yoo Joonghyuk não sabia o motivo, mas olhava.
E, ainda assim, o outro garoto nunca o olhava de volta.
Para alguém como Yoo Joonghyuk, que sempre foi o centro das atenções, aquilo era irritante.
Por quê?
Por que ele não o olhava? Por que não reagia como todos os outros? Por quê?
Era um incômodo sutil no fundo da mente, algo que ele tentou descartar como irrelevante. Ele era amado por muitos. Não precisava da atenção de mais ninguém.
Então, ele decidiu ignorar.
Reprimiu o incômodo.
Seguiu com sua vida escolar como sempre fez.
E simplesmente escolheu não enxergar aquele garoto estranho.
「• • •」
Yoo Joonghyuk evitou aquele garoto como se fosse a praga.
Mas quando a primeira interação entre eles finalmente aconteceu, foi amarga.
Song Minwoo e alguns colegas de classe o chamaram para jogar. Yoo Joonghyuk gostava de jogos, mas ainda não era próximo o suficiente daqueles garotos para querer passar tempo com eles.
E ainda assim, acabou indo. Talvez porque estivesse entediado. Talvez porque quisesse ver o que havia de tão especial neles.
Ele os encontrou no ginásio da escola, sentados nas arquibancadas. E, para sua surpresa, aquele garoto magro e pálido estava lá.
Normalmente, ele estaria sozinho. Mas Song Minwoo era o tipo de pessoa que se metia em qualquer lugar, com qualquer um. Então, Yoo Joonghyuk simplesmente assumiu que aquilo era normal.
“Yo, Yoo Joonghyuk-nim!” Song Minwoo abriu um sorriso largo ao vê-lo, fazendo uma reverência exagerada, arrancando risadas de seus amigos igualmente irritantes.
Desagradável.
Yoo Joonghyuk sentiu algo dentro de si se revirar com desgosto. Ele não respondeu. Apenas se sentou, longe do alcance daquele bastardo.
“Ah, que cara frio.” Song Minwoo zombou, mas sem ousar provocar de verdade. Ele sabia melhor do que irritar Yoo Joonghyuk.
Yoo Joonghyuk não gostou daquele cara.
Ele observou quando Minwoo jogou um braço em volta dos ombros finos do garoto pálido ao seu lado.
O garoto estremeceu.
Foi leve, quase imperceptível, mas Yoo Joonghyuk viu. E isso o deixou incomodado, por algum motivo.
“Você não acha, Kim Dokja-ya? Ele não é muito frio?” Song Minwoo perguntou, ainda com aquele tom despreocupado.
Kim Dokja.
Kim Dokja hesitou. E então, acenou.
Kim Dokja.
Seu olhar estava fixo no chão, os ombros tensos sob o peso do braço de Minwoo.
Kim Dokja.
Yoo Joonghyuk encarou fixamente.
Kim Dokja.
Que nome estranho.
Kim Dokja...
...Ele se lembraria disso.
"Já que estamos todos aqui, vamos fazer algo divertido, que tal?" Song Minwoo sugeriu, virando-se para seus amigos, que sorriram.
Yoo Joonghyuk franziu o cenho. Não era para isso que ele estava ali.
"Legal. Então vamos mostrar algo legal para o nosso novo amigo." Minwoo sorriu largamente, a falsa camaradagem irritando cada fibra do ser de Yoo Joonghyuk.
Eles nem eram amigos. Que merda esse cara estava falando?
Esse tipo de pessoa o irritava mais do que qualquer coisa, com a atitude despreocupada e desdenhosa. Ele só sentia vontade de socar aquele bastardo no rosto.
Os outros riram como se estivessem à espera de um espetáculo. E então, do nada, Song Minwoo empurrou o garoto magro ao seu lado para o chão com uma força desnecessária.
Kim Dokja caiu no chão com um baque seco, os joelhos e as palmas das mãos raspando no concreto áspero, ralando dolorosamente sua pele.
"Ei, eu falei que vamos fazer algo legal. Você é surdo?" Song Minwoo perguntou friamente para o garoto, mudando sua atitude drasticamente.
Yoo Joonghyuk virou a cabeça bruscamente para encarar Song Minwoo, mas antes que pudesse abrir a boca para perguntar que merda Minwoo tinha na cabeça, ele viu Kim Dokja se ajoelhar.
E como se soubesse exatamente o que deveria estar fazendo, o adolescente magro e frágil começou a engatinhar, entre suas palmas e joelhos, rastejando-se de quatro como se fosse um cachorro.
"Au, au!" Dokja latiu, para o horror de Yoo Joonghyuk.
Yoo Joonghyuk observou, paralisado, enquanto as risadas explodiam ao redor.
"HAHAHA! MEU DEUS!" Song Minwoo explodiu em gargalhadas, batendo no próprio joelho. "Esse filho da puta é um maldito lunático!"
As risadas dos outros acompanharam a dele, misturadas com vaias e gritos animados.
"Gira e rola!" Outro adolescente ordenou, e Kim Dokja obedeceu, girando e rolando no chão, como se fosse um cachorro adestrado.
Os outros adolescentes entraram na brincadeira, cuspindo ordens. E Kim Dokja obedecia a cada uma delas.
"Bom garoto, bom garoto! Quem é o bom garoto?" Minwoo zombou com um sorriso cruel, estendendo a mão como se fosse fazer carinho na cabeça dele.
Kim Dokja sorriu.
Era um sorriso vazio, desprovido de qualquer emoção verdadeira. Uma ação quase monótona, como se até isso fosse ensaiado.
"Au! Au!" Kim Dokja latiu para Song Minwoo, que bagunçou os cabelos dele como se realmente fosse um cachorro.
Que porra... era aquela...?
Por que Kim Dokja estava fazendo isso?
Por que ninguém estava impedindo isso?
Por que ele próprio não estava fazendo nada?
Yoo Joonghyuk estava imóvel. Ele se viu completamente paralisado, completamente perturbado pelo que quer que fosse que ele estivesse assistindo agora.
Que porra era aquela?
A cena diante dele parecia distorcida, como se sua mente se recusasse a aceitá-la como real. Ele já tinha visto brigas antes, já tinha visto valentões infernizando colegas mais fracos. Mas isso...?
Ele nunca tinha visto isso.
Tão perturbado pela própria mente tentando processar o que via, Joonghyuk não percebeu quando Song Minwoo enfiou a mão na mochila e puxou um sachê de comida de cachorro. Ele só percebeu quando o som úmido e pegajoso da embalagem sendo aberta atingiu seus ouvidos, e o cheiro azedo e artificial da pasta se espalhou pelo ar.
Uma onda de náusea subiu por sua garganta só com o cheiro.
E então, diante de seus olhos, Song Minwoo virou o conteúdo do sachê no chão imundo do ginásio.
A pasta marrom-esverdeada caiu com um som repugnante, espessa e gelatinosa, misturando-se à sujeira no concreto.
"Você deve estar com fome, não é?" Song Minwoo zombou, seus olhos brilhando com malícia. "Bom apetite!"
Por um instante, Yoo Joonghyuk sentiu algo frio e desconfortável subir por sua espinha. Ele não vai...
Kim Dokja se agachou.
Com um movimento automático, quase mecânico, como se já tivesse feito isso antes.
Ele ia realmente fazer isso.
O horror paralisou cada fibra do corpo de Yoo Joonghyuk enquanto ele assistia aquele garoto frágil se inclinar para frente e, sem hesitação, afundar o rosto na comida de cachorro no chão.
O som de mastigação era úmido. Pegajoso.
Os ombros magros de Kim Dokja tremiam levemente, mas ele comia. Seu pomo de Adão se movendo enquanto ele engolia a gororoba nojenta para cachorro.
Ele estava realmente engolindo.
A pasta viscosa grudava em sua pele, escorria pelo queixo, sujando ainda mais suas roupas já encardidas. O cheiro daquela coisa impregnou no ar, tornando tudo ainda mais insuportável.
Yoo Joonghyuk sentiu seu estômago revirar violentamente.
Bocada após bocada, ele engolia aquela mistura nojenta, imunda, do chão sujo. A cena era tão repulsiva que Yoo Joonghyuk mal conseguiu conter o impulso de vomitar. Uma ânsia tomou conta dele, o gosto amargo subindo pela garganta.
O que diabos ele estava vendo?
O gosto amargo da bile subiu à boca, queimando sua língua. Seu corpo inteiro ficou rígido, um nó apertado se formando em sua garganta.
Isso era demais.
Isso não era apenas bullying.
Isso era desumano.
Seus punhos se cerraram, um som involuntário de engasgo saindo da garganta dele e, sem suportar mais, Joonghyuk se levantou e saiu, incapaz de assistir nem mais um minuto daquilo.
Ele foi embora.
Yoo Joonghyuk não fez nada.
Ele não fez nada. Absolutamente nada para impedir aquilo. Nada.
Ele simplesmente deixou acontecer.
「• • •」
Yoo Joonghyuk não conseguiu mais olhar para Kim Dokja depois daquilo. Toda vez que o via, sentado lá no fundo da sala, sua mente era tomada pela lembrança daquele momento. O garoto sujo, com os olhos vazios, comendo aquele sachê nojento de comida de cachorro como se fosse a única opção que tivesse. Aquela cena se repetia constantemente em sua cabeça, como se fosse seu cérebro tentando fazê-lo se sentir culpado, o que o fazia se sentir ainda mais enojado com sua própria falta de ação.
Ele sabia, mais do que ninguém, o que estava acontecendo com Kim Dokja. Ele sabia de tudo. E, ainda assim, não fez nada.
Ele viu quando Kim Dokja saiu para o banheiro e voltou encharcado, com a roupa grudada no corpo e os cabelos pingando água depois de ser afogado no vaso sanitário. Ele viu quando Song Minwoo e uma garota rabiscaram a mesa de Kim Dokja com insultos, chamando-o de "filho da assassina". Ele viu Kim Dokja correr até desmaiar, com Song Minwoo rindo como um psicopata, perseguindo-o pelo ginásio, e ainda assim, ele não fez nada.
Ele viu. Tudo. E, apesar disso, permaneceu em silêncio, mantendo sua distância.
O que o tornava diferente deles?
Yoo Joonghyuk tentou se justificar, tentou se convencer de que não era problema dele. Que a culpa era de Kim Dokja por ser fraco demais para se proteger. Eles não eram amigos. Ele não tinha motivo para interferir, não tinha nenhuma obrigação.
Mas não era verdade. Ele sabia que não era isso. Ele sabia que estava mentindo para si mesmo. Na realidade, ele era apenas um garoto imaturo, com quatorze anos, que acreditava que o mundo estava ao seu alcance, que as coisas poderiam ser fáceis, simples, e justas. Mas quando se tratava de Kim Dokja, tudo parecia complicado.
Yoo Joonghyuk não queria admitir que Kim Dokja, mesmo sem intenção, fazia com que ele encarasse as partes mais podres de si mesmo.
E, ainda assim, ele continuou se justificando, dia após dia, tentando se convencer de que não era sua culpa, de que não tinha responsabilidade. Mas a verdade estava ali, o tempo todo, sempre à sua frente, e ele sabia disso.
Ele sabia que era um covarde, se fazendo de indiferente, quando na verdade ele apenas não tinha coragem de ajudá-lo.
Mas havia um limite. E naquela sexta-feira, Yoo Joonghyuk finalmente atingiu o seu.
Era a última aula do dia, educação física. O ar no vestiário masculino estava pesado, carregado de suor e cansaço após uma intensa partida de basquete. Os alunos se trocavam apressadamente, ansiosos para ir embora, conversando uns com os outros com o eco de risadas abafadas de fundo.
Parecia perfeitamente normal, como qualquer outra aula de educação física. Yoo Joonghyuk entrou no vestiário para se trocar, a toalha ainda cobrindo seu rosto, o corpo suado e exausto. Mas, ao cruzar a porta, seu corpo inteiro paralisou.
Kim Dokja estava ali.
Nu.
Sentado no chão, completamente vulnerável. Ele não chorava, nem tremia. Seu rosto não refletia dor, medo ou qualquer outra emoção. Estava simplesmente vazio, como se já tivesse sido arrancado de si mesmo há muito tempo.
Suas pernas estavam cruzadas na tentativa de esconder o que restava de sua dignidade, mas o resto de seu corpo estava completamente exposto. Os ombros ossudos, as costelas visíveis sob a pele pálida e marcada por hematomas, o estômago plano e fundo, sem um traço de gordura. Seus braços e coxas finas pareciam frágeis, como se o mínimo toque pudesse quebrá-los.
Nenhuma peça de roupa sequer à vista.
E ele estava cercado. Cercado por cinco adolescentes.
Ninguém estava fazendo nada para impedir.
Risadas.
Cinco adolescentes, liderados por Song Minwoo, riam. Riam como se estivessem assistindo a um show de comédia. Um deles, o próprio Song Minwoo, segurava um celular, gravando tudo com um sorriso cruel estampado no rosto.
"Ei, faz uma pose sexy, seu esqueleto de merda! Quem vai querer ver isso?" Song Minwoo zombou com um sorriso irritante no rosto, a voz carregada de desprezo. Ele deu um chute no braço de Kim Dokja, como se estivesse cutucando um animal morto. "Levanta, cara! Não seja tão patético!"
Eles estavam filmando. Filmando aquela merda.
Cinco adolescentes de quinze anos, rindo, zombando, enquanto gravavam um adolescente de quatorze anos nu, como se fosse algo engraçado, divertido ou legal de se fazer. E ninguém estava fazendo nada para impedir.
Yoo Joonghyuk sentiu algo dentro dele estourar.
Havia um limite do quanto alguém poderia ignorar algo.
E ele chegou nesse limite.
Uma onda de raiva tão intensa tomou conta dele que mal conseguia processar. Seu corpo se moveu por instinto, avançando em direção ao grupo com passos firmes e determinados. E, sem hesitar, arrancou o celular das mãos de Song Minwoo.
"QUE PORRA VOCÊS ESTÃO FAZENDO?!" Yoo Joonghyuk gritou com toda a força de seus pulmões, a veia saltando na testa e o maxilar tão apertado que parecia que seus dentes iriam quebrar.
Foda-se.
Ele levantou o celular e, sem um segundo de dúvida, atirou-o contra a parede com toda a sua força. O som do vidro estilhaçando ecoou pelo vestiário, seguido por um silêncio pesado.
O ar no vestiário ficou tenso, várias cabeças virando para ver o que estava acontecendo.
O silêncio não durou muito, pois Song Minwoo explodiu de raiva logo em seguida.
"VOCÊ FICOU LOUCO, SEU FILHO DA PUTA?!" Song Minwoo gritou, furioso, avançando em direção a Yoo Joonghyuk, pronto para confrontar o outro adolescente.
Mas Yoo Joonghyuk não tinha mais paciência para esses joguinhos.
A raiva tomou conta de Yoo Joonghyuk de uma forma irracional, uma fúria cega que apagou qualquer pensamento que não fosse destruir aquele filho da puta. Ele não pensou, não hesitou. Simplesmente agiu.
Com um movimento rápido e preciso, ele cerrou os punhos e avançou. O primeiro soco atingiu o centro do rosto de Song Minwoo com uma força brutal, fazendo o impacto reverberar pelo corpo do outro adolescente. O som do osso do nariz de Minwoo rangendo ecoou pelo vestiário, seguido por um grito de dor abafado.
Song Minwoo, apesar de ser alguns centímetros mais alto, caiu para trás com um estrondo, batendo com força no chão frio do vestiário.
Com a mesma fúria, ele se lançou sobre Minwoo, seus olhos sombrios. Sem pensar nas consequências, ele começou a desferir socos em sequência, golpe após golpe, o punho virando uma bagunça ensanguentada a cada soco dado.
Minwoo tentou se defender, levantando os braços para proteger o rosto, mas Yoo Joonghyuk não era tão misericordioso. Ele agarrou o braço de Minwoo com uma mão e, com a outra, desferiu um soco direto no queixo, fazendo a cabeça do garoto estalar para trás. Um gemido de dor escapou dos lábios de Minwoo, mas Yoo Joonghyuk não parou.
O som do impacto de cada soco preencheu o vestiário, junto com os gritos e a comoção, mas Yoo Joonghyuk não parou.
Os amigos de Minwoo tentaram intervir, agarrando Yoo Joonghyuk pelos braços e tentando puxá-lo para longe, mas ele os sacudiu com facilidade, como se fossem insetos irritantes. Um deles tentou golpeá-lo por trás, mas Yoo Joonghyuk, quase que por instinto, desviou e revidou com um cotovelada no estômago do agressor, fazendo-o dobrar-se de dor.
"Alguém mais quer se meter?" Yoo Joonghyuk praticamente rosnou, sua voz ecoando pelo vestiário, carregada de uma ameaça não dita. Os outros adolescentes recuaram, o medo estampado em seus rostos. Ninguém mais ousou se aproximar.
Yoo Joonghyuk voltou sua atenção para Minwoo, que agora estava encolhido no chão, tentando se proteger. Ele agarrou o colarinho da camisa de Minwoo, levantando-o parcialmente do chão, e socou seu rosto novamente. O impacto foi tão forte que Minwoo caiu de volta, desorientado, o nariz claramente quebrado, os lábios rasgados e inchados.
"Você gosta de humilhar os outros, NÃO GOSTA?!" Yoo Joonghyuk gritou, sua voz rouca e carregada de ódio. "Você está gostando disso!? ME RESPONDE, PORRA!"
Minwoo tentou falar, mas só saiu um gemido fraco, misturado com sangue. Yoo Joonghyuk não se importou. Ele levantou o punho mais uma vez, os nós dos dedos já machucados e ensanguentados e o rosto completamente escurecido pela raiva
Isso era apenas o que ele merecia.
BAQUE!
「• • •」
Yoo Joonghyuk sabia que tinha ultrapassado todos os limites e perdido o controle, mas ao ver sua mãe na sala do diretor, não teve outra reação senão suspirar.
Ele ficou ali, por uns trinta minutos, ouvindo uma advogada muito transtornada gritar com um diretor muito aflito.
De um lado, muitos testemunharam o que Song Minwoo fez, e havia até gravações. Ou seja, tudo estava registrado. No entanto, o diretor vinha encobrindo as atitudes inaceitáveis de seus alunos há um bom tempo, e, pelo que Yoo Joonghyuk conseguiu entender da conversa entre sua mãe — uma advogada — e o diretor, a situação não estava muito bonita para a escola.
Por outro lado, Yoo Joonghyuk sabia que também não estava certo. De forma alguma. Song Minwoo tinha saído da escola direto para o hospital, com o nariz quebrado e o rosto completamente arrebentado.
Mas, sinceramente, Yoo Joonghyuk não estava nem um pouco arrependido. Seu único arrependimento era não ter batido mais.
A reunião demorou. Muito. Eles só saíram da sala do diretor quando sua mãe conseguiu um acordo que a deixou satisfeita. No final das contas, Yoo Joonghyuk foi suspenso por apenas três dias.
Três dias. Ele se perguntou como a mãe dele conseguia ser tão assustadora e ficou pensando nas ameaças que ela tinha usado contra o pobre diretor para conseguir o que queria. Ele tinha certeza de que seria expulso ou pelo menos receberia uma punição mais severa.
Os outros, no entanto, levaram uma suspensão consideravelmente mais longa. Azar deles.
Quando ele abriu a porta da sala do diretor para sair, deparou-se com Kim Dokja.
O adolescente estava parado na porta, vestindo a camisa emprestada de Yoo Joonghyuk, já que suas próprias roupas tinham sido jogadas no vaso sanitário pelos valentões.
"Ah... oi." Kim Dokja murmurou timidamente, evitando contato visual enquanto os dedos brincavam nervosamente com a bainha da camisa.
Yoo Joonghyuk o encarou fixamente, seus olhos escuros percorrendo cada detalhe da figura frágil à sua frente. A camisa que pertencia a ele agora envolvia o corpo magro de Kim Dokja, e Yoo Joonghyuk não conseguia evitar notar como o tecido parecia engolir o garoto. Ele franziu o cenho, lembrando-se das costelas salientes que tinha visto no vestiário. Kim Dokja era muito magro, frágil demais.
'Ficou folgado', ele pensou, observando a maneira como sua própria camisa caía largamente sobre o corpo esguio de Kim Dokja.
'Ele precisa comer mais.', continuou mentalmente, lembrando das costelas visíveis de Kim Dokja quando ele estava nu no vestiário.
Ele era muito magro.
Ele estava tão perdido em seus pensamentos que nem percebeu que Kim Dokja estava olhando para ele com uma expressão estranha, quase hesitante. Provavelmente por ele estar franzindo o cenho, ele deveria estar parecendo irritado agora.
Foi só quando o garoto falou que Yoo Joonghyuk saiu do transe.
"Eu sinto muito." Kim Dokja curvou-se levemente, a voz suave, mas carregada de culpa.
Yoo Joonghyuk arqueou uma sobrancelha, confuso. Pelo que ele estava se desculpando?
E então, caiu a ficha. Kim Dokja se sentia culpado por Yoo Joonghyuk ter sido chamado para a diretoria. Mas, por que se desculpar? Ele não tinha feito nada de errado. Na verdade, ele era a vítima de tudo aquilo.
Yoo Joonghyuk encarou Kim Dokja por um momento, seus olhos escuros fixos no rosto pálido do outro adolescente. Tinha algo naquela expressão frágil, na maneira como Kim Dokja evitava seu olhar, que fez Yoo Joonghyuk sentir uma pontada de... algo. Algo que ele não queria admitir.
Um suspiro pesado escapou antes que ele pudesse evitar.
"Peça obrigado da próxima vez." Yoo Joonghyuk respondeu friamente, soando mais rude do que desejava.
Kim Dokja levantou a cabeça bruscamente, os olhos arregalados em surpresa, como se não esperasse aquela resposta.
"Próxima vez..." Kim Dokja repetiu baixinho, as palavras pairando no ar como uma promessa não dita.
Próxima vez. A idéia de uma próxima vez ficou suspensa entre os dois, carregada de um significado que nenhum deles ousaria elaborar.
"Certo..." Kim Dokja coçou a nuca, um sorriso tímido e sem graça tomando seus lábios pálidos.
Yoo Joonghyuk observou aquele sorriso, e algo dentro dele se agitou. Era estranho, desconhecido, mas também... agradável.
Ele gostava daquele sorriso. Daquela expressão no rosto de Kim Dokja.
Ele queria ver mais daquilo.
Kim Dokja era como um quebra-cabeça que ele não conseguia decifrar, e isso o atraía de uma maneira que ele não conseguia explicar.
Kim Dokja era estranho. Do nome à aparência, tudo naquele garoto era estranho.
Mas Yoo Joonghyuk também não diria que ele próprio era o garoto mais normal do mundo.
Os dois ficaram se encarando em silêncio por tanto tempo que Yoo Joonghyuk só percebeu o quão estranho a cena parecia quando sua mãe esbarrou nele ao tentar passar pela porta, bloqueada pelos dois adolescentes.
"Joonghyuk-ah?" A voz dela soou curiosa e divertida atrás dele. E ele rapidamente se afastou, quase tropeçando, enquanto Dokja, pego de surpresa, também dava um passo desajeitado para o lado, abrindo espaço.
"Vejo você." Yoo Joonghyuk resmungou, sentindo as orelhas esquentarem ao perceber que tinha sido pego encarando Kim Dokja como um completo idiota.
De canto de olho, ele viu a mãe dele erguer uma sobrancelha, os lábios se curvando naquele sorriso malicioso que ele conhecia bem.
Ah, droga.
"É... vejo você." Kim Dokja respondeu timidamente, os dedos brincando com a bainha da camisa folgada de Yoo Joonghyuk.
Yoo Joonghyuk virou nos calcanhares sem mais nenhuma palavra e começou a andar pelo corredor, tentando manter a compostura. Mas, claro, sua mãe o seguiu de perto, o sorriso ainda estampado no rosto.
"Vejo você? Sério? Desde quando você fala assim com alguém?" Ela perguntou, claramente se divertindo com a situação.
"Ele é só um amigo." Yoo Joonghyuk esclareceu antes que ela pudesse ter idéias erradas, limpando a garganta e tentando soar indiferente. Ele sabia que não estava convencendo ninguém.
"Só um amigo? Tem certeza? Porque aquela camisa me pareceu bem familiar..." Ela arqueou a sobrancelha novamente, os olhos brilhando com uma mistura de diversão e malícia.
"É." Ele concordou, a voz um pouco mais tensa do que gostaria. "Só um amigo. Ele é o garoto que os valentões estavam implicando, por isso a camisa."
Um amigo... ele nunca teve um antes. A ideia era estranha, mas, ao mesmo tempo, não parecia tão ruim. Mas só quando se tratava de Kim Dokja.
"Entendo, então é ele. Bem, se ele é só um amigo, tudo bem. Mas, você sabe... se um dia ele deixar de ser só um amigo..."
"Mãe." Yoo Joonghyuk resmungou, já sentindo o rosto queimar.
Ela ignorou completamente o aviso e continuou, a voz carregada de pura provocação: "Eu adoraria saber, viu? Afinal, eu preciso conhecer meu genro."
"Mãe!" Yoo Joonghyuk quase gritou, as orelhas pegando fogo. Ele olhou rapidamente para os lados, torcendo para que ninguém tivesse escutado aquela atrocidade. Felizmente, o corredor estava vazio.
Ela riu ainda mais, claramente se divertindo às custas dele. "Tudo bem, Joonghyukie, estou só brincando. Mas ele parece um garoto legal. Um pouco magrinho, mas nada que uma boa alimentação não resolva. Você devia convidá-lo para jantar lá em casa qualquer dia desses."
"Nem vem com essa." Ele cortou, já sabendo onde aquilo ia dar.
"Mas eu não estou fazendo nada! eu só estou sendo educada! Quem sabe um jantar com barriga de porco? E talvez um flan de sobremesa..."
"Mãe, por favor!" Yoo Joonghyuk enterrou o rosto nas mãos, querendo desaparecer.
Ela encolheu os ombros, fingindo inocência. "O quê? Ele parece precisar de uma boa refeição. Está magrinho demais."
Yoo Joonghyuk suspirou, derrotado. Não tinha como ganhar essa. Mas, no fundo, talvez a ideia dela não fosse tão ruim assim.
Kim Dokja realmente parecia precisar de alguém.
E, se Yoo Joonghyuk fosse sincero consigo mesmo... talvez ele também precisasse.
「• • •」
No momento em que sua suspensão chegou ao fim, Yoo Joonghyuk já estava no colégio. Mas, diferente de antes, dessa vez ele não sentou no lugar de sempre. Em vez disso, caminhou até o fundo da sala e puxou uma cadeira ao lado de Kim Dokja.
O pobre rapaz olhou para ele como se tivesse acabado de ver um fantasma.
"Você... vai ficar aí...?" Dokja perguntou, desconfiado, como se estivesse esperando que aquilo fosse um novo método inovador de praticar bullying.
"Sim." Joonghyuk respondeu com a naturalidade de quem simplesmente decidiu que aquele era seu lugar agora.
E assim, sem qualquer explicação, Yoo Joonghyuk passou a sentar ao lado dele todos os dias. E não era só isso — ele arrastava a carteira para cada vez mais perto, até estar praticamente invadindo o espaço pessoal de Dokja.
No início, Kim Dokja parecia genuinamente perturbado com a aproximação. Mas, eventualmente, ele se acostumou. E quando percebeu que o bullying diminuiu significativamente com Joonghyuk por perto, ele começou a relaxar um pouco mais na presença do outro adolescente.
Eles ficaram tão próximos que os professores já perguntavam automaticamente onde estava o outro quando eles não estavam juntos.
No intervalo, Yoo Joonghyuk sempre aparecia com algum lanche que ele próprio cozinhou — comida de verdade, não aqueles pães duvidosos da cantina. E sempre dividia com Dokja, que aproveitava para ler alguma novel no telefone enquanto Joonghyuk ficava concentrado jogando num console portátil.
Exatamente agora.
Kim Dokja estava sentado no chão do terraço da escola, completamente absorto na tela do celular. Ao lado dele, Yoo Joonghyuk apoiava a cabeça em seu ombro, os olhos fixos na tela do console enquanto tentava matar um chefão particularmente irritante. No chão, uma lancheira de metal vazia e duas latas de refrigerante abertas.
"Ei, Dokja." Yoo Joonghyuk chamou de repente, sem tirar os olhos do console.
"Mm?" Kim Dokja murmurou, ainda focado no celular.
"Quer ir lá em casa depois da aula?" Yoo Joonghyuk perguntou, como se estivesse comentando sobre o clima.
"Pode ser." Dokja respondeu automaticamente, sem pensar muito.
Yoo Joonghyuk sorriu de leve.
Bom.
Claro, o pobre adolescente nem percebeu que tinha caído na armadilha de seu mais novo melhor amigo.
Na hora de ir embora, quando Kim Dokja se virou para se despedir, Yoo Joonghyuk simplesmente o agarrou pelo pulso e o arrastou para sua casa. Sem chance de recusar. Porque, aparentemente, isso era super importante e ele já tinha aceitado.
E no momento em que cruzaram a porta da casa de Yoo Joonghyuk, Kim Dokja teve quase certeza de que viu o pai do amigo — um médico — quase ter um ataque cardíaco ao vê-lo. A mãe, por outro lado, parecia estranhamente animada.
Yoo Joonghyuk tentou ignorar o olhar horrorizado de seu pai quando ele pôs os olhos na figura magra e pálida de Kim Dokja.
O homem parecia ter visto um cadáver.
E sua mãe... ela era muito pior.
Ela estava claramente se divertindo, fazendo comentários nada sutis sobre como Kim Dokja seria um filho adorável, e que ele era mais do que bem-vindo dentro da família. E, para piorar, Kim Dokja, sempre educado e amigável, apenas agradecia educadamente, sem entender muito bem a provocação.
Isso só a incentivava mais.
A tarde passou desse jeito. Em algum momento, Kim Dokja tomou um banho, vestiu algumas roupas emprestadas de Yoo Joonghyuk e se juntou à família na sala. Foi então que o pai de Yoo Joonghyuk surgiu com um sorriso falsamente gentil e um objeto nas mãos.
"Dokja-ya, será que teria algum problema você subir nisso aqui?" Ele perguntou, colocando a balança no meio da sala.
Uma balança.
Kim Dokja piscou, ligeiramente confuso.
"Ah, claro." Ele respondeu automaticamente, fosse por costume de obedecer aos outros ou simplesmente para ser educado.
No momento em que os números apareceram, Yoo Joonghyuk viu seu pai quase ter um infarto pela segunda vez no dia. Mas dessa vez, sua reação não parecia tão exagerada para a situação.
Dokja era realmente muito abaixo do peso.
"Eu ganhei peso." Kim Dokja murmurou, olhando para o visor com um olhar satisfeito.
"Ganhou peso?" Yoo Joonghyuk repetiu, incrédulo.
Ele já foi mais magro que isso?!
Certo. Ele estava começando a entender a preocupação do pai dele agora.
Ele precisava alimentar Dokja melhor daqui pra frente.
O jantar ocorreu tranquilamente, embora Yoo Joonghyuk e sua mãe passassem boa parte do tempo adicionando pedaços extras de barriga de porco ao prato de Dokja sempre que ele se distraía trocando gentilezas com o pai de Yoo Joonghyuk.
Kim Dokja, percebeu, mas não disse nada.
Depois do jantar, Yoo Joonghyuk massacrou Kim Dokja em todos os jogos que tentaram jogar juntos. Quando Kim Dokja cansou de perder, o pai de Yoo Joonghyuk assumiu o controle e foi igualmente destruído, enquanto Yoo Joonghyuk se gabava descaradamente para seu melhor amigo.
Foi divertido.
No final do dia, os dois adolescentes estavam no quarto de Yoo Joonghyuk. Ele arrumava a cama para os dois. Claro, tinha quartos de hóspedes, mas Yoo Joonghyuk nem cogitou mencioná-los. E Kim Dokja apenas aceitou.
Quando se deitaram, espremidos na cama estreita, olhando para o teto, um silêncio confortável se instalou.
"Obrigado por ter vindo." Yoo Joonghyuk murmurou, a voz suave e hesitante. Seus olhos escuros permaneciam fixos no teto, mas sua atenção estava completamente voltada para o garoto ao seu lado.
Kim Dokja sorriu, um daqueles sorrisos pequenos e quase preguiçosos.
"Eu que deveria agradecer." Ele respondeu, fechando os olhos.
Yoo Joonghyuk virou a cabeça ligeiramente, observando-o de soslaio. O rosto de Kim Dokja parecia ainda mais delicado sob a luz fraca do quarto. O nariz fino, os cílios longos, os lábios que se curvavam levemente para cima mesmo quando estavam relaxados...
Por que ele estava reparando nisso?
"Você é como os heróis das histórias que eu leio." Kim Dokja sussurrou, os dedos entrelaçados sobre a barriga.
Não. Eu não sou herói coisa nenhuma.
"Quando você deu uma lição naqueles valentões..."
Eu poderia ter impedido antes. Mas não fiz.
"Quando você ignorou todo mundo e continuou de cabeça erguida, apesar dos comentários..."
Eu me importei. Eu me importo.
"Você é incrível, Hyukie." Kim Dokja murmurou.
Por que ele era assim? Por que falava desse jeito? Por que dizia coisas que faziam algo se revirar no estômago de Yoo Joonghyuk?
Yoo Joonghyuk engoliu em seco. Seus olhos se moveram para os lábios de Kim Dokja, e, por um instante, ele se perdeu.
Kim Dokja era... bonito.
Não do jeito bonito que se via nos filmes ou em revistas. Mas de um jeito silencioso, sutil. Era o tipo de beleza que se percebia aos poucos, quando se prestava atenção. E Yoo Joonghyuk vinha prestando muita atenção ultimamente.
Ele estava prestando muito mais atenção do que deveria.
"Obrigado por ter me salvado, Hyuk-ah." A voz de Kim Dokja era baixa, suave, como um segredo compartilhado entre os dois.
O peito de Yoo Joonghyuk apertou.
Eu não te salvei.
"Vá dormir. Você está falando bobagens." Ele resmungou, virando-se de costas para Kim Dokja antes que fizesse alguma besteira.
"Como quiser." Kim Dokja riu baixinho, e, droga, até a risada dele era bonita.
Yoo Joonghyuk fechou os olhos com força, mas não conseguiu ignorar a sensação do calor de Kim Dokja tão perto. O coração batia descontroladamente no peito, os lábios trêmulos.
Ele não deveria estar sentindo isso.
Não deveria estar pensando em como Kim Dokja era bonito.
E, definitivamente, não deveria estar pensando em como seria beijá-lo.
「• • •」
Começou com toques inocentes — mãos se tocando “acidentalmente”, ombros se esbarrando quando andavam lado a lado, joelhos se encostando debaixo da mesa. Pequenos gestos. Nada demais.
Mas, com o tempo, Yoo Joonghyuk ficou descarado. Ele segurava a mão de Kim Dokja sem motivo, colocava a mão em sua cintura para “guiá-lo” (o que era claramente desnecessário), se escorava nele no meio do nada e até deitava a cabeça em seu ombro com a maior naturalidade do mundo. Dividir a mesma colher? Comum. Usar o mesmo canudo? Absolutamente normal.
Kim Dokja, por sua vez, não parecia perceber. Ou só ignorava. Ou, se percebia, simplesmente não dizia nada.
Como sempre, no intervalo, os dois adolescentes estavam sentados no terraço da escola, o lugar favorito deles. À frente, uma lancheira metálica aberta e duas caixas de leite vazias — uma de morango, outra de banana. Yoo Joonghyuk estava estranhamente pensativo, sem seu console portátil. Kim Dokja, por outro lado, lia como sempre, absorvido na tela do celular.
Eles tinham quinze anos agora.
Em um ano, eles tinham se tornado inseparáveis.
"Ei, Dok." Yoo Joonghyuk chamou lentamente, quebrando o silêncio.
"Mm?" Kim Dokja respondeu sem tirar os olhos do celular.
"Você já beijou alguém?"
Kim Dokja abaixou o celular devagar, franzindo o cenho antes de virar a cabeça para encarar o melhor amigo.
"Beijar?" Ele repetiu, como se precisasse ter certeza de que tinha ouvido direito.
"Sim." Yoo Joonghyuk confirmou, impassível.
Kim Dokja piscou, confuso.
"Não. Nunca beijei."
"Bom." Yoo Joonghyuk ficou em silêncio por um momento. "Nem eu."
Os dois se encararam por alguns segundos, como se processassem a informação.
"Somos amigos." Yoo Joonghyuk disse de repente, ressaltando o óbvio.
"Mm. Sim, somos." Kim Dokja assentiu, ainda o olhando com suspeita.
"Você é o meu único amigo."
"Você também."
"Melhor amigo."
"Mm."
Silêncio...
"Eu não confio em ninguém além de você." Yoo Joonghyuk continuou.
"É." Kim Dokja concordou. "Eu também só confio em você, Hyuk-ah."
Yoo Joonghyuk o encarou com intensidade.
"Podemos tentar?"
Kim Dokja estreitou os olhos. "Tentar o quê?"
"Beijar."
A expressão de Kim Dokja se contorceu como se Yoo Joonghyuk tivesse acabado de sugerir comer vidro.
"Você está louco?" Kim Dokja fez uma careta.
"Por quê?" Yoo Joonghyuk perguntou, tendo a cara de pau de parecer confuso.
"Nós somos amigos." Ele reafirmou.
"Sim. E amigos fazem essas coisas." Yoo Joonghyuk retrucou, sem um pingo de vergonha.
"Não fazem."
"Fazem."
"Não fazem."
"Fazem."
"Não."
"Sim."
Eles se encararam como dois gatos prestes a brigar.
"Por quê?" Kim Dokja perguntou, desconfiado.
"Quero experimentar. Todos os nossos colegas de classe já beijaram." Yoo Joonghyuk deu de ombros, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
"Mas eu sou um garoto." Kim Dokja retrucou.
"Não tem nenhuma garota que eu goste. E você é o meu melhor amigo, qual é o problema?" Yoo Joonghyuk rebateu sem hesitação.
Kim Dokja fechou os olhos, perdendo a paciência. "Todos os problemas, seu idiota."
Yoo Joonghyuk levou um segundo para processar. "Então... podemos?"
Kim Dokja suspirou. "Só um beijo."
Yoo Joonghyuk assentiu. Certo. Fácil. Apenas um beijo. Só para saber como era. Sem sentido nenhum além da pura e simples curiosidade.
Então ele se inclinou.
Kim Dokja não se afastou.
Seus rostos estavam próximos, tão próximos que Yoo Joonghyuk conseguia sentir o cheiro de leite de morango misturado ao shampoo barato que Kim Dokja usava. Seu coração deu um salto esquisito, mas ele ignorou. Era só um beijo.
Seus lábios se tocaram.
Foi um toque suave, hesitante — um simples roçar de lábios. Mas, no instante em que aconteceu, algo explodiu dentro de Yoo Joonghyuk. Um calor repentino subiu por sua espinha, como se todas as borboletas do universo tivessem decidido fazer uma festa dentro dele.
Seus lábios se selaram em um beijo casto e curto.
Dokja tinha lábios macios.
A cor subiu para o rosto de Joonghyuk, e ele percebeu que, por algum motivo inexplicável, gostava da sensação. Gostava muito.
Ele manteve os lábios ali por um segundo a mais do que o necessário. E então, relutantemente, se afastou.
O silêncio pairou entre eles. Yoo Joonghyuk sentia seu coração martelando no peito, seu rosto quente, suas mãos suando. Kim Dokja, por outro lado, parecia… normal.
O que diabos tinha acabado de acontecer?
"Estranho." Kim Dokja disse simplesmente, pegando o celular de volta. "Já podemos riscar isso da lista de coisas que nunca fizemos."
Yoo Joonghyuk piscou.
Era isso? Só isso? Nada mais? Nem um "uau, você beija tão bem" ou um "eu gostei"? Nada?
Ele sentia que tinha acabado de descobrir algo crucial sobre si mesmo, algo que poderia mudar sua vida para sempre — e Kim Dokja estava ali, agindo como se tivesse acabado de experimentar um novo sabor de pirulito.
Isso o deixou um pouco mesquinho.
Yoo Joonghyuk desviou o olhar, cruzando os braços, sentindo-se estranhamente irritado.
"Eu ainda não beijei de língua." Ele resmungou.
Kim Dokja se virou para ele tão rápido que parecia prestes a deslocar o pescoço.
"Se você quer beijar, arranje uma namorada, seu bastardo!" Dokja respondeu, irritado, empurrando Yoo Joonghyuk para longe com toda a força que seu corpo permitia.
Yoo Joonghyuk não teve coragem para admitir que a única pessoa que ele queria beijar era Dokja.
「• • •」
Yoo Joonghyuk percebeu que poderia estar gostando de Kim Dokja. Não como um amigo.
Ele finalmente se deu conta disso numa noite, quando Kim Dokja estava passando a noite em sua casa novamente. Os dois estavam deitados no chão, sobre um pano, observando as estrelas em silêncio.
Exceto que, na verdade, o único observando as estrelas era Kim Dokja. Yoo Joonghyuk estava observando Kim Dokja. Ele parecia tão... etéreo. Quase como se fosse uma estrela também, iluminado pela lua, com aquele sorriso suave e os olhos que refletiam todas as estrelas visíveis no céu. Ele queria guardar aquela imagem para sempre, queria ver aquela cena toda vez que fechasse os olhos.
Mas ele ainda se sentia um pouco… mesquinho por causa da conversa de mais cedo. Kim Dokja tinha dito que eles eram como irmãos, e a ideia não parecia sentar bem dentro dele. Não que tivesse algum problema com irmãos, mas ele não queria se ver em um cenário... incestuoso. Ele não gostava de Kim Dokja como um irmão.
"Não somos irmãos." Yoo Joonghyuk disse de repente, sua voz cortando o silêncio, mais ríspida do que ele pretendia.
Kim Dokja — que obviamente não tinha a menor ideia do que ele estava falando — olhou para ele, confuso. "O que?"
"Nós não somos irmãos. Por que você falou aquilo?" Yoo Joonghyuk franziu o cenho, olhando para Kim Dokja como se ele tivesse cometido um crime.
Kim Dokja o olhou por um momento, antes de levantar uma sobrancelha. "Por que você está fazendo beicinho com isso?"
"Não estou fazendo beicinho." Yoo Joonghyuk se defendeu.
Kim Dokja suspirou e, sem mais nenhuma palavra, voltou a olhar para o céu. Como se aquilo fosse o fim da conversa. Mas Yoo Joonghyuk, mesquinho como era, não estava pronto para deixar isso passar.
"E não somos irmãos." Yoo Joonghyuk insistiu, como se aquilo fosse de alguma forma esclarecer algo.
"Se isso irrita você tanto, tudo bem. Eu pensei que éramos próximos." Kim Dokja deu de ombros, já começando a perder a paciência.
"Nós somos próximos. Mas não assim." Joonghyuk disse, começando a se mover para mais perto de Dokja, como se tentasse provar o que estava dizendo com a proximidade.
"Então o que somos?" Kim Dokja virou a cabeça, encarando Yoo Joonghyuk com uma sobrancelha arqueada, esperando uma resposta bem mais interessante do que ele imaginava.
Yoo Joonghyuk pensou por um momento. Queria dizer amantes, mas isso parecia forçar demais a sorte para um único dia.
"Companheiros." Foi a resposta mais segura que ele conseguiu pensar.
"Companheiros?" Kim Dokja repetiu, incrédulo.
"Sim. Companheiros." Yoo Joonghyuk confirmou com firmeza.
Kim Dokja ficou em silêncio por um momento, como se ponderasse o significado da palavra, antes de quebrar o silêncio com uma observação que deixou Yoo Joonghyuk mais confuso do que qualquer outra coisa.
"Tipo o companheiro que sempre segue o protagonista masculino por aí?"
Yoo Joonghyuk pensou por um segundo, mas acabou assentindo, mesmo não sabendo muito bem o que aquilo deveria significar. "Acho que sim."
"Sabe, o companheiro do protagonista geralmente morre, e depois o protagonista enlouquece de tanto sofrer, entrando em seu melhor arco de personagem." Kim Dokja disse, quase filosoficamente.
Yoo Joonghyuk franziu ainda mais o cenho, perplexo. "O que diabos você está falando, Kim Dokja?"
Kim Dokja, com aquele jeito despreocupado de sempre, apenas olhou para ele com um sorriso torto. "Esse tipo de companheiro?"
"Não, por que você morreria?" Yoo Joonghyuk perguntou, ainda mais irritado pelo rumo que a conversa estava tomando.
Kim Dokja deu de ombros, como se fosse óbvio. "Bom, porque é assim que é."
"Você não vai morrer. Nós vamos estudar para entrarmos na mesma universidade juntos, como sempre planejamos, e depois vamos ser colegas de quarto e viveremos juntos." Yoo Joonghyuk disse firmemente. Mas ele não mencionou a parte de namorar, casar e adotar filhos — isso poderia ser um pouco chocante para Dokja.
"Ei, por que você está levantando essa bandeira de morte para mim? Você sabe que personagens sempre morrem quando falam algo assim!" Kim Dokja fez uma careta, como se Joonghyuk tivesse acabado de cometer um pecado literário.
"Ninguém vai morrer, seu idiota." Yoo Joonghyuk bufou, balançando a cabeça com o absurdo da coisa toda.
Que idiota.
Mas ele gostava daquele idiota.
Ele não queria ser visto como uma espécie de irmão para Kim Dokja, nem queria ser um simples amigo.
Ele queria ser puramente e completamente dele.
Como companheiros.
"Claro. Porque nós seremos companheiros de vida e morte." Dokja afirmou, finalmente virando-se para encarar Joonghyuk.
Companheiros de vida e morte...
"Companheiros de vida e morte." Yoo Joonghyuk repetiu, testando as palavras na língua.
Ele gostava disso.
"Então, não morra, Yoo Joonghyuk. Você tem que viver. Você é o protagonista." Kim Dokja disse carinhosamente, seus olhos gentis e suaves nele.
Yoo Joonghyuk sentiu o coração palpitar. O que era isso?
"Por que eu tenho que ser o protagonista?" Ele resmungou, mas estendeu a mão para agarrar a de Dokja e entrelaçar os dedos.
"Porque você parece um protagonista." Dokja respondeu simplesmente, como se fosse um fato.
"Mas principalmente porque você é o meu protagonista." Ele adicionou em seguida, esfregando o polegar nas costas da mão de Joonghyuk.
Protagonista...um protagonista, ein?
Isso não incomodava Yoo Joonghyuk nem um pouco. Ele estava mais do que disposto a ser o protagonista que Kim Dokja queria que ele fosse.
"Então seja o meu companheiro. E não morra. Ou eu enlouquecerei sem você."
"Pare de levantar bandeiras de morte, seu bastardo!" Dokja reclamou, e Yoo Joonghyuk apenas riu nasalmente.
Notes:
Os outros capítulos demorarão um pouco mais para sair, pois estes são os únicos que eu tinha escrito no bloco de notas. Mas acho que postarei de dois em dois dias.
Mas é isso, muito obrigado por ler!
(AGH ESCREVER A PARTE DA COMIDA DE CACHORRO ME DEU TANTA AGONIA, tão nojento)
Chapter 6: Capítulo 6
Notes:
Escrevi e reescrevi este capítulo tantas vezes que já estou sentindo ódio só de olhar para ele.
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
!AVISO DE GATILHO!
Este capítulo contém tópicos sensíveis, incluindo: descrições detalhadas de ferimentos, menções breves de violência sexual (não com os personagens principais), violência doméstica, assassinato, abuso infantil, bullying e suicídio.
Por favor, leia com cautela. Se algum desses temas for gatilho para você, priorize seu bem-estar e considere pular este capítulo. Cuide-se!
Yoo Joonghyuk sabia que Kim Dokja tinha problemas em casa. Olhando para as roupas velhas e gastas pelos anos de uso, os tênis manchados e cheios de cola, resultado das solas descolando e das tentativas de remendar os calçados e fazê-los durar mais um pouco, ele conseguia imaginar o que Dokja passava dentro de casa.
Ele sempre via os hematomas, às vezes no pescoço, outras nas pernas, nos braços, ou no rosto mesmo. Marcas roxas, amareladas e escuras, com uma tonalidade forte, indicando uma pancada violenta. Mas Dokja nunca falava sobre isso. Sempre que Yoo Joonghyuk perguntava sobre os hematomas, Kim Dokja dava um sorriso meio torto e dizia despreocupadamente que tinha se machucado esbarrando em alguma coisa ou caindo.
Era uma mentira tão óbvia. Aqueles hematomas não eram causados por uma simples queda ou por simplesmente esbarrar em algo, e Yoo Joonghyuk sabia disso.
Mas Kim Dokja pareceu tão desconfortável todas as vezes que Yoo Joonghyuk trouxe o assunto à tona, que no fim, ele não teve coragem de questionar. Se Dokja não estava falando nada, era porque tinha seus motivos. E Joonghyuk acreditava que seu melhor amigo se abriria com ele quando se sentisse confortável.
Ele acreditou.
Mas foi com o lançamento daquele livro que as coisas começaram a desmoronar de vez.
Notes of an Underground Killer.
Um recente best-seller escrito por ninguém menos que Lee Sookyung, supostamente mãe de Kim Dokja. Uma mulher que estava atrás das grades, condenada por assassinato. O livro explodiu nas livrarias, e com ele, o passado de Kim Dokja voltou à tona com uma força avassaladora. O bullying, que havia diminuído, voltou com força total. E o principal responsável era Song Minwoo.
Parecia que o desgraçado não tinha aprendido a lição mesmo depois de levar uma surra.
Yoo Joonghyuk poderia ter ignorado o livro, como sempre ignorava os rumores. Mas então Song Minwoo apareceu na escola com uma cópia em mãos. Ele lia trechos em voz alta, de forma teatral, para toda a sala ouvir. Cada palavra parecia uma facada, e Kim Dokja reagia como se estivesse sendo esfaqueado de verdade. Ele tremia, encolhia-se na cadeira, como se quisesse desaparecer. Seus olhos, normalmente serenos, enchiam-se de pavor.
"Estou bem." Dizia Dokja sempre que Joonghyuk perguntava. "É só o ar-condicionado. Estou com frio." Mas Yoo Joonghyuk não acreditava. Ele sabia que o frio que Kim Dokja sentia vinha de dentro, de um lugar que ele não conseguia alcançar. E mesmo assim, ele sempre tirava o casaco e colocava nos ombros de Dokja, para que pelo menos isso pudesse aquecer seu coração e mostrar que não estava sozinho.
Yoo Joonghyuk não tinha interesse em ler o livro, nem em saber mais sobre a autora. Mas ele não conseguiu ignorar o impacto que aquele livro tinha em Dokja. Ele teria ignorado completamente a existência daquele livro, casos criminais não eram sua praia — mas era sobre Dokja. E tudo sobre Dokja o interessava.
E então ele saiu. Pegou o cartão de crédito e entrou na primeira livraria que encontrou. Não demorou a achar o que procurava.
Yoo Joonghyuk pegou um exemplar, levou ao caixa, pagou e saiu. Mas não o leu. O livro ficou esquecido no fundo do armário, escondido onde Dokja nunca poderia ver quando viesse à sua casa.
Ele comprou, sim. Mas não tinha a menor intenção de lê-lo, não ainda.
Mas foi no momento em que eles pisaram o pé para fora da escola e Kim Dokja foi cercado por jornalistas, todos os olhos voltados para ele, bombardeando-o com perguntas sobre sua mãe, seu pai, sua vida e como era viver com uma mãe assassina e um pai morto, que Yoo Joonghyuk percebeu que precisava ler aquele maldito livro.
A realidade veio como um soco no estômago. Yoo Joonghyuk não pensou — apenas agiu. Empurrou câmeras, afastou repórteres, lançou ameaças afiadas, utilizando o que aprendeu crescendo com uma mãe advogada. E então, segurou Dokja pelo pulso e o arrastou para longe da comoção.
Quando finalmente estavam longe o suficiente, foi quando Yoo Joonghyuk percebeu.
Kim Dokja estava tremendo.
Seu peito subia e descia em respirações irregulares. O olhar desfocado, perdido. Um som escapou de sua garganta — algo fraco, falho, entre um engasgo e um soluço engolido à força.
Um ataque de pânico. Completo.
E pela primeira vez, Yoo Joonghyuk se perguntou se realmente conhecia todas as cicatrizes que Kim Dokja carregava.
E a resposta era não. É claro que não.
「• • •」
Depois do incidente com os jornalistas, Yoo Joonghyuk percebeu que algo em Kim Dokja havia mudado. Ele estava estranho. Diferente.
Ficou mais calado, mais distante. Seu olhar, que antes já era difícil de decifrar, agora parecia ainda mais vazio.
E os hematomas estavam piorando. Não apenas em quantidade, mas em intensidade. O que antes já era um roxo escuro com manchas amareladas, agora era algo muito pior — um tom profundo e doentio, tão escuro que beirava o preto, misturado com um vermelho intenso e amarelos esverdeados, formando um padrão chamativo contra a pele pálida, como carne que nunca teve tempo de cicatrizar.
Naquela manhã no colégio, quando Dokja apareceu com um supercílio rasgado e um hematoma feio cobrindo a lateral inteira do rosto, Yoo Joonghyuk não conseguiu engolir a desculpa esfarrapada.
"Eu escorreguei no banheiro." Foi o que ele respondeu quando Yoo Joonghyuk perguntou, com aquele sorriso de sempre, aquele que não alcançava os olhos.
Yoo Joonghyuk não acreditou.
Era impossível acreditar.
Mas ele não perguntou mais.
Porque perguntar significava forçar Dokja a admitir algo que ele claramente não queria.
Porque perguntar significava ouvir mais mentiras.
E, no fundo, Yoo Joonghyuk queria acreditar que, quando estivesse pronto, Kim Dokja falaria.
Ele confiava nele, certo?
Lentamente, Yoo Joonghyuk se levantou da cama, caminhou até o armário e, do fundo, puxou o livro. A capa escura refletia uma luz fraca, e as letras prateadas brilhavam como lâminas afiadas.
Notes of an Underground Killer.
Dokja confiava nele, certo?
Yoo Joonghyuk sentou-se na cama, sentindo o peso do livro em suas mãos. Suas páginas guardavam segredos que ele talvez não quisesse saber, verdades que Kim Dokja parecia querer esconder.
Mas ele abriu, mesmo assim.
Como se estivesse abrindo a própria caixa de Pandora.
Dokja acreditava nele, certo?
Yoo Joonghyuk queria desesperadamente acreditar que sim.
「• • •」
O livro fechou com um estalo seco.
Yoo Joonghyuk ficou parado, os dedos apertando a capa como se quisesse esmagá-la. Ele esperava algo ruim. Mas não esperava aquilo.
O sangue em suas veias parecia gelado. Ele estava irritado. Não, — ele estava furioso. Porque, apesar de não citar o nome de Dokja nem uma única vez sequer, o livro expôs tudo. Era cruelmente detalhado, cada palavra imprimida nas páginas pintava um cenário tão vívido que Yoo Joonghyuk conseguia ver.
Ele via um garotinho de dez anos, magro demais, pequeno demais, com olheiras tão fundas que pareciam sombras escuras contra a pele doentia. Um menino com olhos vazios, esgotados, como se a vida já tivesse sido drenada dele antes mesmo que pudesse entender o que era viver.
Ele via aquele menino encolhido no canto de um quarto escuro, as mãos trêmulas cobrindo os ouvidos, tentando bloquear os gritos que ecoavam pelas paredes finas. Gritos de raiva, de dor, de desespero. Gritos que vinham de quem deveria protegê-lo, mas que só lhe trazia dor.
Ele conseguia ver o momento em que a porta do quarto se abria com um estrondo, e o garotinho era arrancado de seu esconderijo, puxado pelos cabelos como uma boneca de pano. Via o corpo frágil sendo arremessado no chão, o impacto surdo contra o piso gelado. O choro sufocado, abafado pelo medo de piorar a situação. O cheiro de nicotina impregnado no homem — o pai — que estava curvado sobre ele, o hálito pesado de álcool contra seu rostinho infantil, os olhos injetados de ódio olhando para ele, como se estivesse pronto para matar aquela criança.
Via as mãos grossas e calejadas agarrando o colarinho da camisa surrada, sacudindo o menino como se ele não pesasse mais do que um pacote de arroz. Os gritos, as acusações, as palavras que Kim Dokja, naquela idade, nem sequer entendia direito, mas que doíam mais que qualquer soco.
E então, ele via o primeiro soco. O impacto contra o pequeno rosto, o sangue escorrendo pelo nariz. O segundo soco, no estômago, arrancando o ar dos pulmões. O terceiro, o quarto, até que o garoto já não conseguisse mais gritar, apenas gemer e chorar.
Cada golpe era mais forte do que o anterior.
Via o garotinho tentando se proteger, os braços magros e finos levantados para cobrir o rosto, as pernas encolhidas contra o peito. Mas ele era pequeno demais, fraco demais, jovem demais para se defender contra um homem adulto que pesava muitos quilos a mais que ele.
Ele via aquele menino se jogando sobre o corpo fraco da mãe caído no chão, cobrindo-a com seu corpinho frágil, na esperança de que, se ele fosse o escudo, se ele recebesse os golpes em seu lugar, sua mãe não sofreria mais, sua mãe não morreria.
Ele via o menino segurando o estômago de fome, o pai sentado à mesa contando as últimas notas de wons, murmurando para si mesmo se apostaria ou beberia naquela noite. Ele via aquele menino aprendendo a engolir a própria fome, porque chorar não adiantava. E pedir só resultava em mais surras e insultos.
E ele via o pior. O momento em que o garoto era forçado a ouvir, a ver, a testemunhar o que nenhuma criança deveria presenciar. A mãe, frágil e quebrada, sendo abusada sexualmente pelo próprio marido, enquanto Dokja ficava paralisado, incapaz de fazer qualquer coisa além de segurar o choro, de engolir o nojo, o medo, a raiva.
Era revoltante. Era muita coisa para uma criança de apenas dez anos suportar sozinha.
Yoo Joonghyuk via tudo. Cada detalhe, cada ferida, cada lágrima. Mas ele não podia fazer nada para salvá-lo.
Não importava o quanto apertasse os punhos, o quanto desejasse arrancar aquele passado à força, queimá-lo, destruí-lo. Não importava o quanto quisesse voltar no tempo, entrar naquela casa e arrancar Kim Dokja dali.
Já era tarde demais para isso.
Kim Dokja já tinha vivenciado tudo aquilo.
E Yoo Joonghyuk não conseguia salvá-lo.
O fim do livro Notes of an Underground Killer chega quando Lee Sookyung é levada à cadeia, para o Instituição Correcional Feminina de Cheongju, separada de seu filho de apenas dez anos, que foi forçado a viver todo aquele pesadelo, a testemunhar as violências até o assassinato de seu pai, cometido pela própria mãe.
Lee Sookyung matou o marido na noite em que ele tentou matar o filho deles, mais uma vez, com uma faca de cozinha, depois de espancar os dois enquanto estava bêbado, completamente fora de si.
Quando Lee Sookyung tirou a faca das mãos do marido, não foi para atacar. Foi para se defender. Mas o covarde, embriagado, ao vê-la segurando a faca, avançou, cego de raiva, pronto para matá-la. Então, no último segundo, o destino interveio da maneira mais irônica possível. O bêbado escorregou em uma garrafa de álcool esquecida no chão e caiu justamente em cima da lâmina.
O impacto fez com que a lâmina da faca o penetrasse profundamente, esfaqueando o fígado.
Lee Sookyung bateu a cabeça no chão com a queda e desmaiou, inconsciente, enquanto o marido, agora agonizando, arrancou a faca do próprio corpo num ato desesperado e estúpido. O sangue jorrou, escuro e viscoso, espalhando-se pelo chão como um rio vermelho. Ele tentou se arrastar, tentou gritar por ajuda, mas seu estado de embriaguez não o permitiu. Ele morreu ali mesmo, sangrando até a morte, os olhos vidrados fixos no filho que observava tudo, paralisado.
Kim Dokja, uma criança de dez anos, foi quem ligou para a ambulância e pediu por socorro. Mas quando a ambulância chegou, o pai do menino já estava sem vida e a mãe estava acordada, com uma ferida na nuca que, sinalizava que, de fato, ela tinha sofrido um acidente que a fez desmaiar.
Yoo Joonghyuk não soube exatamente quando começou a chorar, mas, quando fechou o livro, percebeu que seu rosto estava molhado.
E quando tocou a pele, foi que se deu conta de que não era suor. Eram lágrimas. Ele estava chorando.
Surpresa era um eufemismo para descrever o que sentia. Ele nunca chorou por causa de um livro. Na verdade, ele raramente chorava por qualquer coisa. Ele se considerava estóico, imune às emoções que arrastavam os outros para o fundo tão facilmente. E ele sempre se orgulhou disso, de ser melhor que os outros. Mas isso… isso era diferente.
Não era apenas um livro.
Ele tinha rostos para aquelas palavras. Ele tinha vozes para aqueles diálogos. Ele tinha o retrato exato daquelas pessoas em sua mente. Ele conhecia aquelas pessoas. Ele conhecia Kim Dokja.
Kim Dokja não era apenas um personagem em uma história fictícia. Não era uma construção literária, não era algo que poderia ser apagado com o virar de uma página. Ele era real. Ele era carne e osso.
Kim Dokja não era uma criação de papel, ele não era apenas mais um personagem de mais uma história trágica. Ele era real. Ele vivenciou tudo aquilo.
Ele viveu cada uma daquelas palavras.
Cada soco. Cada chute. Cada insulto. Cada noite passada com fome, cada hematoma espalhado pela pele das inúmeras surras sem motivo, cada momento que fez com que ele não soubesse o que era se sentir seguro. Não soubesse o que era ser uma criança.
Não era ficção.
Era a história de Dokja. Era real, a mais pura e crua realidade.
Essa era a história da pessoa que Yoo Joonghyuk mais se importava. E, honestamente, ele não sabia o que deveria estar fazendo, o que deveria fazer.
Ele ao menos estava ajudando Kim Dokja? Ele esperava que sim. Desesperadamente.
「• • •」
Yoo Joonghyuk sabia que estava agindo de forma estranha desde que leu aquele livro.
Ele não era idiota o suficiente para não perceber o quanto estava grudado em Kim Dokja. Ele estava praticamente sufocando o adolescente, seguindo-o por todos os cantos, pairando sobre ele como uma sombra protetora e exageradamente possessiva.
Ele grudava nele o tempo inteiro, como um guarda-costas paranóico. Ia atrás dele pelos corredores, sentava-se ao lado dele na sala, acompanhava-o até na hora do almoço.
Nem no banheiro Kim Dokja tinha paz.
"Porra, Joonghyuk, me deixa mijar em paz!" Kim Dokja gemeu, empurrando a cara do outro para longe antes de bater a porta do banheiro na cara dele.
Se Dokja não o empurrasse para fora da cabine, resmungando como se estivesse lidando com um lunático, Joonghyuk provavelmente teria entrado junto e ficado por lá, plantado, encarando enquanto ele usava o sanitário, como um maníaco pervertido.
"Eu posso segurar para você, se precisar." Yoo Joonghyuk comentou, sério, do lado de fora da cabine.
"Segurar o quê?" Kim Dokja perguntou de dentro, a voz abafada pelo eco do banheiro e pelo ruído desconcertante dele urinando.
"Sua coisa. Para você urinar." Yoo Joonghyuk respondeu casualmente, como se estivesse oferecendo um copo d'água.
Um silêncio mortal caiu entre eles.
"…Yoo Joonghyuk. Cai fora."
"É coisa de companheiros." Yoo Joonghyuk argumentou, impassível.
"Companheiros é o meu pau, seu merda! CAI FORA!" Kim Dokja revidou, irritado, enquanto a descarga era acionada com força.
Yoo Joonghyuk ficou parado, os lábios levemente curvados em um quase-sorriso. Ele sabia que estava exagerando, mas, no fundo, não se importava. Kim Dokja podia reclamar o quanto quisesse — ele não ia a lugar nenhum.
E então, ao invés de ir embora, Yoo Joonghyuk apenas cruzou os braços e ficou encostado na porta, feito um guarda-costas pessoal de alguém que ninguém queria sequestrar.
De volta à sala de aula.
Quando Song Minwoo pegou o maldito livro de capa familiar, Notes of an Underground Killer, aquele livro de Lee Sookyung, para ler em voz alta, como sempre fazia — para incomodar Kim Dokja e zombar de cada palavra escrita — Yoo Joonghyuk não pensou duas vezes. O livro pesado de matemática voou em direção à cabeça de Song Minwoo com uma precisão impressionante.
"QUE PORRA—?!" Song Minwoo xingou ao ser atingido, puto, já se levantando para revidar. Mas assim que viu quem jogou o livro, congelou no lugar, como um cervo pego pelos faróis.
Yoo Joonghyuk não piscou. Seu olhar era puro gelo.
"Calado." A voz dele saiu baixa, firme, e carregada de ameaça. "Ou quer que eu faça você calar, como da última vez?"
Silêncio.
Song Minwoo engoliu em seco e se sentou, sem dar um piu.
Yoo Joonghyuk ficou extremamente satisfeito com aquilo.
Mas não tanto quanto ficou com o olhar incrédulo que recebeu de Kim Dokja, como se dissesse: você ficou maluco de vez?
Já no fim da tarde, quando o sinal da saída finalmente bateu, Yoo Joonghyuk não perdeu tempo.
Ele simplesmente abraçou Kim Dokja por trás e afundou o rosto no pescoço dele, apertando-o como um polvo carente.
"Mm… dorme lá em casa hoje, Dok..." ele murmurou, a voz arrastada e baixa, soando carente e pegajoso de repente.
"Ugh, qual o seu problema hoje?" Kim Dokja resmungou, tentando se desvencilhar.
Ele até tentou dar uma cotovelada nas costelas de Yoo Joonghyuk — mas o bastardo segurou mais forte, prendendo a cintura dele com os braços como um grilhão humano.
"Dormeee..."
"Aí—! Sai, seu desgraçado! Me larga!"
Os dois cambalearam até o portão, Kim Dokja tentando se desvencilhar e Yoo Joonghyuk recusando-se a soltá-lo, ignorando completamente os olhares estranhos dos outros alunos ao redor.
「• • •」
Yoo Joonghyuk percebeu.
Kim Dokja estava se afastando.
Normalmente, ele nunca recusaria passar a tarde na casa de Joonghyuk. Ele gostava dos pais do melhor amigo — adorava a comida caseira da mãe dele, os conselhos do pai, o jeito como a casa era sempre acolhedora. E quando estavam sozinhos, era ainda melhor. Eles apenas ficavam ali, no conforto silencioso um do outro, sem precisar dizer nada, sem precisar fazer nada.
Esse era o pequeno refúgio deles, algo que ninguém jamais poderia tirar deles.
Mas ultimamente, toda vez que Joonghyuk chamava, Dokja recusava. Dizia que precisava ir direto para casa.
E quando Yoo Joonghyuk perguntava o porquê, ele apenas respondia que tinha algo a fazer.
Mas Yoo Joonghyuk sabia.
Sabia que aquilo era mentira.
Sabia porque, ultimamente, não havia um único pedaço de pele nele que não estivesse coberto por hematomas.
E, dessa vez, Yoo Joonghyuk não deixaria Kim Dokja escapar com mais desculpas vazias.
Eles estavam no terraço, como de costume, aproveitando o intervalo para lanchar. O vento frio soprava contra suas roupas, o cheiro distante de dumplings — que vinha da lancheira de metal de Yoo Joonghyuk — pairava no ar.
Foi quando Kim Dokja inclinou a cabeça para trás, virando a lata de refrigerante na boca, que Yoo Joonghyuk viu.
Manchas escuras no pescoço.
Hematomas roxos ao redor do pulso.
Quantos mais estariam escondidos debaixo daquele moletom?
Yoo Joonghyuk parou de comer na hora, perdendo o apetite no momento em bateu os olhos nos hematomas.
"Kim Dokja."
A voz de Yoo Joonghyuk saiu firme, fria. Seu cenho estava franzido, os lábios apertados em uma linha tensa.
"Hm?" Kim Dokja murmurou, abaixando a lata, os olhos encontrando os dele.
"O que são esses?" Yoo Joonghyuk perguntou, a mão estendendo-se automaticamente para tocar o pescoço de Kim Dokja.
Mas Kim Dokja se afastou.
Instintivamente.
E aquilo foi estranho.
Porque ele nunca se afastava dele.
Nunca.
"Isso?" Kim Dokja piscou, como se nem soubesse do que ele estava falando. "Ah, é alergia. Não tenho antialérgico." Ele respondeu casualmente, dando de ombros. Seu rosto não demonstrava nada.
Ele não vacilou nem por um segundo. Sua atitude despreocupada e casual poderia enganar qualquer um.
Mas não Joonghyuk.
Era mais uma mentira.
E Yoo Joonghyuk sabia disso.
Não porque Dokja era um péssimo mentiroso — porque ele não era. Mas porque o canto de sua boca tremeu levemente, aquele sorriso amargo se formando. O mesmo sorriso que sempre surgia quando algo dentro dele doía demais para esconder. E era aí que a dor era convertida em sarcasmo.
Ele não levava as próprias dores a sério.
Essa foi a maneira que Dokja aprendeu a lidar com os próprios traumas. Zombando deles.
Porque era isso o que todos faziam com ele.
Foi assim que Kim Dokja aprendeu a agir como se tudo estivesse bem. Bastava sorrir e a dor não existia. Bastava fingir, e as pessoas acreditariam.
Principalmente quando essas pessoas não se preocupavam o suficiente.
Normalmente, ninguém notaria algo assim. Mas Yoo Joonghyuk conhecia Kim Dokja o suficiente para perceber mesmo as mínimas coisas.
"Me mostre." Yoo Joonghyuk exigiu.
"Hã? O quê?" Dokja piscou para ele, confuso.
"Os hematomas." A voz dele saiu mais áspera do que pretendia. Não era um pedido, era uma ordem. "Me mostre."
Um silêncio pesado pairou entre eles, ambos imóveis, ambos encarando um ao outro sem expressão. Enquanto Yoo Joonghyuk parecia mais tenso, o corpo rígido e a mandíbula cerrada, Kim Dokja parecia vazio, ilegível.
Yoo Joonghyuk não conseguia entender o que se passava na cabeça de Kim Dokja.
Mas Kim Dokja parecia capaz de ler cada pensamento de Yoo Joonghyuk.
"Não são hematomas." A voz de Kim Dokja era calma, quase indiferente, mas ele não moveu um músculo para mostrar o que estava escondido.
"Kim Dokja." A voz de Yoo Joonghyuk soou mais grave, mais baixa, como uma advertência.
"Eu não vou mostrar," Dokja disse sem hesitar, tão firme e insistente quanto Joonghyuk.
Yoo Joonghyuk apertou os punhos e cerrou a mandíbula. Ele quase podia ouvir sua própria mente gritar: confie em mim, seu idiota. Mas nada saiu de sua própria boca.
Mas ele não recuou. Não agora.
Com um impulso, ele avançou, agarrando o capuz do moletom de Kim Dokja e puxando com força, arrancando o moletom a força.
"Esper— Yoo Joonghyuk!" Kim Dokja resistiu, se debatendo, empurrando e chutando, mas Yoo Joonghyuk não parou.
Só parou quando o moletom estava no chão.
E o que ele viu o paralisou.
Os braços de Kim Dokja estavam cobertos de hematomas. Uma mistura grotesca de roxo púrpura e amarelo esverdeado, manchas profundas e escuras causadas por pancadas violentas, cobrindo a pele pálida doentia com vasos sanguíneos rompidos.
Mas o pior estava nas queimaduras. Algumas pequenas, causadas por cigarros, outras maiores, mais profundas, com o formato torto de garfos e colheres quentes, cicatrizes que pareciam contar uma história longa de abusos e traumas.
Havia também cortes pequenos e finos, feitos com algo afiado, provavelmente um estilete, e marcas de buracos - uma cicatriz tortuosa e mal feita, onde lápis ou canetas foram pressionados com força.
Cada ferida, cada marca, cada cicatriz parecia gritar de dor.
Machucados feitos com a intenção de machucar.
Yoo Joonghyuk ficou ali, paralisado, encarando Kim Dokja como se tivesse visto um fantasma.
O que ele deveria dizer? Ele pensou que estava preparado para tudo, que sabia como reagir a qualquer situação. Mas por que, quando se tratava de Kim Dokja, tudo sempre parecia ficar pior do que já era?
O que ele deveria fazer agora? Abraçá-lo? Dizer que tudo ficaria bem? Levar ele para a enfermaria? Ele pensava que saberia o que fazer quando o momento chegasse, mas agora que o momento chegou, ele percebeu que nunca esteve realmente preparado para aquilo.
Ele apenas ficou ali, encarando, como um idiota.
"Qual o seu problema, cara? Por que você fez isso? É tão difícil me escutar?" Kim Dokja perguntou, a voz falhando, o tom finalmente quebrando.
Ele estava chateado. Na verdade, Dokja parecia envergonhado. Inseguro de seu próprio corpo, tão lamentável e feio.
Como se ele não quisesse que Yoo Joonghyuk visse aquilo.
Quando Kim Dokja começou a colocar o moletom de volta, como se pudesse esconder aquilo tudo de novo, como se pudesse apagar o que estava evidente, Yoo Joonghyuk não aguentou mais. Ele se aproximou rapidamente e segurou o pulso de Dokja com força.
"Eu— eu— Dokja, por favor. Vamos para a minha casa. Meu pai é médico, ele pode dar uma olhada nisso, eu posso... posso comprar remédios—" Yoo Joonghyuk implorou, sua voz trêmula, carregada de desespero.
"Não." Kim Dokja respondeu rapidamente.
"Dokja, por favor—"
"Não, Yoo Joonghyuk! Não! Eu falei que não!" Kim Dokja empurrou a mão de Yoo Joonghyuk para longe e continuou se vestindo.
Ele sentia que precisava dizer algo. Qualquer coisa. Ele precisava mostrar a Dokja que ele não estava mais sozinho.
Mostrar que ele entendia.
Yoo Joonghyuk engoliu seco e, com a voz rouca, abriu a boca.
"Eu li." ele admitiu.
Kim Dokja parou abruptamente.
"Eu li o livro da sua mãe, eu— eu li tudo. O seu pai, as coisas que ele fazia... Dokja, eu entendo—" Yoo Joonghyuk continuou, tentando achar as palavras certas, as palavras que ele achava que serviriam de consolo.
"O QUE VOCÊ ENTENDE?!" Kim Dokja gritou, fazendo Yoo Joonghyuk recuar, com os olhos arregalados.
Yoo Joonghyuk não teve coragem de responder. Ele não sabia como responder. Não tinha o que responder.
"Que porra VOCÊ, que nunca teve que passar por PORRA NENHUMA, SABE SOBRE MIM, YOO JOONGHYUK?!" Kim Dokja gritou, a voz rouca e falha pela raiva.
E com isso, Yoo Joonghyuk sentiu algo quebrando dentro de si. Era como se o coração dele estivesse rachando com cada palavra que saía da boca de Dokja. E o pior era que ele estava certo. Yoo Joonghyuk não entendia nada.
Ele era apenas um cara que surgiu do nada e espancou alguns valentões. E que de repente, grudou em Dokja até virarem amigos.
Ele tinha pais amorosos, uma casa grande e confortável, ele nunca passou por problemas financeiros, nunca sofreu bullying, nem abusos, nem negligência. Ele teve uma vida fácil desde o início. Uma vida fácil e cheia de amor.
Ele tinha tudo.
Enquanto Dokja não tinha nada.
Ele realmente tinha algum direito de se meter nisso?
Kim Dokja, que nunca levantava a voz, que nunca gritava com ninguém, nem mesmo com os demônios em sua vida, agora estava gritando com ele.
E o pior é que ele estava certo.
"Porra— eu confiei em você, Yoo Joonghyuk! EU confiei em VOCÊ!" Kim Dokja continuou, a respiração pesada, o rosto vermelho e quente de raiva.
Yoo Joonghyuk não conseguiu olhar nos olhos dele. Não quando ele estava olhando para ele com tanta decepção, como se tivesse sido traído pela pessoa que mais confiava.
E Yoo Joonghyuk, mais do que ninguém, deveria saber o quanto aquele pequeno livro de apenas 251 páginas destruiria a vida de Kim Dokja.
Kim Dokja nunca conseguiria ser alguém normal. Nunca. Seu nome sempre estaria ligado à aquele livro. E bastava apenas uma pesquisa. Uma pesquisa para achar seu rosto borrado na internet. Uma pesquisa para descobrir sua vida inteira.
Um único click, e a vida inteira dele estava arruinada.
Ninguém queria ser associado ao filho de um assassino.
"E você...! Você vai lá e faz igual todo mundo e lê aquela merda! Você acha que eu queria isso?! Queria ter a minha vida toda exposta em troca de alguns wons?! Queria ter as pessoas me olhando estranho simplesmente por viver a minha vida?!" Kim Dokja colocou tudo para fora, seu corpo tremendo de raiva, a voz cheia de dor e rancor.
Yoo Joonghyuk não esperava aquilo.
"Você não me contava nada, eu só—" Yoo Joonghyuk tentou se justificar.
"PORQUE EU NÃO QUERIA FALAR SOBRE ISSO, PORRA!" Kim Dokja gritou mais alto que antes, a voz falhando. "EU CONFIEI EM VOCÊ! EU ESPEREI QUE VOCÊ ME RESPEITASSE!" Ele adicionou, a raiva pulsando em cada palavra, e foi como se Yoo Joonghyuk tivesse sido golpeado por cada uma delas.
E aquilo foi o suficiente para calar Joonghyuk.
Ele ficou em silêncio, sem palavras. Não tinha mais o que dizer.
Kim Dokja estava muito agitado, e qualquer coisa que ele dissesse agora só pioraria a situação. Ele sabia disso.
Então, no fim, Yoo Joonghyuk apenas ouviu. Sem dizer uma palavra.
Quando a gritaria finalmente cessou, Kim Dokja estava trêmulo, ofegante, e seu rosto estava vermelho. De raiva.
"Dokja..." Yoo Joonghyuk chamou, hesitante, mas sua voz soou quase insegura diante da tensão que ainda pairava no ar.
Kim Dokja não respondeu. Ele apenas mordeu os lábios, virando-se rapidamente para sair do terraço, sem dizer nem mais uma palavra.
Yoo Joonghyuk quis ir atrás dele. Quis correr até ele, pedir desculpas, fazer algo para corrigir aquilo tudo, mas algo o impediu. Talvez fosse o fato de que ambos precisavam de espaço. Precisavam de tempo para colocar a cabeça no lugar.
Então, ele passou o restante do intervalo ali, sozinho, com a mente e o coração em um turbilhão.
Quando finalmente voltou para a sala de aula, a primeira coisa que percebeu foi que as coisas de Dokja tinham sumido. Ele não estava lá. Tinha ido embora, provavelmente para matar aula.
Mas, ao ver o lugar vazio, o peito de Yoo Joonghyuk apertou, uma sensação amarga se espalhando por todo o seu corpo.
Exatamente como se algo importante estivesse escorrendo por entre os dedos. Como se estivesse perdendo Dokja.
E ele temia que as coisas não voltassem a ser como eram antes.
「• • •」
Kim Dokja sumiu. Por uma semana inteira. Yoo Joonghyuk mandava mensagens todos os dias, perguntando o motivo da falta, se estava bem, se podiam conversar, se ele já tinha comido, se estava tendo problemas em casa. Mas nenhuma resposta vinha, as mensagens nem sequer chegavam até Kim Dokja.
Inicialmente, ele culpou a carga do telefone de Dokja, depois a internet, mas quando uma semana inteira passou sem notícias, ele começou a temer que algo muito pior tivesse acontecido.
E então, tinha aqueles idiotas. Os amigos de Song Minwoo. Se achando corajosos, fazendo piadinhas desprezíveis, perguntando se ele e Kim Dokja tinham terminado o "namoro". Yoo Joonghyuk apenas lançava um olhar gélido, e logo os imbecis se calavam, com o rabo entre as pernas.
Ele tentou não surtar, tentou não ficar paranóico. Mas sempre que a mãe ou o pai dele perguntavam se Dokja não passaria a noite lá, ele queria gritar. Queria pedir para alguém rastrear o celular de Dokja, ter certeza de que ele ainda estava vivo.
E então, quando, finalmente, Dokja apareceu na escola, a sensação de alívio que tomou Yoo Joonghyuk foi indescritível. Mas logo, algo estranho começou a apertar seu estômago desconfortavelmente.
Kim Dokja estava usando máscara e óculos escuros, a tentativa óbvia de esconder os hematomas. E ele estava sem celular também, uma visão rara de se ver vindo dele.
Mas ao invés de se sentar ao lado de Yoo Joonghyuk, como sempre, Dokja se sentou longe dele.
Aquele lugar, o lugar onde sempre se sentavam juntos, agora estava composto por uma única pessoa. E ele? Ele estava ali, sozinho, forçado a olhar para um espaço que costumava ser preenchido por Dokja.
Era como se cada gesto de Dokja estivesse empurrando-o para fora de sua vida.
E aquilo simplesmente o destruía.
「• • •」
Yoo Joonghyuk não negaria. Ele estava, de fato, seguindo Dokja.
Ele saiu logo atrás dele quando o outro adolescente foi até a cafeteria, observando à distância enquanto Dokja pegava seu lanche. Para o horror gastronômico de Yoo Joonghyuk, o que a cantina oferecia era um pão seco e murcho com uma caixinha de leite. E Dokja pegou aquilo.
Yoo Joonghyuk quase não conseguiu engolir o desgosto.
Por que diabos Dokja estava comendo essa porcaria quando ele podia comer a comida divina que Yoo Joonghyuk preparava?
Ele não teve tempo de pensar mais nisso. Depois que Kim Dokja comeu, ele levantou para ir ao banheiro e Yoo Joonghyuk foi logo atrás, mantendo uma certa distância para não ser notado — mesmo que ele tivesse certeza que Dokja já sabia que estava sendo seguido. Kim Dokja era estranhamente perceptivo nesse tipo de coisa.
Mas, quando ele entrou no banheiro, o que viu fez seu sangue gelar.
Song Minwoo já estava lá. E ele não estava sozinho.
Dois dos seus amigos estavam encostados nos lavatórios, fechando a saída como dois cães de guarda, enquanto Minwoo se aproximava de Dokja com um sorriso carregado de veneno.
"O seu namoradinho não veio ficar de guarda-costas hoje? Que novidade." Song Minwoo zombou, os outros rindo em resposta.
Dokja não disse nada.
E Yoo Joonghyuk odiou aquilo.
Odiou a maneira como Kim Dokja apenas abaixou os olhos, o corpo encolhendo sutilmente. Odiou o silêncio, a resignação.
O que mais ele odiou foi o olhar de Minwoo. O mesmo olhar que pessoas como ele sempre tinham antes de se aproveitar da fraqueza dos outros.
Song Minwoo provavelmente descontaria toda a raiva que tinha de Yoo Joonghyuk em Kim Dokja, já que não conseguia fazer nada com Joonghyuk diretamente, sendo o fracote covarde que era. Então ele só podia afetar Joonghyuk através de outra pessoa.
"Ei, Dokja. Você sumiu por um tempo, ein?" Outro garoto do grupo zombou, acompanhando Minwoo. "Estava fugindo do namoradinho ou o quê?"
Eles riram.
"O que você fez pra ele te largar?" Outro provocou. "Não me diga que até esse cara se cansou de você?"
Três contra um. Como esses caras conseguiam ser tão covardes?
Mas Kim Dokja também não estava sozinho.
Yoo Joonghyuk avançou sem nem pensar.
E antes que Minwoo pudesse dizer mais alguma merda, ele o segurou pela gola da camisa e o empurrou com força contra a parede.
O baque ecoou pelo banheiro.
"Vai querer repetir isso na minha cara?" Yoo Joonghyuk rosnou, os olhos cravados nos de Minwoo.
Os dois capangas dele se entreolharam, hesitantes. Eles eram corajosos quando estavam em grupo, mas não eram idiotas o suficiente para enfrentar Yoo Joonghyuk de frente.
Principalmente depois do que aquele cara fez com o rosto de Song Minwoo no vestiário.
"Que porra é essa, cara?" Minwoo tentou parecer intimidador, mas o tremor em sua voz o entregou.
"Eu perguntei se você quer repetir isso na minha cara." Yoo Joonghyuk apertou a gola ainda mais, seus nós dos dedos quase brancos.
Minwoo engoliu em seco.
Kim Dokja, atrás deles, abriu a boca.
"Yoo Joonghyuk, chega."
Mas Yoo Joonghyuk não queria largar.
Ele queria quebrar aquele nariz de novo.
Ele queria que Minwoo nunca mais sequer pensasse em olhar para Kim Dokja daquele jeito.
Só que ele também sabia que se fizesse isso, Kim Dokja ficaria ainda mais distante.
Com um último olhar de desprezo, ele soltou Minwoo, empurrando-o para longe como se estivesse se livrando de algo sujo.
"Se eu te ver perto dele de novo, eu quebro mais do que o seu nariz." Sua voz era baixa, carregada de ameaça.
Minwoo não respondeu. Apenas ajeitou a camisa e saiu do banheiro o mais rápido que pôde, seus capangas seguindo logo atrás, sem olhar para trás.
Yoo Joonghyuk respirou fundo, tentando conter a raiva.
Foi só então que percebeu Dokja olhando para ele.
"Eu não pedi a sua ajuda." Dokja disse, com a voz baixa e insegura.
Ele sabia, porra. E era isso o que mais o deixava puto. Ele queria que Dokja confiasse nele. Que pedisse ajuda.
"Você acha que eu me importo se você pediu ou não?" Yoo Joonghyuk respondeu, a paciência no limite. "O que eu deveria fazer? Só ficar aqui assistindo esses idiotas falando merda sobre você?"
Kim Dokja suspirou, cansado. "Eu lido com isso há anos, Joonghyuk. Você realmente acha que sua interferência vai mudar alguma coisa?"
Yoo Joonghyuk cerrou os punhos, sua frustração transbordando. "Vai mudar, se você parar de agir como se merecesse essa merda!" Ele sabia que estava sendo ríspido demais, talvez até cruel, mas ele não conseguia se controlar.
"Se você não fosse um covarde do caralho que se encolhe toda vez que alguém levanta a voz para você, talvez você não passasse por essas merdas!" Yoo Joonghyuk rosnou, e a raiva que ele estava segurando há tanto tempo finalmente escapou.
Kim Dokja paralisou, seus olhos levemente arregalados fixados nos olhos de Joonghyuk.
Yoo Joonghyuk não queria ter dito aquilo, ele realmente não queria. Mas, porra, ele estava exausto de ver Dokja se esconder, de ver ele se achar tão fraco e merecedor de toda a dor que passava. Isso o fazia perder a paciência.
"Você quer comparar a minha vida com a sua?" Kim Dokja retrucou, sua voz amarga, carregada de rancor.
"Kim Dokja, eu—"
"O que você espera que eu faça? Quer que eu tire força de onde eu não tenho? Diferente de você, eu não sou saudável, nem tive os privilégios que você teve. Sim, eu sou fraco pra caralho, você tem razão." Dokja continuou, suas palavras cortando como uma lâmina.
"Mas pelo menos eu não sou um mimadinho que fica bancando o herói para limpar a própria consciência." Kim Dokja acusou, arrastando as palavras na língua como se estivesse zombando de Joonghyuk.
Yoo Joonghyuk ficou paralisado, olhando para Kim Dokja como se ele fosse um estranho. Aquilo não era o que ele esperava. Não de Dokja.
"Não é isso que você faz, Yoo Joonghyuk? Eu não estou errado, certo?" Kim Dokja continuou, seu tom veneno puro. "Você se sente culpado, sente pena de mim, é por isso que você se aproximou de mim. Eu sou lamentável, não sou?"
"Kim Dokja, isso não é verdade—!" Yoo Joonghyuk tentou interromper, mas as palavras dele foram abafadas pelas de Dokja.
"Eu limpei a sua consciência? Tornei você diferente dos outros? Eu fui a donzela em perigo que você queria que eu fosse?" Dokja continuou, cada palavra mais ácida que a anterior.
Yoo Joonghyuk franziu o cenho, não sabendo o que dizer. Mas o que ele queria realmente dizer parecia se perder na garganta.
"Você não é muito diferente do Song Minwoo."
Aquelas palavras foram como um soco em seu estômago. E o que mais o fez perder a paciência foi a expressão de Kim Dokja, a dor transbordando de seus olhos, como se ele estivesse tentando se convencer de algo que não era verdade.
Por que Kim Dokja não conseguia entender?
Por quê?
Por que ele tinha que ser tão difícil?
Por quê?
Yoo Joonghyuk não soube quando perdeu o controle. Só soube que sua mão se moveu antes que ele pudesse sequer pensar.
O som do tapa foi seco.
E Yoo Joonghyuk se arrependeu instantaneamente daquele tapa.
Kim Dokja ficou em silêncio, sua cabeça virando com o impacto. Por um momento, Yoo Joonghyuk pensou que ele iria reagir, que talvez o empurraria ou gritasse com ele, mas não. Ele apenas ficou ali, o cabelo cobrindo parcialmente seu rosto, os lábios entreabertos. Quando finalmente se moveu, foi apenas para passar a língua pelo canto da boca, sentindo o leve gosto metálico do sangue.
"Viu só?" Dokja zombou, uma risada sem humor escapando de sua boca. "No fim, você também acha que eu mereço isso." Ele sorriu.
Sorriu.
O mesmo sorriso torto e irônico que ele sempre dava quando estava pensando em algo doloroso.
Yoo Joonghyuk arregalou os olhos, o coração disparando no peito.
O que ele tinha acabado de fazer?
"Dok— Dokja..." Ele sussurrou, a voz quebrada, a raiva se transformando em vergonha, em desespero. "Eu... eu não queria fazer isso..."
Ele tinha se tornado exatamente o que Dokja mais desprezava.
Por favor. Revida. Por favor. Me bata. Por favor.
Ele queria, desesperadamente, que Kim Dokja fizesse algo, qualquer coisa, para que ele se sentisse um pouco menos culpado, para que eles ficassem quites.
Mas Kim Dokja não fez nada. Ele apenas olhou para ele com aquela expressão vazia, irônica, e se afastou.
Yoo Joonghyuk tentou se aproximar, tentou o agarrar outra vez, impedir que ele se fosse, mas Dokja recuou. "Não," ele disse, sua voz quebrada e vazia. "Não tente consertar."
E então, sem dizer mais nada, ele foi embora.
Yoo Joonghyuk sentiu seu mundo desabar.
Ele ficou ali, parado, a mão ainda formigando, o peito queimando. Ele sentiu o peso da culpa, a dor em seu estômago. Ele queria correr atrás dele, pedir desculpas, implorar por perdão, explicar... mas dessa vez, ele não sabia se poderia.
Dessa vez, ele não sabia se merecia.
「• • •」
Eles não voltaram a se falar depois daquilo.
Yoo Joonghyuk tentou, claro. Ele tentou de todas as maneiras possíveis. Ele se desculpava, implorava, dizia que nunca mais seria rude, que nunca mais repetiria o que ele fez, que estava arrependido. Mas a resposta que recebeu foi sempre a mesma:
"Eu acho que é melhor nos afastarmos, Yoo Joonghyuk. Pelo seu próprio bem, não pelo meu."
Era como ter uma lâmina fria esfaqueando seu peito, mas ele não conseguia parar de tentar. Ele não conseguia aceitar. Ele se ajoelhou uma vez, diante de Dokja, as palavras saindo entre soluços, a voz quebrando. "Por favor... por favor, Dokja! Nós podemos resolver isso, eu sei que podemos!" Ele implorou. Mas Dokja não respondeu, apenas virou as costas e saiu. Deixando-o para trás.
Yoo Joonghyuk não sabia o que fazer. Ele não sabia mais como viver sem Kim Dokja. Dokja era seu melhor amigo, seu companheiro, a pessoa que ele mais se importava nesse mundo, e ele não conseguia entender por que o outro estava tão decidido a se afastar.
Era como se sua vida tivesse perdido toda a cor. Ele se via, cada dia, tentando se fazer presente, tentando falar, mas era como se Dokja tivesse erguido uma parede, uma barreira impenetrável entre eles. Cada olhar furtivo que eles trocavam parecia carregar um peso insuportável. Ter que fingir que eram dois estranhos… foi como jogar ácido em suas feridas. Não havia mais conversas no terraço, não havia mais risos, nem lanches compartilhados, nem abraços preguiçosos, não havia mais nada.
Ele via os outros colegas fazerem piadinhas, mas o olhar de Kim Dokja parecia tão distante, tão fechado. Ele se afastava ainda mais. Ele não reagia mais. O brilho nos olhos dele parecia ter sumido, e a única coisa que restava era uma versão vazia, amargurada de alguém que ele amava profundamente.
Por que ele estava tentando se afastar de mim?
Yoo Joonghyuk observava o tempo todo, tentando entender. Ele tinha que entender. Ele não podia mais viver sem ele. Ele não poderia mais viver com o silêncio, com a indiferença de Dokja. O que tinha mudado? O que tinha acontecido? Dokja não lia mais suas webnovels, e mais estranho ainda: não usava mais o celular. O que estava acontecendo com ele?
Onde estava seu telefone? Ele nunca o deixava fora de vista. Por que ele estava se afastando assim, sem dar nenhuma explicação?
Cada dia sem uma resposta de Dokja, sem a chance de se aproximar, era um peso maior em seu peito. A cada vez que olhava para ele de longe, Yoo Joonghyuk sentia a garganta apertar, e ele só conseguia se perguntar o que mais ele poderia fazer para mostrar a Kim Dokja o quanto ele se importava.
Ele queria que Dokja o ouvisse. Queria que ele confiasse nele, como antes. Ele não sabia como falar mais, como fazer o outro ver que ele estava ali, disposto a fazer qualquer coisa para consertar tudo. Ele poderia salvar Dokja. Ele tinha que poder fazer isso.
Mas, por que ele sentia que estava perdendo tudo? Por que ele sentia que, a cada passo que dava, estava se afastando ainda mais da única pessoa que lhe importava?
Ele podia fazer isso, certo? Ele poderia consertar tudo. Ele só precisava que Dokja acreditasse nele.
Ele tinha certeza que poderia consertar.
E ele foi muito ingênuo por acreditar tão fielmente nisso.
Era apenas a segunda semana. Quase quatorze dias sem Kim Dokja. Quatorze dias sem ouvir a risada dele, sem ver o sorriso dele. Quatorze dias sem ele.
Yoo Joonghyuk sentia como se estivesse perdendo a sanidade. Ele conseguia vê-lo, claro, mas não era suficiente. Não depois de ter convivido tanto com ele. Não depois de ter sentido sua presença. Não depois de ouvir sua risada, não depois de tê-lo, tão perto.
Kim Dokja começou a faltar com frequência. Daqueles quatorze dias, ele só apareceu cinco vezes no colégio. Yoo Joonghyuk percebeu, claro. Como não perceberia? Ele, mais do que qualquer outro, estava de olho em cada movimento de Dokja, atento a cada sinal, cada gesto, cada palavra.
E hoje, depois do intervalo, Dokja não voltou para a sala.
Yoo Joonghyuk tentou não pensar nisso, tentou se concentrar na aula, mas uma sensação estranha e apertada começou a tomar conta de seu peito. Ele esperava, no fundo, que Dokja estivesse apenas matando aula, se afastando por mais um dia. Mas essa sensação... essa sensação de vazio, como um peso crescente em seu estômago, não ia embora.
O professor estava de pé na frente do quadro, explicando a matéria. Yoo Joonghyuk tentava se forçar a prestar atenção, mas a tensão o consumia, e foi então que ouviu a gritaria do lado de fora do prédio.
O professor, ainda distraído, não deu muita importância, achando que eram apenas alguns alunos desordeiros. Mas o barulho só aumentava, e a inquietação de Joonghyuk crescia na mesma proporção. Ele tentou ignorar, tentou se convencer de que estava só sendo paranóico, que não tinha nada de errado, mas então a porta da sala foi aberta abruptamente por duas alunas de outra turma, interrompendo a aula.
"Um garoto acabou de pular do terraço!" Uma delas falou, a voz trêmula e afobada, mas aquelas palavras ecoaram em sua mente como um trovão.
O coração de Yoo Joonghyuk pareceu ter parado naquele exato momento.
Não. Não, não.
Ele não tinha feito isso. Não podia ser ele. Não podia ser Dokja.
Não, não, não, não, não!
NÃO!
Ele nem percebeu quando se levantou, derrubando a cadeira com um estrondo. O som não fez diferença. Seu corpo estava em modo automático, movendo-se, correndo sem pensar. Ele sentiu um arrepio gelado percorrer sua espinha, sua visão turva, o ar escapando de seus pulmões como se ele tivesse sido golpeado no estômago. Sua mente estava completamente em pânico, incapaz de processar mais nada, exceto um único pensamento: Kim Dokja.
Ele não registrou os gritos do professor chamando por ele. Não viu as duas garotas que ele empurrou agressivamente para fora do caminho. Nada disso importava.
Tudo o que ele queria, tudo o que ele podia pensar, era chegar lá. Chegar antes que fosse tarde demais.
Suas pernas pareciam não responder, mas ele as forçou, correndo escada abaixo, esbarrando nas pessoas, quase derrapando no chão enquanto sua mente repetia em um loop desesperado: Por favor, não seja ele. Por favor, não. Por favor. Por favor.
A sensação de pânico o esmagava, seu peito apertado e sua respiração ofegante, quase como se ele estivesse morrendo ali, a cada passo. Ele não podia respirar, não conseguia se concentrar, tudo o que sentia era o terror absoluto, a vontade de gritar, mas sua garganta estava trancada.
Não, não, não, não, não...!
Cada batida de seu coração parecia mais forte, mais distante, como se estivesse sendo empurrado para fora de seu corpo. Ele mal percebeu o caminho até o outro lado da escola, mal percebeu quando chegou perto da área onde a comoção estava acontecendo. Mas a única coisa que ele sabia, a única coisa que importava, era que ele precisava ver Kim Dokja.
Porque se fosse ele... se fosse ele, Yoo Joonghyuk não sabia o que faria.
E ele estava orando, implorando, suplicando para todos os Deuses existentes para que não fosse seu Kim Dokja. Para que não fosse seu companheiro.
「• • •」
Yoo Joonghyuk correu.
Ele não enxergava mais nada além da névoa espessa de desespero em sua mente, seu corpo movendo-se por puro instinto. Seus pés tropeçavam nos degraus, seus ombros esbarravam violentamente em outros alunos, professores, qualquer um que estivesse no caminho. Ouviu xingamentos, reclamações, mas nada importava.
Ele empurrou uma garota para o lado, passou correndo por um grupo de alunos assustados, agarrou um corrimão quando quase caiu. Seu peito queimava, sua respiração vinha em arfadas curtas e desesperadas. Cada batida de seu coração parecia uma contagem regressiva para algo horrível, algo que ele se recusava a aceitar.
E então, ele viu.
No meio da multidão reunida no pátio, cercado por olhares chocados e murmúrios abafados, havia um corpo.
Um corpo magro e doente estava encolhido no chão, em uma posição que era ao mesmo tempo desconfortável e perturbadoramente vulnerável. Ele parecia pequeno demais, frágil demais, como se o mundo tivesse finalmente conseguido esmagá-lo. Seu rosto pálido, quase translúcido, estava virado para o lado, com os olhos fechados.
Ele parecia sereno. Perturbadoramente sereno.
Os fios negros espalhados em desalinho sobre a poça de sangue escuro que lentamente se alastrava sob ele. Seu rosto... seu rosto parecia tão sereno, tão suave, como se estivesse dormindo...
Não, não, não, ele não pode estar dormindo, ele tem que acordar.
Yoo Joonghyuk sentiu seu estômago revirar, sua garganta se fechar. Suas pernas ameaçaram ceder, mas ele continuou andando, forçando-se a seguir em frente, cambaleando, sentindo como se estivesse prestes a vomitar.
O sangue ao redor dele se espalhava em uma poça, contrastando com a palidez doentia de sua pele. O sangue ainda escorria lentamente de um corte profundo na cabeça, onde o impacto com o chão abriu uma ferida horrível. O cabelo de Dokja, normalmente liso e organizado, sempre limpo, estava agora encharcado de sangue, pegajoso e bagunçado, grudando em seu rosto.
O pescoço de Dokja estava torcido em um ângulo perturbador, e sua cabeça repousava de lado, um corte profundo na têmpora deixando um fio de sangue escorrer lentamente até o chão. Uma das pernas estava dobrada de maneira antinatural, fraturada, e a coluna parecia ter sofrido um impacto terrível, deixando o corpo em uma posição que não deveria ser humanamente possível.
Kim Dokja parecia suave, tranquilo, como se estivesse apenas descansando. Seus olhos estavam fechados, as sobrancelhas suaves e os cílios longos e escuros repousando sobre as bochechas pálidas. Os lábios, levemente entreabertos, tinham um tom azulado, mas ainda mantinham uma suavidade.
"Kim Dokja..." O nome saiu como um sussurro rouco, quase inaudível. Ele tentou se mover, tentou se arrastar até ele, mas seu corpo não obedecia. As mãos tremiam descontroladamente, e uma onda de náusea o atingiu, fazendo seu estômago revirar.
Ele parecia pacificamente belo, como se tivesse encontrado um descanso que nunca teve em vida.
Ele parecia tão em paz, enquanto o mundo de Yoo Joonghyuk desmoronava diante de seus próprios olhos.
"KIM DOKJA!" Dessa vez, o nome saiu como um grito, estridente e desesperado. Yoo Joonghyuk finalmente conseguiu se mover, arrastando-se até o cadáver imóvel.
E antes mesmo que ele pudesse chegar em Kim Dokja, ele foi parado, imobilizado por um grupo de pessoas. Ele não sabia quem, não importava também. A única coisa que importava era Dokja.
"ME LARGA!" Yoo Joonghyuk gritou, se debatendo violentamente contra as pessoas que o imobilizaram. "ELE PRECISA DE AJUDA, EU— ME LARGA, PORRA!"
Mas o silêncio foi sua única resposta.
Yoo Joonghyuk arfou, suas pernas finalmente cedendo. Seu corpo tremia violentamente, suas unhas cravando nos braços que o seguravam. Sua visão escurecendo, suas mãos formigando.
Ele queria acordar desse pesadelo.
Ele queria que Dokja estivesse bem.
Mas Dokja nem sequer se mexia.
Seu peito não subia com suas respirações, sua boca não tremia para responder.
Nada.
E então, ele chorou.
Lágrimas quentes e pesadas escorriam por seu rosto sem que ele sequer percebesse. Sua respiração vinha em arfadas instáveis, rápidas demais, descontroladas demais. Seu peito doía, apertado, como se estivesse sendo esmagado por dentro.
O pânico o sufocava, o engolia inteiro.
"Por favor..." A voz de Yoo Joonghyuk se quebrou em soluços desesperados. "Dokja... por favor... não faz isso comigo...! Dokja...! DOKJA!"
Os gritos não cessaram. Ele continuou gritando. Gritando desesperadamente pelo adolescente deitado em uma poça de seu próprio sangue no chão. Gritando como se isso fosse fazê-lo acordar. Como se fosse trazê-lo de volta a vida.
Mas ele não se mexeu.
Porque Kim Dokja estava morto.
Seu Kim Dokja estava morto.
O seu primeiro melhor amigo.
O seu primeiro beijo.
O seu primeiro amor.
O grito de Yoo Joonghyuk rasgou o ar, carregado de pura agonia. Ele se dobrou para frente, os soluços convulsionando seu corpo, as mãos puxando seus próprios cabelos, o peito doendo como se algo estivesse se despedaçando dentro dele.
Ele não conseguiu salvá-lo.
Seus soluços eram trêmulos, descontrolados, seus olhos completamente embaçados pelas lágrimas. O desespero rasgava sua garganta como uma lâmina afiada, e ele não se importava que todos estivessem assistindo.
Porque nada importava mais.
Porque era tarde demais.
Ele chegou tarde demais.
Notes:
Eu achei que terminaria esse ponto de vista do Yoo Joonghyuk aqui, mas ainda precisa de mais um capítulo. O próximo é o último, eu juro!
Inclusive, o nome do livro da mãe de Kim Dokja não é esse. Se não me engano, seu nome é Underground Killer. Notes of an Underground Killer é uma alteração que eu fiz.
Muito obrigado por ler!
Chapter Text
!AVISO DE GATILHO!
Este capítulo contém tópicos sensíveis, incluindo: depressão, descrições de ferimentos, maus-tratos a animais, bullying e violência.
Por favor, leia com cautela. Se algum desses temas for gatilho para você, priorize seu bem-estar e considere pular este capítulo ou as cenas a seguir. Cuide-se!
Yoo Joonghyuk não soube dizer quanto tempo ficou ali, ajoelhado no chão frio, sentindo o mundo desmoronar ao seu redor. Tudo parecia distante. Os cochichos dos alunos, os murmúrios abafados dos professores, o som distante de sirenes. Ele não viu quando uma ambulância chegou. Não viu quando os paramédicos correram para o corpo imóvel de Kim Dokja.
Ele não viu nada.
Não quando falaram que era tarde demais.
Não quando cobriram Kim Dokja com um lençol branco.
Não quando o colocaram cuidadosamente na maca e o levaram para dentro da ambulância.
Mas quando finalmente viu as portas se fechando, o pânico voltou com tudo, sufocando-o. Ele se forçou a levantar, as pernas trêmulas e fracas. Ele tentou correr até lá.
E novamente, foi impedido.
"NÃO! ME SOLTEM, PORRA! EU PRECISO IR COM ELE—! EU PRECISO...—! DOKJA!"
Ele se debateu, lutou com todas as forças que tinha, mas ninguém o deixou ir. Ele gritava, soluçava, mas a ambulância partiu, levando Kim Dokja para longe.
Tirando Dokja dele.
Levando-o para sempre.
E naquele momento, Yoo Joonghyuk soube que o tinha perdido.
Para sempre.
「• • •」
Ele não lembrava de como chegou à enfermaria. Tudo era um borrão. Ele apenas se recordava da dor esmagadora no peito, da sensação de vazio, do comprimido que enfiaram goela abaixo para acalmá-lo. Mas nada poderia acalmá-lo. Nada poderia fazer a dor passar.
Ele estava sozinho agora.
Kim Dokja estava morto.
E ele não pôde salvá-lo.
Yoo Joonghyuk não reagiu quando a porta da enfermaria se abriu novamente depois de um longo tempo.
Ele estava encolhido em um canto, os olhos vermelhos e inchados, os braços envolvendo o próprio corpo em uma tentativa inútil de conter o frio que vinha de dentro.
Foi só quando ouviu a voz de sua mãe que ele se moveu.
“Joonghyuk! O que aconteceu?!”
O tom preocupado dela fez alguma coisa dentro dele se partir ainda mais. Ele levantou o olhar, e assim que viu o rosto familiar, desabou novamente.
Ele soluçou tão forte que quase engasgou.
“M-mãe…! É D-Dokja… e-ele—…ele...!”
Sua voz saiu falha, quebrada, quase irreconhecível. As palavras tropeçavam umas nas outras, presas na garganta, afogadas pelo choro.
Mas ele não precisou dizer mais nada.
O rosto de sua mãe se contorceu em horror conforme a compreensão a atingia.
O diretor ligou para ela, mencionando que seu filho estava em estado de choque depois que um colega de classe caiu do terraço.
O diretor não mencionou quem exatamente era esse colega.
E o colega de classe que tinha pulado do terraço...
Não era um colega de classe qualquer.
Era Kim Dokja.
O garoto que ia todos os dias para a casa deles. O menino que sempre parecia magro demais, pálido demais, quieto demais.
O menino que sempre sorria, mas que, agora que ela pensava, talvez estivesse sempre pedindo ajuda em silêncio.
Kim Dokja, o único e melhor amigo de seu filho.
Kim Dokja, que ela mesma considerava como um segundo filho.
A dor foi imediata, sufocante. Mas não tão esmagadora quanto a de seu filho.
E isso foi o suficiente para fazê-la agir.
Sem hesitar, ela atravessou a sala e puxou Yoo Joonghyuk para um abraço apertado, envolvendo-o em seus braços com toda a força que tinha.
Ela não falou nada. Nenhuma palavra, nada do que ela dissesse traria conforto ao adolescente. Então ela apenas afagou os cabelos dele, segurando-o como se pudesse impedir que ele se quebrasse ainda mais.
Yoo Joonghyuk agarrou-se a ela como se estivesse se afogando, os soluços incontroláveis sacudindo seu corpo. Ele não queria um abraço, ele não queria consolo.
Ele queria Dokja de volta.
Mas isso era algo que ele jamais teria novamente.
E nada no mundo poderia mudar isso.
Yoo Joonghyuk agarrou a blusa dela com tanta força que seus nós dos dedos ficaram brancos. Seus soluços eram pesados, sufocados, o corpo tremendo contra o dela.
"E-ele se f-foi..." Ele sussurrou, a voz despedaçada, "E-ele s-se foi, m-mãe...!" o desespero transbordando em cada palavra que dizia.
E ela só pôde segurá-lo mais forte, sem dizer nada, porque não tinja nada que pudesse consertar aquilo.
Não tinha nada que ela pudesse fazer.
「• • •」
Yoo Joonghyuk se fechou para o mundo.
Escola? Não fazia mais sentido ir. Para quê, se Kim Dokja não estaria lá? Se a carteira dele estaria vazia? Se ele nunca mais veria aquele sorriso cansado, mas sempre irônico?
Como? Se a escola estaria para sempre associada com a morte dele?
Ele não via mais razão para sair de casa.
E, naquele momento, ele se arrependeu de tudo.
Se arrependeu de não ter se contentado em apenas observá-lo de longe.
Se arrependeu de cada vez que ficou irritado por algo idiota.
Se arrependeu de não ter segurado Dokja com mais força, de não ter dito o quanto ele era importante.
Se arrependeu de não ter sorrido mais.
Se arrependeu de não ter saído mais, aproveitado mais.
Se arrependeu de não ter percebido a tempo.
Se arrependeu de não ter o beijado mais.
Se arrependeu de nunca ter se declarado.
Se arrependeu de nunca ter dito que o amava.
Se arrependeu de nunca ter feito mais, de não ter se esforçado mais.
Ele se arrependeu. Deus, como ele se arrependeu.
Se ao menos tivesse se contentado em observá-lo de longe, se ao menos tivesse ficado ao seu lado sem tentar mudá-lo, sem forçá-lo a ficar... Se ao menos tivesse percebido antes o quanto Kim Dokja estava quebrado.
Ele daria qualquer coisa para tê-lo de volta. Qualquer coisa.
Ele aceitaria ser apenas um espectador na vida de Kim Dokja, se isso significasse que ele ainda estaria vivo.
Mas era impossível.
E agora, nada mais fazia sentido.
Videogames pareciam vazios sem Kim Dokja para zombar de sua obsessão por rankings, sem ele para rir e revirar os olhos sempre que Yoo Joonghyuk se gabasse de suas habilidades.
Ir para a escola era sufocante sem Kim Dokja para distraí-lo da aula, sussurrando sobre o professor de matemática ser chato e careca. Ou simplesmente cochichando piadas sem graça no ouvido dele no meio da aula, do nada, sem motivo algum.
O terraço, antes o refúgio perfeito, agora era apenas um espaço vazio e quieto. Um lembrete cruel que foi daquele lugar que Dokja se jogou. Não tinha mais dumplings divididos entre goles de bebidas geladas, nem conversas banais que duravam a tarde inteira, nem risadas altas e exageradas.
Ele ainda matava aula ali, mas sem Kim Dokja ao seu lado, lendo uma webnovel qualquer, seus ombros grudados um no outro como se fossem um só.
Dormir tornou-se um tormento. O quarto era grande demais, frio demais, sem Kim Dokja para agarrá-lo no meio da noite e murmurar, sonolento, que Yoo Joonghyuk era quente demais.
As ruas pareciam intermináveis sem Dokja segurando sua mão, resmungando sobre o protagonista irritante da última webnovel que esteve lendo, gesticulando exageradamente, sempre tão expressivo.
Não havia mais quem dividisse a mesma colher com ele, quem roubasse um pedaço do seu sorvete sem pedir ou mordesse seu sanduíche de frango como um sem vergonha.
Não havia mais quem o puxasse para fazer algo idiota, para rir sem motivo, para discutir por coisas bobas e depois se reconciliar como se nada tivesse acontecido.
Não havia mais Kim Dokja para tocar uma campainha aleatória e sair correndo, rindo como uma criança.
Não havia mais Kim Dokja para pular o muro da escola para matar aula ao seu lado, para alimentar a gata sarnenta perto da esquina, para arrastá-lo até a loja de conveniência só para comprar doces baratos.
Não havia mais estrelas refletidas nos olhos cinzentos e bonitos de Dokja.
Não havia mais Dokja.
Nunca mais haveria.
Nunca mais o ouviria chamá-lo pelo nome.
Nunca mais sentiria o calor de sua presença ao lado.
Nunca mais escutaria sua voz.
Suas risadas.
Suas reclamações.
Suas piadas idiotas e sem graça que Yoo Joonghyuk nunca entendia.
Nunca conseguiriam cumprir a promessa de irem juntos a ilha de Jeju nas férias de verão.
Nunca mais teria fones de ouvido compartilhados, promessas infantis de mindinho, nunca mais teria xingamentos engraçados ou abraços preguiçosos, apelidos bobos ou tapas de brincadeira.
Nunca mais.
Joonghyuk, trancado em seu quarto, deitado em sua cama agora tão vazia, pegou o telefone com dedos trêmulos. A tela iluminou seu rosto pálido, destacando as olheiras escuras sob seus olhos inchados.
O aplicativo de mensagens se abriu.
Três números fixados.
Em terceiro, o número de seu pai. Em segundo, o de sua mãe. E, no topo, um contato salvo como "lula 🦑🍅".
Ele encarou o contato por longos segundos.
Seu peito doía.
O contato não tinha foto de perfil.
Mas ele sabia exatamente quem era.
Porque ele ainda mandava mensagens para aquele mesmo número todo santo dia, na esperança de que recebesse uma resposta.
Mas as mensagens nunca foram sequer entregues.
Era um fim de semana qualquer, mas para Yoo Joonghyuk, era especial. Era a primeira vez de Kim Dokja em um aquário e ele queria aproveitar ao máximo.
E, como sempre, os dois estavam de mãos dadas, grudados até o quadril.
"Olha!" Kim Dokja exclamou de repente, puxando Yoo Joonghyuk pelo braço com empolgação. Ele apontou para um tanque enorme, os olhos brilhando com uma diversão travessa.
Yoo Joonghyuk seguiu o dedo dele.
Um peixe particularmente estranho nadava preguiçosamente.
Ele piscou.
"Ele parece com você!" Kim Dokja exclamou, com um sorriso radiante. "Só faltaram as sobrancelhas de tarântula!" O idiota riu, muito orgulhoso de sua comparação.
Yoo Joonghyuk franziu o cenho, olhando novamente para o peixe.
Era um peixe-lua.
Silencioso, ele desviou o olhar, varrendo o aquário com os olhos. Até que algo chamou sua atenção.
Uma lula.
Ele apontou para ela.
"Então você se parece com isso."
Kim Dokja virou o rosto, analisando o animal. Seu nariz torceu imediatamente, fazendo uma careta de desgosto.
"Por que diabos eu tenho que ser essa lula feia?!" Ele protestou, indignado.
Yoo Joonghyuk apenas deu de ombros, mal escondendo os cantos de seus lábios se curvando para cima em um sorriso.
E a partir daquele dia, Kim Dokja era a lula, enquanto Yoo Joonghyuk era o peixe-lua. Era assim que eles se chamavam, uma piadinha interna apenas deles.
E somente deles.
Yoo Joonghyuk piscou, voltando ao presente.
Doía. Doía tanto.
Ele soltou um riso baixo e rouco, cheio de dor, apertando o telefone com força, como se isso pudesse impedir a dor de sufocá-lo.
Que piada cruel.
E agora, não importava quantas vezes ele olhasse para aquele contato, não importava quantas mensagens ele digitasse, e enviasse, apagasse—
Dokja nunca mais responderia.
Ele deixou o celular cair da mão, um soluço rasgando sua garganta quando mais lágrimas começaram a escorrer, arrastando-se por seu rosto quente e encharcado. Seu sorriso irônico se torcendo em um semblante de dor.
Ele só queria tê-lo de volta. Só queria que aquela risada fosse real novamente. Só queria poder segurar sua mão, mesmo que fosse uma última vez.
Mas agora tudo o que restava era a certeza de que isso nunca mais aconteceria.
O sol começava a se pôr, iluminando suavemente o terraço enquanto Yoo Joonghyuk e Kim Dokja estavam lá, compartilhando dumplings e distraídos, como sempre.
O silêncio entre eles foi quebrado por uma pergunta inesperada de Yoo Joonghyuk.
"O que você gostaria de fazer quando for adulto?" Ele perguntou, olhando para o horizonte, distraído com os próprios pensamentos.
Kim Dokja, com a boca cheia de dumpling, olhou para ele, confuso, e mastigou devagar antes de responder, como se estivesse ponderando a questão.
"Mm... não sei." Ele disse finalmente, com a boca cheia, a voz ainda um pouco abafada pela comida.
Yoo Joonghyuk, por sua vez, parecia relaxado, mas tinha algo em sua postura que indicava uma inquietação que ele tentava esconder.
"Meu pai quer que eu seja médico. Isso é o que provavelmente serei futuramente." Ele comentou casualmente. "Mas eu queria ser streamer."
Kim Dokja sorriu suavemente, um sorriso doce, mas cheio de algo que Yoo Joonghyuk não conseguia identificar.
"É. Bem a sua cara." Ele zombou com um sorriso brincalhão, seu olhar carinhoso ainda preso no amigo.
Joonghyuk não respondeu imediatamente, apenas se virou para olhar Dokja com um sorriso meio forçado. O que mais ele podia dizer? Eles nunca conversavam sobre o futuro assim. Não de forma séria.
"Eu serei um grande advogado ou um médico como os meus pais e vou nos sustentar." Yoo Joonghyuk afirmou, suas palavras carregadas com uma confiança quase boba. "Você nunca vai precisar trabalhar."
"O que é isso?" Kim Dokja perguntou, arqueando uma sobrancelha. "E eu vou ser a dona de casa?" Ele brincou.
"Sim." Yoo Joonghyuk disse, o sorriso bobo surgindo em seu rosto. "Você será o esposo que cuidará das crianças."
"Que diabos?" Kim Dokja riu, pasmo. "Que crianças? Nem pensar, seu esquisitão!"
Joonghyuk bufou, mas algo no fundo de seu olhar parecia mais pensativo do que ele queria deixar transparecer.
Ele gostava desse arranjo.
"Se você quer casar e ter filhos, não deveria começar a procurar uma garota? Qual é o seu problema?" Kim Dokja perguntou, balançando a cabeça, incrédulo. "Se você ficar agarrado em mim desse jeito, nenhuma garota vai querer chegar perto de você, seu idiota!"
"Eu prefiro assim." Yoo Joonghyuk respondeu sem pensar.
Sim, ele odiava aquelas garotas o perseguindo como loucas só por ele ser bonito.
"Mas eu nunca vou conseguir uma namorada desse jeito, seu bastardo! Vão achar que eu sou gay!" Dokja retrucou, exasperado.
Yoo Joonghyuk bufou novamente, seu olhar caindo para o chão. Que bom. Ele não queria que Dokja arranjasse uma namorada.
Por um momento, o silêncio tomou conta de ambos, os dois presos em seus próprios pensamentos. Isso até Dokja abrir a boca novamente.
"Bem... mas tem aquele ditado, né? Se você chega aos trinta solteiro, já era, você nunca vai casar." Kim Dokja falou distraidamente, brincando com os próprios dedos.
"Então, se chegarmos aos trinta, solteiros..." Kim Dokja comentou em tom de conversa.
"Vinte." Yoo Joonghyuk negociou.
"Qual é o seu problema?" Kim Dokja retrucou, mas, como sempre, o tom estava cheio de carinho disfarçado de irritação.
E os dois começaram a discutir de novo, como se fosse algo importante, mas ao mesmo tempo apenas uma bobeira. Só mais uma das tantas conversas bobas que tinham.
Porque, naquele instante, ele não sabia... ele não sabia que isso era tudo o que ele teria.
Ele não sabia que Kim Dokja nunca chegaria aos trinta. Que não teria casamento, que não teria mais conversas bobas sobre o futuro.
Ele não sabia que, algum dia, Kim Dokja não estaria mais ali para rir, para discutir, para brigar.
Os dois tinham acabado de sair da escola e estavam na loja de conveniência, comprando ração para a gatinha de rua que Kim Dokja gostava de cuidar. Ela ficava perto da rua do colégio, sempre esperando com aquele olhar carinhoso, como se soubesse que um de seus humanos favoritos iria aparecer.
Enquanto passavam pelo corredor de produtos para animais de estimação, os olhos de Yoo Joonghyuk se fixaram automaticamente na seção de sachês de cachorro. Ele fez uma careta, lembrando-se do um dia em que Song Minwoo estava fazendo bullying com Kim Dokja usando aquele mesmo sachê. Instintivamente, ele puxou Dokja para longe da prateleira.
Kim Dokja não percebeu a reação dele e, com um sorriso travesso, colocou dois petiscos na frente do rosto de Yoo Joonghyuk, fazendo-o recuar um pouco.
"Qual deles eu deveria levar?" Dokja perguntou.
Yoo Joonghyuk olhou para os dois pacotes e, sem pensar muito, escolheu o de peixe.
"Ótimo." Kim Dokja murmurou, satisfeito, e colocou o outro de volta na prateleira, antes de seguir em direção ao caixa.
Depois de pagar, os dois saíram da loja, rindo das pequenas bobagens que sempre conversavam. Quando chegaram perto da gatinha, ela estava ali, encostada em uma parede, com sua enorme barriguinha redonda e cheia de filhotes.
"Olha só, você está ficando enorme, não é, Yookim-ah?" Kim Dokja conversou com a gata, se agachando para acariciar ela, que ronronou baixinho e esfregou sua cabeça na mão dele.
Yoo Joonghyuk observou em silêncio, um sorriso nostálgico tocando seus lábios. Kim Dokja sempre soube como fazer a gata se sentir especial, como se a pequena fosse parte da família deles.
Ele seria um ótimo dono para a gatinha. Mas, teimoso como era, insistia que seria péssimo nisso.
"Eu trouxe comida para você." Kim Dokja falou carinhosamente, enchendo o potinho de sachê e colocando no chão.
E a gata se aproximou rapidamente, cheirando o alimento antes de começar a devorá-lo com entusiasmo.
Kim Dokja se levantou, estufando o peito como se tivesse acabado de realizar um grande feito. Ele se virou para Yoo Joonghyuk com um olhar triunfante, cheio de orgulho.
"Veja! Nossa menina já é uma mulher!" Ele declarou, como um pai orgulhoso no casamento da filha.
Yoo Joonghyuk deixou escapar uma risada nasal e cruzou os braços.
"Sim. Nossa filha cresceu. Logo seremos avôs." Ele concordou, os lábios puxando um leve sorriso.
Kim Dokja arfou dramaticamente, colocando a mão no peito como se fosse desmaiar.
"Waah! É mesmo! Nem acredito! Seremos vovôs!" Ele exclamou, emocionado demais para o gosto de Yoo Joonghyuk.
Yoo Joonghyuk revirou os olhos e bateu levemente na cabeça de Dokja.
"Ei!" Dokja fez beicinho.
"Pare de ser dramático."
"Você não entende, Hyuk-ah! Eu vi essa menina crescer! Desde que era só uma pequena bola de pelos! E agora ela vai ter bebês!" Kim Dokja fungou, limpando uma lágrima inexistente.
"Você a encontrou há cinco meses." Yoo Joonghyuk o lembrou, impassível.
"E foi tempo suficiente para criar laços inquebráveis!" Kim Dokja retrucou, com um beicinho.
Yoo Joonghyuk bufou, mas não disse mais nada.
Ele também só conhecia Dokja há apenas um ano e alguns meses e eram inseparáveis. Talvez fosse verdade. Ou talvez Dokja só estivesse tirando sarro com a cara dele, como sempre.
Os dois ficaram ali, lado a lado, observando a gata comer. Era uma cena silenciosa, simples, mas que trazia um conforto inexplicável. Momentos como aquele — conversas bobas e risadas despreocupadas — eram o tipo de coisa que fazia tudo valer a pena.
Eles eram adolescentes. Dois adolescentes criando lembranças, simples, mas aconchegantes, que agora, aos olhos de Yoo Joonghyuk, era tudo o que restava de Kim Dokja.
Lembranças.
Enquanto as memórias doces ao lado de Kim Dokja passavam por sua mente como um filme embaçado, Yoo Joonghyuk estava deitado em sua cama, o braço jogado sobre o rosto, o peito subindo e descendo de maneira irregular enquanto soluços violentos escapavam de sua garganta.
"Dokja-ya..." Ele sussurrou, a voz quebrada, a mandíbula cerrada na tentativa inútil de conter o choro.
Mas não tinha mais ninguém ali para responder.
"Dokja—! Droga! Me escuta, pelo menos uma vez!" Yoo Joonghyuk praticamente gritou, a voz embargada de desespero. "Eu sei! Eu falei merda, porra! Eu falei e fiz merda pra caralho! Eu nunca... eu nunca deveria ter sequer encostado em você! Mas— mas nós não podemos conversar? Nós precisamos...!"
Suas mãos agarravam o pulso de Kim Dokja com força, como se segurá-lo ali fosse o suficiente para impedir que tudo desmoronasse. Ele sabia o que tinha feito de errado, mas não sabia como consertar — só sabia que não podia perdê-lo.
"Dokja-ya, por favor!" Sua voz falhou, os olhos marejados refletindo puro pânico. "Eu estou implorando! Por favor! Nós podemos tentar— podemos dar um jeito nisso, por favor!"
Mas Dokja nem sequer o olhou, seu rosto estava completamente fechado, frio.
"Yoo Joonghyuk." O tom dele era de advertência.
Yoo Joonghyuk sentiu algo se quebrar dentro dele. Suas pernas fraquejaram, e, antes que percebesse, ele estava de joelhos na frente de Kim Dokja, agarrando as mãos dele desesperadamente.
"Eu estou implorando! Por favor!" Sua voz soava patética, trêmula. "Eu juro que vou melhorar! Eu juro! Eu— por favor, só preciso de uma chance!"
Por favor, não vá.
Kim Dokja não reagiu. Ele sequer lançou um olhar para Yoo Joonghyuk.
"Eu acho que é melhor nos afastarmos, Yoo Joonghyuk." Suas palavras eram calmas, frias. Indiferentes. "Pelo seu próprio bem. Não pelo meu."
O mundo de Joonghyuk estremeceu.
"...O quê...?" Ele mal conseguia respirar, os olhos arregalados, o coração batendo tão forte que doía.
Kim Dokja afastou suas mãos, seus dedos escapando facilmente do aperto trêmulo de Yoo Joonghyuk.
"Siga em frente, Yoo Joonghyuk."
E então, ele virou as costas.
Sem hesitar.
Sem olhar para trás.
Sem saber que aquelas palavras ficariam gravadas para sempre em Yoo Joonghyuk, assombrando-o por onde quer que fosse.
Por quê?
Por que parecia que aquilo era uma despedida?
O choro de Yoo Joonghyuk era um misto de agonia e de um desespero sufocante. Sua respiração vinha em soluços irregulares, entrecortados por risadas secas e sem humor, mais próximas de um surto do que de qualquer coisa que pudesse ser chamada de alívio.
Sim. Ele finalmente entendeu.
Kim Dokja já tinha tomado essa decisão há muito tempo. E Yoo Joonghyuk só percebeu tarde demais.
Dokja nunca planejou ficar.
Nunca.
Dokja sempre carregou esse peso sozinho, sempre escondeu seus pensamentos mais sombrios atrás de sorrisos irônicos e piadas sarcásticas. E Yoo Joonghyuk? Ele não viu. Nunca percebeu.
Mas desde o começo, Dokja já estava pensando em desistir.
E Yoo Joonghyuk... provavelmente só piorou tudo.
Se ele não tivesse citado aquele maldito livro... se não tivesse brigado com Dokja... se tivesse percebido antes, se tivesse feito algo diferente, ele ainda estaria aqui?
Se ele tivesse enfrentado Song Minwoo e os outros valentões desde o primeiro dia em que se conheceram ao invés de ignorar tudo, Dokja teria acreditado que alguém realmente se importava com ele?
Será que Kim Dokja percebeu o quanto era amado?
Ou morreu acreditando que ninguém se importaria?
O pensamento fez Yoo Joonghyuk sentir vontade de vomitar.
Ele pensou em mim quando pulou?
Ele hesitou?
Ele se arrependeu?
Essas perguntas martelavam a mente de Joonghyuk, um turbilhão de pensamentos desesperados, incontroláveis.
Ele sentiu como se sua cabeça fosse explodir ou como se estivesse prestes a perder completamente a sanidade.
Dokja.
Você se arrependeu?
Você pensou em mim em seus últimos suspiros?
Você lembrou dos nossos momentos juntos, dos planos idiotas para o futuro, das promessas de dedinho que nunca cumpriremos, exatamente como estou me lembrando agora?
Yoo Joonghyuk apertou os olhos com força, como se isso pudesse afastar as lágrimas, como se isso pudesse trazer alguma resposta.
Você se arrependeu, nem que fosse por um segundo, de ter pulado?
Ou foi fácil demais para você simplesmente me deixar para trás?
Se eu tivesse implorado mais, segurado você mais forte... teria sido suficiente?
Será que teria feito alguma diferença?
É egoísmo desejar que você tivesse ficado, mesmo que infeliz?
É egoísmo querer que você tivesse escolhido viver, por mim?
Talvez.
Talvez fosse.
Mas Yoo Joonghyuk nunca se importou em ser egoísta.
Não quando se tratava de Kim Dokja.
「• • •」
Mesmo totalmente destruído, Yoo Joonghyuk foi forçado a voltar à escola, depois de muita insistência de sua mãe. Seu pai, quase com a mesma determinação, o forçou a frequentar as sessões de terapia, como se fosse a única solução para ele começar a "melhorar". Mas Joonghyuk odiava tudo aquilo — odiava cada sessão, cada pergunta sem sentido que ele era obrigado responder, odiava a presença daqueles estranhos tentando "ajudá-lo", como se houvesse algo a ser consertado.
Foi assim como Dokja se sentiu quando ele insistiu que poderia ajudá-lo?
Era sufocante.
No fim, ele acabou indo só para fazer os pais pararem de se preocupar como loucos.
Eles tentaram entrar em contato com a escola, buscando qualquer informação que tivesse de Dokja, mas a instituição se recusou a fornecer qualquer informação.
Foi o próprio Yoo Joonghyuk quem teve que procurar a casa dos tios de Dokja. Quando achou, dirigiu-se imediatamente ao local e tocou a campainha, na esperança de ao menos saber onde ele estava, se realmente estava morto, e se sim, onde poderia ter sido enterrado, para Joonghyuk ao menos se despedir uma última vez.
Mas, ao invés de ser recebido por parentes de luto, um homem velho e agressivo apareceu na porta, gritando e ameaçando chamar a polícia, acusando-o de perseguição e insultando o nome do próprio sobrinho, chamando-o de desgraça e de ingrato.
Joonghyuk, exausto e sem forças para mais nada, apenas saiu, sem dizer uma palavra, para evitar fazer algo que se arrependeria. O tio de Dokja não parecia se importar com nada. Nem com a morte do próprio sobrinho.
E não era Joonghyuk que ficaria escutando aquela merda toda que aquele desgraçado estava falando.
Ele sabia que ninguém se importava de verdade. Sabia que Dokja provavelmente foi enterrado em algum lugar qualquer, barato, descartado como se sua vida não tivesse valor algum, como apenas mais um número entre muitos na estatística. E isso o consumia por dentro.
Ele queria transferir o corpo para algum lugar melhor, dar a Dokja um descanso digno, ao menos uma última homenagem.
Mas nem isso ele conseguiu fazer.
Ele se sentia um lixo. Por tudo. Qualquer tentativa de seguir em frente parecia injusta. Ele realmente poderia seguir em frente, enquanto o corpo de Dokja estava enterrado em algum lugar, gélido e sem vida, apodrecendo?
Mas o peso da obrigação o empurrava para frente, dia após dia, em uma existência sem sentido e sem significado.
No colégio, Yoo Joonghyuk não poderia dizer que estava indo bem.
Ele brigava. Todo santo dia. Ser chamado à diretoria se tornou rotina. No começo, seus pais tentaram repreendê-lo, mas, com o tempo, as broncas viraram suspiros cansados. Seus pais tentavam lidar com isso, mas era evidente — especialmente em sua mãe — o quanto estavam decepcionados. E mais do que isso, cansados. Cansados do filho problemático que ele havia se tornado.
Mas nada disso o fez parar.
Ele descontava sua raiva nos antigos valentões de Kim Dokja. Gostava especialmente de fazer deles seus sacos de pancada. Ele sentia um prazer inexplicável em vê-los sofrendo.
Ele não achava que era um daqueles valentões sádicos. Mas aqui estava.
Dois deles pediram transferência depois de Yoo Joonghyuk transformar suas vidas em um inferno. Jogava suas mochilas pela janela, rasgava seus cadernos, despejava lixo dentro de suas bolsas, forçava-os a comer comida de cachorro no intervalo. E algumas vezes, ele os arrastava até o banheiro e afundava suas cabeças no vaso sanitário, observando-os com um olhar frio e penetrante enquanto eles se afogavam.
Era irônico. Bastou ele fazer com eles o que fizeram com Dokja para que desistissem. Para que fugissem.
Mas nada disso parecia suficiente. Nada chegaria perto do que fizeram com Dokja.
Yoo Joonghyuk se perguntava, às vezes, o que Dokja pensaria dele agora. Principalmente agora que ele era exatamente como eles.
Mas, sinceramente? Ele já não se importava mais.
Eles tinham que pagar. Cada um deles. Pagar pelo que fizeram, pelo que disseram, pelo que riram. Pagar por terem empurrado Dokja ao limite.
Pagar por terem tirado dele a única pessoa que realmente importava.
E Joonghyuk faria questão de garantir que pagassem.
「• • •」
Yoo Joonghyuk olhava pela janela, os braços cruzados, o olhar distante. Para qualquer um que o visse, ele parecia apenas distraído, alheio ao que acontecia ao seu redor. Mas a verdade era que ele estava muito mais atento do que deixava aparecer.
"Que porra?!" Uma voz abafada veio da sua direita, parecendo exasperado. "Você vai mesmo fazer isso?!"
"Você é um filho da puta, cara!" Outro respondeu, rindo. "Isso é diabólico!"
Yoo Joonghyuk não estava curioso. Não realmente. Mas ele conhecia aquelas vozes.
Seus olhos se estreitaram ao virar o rosto e encarar o grupo de valentões.
"Ei, alguém tem que dar uma lição naquele mimado de merda!" Song Minwoo praticamente rosnou. "Sério, estou surtando por causa dele!"
Nas mãos dele, estava um martelo, meio escondido dentro da mochila.
Mas ele conseguia ver. Era claramente um martelo.
Joonghyuk ficou em silêncio, os olhos fixos na ferramenta. O que diabos ele estava planejando?
Minwoo percebeu o olhar gélido de Yoo Joonghyuk e congelou por um instante. Engoliu em seco, escondendo o martelo antes de virar o rosto, como se fingir que não o tivesse visto fosse resolver alguma coisa.
Yoo Joonghyuk estalou a língua internamente ao notar o leve tremor nos ombros do bastardo.
'Fracote.', ele pensou.
Na hora da saída, ele esperou no portão, caso Minwoo tivesse coragem o suficiente para encará-lo de frente. Mas, como esperado, o covarde não apareceu.
Sua bunda estaria salva hoje, Minwoo.
Sem mais nada para fazer, Yoo Joonghyuk seguiu seu caminho habitual até a loja de conveniência. Entrou e, por instinto, foi direto para a prateleira de ração. Seus olhos pairaram sobre os sachês, contemplando suas opções.
Ultimamente, ele comprava muitos deles.
Os de cachorro eram para enfiar goela abaixo de Song Minwoo e seu grupo de patetas.
Os de gato, para a gatinha do beco que, agora sem Dokja, só tinha Joonghyuk para cuidar dela.
E, sinceramente… ele gostava da gata.
Ele estava até considerando pedir para adotá-la. Ser um bom filho pela primeira vez em meses para que os pais dele o deixasse adotar um bichinho de estimação e levar a gata para casa junto com os filhotes.
Kim Dokja nunca chegou a ver os filhotes.
Yoo Joonghyuk pegou um sachê de salmão, encarando-o por um instante.
Dokja provavelmente choraria de emoção ao saber que eles tinham se tornado "avôs".
Com o maxilar cerrado, ele levou o sachê até o caixa, pagou e saiu da loja, andando em direção ao beco de sempre. Seus passos eram lentos, pesados, distraídos, a mente vagando para lugares que ele não queria visitar.
Mas então, ao virar a esquina, ele parou abruptamente.
Seu corpo ficou rígido.
Os olhos se arregalaram.
A respiração prendeu na garganta.
A sacola caiu de sua mão sem que ele percebesse.
"Ela é nossa agora, certo?" Kim Dokja perguntou, sua voz suave e carregada de afeto, enquanto acariciava atrás da orelha da gatinha prenha.
Seus dedos finos deslizavam suavemente pelos pelos macios, e ele sorria, um daqueles sorrisos raros que faziam Yoo Joonghyuk sentir que o mundo tinha parado por um instante.
"Claro que é." Yoo Joonghyuk bufou, divertindo-se com o jeito dele.
"E que nome devemos dar a ela?" Dokja perguntou, levantando o rosto para encará-lo com curiosidade.
Yoo Joonghyuk ficou em silêncio por um momento, fingindo ponderar, mas sua mente estava vazia.
"Ah! Eu já sei!" Dokja exclamou de repente, seu sorriso se alargando. "Yookim!"
"Yookim?" Yoo Joonghyuk franziu o cenho, confuso. "O que diabos isso deveria significar?"
"Yoo de Yoo Joonghyuk e Kim de Kim Dokja, idiota." Dokja bufou, revirando os olhos, mas o sorriso ainda estampado no rosto. "Não é óbvio?"
Yoo Joonghyuk ficou em silêncio por um momento, olhando para a gatinha, depois para Dokja, e então de volta para a gatinha.
Yookim.
Yoo de Yoo Joonghyuk.
Kim de Kim Dokja.
Ele gostou. Gostou muito.
Yookim... nossa filha...
Yookim, a gatinha de rua dócil e carente que vivia ronronando ou se esfregando em suas pernas, a doce filhotinha deles.
E agora, tudo que restava de Yookim era uma poça de carne irreconhecível.
A gata preta e branca, peluda e adoravelmente gorda, estava estirada no chão, o crânio completamente esmagado.
Seu corpo estava imóvel. O crânio foi martelado com tanta força que estourou, deixando uma mistura grotesca de carne, osso, pelo e cérebro espalhada pelo chão. O sangue escuro e coagulado formava uma poça ao redor do corpo, e o cheiro de ferro enchia o ar, pesado e sufocante.
Não restava nada de seu rosto felino. Nada.
Os olhos, que antes piscavam sonolentos para ele, foram reduzidos a uma massa irreconhecível de carne e ossos estilhaçados.
Seu pequeno corpo ainda estava ali, mas a cabeça... a cabeça...
Martelaram até estourar.
Até que os ossos se quebrassem.
Até que o cérebro se espalhasse pelo chão.
Não só ela.
Ao lado dela, os três filhotinhos que ela tinha dado à luz também estavam mortos, suas cabeças deformadas pelo mesmo destino desumano.
Yoo Joonghyuk ficou paralisado.
O ar sumiu de seus pulmões, deixando para trás apenas um silêncio esmagador.
Um som estranho escapou de sua garganta.
Ele engoliu seco. Seu estômago se revirou violentamente.
Ele cambaleou para trás, apoiando-se na parede, sentindo a bile subir.
Ele queria vomitar.
Ele realmente ia vomitar.
Filha...
Nossa filha...
Nossa Yookim...
Sua gatinha, sua filha com Dokja, estava morta.
Os pensamentos vinham em espirais caóticas, girando rápido demais, repetindo-se como um disco riscado.
Os olhos dele estavam fixos no sangue escuro que se espalhava pelo chão sujo do beco.
Sangue que já deveria estar seco.
Mas não estava.
Mortos recentemente.
Eles foram mortos recentemente.
Ele piscou.
Martelaram a cabeça deles.
Martelo.
Martelo.
Martelo.
Martelo.
Martelo.
Um tremor percorreu seu corpo.
O martelo que Song Minwoo segurava mais cedo.
O sorriso de escárnio.
O olhar nervoso ao encontrá-lo.
O tremor nos ombros.
Song Minwoo.
Song Minwoo.
Song Minwoo.
SONG MINWOO.
Os músculos de Joonghyuk ficaram tensos. Seus dentes rangeram. Suas mãos cerraram com tanta força que as unhas quase perfuraram a pele.
O peito subia e descia descompassado, os olhos arregalados, selvagens.
"Filho da puta..." ele rosnou entre dentes, a voz trêmula de raiva e desespero. "Filho da puta...!"
A raiva não era quente.
Não.
Era fria.
Gelada.
Cortante.
Ela subia pela espinha como lâminas afiadas, perfurando-o de dentro para fora.
Era quase como se pudesse ouvir algo dentro de si trincando.
Se partindo.
Se despedaçando.
Ele não sentia mais seu próprio corpo.
A única coisa que restava era uma certeza.
Song Minwoo ia morrer.
「• • •」
Na manhã seguinte, Yoo Joonghyuk entrou na sala sem dizer nada.
Seus olhos estavam vazios. Sua expressão, inexpressiva. Seu corpo, rígido.
Mas ele sabia que não havia um único músculo em seu corpo que não estivesse preparado para atacar.
Song Minwoo já estava lá, cercado pelo mesmo grupinho de sempre, rindo alto como se fosse dono do lugar.
E então, como se sentisse sua presença, ele virou a cabeça.
O sorriso presunçoso que surgiu em seu rosto foi a gota d’água.
Arrogante.
Cheio de si.
Acreditando que tinha vencido.
Yoo Joonghyuk não pensou.
Ele apenas começou a andar, cada passo pesado, preciso, carregado de uma fúria mal contida.
Os sons ao seu redor se tornaram um ruído distante. Ele só conseguia ouvir seu próprio coração batendo.
Forte.
Rápido.
Pronto para matar.
"Eai, Yoo Joonghyuk-nim!" Song Minwoo abriu um sorriso torto, como se quisesse zombar dele. Como se quisesse esfregar na cara dele o que tinha feito.
"Você gostou da minha surpres—"
Ele nunca terminou a frase.
O soco que Yoo Joonghyuk deu foi tão forte que Minwoo voou para trás, sua cadeira tombando violentamente.
O impacto fez a cabeça dele bater no chão com um baque surdo.
O silêncio foi imediato.
Os cochichos, as conversas, as risadas, tudo morreu.
Somente um silêncio ensurdecedor prevaleceu.
Os amigos de Minwoo reagiram rápido, mas não rápido o suficiente.
Dois deles tentaram segurar Yoo Joonghyuk pelos braços.
Péssima ideia.
Ele pegou a primeira cadeira que encontrou e a usou como arma, girando-a com força e acertando um dos idiotas direto na têmpora.
O garoto caiu com um grito abafado.
O outro hesitou, mas Yoo Joonghyuk não deu tempo para ele reagir.
Ele girou o corpo, usando todo o peso para esmagar a cadeira contra ele também.
Esse também caiu pateticamente.
Yoo Joonghyuk não parou.
Seu sangue fervia. Seu corpo queimava.
Ele ergueu a cadeira de novo.
E bateu.
De novo.
E de novo.
E de novo.
Os gritos dos garotos eram abafados pelo barulho da madeira estalando contra ossos.
Um deles implorava.
O outro chorava.
Ele não escutava.
O ódio consumia tudo.
Ele teria matado os dois ali mesmo.
"VOCÊ FICOU LOUCO, PORRA?!" A voz de Song Minwoo perfurou o torpor que o envolvia.
Ele estava se arrastando para trás, longe dele, uma mão na bochecha inchada, o lábio inferior cortado, os olhos arregalados em puro terror.
Yoo Joonghyuk parou.
Os outros estavam no chão.
Mas Song Minwoo ainda estava consciente.
Yoo Joonghyuk jogou a cadeira para o lado com um estalo seco.
E então, devagar, caminhou até Song Minwoo.
Cada passo fazia o desgraçado se rastejar para trás, se escolhendo cada vez mais.
Cada movimento fazia o pânico nos olhos dele crescer.
Até que Minwoo ficou sem saída.
Suas costas bateram na parede.
E Yoo Joonghyuk encarou friamente.
Com um olhar vazio.
Ele estava fodido.
Essa era a última vez.
A última vez que Song Minwoo abriria essa boca nojenta.
A última vez que ele riria assim.
A última vez que ele teria esses dentes.
Ele ergueu o punho.
E desceu com tudo.
「• • •」
Quando o diretor abriu a boca e disse, em um tom sério e controlado, que ele estava expulso, Yoo Joonghyuk nem piscou.
Nenhuma surpresa.
Ele esperava por isso.
Na verdade, ele já sabia. O diretor tinha passado pano para ele várias vezes, por um valor, é claro. Mas, dessa vez ele realmente quase matou Song Minwoo. Na frente de todo mundo. Era impossível encobrir isso sem ter consequências.
E ainda assim, ele não queria sair dali.
Uma parte irracional dele ainda esperava ver Kim Dokja. Como se, se ele continuasse voltando para aquele lugar, Dokja também voltaria. Como se, um dia, ele entraria na sala e o encontraria lá, sentado, com o celular na mão, lendo alguma de suas webnovels.
Nunca foi sobre a escola. Nunca seria sobre a escola. Ele não realmente se importava onde estaria, portando que Dokja estivesse lá.
Mas Kim Dokja não estava ali.
E nunca mais estaria.
Ele apenas ficou sentado na cadeira da diretoria, os punhos ainda manchados de sangue seco, o rosto coberto de hematomas e cortes. O gosto metálico do sangue ainda estava em sua boca, misturado com a dor latejante em sua mandíbula.
Então, com a mandíbula travada e o maxilar doendo, ele ergueu o rosto e olhou para sua mãe, esperando — não, implorando silenciosamente — que ela fizesse algo. Tirasse um bolo de notas de wons da carteira e passasse silenciosamente para o diretor, pedindo-o para apagar todas as evidências e apenas dar uma suspensão leve para ele, como fez inúmeras vezes antes.
Mas tudo que encontrou foi um olhar frio e decepcionado.
Engraçado. Isso também não o surpreendeu.
Ele sabia que ela estava cansada dele.
Que ela queria seu filho perfeito de volta. O prodígio, o exemplo, o orgulho da família.
Mas ao invés disso, tinha um delinquente problemático, com os punhos ensanguentados e o rosto coberto de hematomas, que espancava colegas de classe até mandá-los para a emergência.
E os pais do bastardo, ao invés de assumirem que criaram um lixo, estavam processando os pais de Joonghyuk, exigindo uma indenização absurda.
Engraçado. Depois o mimado era ele.
O desgraçado estava se fazendo de vítima agora. Como se ele não tivesse sido a desgraça que colocou Dokja no limite. Como se ele não tivesse matado friamente uma gatinha e os filhotes dela com um martelo. Como se não merecesse cada soco que recebeu, senão mais.
Irônico, não era?
O valentão que fazia bullying com metade da escola agora estava chorando para os pais porque finalmente levou uma surra de verdade.
E mesmo assim, Yoo Joonghyuk era o problema aqui na visão de todos.
Ninguém estava do lado dele.
Pela primeira vez na vida, Yoo Joonghyuk estava completamente sozinho.
Ninguém falou nada no caminho de volta para casa. O silêncio no carro era pesado, sufocante.
Ele pensou que talvez fosse melhor assim. Ele não queria falar nada.
Mas quando chegaram em casa, seu pai já estava esperando. Furioso. Ele tinha sido forçado a largar o trabalho mais cedo hoje por causa da irresponsabilidade do filho.
Ele nem esperou Yoo Joonghyuk dizer qualquer coisa antes de lhe dar um tapa forte no rosto.
Forte o suficiente para fazer sua cabeça virar. Para deixar um gosto metálico na boca.
Ele não reagiu.
Só ficou ali, ouvindo.
Os gritos. As acusações. As ordens para que ele "se recompusesse". Para que "parasse com essa palhaçada".
Ouvindo as reclamações, os gritos, os sermões sobre como ele estava jogando sua vida fora, sobre como deveria ser grato, sobre como eles entendiam sua dor, mas isso não justificava seu comportamento.
E foi nesse momento que algo nele simplesmente… quebrou.
Seu pai continuou falando.
Falou que entendia sua dor.
Que entendia sua raiva.
Que entendia como era difícil perder alguém.
E, por algum motivo, aquilo em particular o irritou.
Eles entendiam?
Eles entendiam?
Que engraçado.
Se entendessem, teriam apoiado ele.
Se entendessem, estariam tão revoltados quanto ele.
Se entendessem, estariam do lado dele.
Não tentando consertá-lo.
Não tentando enfiá-lo em terapia.
Não tentando puni-lo por fazer o que tinha que ser feito.
Eles não entendiam.
Ninguém entendia.
E talvez…
Talvez fosse assim que Kim Dokja se sentiu quando Yoo Joonghyuk disse aquelas mesmas palavras para ele.
"Eu entendo você."
Talvez Kim Dokja tenha sentido essa mesma vontade sufocante de rir.
Que engraçado.
Ele estava começando a entender Kim Dokja agora.
Só agora que ele tinha ido embora.
「• • •」
Yoo Joonghyuk não se surpreendeu quando teve que mudar de escola, quando se tornou popular rapidamente, ou quando garotas se jogavam em sua direção e garotos tentavam ser seus amigos.
Mas isso o irritava profundamente.
Era engraçado, na verdade, porque isso costumava ser o normal para ele. Mas, de repente, ele preferia as pessoas mantendo distância. Gostava dos olhares de desprezo, das fofocas, dos sussurros sobre ele ser maluco, psicopata, ou "amigo do filho da assassina".
De repente, ele achava conforto na solidão e na repulsa que causava nos outros ao lado de Dokja.
Agora, no entanto, ele recebia cartinhas de amor de garotas e era chamado para jogar basquete o tempo todo. Mas ao invés de se sentir superior, popular ou importante como sentia antes, tudo isso só o deixava ainda mais vazio e distante.
E mesmo depois de quase dois anos naquele colégio, ele nunca conseguiu se acostumar.
Então, um dia, sua mãe anunciou que estava grávida. E Yoo Joonghyuk, sinceramente, não sabia como se sentir.
Ele se lembrava de quando, mais jovem, queria uma irmãzinha ou irmãozinho, mas agora pouco lhe importava.
Seus pais estavam nas nuvens. Era óbvio que estavam. Era a chance deles de refazerem o que deu errado com ele, o filho que se destruiu sozinho.
Quando Yoo Mia nasceu, uma garotinha doce, saudável e perfeitamente normal, ele não se surpreendeu ao ver a menina recebendo toda a atenção e o amor do mundo.
Yoo Joonghyuk até preferiu assim.
Ele foi praticamente esquecido. E, em algum lugar no fundo, ele sabia que nunca mais seria o foco de nada. Mas não havia ressentimento. Não por ela. Ele sabia que ela não tinha culpa. Ela não pediu para nascer. Ela não pediu para ser a "nova chance".
E ele... ele já estava cansado demais para se importar.
Em um ano, ele mal conseguia se lembrar do som da voz de seu melhor amigo.
Em dois, o rosto dele começou a se desfazer na memória de Yoo Joonghyuk, como um retrato borrado pela chuva.
Em três, ele não se lembrava mais de como Dokja costumava falar. As palavras, as piadas, as conversas que costumavam ser frequentes e confortáveis agora estavam distantes, como um sonho que desaparece ao acordar. Era doloroso, mas ele não conseguia mais chorar por isso. Ele estava muito cansado para derramar mais lágrimas.
Lentamente, ele estava começando a esquecer.
O jeito que ele sorria, o som de sua risada, sua personalidade... tudo parecia se desfazer na neblina de sua mente, como se o tempo estivesse apagando as últimas lembranças que ele tinha. E isso doía. Cada vez mais. Como se ele estivesse perdendo algo essencial, algo que nunca poderia ser recuperado.
Ele sentia como se estivesse perdendo uma parte essencial de si mesmo. Como se estivesse rachando.
E ninguém conseguia consertar isso.
Enquanto Yoo Joonghyuk se destruía, Yoo Mia crescia. Forte, saudável, cheia de amor e atenção. E ela era adorável, uma menina tão linda, tão boa, tão doce. Era impossível não amar Mia.
E Yoo Joonghyuk, embora completamente esgotado, não mentiria, ele se tornou superprotetor com ela. Não porque fosse um irmão exemplar, mas porque tinha medo. Medo de que o mundo pudesse tirar essa última coisa boa dele também. Porque, no fundo, ele sabia que o mundo era cruel. Ele viu o que aconteceu com Kim Dokja, com Yookim, com seus filhotes, e ele temia que o destino, cruel como era, tirasse Yoo Mia dele também.
Ele estava paranóico. Seus pais também notaram isso. Como Yoo Joonghyuk ficava nervoso quando Mia se engasgava, se machucava ou sumia de repente. Yoo Joonghyuk era o primeiro a entrar em desespero.
Ele estava em terapia, como um "último recurso", disseram seus pais. Forçado a ir, todas as semanas. Sentado em uma sala com um terapeuta que sorria e perguntava como ele estava se sentindo. Yoo Joonghyuk odiava aquilo. Odiava a frieza daquela sala, a maneira como todos os sentimentos eram transformados em palavras vazias e conselhos que ele não queria ouvir. Mas ele ia, porque se não fosse, seus pais o fariam ir de qualquer jeito. E ele... ele não queria mais brigar. Não queria mais enfrentar o mundo, porque não sabia como lutar contra isso.
Ele estava cansado. Muito cansado.
Era mais fácil se deixar levar.
Era mais fácil deixar o vazio tomar conta.
Ele estava lutando boxe. Era uma maneira de tentar canalizar toda a raiva e a dor que sentia, mas a verdade era que ele odiava cada minuto disso também. O som dos socos nas luvas, o cheiro da academia, o suor nas mãos, tudo o que ele queria era parar. Mas ele não podia. Boxe era a única coisa que fazia com que ele sentisse alguma coisa. Qualquer coisa. Mesmo que fosse raiva. Mesmo que fosse ódio.
Não era o suficiente.
Nada era suficiente.
Mas o pior de tudo era a sensação de que nada realmente importava mais. Não a terapia. Não o boxe. Não sua irmãzinha. Não sua família.
Ele estava se desfazendo, juntamente com algo muito importante que ele estava esquecendo.
O que era mesmo?
Ele não se lembrava mais.
「• • •」
Yoo Joonghyuk tinha dezessete anos quando as primeiras fendas começaram a surgir na Coreia do Sul. Rasgos que apareceram repentinamente no ar, distorcidos e brilhantes, com padrões e cores estranhas que pareciam desafiar a própria realidade.
Os cientistas as chamavam de fissuras, fendas dimensionais ou simplesmente portais.
Ninguém sabia o que eram, de onde vinham ou o que havia do outro lado. Por precaução, foram isoladas, e apenas equipes autorizadas tinham permissão para se aproximar.
Bizarro? Com certeza.
Parecia um cenário saído diretamente de uma daquelas novels apocalípticas das quais ele já ouviu falar. Onde mesmo? Isso é... ah… provavelmente de alguém que lia webnovels demais. Mas isso não importava.
A vida seguiu em frente.
Yoo Mia estava prestes a completar dois anos. Sua irmãzinha adorável estava crescendo. E, pela primeira vez em muito tempo, as coisas pareciam… normais. Seu mundo, antes desmoronando, finalmente parecia encontrar um equilíbrio.
Sua família estava bem. Sua irmãzinha trazia um toque de normalidade à casa. Seus pais estavam felizes. Ele estava prestes a terminar o colégio e, em breve, enfrentaria o serviço militar obrigatório. Depois disso, talvez a faculdade.
Parecia normal. Simples, mas perfeito.
Então, ele completou dezoito anos.
E o inferno começou.
As fendas, antes apenas fenômenos inofensivos, brilharam. Vermelho. Laranja. Amarelo. Azul. Como feridas abertas no tecido do mundo.
E então, algo saiu delas.
Criaturas que antes só existiam em pesadelos e ficções começaram a emergir daquela coisa. Das fendas vermelhas e laranjas vieram os mais fortes e violentos. O momento em que cruzaram a barreira entre mundos marcou o início do massacre.
Monstros. Monstros de verdade. Seres que, até então, pertenciam apenas às ficções e aos medos infantis. Enormes, violentos, movendo-se com uma fome insaciável.
E, no instante em que atravessaram o limiar da realidade, começaram a destruir tudo.
O caos foi imediato. Carros explodiram. Prédios ruíram. Ruas inteiras foram banhadas em sangue. Pessoas correram, gritaram, imploraram por socorro. Muitas morreram antes mesmo de entenderem o que estava acontecendo.
Os pais de Yoo Joonghyuk não foram exceção.
Ele viu.
Viu sua mãe ser arrancada do chão e dilacerada entre presas afiadas, seus gritos cortados no momento em que a mandíbula do monstro se fechou sobre ela.
Viu seu pai, que mal teve tempo de reagir antes de ser partido ao meio, como se não passasse de um pedaço de carne inútil.
E Yoo Joonghyuk correu.
Viu tudo isso enquanto corria, desesperado, segurando uma Mia bebê nos braços.
Ela chorava sem parar, assustada pelo estrondo das explosões, pelo calor sufocante do fogo que se alastrava pelas ruas, pelo cheiro de carne queimada e sangue no ar.
Ele correu. Correu sem pensar. Correu porque não tinha outra escolha.
Ele sobreviveu.
Mas a que custo?
Ele estava sozinho. De novo. Mas agora, não era apenas ele. Tinha uma bebê nos braços. Uma criança inocente, frágil, que precisava dele para viver.
Ele não sabia como sobreviveu. Apenas correu.
Correu até suas pernas não aguentarem mais. Até seus pulmões queimarem. Até a única coisa que restasse fosse o peso da irmã em seus braços e a certeza de que, se parasse, ambos morreriam.
Nos vinte dias que se seguiram, o mundo inteiro — não apenas a Coreia — tornou-se um inferno.
Ele se escondeu. Revirou lixo em busca de comida. Implorou, ameaçou, roubou para manter Mia viva e para sobreviver. Juntou-se a outros sobreviventes, mas nenhum grupo durava tempo suficiente. Todos estavam desesperados, com medo, prontos para trair uns aos outros a qualquer momento.
Ele passou fome.
Viu pessoas morrerem.
Segurou Mia contra o peito, sentindo seu corpinho frágil tremer de frio, de fome, de medo.
Vinte dias.
Vinte dias vivendo uma miséria que ele nunca imaginou ser possível.
Foi um inferno.
Um inferno pior do que qualquer coisa que já tinha vivido.
E então, no vigésimo dia, as mudanças começaram.
Pessoas normais começaram a despertar poderes sobrenaturais. Como se fossem personagens de uma história. Como se o mundo estivesse reescrevendo suas próprias regras diante de seus olhos.
De repente, pessoas comuns começaram a manifestar habilidades sobre-humanas. Força capaz de esmagar concreto com as mãos. Velocidade que desafiava os sentidos. Controle sobre os elementos — fogo, água, gelo, trovões, vento, natureza. Alguns curavam feridas com um simples toque. Outros viam o futuro em vislumbres fugazes ou manipulavam sombras como se fossem extensões de seus próprios corpos. Havia aqueles que podiam levitar, criar barreiras impenetráveis, controlar mentes ou até mesmo dobrar as leis da física.
E assim, os chamados Despertos começaram a surgir.
Mas Yoo Joonghyuk não foi um deles.
Ele não ganhou nada.
Nenhum poder. Nenhuma bênção. Nada que pudesse ajudá-lo.
Então ele continuou.
Sobrevivendo como podia.
Como um adolescente de dezoito anos normal.
Carregando Mia nos braços.
E rezando para que, desta vez, o mundo não a tirasse dele também.
Ele continuou.
Por ele.
Por Mia.
Porque não restava mais nada.
Foi assim que Yoo Joonghyuk encontrou sua primeira mestra, Namgung Minyoung. Uma mulher de quase três metros de altura, com uma superforça assustadora e habilidades com espada tão complexas e poderosas que eram praticamente impossíveis de copiar.
Ela era uma despertada, e, por piedade, salvou Yoo Joonghyuk e Mia, que estavam encurralados por monstros. Em vez de os abandonar à morte, ela decidiu levá-los consigo. Claro, tinha uma condição, Yoo Joonghyuk deveria se tornar seu discípulo.
Ele não hesitou. Aceitou a oferta sem pensar duas vezes.
Tudo o que ele queria era um teto sobre a cabeça e comida na mesa, tanto para ele quanto para Mia. E Namgung Minyoung poderia dar a ele isso.
「• • •」
Yoo Joonghyuk quase se arrependeu desse arranjo. Quase.
Namgung Minyoung cumpria sua parte do acordo, oferecendo tudo o que podia para ele e para Mia — comida, um lugar seguro, e um teto sobre suas cabeças. Eles não passavam mais fome e tinham onde dormir, o que era mais do que eles podiam pedir. Mas, pelo amor de Deus, Yoo Joonghyuk começou a questionar se não seria mais fácil pegar Mia e se jogar no Rio Han.
Afinal, o que diabos ele estava fazendo desmaiando todo santo dia depois de balançar por horas sem descanso uma espada de quase 4kg, com uma mochila cheia de pedras e pesos presos nos pulsos e nos tornozelos?
O treino era infernal. O único descanso que ele tinha era quando seu corpo simplesmente desmaiava de exaustão e não tinha como continuar.
Namgung Minyoung ensinava suas técnicas com uma paciência quase enlouquecedora, como se fosse um jogo para ela. Se ela acelerasse um pouco mais, ele simplesmente não ia acompanhar, e todo o esforço seria em vão — era isso o que ela dizia quando ele questionava.
Mas eles estavam nisso há um ano. Um ano inteiro. E Yoo Joonghyuk não tinha aprendido nada significativo. Tudo o que ele tinha conseguido foi se acostumar com os pesos que aumentavam a cada mês, até que ele mal conseguisse ficar de pé.
E, nos últimos tempos, a coisa toda tinha piorado. Ele não estava mais treinando "normalmente". Agora, ele era jogado diretamente no meio de uma horda de monstros. Namgung Minyoung simplesmente o largava lá no meio, enquanto ela se retirava para um local seguro e observava seu discípulo sendo devorado... metaforicamente, claro. A cada vez que ele se safava, ela parecia tão calma que mais parecia que estava assistindo a uma ópera, não uma luta de vida ou morte.
Luta? Ah, não. Ele não estava lutando. Ele estava correndo como um maluco, tentando não ser devorado. Não parecia um treinamento, parecia mais uma tentativa de assassinato disfarçada de exercício.
E era exatamente isso que ele estava fazendo agora. Correndo desesperadamente entre os destroços, com os pesos nos tornozelos e nos pulsos, uma espada cega na mão, e uma horda de monstros atrás de si, rosnando e salivando como se fosse hora do almoço.
Ele desviou instintivamente de um monstro, saltando para o lado, refletindo os ataques com a espada de uma forma que, normalmente, jamais conseguiria. O golpe do monstro veio rápido, mas Yoo Joonghyuk bloqueou com a lâmina, o impacto reverberando até seus ossos. A espada cega estava longe de ser perfeita, mas era o que ele tinha. E funcionava bem até o momento.
'Huh... estranho.' Ele pensou, enquanto corria. 'Isso está funcionando?'
Por um segundo, ele sentiu uma sensação de leveza. Mesmo com os malditos pesos, seu corpo parecia mais ágil, mais rápido, mais preciso. Ele definitivamente estava mais forte.
Mas logo, o nervosismo tomou conta quando ele viu o número de monstros à sua frente. Eles estavam se fechando em um círculo.
"Merda," murmurou para si mesmo, ofegante. Ele olhou para os lados, tentando achar uma saída, mas os monstros estavam por toda parte. A pressão estava crescendo a cada segundo.
De repente, um deles pulou em sua direção, as garras afiadas cortando o ar. Yoo Joonghyuk recuou, mas foi tarde demais. O impacto do golpe rasgou sua lateral, e uma dor cruciante fez sua visão turvar por um instante. Ele tentou se recompor, mas o grito abafado de dor saiu sem que pudesse impedir.
Sem tempo para hesitar, ele desviou novamente, saltando para a esquerda, golpeando com a espada, mas os monstros estavam muito próximos agora. O ar estava pesado, sufocante. Suas pernas começaram a ceder, os pesos nos pulsos e tornozelos drenando sua energia a cada movimento. Ele sentia o cansaço tomando conta, mas não podia parar. Se parasse aqui, morreria.
Então, ele foi encurralado. Não havia mais para onde correr.
Os monstros se aproximaram ainda mais, seus olhos brilhando com uma fome insaciável. Yoo Joonghyuk sentiu sua respiração acelerar, o pânico começando a tomar conta de seus músculos enfraquecidos. Ele sabia que não aguentaria muito mais tempo, mas não tinha escolha a não ser lutar. Era lutar ou morrer.
Com um grito primal, ele avançou, cortando com tudo o que tinha, sua espada atravessando um monstro, abrindo-o ao meio. Mas atacar um não era o suficiente quando havia inúmeros outros. O breve instante de distração foi fatal. Outro monstro o atacou com força, e ele foi lançado para trás. O impacto fez seu corpo colidir com uma parede de concreto, o impacto reverberando por seus ossos dolorosamente. Ele tentou se levantar, mas a dor era insuportável.
Sua visão ficou turva, suas forças se esvaindo. Ele olhou ao redor, os monstros estavam prestes a se lançar sobre ele, suas bocas abertas, preparadas para devorá-lo.
Era assim que morreria? Depois de todo o esforço, toda a luta, ele seria devorado sem sequer ter a chance de respirar? E cadê Namgung Minyoung? Ela não viria ajudá-lo? Ela estava vindo, não estava?
Ele não tinha mais forças. Mas sabia que, se caísse, seria o fim. Ele precisava levantar. Precisava continuar.
Yoo Joonghyuk forçou seu corpo a se levantar. Seus braços e pernas tremiam violentamente, seus pulmões ardiam a cada respiração ofegante. O gosto metálico de sangue enchia sua boca, e sua visão piscava com manchas escuras, a exaustão ameaçando puxá-lo para o chão. Mas ele não podia cair.
Com um grunhido rouco, ele fincou a espada cega no solo rachado, usando-a como apoio para se erguer. Seu corpo estava um desastre — cortes profundos, hematomas espalhados por toda parte, músculos rígidos de tanto esforço. Mas não importava. Ele precisava continuar.
Enquanto lutava para se levantar, uma tela azul translúcida surgiu repentinamente diante de seus olhos, brilhando com tanta intensidade que os fez arder.
Ele precisou piscar algumas vezes para se acostumar com o brilho ofuscante.
[O Despertar de um Herói!]
Parabéns!
Você se tornou um jogador!
Você é o primeiro jogador a forçar seu próprio despertar!
Rank: S
Habilidades adquiridas:
Pro Gamer S (Lvl. Max)
Avaliação A (Lvl. 1)
Detector de Mentiras B (Lvl. 1)
Chamas Negras SS (Lvl. 1)
Punhos Divinos A (Lvl. 4)
Velocidade Aprimorada S (Lvl. 10)
Superforça S (Lvl. 17)
Recuperação C (Lvl. 1)
Resistência ao Frio E (Lvl. 1)
Resistência ao Calor E (Lvl. 1)
Resistência...
Resistência...
...
...
...
Jogador...?
Yoo Joonghyuk arregalou os olhos para a janela azul e sua extensa lista de habilidades. Seu peito subia e descia de forma errática, os lábios secos e rachados se entreabrindo para uma respiração trêmula.
Um despertar.
E antes que pudesse sequer processar, uma explosão de energia percorreu seu corpo. Foi como se uma chama acendesse dentro dele, queimando cada gota de exaustão, substituindo a dor por um poder inebriante. Seu coração martelou mais forte. Seu sangue parecia eletrificado. Sua pele formigava. Seus sentidos se ampliaram de forma avassaladora.
O mundo ficou mais nítido.
Ele sentia tudo.
O som dos batimentos cardíacos dos monstros dentro de seus peitos. O deslocamento do ar enquanto eles se moviam. O cheiro metálico de sangue misturado ao odor pútrido dos monstros. Cada detalhe, cada vibração, cada mínimo movimento — tudo estava claro como nunca antes.
Os monstros rugiram, inquietos, sentindo a mudança na atmosfera. Suas bocarras cheias de presas afiadas gotejavam saliva viscosa, abertas impossivelmente em uma posição mais defensiva. Mas Yoo Joonghyuk já estava em movimento. E antes que pudesse sequer processar o que estava acontecendo, seu corpo reagiu por instinto, como se sempre soubesse como lutar.
Ele segurou a espada com firmeza e, no mesmo instante, algo dentro dele despertou.
A espada em sua mão tremeu, e ele sentiu algo fervilhar em suas veias, um poder incontrolável queimando de dentro para fora.
[Chamas Negras SS ativada.]
Sua espada cega, antes inútil, irrompeu em chamas negras e vorazes. O fogo crepitava violentamente, consumindo a lâmina com uma fome quase viva. O calor era intenso, distorcendo o ar ao seu redor, tornando as sombras das criaturas ainda mais ameaçadoras.
Os monstros rosnaram, recuando levemente, uma reação instintiva ao perigo iminente.
Mas Yoo Joonghyuk já estava avançando com tudo.
Seu corpo era um borrão. Ele se moveu mais rápido do que nunca, os pesos presos a seus tornozelos agora irrelevantes diante de sua nova velocidade. Com sua velocidade, amplificada além dos limites humanos, tornou-se impossível para os inimigos reagirem a tempo. Ele girou a espada em um arco devastador, e a lâmina incandescente atravessou o primeiro monstro, cortando-o da clavícula até o abdômen. As chamas negras se espalharam instantaneamente, devorando carne, ossos e tudo que encontravam pelo caminho. O monstro soltou um grito agonizante antes de ser reduzido a cinzas.
O segundo monstro tentou atacá-lo. Grande, com um corpo disforme coberto de espinhos, sua pele dura como pedra. Mas não importava. Yoo Joonghyuk girou a espada, e a lâmina flamejante atravessou a criatura como manteiga. Um uivo de agonia ecoou no ar quando as chamas negras devoraram sua carne podre, reduzindo-a a cinzas em segundos.
Outro monstro investiu contra ele — uma criatura enorme, com braços longos como chicotes e dentes serrilhados que se projetavam de uma boca escancarada e salivando. Yoo Joonghyuk desviou por um triz, sentindo o vento cortante das garras passarem ao lado de seu rosto. Com um movimento fluido, ele girou o corpo e cravou a espada na lateral da fera. O monstro gritou, sua pele rachando enquanto as chamas negras o consumiam de dentro para fora.
Outro veio logo atrás. Suas patas bestiais, cobertas de espinhos ósseos, esmagavam os destroços enquanto avançava em velocidade assustadora. Yoo Joonghyuk saltou para trás no último segundo, sua espada já se movendo, seu corpo reagindo antes mesmo que sua mente pudesse processar os movimentos. A lâmina incendiada rasgou a criatura do pescoço ao peito, e ela caiu, convulsionando em meio a gritos guturais enquanto era reduzida a cinzas.
Mas ele não tinha tempo para respirar.
Os monstros continuavam surgindo sem parar.
Yoo Joonghyuk sentiu seu peito subir e descer em ofegos intensos. Seus músculos estavam em chamas, seu corpo sobrecarregado pela súbita ampliação de poder.
E então, tudo desmoronou.
Sua visão piscou. Seu corpo falhou.
A fadiga o atingiu como um soco no rosto.
A energia que antes pulsava em seu corpo agora parecia distante, como se estivesse se esgotando. Yoo Joonghyuk caiu de joelhos, os músculos completamente exaustos. A espada ainda ardia em sua mão, chamas negras oscilando como se refletissem sua própria fraqueza.
"Merda..." Ele apertou o punho da espada com força, os dedos trêmulos, os dentes cerrados, os olhos se fechando brevemente.
O rugido ensurdecedor veio primeiro, profundo e ameaçador, seguido pelo som de garras rasgando o solo enquanto a horda de monstros avançava.
Ele tentou se levantar. Tentou forçar seu corpo a reagir.
Mas foi tarde demais.
A escuridão o envolveu.
Quando abriu os olhos novamente, eles estavam pesados, pegajosos, como se sua consciência ainda estivesse se arrastando de volta para o mundo. Sua mente estava nublada, turva, e seu corpo...
Ele levou alguns segundos para perceber que estava sendo carregado nas costas de alguém.
Seu corpo inteiro estava dormente e dolorido. Ele tentou se mexer, mas seus músculos estavam rígidos, recusando-se a responder. Ele tinha se esgotado completamente nessa batalha, ao ponto de mal conseguir mover um dedo.
Foi então que notou outra coisa.
Estava coberto de sangue.
Não dele.
O cheiro intenso de podridão e de carne queimada denunciava a origem — os monstros.
Piscando lentamente, sua visão foi se ajustando. Olhando para frente, viu a silhueta de quem o carregava.
Não era sua mestra.
Ele não estava sendo carregado por Namgung Minyoung.
Para ser honesto, a pessoa parecia estar lutando para sustentá-lo. Seus passos eram um tanto desajeitados, e seus braços tremiam levemente com o peso.
Ele era magro. Magro demais para carregar alguém como Yoo Joonghyuk.
Mesmo na névoa de exaustão, Yoo Joonghyuk percebeu detalhes que o deixaram intrigado. O estranho era magro. Muito magro. Seu corpo parecia frágil, e suas mãos, que seguravam Yoo Joonghyuk com muito esforço, eram finas demais para pertencerem a alguém acostumado à luta.
E ele também não parecia ser um despertado.
O moletom amarelo folgado e surrado que ele usava estava manchado de sangue e sujeira. Quem diabos usaria um moletom amarelo no meio do apocalipse?
Era simplesmente muito chamativo. Um pontinho amarelo em meio aos destroços, tão facilmente identificável.
Não, pior. Por que diabos alguém não-despertado andaria por aí com um moletom amarelo fino e desgastado, sem qualquer proteção, num mundo onde monstros devoravam pessoas vivas?
O outro rapaz — Yoo Joonghyuk concluiu que era um garoto — nem sequer parecia ter armas. Nem uma arma de fogo, um canivete ou uma espada, nada.
Ele estava pedindo para morrer?
Ele quis cuspir perguntas.
Quem diabos era aquele cara? Como o encontrou? Como ainda estavam vivos? Onde estavam os monstros?
Mas suas pálpebras pesaram novamente.
Ele queria observar mais. Queria entender quem era aquele estranho e como ele conseguiu salvá-lo. Mas seu corpo já havia tomado a decisão por ele.
Seus olhos se fecharam.
E, pela primeira vez em muito tempo, Yoo Joonghyuk se permitiu relaxar.
Porque, estranhamente, na presença daquele desconhecido… ele se sentia... seguro.
Seguro o bastante para dormir sem medo.
"ɐɾʞoᗡ ɯıʞ."
Yoo Joonghyuk sentiu sua garganta secar.
O nome escapou de seus lábios antes que ele pudesse pensar, como um reflexo, como um grito que foi sufocado pelo tempo.
Mas ele não conseguia entender suas próprias palavras. O som soou incompreensível, censurado, como algo proibido de ser lembrado.
Tudo o que sabia era que aquele nome era importante.
E que a pessoa diante dele — um garoto magro, pequeno, coberto de hematomas e curativos, que nunca passou dos quinze anos, parado à beira do terraço — era ainda mais importante.
"Ei." Sua voz falhou, trêmula, a adrenalina fazendo seu coração disparar. "O que você está fazendo aí?"
O garoto estava perto demais da borda.
"Mm?"
A resposta veio em um murmúrio, suave, tranquila. Tranquila demais.
A tranquilidade dele fez o corpo de Yoo Joonghyuk se arrepiar, como se estivesse preso em um pesadelo camuflado de sonho.
"Saia daí," ele ordenou, o desespero se infiltrando em suas palavras. "Rápido."
O garoto sem rosto inclinou a cabeça, como se estivesse confuso. Mas Yoo Joonghyuk não conseguia ver sua expressão. Ele não tinha olhos, nariz ou boca. Apenas um borrão onde um rosto deveria estar.
Mesmo assim, Yoo Joonghyuk sentiu.
Sentiu que ele estava sorrindo.
A sensação foi sufocante, como um nó apertando seu peito. Como se estivesse prestes a perder algo precioso.
De novo.
"Você veio." A voz do garoto era suave, mas havia algo errado. Algo quebrado.
"Desça daí." Yoo Joonghyuk deu um passo à frente, os músculos tensos. "Agora."
"Hyukie-ya."
O apelido fez sua respiração engasgar.
A familiaridade o atingiu como uma lâmina afundando em sua carne.
Como se aquela pessoa tivesse o chamado assim mil vezes antes.
Isso fez algo dentro dele se despedaçar.
Ele conhecia essa pessoa.
Ele conhecia.
Mas por que não conseguia lembrar?
O garoto deu um passo à frente.
"Por que você está aqui?" A pergunta foi suave, quase afetuosa, mas carregava uma tristeza profunda que fez Yoo Joonghyuk querer correr até ele e arrastá-lo para longe dali.
"Você deveria estar em casa, com a sua família, em um lugar seguro, não aqui, Hyukie-ya."
O coração dele martelava no peito.
O garoto sem rosto deu mais um passo à frente, e Yoo Joonghyuk sentiu o peso da realidade esmagá-lo. Ele sabia o que aconteceria. Ele já tinha visto aquilo antes. Ele já tinha falhado.
Não. De novo não.
NÃO!
Yoo Joonghyuk avançou instintivamente, a mão se estendendo no ar — mas parou. Suas pernas estavam pesadas. O chão parecia sugar seus movimentos. Ele tentou falar, mas nada saiu.
"Você não deveria estar aqui."
O ar fugiu de seus pulmões.
Nostalgia.
Dor.
Algo estava terrivelmente errado.
"Saía daí." A ordem saiu quebrada, desesperada. Yoo Joonghyuk odiou o tremor em sua própria voz.
Mas o garoto sem rosto apenas continuou sorrindo.
E então, ele deu mais um passo.
O vento soprou mais forte. Seu coração bateu tão dolorosamente que parecia querer sair de seu peito.
"Desça." Sua voz falhou. "Por favor."
O medo o atingiu como uma lâmina atravessando suas costelas. Ele não sabia por quê, mas sentia — sentia com cada célula do seu corpo — que já tinha visto isso antes.
Que já tinha falhado antes.
Seus dedos se fecharam no ar.
"Eu disse, não disse, Hyuk-ah?"
O vento uivou ao redor deles.
"Eu só atrasaria a sua vida."
O mundo tremeu.
O garoto sorriu — ele sentiu isso, mesmo sem ver.
"Bem, afinal, você é um protagonista."
O coração de Yoo Joonghyuk parou.
"E eu, apenas um espectador."
E então, ele se jogou.
Yoo Joonghyuk se lançou para frente, um grito preso na garganta.
∀ſKOᗡ—!
Yoo Joonghyuk acordou com um sobressalto.
Seu peito subia e descia rapidamente, como se tivesse acabado de correr uma maratona. O suor escorria pela sua pele, e sua mente ainda estava envolta na névoa do sonho.
Seus olhos, arregalados, encaravam o teto, mas tudo parecia distante. Sua mente girava, tentando compreender a torrente de emoções que aquele sonho havia deixado para trás.
Ele apertou os dedos contra o lençol com força.
Aquela voz ainda ecoava em sua mente.
Aquela sensação.
Aquele nome que ele não conseguia lembrar.
O que... foi aquilo?
Quando finalmente conseguiu se concentrar no ambiente ao seu redor, percebeu que estava de volta ao local onde Namgung Minyoung morava.
Seu corpo estava enfaixado, e suas roupas tinham sido trocadas por peças limpas. Ele recebeu cuidados. Mas, naquele momento, nada disso parecia importar.
O estranho de moletom amarelo.
O garoto sem rosto do sonho.
Esses pensamentos o incomodavam profundamente.
O que o garoto sem rosto deveria significar?
E quem era o garoto de moletom amarelo?
Quando Namgung entrou no quarto, Yoo Joonghyuk não hesitou.
"O garoto de moletom amarelo." Sua voz saiu tensa. "Onde ele está?"
Namgung piscou, surpresa.
"Que garoto?" ela perguntou.
O coração de Yoo Joonghyuk deu um salto.
"O garoto que me salvou." Sua voz estava mais tensa do que ele queria.
Mas Namgung o encarou com uma expressão neutra e respondeu, calmamente.
"Fui eu quem te encontrei." Ela falou com firmeza, cruzando os braços. "Fui eu quem te trouxe de volta."
Ele franziu o cenho, confuso.
"Você...?" Sua voz vacilou, ele parecia tentar juntar as peças, mas a dúvida ainda estava ali.
Ela inclinou a cabeça, os braços cruzados, como se tentasse entender do que ele estava falando.
"Eu te encontrei." Sua resposta foi simples, direta. "Fui atrás de você quando percebi que estava demorando mais do que o esperado e achei você desmaiado."
Ele cerrou os punhos, inquieto.
"Não tinha mais ninguém lá?" Ele perguntou, a voz carregada de tensão.
Namgung negou.
"Nem monstros. Nem pessoas. Ninguém. Quando te encontrei, você estava são e salvo." Namgung Minyoung confirmou novamente, e ela não parecia estar mentindo.
Yoo Joonghyuk ficou em silêncio, processando a informação.
"Tem certeza?" Yoo Joonghyuk insistiu, não parecendo muito convencido.
"Sim." Ela assentiu firmemente. "Quando te encontrei, você estava sozinho."
Yoo Joonghyuk abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu.
Ele estava... sozinho?
Então, quem...?
Os monstros desapareceram. O sangue em sua roupa não era dele.
Como ele tinha sobrevivido?
Olhou para suas mãos trêmulas e, pela primeira vez, uma dúvida incômoda o atingiu com força, como um soco no estômago.
Ele realmente sobreviveu sozinho?
Namgung sorriu e deu um tapinha no ombro dele com mais força do que o necessário. "A propósito, parabéns pelo despertar, pirralho. Você realmente ficou mais forte."
Mas Yoo Joonghyuk mal registrou isso.
Seu pensamento ainda estava fixo no estranho de moletom amarelo.
Se não havia mais monstros quando Namgung chegou...
Então quem exatamente os eliminou?
「• • •」
Yoo Joonghyuk agora era um despertado.
E não só isso, ele era o primeiro despertado Rank S de toda a Coreia do Sul.
A fama foi inevitável.
Ele continuou treinando com Namgung Minyoung, se aperfeiçoando na técnica Breaking the Sky Swordsmanship que ela lhe ensinava. Mas, agora, ele não era mais o órfão pobre, com uma irmã para cuidar e sem um teto. Não. Agora, ele era o caçador mais forte do país, com um status que faria qualquer um lhe servir para cair em suas boas graças.
Com isso, também vieram as responsabilidades. Ele recebeu missões obrigatórias do governo para eliminar monstros, lidar com quebras de portais e até foi obrigado a coordenar uma equipe temporária de caçadores rankers A e B para enfrentar as catástrofes do apocalipse.
E sim, ele estava ocupado. Muito ocupado. Mas ainda assim, algo o incomodava.
Sempre que ele se machucava, ele sonhava sempre com o mesmo garoto pequeno e machucado, que não tinha rosto e agia como se estivesse tentando se matar a todo custo. O mais estranho era que, em vez de afetar, isso o motivava a não se machucar mais. Os sonhos eram... dolorosos. Estranhamente dolorosos. E ele definitivamente não queria passar por isso quando sua cabeça já estava tão... bagunçada.
Se ele simplesmente não se machucasse, então não teria que sonhar com aquele garoto sem rosto.
Quanto ao "salvador de amarelo", Yoo Joonghyuk simplesmente ignorou. Devia ser um delírio, certo?
Não era.
Mas a história começou a tomar um rumo ainda mais estranho.
Um ano e alguns meses depois, um novo caçador Rank S apareceu à sua porta.
Era um homem robusto e alto, mas com um jeito tímido, gaguejando ao falar. Ele se apresentou como Lee Hyunsung. Ele tinha despertado poucos dias antes, durante um ataque de monstros. E, segundo ele, havia sido salvo por um garoto magro com um moletom largo, que se autoproclamou Yoo Joonghyuk. Esse mesmo garoto pediu para Lee Hyunsung procurá-lo, afirmando que ele tinha sido "recrutado" por Yoo Joonghyuk.
Ele quase mandou Lee Hyunsung virar a esquina e ir embora, mas, bem… Lee Hyunsung parecia forte. Muito forte. E ele estava certo de que seria útil. Além disso, o relato do garoto de moletom também chamou sua atenção, pois o lembrou de um certo pintinho amarelo. Então, a contragosto, ele concordou em aceitar Lee Hyunsung em sua equipe e começou a treiná-lo. Mas no fundo, ele não conseguia deixar de se perguntar quem diabos era aquele impostor.
Mas a coisa não parou por aí.
Mais alguns meses depois, uma mulher, também Rank S apareceu procurando por ele.
Ela tinha uma boa ressonância para fogo, e, como Lee Hyunsung, também contou uma história parecida. Ela se apresentou como Jung Heewon e afirmou ter sido recrutada por um rapaz magro com um terno surrado, que a salvou da morte. Ela foi atacada por um grupo de homens covardes, espancada e teria sido violentada sexualmente, isso se não fosse pelo homem que a salvou. O dito homem, exausto e com aparência de quem não dormia há dias, se autoproclamou Yoo Joonghyuk e a orientou a procurá-lo, pois ele teria espaço na equipe. E, claro, ela, sozinha, sem ter para onde ir, seguiu o conselho.
Yoo Joonghyuk quase estalou a língua. Que porra era essa? Qual era a dessa pessoa que estava se passando por ele e recrutando Rankers S do nada? Ele estava colecionando caçadores de rank S ou o que?
Mas, como não podia ignorar alguém com tanto poder, o que ele fez? Recrutou Jung Heewon também, claro. O que mais ele faria? Ele tinha algum maluco na cola que estava levando a sua identidade mais a sério do que ele mesmo. O que ele poderia fazer, senão aceitar?
Claro, ele não ia reclamar de barriga cheia. Ele estava de fato preocupado com sua identidade rolando solta por aí, mas o bendito que estava se passando por ele estava realmente fazendo um bom trabalho recrutando talentos. E isso de graça.
Na terceira vez, Yoo Joonghyuk já não ficou tão surpreso. Quando outra pessoa começou a procurá-lo, parecia mais um caso de ”quem mais vai aparecer na minha porta hoje?”.
O que realmente o pegou de surpresa foi o adolescente que apareceu.
Era um rapaz de cabelos brancos, e ele parecia completamente acabado, como se tivesse sido atropelado por um trem — ou melhor, como se tivesse sido espancado até a morte.
O tal adolescente se apresentou como Kim Namwoon e, como os outros, tinha uma história estranha. Um homem magro, com olheiras profundas, o espancou com um pedaço de pau quando ele perdeu o controle de seus poderes após despertar e atacou pessoas inocentes. Esse homem, com a aparência de quem não tinha dormido em semanas, se autoproclamou Yoo Joonghyuk e mandou o adolescente procurá-lo, alegando que ele estava "recrutado". O motivo? Segundo o adolescente, o tal "Yoo Joonghyuk" afirmou que ele faria muito melhor se não fosse um vagabundo descontrolado e, talvez, se treinasse, poderia ser útil para alguma coisa.
E, ao ouvir a história completa, Yoo Joonghyuk percebeu que tinha um problema sério. Uma imitação barata de si mesmo estava vagando por aí, se passando por ele, recrutando caçadores Rank S e, aparentemente, espancando adolescentes no meio da rua.
Exceto pelo fato de que o tal adolescente espancado parecia muito feliz com isso. Ele estava animado até demais para fazer parte da equipe, ignorando completamente o fato de ter sido espancado no processo de recrutamento. Kim Namwoon já tinha começado a chamá-lo de capitão antes mesmo de ser oficialmente aceito.
Que tipo de critério era esse? Yoo Joonghyuk olhou para cima, se perguntando se o universo estava apenas jogando caos em sua vida por diversão.
O importante era que Yoo Joonghyuk tinha conseguido reunir um time impressionante.
Um tanker Rank S, Lee Hyunsung, um verdadeiro muro humano; dois atacantes com afinidade para fogo, Jung Heewon e Kim Namwoon — com a diferença de que Kim Namwoon era menos "atacante" e mais um "psicopata descontrolado". E, claro, ele mesmo, o caçador mais forte de Seul.
Em menos de dois anos, ele tinha montado a equipe mais forte do país. E o mais engraçado? Ele não precisou fazer nada. O impostor que tinha jogado o grupo todo no colo dele.
E foi aí que Yoo Joonghyuk parou para refletir.
Por mais que o impostor fosse irritante, ele tinha que admitir, o cara tinha bons olhos para talentos.
Mas ele ainda precisava descobrir quem esse desgraçado era. Então, iniciou sua caçada. Procurou informações, fez contatos, interrogou os novos recrutas para descobrir mais sobre esse misterioso ‘Yoo Joonghyuk’.
E não encontrou absolutamente nada.
Era como se o impostor nem existisse.
Mas Yoo Joonghyuk não se deixou abalar. Se o impostor conseguia recrutar pessoas fortes, então ele faria o mesmo. Ele apostaria nisso e recrutaria seus próprios talentos promissores.
O resultado foi que ele acabou sendo enganado quatro vezes seguidas.
Mas, eventualmente, ele encontrou Lee Jihye.
Lee Jihye, uma adolescente que despertou como Rank S recentemente e que estava recebendo muita atenção das mídias. E, por sorte, essa ele conseguiu trazer para o time antes que qualquer outra guilda viesse, prometendo fama e um monte de besteira. Recrutar Lee Jihye não foi nada difícil para Yoo Joonghyuk, principalmente levando em conta tudo o que ele tinha a oferecer.
Com uma equipe forte e promissora formada, Yoo Joonghyuk decidiu ampliar suas conexões. Era muito mais fácil ter uma equipe fixa e confiável do que depender de caçadores aleatórios.
Foi quando ele encontrou Anna Croft, que coincidentemente, estava procurando por ele.
Anna Croft era uma despertada estrangeira famosa e a única conhecida por ter habilidades de previsão do futuro. Ela recebeu o apelido de Profeta de Las Vegas e, francamente, parecia alguém útil para se ter como aliada. E agora que ela estava em Seul, procurando por Yoo Joonghyuk, seus caminhos se cruzaram.
Eles rapidamente formaram uma aliança com a guilda Zarathustra, fundada por Anna Croft. Yoo Joonghyuk não confiava nela completamente, mas reconhecia que ela e seus aliados, incluindo Selena Kim e os outros caçadores americanos, eram extremamente eficazes em seus trabalhos. Eles ajudaram muito na recuperação do país, na contenção dos portais e no combate aos monstros.
Foi uma parceria promissora.
Exceto que, de repente, Anna Croft decidiu fazer o que os profetas fazem de melhor, apunhalar os outros pelas costas.
A mulher simplesmente deu um golpe em Yoo Joonghyuk. Roubou informações cruciais sobre sua equipe, vendeu segredos confidenciais e ainda teve a audácia de sumir com praticamente todos os fundos que eles tinham acumulado nesses anos.
De um dia para o outro, Yoo Joonghyuk se viu completamente na merda.
E para piorar, Anna Croft tentou recrutar seus companheiros para a Zarathustra — e agiu como se estivesse fazendo um grande favor para eles, como se estar na Coreia, ao lado de Yoo Joonghyuk, fosse um desperdício de tempo e talento.
Para a surpresa (e alívio) de Yoo Joonghyuk, ninguém em sua equipe aceitou aquela proposta absurda. Todos estavam furiosos com a traição e rejeitaram a oferta dela com desprezo, principalmente pela aclamada profeta tratá-los como se seus talentos não fossem nada demais.
Mas isso não significava que as coisas estavam resolvidas.
O estrago já estava feito. A reputação de Yoo Joonghyuk despencou, assim como a de toda a sua equipe. Eles passaram a ser ridicularizados em toda parte, chamados de incompetentes, fracassados e constantemente comparados aos caçadores americanos.
Foi um inferno.
Mas o que Yoo Joonghyuk não esperava era que o Yoo Joonghyuk impostor aparecesse durante esse tempo.
De repente, um artigo sobre Anna Croft foi publicado e, aproveitando a notabilidade que o rumor mais recente que se espalhou sobre ela e Yoo Joonghyuk estava gerando, a notícia simplesmente viralizou.
Todo mundo estava comentando sobre isso. Todo mundo.
O título?
"O Profeta de Las Vegas, ou o Vigarista Golpista de Las Vegas? Quem verdadeiramente é a Profeta Manipuladora de Las Vegas, Anna Croft?"
Era um artigo inteiro destinado exclusivamente a detonar Anna Croft e a guilda Zarathustra, revelando alguns de seus muitos golpes, manipulando suas palavras contra ela mesma e expondo tudo de uma maneira que fez o público se virar contra a mulher em questão de horas.
Não bastasse isso, o artigo expunha muitos dos podres antigos de Anna Croft, com direito a provas. Sim, provas. Com isso, digo informações privadas. O cara por trás do artigo sabia exatamente como usar as palavras, como entreter um público, chamar atenção e colocar uns contra os outros, pois ele simplesmente tinha colocado Yoo Joonghyuk sob outra luz, enquanto Anna Croft saía como a errada.
Ele detonava Anna Croft com tanta agressividade e com argumentos tão convincentes que chegava a parecer que a pessoa por trás do artigo esperou a vida toda por aquele momento.
O mais absurdo disso tudo era que o artigo foi postado como se fosse Yoo Joonghyuk o autor.
Por quem?
Por uma conta chamada Rei Supremo Oficial.
Sim. Oficial.
Oficial.
Isso mesmo.
O impostor atacou de novo.
Yoo Joonghyuk, que quase nem encostou em um teclado nos últimos meses para escrever nada além de um relatório sobre a missão, ficou sem reação.
E a postagem viralizou tão rápido, gerando um impacto tão grande que, em poucas horas, Anna Croft enviou uma mensagem desesperada mandando ele apagar o artigo. Ela, a própria golpista, enviou uma mensagem para Yoo Joonghyuk, quem ela sabotou descaradamente.
A audácia.
Mas Yoo Joonghyuk não fazia ideia de como fazer isso, porque... ele não tinha sido o autor da postagem.
E, sinceramente?
Mesmo que tivesse sido, ele não apagaria porra nenhuma. Ela mereceu. E merecia muito mais.
Mas a confusão só aumentou quando, pouco depois, um depósito gigantesco caiu no saldo.
O valor? Quase tudo o que Anna Croft roubou deles.
Não era a quantia completa, mas era perto o suficiente para fazer Yoo Joonghyuk soltar um suspiro trêmulo de alívio.
Junto ao depósito, havia uma simples mensagem anexada: "Recuperei o que deu para recuperar do valor roubado."
E, logo abaixo, outra mensagem com o login e a senha da conta "Rei Supremo Oficial" anexadas.
O impostor deixou tudo nas mãos dele. Como se dissesse "faça o que quiser".
Yoo Joonghyuk apenas ficou parado, olhando para a tela, incrédulo.
O impostor tinha... recuperado o dinheiro?
E ainda por cima tinha deixado a conta com o artigo de brinde?!
Por um momento, Yoo Joonghyuk ficou sem palavras.
Então, sem perceber, um pequeno sorriso apareceu em seu rosto.
Ele não sabia quem diabos era aquele farsante...
Mas, um dia, ele jurou que o recompensaria.
E, se pudesse, o traria para seu lado.
Quem quer que fosse aquele impostor, o bastardo era muito precioso para simplesmente deixar ir embora.
「• • •」
Depois daquele incidente, Yoo Joonghyuk passou a ser chamado de Rei Supremo.
Por culpa, é claro, daquele maldito impostor.
Ele achava o nome simplesmente ridículo. Mas, a essa altura, sua reputação já tinha sido arruinada e reconstruída tantas vezes que um título exagerado era o menor dos seus problemas.
Mesmo assim… Yoo Joonghyuk, o Rei Supremo Oficial?
Sério?
Isso parece um nome que um adolescente viciado em MMORPG escolheria para seu personagem.
Ele não sabia o que era pior, o fato de que esse nome estaria agora vinculado à sua reputação ou o fato de que todo mundo parecia levar isso muito a sério.
E tudo isso por causa de um farsante e seu péssimo gosto para nomes.
Conformado com a situação, Yoo Joonghyuk decidiu que, já que estava preso a esse nome idiota, pelo menos descobriria quem era o responsável por tudo isso.
Deixando a indignação de lado, Yoo Joonghyuk fez a única coisa que conseguia para descobrir quem era o impostor: tentou rastreá-lo novamente. Desta vez, com o login da conta e as informações de segurança, conseguiu localizar o exato local onde ocorreu o último acesso e até identificar o dispositivo utilizado.
E foi assim que ele chegou ao grande esconderijo do farsante.
Uma Lan House.
...Uma Lan House minúscula.
Era um lugar tão pequeno e modesto que o senhorzinho — dono do estabelecimento — não registrava os nomes dos clientes, não anotava datas, não guardava dados e, para a desgraça de Yoo Joonghyuk, não possuía câmeras de segurança.
Ou seja, Yoo Joonghyuk tinha encontrado o ponto de origem.
Mas, ao mesmo tempo, estava de volta à estaca zero.
A única coisa que Yoo Joonghyuk conseguiu descobrir foi que a conta nunca foi acessada em nenhum outro dispositivo além dos computadores daquela Lan House. Ou seja, o único detalhe que ele sabia era que o impostor usava aquele local ocasionalmente.
O impostor poderia ser qualquer pessoa que tivesse passado por ali.
O que incluía crianças, adolescentes, adultos e até viciados em jogos online.
Não havia nenhuma pista concreta sobre sua identidade.
No entanto, Yoo Joonghyuk já começava a formar uma suspeita.
Depois de analisar todas as informações que possuía, ele chegou à conclusão mais lógica.
O impostor era o mesmo garoto de moletom amarelo que o salvou algum tempo atrás.
A coincidência era grande demais para ser ignorada.
Todos que o descreveram mencionaram alguém magro, jovem e com uma aparência um tanto descuidada.
A lógica dizia que tinha que ser a mesma pessoa.
Além disso, ele não apenas resgatou Yoo Joonghyuk uma vez, mas também salvou cada um dos membros da equipe antes de guiá-los até ele.
Fazia sentido.
Afinal, todas as descrições coincidiam: um jovem magro, aparentemente frágil, que se autoproclamava Yoo Joonghyuk antes de desaparecer sem deixar rastros.
Claro, existia a possibilidade de haver mais de um impostor, mas Yoo Joonghyuk não acreditava que esse fosse o caso.
Tinha que ser a mesma pessoa.
Então, provavelmente, ele seria um adolescente.
「• • •」
Os colegas de equipe de Yoo Joonghyuk estavam começando a levantar teorias estranhas sobre ele.
Mais especificamente, sobre a possibilidade de Yoo Joonghyuk ter uma habilidade secreta de criar avatares de si mesmo.
O motivo?
O mesmo de sempre.
O maldito impostor.
Tudo começou quando Lee Jihye, completamente empolgada e animada, elogiou Yoo Joonghyuk pelo artigo que ele supostamente escreveu. Ela falou sobre como ele destruiu Anna Croft, expondo toda a verdade com convicção e firmeza.
Yoo Joonghyuk, sem paciência para aquilo, simplesmente a cortou e disse: "Não fui eu. Foi o outro Yoo Joonghyuk."
Silêncio.
Lee Jihye piscou algumas vezes, confusa.
Foi então que Lee Hyunsung, sempre gentil, tentou esclarecer a situação, explicando que a maioria do time tinha sido recrutado por um Yoo Joonghyuk diferente, inclusive ele mesmo.
Um que era mais baixo.
Mais magro.
E muito, muito mais falante.
Jung Heewon e Kim Namwoon concordaram, cada um adicionando sua própria descrição do impostor.
O que só deixou Lee Jihye ainda mais confusa.
"Tá, mas… quem é esse Yoo Joonghyuk, então?" Ela perguntou.
Ninguém soube responder.
Quando olharam para o Yoo Joonghyuk real em busca de esclarecimento, tudo o que receberam foi um estalar de língua irritado, um cenho franzido e silêncio absoluto.
Foi nesse momento que Kim Namwoon, sempre direto ao ponto, deu sua opinião: "Ele não era bonito e nem tão legal quanto o capitão, então deve ser uma cópia mal feita."
E, de alguma forma, aquela frase foi o suficiente para desencadear uma discussão séria sobre o outro Yoo Joonghyuk.
O que levou à teoria mais absurda de todas:
E se aquele impostor fosse, na verdade, um avatar criado por Yoo Joonghyuk para fazer o trabalho extra enquanto ele cuidava de outras coisas?
Afinal, Yoo Joonghyuk era forte. Poderoso. Misterioso. Era plausível que tivesse uma habilidade secreta dessas, certo?
Yoo Joonghyuk não podia culpá-los por pensar algo tão absurdo.
Mas ele definitivamente não estava ajudando a esclarecer a situação ficando em silêncio.
Ele simplesmente não queria responder.
Yoo Joonghyuk deliberadamente deixou sua equipe acreditar naquela teoria absurda enquanto começava a sair com mais frequência.
Seu destino?
A Lan House.
Ele passou a frequentá-la regularmente, vestindo roupas discretas para evitar chamar atenção. Esforçava-se para esconder o rosto e parecer menos intimidador. Sentava-se em um canto e observava o fluxo de clientes em silêncio.
Isso durou duas semanas.
E, nesse período, ele notou alguém.
Um adolescente.
Cabelos pretos e bagunçados, olheiras profundas, olhos escuros e exaustos. Magro. Reservado. Sempre cuidadoso nos movimentos, como se estivesse constantemente atento a algo.
Muito suspeito.
Ele parecia muito mais jovem do que Yoo Joonghyuk esperava do impostor, mas seu comportamento era cauteloso demais para ser coincidência. Ele entrava e saía da Lan House sempre da mesma maneira, sempre atento, como se estivesse evitando ser notado.
Tinha que ser ele.
Depois de analisá-lo o suficiente, Yoo Joonghyuk decidiu encurralar o adolescente.
Ele esperou até que o adolescente saísse da Lan House após comer um ramyeon e, então, o seguiu.
No início, o garoto não pareceu notar. Mas depois de alguns minutos, seu comportamento ficou ainda mais cauteloso. Ele acelerou o passo.
Yoo Joonghyuk fez o mesmo.
O garoto andou mais rápido.
Yoo Joonghyuk também.
O garoto correu.
Yoo Joonghyuk correu atrás.
"Han Donghoon!"
O adolescente se virou bruscamente e, antes que Yoo Joonghyuk pudesse alcançá-lo, ele correu na direção de um homem adulto, escondendo-se atrás dele, que usava máscara de rosto, vestia roupas largas e carregava algumas sacolas de compras.
"Ei, que porra você pensa que está fazendo?" O homem perguntou, sua voz baixa e irritada.
Yoo Joonghyuk freou no mesmo instante, parando na frente dele.
E só então percebeu o quão estranho aquilo parecia. Ele, um homem adulto, perseguindo um adolescente, correndo atrás dele pelas ruas como um lunático.
"Eu— ah... isso não é o que você está pensando..." Yoo Joonghyuk pigarreou, tentando formular uma explicação para aquela situação. "Eu só queria perguntar uma coisa—"
"Suma da minha frente agora ou eu vou chamar as autoridades para você, seu doente." O homem rosnou, sem demonstrar um pingo de intimidação diante da altura e presença intimidadora de Yoo Joonghyuk.
E foi então que algo clicou na mente dele.
O homem era magro. Muito magro.
Usava roupas largas...
Sua voz era suave, como Lee Hyunsung havia descrito...
Mas também tinha uma atitude agressiva ao defender alguém, como Kim Namwoon havia mencionado...
E vestia roupas surradas, exatamente como Jung Heewon relatou...
…Ei. Esse cara não se encaixava demais?
"Com licença, eu—" Yoo Joonghyuk estendeu a mão, como se quisesse segurar o pulso do homem para conversar.
"Fique. Longe." O homem praticamente cuspiu as palavras, puxando Han Donghoon para trás de si.
E o olhar que lançou para Yoo Joonghyuk foi de puro desprezo.
Ele olhava para Yoo Joonghyuk como se ele fosse algum tipo de predador sexual.
Yoo Joonghyuk congelou.
Ele nem teve coragem de insistir.
Ficou parado, assistindo os dois irem embora apressadamente, sem nem olhar para trás.
No final, apenas estalou a língua, frustrado.
"Ótimo. Agora vão pensar que sou algum tipo de predador. Porra." Ele suspirou e bagunçou os cabelos escuros.
Que merda de dia.
Notes:
Ok, eu sei que eu falei que seria o último, mas eu meio que não faço idéia de como as coisas saem do meu controle?????
Basicamente, eu estou escrevendo o que planejei, mas está ficando mais longo do que o planejado???
Então eu acho que talvez no próximo capítulo acabe.
Chapter Text
Nos últimos anos, Seul foi reconstruída. As fissuras e os portais, que antes ameaçavam a estabilidade do país, estavam finalmente sob controle. O governo, junto às grandes guildas, investiu fortemente na contenção das fissuras e na estabilização da sociedade pós-apocalíptica. Com a regulamentação dos portais e dos territórios alterados pelas fendas, novas guildas surgiram por toda a Coreia do Sul — desde pequenos grupos até grandes corporações que dominavam o mercado.
Yoo Joonghyuk, no entanto, nunca gostou da ideia de estar preso a uma guilda. Burocracia, contratos e políticas internas não combinavam com sua maneira de trabalhar. Para ele, eficiência vinha acima de tudo. Em vez de se aliar a uma organização existente, ele escolheu um caminho diferente: montou sua própria equipe independente. Não era uma guilda — e essa distinção era importante.
Ele e seus companheiros alugaram um andar inteiro de um prédio comercial no centro de Seul e estabeleceram ali sua base de operações. Diferente das grandes guildas, que seguiam normas rígidas e estavam sujeitas à regulamentação do governo, sua equipe funcionava como um grupo mercenário altamente especializado. Eles aceitavam contratos de qualquer entidade que pudesse pagar, fossem pedidos oficiais, governamentais, solicitações particulares ou até mesmo serviços para outras guildas.
Mas, manter esse estilo de vida fora da estrutura de uma guilda estabelecida não era fácil. Um dos maiores desafios era o acesso a portais e áreas de treinamento.
Desde a regulamentação dos portais, os portais foram tratados como recursos preciosos, estratégicos e, na maioria dos casos, pertenciam a organizações específicas. Guildas tinham prioridade na compra e no uso desses portais, deixando poucos disponíveis para caçadores independentes como Yoo Joonghyuk. Assim que uma fenda se abria, ela era rapidamente registrada no sistema da Associação de Caçadores e, na maioria das vezes, arrematada em leilões internos. Apenas portais menores — de risco baixo e lucro reduzido — ficavam acessíveis para guildas e grupos pequenos de caçadores.
O mesmo acontecia com áreas de treinamento. Locais de alta densidade de mana, essenciais para o aprimoramento das habilidades de um caçador, eram de propriedade privada. Enquanto as guildas podiam investir na compra e manutenção desses espaços, garantindo acesso exclusivo a seus membros, caçadores independentes precisavam pagar taxas exorbitantes para utilizá-los — um gasto impraticável para uma equipe do tamanho da dele, com apenas cinco caçadores.
Ainda assim, eles deram um jeito. Mesmo sem o apoio de uma guilda, Yoo Joonghyuk e seus companheiros eram todos Rank S. Eles tinham capacidade, força e influência suficientes para garantir contratos lucrativos e, por meio de acordos estratégicos, conseguir o acesso que precisavam.
Foi em uma dessas oportunidades que Yoo Joonghyuk se viu compartilhando um portal com um grupo enviado pela Guilda Hongik. E foi assim que ele conheceu Lee Seolhwa.
Ela era uma caçadora despertada — uma curandeira — uma das poucas caçadoras capazes de manipular mana para curar ferimentos. No mundo pós-apocalíptico em que viviam, habilidades como as dela eram raras e extremamente valiosas.
Mas Yoo Joonghyuk não se impressionava facilmente.
Só que Lee Seolhwa também não era apenas uma curandeira.
Ela era bonita, de uma beleza delicada, serena, que transmitia segurança mesmo nos momentos mais difíceis. Era gentil, sempre oferecendo palavras acolhedoras e um sorriso sútil, mesmo quando estava exausta. Amável, tratando seus companheiros com uma paciência que parecia infinita. Doce, de uma forma genuína, sincera.
Ela era tudo o que qualquer homem poderia desejar em uma mulher.
Ela era a mulher dos sonhos.
Exatamente assim como ele também era descrito como o homem dos sonhos.
Yoo Joonghyuk não acreditava em destino, mas, se acreditasse, diria que aquilo era inevitável.
Ela era o equilíbrio perfeito para ele.
Ele atacava, ela curava.
Ele matava, ela salvava.
Ele surtava, e ela o acalmava.
Eles se completavam em todos os sentidos.
Eles eram simplesmente perfeitos juntos.
Perfeitos. Como se tivessem sido especificamente feitos um para o outro.
O que começou com mensagens casuais logo se tornou algo mais. No início, eram conversas sem rumo — ela perguntava se ele já tinha comido, se estava descansando, se não estava exagerando no treinamento. Ele não respondia de imediato, às vezes sequer respondia. Mas ela não desistia.
Então, sem que percebesse, Yoo Joonghyuk começou a responder.
As mensagens levaram a encontros ocasionais, e esses encontros levaram a noites compartilhadas. O tempo passou, e os beijos se transformaram em promessas silenciosas. Ele não era um homem que fazia declarações românticas, mas Lee Seolhwa nunca precisou delas para entender o que ele sentia.
Eles ficaram noivos.
E, por um tempo, tudo foi perfeito.
A estabilidade que Yoo Joonghyuk nunca teve antes parecia, finalmente, ao seu alcance.
Seu time estava mais forte do que nunca.
Os portais estavam sob controle.
O país estava se adaptando.
Lee Seolhwa engravidou.
Ele ia ser pai.
Ele ia finalmente ter uma família.
Uma família só dele.
Uma família apenas dele, com sua noiva, Seolhwa, seu filho e sua irmãzinha, Mia.
E, pela primeira vez em muito tempo, Yoo Joonghyuk estava bem.
Não existia nada mais que ele pudesse querer.
Mas desde quando a vida foi tão generosa com ele?
Desde quando algo permaneceu ao seu lado sem ser arrancado à força?
Ele já deveria saber. Já deveria ter aprendido.
A vida sempre levava tudo.
Sempre que Yoo Joonghyuk ousava se apegar a algo, a vida arrancava de suas mãos.
Foi assim com alguém cujo rosto ele já nem conseguia lembrar mais.
Foi assim com Yookim e seus filhotes.
Foi assim com seus pais.
Foi assim com tantas outras pessoas que cruzaram seu caminho nesse inferno de apocalipse.
E, mais uma vez, a vida decidiu tomar algo dele.
Ela deveria estar em casa.
Ele disse para não sair.
Ele avisou.
O alerta de quebra de portal foi emitido. Os alto-falantes espalhados pela cidade ecoavam o aviso de emergência, orientando os cidadãos a permanecerem dentro de casa até que a situação estivesse resolvida.
Os protocolos eram claros. Assim que um portal demonstrava instabilidade, as áreas ao redor eram evacuadas. As ruas esvaziavam, os perímetros de risco eram isolados. Militares patrulhavam as áreas próximas, prontos para conter qualquer coisa que tentasse escapar enquanto os caçadores despertados iam para a linha de frente lidar com os monstros.
Era arriscado sair. Nem os próprios caçadores sabiam se voltariam vivos para suas casas.
E Yoo Joonghyuk, como um homem que estava indo para a guerra, garantiu que sua casa estivesse segura antes de partir. Ele reforçou cada feitiço de proteção, trancou cada porta, checou cada janela. Seolhwa estava grávida de sete meses. Ele não podia cometer nenhum erro com sua noiva, nem com sua irmãzinha.
"Fiquem aqui. Eu volto assim que puder."
Ele disse isso a ela.
Ele acreditou que ela ficaria.
Ele avisou.
Mas Lee Seolhwa saiu mesmo assim.
Não por imprudência.
Mas porque o amava.
Porque se preocupava.
Yoo Joonghyuk estava no meio do caos, e ela queria encontrá-lo, certificar-se que seu noivo estava bem. Ela era uma curandeira, sabia que seria de ajuda.
Só que, no caminho, algo aconteceu.
Ninguém soube dizer como aconteceu. Talvez tenha sido azar. Talvez tenha sido algo além disso. Mas uma aberração emergiu de um dos portais instáveis — e, ignorando todos os caçadores no local, avançou diretamente para ela.
Seolhwa nem teve tempo de reagir. Ninguém teve.
E quando Yoo Joonghyuk recebeu a notícia, algo dentro dele se quebrou.
Ele largou tudo. Abandonou a missão, ignorou os chamados no comunicador, deixou sua equipe para trás. Correu como nunca antes. Como se sua vida dependesse disso. Como se, se fosse rápido o suficiente, pudesse impedir o que já estava acontecendo.
Mas não importava o quanto corresse.
Porque quando chegou ao hospital, Lee Seolhwa já estava entre a vida e a morte.
Os corredores eram iluminados por luzes brancas, frias e artificiais. O som abafado de passos, de ordens murmuradas, de monitores cardíacos preenchia o espaço.
Ele tentou entrar na sala de cirurgia.
Tentou ver Seolhwa.
Mas as mãos dos médicos o impediram.
Ele não conseguiu entrar na sala de cirurgia.
Não conseguiu fazer nada além de esperar.
E esperar.
E esperar.
O tempo se arrastava lentamente, uma tortura sem fim. Os nós de seus dedos estavam brancos pela força com que cerrava os punhos. Sua mandíbula estava tensa e seu semblante era sombrio, assassino.
Ele não percebeu quando sua equipe chegou. Não percebeu os toques hesitantes em seu ombro, os murmúrios de consolo que não faziam sentido. Não percebeu o cansaço queimando em seus músculos tensos.
Ele não percebeu nada. Nada além de uma sensação sufocante de perda que ele conhecia muito bem.
Cada minuto que passava era um golpe.
Cada segundo, uma sentença.
Seolhwa passou por uma cirurgia atrás da outra. E Yoo Joonghyuk ficou ali, de pé, imóvel, esperando, por horas.
Ele não rezou.
Ele não implorou.
Mas, pela primeira vez em muito tempo, ele desejou.
Desejou que ela vivesse.
Desejou que, só dessa vez, o mundo não o roubasse de novo.
E, por algum milagre, ela sobreviveu.
Mas o bebê não.
Sete meses.
O filho que ele nunca seguraria nos braços.
O futuro que ele nunca conheceria.
Quando os médicos lhe deram a notícia, Yoo Joonghyuk não reagiu.
Ele ficou em silêncio.
Sem raiva, sem lágrimas, sem expressão.
Apenas vazio.
Era estranho, como a dor se acomodava dentro dele, pesada, sufocante e muito familiar. Como algo essencial se partia, mas não sangrava. Como o mundo seguia em frente, indiferente, enquanto ele sentia que havia parado ali.
Não houve gritos.
Não houve fúria.
Ele ouviu a notícia em silêncio.
Não reagiu.
Não disse nada.
Apenas olhou para a parede branca do hospital, como se não estivesse ali. Como se tivesse deixado seu corpo junto com a criança que nunca nasceria.
Yoo Joonghyuk, o homem que já perdeu tudo uma vez, perdeu de novo.
Só que, dessa vez, ele não sabia se poderia suportar.
「• • •」
Yoo Joonghyuk sabia que estava se destruindo.
E destruindo tudo ao seu redor.
Ele soube disso exatamente no dia em que ele e Lee Seolhwa começaram a gritar um com o outro no apartamento de luxo que dividiam. Nenhum dos dois segurou a voz. Nenhum dos dois tentou parar.
E no fim, tudo terminou com ele socando a parede com tanta força que rachaduras se espalharam pelo concreto.
Porque se não fizesse isso, sabia que faria algo muito pior, algo que se arrependeria para a vida toda.
E ele não sabia o que o assustava mais. O fato de que seu corpo reagia antes dele sequer pensar, ou o fato de que, por um instante, um único instante, ele considerou socar a própria noiva.
Ele percebeu isso quando cuspiu insultos que nunca deveria ter dito, quando despejou sobre ela toda a sua dor, sua frustração e sua raiva, como se ela fosse a única culpada por tudo que tinham perdido.
Como se ela fosse a culpada pela morte do bebê deles.
"E-eu— eu estava preocupada com você, eu vi o que estava sendo transmitido na televisão e—" Seolhwa tentou esclarecer, a voz falha, engasgada entre os soluços.
"E você achou que isso te dava o direito de correr para a morte e matar o MEU filho?!" Ele cuspiu as palavras como veneno. Como se quisesse que doessem. Como se quisesse que ela sentisse pelo menos uma fração da dor que ele sentia.
Ele a viu chorar.
Viu a forma como seus ombros tremeram. Viu a expressão em seu rosto mudar, como se ela não o reconhecesse mais. Como se ele fosse um estranho.
E ele não se importou.
Ele próprio não se reconhecia mais.
Seolhwa era médica. Seu único dever era cuidar de si mesma e do bebê.
E ela falhou.
Ela era a culpada.
Ele nem percebeu a presença de outra pessoa.
Não até virar o rosto e ver a porta entreaberta.
E, do outro lado, Yoo Mia.
O rostinho redondo dela estava manchado de lágrimas, o peito arfava em tentativas de conter o choro e os soluços. Seus grandes olhos redondos e inocentes brilhavam com o peso de algo que ela ainda era jovem demais para entender completamente.
Oito anos.
Ela só tinha oito anos.
E ainda assim, Yoo Joonghyuk não sentiu remorso.
Ele era o culpado?
Tinha alguma culpa em querer que sua família estivesse segura? Em querer que seu filho estivesse vivo? Em querer que sua esposa tivesse um mínimo de bom senso e não corresse para fora de casa no instante em que uma quebra de portal acontecesse?
Ele era o errado?
Yoo Joonghyuk sabia que estava perdendo a cabeça.
Sabia.
Principalmente quando acessava suas redes sociais.
Seu nome estava por toda parte.
Ele lia todas as manchetes, como se quisesse se castigar, se afogar, se afundar até não conseguir se levantar mais.
Notícias, artigos, postagens — tudo sobre ele.
Não era nenhuma notícia heróica, nenhum artigo o defendendo, nenhum comentário enaltecendo ele como o herói que todos achavam que ele era.
Na quebra de portal em que Lee Seolhwa perdeu o bebê, muitos caçadores morreram.
Porque Yoo Joonghyuk abandonou o posto.
Porque ele correu.
Porque ele largou tudo e deixou sua equipe para trás.
Pessoas morreram por causa dele.
E Anna Croft fez questão de lembrar o mundo disso.
Ela zombava dele. Dizia que ele nunca deveria ter sido chamado de herói.
Ela estava de volta para destruí-lo.
Mas era engraçado.
Porque Yoo Joonghyuk já estava destruído.
Depois daquilo, ele começou a cometer erro atrás de erro.
Era agressivo diante das câmeras, ao ponto de agredir jornalistas quando as perguntas eram demais. Tratava civis com frieza, irritava-se fácil, não fazia esforço algum para parecer minimamente decente.
Ele não tinha mais paciência para fingir ser o herói que todo mundo queria que ele fosse.
Se alguém o irritasse, ele não hesitava em socar.
Simples assim.
Sua equipe estava em pânico. É claro que estava. Eles estavam em apuros. Seu capitão estava fora de si.
Mas Yoo Joonghyuk não poderia se importar menos.
Então, Namgung Minyoung veio.
E o que encontrou não foi o "Rei Supremo", o caçador inabalável que aparecia nos holofotes.
O que encontrou foi uma carcaça destruída.
Olhos inchados e fundos, olheiras profundas. A barba para fazer, o cabelo bagunçado. Um homem que mal saía da cama e passava as noites se afundando em um vazio do qual não fazia esforço para sair.
Namgung Minyoung o encarou, em silêncio.
Uma surra não resolveria aquilo.
Uma piada sarcástica não resolveria aquilo.
Forçá-lo a lutar, como fazia antes, não funcionaria.
Então, ela fez a única coisa que conseguiu pensar.
Pegou Mia — que chorava baixinho, trancada no outro quarto — e a levou embora.
Para a Ilha de Jeju.
E antes de partir, ofereceu a Yoo Joonghyuk a chance de ir junto, de tirar um tempo para se recuperar antes de ter que voltar para Seul.
Ele recusou.
Claro que recusou.
Porque a última coisa que ele queria era um lugar onde pudesse respirar e descansar.
Onde pudesse pensar.
Onde pudesse sentir.
Ele não merecia descanso.
Ele merecia sofrer.
Sofrer por ter chegado tarde demais.
Por não ter estado lá.
Por não ter sido forte o suficiente para salvar seu próprio filho.
Ele merecia o pior.
Então ele ficou.
E se afundou.
「• • •」
Yoo Joonghyuk não entendia.
Sua imagem estava arruinada, não importava o que ele fizesse. Cada movimento parecia ser interpretado de maneira errada, cada palavra era distorcida e tirada de contexto para afeta-lo. O mundo parecia ter decidido que ele era o vilão, e o mais doloroso de tudo era que ele estava, de certa forma, arrastando seu próprio time para o fundo junto com ele. Pessoas talentosas e com um futuro promissor. Um futuro que ele estava arruinando.
Então, por que aquele cara — aquele fã — continuava tentando, ao invés de dar as mãos aos outros e simplesmente admitir que ele já não tinha mais jeito? Por que ele insistia?
"Por trás da fachada de Rei Supremo, existe um homem. Ele é um humano como qualquer outro, não uma máquina."
"Yoo Joonghyuk, todos os seus feitos heróicos e a injustiça que está sofrendo da mídia, segue o fio:"
"O jornalismo não é uma piada? O que há de bom no sensacionalismo covarde que se alimenta da dor e da perda de um homem que está de luto?"
"Fãs? Que piada. Esses "fãs" do Rei Supremo são hipócritas e tóxicos. Eles jamais serão fãs de verdade."
"Uau. E vocês ainda tem coragem de se chamarem de fãs? E na primeira oportunidade vão mudar de lado assim? Ei, vocês não são patéticos demais?"
"Anna Croft é bem sensata quando a convém, não é? Eu deveria começar a listar as inúmeras vítimas que essa mulher ardilosa fez ao longo da carreira ou ainda é muito cedo?"
Ele não entendia. Não fazia sentido. Por que esse cara ainda tentava defendê-lo?
Não era mais Yoo Joonghyuk, o Rei Supremo Oficial. Agora era uma conta chamada SK Fan Account. O que era, simplesmente, uma conta fã do Rei Supremo. Ele se perguntou, com uma pontada de amargura, como diabos alguém ainda conseguia defendê-lo depois de tudo que ele fez. Mas então, algo no fundo de sua mente clicou.
Ele reconheceu.
Reconheceu a escrita. As palavras afiadas, como lâminas. Os argumentos bem construídos. As provocações deliberadas, estrategicamente espalhadas, como se fossem peças de um jogo de xadrez, sempre um passo à frente.
Aquele era o Yoo Joonghyuk falso.
Yoo Joonghyuk ficou encarando a tela, encarando as palavras, tentando entender.
Por quê?
Por que alguém ainda estava do lado dele? Depois de tudo o que ele fez? Depois de tudo o que ele perdeu?
Por que alguém se importava?
Ele não conseguia compreender. E isso o corroía por dentro. Cada letra, cada frase, cada palavra, parecia uma cruel lembrança de tudo o que ele tinha se tornado. Mas, no fundo, uma pequena parte dele se agarrava a essa defesa. Talvez porque, no fundo, ele ainda desejasse acreditar que alguém pudesse realmente vê-lo como ele queria ser visto.
Mas, por um momento, ele simplesmente olhou para a tela e se perguntou:
Por quê?
Yoo Joonghyuk ficou lá, encarando a tela, incapaz de desviar o olhar. Seus olhos estavam vermelhos de cansaço, sua mente exausta, esgotada. Ele não se lembrava da última vez que chegou a dormir direito. E mesmo assim, sua própria mente, tão cansada, não parava de se sabotar.
Por quê?
Por que alguém ainda estava lutando, quando até mesmo ele já tinha desistido?
Por quê?
Ele sentia o peso no peito, aquela opressão constante que tornava o ar difícil de respirar. Seus dedos se moveram por conta própria, clicando no perfil da conta, digitando algo no chat privado. Mas, antes mesmo de enviar qualquer coisa, ele viu.
Uma mensagem não lida.
De uma semana atrás.
[|Fique bem, Yoo Joonghyuk. Eu estou aqui. Sempre vou estar.|]
Ele nunca tinha lido. Nunca tinha visto antes.
Um riso amargo escapou de seus lábios.
Esse farsante maldito...
Ele era realmente uma coisa.
Não importava o que acontecesse, não importava o quão fundo Yoo Joonghyuk afundasse, aquele cara nunca o abandonava.
Nem mesmo agora.
Seolhwa nem conseguia olhá-lo na cara depois das inúmeras discussões. Ele entendia. Ela estava lidando com o trauma de perder o bebê. A dor dela era grande demais, pesada demais. Então, ela ficou no apartamento deles, enquanto Yoo Joonghyuk se mudou para um pequeno apartamento alugado.
Sua equipe... Lee Hyunsung, Lee Jihye, Jung Heewon, Kim Namwoon... eles já nem o viam mais. Ele evitava o prédio onde estavam instalados. Ainda pagava o aluguel, mas sequer pisava lá.
E sua irmã, Yoo Mia. Ela estava com Namgung Minyoung agora. Ele sabia que era o melhor para ela, sabia que ela estava segura. Mas ainda assim…
Ele não a via mais também.
Ele estava sozinho.
Completamente sozinho.
Ou, pelo menos, era o que pensava.
Mas aquele cara...
Aquele farsante maldito...
Ele queria conhecê-lo.
「• • •」
"Capitão?!" Lee Jihye quase gritou, os olhos arregalados ao ver Yoo Joonghyuk.
O espaço era grande, projetado para acomodar confortavelmente mais de cinco pessoas. Tinha quartos, banheiros e era totalmente adaptado para caçadores rank S, com computadores de última geração, equipamentos de treino e até um saco de pancadas reforçado. Um lugar montado perfeitamente para viver e trabalhar.
Mas Yoo Joonghyuk não pisava ali há meses.
Meses.
Jung Heewon não estava presente, mas Lee Hyunsung e Kim Namwoon, que estavam, congelaram no lugar, trocando olhares alarmados.
Yoo Joonghyuk parecia péssimo.
Mas, considerando seu estado anterior, isso já era um progresso.
Ele vestia roupas sociais casuais, o que já era um milagre. Seu cabelo preto estava penteado para trás, levemente bagunçado, mas de forma proposital, como se tivesse tentado parecer apresentável e desistido no meio do caminho.
"De volta ao trabalho." Sua voz soou baixa, grave, autoritária.
Os três instintivamente voltaram para seus computadores, tão obedientes que pareciam terem sido treinados especificamente para isso.
"Temos que colocar tudo em ordem. Em até uma semana." Ele resmungou, caminhando até um dos computadores livres.
Os três membros da equipe pararam o que estavam fazendo e acompanharam seus movimentos com olhos de águia, como se estivessem prestes a testemunhar algo absurdo.
E testemunharam.
Yoo Joonghyuk ligou o computador, abriu um aplicativo de mensagens e...
Os três congelaram.
Midday Tryst.
Eles estavam esperando... alguma coisa. Talvez um plano complexo, uma estratégia detalhada, algo digno do Capitão do time.
O que eles não esperavam era que ele abrisse o Midday Tryst.
O famoso aplicativo de mensagens ultrasseguro que funcionava em qualquer dispositivo, a qualquer hora.
Era uma plataforma famosa por proteger conversas privadas e impossibilitar rastreamento ou identificação dos usuários, além de ser caríssimo.
E também, por ser o aplicativo favorito de gente metida em esquemas ilegais, políticos corruptos e maridos infiéis desesperados para esconder suas amantes.
Mas lá estava Yoo Joonghyuk, abrindo o aplicativo na frente de todo mundo como se fosse a coisa mais normal do mundo.
O trio se entreolhou.
Que diabos?
Um bate-papo surgiu na tela em um tom de azul translúcido, o nome do contato brilhando em branco como um letreiro chamativo.
OD.
Lee Jihye piscou.
Kim Namwoon franziu a testa.
Lee Hyunsung respirou fundo como se estivesse se preparando para algo traumático.
"Este é OD." Yoo Joonghyuk explicou calmamente, sem qualquer cerimônia. "Ele estará encarregado de cuidar das coisas por aqui."
Silêncio.
Então, como um bando de urubus famintos, os três voaram para trás de Joonghyuk, tentando ler as mensagens na tela.
Eles esperavam algo extraordinário, um segredo ultrassecreto, algo super escandaloso — mas, para o desgosto de Kim Namwoon e para a confusão de Lee Jihye e Lee Hyunsung, o que estavam vendo era apenas dois homens conversando normalmente.
Yoo Joonghyuk enviava fotos das suas refeições, algumas de si mesmo escovando os dentes, outras deitado na cama, pronto para dormir, com uma mensagem simples de "boa noite" e, em várias, simplesmente cozinhando ou saindo da academia.
Eles até trocavam mensagem todos os dias.
"Você tá pagando por esse aplicativo ultra secreto só para flertar?" Kim Namwoon perguntou, a voz cheia de julgamento e incredulidade.
Yoo Joonghyuk virou-se com um olhar mortal, e no mesmo instante, Kim Namwoon se calou, engolindo as palavras.
Yoo Joonghyuk, com um suspiro pesado, rolou a conversa até a parte mais relevante e virou a tela para seus colegas, que começaram a ler rapidamente.
Na primeira parte da conversa, tudo o que Yoo Joonghyuk e OD discutiam era sobre portais que estavam à venda por um preço extremamente abaixo do valor de mercado. Eram portais ranqueados como E e F, praticamente inúteis, e não fazia sentido algum para Yoo Joonghyuk gastar dinheiro com eles.
Porém, OD insistiu para que ele comprasse todos os portais disponíveis.
Yoo Joonghyuk ficou confuso. Por que investir em algo tão insignificante? A explicação de OD, no entanto, foi simples: eles seriam úteis no futuro. Algo em seu tom fez Yoo Joonghyuk decidir confiar naquilo. E, apesar de não compreender a linha de raciocínio de OD, ele acabou comprando todos os portais. Todos.
Depois disso, a conversa foi para outro assunto: OD começou a pressioná-lo a se juntar a uma guilda — ou pelo menos a criar uma.
Yoo Joonghyuk imediatamente colocou o pé no chão, recusando a ideia de se submeter a qualquer guilda. Mas OD foi tão insistente quanto.
E a insistência foi tanta que, no final, Yoo Joonghyuk cedeu e concordou em discutir opções de guildas para se juntar. Eles começaram um debate produtivo sobre as vantagens e desvantagens das guildas mais famosas, suas estruturas, objetivos e possíveis benefícios.
Yoo Joonghyuk, contrariando todos as pressuposições, realmente participava da conversa.
Enquanto isso, os três caçadores observavam a troca de mensagens, boquiabertos. Eles estavam acostumados a ver Yoo Joonghyuk ser, no máximo, curto e grosso em qualquer tipo de interação social. Normalmente, sua comunicação se resumia a monossílabos indiferentes — um "hm.", um "ok.", talvez, em momentos de extrema generosidade, um "cale a boca." e "desapareça da minha frente." Ele raramente respondia a alguém, e se respondia, eram frases ou palavras curtas e diretas, como se estivesse tentando pôr um ponto final na conversa.
Eles já tinham visto muitas coisas absurdas desde que o apocalipse começou — monstros saindo de portais, cidades inteiras sendo destruídas, caçadores de rank S lutando ferozmente contra criaturas monstruosas — mas nada, absolutamente nada, os tinha preparado para aquilo. Yoo Joonghyuk, o homem que tratava palavras como se fossem gentilezas desnecessárias, estava escrevendo frases inteiras.
Não apenas isso, mas ele também estava convivendo com outra pessoa que não fosse sua noiva, Lee Seolhwa, ou sua irmã mais nova, Yoo Mia.
Yoo Joonghyuk, o mesmo homem que tratava interações sociais como um fardo desnecessário, estava mantendo contato diário com outro ser humano. E não apenas respondendo por obrigação, ele enviava fotos, vídeos, puxava assunto, e até dava bom dia primeiro.
Ele estava, de fato, se esforçando para manter uma conversa.
Mais estranho que isso, era a dinâmica entre eles. OD sabia exatamente o que dizer, como tocar nos pontos certos para que Yoo Joonghyuk cedesse a tudo o que ele sugerisse — coisas que, normalmente, Yoo Joonghyuk jamais faria. O capitão deles, geralmente tão cabeça dura e firme, estava se deixando levar pelas sugestões de alguém de fora.
Era estranho ver Yoo Joonghyuk assim com alguém. Sendo tão humano. Tão... normal.
Yoo Joonghyuk não era assim com ninguém.
Nem mesmo com Lee Seolhwa, sua própria noiva.
Lee Jihye lançou um olhar rápido para Kim Namwoon, tentando não entrar em pânico. O outro adolescente devolveu o olhar com a mesma expressão perturbada, como se tivessem acabado de testemunhar algo que não deveriam. Um olhar que dizia: Você também está pensando o que eu estou pensando?
E sim, eles estavam pensando exatamente a mesma coisa.
Yoo Joonghyuk tinha desaparecido por meses. Ninguém sabia exatamente o que ele esteve fazendo durante esse tempo em que esteve completamente isolado e fora de contato.
E agora ele voltou… trocando mensagens todos os dias com um cara aleatório?
Os dois juniores trocaram mais um olhar carregado de confusão. Nenhum deles ousou mencionar o nome de Seolhwa. Não agora. Não enquanto Yoo Joonghyuk ainda carregava aquele olhar cansado, um olhar que dizia que um único comentário errado poderia quebrá-lo de vez.
Mas eles pensaram. Pensaram. Pensaram até demais.
Era isso o que o capitão deles estava fazendo esse tempo todo? Tendo um caso com um homem? Traindo sua noiva Lee Seolhwa?
Lee Jihye respirou fundo e voltou a olhar para a tela, tentando afastar os pensamentos desagradáveis sobre o capitão. Kim Namwoon fez o mesmo, embora parecesse inquieto. Apenas Lee Hyunsung, alheio ao debate silencioso entre os dois mais jovens, continuava analisando as mensagens com um semblante concentrado.
Quando finalmente terminaram de ler, o silêncio pesou na sala. O silêncio era denso. Nenhum deles sabia exatamente como reagir a tudo aquilo.
Os três encararam Yoo Joonghyuk, esperando por alguma explicação.
Foi ele quem quebrou o silêncio primeiro.
"Eu comprei todos os portais, exatamente como ele me disse para fazer." Sua voz soou firme e controlada, os braços cruzados sobre o peito. "E ele estava certo."
"Espera, o quê?" Lee Jihye piscou, atordoada, afastando seus devaneios anteriores.
"O valor dos materiais extraídos desses portais dispararam exponencialmente após uma pesquisa recente dirigida por alguns pesquisadores da Associação Chinesa de Caçadores." Yoo Joonghyuk continuou, impassível. "E a maioria desses portais no território coreano estão sob minha posse agora. A previsão é que os valores continuem subindo."
Lee Jihye abriu e fechou a boca algumas vezes, o queixo praticamente caindo. Lee Hyunsung arregalou os olhos, chocado. Kim Namwoon apenas limpou a garganta, tentando disfarçar o choque.
Resumidamente, os portais considerados sem valor e investimentos não lucrativos pela Associação Sul-coreana de Caçadores e pelas grandes e médias guildas, vendidos a preço de pechincha, acabaram se revelando uma verdadeira mina de ouro por causa dos materiais, não pelos monstros.
Esse tal de OD...
Ele previu isso?
"O quê?! Como ele sabia disso?" Lee Jihye exclamou, gesticulando com as mãos nervosamente. "Esse cara... ele é um profeta ou algo assim?!"
Yoo Joonghyuk lançou um olhar sombrio na direção da adolescente, como se a simples menção da palavra "profeta" fosse um insulto — especialmente devido à associação com Anna Croft. Ele havia desenvolvido um profundo desgosto por profetas por causa daquela mulher traíra e manipuladora.
E aquele olhar foi o suficiente para Lee Jihye reformular suas palavras.
"Quero dizer… se ele for o mesmo cara que recrutou o Hyunsung oppa, a unnie Heewon e esse moleque aqui," Ela apontou para Kim Namwoon, que estalou a língua e franziu o cenho, "então ele tem que ser um profeta, não é?!"
"Ou um lunático." Kim Namwoon retrucou mal-humorado, ainda desconfiado.
"Eu considerei essa possibilidade." Yoo Joonghyuk admitiu, tamborilando os dedos sobre a mesa em um tique impaciente. "Não acho que seja esse o caso. OD é muito mais do que um profeta de esquina, diferente daquela mulher." Ele praticamente cuspiu a última parte, tamanho o desgosto de apenas citar Croft na conversa.
"Então o que ele é?" Lee Jihye insistiu, muito mais envolvida na coisa toda agora. "Ele tem que ser um gênio! Esse cara parece saber de tudo!"
Yoo Joonghyuk assentiu, concordando, e, estranhamente, parecia até orgulhoso dos elogios de sua caçadora mais jovem, como se as palavras fossem, na verdade, dirigidas a ele.
Para qualquer um, pareceria que quem estava sendo elogiado era ele.
Lee Hyunsung, que estava quieto até então, finalmente decidiu abrir a boca, "Ele está ajudando o capitão... de graça? Esse tempo todo?" Seu tom era hesitante, como estivesse pisando em território instável.
"Isso é o que eu quero saber." Kim Namwoon entrou na conversa, cruzando os braços e franzindo o cenho. "O que ele quer em troca?"
Os três lançaram olhares intensos em direção a Kim Namwoon. Yoo Joonghyuk parecia pronto para matar alguém, Lee Jihye o olhava como se o adolescente fosse um completo idiota, e Lee Hyunsung o encarava com pena.
"É uma preocupação válida, certo?" Lee Hyunsung coçou a nuca com aquele jeito meio sem graça, entrando no meio da conversa para tentar salvar a bunda de Namwoon.
"Óbvio que é válida!" Kim Namwoon retrucou, exasperado. "Não precisamos de uma Anna Croft 2.0." O idiota continuou, ignorando os olhares assassinos que estavam sendo lançados em sua direção.
"E outra, o capitão tem a Seolhwa noona, então, pra que ele precisaria desse OD? Quem ele acha que é para chegar assim e tentar substituir a noona?" O adolescente resmungou, mencionando o nome proibido na conversa.
Lee Jihye e Lee Hyunsung congelaram imediatamente. Um silêncio tenso tomou conta da sala até que, de repente, um estalo alto ecoou na sala, seguido por um Kim Namwoon gemendo de dor e se curvando para frente após receber um tapa forte na nuca.
"Cale-se." Yoo Joonghyuk grunhiu, seu tom de voz baixo, grave e mal-humorado, mas surpreendentemente controlado.
Ao contrário do esperado, ele não estava enlouquecendo de raiva. Nem parecia devastado. Sua expressão estava fechada, mas ele não demonstrava qualquer sinal de raiva irracional. Ele estava... normal. Isso, sim, era algo estranho. Ele parecia normal. Normal até demais.
"Não compare OD com aquela profeta de quinta categoria." Yoo Joonghyuk resmungou, jogando-se de volta na cadeira. "Não ajam como se soubessem de tudo. Nós precisamos do OD mais do que ele precisa de nós— Não." Ele se interrompeu abruptamente no meio da frase.
"Ele não precisa de nós." O infame Rei Supremo concluiu friamente, com uma aceitação perturbadora para o restante do time. "Mas se queremos evoluir, nós precisamos dele."
Os três ficaram em silêncio, absorvendo o peso das palavras do capitão.
"O que ele nos disser para fazer," Yoo Joonghyuk continuou, a voz grave e firme, "nós faremos."
Lee Jihye, Lee Hyunsung e Kim Namwoon trocaram olhares breves antes de assentirem, sem necessidade de mais palavras. A lealdade deles a Yoo Joonghyuk era inquestionável — se ele dizia que precisavam de OD, então era isso. Eles confiavam nele. Sempre confiaram.
Mas Yoo Joonghyuk não parou por ali.
"Nosso time vai se juntar a uma guilda, exatamente como OD sugeriu." Yoo Joonghyuk anunciou, pegando seus três companheiros de surpresa com a notícia repentina.
"Nosso time fará parte da guilda N'Gai." Ele acrescentou, ainda tamborilando os dedos sobre a mesa distraidamente.
"N'Gai?" Lee Jihye repetiu, a confusão estampada em seu rosto. "Que guilda é essa?"
"Por que essa?" Kim Namwoon reclamou, cruzando os braços. "Droga, não tinha uma mais maneira? Tipo a Black Cloud? Que guilda merda é essa?" Apesar da provocação, ele não parecia realmente discordar da escolha do capitão — só estava sendo Kim Namwoon.
"Eu também nunca ouvi falar dessa guilda antes, capitão." Lee Hyunsung confessou hesitantemente, compartilhando a mesma confusão dos outros.
Yoo Joonghyuk grunhiu em reconhecimento, sinalizando que estava ouvindo.
"N'Gai é uma guilda recém-fundada." Ele explicou, observando a confusão nos rostos de seus companheiros. "O dono é um conhecido de longa data. Será mais fácil assim. Teremos tratamento preferencial, não precisaremos lidar com burocracia e não precisaremos lidar com ninguém nos atormentando com assuntos fúteis de guilda."
Os três trocaram olhares antes que um som uníssono de "oooh" preenchesse a sala, indicando que, finalmente, entenderam a lógica por trás da escolha.
"Faz sentido." Lee Hyunsung assentiu com um sorriso tímido, parecendo mais convencido.
O único detalhe que Yoo Joonghyuk omitiu foi que, na verdade, não existia nenhum “conhecido de longa data” envolvido. A Guilda N'Gai não tinha sido fundada por ninguém além dele mesmo. Ninguém sabia disso. Nem mesmo OD.
Ele estava conversando com OD quando tudo aconteceu, debatendo a importância de ter uma segunda persona para lidar com outros assuntos. Foi assim que surgiu o "Secretive Plotter" – a outra persona de Yoo Joonghyuk, destinada a agir pelas sombras, administrar uma guilda, envolver-se em esquemas obscuros e até sabotar outras guildas.
Ele fundou a guilda há apenas algumas semanas e usou todos os fundos para comprar um prédio, onde instalou a N'Gai e começou suas atividades. Claro, essa informação era confidencial. Ninguém poderia saber que o "Secretive Plotter" era, na verdade, Yoo Joonghyuk. Pelo menos, não por enquanto.
「• • •」
Dois anos após a fundação da N'Gai, ela se tornou uma das principais guildas de Seul. Com a fama, vieram também inúmeras tentativas de sabotagem. Como a identidade do fundador e dono da guilda permanecia um mistério, muitos tentavam descobrir a verdadeira identidade de Secretive Plotter para afetar diretamente sua pessoa — e falhavam miseravelmente, obviamente.
Com a expansão, que agora contava com pelo menos cinco sedes espalhadas pela Coreia do Sul e até no exterior, a persona Secretive Plotter chamou ainda mais atenção, especialmente por ter o time do Rei Supremo — o melhor time de caçadores da Coreia do Sul — sob seu comando, algo que nenhuma outra guilda tinha sequer chegado perto de conseguir antes.
Além disso, seus esquemas se tornaram cada vez mais audaciosos. Ele passou a sabotar outras guildas, participar ativamente de operações arriscadas e se envolver em esquemas perigosos. Em uma dessas ocasiões, embora a N'Gai não tenha sido diretamente responsável, acabou arruinando um negócio grande envolvendo a guilda estrangeira Eden, afetando guildas maiores e forçando o fechamento de pelo menos sete guildas menores que estavam sendo gerenciadas por Eden.
Inicialmente, a situação não causou grandes transtornos; a vida seguiu seu curso sem maiores interferências. Mas, de repente, uma caçadora Rank S estrangeira apareceu na porta da N'Gai. Baixa, com longos cabelos loiros e intensos olhos verdes, ela rangia os dentes e estava completamente furiosa, ameaçando detonar a sede sul-coreana da N'Gai se o "bastardo do Secretive Plotter" não aparecesse pessoalmente para resolver a questão.
Essa mulher era Uriel, vice-presidente da guilda Eden e uma das poucas caçadoras reconhecidas mundialmente por uma força avassaladora e uma inteligência assustadora. Yoo Joonghyuk não teve outra escolha. Para enfrentar a situação, ele vestiu o primeiro véu, — aquele que escondia seu rosto — arrumou-se formalmente e preparou uma sala para receber Uriel.
Durante o encontro, Uriel mal disfarçou sua fúria; se o olhar pudesse matar, Plotter já estaria morto. Contudo, após algumas trocas formais de gentilezas, ela se acalmou, embora seus olhos continuassem a brilhar com uma animosidade impressionante.
Foi assim que começou a aliança entre a N'Gai e a Eden: duas guildas grandes que não se intrometiam nos negócios uma da outra, mas que, em troca, se comprometeriam a enviar ajuda mútua em caso de necessidade. Para Secretive Plotter, a parceria se revelou mais vantajosa do que ele imaginava. E Uriel também demonstrava uma satisfação estranhamente perturbadora com o acordo.
Ele descobriu o motivo algumas semanas depois. A desgraçada começou a abusar dos termos do contrato, exigindo repetidamente — e exageradamente — que Yoo Joonghyuk saísse do país com sua equipe para realizar limpezas de portais em favor da guilda Eden. Essa imposição não só complicava a logística e aumentava os custos operacionais, como também restringia a autonomia da N'Gai, que agora se via forçada a cumprir obrigações que ultrapassavam os termos originalmente acordados.
Em resumo, a aliança, que inicialmente parecia uma jogada brilhante, tornou-se uma fonte constante de estresse. Uriel e a Eden passaram a usar a parceria para ampliar seu controle sobre as atividades de caça de portais, forçando Yoo Joonghyuk e sua equipe a se deslocarem repetidamente para cumprir suas exigências. Secretive Plotter mantinha-se em silêncio sobre esses abusos, — como líder de guilda, ele deveria — mas, como Yoo Joonghyuk, essa aliança estava se tornando realmente irritante.
Foi só quando uma explosão de portais em Seul transformou a cidade em um caos que a aliança provou seu valor. Uriel, pessoalmente, apareceu para resolver o problema, lutando lado a lado com o infame Rei Supremo e sua equipe para manter os portais sob controle.
Foi nesse momento que Yoo Joonghyuk começou a nutrir um certo respeito por Uriel. E, surpreendentemente, o sentimento parecia mútuo. Uriel tratava Yoo Joonghyuk com uma doçura muito maior do que dedicava a Secretive Plotter.
Se ela ao menos soubesse que ambos eram a mesma pessoa...
「• • •」
Foi por volta da época em que a parceria com a Eden foi oficialmente firmada que OD simplesmente desapareceu.
Era como em qualquer outro dia: Yoo Joonghyuk e OD trocavam mensagens com muita frequência, como normalmente, até que, de repente, OD disse que Yoo Joonghyuk estava finalmente estável e que, portanto, não precisaria mais dele.
Yoo Joonghyuk, quase ofendido, o xingou de idiota e reafirmou mais de uma vez que o que eles tinham não era apenas uma simples relação de dar e receber. Eles eram muito mais do que simples desconhecidos. Porra, Yoo Joonghyuk nem o via mais como um simples amigo.
Na verdade, Yoo Joonghyuk estava prestes a perguntar se OD estaria disposto a sair para um encontro, não apenas como parceiros ou amigos, mas um encontro de verdade.
OD fazia Yoo Joonghyuk sentir coisas que ele nunca sentiu por ninguém. Como esperar ansiosamente o dia inteiro por uma mensagem. Ou ficar genuinamente decepcionado se não pudessem conversar, nem que fosse por alguns minutos.
OD o transformou nessa coisa patética e afetuosa que enviava mensagens de "bom dia" sem falhar um único dia. Que perguntava se ele já comeu, se tomou banho, se estava se cuidando. Que, contra toda lógica e bom senso, se preocupava.
Isso era tudo culpa dele.
E o pior? Yoo Joonghyuk não odiava isso tanto quanto deveria.
E, honestamente, depois que Lee Seolhwa e ele se distanciaram, e agora que estavam tomando as providências para romper o noivado, ele começou a entender que não queria continuar com algo que claramente não daria certo. Claro, muitas pessoas foram contra o término. Mas Seolhwa tinha o direito de estar com outra pessoa, assim como ele também tinha.
E, de alguma forma, Yoo Joonghyuk sentia que já tinha essa pessoa.
Ele se viu cada vez mais atraído por OD, e não importava se OD fosse homem ou mulher, feio ou bonito. Era a maneira como OD fazia piadas bobas, era a maneira como ele ria, como tirava fotos de gatos aleatórios e as enviava para Joonghyuk sem contexto algum, como falavam mal dos outros juntos, como podiam passar horas conversando sem se cansar um do outro, era a maneira como ele simplesmente agia como ele mesmo que atraía Joonghyuk.
As provocações idiotas, as noites passadas em longas ligações não planejadas, as refeições compartilhadas por fotos, a paciência e o cuidado com que ele tratava Joonghyuk – sempre presente, nos momentos bons e ruins. Tudo neles parecia natural, fácil. Genuíno.
Eles simplesmente funcionavam bem juntos.
E ele era cativante sem nem ao menos tentar. E era tudo isso nele que atraía Yoo Joonghyuk.
Pela primeira vez em muito tempo, Yoo Joonghyuk sentiu como se tivesse 15 anos de novo, lembrando-se dos dias no terraço da escola com aquele garoto pálido e magro, coberto de hematomas, cujo rosto e nome agora ele não se lembrava mais.
Tudo parecia tão certo, tão natural, como se sempre devesse ter sido assim.
OD trazia à tona o lado humano de Yoo Joonghyuk — um lado que ele próprio já não sabia se ainda existia.
De alguma forma, OD conseguia alcançar partes dele que pareciam há muito tempo perdidas, preenchendo os vazios que o tempo e a dor deixaram para trás. Com ele, Yoo Joonghyuk não era apenas um caçador, uma arma ou um sobrevivente.
Ele não era o Rei Supremo, que era sufocado com expectativas e tratado como um homem frio e sem coração.
Não. Com ele, Yoo Joonghyuk se sentia vivo de novo. Vivo de verdade.
Ele se sentia tranquilo, como se finalmente pudesse descansar e confiar em alguém.
E então, quando Yoo Joonghyuk finalmente estava decidido em dar esse passo no relacionamento deles,
OD desaparece.
Sua conta no Midday Tryst foi desativada sem explicação.
Suas últimas mensagens foram um adeus camuflado, para que Yoo Joonghyuk não percebesse durante a conversa.
A conta do fã-clube dedicado ao "Rei Supremo" ficou inativa, abandonada.
OD se foi.
Exatamente como uma certa pessoa.
Ele se lembrou de um certo alguém que do ensino médio, um certo alguém que se jogou do terraço — um certo alguém que ele amou profundamente e não conseguiu salvar.
Isso despedaçou Yoo Joonghyuk com todas as forças.
Mais uma vez, a vida, essa maldita vida miserável, arrancava algo dele.
Provando que, não importa o quão forte ele se tornasse, o quão rico ficasse, o quanto amadurecesse, ele perderia alguém.
Perderia ele.
OD era tão parecido com aquela pessoa. E era isso que era mais doloroso. Sem perceber, ele estava repetindo as mesmas coisas. Os mesmos erros.
Ele passou a enviar mensagens todos os dias para um contato que ele sabia que não responderia.
Ele se pegou tirando fotos de seus almoços e abrindo o contato de OD, apenas para se lembrar que ele não estava mais lá.
Ele começou a pensar no que OD diria das coisas se estivesse lá.
Começou a pensar como seria se OD estivesse lá.
Pensando em como poderia ter sido.
Se ele tivesse sido mais rápido.
Se tivesse se declarado antes.
Se tivesse tentado mais.
Se ele tivesse descoberto quem OD era, ele estaria aqui agora?
Tudo isso o fez questionar o sentido da vida novamente, como se cada mínima coisa fosse apenas mais uma lembrança amarga do que ele já tinha perdido.
Cada tentativa de seguir em frente agora se mostrava vazia e amarga, como se ele só tivesse conseguido seguir em frente graças a OD, e a ausência dele — desse falso salvador — reacendeu feridas antigas, as mesmas que marcaram sua adolescência e o fizeram sentir que, inevitavelmente, tudo que amava seria arrancado dele.
Era assim que ele teria que viver?
Perdendo tudo que amava?
OD.
Você me prometeu que sempre estaria ao meu lado.
Por que você não poderia ser diferente?
「• • •」
Vinte e sete anos.
Yoo Joonghyuk tinha vinte e sete agora. Dez anos se passaram desde o início do apocalipse e quase quatro anos desde a fundação da N'Gai.
Quase dois anos sem OD.
E como sempre fez, escondeu sua dor e seguiu em frente, mantendo seu lado frágil enterrado no fundo, escondido por uma fachada de indiferença e ignorância. E nesmo assim, durante todo esse tempo, uma parte dele insistiu: OD está vivo, e, não importando o que fosse necessário, ele iria encontrá-lo.
E quando o encontrasse, iria enforcar aquele bastardo até ter uma resposta.
Naquele dia, Yoo Joonghyuk estava em uma reunião online como Secretive Plotter, ouvindo em silêncio enquanto um grupo de líderes de guilda debatiam sobre assuntos irrelevantes. Seus dedos tamborilavam sobre a mesa, impacientes, quando o telefone vibrou.
Lee Hyunsung.
Ele não pensou duas vezes antes de atender, silenciando o microfone da reunião.
"O que?" Sua voz saiu baixa e áspera, resultado da exaustão.
"Capitão." A voz tensa de Lee Hyunsung o saudou do outro lado, e Yoo Joonghyuk se viu suspirando pesadamente, já sentindo uma dor de cabeça começar.
Ele mal estava acompanhando o relatório que o time estava enviando em tempo real, mas ele tinha lido o suficiente para saber que não parecia nada demais.
Ele não pôde acompanhar eles nessa quebra de portal, mas estava se mantendo atento, caso algo acontecesse e ele tivesse que largar tudo para estar lá. Mas não parecia nada realmente perigoso, apenas alguns monstros do tipo demoníaco, nada que um bando de caçadores rank S não pudessem lidar.
Então, por que Lee Hyunsung estava tão tenso?
"Seja breve. Estou ocupado." Ele massageou as têmporas, sentindo a dor de cabeça piorar.
"Ah— é só que— nós pegamos o monstro que escapou, um demônio, aparentemente rank B... que é bem forte—" Lee Hyunsung gaguejou, fugindo do assunto.
"Lee Hyunsung." Yoo Joonghyuk rosnou, interrompendo rispidamente.
E antes que o outro pudesse responder, uma voz estridente gritou no fundo.
"Capitão!" Era Kim Namwoon, gritando tão alto que Yoo Joonghyuk teve que afastar o telefone do ouvido. "É só um Ahjussi idiota que não evacuou quando as sirenes tocaram! O Hyung tá fazendo escândalo por nada!"
Um Ahjussi?
"Um civil se machucou?" Ele se endireitou na cadeira rapidamente, agora prestando mais atenção.
"Ele está bem—! É só... ele se machucou um pouco. Vou levá-lo ao hospital, então—..." Lee Hyunsung gaguejou, nervoso.
"Então por que me ligou?" Yoo Joonghyuk cortou, a voz seca e severa. "Se ele está bem, leve-o ao hospital e pare de me atrapalhar."
"Capitão, é que—"
Yoo Joonghyuk encerrou a ligação antes que Lee Hyunsung pudesse terminar de falar, impaciente demais para escutar mais alguma besteira inútil.
Ele passou a mão pelo rosto, frustrado.
Idiotas.
Não era nada importante.
Com um suspiro irritado, Yoo Joonghyuk voltou para a reunião, decidido a ignorar isso e voltar ao que estava fazendo antes.
「• • •」
Fazia anos que não acontecia uma quebra de portal tão brutal assim.
Yoo Joonghyuk estava em casa, cozinhando para Mia, que voltou da Ilha de Jeju com Namgung Minyoung há algum tempo atrás. Yoo Mia estava morando com ele novamente, depois da mestra dele decidir que ele estava são o suficiente para cuidar de uma criança.
Mia tinha quase 12 anos agora.
Ela não era mais aquela mesma criança de oito anos, mas ainda era muito apegada a Yoo Joonghyuk. Namgung Minyoung tinha cuidado bem dela enquanto ele estava afastado, lidando com seus próprios demônios.
Ele era grato por isso...
E, agora, ele se esforçava para recuperar o tempo perdido e compensar sua ausência.
Foi quando ele estava colocando a mesa que seu telefone começou a vibrar loucamente no bolso.
Ele pensou em ignorar, para aproveitar um tempo de qualidade com sua irmãzinha Mia, mas poderia ser importante. Como um caçador rank S e presidente de uma guilda, ele poderia receber ligações importantes a todo momento.
E exatamente como ele imaginou, era uma chamada direto da Associação Sul-Coreana de caçadores. Ele rapidamente atendeu como Secretive Plotter e, ao receber a notícia, correu para avisar o restante do time para se encontrarem no local.
Ele avisou Mia, e a garotinha, madura como sempre, apenas assentiu e pediu para que ele tomasse cuidado.
Certificando-se de que tudo estava seguro em casa, Yoo Joonghyuk pegou as chaves do carro e saiu rapidamente, dirigindo a toda velocidade até o local da ocorrência.
Quando chegou, Lee Hyunsung já estava no local, junto com Lee Jihye. Os únicos que não tinham chegado ainda era Jung Heewon e Kim Namwoon.
Mas, no fim, nem precisou deles.
Durante o trajeto, ele ouviu no rádio sobre um suposto despertado não identificado que apareceu na cena e impediu o monstro de causar mais destruição. Era uma transmissão ao vivo e para sua surpresa, a informação era verdadeira.
Enquanto Lee Hyunsung parecia ocupado cuidando do despertado não identificado, que estava caído agora, Lee Jihye estava lutando sozinha.
Yoo Joonghyuk nem precisou fazer muito.
[Chamas Negras SS ativada.]
Sua espada foi consumida por chamas negras escaldantes, crepitando com uma fúria selvagem. Ele avançou como um raio, os pés deslizando pelo asfalto rachado como se estivesse deslizando sobre gelo liso, e desferiu um golpe pesado e violento com a espada. O aço incendiado cortou a pele grossa do monstro, arrancando um rugido de dor que fez o ar vibrar.
O monstro tentou recuar, mas Yoo Joonghyuk não deu a oportunidade para o monstro fugir. Com uma precisão impiedosa, sua lâmina cortou o ar com golpes rápidos e precisos. Cada investida abria feridas profundas no monstro réptil, que rugia em fúria e dor, recuando instintivamente.
O monstro cambaleou, ferido, soltando um grunhido gutural. Seus olhos amarelados brilharam em desespero, sem nem mesmo ter a chance de revidar, mas já era tarde demais. Yoo Joonghyuk ajustou a pegada na espada e, com um salto poderoso, desferiu o golpe final.
A lâmina, envolta em chamas negras, rasgou a criatura de cima a baixo. O impacto ressoou como um trovão, e o rugido de agonia do monstro ecoou pelas ruas devastadas. Seu corpo estremeceu uma última vez antes de desabar pesadamente no chão.
As chamas negras consumiram o cadáver, devorando-o até que nada restasse além de cinzas sopradas pelo vento.
[O 'Colosso Réptil' rank A foi derrotado!]
A notificação apareceu em sua visão periférica, mas Yoo Joonghyuk mal lhe deu atenção.
Então aquela coisa era um monstro acima do nível A? Isso explicava por que Lee Jihye estava tendo dificuldades para lidar com esse monstro. Mas para ele, não passou de uma pequena pedra.
[Calculando recompensas recebidas dessa batalha...]
Ele fechou a janela sem sequer olhar. Recompensas não importavam agora.
Pessoas tinham morrido.
As sirenes das ambulâncias ecoavam pelas ruas destruídas quando a equipe de reconhecimento finalmente chegou, atrasada. Médicos corriam de um lado para o outro, enquanto a equipe de reconhecimento verificava os danos e os corpos caídos.
Então o número foi revelado.
Doze mortos. Vinte e sete feridos.
Yoo Joonghyuk ficou em silêncio.
Não havia motivos para raiva, lamentos ou justificativas. A realidade era simples: ele foi lento demais.
Como sempre.
Ele foi lento demais para salvar alguém. Lento demais para impedir uma tragédia. Lento demais para ser útil quando realmente era necessário.
Seus olhos percorreram os corpos cobertos por lençóis brancos. Sua expressão não mudou. Nenhuma emoção passou por seu rosto enquanto ele absorvia a cena diante de si. Apenas um silêncio pesado, sufocante.
Ele falhou. Com todas aquelas pessoas que perderam suas vidas. Com todos que esperaram por ele, que esperaram por uma salvação.
Ele falhou. E a culpa corroía sua mente, sussurrando que ele deveria ter sido mais rápido, mais atento, mais forte. Doze mortos. Quase trinta feridos. E, no meio de tudo, um despertado não identificado foi o único lutando desesperadamente para proteger civis enquanto eles — os caçadores que deveriam estar lá primeiro — chegavam tarde demais.
O olhar de Yoo Joonghyuk percorreu a cena com pesar, observando os cadáveres sendo recolhidos, e encontrou Lee Hyunsung parado diante de uma ambulância. O homem de aço, sempre inabalável e confiável, agora segurava alguém nos braços — um corpo esguio, frágil e imóvel.
Um garotinho estava ali, chorando incontrolavelmente, agarrando-se ao homem inconsciente nos braços de Lee Hyunsung. Seu desespero era evidente, soluços rasgavam sua garganta enquanto ele se recusava a soltá-lo.
Lee Hyunsung parecia abalado também. Fosse pelo choro da criança ou pelo estado do rapaz mole em seus braços.
Um peso desagradável se instalou no peito de Yoo Joonghyuk.
Ele estava morto?
Seu cenho franziu-se de imediato ao pensamento. Não. Ele não poderia estar.
O relatório que recebeu mencionava doze mortos, e aquele homem não deveria estar entre eles. Mas, pelo estado dele…
Talvez não sobrevivesse.
"Mestre!"
Yoo Joonghyuk desviou o olhar quando Lee Jihye correu até ele. Seu uniforme estava encharcado de sangue, os cabelos grudados na testa pelo suor e sujeira, os olhos carregados de algo que ele conhecia bem.
Culpa.
A caçadora mais jovem estava em um estado deplorável — uma prova viva do esforço que dedicou na luta contra o monstro. Suas roupas sujas e o corpo repleto de pequenos arranhões deixavam claro o quão árdua a batalha tinha sido, apesar de ser uma caçadora de rank S.
Ela mordeu o lábio antes de falar, tentando esconder o tremor na voz.
"Por favor," A garota parou diante dele, as sobrancelhas franzidas e a expressão transbordando culpa. "Deixe isso comigo e com Hyunsung-ssi oppa. Nós vamos resolver tudo."
Yoo Joonghyuk permaneceu em silêncio.
Ela estava fazendo aquela cara.
É claro que estava.
Doze civis morreram. Quase trinta estavam feridos.
E, acima de tudo, eles dependeram de um despertado não identificado para ganhar tempo porque não chegaram a tempo.
Nada disso estava certo.
E, para piorar, tudo tinha sido transmitido ao vivo.
Os vídeos já circulavam. O pânico, a destruição, o sangue derramado. Um portal de origem desconhecida abrindo no meio de um festival, em um dos dias mais movimentados da cidade? Parecia suspeito. Era certamente suspeito.
As críticas viriam. Elas sempre vinham.
Mas Yoo Joonghyuk não se importava com o que diziam dele.
Ele nunca se importou com opiniões vazias.
Mas, era outra história quando seu time falhava.
Quando pessoas morriam.
O peso do fracasso esmagava seus ombros.
E, por mais que tentasse se convencer de que aquilo era apenas mais um massacre no qual a humanidade provava sua fraqueza…
Ele fechou os olhos por um instante, reprimindo a fúria fria que ameaçava emergir.
Lee Jihye permaneceu parada à sua frente, esperando uma resposta. Seus ombros estavam encolhidos e tensos, os punhos cerrados, como se quisesse se punir pela tragédia que havia se desenrolado diante deles.
Yoo Joonghyuk soltou um suspiro pesado.
“Faça o que quiser.”
Sua voz saiu áspera, cortante, como uma lâmina afiada. Havia um peso frio em suas palavras, um tom rígido que não deixava espaço para discussão.
Ele estava furioso.
Mas, pior do que isso, ele se sentia culpado.
Culpado por sempre ser aquele que chegava tarde demais.
Sem mais nem uma palavra, ele deixou Lee Jihye para trás, seus passos firmes e carregados de uma frustração silenciosa.
Ele não sabia exatamente o que esperava ao caminhar até Lee Hyunsung. Talvez estivesse apenas seguindo o instinto, o peso da culpa empurrando-o para frente. Mas sua expressão continuava a mesma de sempre — sombria, fria, intimidadora.
Quando parou, encontrou-se de frente para as costas largas de Lee Hyunsung, que depositava cuidadosamente um corpo esguio sobre uma maca. Seus olhos automaticamente foram atraídos para a figura imóvel, absorvendo cada detalhe com uma precisão sufocante.
O garotinho de cabelos castanhos imediatamente se lançou sobre a maca, as mãozinhas tremendo enquanto agarravam o tecido ensanguentado da roupa do homem inconsciente. Seus soluços eram engasgados, entrecortados pelo desespero que apertava sua garganta.
“P-pai… p-pai, a-acorda por f-favor... p-por f-favor...” A voz trêmula e suplicante do garotinho, cheia de desespero e pânico, pesava o ar. Cada palavra dita entre soluços eram o suficiente para cortar o coração de quem ouvisse.
Mas eles tinham câmeras ao redor.
Gravando cada mínimo detalhe.
Como urubus rondando uma carcaça, os repórteres estavam ali, registrando cada segundo daquela cena devastadora.
Uma criança pequena chorando desesperadamente sobre o corpo ensanguentado de um homem, chamando-o de pai, implorando-o para acordar — seria o tipo de manchete perfeita. Um espetáculo de sofrimento que alimentaria as telas e os jornais como se fosse um banquete. O tipo de matéria sensacionalista que eles tanto adoravam.
Normalmente, Yoo Joonghyuk teria jogado todas aquelas câmeras para o ar num instante.
Mas Yoo Joonghyuk quase não prestou atenção.
Porque, no momento em que realmente olhou para o rosto do homem inconsciente, o mundo ao seu redor congelou.
O tempo desacelerou.
Seu olhar pousou sobre aquele rosto pálido, marcado por olheiras profundas, cílios longos e lábios rachados. A pele, branca como papel, estava coberta de hematomas — cada marca contando uma história que ele desconhecia. As roupas estavam gastas e sujas, como se pertencessem a alguém que já não se importava mais consigo mesmo.
Mas ele conhecia aquele rosto.
O choque atingiu seu peito como um golpe, tirando-lhe o fôlego.
Uma avalanche de memórias antigas, há muito tempo enterradas, explodiu em sua mente sem aviso algum, esmagando qualquer outra sensação.
As imagens se sobrepunham — flashes de uma voz, um rosto suave, palavras reconfortantes, de uma presença que ele nunca deveria ter esquecido.
Um adolescente pálido, com um sorriso doce e radiante, que mesmo sempre coberto por hematomas, olhava para ele com uma adoração que sufocava.
Ele se lembrou de tudo. Se lembrou do ensino médio, se lembrou de um garoto que sempre esteve ao seu lado, aquele mesmo garoto que significou tudo para ele. O garoto que foi o seu primeiro em tantas coisas, sua primeira vez.
Seu primeiro melhor amigo.
Seu primeiro beijo.
Seu primeiro amor.
Kim Dokja.
Seus olhos se arregalaram. Seu coração, tão acostumado à batalha, errou uma batida.
Ele abriu a boca, mas sua voz saiu fraca, quase inaudível.
“Você..."
Seu olhar permaneceu fixo no rosto inconsciente à sua frente, como se temesse que ele desaparecesse a qualquer momento.
Com medo de perdê-lo novamente.
E, pela primeira vez em muito tempo, Yoo Joonghyuk sentiu o frio gélido do passado apertar seu peito.
O todo-poderoso e insuperável Rei Supremo estava abalado.
Tudo por causa daquele rosto.
"Kim...Dokja...?"
Notes:
Finalmente, chegamos ao fim do flashback e alcançamos a linha do tempo atual da história. 🙏
Chapter Text
Piscando lentamente para o teto, ainda tonto e desorientado, Dokja despertou de seu estado de inconsciência. O branco e imaculado do teto o recebeu, branco e imaculado demais para ser o do velho apartamento com goteiras dele.
Ele piscou para o teto, muito atordoado para processar o que estava acontecendo.
Huh...
Estranhamente, não era infamiliar.
O cheiro estéril de antisséptico, o bipe monótono do monitor cardíaco, os lençóis finos, o ar gélido do ar-condicionado, a sensação incômoda de agulhas espetando suas veias — tudo isso era muito familiar para ele.
Era quase nostálgico.
Kim Dokja piscou, grogue, sua respiração fraca embaçando a máscara de oxigênio presa ao rosto. O barulho dos aparelhos ao seu redor parecia amplificado e, ainda assim, distante, como se sua mente estivesse tentando desesperadamente ignorá-los.
Ultimamente, ele andava acordando em hospitais com uma frequência alarmante.
Estava quase se tornando um hábito acordar em hospitais. Um péssimo hábito, diga-se de passagem.
Ele tentou usar a mão para puxar a máscara do rosto, mas algo puxou sua pele e um cansaço esmagador pesou sobre seus membros, impedindo-o de se mover ao ponto de que ele mal conseguisse levantar um dedo sequer.
Ele franziu a testa. Soro fisiológico? Ele estava tão mal assim? Bem, isso explicava muita coisa.
Meio grogue, Dokja forçou-se a focar no ambiente ao seu redor. Cortinas brancas bloqueavam a luz do sol, o que deixava o quarto levemente escuro. O ar-condicionado fazia um ruído irritante, oscilando entre um leve zumbido e um chiado baixo. Uma bolsa de soro pingava preguiçosamente ao lado da maca, conectada ao cateter em seu braço.
E o mais importante, ele estava sozinho. Sem enfermeiras, ninguém.
Se ele ainda tinha dúvidas de que estava em um hospital, agora ele não tinha mais. Isso definitivamente era um hospital.
Quantas vezes ele foi parar no hospital só esse mês?
Não, a pergunta certa seria: por que? O que aconteceu dessa vez?
Desidratação? Hipoglicemia? Deficiência de vitaminas? Talvez um colapso geral do sistema causado por uma combinação nada saudável de privação de sono, alimentação questionável e estresse crônico? Talvez tudo isso junto, considerando o estado deplorável de seu sistema imunológico.
Seria cômico, se não fosse trágico. Kim Dokja tinha um histórico médico tão extenso que os médicos provavelmente já tinham um bingo interno para cada vez que ele dava entrada no hospital. "Colapso por exaustão" era um clássico. "Desnutrição severa" também. Sem contar os bônus ocasionais, como febre alta, pressão despencando ou alguma reação adversa a medicamentos.
Mas as dores nas costelas e as pontadas agudas no pulmão diziam algo bem diferente. Uau, ok. Esqueça a desidratação, a hipoglicemia ou qualquer outro colapso autoinduzido. Isso aqui era bem pior. Desidratação não chegava nem perto do que quer que fosse isso, que porra era essa? Ele foi esfaqueado ou o quê?
Dessa vez, ele realmente tinha se superado, ein? Esfaqueado? Pelo menos isso era algo mais legal. Ser esfaqueado deve ser uma das formas mais "legais" de morrer. Não era exatamente o que ele esperava, mas com certeza era bem mais emocionante do que morrer de fome.
Ele abriu a boca para rir da própria piada que pensou mentalmente, mas só conseguiu soltar um gemido fraco antes de um zunido atravessar sua cabeça. Droga, tudo doía. Pulmões, cabeça, costelas, pernas, tudo. Nossa, parecia que um trem tinha passado por cima dele.
Esqueça, isso é tortura. Nem respirar ele conseguia. Por que diabos ele estava tão fraco? Como ele ia sair daqui, desse jeito?
Ele tentou se mover, mas seu campo de visão começou a escurecer nos cantos. Ele sentiu seus músculos perderem qualquer resquício de força e percebeu, com uma tranquilidade perturbadora, que estava desmaiando de novo.
No fim, Dokja apenas piscou algumas vezes antes de fechar os olhos novamente e deixar a inconsciência levá-lo de volta.
「• • •」
Na segunda vez em que abriu os olhos naquele dia, Dokja definitivamente não diria que estava melhor.
Droga, ele só queria bater a cabeça na parede até esmagar o crânio e, quem sabe, morrer de uma vez por todas.
O que diabos ele estava fazendo ali?!
O problema era que, ao invés da maca de hospital com aquele cheiro inconfundível de antisséptico, ele estava deitado como um cadáver abandonado, jogado perto de uma caçamba de lixo.
Exatamente isso. Uma caçamba de lixo. Suas costas estavam em contato com o metal frio e, o cheiro de chorume era absolutamente insuportável. Como diabos isso aconteceu? E principalmente, como ele foi parar ali?
Eles acharam que ele estava morto e simplesmente jogaram numa caçamba de lixo? Sério? Isso era crueldade demais, não?
Ele gemeu enquanto se sentava, tentando respirar, mas sua respiração estava péssima. Doía. Era difícil puxar o ar. E para piorar, ao olhar para baixo, ele percebeu que ainda estava usando a mesma camisola hospitalar e, para ajudar mais sua situação, uma pequena mancha de sangue estava perto do peito — ele nem fazia ideia de como aquilo foi parar ali.
Ótimo, agora ele parecia um fugitivo do hospício. Se alguém fosse gentil o suficiente, até diria que ele era um paciente que tinha saído do hospital para comprar uma água.
Não que ele estivesse com cara de quem saiu para comprar água, claro. Ele deveria estar todo descabelado agora e com os olhos vermelhos, parecendo um maluco.
Suspirando pesadamente — o que não foi uma escolha inteligente, já que isso imediatamente desencadeou uma série de tosses molhadas — ele passou as mãos pelos cabelos, tentando alisá-los para baixo, como se isso fosse de alguma forma salvar sua aparência de total desastre. Então, se forçou a tentar se levantar.
Levou mais tempo do que ele gostaria de admitir, já que seu corpo estava muito fraco. Mas, depois de uma luta silenciosa contra a dor e a fraqueza, ele finalmente conseguiu ficar de pé.
Ele ainda não estava nem perto de se sentir bem, mas, sem dúvida, estava em uma condição bem melhor do que quando acordou naquele hospital. Isso, no entanto, só aumentava a inquietação de não saber como ele tinha acabado ali, naquele estado.
Dokja sabia que tinha alguns problemas com sonambulismo, mas sério, o que foi isso? Ele fugiu do hospital enquanto estava inconsciente ou...? Droga, esqueça. Ele nem quer pensar nisso.
Usando o muro como apoio, ele caminhou lentamente pelo corredor escuro e saiu, apenas para perceber que estava em um beco.
Um beco, inclusive, perto de uma rua muito familiar.
Só mais alguns minutos e ele estaria em casa. Sim, era essa a rua que ele pegava normalmente como atalho sempre que voltava do trabalho.
Rua essa que ainda estava em obra devido ao último monstro que escapou de um portal.
Monstro esse que, inclusive... o atacou....
Bom, ele preferia não pensar muito nisso.
Não estava tão cedo. Na verdade, já estava escurecendo. E não tinha ninguém na rua.
O que era ótimo. Ele não queria que ninguém o visse naquele estado deplorável.
Ele se arrastou um pouco, com uma mão na barriga e a outra apoiada na parede, e lentamente seguiu pelo caminho que normalmente usava para chegar em casa.
Por enquanto, ele iria para casa, tomar um banho e tentar pensar no que fazer depois.
「• • •」
Chegando em casa, ele fez exatamente o que planejou. Tirou as roupas e, só então, percebeu que algo estava faltando.
Suas enormes asas negras, os chifres e os olhos vermelhos. Talvez fosse algo psicológico, mas ele começou a se sentir meio sem equilíbrio sem elas, — as asas — quase caindo várias vezes agora que não tinha aquele peso extra nas costas.
Era estranho, muito estranho. Ele tinha se acostumado com elas. Não tê-las agora era como perder uma parte de si. Como se algo parecesse... errado, como se estivesse faltando algo.
Mas, por outro lado, ele estava "normal" de novo. Isso era bom, certo? Pelo menos agora ele não precisava se esconder ou se vestir como um esquisitão tentando disfarçar sua aparência demoníaca.
Durante o banho, ele percebeu outra coisa.
Que dia era hoje?
Na segunda-feira, ele deveria ter uma consulta marcada no Centro de Despertados de Seul para descobrir se tinha despertado como caçador.
E isso o fez lembrar de outra coisa.
Lee Gilyoung.
"Puta merda!" Ele xingou para si mesmo, saltando para fora do banheiro, nem se importando com a dor, enquanto ainda estava ensopado por ter interrompido o banho no meio do caminho.
Ele nem pegou uma toalha, então só saiu pelado mesmo, correndo pela casa enquanto procurava desesperadamente por seu celular.
"Porra, não, não, NÃO!" Ele gritou mentalmente. "Onde diabos está o meu celular?! Eu perdi ele?! Sério?!"
E Gilyoung, estava bem?!
"Merda, merda, merda!" Ele xingava sem parar enquanto se lembrava do passeio de sábado, da feira, daquele monstro, de Gilyoung. "Puta que pariu!"
Ele estava surtando. Como diabos ele tinha esquecido disso tudo?
Enquanto sua mente entrava em pânico, uma sensação inquietante de frio subiu pela espinha dele, como se estivesse sendo observado.
Claro, o frio poderia ser porque ele estava completamente nu e o aquecedor estava desligado. E, com a temperatura gelada de março em Seul, isso definitivamente não ajudava.
Mas essa sensação...
Ele a conhecia bem.
Virando-se lentamente, Kim Dokja se deparou com um par de olhos escuros, que o encaravam com uma intensidade mortal, como se estivessem esperando o momento certo para atacar.
Dokja deu um grito. Um grito que, honestamente, foi a coisa menos masculina que já tinha saído da boca dele, ele tinha certeza disso.
O estranho com os olhos assassinos pareceu sair de um transe com o grito dele, e, antes que Dokja pudesse reagir, o homem avançou, agarrando-o com uma força brutal.
Em questão de segundos, os dois estavam pressionados contra a parede, o homem o segurando pelo pescoço — mas sem realmente apertar — enquanto uma mão grande agarrava sua cintura, esmagando-o contra a parede.
Com as mãos empurrando o peitoral do homem, Kim Dokja arfou, sentindo a pressão leve no pescoço, os cantos da visão escurecendo rapidamente.
Ele ia morrer. Isso estava acontecendo agora. Era isso, não era? Ele devia ter morrido antes? E agora, a morte finalmente vinha buscá-lo pessoalmente?
Kim Dokja não tinha inimigos, pelo menos não que soubesse. O pior que ele já fez foi vagabundear no trabalho e, sinceramente, ele duvidava que alguém quisesse matá-lo por isso. Quer dizer, por que diabos alguém mataria ele por isso?
Será que... alguém estava atrás dele por causa do que aconteceu na feira? Ou, talvez, por ele ser um demônio?
Era uma possibilidade.
Engolindo seco, Kim Dokja reuniu o pouco de coragem que ainda tinha e levantou os olhos, apenas para perder o fôlego com a visão.
Um par de olhos escuros e intensos o encarava fixamente, sem desviar sequer um milímetro, como se o analisasse de cima a baixo. Seus lábios, ligeiramente carnudos, estavam comprimidos em uma linha fina e rígida, e as veias saltavam nos cantos de seu pescoço e mandíbula, que estava cerrada com força. Suas sobrancelhas grossas e arqueadas emolduravam suas feições perfeitamente, fazendo-o parecer não só irritado, mas totalmente majestoso, como se fosse um Deus encarando uma pobre criatura inferior.
E era exatamente isso o que Kim Dokja era perto daquela beldade. Um pequeno verme nojento, feio e inferior. Que porra era essa? Era Deus? Deus decidiu descer para o mundo dos meros mortais e nos agraciar com sua beleza? Esse homem era perfeito demais para ser humano.
Kim Dokja não conseguia desviar o olhar. O homem tinha uma presença avassaladora, uma beleza surreal, como se fosse uma escultura que tivesse saído da mais fina arte. Cada detalhe seu era… perfeito. Os traços bem definidos, masculinos, o físico grande e atlético, a expressão, que apesar de sombria e ameaçadora, era de tirar o fôlego… tudo em seu rosto parecia feito para ser admirado.
Kim Dokja teve que engolir a saliva que se acumulava na boca, tentando não se engasgar. O esforço só o fazia se sentir ainda mais humilhado, especialmente com os olhos escuros do outro homem fixos nele, observando cada mínimo detalhe com uma atenção e intensidade quase sufocante. Até o simples movimento de seu pomo de Adão descendo enquanto ele engolia saliva não passou despercebido pelos olhos atentos.
Claro, mais humilhado do que ele já estava era difícil. Pelado do jeito que estava, exatamente como veio ao mundo, parecendo patético com aquele físico magrelo e pálido perto daquele Deus grego, com um físico que faria qualquer mulher babar e qualquer homem chorar de inveja, com aquela pele levemente bronzeada e...
Basta! O que diabos ele estava pensando? Jesus cristo, aquele homem estava quase o enforcando e ele pensando no quão bonito era o rosto do homem!
Prestando mais atenção agora... esse rosto... ele conhecia esse rosto.
Era óbvio que conhecia, quem não conheceria?
O rosto que estava em todos os outdoors, o corpo que estava estampado em todas as revistas, o nome que estava em todas as manchetes dos jornais.
Yoo Joonghyuk.
O peito de Dokja se apertou, e ele sentiu o impulso de desviar o olhar, mas não teve chance. Quando tentou, o homem soltou seu pescoço e agarrou sua mandíbula, virando seu rosto com força, forçando-o a o encarar nos olhos.
"Olhe para mim." Yoo Joonghyuk rosnou, quase sibilando no ouvido de Kim Dokja, fazendo-o paralisar no lugar, os olhos arregalados e a respiração presa no peito.
Ele obedeceu. Porra, qualquer um obedeceria. Que voz era aquela? Isso era um sonho ou algo assim? Sim, ele ainda estava no hospital. Ele não estava acordado.
Tinha que ser. Era tudo tão absurdo que só podia ser um sonho.
"Kim Dokja." O homem pronunciou seu nome com um tom tão profundo, tao grave, tão dominante, que, se pudesse, Kim Dokja teria se ajoelhado como um cachorro adestrado ali mesmo. E se possível, até latido.
Respirando com dificuldade, Kim Dokja encarou o homem, sentindo seu corpo inteiro tremer. E puta merda, ele não sabia se tremia por causa do frio ou do medo. Não importava.
O outro homem o encarou de volta, com uma intensidade que parecia enxergar através de sua alma. Kim Dokja sabia, com uma certeza gélida, que se um olhar pudesse matar, ele já estaria morto.
Ele não fazia ideia do que Yoo Joonghyuk queria dele, mas ele tinha certeza absoluta de que morreria.
A mão de Yoo Joonghyuk apertou seu pescoço levemente, fazendo-o engasgar, enquanto ele era pressionado ainda mais contra a parede, sem ter para onde fugir.
"...ou eu deveria chamá-lo de OD?" Yoo Joonghyuk praticamente cuspiu as palavras, transbordando amargura, os olhos cheios de desprezo e algo mais, — algo que parecia uma mistura de raiva e… traição? — sua mandíbula se contraiu com força, deixando claro o quão puto ele estava.
O quê?
Kim Dokja arregalou os olhos, atordoado, encarando Yoo Joonghyuk com um olhar incrédulo e quase espantado.
O que... ele tinha dito agora mesmo?
Notes:
Eu me senti um idiota escrevendo esse capítulo, mas foi meio refrescante, principalmente depois daquele angst todo
Enfim, espero que tenham gostado, o próximo capítulo provavelmente vai demorar um pouquinho mais.
Chapter 10: Capítulo 10
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Yoo Joonghyuk estava completamente paralisado.
Sua respiração estava presa na garganta, as mãos suadas e trêmulas, os olhos arregalados e os lábios entreabertos, com o rosto contorcido em uma expressão que não poderia ser descrita como nada além de dor.
Mas não era dor física. Não. Sua dor não era algo tão simples. Era crua, sufocante, como se mãos invisíveis apertassem seu peito, esmagando seu coração — uma ferida mental tão profunda que ninguém jamais conseguiria alcançar.
Exceto uma pessoa.
Kim Dokja.
Uma avalanche de memórias o atingiu com força, sufocando-o com momentos que ele enterrou tão profundamente em seu próprio cérebro. Memórias que nunca quis esquecer, mas que o tempo o forçou a apagar.
O calor de Kim Dokja ao seu lado no ensino médio.
A incerteza que surgiu quando percebeu que o sentimento em seu peito não era simples amizade.
A confusão quando sentiu os lábios dele contra os seus pela primeira vez.
O amor sufocante que nunca conseguiu declarar.
E a dor.
A dor que sentiu ao perdê-lo.
Tudo estava voltando.
Sua visão escureceu nas bordas. O peito apertado, como se algo estivesse esmagando seus pulmões, forçando o ar para fora. Sua respiração entrecortada, pesada, errática.
Isso não era real.
Não podia ser real.
Kim Dokja estava morto.
Kim Dokja se jogou do terraço.
Kim Dokja morreu.
Kim Dokja...
Por quê?
Isso era uma piada?
Era um delírio?
Ou era o próprio mundo decidindo torturá-lo, zombando de sua dor?
Yoo Joonghyuk não soube quanto tempo ficou ali, parado, imóvel, encarando aquele rosto que deveria ter ficado no passado. Um rosto que ele aceitou há muito tempo que nunca mais veria. E que agora, estava diante dele. Pálido. Machucado. E, principalmente, vivo.
Flashes.
Ele piscou rapidamente quando os flashes de luz o cegaram por um instante, arrancando-o de suas memórias e jogando-o bruscamente de volta à realidade.
O clique incessante das câmeras. O burburinho excitado dos repórteres. O som das lentes ajustando-se, focando, capturando cada mínimo detalhe da tragédia e de sua vulnerabilidade, como se fosse uma refeição deliciosa de notícias frescas.
De repente, era como se ele estivesse de volta ao ensino médio, vendo Dokja encurralado por jornalistas, cercado por câmeras, forçado a suportar perguntas invasivas e cruéis enquanto microfones eram empurrados em seu rosto.
Poucas semanas antes dele se suicidar.
No instante em que Yoo Joonghyuk se deu conta do que estava acontecendo, ele perdeu completamente a compostura.
Seu corpo se moveu antes mesmo que pudesse pensar.
Ele girou sobre os calcanhares e socou a câmera do jornalista mais próximo. O equipamento se despedaçou em estilhaços antes de atingir o chão com um estalo metálico, enquanto o impacto lançava o câmeraman ao chão, arrancando-lhe um grito de dor.
O silêncio que se seguiu foi pesado.
Os repórteres, os paramédicos, até mesmo Lee Hyunsung e Lee Jihye — todos encaravam Yoo Joonghyuk com olhos arregalados de choque, alguns até assustados.
Mas Yoo Joonghyuk não se importou.
Ele virou o rosto para o resto dos repórteres, seu peito subindo e descendo com sua respiração descontrolada. Sua mandíbula estava cerrada com tanta força que doía e seus olhos transbordavam com uma raiva selvagem.
“SAÍAM DAQUI, AGORA!” Ele gritou a pleno pulmões, a voz áspera e cortante, carregada de fúria.
Nada mais importava.
Ele JAMAIS permitiria que aquele erro se repetisse.
Se Kim Dokja ainda estava ali, se ainda existia, então ninguém — absolutamente ninguém — tinha o direito de expô-lo daquela forma. Ninguém jamais voltaria a machucá-lo. Ninguém.
Nunca mais.
Ninguém se mexeu, então Yoo Joonghyuk deu um passo à frente, avançando ameaçadoramente. Lee Hyunsung teve que correr e segurá-lo com força para impedir que ele atacasse algum dos repórteres, que recuaram assustados.
Por mais que desejasse, ele sabia que não podia machucar aqueles desgraçados daquela forma, especialmente ao vivo. Isso prejudicaria a reputação do time e da Guilda.
Um grunhido de frustração escapou de Yoo Joonghyuk, que se soltou e empurrou Lee Hyunsung para longe com tanta força que fez o homem de quase um metro e noventa cambalear para trás. O mestre do Aço, Lee Hyunsung, lançou-lhe um olhar magoado, como um cachorro chutado pelo próprio dono.
Mas Yoo Joonghyuk o ignorou, muito estressado para lidar com os sentimentos de seu próprio companheiro de equipe.
Ele virou, ignorando os repórteres, Lee Hyunsung ou qualquer um que estivesse em seu caminho, e caminhou até a maca em que Dokja estava deitado, inconsciente.
Seu cenho se franziu, e os punhos se cerraram ao ver o garotinho próximo ao corpo de Dokja, chorando e soluçando sem parar. Era uma cena verdadeiramente lamentável.
Uma criança chorando pelo pai.
Tão trágico.
E mesmo assim, Yoo Joonghyuk não se sentia comovido o bastante para prestar condolências. Ele não estava em um estado emocional suficientemente estável para sentir compaixão ou oferecer algum consolo.
Ele não tinha espaço em sua mente para nada que não fosse salvar Dokja.
E aquele pirralho só estava atrapalhando.
Yoo Joonghyuk agarrou a criança pela blusa, erguendo-a no ar com uma facilidade intimidadora, como se o menino não fosse nada além de um pacote de arroz. O menino gritou, assustado, sendo pego desprevenido, mas antes mesmo que pudesse reagir, Yoo Joonghyuk o arremessou na direção de Lee Hyunsung, sem delicadeza alguma.
“O qu—?!” Lee Hyunsung arfou, pegando o garoto no ar antes que ele caísse e se machucasse.
“Leve-o daqui.” Yoo Joonghyuk ordenou friamente, sua voz rouca e áspera.
O garotinho gritou em desespero, os olhos arregalados e as mãos estendidas, como se tentasse alcançar o homem inconsciente na maca.
"NÃO— PAI! POR FAVOR! ME DEIXEM IR COM O MEU PAI!" Ele continuou implorando, a voz embargada de angústia, mas Yoo Joonghyuk não olhou para ele.
Nem sequer o escutou.
Seu único foco agora era Dokja.
Ele se aproximou mais da maca, franzindo ainda mais o cenho ao observar o estado deplorável do homem deitado nela. Sua perna estava deslocada, torcida em um ângulo doloroso só de olhar. Sua pele pálida estava pintada de hematomas dos pés à cabeça, com cortes abertos espalhados por todo o corpo, alguns ainda sangrando.
Mas a respiração era o que mais preocupava Yoo Joonghyuk. Fraca, irregular, com um chiado úmido que indicava líquido nos pulmões. Possivelmente uma hemorragia interna.
Se Yoo Joonghyuk não se apressasse, Dokja poderia não chegar ao hospital a tempo. E ele nem queria pensar nessa possibilidade.
Cerrando os dentes, Joonghyuk deslizou as mãos sob a maca, agarrando as laterais com tanta força ao ponto de deixar os nós dos dedos brancos, seus músculos enrijecendo-se ao erguê-la com facilidade, sozinho. Mas ele foi excessivamente cuidadoso ao levantar a maca com o corpo de Dokja, como se temesse que qualquer erro pudesse ser irreversível.
Ele carregou a maca e a posicionou com cuidado no suporte dentro da ambulância. Os paramédicos agiram imediatamente, iniciando os primeiros socorros e preparando os equipamentos necessários.
Yoo Joonghyuk não desviou o olhar do rosto inconsciente de Dokja nem por um segundo. Ele ignorou o garoto soluçando desesperadamente do lado de fora, que o assistia com olhos arregalados de puro pânico, e também não deu atenção a Lee Hyunsung, que, chocado, tentava entender o porquê do capitão deles estar tão envolvido com um suposto civil.
Seu único foco era Dokja. E garantir que ele não o perdesse. De novo.
Yoo Joonghyuk cerrou a mandíbula, os dentes rangendo, e bateu as portas da ambulância com força, abafando o som dos flashes incessantes do lado de fora.
"Rápido." Sua voz saiu baixa, áspera, ameaçadora, acompanhada de um soco seco na lateral da cabine, alertando o motorista da ambulância.
O motorista hesitou, e Yoo Joonghyuk, já no limite, perdeu o pouco de paciência que restava.
"RÁPIDO, PORRA! VOCÊ É SURDO?!" Yoo Joonghyuk rugiu, a fúria, o desespero e a urgência transbordando em cada sílaba.
A ambulância disparou para frente, os pneus cantaram no asfalto quando a ambulância acelerou bruscamente.
「• • •」
No momento em que chegaram ao hospital em que Seolhwa trabalhava — o único hospital que Yoo Joonghyuk frequentava — ele exigiu que Lee Seolhwa pessoalmente cuidasse de Kim Dokja.
E, claro, ela aceitou. O hospital estava sobrecarregado, mas, como médica-chefe, Lee Seolhwa já estava acostumada a fazer horas extras. Ela não pensou duas vezes antes de ajudar um amigo.
Lee Seolhwa era uma caçadora rank A, uma curandeira com habilidades quase no nível S de cura. Ela tinha sido uma caçadora de sucesso, mas após perder o bebê que estava carregando por causa dos monstros, decidiu se aposentar como caçadora e dedicar sua vida à medicina.
Não foi uma perda, de forma alguma. Lee Seolhwa se tornou uma médica extraordinária. Muito mais brilhante e talentosa do que quando era uma caçadora nas linhas de frente. Então, se tinha alguém confiável, era ela.
Enquanto Dokja estava na emergência, Joonghyuk ficou sentado, esperando, seu pé batendo impacientemente no chão, a cabeça enterrada entre as mãos, tentando se acalmar, mas sem conseguir.
E agora que sua mente estava mais clara, os pensamentos vinham com mais intensidade. E, ainda assim, todos giravam em torno de Kim Dokja. Como ele estava vivendo? O que tinha feito durante todo esse tempo? Com quem? Onde?
Inevitavelmente, ele começou a pensar naquela criança.
Aquele garoto.
O menino que chamou Dokja de pai.
No instante em que essa lembrança martelou sua mente, o mundo de Yoo Joonghyuk desmoronou um pouco mais.
Dokja era... pai?
Ele pensou nisso, e uma amargura repulsiva queimou em sua garganta. Dokja tinha uma família agora? Ele tinha uma esposa? Filho? Ele era casado? Ele criou uma família?
Não. Não podia ser isso. Não podia.
Como Dokja conseguia viver em paz, depois de tudo o que aconteceu entre eles?
Como ele conseguia simplesmente seguir em frente, enquanto Joonghyuk sofria tanto?
Como ele pôde simplesmente abandoná-lo assim?
O que aconteceu entre eles não significou nada?
O simples pensamento apertou seu estômago, deixando-o tenso, com os dedos cerrados e as unhas cravando dolorosamente nas palmas das mãos.
Não.
Ele não queria que Dokja estivesse com outro alguém.
Não queria que ele tivesse uma vida fora da dele.
Não queria sequer imaginar Dokja cuidando de outra pessoa, beijando outra pessoa, amando outra pessoa, construindo uma família com alguém que não fosse ele.
Só a ideia de Dokja sorrindo daquele jeito, exatamente como fazia no ensino médio, um sorriso que costumava ser só para ele, mas agora reservado a outra pessoa, já o deixava cego de raiva.
Ou imaginar aqueles lábios macios tocando outros lábios que não fossem os dele…
Só de pensar que outro nome era chamado por aquela voz suave, que aqueles lábios pertenciam a alguém que não ele, o fazia sentir uma vontade quase incontrolável de socar uma parede.
Ele não conseguia parar de tremer. A ideia de que Dokja poderia ter construído algo, uma vida, longe dele, sem ele, era simplesmente... insuportável.
O simples pensamento de Dokja com outra pessoa, construindo algo que ele jamais teria, o fazia tremer com uma raiva que ele não sabia de onde vinha. Ele queria arrancar aquele pensamento da mente, mas não conseguia.
A ideia de que Dokja tinha seguido em frente, enquanto Yoo Joonghyuk ainda estava preso no passado, simplesmente o deixava doente.
Isso o incomodava de uma forma que ele não conseguia entender.
Era uma sensação tão repulsiva, algo que rastejava sob sua pele, sujo e repugnante. Era algo tão desprezível, que o fazia sentir nojo de si mesmo.
Não era inveja. Não. Ele não sentia inveja de Kim Dokja por ter seguido em frente, por ter encontrado uma esposa quando ele tinha perdido a dele, nem por ter tido um filho quando o dele estava morto.
Não.
Ele sentia algo muito mais profundo.
Era pior.
Muito pior...
Foi só quando Lee Seolhwa saiu para relatar o estado do paciente que Yoo Joonghyuk acordou para a realidade, levantando-se abruptamente da cadeira e lançando à mulher um olhar mais vulnerável do que gostaria.
"Como ele está?" Ele perguntou, direto ao ponto, sem sequer se dar ao trabalho de formalidades.
"Péssimo." Lee Seolhwa também foi objetiva, soltando um suspiro pesado. Ela não tentou adoçar a situação. "Minha cura não está funcionando. Tivemos que recorrer aos procedimentos convencionais."
O semblante de Yoo Joonghyuk se fechou.
"Como assim não está funcionando?" Sua pergunta soou mais como uma acusação, carregada de inquietação, quase agressiva.
As habilidades de cura de Seolhwa estavam quase no nível de um caçador rank S, então o que ela queria dizer com "não está funcionando"?
Ela era, atualmente, a curandeira mais forte do país. "Não funcionar" simplesmente não era uma opção.
"Nós também ficamos surpresos." Ela respondeu calmamente, pegando uma lata de café da máquina automática e empurrando outra para ele. "Tínhamos três curandeiros na sala, dois rank B e eu. Mas nossas habilidades falharam. Simplesmente… não funcionaram."
Yoo Joonghyuk aceitou a lata de café sem realmente prestar atenção nela, sua mente processando a informação. Não surtir efeito era uma coisa. Mas falhar?
Isso era possível? Ele sabia que, em alguns casos extremos, a cura tinha pouco efeito devido à gravidade dos ferimentos, quando o ferimento estava além da capacidade da cura, mas falhar por completo? Isso sequer era possível?
"Não pudemos ajudar muito." Seolhwa admitiu, abrindo sua própria lata de café antes de continuar. "Ele está em estado crítico. Quatro costelas quebradas, uma delas perfurou o pulmão, então..."
Ele não ouviu o resto.
Seus dedos se apertaram ao redor da lata, o metal afundando sob sua força. Sua mandíbula estava tão tensa que doía.
Lee Seolhwa percebeu.
"Ele estará em boas mãos. Não se preocupe." Seu tom era suave, mas firme, o olhar dela transmitindo confiança.
Yoo Joonghyuk sentiu seus ombros relaxarem, mesmo que minimamente. Ele sabia que Seolhwa era mais do que capaz.
Ele, mais do que ninguém, sabia o quão capaz Seolhwa era no que fazia.
Ele respirou fundo, sentindo-se menos aflito. Seus músculos relaxaram de uma forma quase imperceptível.
Mas Seolhwa percebeu a mudança sutil na postura de Yoo Joonghyuk e, antes de desviar o olhar, deu uma pequena pausa. "Ele deve ser importante para você", ela observou, levando o café aos lábios.
O comentário pegou Yoo Joonghyuk desprevenido. Ele enrijeceu por um momento, mas não negou. Ele não precisava dizer nada para que ela soubesse.
Ele não respondeu. Mas o silêncio entre eles foi suficiente.
Sim.
Ele é importante.
Mais do que qualquer outra coisa.
Seolhwa, no entanto, não insistiu. O silêncio já era a confirmação que ela precisava. Ela apenas enfiou a mão no bolso do jaleco branco e puxou uma carteira de couro gasta e um velho celular rachado, entregando-os a Joonghyuk. "Encontramos isso com ele."
Yoo Joonghyuk praticamente arrancou os itens das mãos da médica ao ouvir que pertenciam a Kim Dokja.
Com as mãos ligeiramente trêmulas, ele abriu a carteira primeiro. Entre cédulas amassadas e papéis inúteis, encontrou a identificação. Seus olhos fixaram-se instantaneamente nela.
Kim Dokja.
Seus dedos automaticamente apertaram o documento com força ao ler o nome. Ele engoliu em seco, um nó apertando sua garganta.
Na foto do documento, tinha um homem magro, de pele pálida e rosto fino, quase delicado. Os olhos, caracteristicamente asiáticos, tinham a cor de um cinza desbotado, sem vida. Cansados. Vazios. Seu cabelo era curto, liso e escuro, com algumas mechas caindo sobre a testa.
Um rosto impassível.
Vazio.
Yoo Joonghyuk sentiu um gosto amargo na boca ao olhar para a foto.
Um homem.
Um homem muito diferente daquele garoto que ele conheceu no ensino médio.
Ele decidiu deixar o documento de lado e continuou vasculhando a carteira, encontrando alguns trocados, um punhado de desenhos infantis que, ao que tudo indicava, eram do filho de Dokja, a carteira de habilitação e papéis sem muita utilidade.
Nada que fosse realmente relevante.
Mas o celular...
Ele ligou o aparelho, mas logo se deparou com a tela de bloqueio. O papel de parede era preto, sem nada muito chamativo ou pessoal.
Senha. Ele precisava de uma senha para acessar o dispositivo.
Claro. Não era como se ele esperasse que o telefone estivesse desprotegido.
Ainda assim, algo dentro dele se apertou ao perceber que aquele objeto, a única conexão com a vida de Dokja, estava ali, tão perto, mas inacessível no momento.
Um hacker... ele só precisava de um hacker.
"Obrigado." Yoo Joonghyuk agradeceu secamente, guardando a carteira e o celular nos bolsos da calça, sem nem sequer olhar para Lee Seolhwa.
Seolhwa não respondeu imediatamente, apenas levou mais um gole de café aos lábios, observando-o com um olhar atento.
"Já sabe o que fazer?" Ela perguntou, a voz suave, mas carregada de uma curiosidade sutil, sem tirar os olhos do homem.
"Sim." Ele respondeu sem rodeios, virando as costas para ela e começando a andar em direção à saída. "Estarei de volta amanhã. Me mantenha informado sobre todos os detalhes, mesmo os mais insignificantes sobre a condição dele."
Lee Seolhwa observou as costas largas de Yoo Joonghyuk enquanto ele se afastava, notando que ele tinha jogado a lata de café no lixo sem sequer abri-la.
"...Exigente como sempre." Seus lábios se curvaram em um sorriso suave, e ela levou a lata até os lábios.
O sabor não era tão ruim. Ele deveria pelo menos ter tentado.
Era doce. Suave. Um pouco fraco para um café.
Mas não era ruim.
No passado, Yoo Joonghyuk teria feito um esforço para agradá-la. Mas ele sempre odiou essas coisas — comida feita por outras pessoas, gestos de gentileza, toque físico, ser cuidado...
Mas, antigamente, ele não teria se importado em aceitar algo vindo dela.
Isso foi há muito tempo atrás.
Hoje, as coisas eram muito diferentes.
Lee Seolhwa suspirou pesadamente, afastando-se da parede. Ela jogou a lata vazia de café na lixeira e, sem pressa alguma, seguiu pelo corredor, indo na direção oposta à de Yoo Joonghyuk.
Kim Dokja.
O nome ressoou na mente de Lee Seolhwa enquanto ela empurrava a porta, entrando em um dos muitos quartos isolados da ala de emergência.
Ela já tinha um palpite do porquê a cura não estava funcionando.
No momento que Seolhwa atravessou a barreira de som envolvendo o quarto, ela foi imediatamente atingida por gritos roucos de pura agonia.
Seolhwa andou até parar ao lado da maca, observando friamente o jovem que se contorcia sob os lençóis ensanguentados. Chifres longos e vermelhos emergiam da testa, enquanto enormes asas negras rasgavam a pele de suas costas, debatendo-se violentamente e espirrando sangue por toda parte. O colchão estava encharcado de sangue, as paredes salpicadas com gotas vermelhas e o piso manchado com um rastro confuso de sangue.
Cinco pessoas lutavam para contê-lo. Dois caçadores — também médicos — rank B seguravam seu torso com muito esforço, enquanto três médicos tentavam imobilizar seus membros, os rostos tensos de concentração. Um deles estava encarregado de segurar as asas da criatura, forçando-as a parar de se debater, enquanto os outros seguravam seus braços e as pernas. Seus uniformes brancos estavam manchados de sangue, e seus braços marcados por arranhões profundos, cortes irregulares deixados pelas garras da criatura.
Seolhwa apertou os lábios, analisando a situação.
Essa coisa... não é mais humana.
Era um monstro.
「• • •」
"Descubra tudo sobre esse homem."
Yoo Joonghyuk entregou o celular e os demais pertences de Kim Dokja a Lee Hyunsung com um cuidado surpreendente, considerando sua habitual falta de delicadeza. No entanto, sua expressão permaneceu severa, ainda pior do que o habitual, agora que estava impaciente para finalmente "conhecer" Kim Dokja.
O pobre homem hesitou antes de pegá-los, o olhar inquieto alternando entre os itens e o rosto severo do capitão deles. Lee Hyunsung parecia genuinamente em pânico.
"Onde mora, com quem mora... quero saber tudo." Yoo Joonghyuk exigiu, a voz firme, sem espaço para questionamentos.
Lee Hyunsung respirou fundo, tentando organizar uma resposta. "Capitão, isso é—"
"E desbloqueie o celular dele." Yoo Joonghyuk continuou como se não tivesse ouvido. "Quero saber com quem ele conversa, o que ele assiste, tudo. Sem exceção."
Lee Hyunsung piscou, a preocupação se estampando em seu rosto. "Mas, Capitão, antes—"
"E consiga uma cópia da chave de onde ele mora, não importa como." O tom de Yoo Joonghyuk permaneceu inabalável. "Investigue toda a família dele. Quero um relatório detalhado e completo, sem deixar nenhum detalhe de fora."
Lee Hyunsung abriu a boca,fechou, engoliu seco. Seu rosto oscilava entre incredulidade e desespero.
"Capitão, você realmente precisa ver a—"Lee Hyunsung tentou novamente, mas Yoo Joonghyuk o interrompeu com um estalo de língua.
"Se Uriel estivesse aqui, já teria resolvido isso." Yoo Joonghyuk resmungou, o cenho franzido ao lembrar-se da ausência da juíza.
Uriel não estava no país naquele momento. Ela estava viajando para o exterior para resolver problemas urgentes envolvendo a Guilda Eden.
Yoo Joonghyuk não gostava de admitir, mas Uriel era excepcional no que fazia. Como secretária, era diligente, perspicaz e altamente competente. Apesar de sua baixa estatura, ela conseguia ser intimidadora quando necessário.
No entanto, como vice-líder de uma guilda grande e famosa como a Eden, Uriel não podia estar sempre à disposição da N'Gai. Mas Yoo Joonghyuk já tinha planos para quando a Juíza retornasse — e envolviam jogar o máximo de trabalho possível sobre a pobre mulher.
Lee Hyunsung olhou para o lado, buscando apoio, mas foi Lee Jihye quem perdeu a paciência primeiro.
"Capitão!" Lee Jihye gritou, não aguentando mais ver o pobre Lee Hyunsung ser interrompido sempre que abria a boca.
Yoo Joonghyuk virou-se bruscamente, rosnando de volta com a mesma impaciência. "O que é?"
Sem dizer uma palavra, Jihye simplesmente enfiou um telefone na cara dele.
Ele grunhiu em insatisfação, pegando o aparelho com um movimento brusco. Irritação nublando seu rosto, mas, conforme seus olhos pousaram na tela...
Ele apenas congelou.
"Quem é esse homem?!" A voz do jornalista vibrou do outro lado da tela, enquanto a gravação tremida capturava o caos da batalha.
O vídeo tremia ligeiramente enquanto a gravação avançava, filmado por um câmeraman que lutava para manter o foco no meio do caos. A voz do jornalista narrava por cima das imagens, carregada de excitação e incredulidade.
No centro da gravação, um homem de sobretudo branco surrado movia-se com agilidade sobre-humana, seus sapatos desgastados deslizavam pelo asfalto destroçado enquanto ele desviava dos ataques imprevisíveis e violentos da criatura colossal à sua frente.
Grandes asas negras se estendiam de suas costas, com penas levemente prateadas. Da cabeça, um par de chifres vermelhos se destacava. A figura esguia e de aparência frágil contrastava com a brutalidade da criatura que enfrentava: um réptil gigantesco, com a pele coberta de escamas grossas e escuras, e uma mandíbula repleta de dentes serrilhados que gotejavam saliva ácida.
Os golpes imprevisíveis do réptil deixavam um rastro caótico de destruição. Marcas profundas de garras riscavam o asfalto, pedaços de concreto e destroços caíam dos prédios, enquanto muros desabavam, espalhando entulho por todos os lados, criando a imagem perfeita de um cenário em ruínas, da destruição que os portais eram capazes de causar.
Mas tão imprevisível quanto os ataques do monstro, era aquele homem. Ele abria suas enormes asas, pegava impulso e voava em zigue-zague ao redor do monstro, como se brincasse com ele — como se não passasse de uma mosca irritante. E ainda mais surpreendente do que sua aparência demoníaca, era a habilidade em desviar dos golpes, executando manobras com a precisão de um profissional.
Mas, pela maneira como voava e planava, ficava óbvio que ele era inexperiente. Seus pousos eram atrapalhados, rígidos, sempre escapando por um triz de ser atingido, sempre se safando por questão de pura sorte.
Era exatamente como assistir um corvo atrevido desafiando um crocodilo faminto.
Cada bater de asas levantava uma nuvem de poeira, atrapalhando a filmagem. Mas, de alguma forma, isso só tornava tudo ainda mais intenso: os ruídos e estrondos ensurdecedores da batalha, a gravação tremida e o cenário caótico tornava tudo ainda mais real. Mais intenso.
E era real.
O homem pousou, parecendo se preparar para voar novamente, mas de repente parou, como se percebesse a presença de civis no local.
Seus olhos se fixaram diretamente na câmera, como se fosse automático. Os olhos ligeiramente arregalados e o rosto marcado pelo cansaço foram capturados perfeitamente pela câmera. Ele abriu a boca, provavelmente para gritar um aviso, pedindo para os jornalistas se afastarem da área de perigo—
Mas ele não teve tempo.
A cauda do monstro rasgou o ar em uma velocidade absurdamente rápida, atingindo-o em cheio no peito, com tanta força que qualquer pessoa normal teria morrido instantaneamente.
O corpo do homem foi arremessado violentamente contra o concreto. O muro cedeu com o impacto, despedaçando-se, e a nuvem de poeira que se seguiu obscureceu a cena. O impacto foi tão violento, que o som do impacto em si foi surdo, abafado pelo estrondo do concreto desmoronando.
Do outro lado da tela, Yoo Joonghyuk congelou. Seus olhos fixos no vídeo, a mandíbula tensa, uma sensação muito familiar de angústia apertando dolorosamente seu peito.
Uma angústia sufocante que ele conhecia muito bem.
Medo.
O medo que ele sempre sentia quando não chegava a tempo.
Tudo aquilo tinha acontecido enquanto ele estava longe.
Enquanto ele se atrasava.
Enquanto chegava tarde demais.
Ele apertou o celular com força, assistindo o que já sabia que ia acontecer. Lee Hyunsung chegou a tempo de impedir que o homem fosse morto. Depois veio Lee Jihye, lutando contra o monstro, até que ele finalmente chegou e deu o golpe final, acabando com a batalha.
Mas demorou tanto.
Ele demorou tanto, tanto tempo.
Se Lee Hyunsung tivesse chegado apenas alguns segundos mais tarde...
Apenas alguns segundos.
Kim Dokja estaria morto.
Teria sido tarde demais.
Se não fosse por Lee Hyunsung...
"Ei, ei! Capitão! CAPITÃO!!! Meu celular! você vai quebrar meu celular! VAI QUEBRAR!" Lee Jihye gritou, desesperada, vendo a mão de Yoo Joonghyuk apertando o aparelho com tanta força.
Yoo Joonghyuk respirou fundo, controlando a raiva, e a contra gosto, relaxou o aperto no celular. Ele pausou o vídeo, os olhos percorrendo os comentários na tela, mas nada ali parecia realmente importante. Ele leu alguns comentários que se repetiam: Quem é esse homem? Um novo despertado? Um caçador rank alto? Ele é da N'Gai? Por que o Rei Supremo ficou tão agressivo por esse cara?
Mas nenhuma dessas perguntas importava para Yoo Joonghyuk. Ele não conseguia pensar em nada além daquilo.
Aquelas asas.
O que mais o atormentava eram aquelas malditas asas.
Ele não tinha asas quando Yoo Joonghyuk o viu pela primeira vez. Nem quando o carregou, inconsciente e ensanguentado, para dentro da ambulância.
E porra, ninguém mencionou nada sobre isso.
Ninguém — absolutamente ninguém — mencionou nada sobre isso. Nenhuma palavra. Nenhum aviso. Nenhum comentário sequer.
Como ninguém disse nada?
Como ele não percebeu antes?
Ele nem sequer se deu ao trabalho de investigar. Não depois de ver Kim Dokja naquela maca, inconsciente, frágil, pálido, à beira da morte.
Depois daquela cena, depois de ver Kim Dokja naquele estado, ele não conseguiu pensar em mais nada, ele simplesmente correu para o hospital, como um maldito lunático, agredindo jornalistas e se enfiando em uma ambulância.
Sua mente simplesmente ignorou tudo. Ele não processou os detalhes. Não ligou os pontos. Ele simplesmente ignorou tudo e agiu como bem entendesse.
O Kim Dokja que ele viu naquela maca, à beira da morte, não podia ser o mesmo homem que enfrentou aquele monstro colossal, voando com aquelas malditas asas, certo?
Isso era impossível.
Era nisso que ele queria acreditar.
Ele queria acreditar que eles não eram a mesma pessoa.
Ele não fez a conexão entre o Kim Dokja que viu inconsciente e aquele despertado não identificado lutando com aquele monstro que saiu do portal.
Mas agora... agora que via com os próprios olhos...
A respiração de Yoo Joonghyuk vacilou.
Era ele.
Era óbvio.
Óbvio demais.
Como ele não percebeu?
Como ELE, de todas as pessoas, deixou isso passar?
Yoo Joonghyuk sentiu um gosto amargo na boca.
Ele estava tão desesperado assim?
Yoo Joonghyuk respirou fundo, forçando-se a se recompor, e desviou os olhos do celular, voltando sua atenção para sua equipe.
Lee Jihye o observava ansiosa, como se estivesse esperando que ele explodisse de raiva a qualquer momento. Já Lee Hyunsung parecia inquieto, desviando o olhar constantemente, como se quisesse dizer algo, mas não tivesse coragem.
Vendo-os naquele estado, Yoo Joonghyuk sentiu um leve incômodo.
Eles estavam pisando em ovos por causa dele.
Ele era o único perdendo a compostura aqui, agindo como um lunático, como se fosse um fracote incapaz de controlar as próprias emoções.
Engolindo a irritação consigo mesmo, ele limpou a garganta e se aproximou de Lee Hyunsung, dando-lhe um tapinha encorajador no ombro.
"Bom trabalho, Steel."
Hyunsung congelou no mesmo instante. Seus olhos se arregalaram em choque, como se tivesse acabado de testemunhar um fenômeno sobrenatural. Jihye, ao lado, teve uma reação parecida, piscando várias vezes, atordoada.
Ignorando os olhares atônitos, Yoo Joonghyuk continuou, sua voz rígida, mas menos ríspida do que o habitual.
"Se não fosse por você, ele teria morrido."
Hyunsung pareceu levar um segundo para processar as palavras antes de balançar a cabeça, hesitante. "Eu só fiz o que—"
"Fez o que deveria." Yoo Joonghyuk o interrompeu, assentindo. "E fez bem."
O homem não respondeu, apenas desviou o olhar, atordoado, quase envergonhado, como se não soubesse o que fazer com o elogio inesperado.
Sem dar tempo para que a estranheza no ar se prolongasse, Yoo Joonghyuk virou-se para Lee Jihye.
"Você também, Almirante." Ele fez uma breve pausa. "Bom trabalho."
Lee Jihye ficou paralisada por um momento, processando as palavras, antes de seu rosto se iluminar com um sorriso largo. "Obrigada, Capitão! Não vou te decepcionar!" Ela exclamou, a empolgação transparecendo em sua voz.
A adolescente estava tão feliz que chegava a ser ridículo. Era apenas um elogio, algo tão simples. Ela não deveria estar tão feliz.
Yoo Joonghyuk permaneceu em silêncio por um momento, observando os dois, antes de suspirar e olhar novamente para a tela do celular.
[O Rei Supremo é uma pessoa tão horrível. Como conseguem aclamar alguém tão podre assim? Herói? Que piada!]
Yoo Joonghyuk encarou o comentário na tela, o cenho franzido.
Ele deveria se importar? Provavelmente não. Ele já deveria estar acostumado com comentários como esses. Mas, por algum motivo, aquilo ficou martelando em sua mente por mais tempo do que deveria.
O que Kim Dokja pensava dele?
Será que, como aquelas pessoas, ele também o odiava?
Será que ele o via como todos os outros?
O que ele pensaria se lesse esses comentários?
Ele levantou o olhar novamente, observando Jihye sorrindo amplamente e Hyunsung desviando o olhar, ainda envergonhado com o elogio de antes.
Talvez... talvez ele devesse começar a elogiar mais sua equipe.
Não porque se importava com a opinião pública. Mas sim porque eles realmente mereciam.
É. Talvez não fosse tão ruim.
Era por isso que ele era o Rei Supremo, não era?
De alguma maneira, uma parte dele esperava que Dokja, em algum lugar, estivesse assistindo.
Que estivesse vendo nele o protagonista que sempre dizia que ele era.
Que, mesmo depois de morto, não parasse de observá-lo. Que o seguisse como uma estrela.
Parecia meio bobo agora que ele parava para pensar.
Mas era por isso que ele fazia o que fazia. Por isso que ele salvava pessoas.
Durante todo esse tempo, o único motivo que ele achou para seguir em frente foi para ser o herói de alguém cujo nome ele nem sequer lembrava mais.
Kim Dokja.
Mas agora ele lembrava.
Ele sabia exatamente quem ele era.
E desta vez, ele não deixaria Kim Dokja desaparecer.
Yoo Joonghyuk respirou fundo e devolveu o celular para Lee Jihye.
"Seu celular."
Lee Jihye pegou o celular com uma certa hesitação, mas logo seus olhos se estreitaram em preocupação. "Você não vai dizer nada, capitão?"
Ele arqueou uma sobrancelha. "Dizer o quê?"
Jihye mordeu o lábio inferior, desviando o olhar por um instante. "Estão te atacando de novo..." Ela murmurou, quase receosa.
Yoo Joonghyuk permaneceu em silêncio por um momento antes de soltar um suspiro baixo. Então, ele colocou a mão no ombro dela, pressionando levemente, como se estivesse a confortando.
"Isso não importa." Sua voz era fria, decisiva. "Não seria a primeira vez. Nem será a última. Foque apenas no que realmente importa."
Jihye congelou por um segundo, piscando rápido. Então, como se algo tivesse clicado em sua mente, ela se endireitou, os olhos brilhando de pura admiração.
Ela respirou fundo, empolgada. "Sim, capitão!
Foi uma ótima ideia Lee Jihye ter mostrado aquele vídeo para ele.
Mais cedo ou mais tarde, ele veria aqueles vídeos na internet de qualquer jeito. Nem tinham se passado 24h ainda, e as imagens já estavam espalhadas por toda parte.
Mas agora... agora ele tinha um motivo mais plausível para ir atrás de Kim Dokja.
"Não esqueça de fazer o que eu pedi." Yoo Joonghyuk lembrou, lançando um olhar firme para Hyunsung.
Lee Hyunsung endireitou-se na cadeira, assentindo rapidamente com a cabeça.
"Ele certamente não é um despertado abaixo do rank B." Yoo Joonghyuk afirmou, impassível. "Seria uma excelente adição ao time para combates aéreos. Recrutá-lo não seria uma má escolha."
O silêncio que se seguiu durou apenas um segundo antes de Lee Jihye praticamente surtar.
"ESPERA— O QUÊ?!" Ela arregalou os olhos, praticamente gritando. "Você tá falando sério, Mestre?!"
Era uma reação perfeitamente plausível.
Yoo Joonghyuk nunca recrutou ninguém além de Lee Jihye, e fazia anos que o time não recebia nenhum membro novo. Desde a formação da equipe, nenhuma nova adição foi feita.
Por anos, foram apenas Yoo Joonghyuk, Lee Hyunsung, Jung Heewon, Kim Namwoon e Lee Jihye. Todos caçadores rank S.
E agora, de repente, ele queria adicionar alguém? E provavelmente, alguém abaixo do rank S?
Hyunsung ficou surpreso, é claro. Mas parecia mais conformado, como se já tivesse aceitado a ideia e até achasse agradável ter um novo companheiro. Jihye, por outro lado, parecia prestes a iniciar um interrogatório.
"Precisamos mesmo disso?" Lee Jihye perguntou, seu tom cauteloso revelando seu receio com a ideia de um novo recruta. "Não estamos indo bem assim? E se ele não for tão bom quanto parece?"
"Ele lutou contra aquela coisa sozinho." Yoo Joonghyuk refutou, como se a resposta fosse óbvia. "Ele salvou pessoas e saiu vivo. Isso não é o suficiente para provar o quanto ele é capaz?"
"Bem...sim— mas você nem sabe nada sobre ele, Capitão!" Jihye protestou. "E se ele for um problema? E se ele acabar como Anna Croft?"
Lee Jihye estava apenas preocupada. Yoo Joonghyuk também estaria se estivesse no lugar dela. Era compreensível.
Todos se tornaram muito cautelosos depois do incidente com Anna Croft.
Mas Yoo Joonghyuk não hesitou. "Isso não importa se ele for forte." Ele se inclinou um pouco para frente, seu tom firme, decidido. "Vou trazê-lo para a N'Gai."
"Mas—" Jihye tentou protestar novamente.
"Kim Namwoon." Yoo Joonghyuk completou, mencionando o nome do outro membro da equipe, como se isso fosse suficiente para calá-la.
E foi.
Lee Jihye ficou em silêncio por um momento, refletindo sobre o que ele disse, antes de soltar um suspiro pesado.
"É...é, tá, você tem toda razão. Merda." Ela fez uma careta. "Se tem alguém mais filho da puta e problemático do que o Kim Namwoon, deve ser o próprio anticristo."
No fundo, o pobre Hyunsung se engasgou com a comparação. Ele olhou para Jihye, mal segurando uma tosse nervosa com o comentário.
「• • •」
Esse era o endereço.
Yoo Joonghyuk estacionou na frente de um bloco de apartamentos, sem se importar se estava atrapalhando a passagem. Ele saiu do carro com pressa, batendo a porta com mais força do que o necessário antes de trancá-la.
O prédio era tão decadente quanto ele esperava. A fachada estava desgastada, as janelas cobertas de poeira. As luzes do corredor piscavam fracamente, algumas já queimadas. Não tinha interfone, nem segurança — apenas uma velha porta que sequer tinha tranca, que se abriu com um rangido quando ele empurrou.
Dentro, um corredor estreito e um lance de escadas que levava aos próximos andares. Não tinha elevador, apenas escadas.
Ele subiu os cinco lances de escada a passos firmes, o som das botas pesadas ecoando no ambiente silencioso. O cheiro de mofo impregnava as paredes manchadas de infiltração. O ranger dos degraus sob seu peso parecia mais alto do que deveria, reforçando o estado decadente do lugar.
Quinto andar.
Os dedos de Yoo Joonghyuk apertaram o corrimão, os músculos dos ombros tensionando com uma sensação incômoda.
Ele não queria admitir.
Mas estava hesitando.
Algo dentro dele estava inquieto, um nervosismo que ele não conseguia ignorar.
E se Dokja tivesse seguido em frente?
Suas mãos estavam frias.
E se...
Quinto andar.
O número martelava sua mente enquanto ele se aproximava de uma porta específica no fim do corredor.
Apartamento 51.
O endereço que Hyunsung passou.
Essa era a casa de Dokja.
Yoo Joonghyuk parou na frente do apartamento, encarando a porta enquanto seu semblante escurecia.
Ele estava hesitando.
E se...
E se alguém estiver esperando por Dokja do outro lado dessa porta?
Talvez uma esposa carinhosa.
Um filho pequeno.
Uma família.
Seus dedos apertaram a chave reserva no bolso do sobretudo. Por um instante, ele sentiu algo apertar sua garganta.
Era sufocante.
Asqueroso.
Nojento.
Se Kim Dokja tivesse uma vida assim...
Se ele tivesse seguido em frente, deixado tudo para trás...
Ele tinha o direito de tirá-lo disso?
Ele tinha o direito de estar aqui?
Se Kim Dokja tivesse uma vida comum e simples, longe de tudo, longe de batalhas, monstros e caçadores, então...
Então ele não tinha o direito de estar ali.
Ele sabia disso.
Mas ele já estava aqui.
Engolindo seco, sem permitir que a hesitação se prolongasse, ele inseriu a chave na fechadura e girou.
Um clique seco.
Ele empurrou a porta lentamente, o rangido se misturando ao silêncio sufocante do apartamento.
Escuro.
Muito escuro.
Ele acendeu a luz.
E o que viu fez seu peito pular uma batida.
O apartamento era minúsculo. Dois cômodos. Um quarto embutido com uma cozinha pequena e um banheiro. Não tinha espaço para mais nada. O teto amarelado denunciava vazamentos antigos, com manchas escuras se espalhando pelos cantos. As paredes estavam descascadas em alguns pontos, os móveis eram velhos e desgastados.
E, ainda assim, tudo estava incrivelmente limpo.
Organizado.
Impecável, mesmo que o dono não estivesse ali há dias.
Mas nada disso foi o que o fez prender a respiração.
Foram as paredes.
Elas estavam cobertas.
Com ele.
Cartazes, recortes de jornais, fotos antigas, coladas, pregadas, alinhadas com uma precisão meticulosa.
Bem no centro da parede, um pôster enorme capturou sua atenção.
"O Rei Supremo!"
Uma propaganda antiga, de anos atrás. A tinta já desbotava, mas sua própria imagem ainda permanecia nítida, encarando-o de volta com aquele mesmo semblante sério e característico de sempre.
Os olhos de Yoo Joonghyuk percorreram o restante da parede. Tinha panfletos de campanhas, trechos de entrevistas impressos e colados com cuidado. Dezenas de recortes de jornal, fotos arrancadas de revistas, anúncios de campanhas, reportagens amassadas, manchetes destacadas. Algumas estavam cuidadosamente alinhadas, outras rasgadas, coladas sem padrão. Todas tinham um único tema em comum: ele.
Incontáveis imagens dele espalhadas pela parede.
Ele estendeu a mão, tocando uma das folhas, os dedos deslizando pelo papel envelhecido.
Cada pedaço daquela parede contava uma história.
E todas levavam a ele.
Era como se cada centímetro daquela parede fosse um altar em sua homenagem.
Um altar dedicado exclusivamente a ele.
Seus dedos deslizaram pelo papel, tocando suavemente um recorte onde seu próprio rosto aparecia ao lado de um título chamativo.
"O Protagonista da Humanidade."
O que diabos era isso...?
Kim Dokja...
Que porra você estava pensando?
Yoo Joonghyuk se recompôs, respirando fundo antes de se afastar da parede coberta com suas fotos.
Ele olhou ao redor, mas...
Não tinha muito a ser visto.
Na cama, um laptop desligado descansava sobre o lençol perfeitamente esticado. A cama estava arrumada, o que indicava que Kim Dokja tinha feito questão de deixar tudo em ordem antes de sair.
Yoo Joonghyuk continuou sua busca, seus passos ecoando no silêncio do apartamento. A cozinha, no entanto, fez sua expressão escurecer.
A geladeira estava vazia. Completamente vazia.
Nada. Nem uma única garrafa de água, nem restos de comida.
As prateleiras não estavam em uma situação muito diferente, exceto por alguns pacotes de ramyeon empilhados.
Ele fez uma nota mental para parar em um mercado mais tarde e encher a geladeira com algo decente, algo saudável.
Mas, por enquanto, nada. Nada estranho.
Nada. Ele não encontrou nada que explicasse o comportamento estranho de Kim Dokja.
Voltando ao quarto, ele inspecionou cada canto, cada pequeno espaço — debaixo da cama, as gavetas, tudo.
O último lugar que restou foi o armário de roupa.
Ele foi até lá, abrindo as portas com um movimento brusco, e vasculhando rapidamente as roupas dobradas e penduradas, mas... nada. Novamente, não encontrou nada de incomum.
Mas, então, acidentalmente, ele encontrou algo no fundo do armário.
Um compartimento.
Yoo Joonghyuk esticou a mão, tocando a madeira falsa que cobria o espaço escondido.
Ele tentou abrir, mas...
Trancado.
Ele parou por um momento, seus olhos se estreitando levemente.
O compartimento estava trancado.
Por quê?
Dinheiro?
Ele não tinha ideia, mas ia descobrir.
Sem sequer pensar nas roupas dobradas e organizadas, Yoo Joonghyuk as empurrou para o chão com um movimento brusco, até que o compartimento estivesse visível.
Madeira falsa.
Yoo Joonghyuk não hesitou. Ele nem pensou em ativar a passiva Punhos Divinos, um soco normal bastaria.
E então, ele acertou o compartimento com força, um estrondo abafado preenchendo o espaço quando ele destruiu a madeira com um único golpe.
O compartimento quebrou com um estrondo seco, a madeira se despedaçando com facilidade sob a força de seu punho.
Removendo os pedaços de madeira quebrada, Yoo Joonghyuk enfiou a mão no compartimento oculto, tateando no escuro até sentir um tecido macio entre os dedos.
Ele puxou o objeto.
Um moletom.
Um moletom amarelo.
Manchado.
Ele não precisou de mais do que um segundo para notar as manchas escuras espalhadas pelo tecido. Grossas, secas, impregnadas no pano.
Sangue.
Mas não sangue humano.
O cheiro metálico que chegou ao seu nariz era inconfundível. O fedor pútrido misturado ao cobre denso de sangue era algo que ele conhecia mais do que ninguém.
Monstros.
Seus dedos se contraíram ao redor do tecido. Seu peito subiu e desceu lentamente enquanto seus olhos, arregalados, percorriam cada mancha, cada marca, cada rastro seco do que quer que tenha acontecido com aquele moletom.
E então, ele paralisou.
Aquele moletom...
Seus músculos ficaram tensos, um frio percorreu sua espinha.
Ele reconhecia aquele moletom.
Yoo Joonghyuk estava deitado na cama, o celular pressionado contra o rosto enquanto o som abafado de respiração vinha do outro lado da chamada.
Era uma madrugada quieta, solitária, e ele se permitia um raro momento de descanso, embora sua mente continuasse agitada. Era um daqueles dias difíceis, mas OD estava ali.
OD sempre estava ali para acalmá-lo.
Sempre.
Eles costumavam dormir assim ultimamente. Apenas ouvindo a respiração um do outro. Era um método que, estranhamente, trazia tranquilidade a Yoo Joonghyuk.
"OD..." Sua voz saiu rouca, áspera, arrastada pelo cansaço. "O garoto de moletom amarelo... era você?"
OD sabia exatamente de quem ele estava falando. O garoto de moletom amarelo. Yoo Joonghyuk mencionava ele o tempo todo.
O silêncio do outro lado da linha fez a respiração de Joonghyuk ficar presa na garganta. Nenhuma resposta, apenas o som suave de uma respiração e, logo depois, o bip de uma notificação.
Ele afastou o celular do rosto, deslizando o dedo para acender a tela.
[OD: Você está pensando demais.]
Yoo Joonghyuk suspirou e virou a cabeça, encarando o teto escuro do quarto. E então, outro bip. Outra notificação.
[OD: Você não está cansado, querido?]
Uma sombra de sorriso surgiu em seus lábios ao ver o apelido estúpido. Ele bufou baixinho. "Idiota."
Ele fechou os olhos, mas a dúvida ainda estava lá, persistente, teimosa. Mesmo com o peso do sono, ela não o deixava descansar.
"Eu pensei que fosse um sonho, sabia?" Ele murmurou, sem nem perceber, como se estivesse falando para si mesmo. "Naquele dia, quando acordei... Namgung Minyoung não acreditou em mim."
A resposta demorou a vir. O silêncio se estendeu por alguns segundos, até que os três pontinhos apareceram na tela, indicando que OD estava digitando.
Outro bip.
[OD: Algumas coisas talvez sejam feitas para não serem acreditadas.]
Os olhos de Yoo Joonghyuk se abriram lentamente enquanto ele lia a mensagem. Era um texto sem sentido à primeira vista, mas sua mente, acostumada com os jogos de palavras de OD, já começava a entender.
"É mesmo?" Sua voz saiu baixa, quase um sussurro. O cansaço já não parecia importar tanto quanto a conversa.
Outro bip.
[OD: Você deveria dormir.]
Ele suspirou, sentindo o cansaço que vinha com o sono começar a pesar seus membros. Mas, apesar do cansaço, ele não queria dormir. Ele queria ficar um pouco mais.
"Você ainda não respondeu minha pergunta." Ele insistiu, mas a suavidade em sua voz não soava nenhum pouco opressiva. Era um tom tão calmo e tão suave, aquele tom que ele reservava unicamente a OD.
OD ainda estava online. Os três pontinhos piscando no canto da tela indicando que ele estava digitando, como se estivesse hesitando, escolhendo suas palavras com cuidado.
[OD: Você queria que fosse eu?]
"Isso importa?" Yoo Joonghyuk respondeu quase imediatamente, o tom mais baixo agora, confortável com a conversa entre eles.
O silêncio se prolongou mais uma vez, OD levando seu tempo para digitar.
[OD: Algumas coisas são melhores permanecerem como um mistério.]
Não era uma confirmação, mas também não uma negação.
Yoo Joonghyuk sorriu suavemente para si mesmo, o sorriso leve, afetuoso.
Por mais que OD não admitisse, ele sabia.
Ele não precisava de uma confirmação para saber.
"Quando... nos encontraremos?" Sua voz saiu mais suave, quase hesitante, com um tom de vulnerabilidade que ele raramente deixava transparecer.
O desejo estava ali, claro, mas ele sabia que estava pedindo demais.
Ele observou os três pontinhos na tela, aguardando a resposta, o coração batendo um pouco mais rápido.
[OD: Eu gosto do anonimato.]
Yoo Joonghyuk soltou um suspiro suave, sorrindo para si mesmo. Era tão típico de OD.
Estúpido anonimato.
"Eu sei." Ele sussurrou, fechando os olhos novamente, sentindo-se leve, tranquilo, como se, naquele momento, não houvesse mais nada a ser resolvido. Como se o mundo pudesse simplesmente esperar. "Eu sei."
Por favor, não me faça esperar tanto por você, OD.
Em alguns minutos, a única coisa que restava da conversa eram respirações suaves e leves ruídos de fundo.
Yoo Joonghyuk estava quieto há algum tempo, tão imerso no silêncio e em seus pensamentos que nem sequer falava. E, honestamente, ele achava que OD já estivesse dormindo naquela altura.
Mas então, o silêncio foi quebrado por um farfalhar do outro lado da linha.
"Bons sonhos, Hyuk-ah." A voz suave de OD soou do outro lado da linha. E antes que Joonghyuk pudesse processar, a ligação foi desligada.
OD provavelmente pensou o mesmo que ele, pensando que ele estava dormindo.
O problema era que Yoo Joonghyuk não estava.
E agora, o coração dele estava batendo violentamente no peito, e ele não conseguia parar de apertar o lençol com força, seus lábios trêmulos e seus olhos arregalados.
Tinha algo... algo no tom suave da voz de OD, aquele apelido carinhoso, que o deixou completamente paralisado.
Era tão familiar.
Hyuk-ah.
Ele engoliu seco, fechando os olhos com força.
"...Boa noite, OD." Ele sussurrou de volta, sua voz trêmula e rouca.
Silêncio.
...Porra.
Yoo Joonghyuk cobriu o rosto com o braço, escondendo os olhos, enquanto uma respiração trêmula escapava de seus lábios.
Ele ia morrer naquele ritmo.
O armário caiu no chão com um estrondo quando ele o derrubou, descontando sua raiva, quebrando-se em inúmeros estilhaços de madeira enquanto Joonghyuk tremia violentamente.
Seus olhos estavam arregalados, o peito subindo e descendo em respirações irregulares, pesadas.
Esse tempo todo...
Todo esse tempo...
TODO ESSE TEMPO!
Com um movimento brusco, ele caiu sentado na cama, os dedos cravados no moletom amarelo que segurava com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos. Seu olhar permaneceu fixo no tecido, as pupilas dilatadas, a mente um completo caos.
Era ele. Esse tempo todo, era ele.
Os nós dos dedos já estavam brancos de tanto apertar o moletom, o tecido ensanguentado já amarrotado em suas mãos trêmulas.
Kim Dokja...
Kim Dokja...!
KIM DOKJA!
Um soluço seco rasgou sua garganta quando ele agarrou os próprios cabelos, as unhas cravando no couro cabeludo.
Por quê...?
POR QUÊ?!
Porra!
Lentamente, ele afastou as mãos da cabeça, uma risada seca, vazia, desesperada, sem humor, escapando de seus lábios.
Porra...
Sua respiração veio em tremores, irregulares, como se não conseguisse puxar ar suficiente para acalmar o caos dentro dele.
Eu fui o único a me preocupar?
Seus punhos se fecharam com força, as veias saltando contra a pele.
Eu fui o único a sofrer?
Ele forçou o ar para dentro dos pulmões, tentando se acalmar, respirando fundo, tentando puxar qualquer resquício de racionalidade.
Mas ele não conseguia.
Você se divertiu me enganando...?
Forjando a própria morte...?
A cabeça de Yoo Joonghyuk tombou para frente, os ombros tremendo quando as primeiras lágrimas caíram sem controle. Grossas, pesadas, quentes.
O que diabos eu fui para você esse tempo todo, Kim Dokja...?
Notes:
Isso demorou mais tempo do que eu gostaria, mas eu estava muito desanimado para escrever nesses últimos dias.
Engraçado, pois hoje é exatamente o aniversário da Han Sooyoung.
Peço desculpas se alguém acabar se decepcionando com as emoções que Yoo Joonghyuk demonstrou no final. Sinto que não consegui descrevê-las tão bem quanto eu gostaria. Emoções são difíceis de descrever.
Mas, para quem não entendeu, ele se sente traído e enganado por alguém tão importante estar tão próximo e "usá-lo", em vez de estar lá, com ele.
Principalmente Kim Dokja, a quem ele acreditava estar morto há muito tempo.
Espero que isso tenha feito sentido.
Obrigado por ler.
Chapter 11: Capítulo 11
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Piscando lentamente para o teto, Yoo Joonghyuk foi recebido por um branco amarelado, manchado, velho, que não lhe era familiar. E por um momento, ele apenas ficou ali, encarando-o sem pensar em nada — até a memória da noite passada voltar.
O moletom amarelo.
Kim Dokja.
OD.
Ele gemeu ao se sentar, a cama rangendo sob seu peso, como se protestasse contra o movimento brusco.
Onde...?
Ele olhou freneticamente ao redor, os olhos ainda turvos de sono vagando pela bagunça que era o quarto, até seu olhar pousar na parede coberta de fotos.
Fotos. Recortes. Pôsteres. Todos dele.
Oh.
É claro.
Um grunhido irritado escapou de sua garganta enquanto ele bagunçava os próprios cabelos, frustrado.
Ele tinha dormido aqui.
Na casa de Kim Dokja.
Yoo Joonghyuk soltou um suspiro resignado antes de se deixar cair na cama, que rangeu alto sob seu peso. Deitado de costas, ele deixou os olhos vagarem lentamente pela bagunça do quarto — resultado do surto dele da noite anterior.
O armário estava despedaçado no chão, a madeira espalhada em lascas irregulares. Gavetas abertas, roupas jogadas em montes desordenados pelo chão, tudo fora do lugar depois da busca frenética de ontem.
Ele cobriu os olhos com o antebraço, afundando ainda mais no colchão enquanto soltava outro suspiro pesado, exausto. Tudo parecia errado. Bagunçado. Quebrado.
Incluindo ele.
Principalmente ele.
Ele era o mais quebrado dali.
Yoo Joonghyuk virou o rosto lentamente, enterrando-o no travesseiro com uma hesitação quase embaraçosa, como se não quisesse admitir a própria fragilidade. Então, inspirou fundo e se permitiu, por um instante, aquele pequeno conforto.
...cheirava bem.
Ele fechou os olhos e afundou o rosto no travesseiro de Dokja, relaxando pela primeira vez em muito tempo.
E preguiçosamente, Joonghyuk passou os braços por baixo do travesseiro e deitou de bruços, enterrando ainda mais o rosto naquele tecido, embriagado pelo cheiro de Dokja.
Era vergonhoso admitir, mas era bom. Inesperadamente bom.
Era estranhamente confortável.
Um suspiro contente escapou de seus lábios enquanto ele se aconchegava mais. A cama era pequena, o colchão velho e obviamente de qualidade inferior ao que ele estava acostumado a usar — nem tão macio, nem tão confortável, um pouco duro, mas nada insuportável.
E ainda assim, Joonghyuk se sentiu mais à vontade ali do que em qualquer outra cama de marca que já dormiu. Tinha algo no lençol amarrotado, no cheiro do shampoo barato que Dokja usava, misturado ao cheiro do sabão em pó dos lençóis limpos, algo naquela simplicidade fazia com que ele se sentisse... bem. Como se, finalmente, estivesse exatamente onde deveria estar.
Porque tudo ali gritava Kim Dokja.
Kim Dokja...
Com outro suspiro, ele abriu os olhos lentamente, quase como se não quisesse sair daquela calmaria e enfiou a mão no bolso, puxando a carteira de Kim Dokja e tirando a identidade dele de dentro.
Ele encarou a foto de Kim Dokja na carteira de identidade em silêncio, esfregando o polegar lentamente sobre o plástico do documento, como se quisesse sentir, de alguma forma, alguma conexão com Dokja através daquela foto.
...Dokja provavelmente ficaria furioso pela bagunça que ele fez no apartamento dele.
Yoo Joonghyuk precisava limpar. Mas só depois de voltar do hospital.
Sim… o hospital. Ele provavelmente deveria começar a se levantar agora. Para visitar Dokja no hospital.
Mas, mesmo sabendo que precisava se levantar, Yoo Joonghyuk permaneceu deitado por mais alguns minutos, imóvel, reunindo forças para abandonar o calor aconchegante da cama. Estava confortável demais para sair dali. Mas, eventualmente, ele soltou um grunhido irritado e, contra a própria vontade, se obrigou a levantar.
Sentando-se na beirada da cama, com os cotovelos apoiados nos joelhos, seus olhos focaram no moletom amarelo que ele deixou de lado.
E lentamente, ele estendeu a mão e pegou o moletom amarelo, deixando-o cair sobre o colo. Depois, trouxe a identidade de Kim Dokja para perto, segurando os dois objetos lado a lado.
Se isso fosse verdade...
Yoo Joonghyuk mordeu o lábio inferior, os olhos presos naquele pedaço de pano como se fosse capaz de arrancar dele alguma resposta.
Quando Lee Seolhwa perdeu o bebê e Yoo Joonghyuk afundou em depressão, foi OD quem se tornou seu alicerce. Nos momentos mais sombrios, quando tudo parecia desmoronar, foi ele quem permaneceu ao lado de Joonghyuk.
Mesmo depois do golpe que ele levou de Anna Croft. Mesmo depois de toda a onda de ódio que caiu sobre ele. Mesmo quando ninguém mais acreditou nele.
OD ficou.
Esteve lá para apoiá-lo, orientá-lo, oferecer conselhos, ser seu aliado.
Sua única salvação.
Foi OD quem tirou Yoo Joonghyuk e sua equipe do fundo do poço e os impulsionou em direção ao sucesso.
Foi OD quem reuniu o time, desde o princípio. Ele quem recrutou Lee Hyunsung, Jung Heewon e até mesmo Kim Namwoon.
Se a N'Gai existia, era, em grande parte, por causa dele — porque Yoo Joonghyuk jamais teria se dado ao trabalho de fundar uma guilda por conta própria, já que sempre as considerou uma perda de tempo e recurso.
Na verdade, se OD e aquele moletom amarelo realmente estivessem ligados, então Yoo Joonghyuk sequer deveria estar vivo. Porque, no fim das contas, foi OD quem o salvou.
Então, se for verdade...
Se Dokja for OD...
Se eles fossem a mesma pessoa, não importava como, Yoo Joonghyuk precisava trazê-lo de volta. Para a N’Gai.
Para perto.
Para onde pudesse vê-lo, ouvi-lo, ter certeza de que estava vivo. Seguro. Precisava tê-lo de volta.
Ao seu lado.
O único lugar de onde ele nunca deveria ter saído.
Mas se Kim Dokja for mesmo OD…
Yoo Joonghyuk apertou os olhos, como se aquilo doesse. E, de certo modo, doía.
Se fosse verdade, então tudo mudava. Tudo.
Ele encarou o moletom por mais alguns segundos, a garganta apertada. O tecido estava seco, mas ele conseguia sentir o cheiro — metálico, amargo, pútrido. O cheiro inconfundível de sangue não–humano. Do sangue de monstro.
Ele não queria acreditar. Não queria acreditar que Dokja estava tão perto esse tempo todo.
Que estava se escondendo.
Mentindo.
Mentindo para ele.
Ele fechou a mão em volta do moletom, os dedos apertando com tanta força que os nós ficaram brancos.
Só de pensar nessa possibilidade doía.
Porque ele se sentia traído. Enganado.
Mas se Kim Dokja fosse mesmo OD, a real questão era por quê?
Por que ele mentiria?
Por que se esconderia?
Yoo Joonghyuk respirou fundo, soltando o ar devagar. Ele aliviou o aperto no moletom amarelo e passou uma das mãos pelos cabelos bagunçados, tentando recuperar algum senso de controle.
Mais tarde. Ele pensaria nisso mais tarde.
Por agora, ele precisava voltar para casa, escovar os dentes, tomar banho, se recompor e passar no hospital.
Ele precisava ver Dokja. Confirmar que ele estava bem no hospital. Que ainda estava lá. Que não o tinha abandonado de novo.
Ele precisava colocar a cabeça no lugar. Dokja precisava dele agora.
「• • •」
"Lee Seolhwa." Yoo Joonghyuk cumprimentou, a voz fria e impassível, como de costume.
"Você chegou cedo hoje." Seolhwa respondeu, devolvendo o cumprimento com um aceno educado. "Já tomou café da manhã?"
"Como ele está?" Yoo Joonghyuk cortou, interrompendo-a, ignorando qualquer tentativa trivial de conversa.
Direto ao ponto, como sempre.
Seolhwa o encarou em silêncio por um momento, avaliando a expressão no rosto dele antes de assentir. "Estável" Ela respondeu calmamente.
Sem dizer mais nenhuma palavra, Seolhwa virou e o conduziu pelos corredores do hospital até a ala de internação intensiva. Eles pararam diante de uma porta com identificação digital. Seolhwa passou o crachá, e a trava emitiu um leve bipe antes de destrancar. Ela entrou primeiro, com Yoo Joonghyuk logo atrás.
E assim que os olhos dele encontraram a figura familiar deitada na maca, os ombros rígidos de Yoo Joonghyuk cederam instantaneamente.
Dokja ainda estava lá.
Pálido, magro, imóvel — o mesmo rosto tranquilo que ele vinha vendo todos os dias, todo santo dia.
Sua pele parecia ainda mais pálida sob a luz fria do quarto, e ele parecia ainda mais frágil rodeado por todos aqueles aparelhos médicos. Kim Dokja tinha sensores colados ao peito, um cateter intravenoso no braço e um tubo de oxigênio ajustado ao nariz. Ao lado da cama, o monitor cardíaco emitia bipes ritmados, preenchendo o quarto com um ruído constante e monótono.
O quarto, que deveria estar em silêncio absoluto, era preenchido apenas pelos bipes regulares dos aparelhos hospitalares e pelos ruídos do ar-condicionado, zumbindo de fundo.
Mas, apesar de todo o cenário clínico ao redor, o rosto de Dokja mantinha uma expressão serena, como se estivesse apenas descansando, como se estivesse apenas dormindo. E não internado, ligado a máquinas para continuar respirando.
"Bom." Yoo Joonghyuk murmurou quietamente, se aproximando da maca com passos cuidadosos, os olhos presos no rosto sereno de Dokja.
Lee Seolhwa o observava em silêncio.
Ele estava diferente, ela notou.
Yoo Joonghyuk. Ele estava diferente.
Yoo Joonghyuk parecia menos... angustiado.
Menos derrotado.
Menos abatido.
Isso também era por causa daquele Kim Dokja?
"Quando?" Yoo Joonghyuk perguntou de repente, sem tirar os olhos de Dokja. "Quando ele vai acordar?"
"Mm?" Seolhwa piscou, como se a pergunta a trouxesse de volta à realidade. "Oh. Não sabemos ainda. O prognóstico é indefinido."
Indefinido.
Estável, mas indefinido. Isso não significava nada.
O semblante de Joonghyuk escureceu enquanto ele desviava o olhar para os monitores ao lado da maca, onde os gráficos vitais oscilavam em ritmos regulares.
Coma.
“Ele sofreu extensos traumas internos,” Ela começou, assumindo agora um tom clínico e profissional para explicar. “Múltiplas fraturas, hemorragias e comprometimento grave de órgãos internos, e a condição dele só se estabilizou recentemente. A indução ao coma foi necessária para preservar suas funções vitais e dar tempo ao corpo para se recuperar."
Um coma induzido.
"O processo de recuperação é lento, e o quadro dele é complicado. Uma das costelas fraturadas perfurou o pulmão, e há múltiplas lesões nos membros inferiores e superiores." Lee Seolhwa continuou explicando, sua voz calma e paciente. Mas Joonghyuk já não estava mais ouvindo.
Um coma.
Dokja estava em coma. E não por consequência direta do trauma — mas porque os médicos o colocaram assim. De propósito. Para ajudá-lo a se recuperar.
Ele sabia que era necessário. Sabia que o corpo de Kim Dokja precisava daquele estado para sobreviver, para se curar.
Mas isso não tornava as coisas mais fáceis.
Yoo Joonghyuk simplesmente não conseguia pensar em mais nada além do fato de que Kim Dokja estava sendo mantido em coma. Propositalmente. E, pior ainda, que não havia qualquer previsão concreta de quando — ou se — ele acordaria.
Tudo o que ele queria era que Dokja acordasse. O visse. Dissesse algo, qualquer coisa. Começasse a se explicar, nem que fosse com uma mentira.
Tudo o que ele queria era ver de novo aqueles olhos cinzentos — brilhantes, cheios de estrelas — olhando para ele.
Ver mais uma vez aquele sorriso que parecia iluminar até os dias mais sombrios de Joonghyuk.
Ele só queria ter Dokja de volta.
Sentir sua presença, seu cheiro, ouvir sua voz, suas risadas, discutir por bobagens, brigar por besteiras... simplesmente existir ao lado dele.
Simplesmente viver.
E ter de volta tudo aquilo que ele nunca quis perder.
"Se é um coma induzido, vocês deveriam ter uma previsão." Yoo Joonghyuk interrompeu, cortando a explicação de Seolhwa com um tom ríspido, quase acusatório.
Lee Seolhwa piscou, surpresa com o tom acusatório de Yoo Joonghyuk — como se não esperasse que ele, justamente ele, duvidasse dela.
"Como eu disse da última vez," Seolhwa continuou cautelosamente. "Ele não respondeu aos tratamentos com habilidades de cura de nível C e nem A, nem aos métodos regenerativos mais modernos. Como nenhuma habilidade regenerativa surtiu efeito, estamos recorrendo aos métodos convencionais, acompanhando os sinais vitais e esperando que ele reaja aos poucos."
Isso tudo era absurdo.
Tão absurdo.
Yoo Joonghyuk desviou o olhar para o homem deitado na maca novamente, soltando um suspiro pesado e irritado. Seus olhos pousaram no rosto de Dokja — sereno, quase frágil. Os olhos fechados, os cílios longos, a pele pálida, os lábios pálidos e rachados entreabertos, o peito subindo e descendo lentamente.
Ele parecia estar apenas... dormindo.
Como se não tivesse despedaçado Yoo Joonghyuk por dentro.
Como se não estivesse destruindo-o, pouco a pouco, só por continuar dormindo.
Como se, a qualquer momento, fosse abrir os olhos e zombar dele por estar preocupado demais.
Exatamente como ele fazia antigamente, quando eles ainda eram apenas dois adolescentes.
"Ele deve se recuperar em breve." Lee Seolhwa assegurou, em um tom mais baixo, como se quisesse confortar Joonghyuk.
Mas Yoo Joonghyuk não se deu ao trabalho de responder. Ele não queria consolo, tampouco ouvir palavras gentis ou promessas vazias. Ele apenas permaneceu em silêncio, os olhos fixos no rosto sereno e inconsciente de Dokja.
"Ele vem mostrando uma recuperação positiva, considerando o estado em que chegou." Seolhwa continuou, a voz calma e paciente. Ela já estava acostumada ao silêncio de Joonghyuk, à forma como ele nunca facilitava qualquer tentativa de conversa.
Ela deu alguns passos, se aproximando da maca até ficar ao lado dele.
"Então, só... não se preocupe. Ele ficará bem." Ela assegurou, levantando uma das mãos, num gesto quase automático de conforto — ela queria tocar nas costas dele, esfregar gentilmente, mostrar apoio, mostrar que estava lá, mas parou no meio do caminho.
Seolhwa olhou para a própria mão estendida, hesitou... e então recuou.
Era melhor não o tocar.
"Bom." Yoo Joonghyuk respondeu, seco. "Mais alguma coisa?"
"Não." ela respondeu com um breve aceno de cabeça. "Isso é tudo."
Mas aquilo não era tudo.
Ela não mencionou os detalhes que realmente importavam. Ela não disse nada sobre o comportamento anormal e não-humano durante os exames, sobre os padrões instáveis de mana, a resistência incomum aos sedativos, mesmo os mais potentes. E, principalmente, não contou que os batimentos de Kim Dokja, em certo momento, pararam — e voltaram por conta própria.
Sem intervenção. Sem reanimação. Eles simplesmente... voltaram.
Por um momento, ele esteve clinicamente morto.
Nenhum pulso. Nenhuma atividade cerebral. Nenhum sinal de vida.
E então, repentinamente — como se algo dentro dele recusasse a morte — o coração voltou a bater.
Sozinho.
Sem choque. Sem massagem cardíaca. Sem intervenção externa.
Ela não contou nada disso.
Porque Seolhwa não tinha certeza do que estava lidando. Ainda.
Ela não disse também que, talvez, Kim Dokja já não fosse exatamente humano.
E, se não fosse — se ele fosse algo diferente, algo perigoso — Seolhwa sabia o que precisava ser feito.
Seolhwa olhou mais uma vez para Yoo Joonghyuk, que estava tão absorto no rosto adormecido de Kim Dokja que nem sequer percebia mais o que estava ao redor.
Ela precisava confirmar. Precisava ter certeza.
E, se esse Kim Dokja fosse realmente uma ameaça...
Ela apertou os lábios, os olhos frios.
Se Kim Dokja fosse um monstro — se representasse qualquer ameaça — então caberia a ela pôr um fim nisso.
Ela o destruiria.
Mesmo que Yoo Joonghyuk nunca a perdoasse por isso.
Seolhwa não era estúpida.
Ela percebeu, desde o primeiro instante em que pôs os olhos nele, o quão fora de si Yoo Joonghyuk estava naquele dia.
Ele chegou no pronto-socorro dentro de uma ambulância, coberto de sangue — o sangue nem era dele. Saiu disparando ordens para a equipe médica, ignorando protocolos, insultando os funcionários e ameaçando qualquer um que se aproximasse de Kim Dokja sem o cuidado que ele exigia. Yoo Joonghyuk chegou completamente fora de controle, totalmente transtornado, totalmente fora de si.
Na triagem, Yoo Joonghyuk se recusou a informar qualquer vínculo com o paciente — apenas repetia que o nome dele era Kim Dokja e que ele precisava urgentemente de atendimento médico. E quando foi impedido de acompanhá-lo até a Unidade de Terapia Intensiva, Joonghyuk ficou imóvel no corredor por horas. Não saiu. Não comeu. Nada. Não fez absolutamente nada.
Ele apenas ficou lá.
Horas em pé, parado no corredor da UTI, com o cenho franzido, os punhos cerrados e o maxilar travado, como se estivesse pronto para quebrar qualquer um que tentasse tirá-lo à força. Ele não saiu nem mesmo para beber água, recusando-se a comer, beber ou sequer sentar, até receber alguma atualização sobre o estado do paciente.
Ele ficou plantado em frente à ala restrita, imóvel como um cão de guarda. Estava encharcado de sangue que nem sequer era dele, sem comer, sem falar, sem descansar, sem sequer se mover. Nada.
Pessoas encaravam, cochichando ao passar, sussurrando coisas como: “É o Rei Supremo? O Rank S? O caçador número um?” ou “Esse cara é assustador... quantas horas será que ele já está ali parado?” Mas ninguém se atreveu a se aproximar, ninguém teve coragem de perguntar se ele estava bem, se precisava de algo. Nada.
Todos conheciam a fama negativa de suas tendências violentas, o Rei Supremo que socava repórteres por perguntas invasivas, que quebrava objetos quando perdia a paciência. E ninguém queria correr esse risco.
E ele também não saiu até receber notícias.
Aquilo não era normal.
Principalmente vindo de Yoo Joonghyuk, alguém que nunca demonstrava vulnerabilidade, muito menos em público.
Ele nunca desmoronava, nunca deixava transparecer que algo o afetava. Não mostrava interesse, tampouco apego a ninguém.
Não era normal.
Não para Yoo Joonghyuk.
Mas o que mais chamou a atenção de Seolhwa foi o olhar de Yoo Joonghyuk.
Desespero.
Yoo Joonghyuk nunca chorava, nunca desabava, nunca implorava. Seu desespero era silencioso. E Lee Seolhwa sabia quando Yoo Joonghyuk estava desesperado. Ela sabia quando ele estava em pânico, surtando.
Ela conhecia cada coisinha daquele olhar. Conhecia aquele desespero disfarçado de raiva. O instinto de proteção que beirava o irracional. O tipo de reação que Joonghyuk só tinha quando algo — ou alguém — quebrava as defesas que ele levou anos para construir.
Seolhwa reconhecia, porque já tinha visto esse tipo de comportamento antes. Uma vez. Uma única vez.
E, naquela vez, quem estava na maca era ela.
Ela já foi aquela pessoa.
Ela já esteve naquele leito, intubada, à beira da morte.
Já tinha sido ela, uma vez, naquela mesma sala. Ela quem esteve inconsciente numa maca, com Joonghyuk do outro lado, desesperado.
Mas isso foi há muito tempo atrás, quando eles ainda eram noivos.
Mas dessa vez...
O modo como ele chegou no pronto-socorro — dentro de uma ambulância, ensanguentado, cuspindo ordens e ameaças, com os olhos arregalados de pânico — foi o suficiente para acender todos os alertas dentro da cabeça de Seolhwa.
Kim Dokja era a causa disso.
Kim Dokja, e não ela.
Ela não sabia o que exatamente Kim Dokja era para Yoo Joonghyuk agora. Mas sabia que ele não era só um "desconhecido".
Kim Dokja não era apenas "alguém" para Yoo Joonghyuk.
Ela sabia também que qualquer pessoa capaz de deixar Yoo Joonghyuk naquele estado não podia ser insignificante.
Ele era uma ameaça.
E, pior, uma ameaça que Yoo Joonghyuk hesitaria em eliminar.
Kim Dokja era perigoso.
E Seolhwa conhecia o perigo disso.
E ela não hesitaria.
Se esse homem veio para derrubar Yoo Joonghyuk, ela o destruiria primeiro.
Se Yoo Joonghyuk era cego demais para perceber, para destruí-lo, Lee Seolhwa faria isso por ele.
Mesmo que tivesse que fazê-lo sozinha.
Mesmo que Yoo Joonghyuk nunca a perdoasse por isso.
Ela faria isso.
Um suspiro pesado escapou dos lábios de Yoo Joonghyuk e Lee Seolhwa parou para observá-lo, preocupada.
"Eu já escutei o suficiente." Yoo Joonghyuk falou de repente, esfregando o rosto com uma das mãos, o cansaço estampado em cada uma de suas ações. "Deixe-me sozinho."
"Joonghyuk—" Seolhwa tentou, a voz mais suave.
"Fora," Ele a interrompeu, sem sequer lançar um olhar na direção da mulher. Seu tom ríspido, mas sem qualquer traço de raiva. Ele estava apenas cansado e queria um pouco de espaço. "Eu só quero ficar sozinho."
Houve um breve silêncio antes que Seolhwa soltasse um suspiro resignado, lançando um último olhar para o rosto inconsciente de Kim Dokja — frio, quase apática — antes de assentir lentamente.
Ela sabia que ele precisava daquele espaço e, como amiga, respeitaria a decisão dele.
"Tudo bem." Seolhwa desistiu, virando-se para sair.
Quando ela estava com a mão na maçaneta, prestes a empurrar a porta, a voz de Yoo Joonghyuk a alcançou pelas costas.
"Obrigado."
Seolhwa congelou de frente para a porta, os dedos tocando o metal frio da maçaneta, imóveis. Ela respirou fundo, mas não se virou para encará-lo.
Ela nem precisava adivinhar por que ou por quem ele estava agradecendo.
Era óbvio que era por causa daquele homem, Kim Dokja.
Ele estava agradecendo por ela ter salvo aquele tal de Kim Dokja.
Mas ele não precisava agradecer. Isso só a deixava ainda mais culpada.
"Esse é apenas o meu trabalho." Ela respondeu calmamente, sem nem sequer olhar para trás. "Não precisa me agradecer."
E logo em seguida, segurou a maçaneta, abriu a porta e saiu, deixando-a se fechar atrás de si com um clique.
Yoo Joonghyuk permaneceu de pé por um momento, apenas encarando a porta, parado, como se esperasse por algo mais — vozes, passos, qualquer interrupção. Mas nada veio. Nenhum som. Ninguém. Nada.
Só então, ao perceber que realmente estava sozinho, ele finalmente deixou o corpo despencar na cadeira ao lado da maca, os ombros finalmente caindo com o peso do cansaço. Foi como se, naquele momento, a máscara finalmente caísse.
Era como se, naquele momento, ele deixasse de ser o Rei Supremo e voltasse a ser apenas Yoo Joonghyuk.
Era como se, na ausência de espectadores, sua armadura impenetrável — o Rei Supremo, o caçador mais forte de Seul, o número um, o herói — tivesse rachado, revelando apenas um homem.
Um homem quebrado, cansado, solitário e, acima de tudo…
Humano.
Um homem falho, imperfeito e fraco.
Humano.
Um humano, que errava e falhava.
Sem expectativas, sem significância, apenas um homem.
Finalmente sozinho, ele se permitiu desabar. Toda a postura durona, os gestos rígidos, as palavras planejadas — tudo caiu por terra.
Como se só agora ele pudesse respirar.
Ele encarou o rosto pálido e sereno de Kim Dokja, os olhos se movendo devagar, detalhando cada traço como se temesse esquecer novamente. Suas pálpebras fechados, os longos cílios imóveis, os lábios rachados entreabertos — e, mesmo assim, ainda parecia ele.
O mesmo Kim Dokja que ele conheceu no ensino médio.
O Kim Dokja dele.
Yoo Joonghyuk respirou fundo, permitindo que o corpo escorregasse contra o encosto da cadeira até afundar por completo. Os dedos, trêmulos, se estenderam em direção ao rosto de Dokja.
Ele estendeu a mão com cuidado, como se tivesse medo de que o menor toque pudesse quebrá-lo. Seus dedos trêmulos roçaram o rosto de Dokja, esfregando suavemente, depois deslizaram até encontrar sua mão.
Estava fria.
Tão fria.
Ele apertou os dedos ao redor daquela mão fria, com força, entrelaçando suas mãos, como se isso pudesse mantê-lo ao seu lado, como se isso fosse suficiente para impedir que Kim Dokja desaparecesse de uma vez por todas.
Yoo Joonghyuk mordeu o lábio inferior, tão forte ao ponto de arrancar sangue, reprimindo o nó na garganta, tentando conter as lágrimas que ameaçavam cair. Ele se inclinou devagar, abaixando a cabeça até suas testas se tocarem.
Encostou a testa na de Kim Dokja.
Era patético.
Mas ele não conseguiu evitar.
Yoo Joonghyuk levou a outra mão ao rosto de Kim Dokja, segurando-o com delicadeza, como se tivesse medo de quebrá-lo. Suas testas permaneciam unidas, separadas apenas pela máscara de oxigênio que cobria o nariz e a boca de Dokja.
Ele fechou os olhos com força, como se, ao fazer isso, pudesse manter aquele momento congelado no tempo — como se aquilo fosse suficiente para impedir o mundo de continuar girando sem Kim Dokja nele.
As mãos deles estavam entrelaçadas. Ainda estavam.
E Yoo Joonghyuk as apertava como se isso fosse tudo o que lhe restasse.
Ele apenas o segurou ali, perto.
Porra...
Não importava o quão patético aquilo fosse.
Não importava se ele parecia desesperado.
Não importava o quanto aquilo parecesse estúpido. Não importava mais orgulho, imagem, vergonha, honra. Nada disso fazia sentido diante da possibilidade real de perdê-lo.
Nada daquilo importava. O quão ridículo, frágil ou desesperado ele pudesse parecer aos olhos dos outros — não importava mais.
"Por favor..." Yoo Joonghyuk sussurrou, a voz rouca, trêmula, a mandíbula cerrada como se estivesse tentando conter o próprio desespero. "Acorde."
Ele só queria ouvir aquela voz de novo.
Ouvir aquela voz única, irritante, sarcástica.
Nem que fosse uma única palavra. Uma provocação. Uma mentira. Um xingamento. Um resmungo irritado ou um murmúrio sem graça.
Qualquer coisa.
Ele só queria Dokja de volta.
Notes:
Este capítulo acabou ficando mais curto do que eu tinha planejado inicialmente, acabei decidindo dividi-lo em partes, ou a atualização demoraria ainda mais para sair. E também, eu estava um pouco angustiado com a demora em atualizar, então é o que é.
Estou fazendo uma pausa, pois não estou me sentindo muito bem. Mas voltarei em breve (espero).
Muito obrigado por ler. Me avise se encontrar algum erro.
Chapter 12: Capítulo 12
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
O carro estacionou no mesmo lugar de sempre, e Yoo Joonghyuk desceu com as sacolas das compras do mês equilibradas nos braços.
Ele estava morando temporariamente na casa de Dokja.
Claro que ele tinha uma casa. Um apartamento enorme, moderno, luxuoso e silencioso — com aquecedor de última geração funcionando, paredes sem mofo e portas que fechavam sem ranger. E, mesmo assim, ali estava ele, morando nesse fim de mundo onde as ruas nem eram asfaltadas, com um aquecedor que ameaçava parar de funcionar a qualquer momento, e vizinhos que eram barulhentos, intrometidos e inconvenientes.
Mas quem escolheu se meter nesse fim de mundo foi ele mesmo, por vontade própria. Então, ele não tinha muito o direito de reclamar.
Ele trancou o carro com a chave e ajeitou a gola da camisa, sentindo os olhares em suas costas. Suspirou, irritado.
Sim, droga. Ele era o Rei Supremo. O Caçador Rank S mais famoso do país. E daí? As pessoas não tinham mais nada pra fazer além de encará-lo?
Yoo Joonghyuk lançou um olhar sombrio na direção dos vizinhos, e como se fosse mágica, todos decidiram simultaneamente que o chão, o celular ou a unha do dedão eram repentinamente mais interessantes do que ele.
Com um suspiro irritado, Yoo Joonghyuk atravessou a rua em direção ao prédio decadente de apartamentos onde Kim Dokja morava. E, para seu próprio desgosto, estava começando a se familiarizar demais com aquele lugar.
O mesmo portão velho, enferrujado, sem tranca, que rangia como se estivesse dando seus últimos suspiros toda vez que alguém o abria ou fechava.
E, claro, emperrado. De novo. Como sempre.
"Que merda..." Ele xingou, tentando empurrar para abrir a porta da entrada do prédio, mas estava emperrada de novo.
Não abriu.
Com um suspiro irritado, ele forçou com mais força, sem paciência.
Mas foi um pouco... forte demais.
O portão inteiro entortou com um estalo escandaloso, pendendo para o lado como se tivesse levado uma pancada. Uma das dobradiças rangeu alto antes de simplesmente ceder, deixando o portão pendurado como a porta de um armário quebrado.
E Joonghyuk ficou lá, parado por um minuto inteiro, encarando o estrago, como um idiota.
Ele nem tinha colocado tanta força assim!
"Só pode ser brincadeira..." Yoo Joonghyuk, desacreditado, olhou discretamente para os lados, verificando se alguém tinha visto aquela merda que ele tinha feito.
Não, ninguém. Graças a Deus.
Respirando fundo, Joonghyuk tentou empurrar a porta de volta pro lugar, com uma mão só, enquanto equilibrava as sacolas na outra.
"...Droga, fica reto, porra." Ele estalou a língua, empurrando com mais força, o que só piorou a situação. "Por que tudo aqui é tão vagabundo?" Yoo Joonghyuk suspirou, já se irritando.
Ele largou as sacolas no chão por um momento, irritado, e tentou puxar a porta de volta ao lugar, numa tentativa inútil de consertar o estrago. Mas a porta agora estava torta de um jeito estranho, abrindo só até a metade e fazendo um barulho ainda pior do que antes.
Ele odiava aquele maldito lugar.
Quando Kim Dokja acordasse, Yoo Joonghyuk tiraria ele dali imediatamente, mesmo que fosse à força. A segurança era péssima. A vizinhança era esquisita. E com o rosto de Dokja espalhada por toda parte como "o salvador sem nome", aquilo só piorava.
Se ele acabasse ficando famoso — o que agora era uma possibilidade, especialmente se ele aceitasse o convite da N'Gai — os problemas aumentariam.
Ser um caçador não era só lutar com monstros, era lidar com fãs, perseguições, jornalistas, gente maluca achando que sabia tudo da sua vida e lunáticos que achavam ter direito sobre a sua vida.
E falando nisso...
Ele franziu ainda mais o cenho ao pegar novamente as sacolas de compras do chão, desistindo completamente de consertar o maldito portão quebrado.
Ele ia ter que dar um jeito nisso também. Nas imagens de Kim Dokja circulando por aí. Talvez pudesse borrar os rostos nos vídeos, ou melhor, mandar derrubarem tudo de uma vez.
Sim. Derrubar tudo era melhor.
Ele lidaria com isso.
Yoo Joonghyuk não permitiria que o rosto de Dokja continuasse exposto por aí.
E Dokja provavelmente não gostaria disso também.
Yoo Joonghyuk começou a subir os degraus das escadas do prédio, as sacolas balançando pesadas em suas mãos.
Dokja nunca gostou desse tipo de coisa. Fotos, vídeos, câmeras... atenção, num geral.
Eles não tinham nenhuma foto juntos do tempo de escola porque Dokja sempre se recusou a tirar uma. E Joonghyuk nunca insistiu.
Mas, se Joonghyuk soubesse o quanto aquilo faria falta no futuro, ele teria insistido naquela época.
Só uma. Uma única foto dos dois. Pelo menos uma lembrança dos dois juntos.
Só uma.
Mas ele não tinha nada.
Só memórias.
Memórias essas que já falharam com ele uma vez.
Chegando no quinto andar, Yoo Joonghyuk virou no corredor estreito e mal iluminado, que cheirava a mofo misturado com desinfetante barato. Seus passos ecoavam no silêncio, lentos e pesados, enquanto sua mente vagava, distraída em seus próprios pensamentos.
Provavelmente era um trauma. Com jornalistas e a imprensa, talvez. Kim Dokja sempre odiou esse tipo de gente, e com razão. Yoo Joonghyuk se lembrava de uma vez, no ensino médio, em que Dokja paralisou ao sair da escola e se deparar com repórteres aguardando no portão do colégio. Eles fizeram perguntas invasivas, até cruéis. Logo depois, ele teve um ataque de pânico.
E agora, Joonghyuk se lembrava perfeitamente daquele dia.
Tinha sido um inferno.
Essa era mais uma razão pela qual Yoo Joonghyuk precisava derrubar aqueles vídeos do ar. Os que Lee Jihye tinha mostrado. Mas não era tão simples. Eram muitos e já estavam espalhados.
Yoo Joonghyuk faria qualquer coisa, até o impossível, para apagar aqueles vídeos, se isso significasse manter Dokja em segurança. São e salvo.
Ele estava a poucos passos da porta quando parou bruscamente.
Luz.
Uma faixa de luz amarelada escapava por baixo da porta do apartamento.
Mas ele não tinha deixado nenhuma lâmpada acesa. Nenhuma lâmpada estava acesa quando ele saiu. Nenhuma.
Imediatamente, tudo dentro dele ficou em alerta.
Yoo Joonghyuk ficou completamente imóvel, encarando a linha de luz amarelada que escapava pelas frestas da porta. Uma sensação desagradável começou a subir por sua espinha.
Ele apertou as alças das sacolas, os dedos rígidos. Não. Ele não era descuidado a esse ponto. Ele lembrava de ter apagado tudo antes de sair, tinha certeza disso.
Joonghyuk se aproximou cautelosamente da porta, os olhos atentos, imóveis, e agarrou a maçaneta com força.
Girou.
Estava aberta.
Ele tinha trancado. Ele tinha certeza que tinha.
Alguém estava lá dentro.
Yoo Joonghyuk não pensou duas vezes antes de arremessar a porta com um estrondo, as sacolas amassadas em suas mãos cerradas, pronto para desferir um golpe em quem quer que estivesse ali dentro.
Mas o som de uma respiração ofegante e assustada fez com que ele parasse bruscamente.
Seu olhar desceu lentamente, e ele congelou.
Parado ali, no meio da sala, estava um menino de não mais que dez anos. Cabelos castanhos curtos e desalinhados emolduravam um rosto pálido, e seus olhos, igualmente castanhos, estavam arregalados de medo e choque.
Yoo Joonghyuk ficou imóvel, petrificado.
Esse rosto...
Esse rosto era familiar.
O semblante do garoto passou de medo para raiva em segundos. Lágrimas ainda escorriam por suas bochechas, seu nariz estava vermelho de tanto fungar, e os olhos inchados de tanto chorar. E mesmo assim, ele apontou um dedo acusador com uma firmeza que nem deveria caber em alguém tão pequeno.
"O que você fez com o hyung?!" O garoto gritou, a voz embargada pela emoção, o dedo trêmulo apontado diretamente para Yoo Joonghyuk. "O que você fez com ele?!"
Merda.
Ele tinha esquecido completamente disso.
Kim Dokja tinha um filho.
Supostamente.
Maldição.
Kim Dokja. Esposa. Filho. Família feliz.
Uma vida que não incluía Yoo Joonghyuk.
Ele tinha esquecido completamente dessa merda toda depois de tudo o que aconteceu nos últimos dias.
Mas, honestamente... um cara que tinha tantas fotos do "Rei Supremo" coladas na parede poderia mesmo ser casado e ter filhos?
A cama era de solteiro. O apartamento, minúsculo. Não tinha uma segunda escova de dentes no banheiro, nem brinquedos jogados pelos cantos ou guardados em caixas de brinquedos.
Ele morava sozinho.
Pelo menos, tudo indicava isso.
"Eu não fiz nada." Yoo Joonghyuk respondeu, impassível.
"Mentira!" O garoto rebateu na hora, as lágrimas voltando com força, escorrendo pelas bochechas. "O hyung nunca some assim! E o armário dele... sumiu!"
Sim. Porque Yoo Joonghyuk, num surto, tinha destruído aquela porcaria e jogado os pedaços fora.
"E... e tá tudo bagunçado!" O menino apontou ao redor, angustiado. "O hyung nunca deixaria tudo assim! Ele odeia bagunça! Foi você! Você fez alguma coisa com ele!"
Yoo Joonghyuk sentiu uma veia pulsar na testa.
Que pirralho irritante.
Ele estreitou os olhos, o cenho franzido, os cantos dos lábios se curvando para baixo em irritação.
"Eu não fiz nada." Yoo Joonghyuk repetiu, em um tom ainda mais ríspido.
"Então por que ele não voltou?!"
Yoo Joonghyuk soltou um suspiro irritado.
"Ele está no hospital." Yoo Joonghyuk admitiu, sem paciência. "E não pode receber visitas."
Era mentira, claro. Kim Dokja podia sim receber visitas. Mas Yoo Joonghyuk não ia deixar ninguém vê-lo naquele estado.
O menino parou, ficando em silêncio, o rosto pálido por um instante, antes de sua respiração começar a falhar.
"Ele... ainda tá...?" A voz do menino tremeu, os ombros encolhendo. Ele abaixou o dedo, a respiração falhando com pequenos soluços contidos.
"É." Yoo Joonghyuk confirmou, o tom mais baixo dessa vez. "Ele está bem."
Por um longo tempo, os dois ficaram apenas em silêncio. O menino de cabelos castanhos estava tentando conter o choro, mordendo o lábio inferior com força, com os olhos vermelhos e marejados. Mas não conseguiu segurar por muito tempo.
Ele se sentou na beirada da cama e começou a soluçar quando não aguentou mais, os ombros sacudindo com cada respiração trêmula e soluçada. O menino esfregava as costas das mãos no rosto, tentando, desesperadamente, enxugar as lágrimas que escorriam sem parar.
E Yoo Joonghyuk apenas observou, calado.
O pirralho estava chorando de novo.
Ele estava sempre chorando.
Sem dizer mais nada, Yoo Joonghyuk se virou e agarrou a maçaneta da porta, tentando fechá-la atrás de si.
Mas, ao girá-la, a maçaneta se soltou da porta, que não chegou nem a encostar no batente antes de pender torta, suas dobradiças quebradas, rangendo miseravelmente.
Ele encarou sombriamente a maçaneta quebrada na própria mão, como se o objeto estivesse o insultando.
Segunda porta.
Essa era a segunda porta.
Era a segunda maldita porta que ele quebrava naquele dia.
Ele soltou um suspiro baixo, mais exausto do que irritado.
「• • •」
Quando Yoo Joonghyuk saiu da cozinha, carregando uma tigela quente de arroz frito com frango e legumes, o menino ainda estava na cama, encolhido no mesmo lugar.
Os olhos dele estavam vermelhos e inchados de tanto chorar.
"Ei." Yoo Joonghyuk chamou, colocando a tigela sobre a cama, ao lado dele. "Coma."
Aquele garoto já estava ali tempo demais para o gosto de Yoo Joonghyuk. E, embora sua vontade fosse expulsá-lo imediatamente, aquele apartamento não era dele, e o pirralho era supostamente filho de Dokja.
E se alguém tivesse que sair, provavelmente seria ele mesmo. Então, no mínimo, poderia mostrar alguma hospitalidade.
E, quem sabe, talvez o pirralho até abrisse a boca.
O menino olhou para a tigela com desconfiança.
Mas o cheiro...
O cheiro era bom.
Ele hesitou, apertando os lábios, antes de se sentar na cama devagar e pegar a colher. O menino soprou a comida cuidadosamente e levou a primeira colherada à boca.
Seus olhos se arregalaram um pouco ao experimentar. Ele mastigou devagar, saboreando, antes de enfiar apressadamente outra colherada na boca.
Era bom. Muito, muito, muito bom.
Yoo Joonghyuk o observou sem expressão e, em seguida, sentou-se ao lado dele.
"Dokja é o seu pai." Ele disse de repente, em um tom neutro. Não era uma pergunta, era uma afirmação.
O menino engoliu a comida em seco e lançou um olhar rápido na direção dele.
"Mm." O menino murmurou, concordando.
Yoo Joonghyuk franziu levemente o cenho.
Então era verdade...
Kim Dokja era mesmo pai.
Isso ainda era difícil de acreditar.
Kim Dokja só tinha vinte e oito anos.
E, prestando mais atenção... aquele garoto não parecia ter menos do que oito.
"Quantos anos você tem, garoto?" Yoo Joonghyuk perguntou ao menino, com os olhos semicerrados. "Oito?"
O menino piscou, pego de surpresa pela pergunta, antes de responder. "Não, eu tenho dez. Faço onze em abril."
Quase onze anos?
Joonghyuk fez uma rápida contagem mental. Parou. Refez. Parou de novo. Refez novamente, como se estivesse errando. E no final, ficou apenas olhando para o nada em silêncio, sem reação.
Dezessete...?
Dokja teve um filho com apenas dezessete anos?
Dezessete?
Sério? Dezessete?
O que diabos Dokja esteve fazendo durante todos esses anos em que eles estiveram separados?
Ele piscou lentamente, ainda sem saber como reagir.
"Certo... e... cadê a sua mãe?" Joonghyuk perguntou, virando para olhar para o garoto, agora com um tom mais sério e uma ponta de cautela na voz.
O menino se encolheu no lugar quando a mãe foi citada, desviando o olhar. Seu rosto se contorceu em uma careta, parecendo emburrado.
Ok. Esse era definitivamente um assunto delicado para o garoto.
"Deve estar bêbada em alguma vala." O menino murmurou, antes de enfiar outra colherada de arroz na boca, emburrado.
Joonghyuk parou.
"...O quê?"
Ele até se endireitou, sentando-se mais ereto, encarando o menino como se tivesse escutado errado.
"Ela é... alcoólatra? E Dokja?"
"Eles não se dão bem." O menino respondeu casualmente, dando de ombros enquanto mastigava. "Sempre que ela vai lá em casa, os dois brigam."
Era sério isso?
Yoo Joonghyuk ficou encarando o menino em silêncio por alguns segundos, completamente sem reação.
Pelo visto, alimentar o pirralho funcionou. Ele estava desabafando agora, fosse por causa da comida, ou porque Yoo Joonghyuk tinha contado onde o pai dele estava.
Mas isso não importava.
O que realmente importava era que, naquele momento, ele estava se abrindo com Yoo Joonghyuk. Confiando nele, mesmo que só um pouquinho.
"Eles brigam sempre que se veem?" Joonghyuk perguntou cautelosamente, ainda tentando digerir a informação. "E ela realmente é alcoólatra? Ela é agressiva?"
"Mhm." O menino assentiu com uma naturalidade que chegava a ser preocupante. "Ela também me bate às vezes. Mas o hyung sempre me protege dela. Ela não consegue fazer nada quando ele tá lá."
Yoo Joonghyuk apenas ficou encarando o menino em silêncio por um bom tempo, sem expressão.
Violência doméstica?
Sério?
Ele realmente não sabia mais o que dizer.
Kim Dokja — o mesmo Kim Dokja que passou a infância sendo espancado por um pai abusivo e alcoólatra — teve um filho com uma mulher exatamente igual?
…Sério?
Porra.
Ele precisou de alguns segundos só para processar o absurdo daquilo.
Yoo Joonghyuk esfregou o rosto com as duas mãos, respirando fundo.
Kim Dokja teve que meter um filho logo com uma mulher que parecia justamente uma versão feminina do próprio pai dele.
É claro que tinha que ser justamente uma alcoólatra, violenta e filha da puta.
"Mas é claro." Ele suspirou, falando mais para si mesmo. "Não sei porque estou surpreso."
Kim Dokja sempre foi estranho.
Do nome à personalidade.
Yoo Joonghyuk ainda se lembrava da época da escola, quando Dokja rabiscava todos os cadernos, — inclusive os dele — fugia das aulas e se escondia no terraço para ler webnovels em silêncio. Lembrava de como ele contava piadas ruins e, pior ainda, ria sozinho delas como um maluco. De como defendia personagens fictícios como se a vida dele dependesse daquilo, tagarelando sem parar sobre as histórias favoritas dele, mesmo que Joonghyuk nunca tivesse perguntado absolutamente nada.
Sim. Ele sempre foi estranho. E sempre fez escolhas ainda mais estranhas.
E Joonghyuk provavelmente era um tolo por sentir falta de tudo isso.
Ele suspirou pesadamente, olhando de relance para o menino sentado ao seu lado, que ainda mastigava a comida em silêncio, alheio aos seus pensamentos.
...Mas, sinceramente, ele nunca esperou que Dokja tivesse um filho.
Principalmente tão jovem.
E o garoto nem sequer se parecia com ele. Talvez tivesse puxado mais à mãe do que ao pai.
Sem pensar muito, Joonghyuk estendeu a mão e bagunçou os fios castanhos do menino. O garoto o olhou de lado, confuso e desconfiado, franzindo o cenho.
Os cabelos dele eram castanhos, mais claros e ondulados. Já Dokja tinha cabelos mais escuros, lisos.
E mais macios também.
E os olhos...
Os olhos dele também eram diferentes, castanhos, enquanto os de Dokja eram cinzas, naquele tom acinzentado e fosco que Joonghyuk conhecia tão bem.
Era uma pena.
Kim Dokja era bonito. Muito bonito, na verdade.
Um bebê que fosse a exata cópia em miniatura dele dele seria, sem dúvida, a coisa mais adorável do mundo.
E Yoo Joonghyuk não mentiria, ele gostava de imaginar isso. Um mini Dokja.
"O que você tá fazendo?" o menino resmungou, afastando a mão dele com um olhar desconfiado.
Percebendo o que estava fazendo, Yoo Joonghyuk afastou a mão devagar, como se nada tivesse acontecido.
"Você deve se parecer mais com a sua mãe." Ele comentou casualmente, com o mesmo tom monótono de sempre.
O menino o lançou um olhar estranho, quase ofendido, antes de desviar o rosto, emburrado.
Ele provavelmente tinha dito alguma besteira.
Mas Dokja realmente tinha um filho.
Isso era difícil de acreditar.
Mas Dokja morava sozinho, não? Era o que parecia. E se ele morava sozinho, então o garoto não vivia com ele. Provavelmente estava com a mãe.
Mas, se a mãe dele era tão ruim assim, por que o garoto ainda estava com ela, e não com Dokja?
"Sua mãe." Joonghyuk perguntou, de repente. "Você mora com ela?"
O menino encarou a tigela quase vazia, cutucando o arroz com a colher. "Moro com a minha vó."
Joonghyuk levantou as sobrancelhas, surpreso.
"Sua avó?"
Se fosse a mãe de Dokja, ela ainda deveria estar presa por ter assassinado o próprio marido naquela época.
E essa era a palavra, deveria.
Depois do que aconteceu com o mundo, o chamado apocalipse, muita coisa mudou. E as leis eram uma dessas coisas.
"Mm." o menino murmurou distraidamente, brincando com a comida. "Minha vó. Mãe da minha mãe."
Ah. Certo.
Isso fazia mais sentido.
Avó materna.
Isso explicava muita coisa.
Com uma mãe irresponsável e um pai que não podia ficar com ele o tempo todo, a responsabilidade acabava caindo sobre a avó.
"E por que você não mora com o seu pai?" Yoo Joonghyuk perguntou, genuinamente interessado.
"O hyung trabalha muito." O menino respondeu, ainda brincando com a comida.
Ele então abaixou os olhos, esticou as pernas, mostrando os pés, calçados com um par de tênis verdes novinhos.
"Mas ele sempre cuida de mim. Ele comprou esse tênis para mim. Não é legal?"
Era meio óbvio que ele estava se gabando um pouco.
Yoo Joonghyuk também teve uma leve impressão de que o menino estava tentando dizer algo como “o hyung gosta mais de mim” ou “ele me prefere”, algo infantil assim.
Mas ele não era mesquinho ao ponto de discutir com uma criança, ainda mais sendo o próprio filho de Dokja.
Yoo Joonghyuk deu uma rápida olhada nos tênis e, apesar de não entender muito sobre modelos infantis, reconheceu que estavam em bom estado. Eram novos, e combinavam com o garoto.
"É um tênis legal." Ele assentiu, sem qualquer emoção.
O menino abriu um sorrisinho satisfeito, estufou o peito e voltou a comer com mais ânimo, como se tivesse vencido alguma disputa.
Pirralho.
「• • •」
O filho de Dokja acabou ficando por mais um tempo. E, depois que Yoo Joonghyuk mencionou, quase sem pensar, que ele e Kim Dokja tinham sido melhores amigos no ensino médio, o pirralho simplesmente não calou mais a boca.
Ele bombardeou Joonghyuk com perguntas, uma atrás da outra, querendo saber como o hyung dele era na adolescência. Se tinha muitos amigos, se era bom em esportes, se colecionava insetos, se gostava de estudar ou se gostava de ler tanto quanto agora. E perguntava tudo com os olhos brilhando de empolgação.
Yoo Joonghyuk tinha uma irmãzinha da mesma idade, então não conseguia ser completamente indiferente. Por mais que sua paciência fosse limitada, ele se sentia um pouco culpado em cortar o entusiasmo do garoto.
No fim, eles acabaram conversando até tarde, e só pararam quando o céu já estava começando a escurecer. Quando o menino finalmente disse que precisava ir embora, Joonghyuk se ofereceu para acompanhá-lo até o prédio onde morava.
"Por que você sempre aparece na televisão?" O menino perguntou, chutando uma pedrinha no caminho enquanto andava. "O hyung também tem muitas fotos suas. Você é famoso?"
Yoo Joonghyuk o acompanhava logo atrás, com as mãos nos bolsos da calça. Já que o garoto esteve sob seu cuidado o dia todo, era melhor garantir que ele chegasse em casa em segurança.
E além disso… se ele ganhasse alguns pontos com o filho, talvez ficasse mais fácil se aproximar do pai.
"Sim. Eu sou um caçador." Ele respondeu calmamente, acompanhando os passos do garoto.
"Uau! De verdade?!" O menino girou o corpo animado, andando de costas para encará-lo com aqueles olhos castanhos arregalados. "Isso é tão legal! Eu também vou ser um caçador quando crescer!"
Um caçador, ein?
As crianças de hoje em dia não sonhavam mais em ser médicos, dentistas, advogados ou professores. Só pensavam em masmorras e monstros.
"É mesmo?" Joonghyuk arqueou uma sobrancelha. "Não é fácil ser um caçador. É muito perigoso."
"Mas o hyung disse que eu tenho talento!" O menino continuou firme, como se só a aprovação de seu hyung fosse o suficiente. "E eu vou treinar muito! Eu vou ser muito forte! Muitooo forte! E eu vou comprar uma mansão bem grande e morar com o meu hyung nela!"
Yoo Joonghyuk apenas suspirou, observando o menino à sua frente, que continuava caminhando e tagarelando sem parar, como se estivesse em seu próprio mundo.
Ele era um bom garoto. Isso era perceptível.
E ele gostava tanto do pai... tanto, que por mais que doesse, Yoo Joonghyuk não conseguia evitar o pensamento...
Se o filho dele tivesse nascido... teria sido assim também?
Será que ele falaria de Yoo Joonghyuk com os olhos brilhando daquele jeito? Cheio de orgulho e empolgação, contando histórias bobas e relembrando mesmo das pequenas memórias como se fossem tesouros?
Será que ele teria sido assim, tão cheio de vida?
Tão puro, tão inocente?
Será que ele teria sido assim?
Uma criança... normal?
Joonghyuk franziu levemente o cenho, cerrando os punhos e encarando em silêncio as costas pequenas do garoto à sua frente.
Ele era um bom menino. Isso era visível. Dokja, apesar de todas as dificuldades, o criou bem.
Dokja foi um bom pai para ele.
Crescer em um ambiente hostil como aquele deixava cicatrizes. Crianças assim, geralmente, carregavam traumas, cresciam desconfiadas, com medos, inseguranças, incertezas e ódio — às vezes, se tornavam versões sombrias do que poderiam ter sido.
Mas esse menino...
"Você tá ouvindo?" O menino perguntou, olhando por cima do ombro com uma expressão emburrada.
"Sim." Yoo Joonghyuk respondeu monótonamente.
Sim. Joonghyuk não tinha nenhum motivo para pensar daquele jeito. A verdade era simples, o filho de Dokja era simplesmente uma boa criança. Só isso.
E ficar se remoendo por uma criança que nem chegou a nascer... não ajudaria em nada.
"Por que você tá quieto então?" O menino perguntou de repente, parecendo um pouco chateado. "Você não acredita em mim?"
Yoo Joonghyuk piscou, pego de surpresa.
Para ser honesto, ele nem estava prestando atenção no que o garoto estava dizendo antes.
Mas se era sobre ser um caçador...
"Não é isso." Joonghyuk respondeu cautelosamente, parando de andar. "Só não quero alimentar esperanças que podem te decepcionar e machucar depois."
O menino parou abruptamente e o encarou, com o cenho franzido, parecendo realmente magoado agora.
Era uma reação compreensível. Essa não tinha sido a coisa mais gentil para se dizer para o garoto — Joonghyuk sabia disso.
Ele estava sendo duro demais com uma criança de apenas dez anos.
Mas essa era a realidade.
"Não foi o que eu quis dizer." Ele suspirou e passou uma das mãos pelos cabelos. "Ser um caçador é..."
Ele procurou as palavras certas, mas nenhuma parecia realmente adequada. As únicas que lhe vinham à mente não eram exatamente... reconfortantes.
"Não é tão legal quanto parece." Ele concluiu, com um olhar sério. "É difícil. Doloroso. Cruel. E..."
Ele fez uma breve pausa, antes de acrescentar, num tom mais baixo. "Cansativo."
Sim, cansativo era a palavra.
Era cansativo viver sob tanta pressão.
Era cansativo ter que carregar tantas expectativas que não eram suas.
Era cansativo estar sempre cercado por olhos, uns que te admiravam, outros que só esperavam a sua queda.
Ser um caçador não era heróico. Era carregar o fardo das expectativas de todos, o medo, a culpa, o ódio. Era ser observado o tempo todo, julgado a qualquer mínima ação, massacrado por qualquer mínimo erro.
Qualquer erro, por menor que fosse, virava uma sentença.
Qualquer erro, e as pessoas estarão lá para apontar.
Para te culpar.
Te insultar.
Te afundar.
Te destruir.
Eles não esperavam que você fosse humano.
Apenas perfeito.
Um erro.
Um único erro.
Um único erro era tudo o que bastava.
Para te arrastar para o fundo.
E te destruir.
"Não é tão simples assim." Joonghyuk suspirou, aproximando-se devagar do menino. "Existem muitas outras formas de ser um herói no mundo. Ser médico, enfermeiro, bombeiro, policial. Todas são profissões muito importantes."
Ele tentou tocar de leve o ombro do menino, querendo oferecer algum tipo de apoio, mas o garoto se afastou bruscamente.
"Eu vou provar para você." O menino disse, encarando-o diretamente nos olhos com uma seriedade que não combinava com a idade. "Eu vou mostrar que sou forte."
Joonghyuk respirou fundo. Era só uma criança. Ele precisava se lembrar disso. Era só uma criança. Ele precisava ter paciência.
O problema era o mundo.
Sim. O mundo era o culpado.
Era a sociedade quem colocava na cabeça das pessoas que só existia um caminho: despertar, lutar, ficar mais forte, evoluir e se tornar um caçador.
Um herói.
Eles plantavam a ideia de que a única forma de ser alguém era se tornando um caçador.
Colocava os despertados num pedestal, como se qualquer um abaixo disso fosse insignificante.
Como se quem não fosse um despertado não tivesse valor.
Era isso.
Uma hierarquia injusta e desproporcional.
E a maioria acreditava nisso.
Principalmente as crianças.
Especialmente elas, as sonhadoras.
Mas o mundo era cruel demais com quem sonhava alto demais.
"Eu sei que você é forte." Ele assentiu, concordando, mantendo-se paciente. "Mas ser forte não significa que você tenha que ser um caçador."
"Não!" o menino protestou, batendo o pé no chão com força. "Você não entende nada!"
Ele franziu ainda mais o cenho.
O quê?
O que, exatamente, ele não estava entendendo?
O menino apertou os punhos ao lado do corpo, tomou fôlego e, com todo o ar que tinha nos pulmões, gritou.
"Mega Pincer!"
...
Silêncio.
Por um instante, Yoo Joonghyuk ficou completamente em silêncio, encarando o menino como se ele tivesse falado em outra língua.
E o garoto o encarou de volta, tão quieto quanto.
...
"...O quê?" Foi tudo o que Joonghyuk conseguiu dizer, enquanto ainda tentava processar.
Mas o menino não disse mais nada. E quando Joonghyuk deu um passo à frente, prestes a perguntar o que diabos aquilo significava, algo o fez parar bruscamente.
Os olhos do garoto.
Os olhos dele estavam brilhando.
Em verde.
...Mana?
Ele nem teve tempo de ativar a [Avaliação] para verificar se o garoto era um despertado ou não, pois ele sentiu, não ouviu, mas sentiu o zumbido de asas batendo.
Um zumbido mais grave, das asas de... alguma coisa batendo... asas batendo, abanando, rápido.
Isso era...
Um monstro.
Yoo Joonghyuk virou o rosto instintivamente na direção do som, e quando olhou, ele viu.
Um besouro gigante.
Um besouro do tamanho de um cachorro adulto grande, surgiu do nada, voando por cima de um dos blocos de apartamentos e descendo diretamente na direção deles.
Um monstro.
Um monstro do tipo inseto.
"Merda!" Joonghyuk xingou, apressando o passo.
Ele agarrou o braço do garoto e o puxou bruscamente para trás de si, usando o próprio corpo como escudo para protegê-lo.
[Punhos Divinos A ativado.]
Sua habilidade-passiva ativou no mesmo instante, envolvendo os braços dele com uma aura escura, ameaçadora. Quando o monstro besouro pousou no chão, bem na frente deles, Yoo Joonghyuk já estava em movimento.
E ele avançou sem hesitar.
Ele ia esmagar aquela coisa com um único golpe.
Um único soco.
Quando Joonghyuk levantou o punho, puxando o braço para trás para ganhar impulso, pronto para matar, o menino correu e se atirou na frente do besouro gigante, com os braços abertos, bloqueando o caminho.
"Não!" O menino gritou, em pânico, os olhos arregalados. "Não machuca ele!"
Joonghyuk congelou no mesmo instante, sendo forçado a parar no meio do movimento. O olhar que ele lançou para o garoto não era nada além de frio.
Ele não brincava quando um monstro estava em campo.
Esse inseto precisava morrer.
"Saía da frente. Você vai se machucar." Sua voz era baixa e ameaçadora, o rosto sério, quase sombrio.
"Eu disse que sou forte!" o menino continuou firme, mesmo tremendo.
Ele então se virou e, com cuidado, tocou a carapaça do besouro. O monstro emitiu um som estranho, quase... submisso, e recuou alguns passos, encolhendo as patas como se fosse um filhote assustado.
Yoo Joonghyuk congelou.
O quê...?
O monstro estava... obedecendo?
Impossível.
[Avaliação (A) ativada.]
Lee Gilyoung.
Rank S
Habilidades:
Rei Inseto (SS)
Colecionador de Insetos (A)
Comunicação Diversificada (A)
Exército de Monstros Insetos (S)
Os olhos de Yoo Joonghyuk se arregalaram ao encarar a tela azul translúcida que surgiu à sua frente.
Rank S.
Esse menino...?
Ele tinha só quatro habilidades, mas nenhuma delas era abaixo do nível A.
Todas as habilidades listadas eram de nível A ou superior. Todas.
Nem mesmo Lee Hyunsung, o confiável Mestre do Aço, possuía tantas habilidades de alto nível.
Lee Jihye e Kim Namwoon — dois dos caçadores mais jovens e promissores da Coreia do Sul, ambos Rank S aos dezenove anos — ainda estavam longe de possuir uma habilidade de Rank S, quanto mais uma de Rank SS.
Mas aquela criança tinha.
Uma criança de apenas dez anos possuía uma habilidade de nível S e outra de nível SS.
Exército de Monstros Insetos, nível S.
Rei Inseto, nível SS.
Kim Namwoon e Lee Jihye eram prodígios, e Lee Hyunsung e Jung Heewon eram, de fato, caçadores muito fortes. Mas nenhum deles chegava perto daquele garoto.
Porque aquele garoto... tinha um potencial bruto, apenas esperando para ser esculpido.
Independentemente da guilda que escolhesse, ele alcançaria o topo com facilidade, desde que treinasse e evoluísse. Com as habilidades que ele tinha, isso não era apenas possível — era inevitável.
E ele era só uma criança.
Mas já era mais forte do que a maioria dos caçadores que Joonghyuk conhecia.
Esse garoto... era mesmo filho de Kim Dokja?
Lee Gilyoung...
Ele tinha mencionado que o hyung dele sempre dizia que ele tinha talento...
Dokja sabia disso?
Há quanto tempo?
Há quanto tempo ele vinha escondendo um talento bruto desses do mundo?
Notes:
Esse capítulo é apenas sobre mal-entendidos.
Chapter 13: Capítulo 13
Notes:
Finalmente capítulo novo, e eu trouxe mais de 20k de palavras dessa vez!
Muito obrigado a todos que esperaram pela atualização, eu sei que demorou um pouco!
E antes de começar o capítulo, eu quero deixar bem claro que eu não sei absolutamente NADA sobre medicina, então este capítulo foi baseado em uma pesquisa bem superficial sobre o assunto e, provavelmente, está tudo errado.
De qualquer forma, não leve nada daqui como verdade. Tem muita coisa errada.
Obrigado pela paciência, pela atenção e boa leitura!
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
"O nome dele é Mega Pincer!" Lee Gilyoung exclamou animadamente.
O besouro, do tamanho de um cachorro adulto de grande porte, estava no chão. Gilyoung estava agachado ao lado dele, acariciando a carapaça esverdeada como se fosse um bichinho de estimação qualquer.
Mas não era. Essa coisa era um monstro.
Um monstro nível E, mas ainda assim, um monstro. Um monstro que poderia causar problemas e ser perigoso, independente do nível.
No fim, Yoo Joonghyuk não conseguiu levar o garoto de volta para casa. Não com aquela coisa, e, principalmente, não depois de descobrir que ele era um despertado de Rank S. Isso estava fora de cogitação agora.
Ele praticamente correu de volta para dentro do prédio para voltar pro apartamento, carregando o menino — e escondendo aquela coisa inseto — como se fosse um contrabandista ou algum tipo de criminoso.
Com sorte, ninguém viu.
“Interessante.” Joonghyuk respondeu ao garoto, sem qualquer traço de interesse real, enquanto se sentava na beirada da cama observando a criança e o monstro inseto.
Saber o nome dessa coisa verde era o menor dos seus interesses.
O que importava era o que Dokja estava escondendo.
Ele estava escondendo um Rank S.
Um Rank S.
Ele estava escondendo um Rank S há sabe-se lá quanto tempo, em um país que não via o surgimento de um novo despertado de Rank S há anos.
Sim, anos.
Por mais de cinco anos, a Coreia do Sul não registrou nenhum novo despertado de nível S. E essa classificação de despertados não era apenas raro, mas sim uma verdadeira potência nacional. Era por isso que os caçadores desse nível recebiam tantos privilégios — eles não eram apenas fortes, eles também possuíam valor estratégico. Países faziam de tudo para manter seus caçadores dentro das próprias fronteiras, especialmente os nativos.
Não era incomum que países travassem disputas silenciosas, por baixo dos panos, longe dos olhos do público, por caçadores de nível S, tentando atraí-los com promessas de fama, fortuna e mais poder. Muitos abandonavam seus países de origem por essas promessas — em busca de mais dinheiro, mais reconhecimento, mais autoridade.
E a Coreia do Sul também sofreu com isso, perdendo alguns dos seus para esses joguinhos de poder — muitos dos seus caçadores mais fortes migraram para outras nações, seduzidos pelas promessas de um futuro maior, mais promissor, melhor.
Eles precisavam dos caçadores para sobreviver aos fenômenos que eram as quebras de portais.
Sem os caçadores para lidar com as invasões, nenhum território aguentaria as quebras de portais.
Yoo Joonghyuk, mais do que ninguém, entendia o valor de um Rank S para um país. Ele próprio recebeu inúmeras propostas ao longo dos anos — ofertas milionárias, em dólares, ienes, yuans e euros, vindas de governos e corporações estrangeiras, prometendo todo tipo de vantagem para tê-lo em seus países. Convites tentadores para que deixasse a Coreia e se tornasse caçador em outro país.
Mas ele nunca aceitou. Nem por um segundo cogitou partir da Coreia. Porque ele sabia o peso que um Rank S tinha para sua nação.
E também, tinha algo que sempre o prendeu aqui.
Ele nunca realmente entendeu antes, pensou que era simplesmente o orgulho de ser um cidadão coreano, ou apenas a praticidade de falar coreano ao invés de inglês.
Mas não, tinha algo...
Tinha alguém que sempre o prendeu aqui, na Coreia.
Ele não se lembrava antes, mas agora lembrava.
Ele queria ser o Herói de alguém.
Ele queria ser o protagonista daquela pessoa.
Era por isso que ele era um caçador.
Era por isso que ele salvava vidas.
Era por isso que ele estava aqui.
Tudo por uma pessoa.
Uma única pessoa.
Mas ser um caçador de nível S não era só ter visibilidade, influência e impacto sem precisar mover um dedo. Era também carregar nas costas o orgulho de uma nação, as expectativas das pessoas, os medos, os ódios, as mágoas. Era carregar o peso das vidas daqueles que não conseguiam se proteger sozinhos, ser o responsável pelas dores e pelas perdas, prezar e lutar para manter a segurança de uma nação inteira.
Não era simplesmente fama. Não era só sorrir e acenar para uma câmera.
Não.
Não era tão simples assim.
Ser um caçador, especialmente um Rank S, era abandonar sua própria humanidade para proteger àqueles incapazes de se protegerem sozinhos.
Ser um caçador era priorizar os outros acima de si mesmo, carregar fardos e expectativas sufocantes e ser vigiado, julgado e observado o tempo inteiro.
Ser um caçador era isso.
Era arriscar a própria vida e lutar, mesmo que fosse doloroso, torturante e custe a sua vida. Era saber que, mesmo que ele não queira viver assim, mesmo que ele queira simplesmente viver como uma pessoa normal, isso jamais será possível.
Porque ele é o salvador das pessoas.
Porque ele é a esperança.
Mesmo que ele não queira, o mundo simplesmente teve que fazer dele uma pessoa forte, capaz de proteger os mais fracos.
E, naturalmente, mesmo que um despertado tão forte não queira lutar, ele será coagido de alguma forma. Será manipulado, forçado, mesmo que resista. Ser consumido pela culpa, pela culpa de saber que é forte mas se nega a lutar, se nega a proteger, até que sem perceber, suas mãos estarão sujas de sangue.
E no fim, ele estará na frente de um portal, carregando o peso das expectativas das pessoas, dos julgamentos, e, o mais pesado de todos, de suas vidas.
Isso, acima de tudo, era ser um caçador de nível S.
Era simplesmente sufocante.
E agora, bem ali à sua frente, estava um menino com o mesmo potencial.
Um novo Rank S.
Mas ele era só uma criança.
Uma criança jovem e pequena demais para carregar tanto peso nas costas.
E, se ninguém estivesse ali para protegê-lo, o mundo mesmo esmagaria essa pobre criança.
Porque era assim que o mundo era.
Se o próprio Joonghyuk, que começou jovem, mas ainda assim, mais velho que Gilyoung, quase foi esmagado inúmeras vezes pelos pesos que carregava nas costas, o que o mundo não faria com uma criança de apenas dez anos?
Abrindo novamente a janela da [Avaliação], ele examinou com atenção os dados, os olhos correndo pelas habilidades listadas na tela azul translúcida.
Rei Inseto — nível SS. Provavelmente, era essa a habilidade que permitia ao garoto controlar os insetos.
Comunicação Diversificada — nível A. Essa era a habilidade que permitia ao garoto se comunicar com os insetos e ser entendido pelos monstros. Era útil para dar ordens aos monstros, para que eles fizessem exatamente o que ele pedia. E até trocar e pedir informações.
Exército de Monstros Insetos — nível S. O nome da habilidade por si só já era explicativo. Ele poderia reunir e controlar um exército de monstros insetos como aquele monstro que ele chamou de Mega Pincer.
Essa sim era uma habilidade absurda.
Isso era ridiculamente forte.
Controlar um exército de monstros sem necessariamente se envolver na batalha, e, dependendo do quão forte a habilidade seja, ele poderia até controlar monstros de nível S — era simplesmente absurdo de tão forte.
E tinha aquela, a [Colecionador de Insetos]. Essa era a que mais intrigava Joonghyuk.
Inventário? Detector de espécies? Como funcionava isso?
Ele não entendia exatamente como essa habilidade funcionaria na prática, e era por isso que era tão intrigante.
“O ‘Colecionador de Insetos’ é...?” Yoo Joonghyuk perguntou distraidamente, ainda encarando a janela flutuante. Quando desviou o olhar, viu o garoto abraçado ao besouro como se fosse um filhotinho de cachorro.
“Eu conheço todos os insetos só de olhar.” Gilyoung respondeu com naturalidade. “E também posso guardar eles.”
Yoo Joonghyuk franziu o cenho.
Então era isso. Uma combinação entre a sua própria habilidade [Avaliação] com algum tipo de armazenamento, exatamente como um inventário.
Era uma habilidade que se limitava apenas a monstros insetos, então era uma habilidade bem restrita.
Mas sem essa habilidade, [Exército de Monstros Insetos] não funcionaria.
Claro. Um exército precisava sair de algum lugar, afinal. E saber as espécies dos monstros, níveis e também as habilidades e utilidades deles, era muito útil.
Na verdade, seria até perigoso se, por algum acaso, não fosse uma criança com essa habilidade, mas sim alguém maldoso que não se importasse em machucar outras pessoas.
Infelizmente, não teria sido a primeira vez.
“Ela tem um limite?” Ele perguntou, agora genuinamente curioso, e até um pouco alarmado.
"Mm. Seis." Gilyoung respondeu calmamente, balançando a cabeça.
Seis.
Era um número muito pequeno, não era exatamente um exército, mas se cada monstro inseto fosse acima do nível A...
...Porra.
Yoo Joonghyuk sentiu um calafrio subir pela espinha só com o pensamento.
Com monstros daquele nível sob o efeito das habilidades daquele garoto, essa pobre e ingênua criança de dez anos poderia facilmente causar uma guerra entre as grandes guildas, levando-as à loucura apenas para tentar recrutá-lo.
Esse menino era uma bomba prestes a explodir.
E Kim Dokja estava escondendo isso. Por quanto tempo? E o principal, como?
Yoo Joonghyuk tinha certeza que, com um nível de poder daqueles, um potencial desses, com habilidades como aquelas, esconder esse garoto do mundo não devia ser nada fácil.
Mas Kim Dokja esteve fazendo isso perfeitamente até agora.
Ele mesmo só tinha descoberto porque o garoto se revelou por conta própria. Caso contrário, ele, sozinho, jamais teria pensado em usar a [Avaliação] numa criança de dez anos.
Uma criança aparentemente comum, morando num bairro pobre, sem qualquer registro de despertar na família, aparentemente.
Certo... talvez Dokja realmente não soubesse. Talvez Joonghyuk só estivesse sendo mesquinho por desconfiar de qualquer coisinha envolvendo Dokja.
Talvez Dokja fosse inocente, certo?
É, talvez Dokja só tenha dito para Gilyoung que ele era talentoso porque é isso que os pais fazem. Não é normal para os pais mimarem os filhos?
“E o…” Joonghyuk hesitou, estranhando a pergunta antes mesmo de terminá-la. “O seu pai... ele sabe?”
Ele nunca se acostumaria com isso.
Dokja, um pai. Isso ainda era inacreditável.
Gilyoung parou de acariciar o besouro monstro e se virou lentamente para encará-lo.
E, no mesmo instante, ele empalideceu, como se tivesse visto um fantasma.
“O hyung não pode saber! Não pode!” o menino disparou, lançando-se para frente de repente, assustando Yoo Joonghyuk com a explosão repentina.
“O quê…?”
“Se o hyung souber que— que eu contei pra alguém, ele vai ficar muito, muito, muitooo bravo!” Gilyoung choramingou, os olhos arregalados de desespero.
Ah.
...Merda.
Então Dokja sabia.
Dokja realmente sabia.
Não só sabia, como também tinha claramente pedido para o menino manter segredo sobre o despertar.
Joonghyuk respirou fundo.
Por um lado, ele entendia. Como pai, Dokja estava apenas tentando proteger o próprio filho.
Ser um caçador não era um morango, era perigoso, injusto e doloroso. E para uma criança? Não, absolutamente não. Se Joonghyuk estivesse no lugar de Dokja, ele teria feito o mesmo.
O mundo não pensaria duas vezes antes de jogar uma criança em um campo de batalha, desde que ela fosse útil. Era simplesmente assim que as coisas eram no mundo em que viviam atualmente.
“Garoto…” Joonghyuk suspirou, segurando gentilmente o menino pelos ombros. “Não se preocupe. Eu não vou contar.”
Gilyoung instantaneamente murchou de alívio, relaxando, piscando para conter as lágrimas que ameaçavam cair.
Ele realmente não queria decepcionar o pai dele, huh?
...Mas esse garoto queria ser um caçador, não queria?
Bem, antes de tudo, Yoo Joonghyuk era um caçador. E também, líder de uma guilda.
Ele não estava tão distante daqueles que tanto julgava. Obviamente, ele não forçaria ninguém a entrar em sua guilda...
Mas já que o garoto insistia tanto assim em ser um caçador...
Quem era ele para rejeitar um talento daqueles?
“Você quer ser um caçador, não quer?” Joonghyuk perguntou, como quem não queria nada. “Bem, saiba que você está na frente do número um da Coreia.”
Ele apontou para si mesmo com o polegar, com o rosto impassível, completamente sério.
O menino piscou.
“Você?” Gilyoung perguntou, com um tom de voz que soava quase desconfiado.
Joonghyuk estreitou os olhos para o garoto. Nossa, beleza, ele não estava no seu melhor estado, mas precisava ser tão desrespeitoso assim?
Em todos os anos de experiência como caçador, ninguém nunca tinha sido tão desrespeitoso com ele, caramba.
“Rei Supremo.” Ele respondeu com uma veia saltando na testa, tentando ao máximo não estalar a língua ou ser mesquinho com uma criança. Depois, apontou para a parede atrás de si, cheia de fotos e reportagens dele recortadas e coladas por Dokja.
Era uma coleção bem bizarra de recortes que Dokja tinha, e sendo filho dele, Gilyoung deveria gostar dele também, não?
Gilyoung olhou para as fotos, depois para Joonghyuk, e então de volta para as fotos.
“Eu sei.” O menino disse com a maior naturalidade do mundo. “O hyung gosta muito de você.”
Joonghyuk ficou em silêncio, quase satisfeito. Isso até o garoto abrir a boca de novo.
“O Rei Supremo é legal, mas eu prefiro o Mestre do Aço. Ele é o número um para mim.”
Yoo Joonghyuk sentiu como se estivesse rachando, exatamente como uma estátua de pedra.
...Porra.
Essa tinha ido diretamente para o ego dele.
"Não, número um não... número dois!" Gilyoung se corrigiu. "Não, três! Três! Primeiro é o hyung, segundo a minha vó!"
Joonghyuk encarou o menino em silêncio.
Certo... e ele? Onde diabos ele entrava nessa lista de favoritos?
"Você não gosta do Rei Supremo?" Ele tentou perguntar com naturalidade, tentando — tentando — não soar ofendido.
"Mm... eu não sei." Gilyoung respondeu com a honestidade de uma criança.
Porra. E aquilo doeu. Seu ego estava sendo pisado por um garoto de dez anos.
"Eu gosto um pouquinho, mas só um pouquinho! Só um pouco!" O menino empinou o nariz, orgulhoso. "Só porque você é o favorito do hyung. Mas eu tô na sua frente, porque o hyung gosta muito mais de mim!"
Joonghyuk cerrou os dentes. Esquece. Talento ou não, esse menino ainda era um pirralho muito irritante.
Se ele fosse só mais alguns anos mais velho, Joonghyuk já teria dado um tapa na nuca dele. Só um tapinha, para dar uma lição nesse pirralho.
"Que pena." Ele desviou o olhar, fingindo desinteresse. "Acho que você não quer ser um caçador super forte e famoso e morar numa mansão com o seu pai, então."
O menino engasgou com a própria saliva e, desesperado, pulou nele, agarrando a gola de sua camisa com as duas mãos.
"Não, não! O Rei Supremo é o meu terceiro favorito! Terceiro!" Gilyoung se corrigiu desesperadamente, sacudindo-o como um boneco de pano. "O Rei Supremo é o melhor! Ouviu? O melhor!"
Joonghyuk tentou manter o rosto sério, mas o canto da boca ameaçou subir.
Uau.
Ele realmente era mesquinho.
Talvez OD estivesse certo sobre ele, afinal de contas?
「• • •」
Estava bem tarde agora.
Lee Gilyoung caminhava ao lado dele, liderando o caminho de volta para o prédio onde morava. Yoo Joonghyuk o seguia em silêncio, tentando ignorar a culpa por estar levando o garoto para casa tão tarde. Ele estava responsável por Gilyoung, já que o garoto esteve com ele praticamente o dia todo. E agora, ele teria que encarar a avó do menino, tarde da noite, sem saber como ela reagiria. Talvez a pobre senhora estivesse morrendo de preocupação com o neto ainda na rua, mesmo tão tarde da noite.
O monstro inseto também já tinha ido embora, escalando silenciosamente até o esconderijo habitual, no topo de um dos prédios. Era um lugar seguro, de difícil acesso e de ser visto. Segundo o próprio Gilyoung, foi Dokja quem mandou ele escondê-lo ali, em cima dos prédios.
Inclusive, Joonghyuk acabou descobrindo muitas coisas sobre Dokja hoje, graças ao próprio filho dele.
Soube, por exemplo, que Dokja trabalhava demais e quase não parava em casa. Que ele mal passava tempo com o filho. E que, talvez, por isso, o próprio filho não o chamava de “pai”, mas sim de “hyung”.
Devia ser difícil para Dokja, ser chamado de hyung pelo próprio filho.
E além disso, ele descobriu também que Dokja era um grande fã do Rei Supremo, ou seja, ele.
Sinceramente, Joonghyuk não mentiria, no começo, ele surtou só de considerar a possibilidade de Dokja lembrar de tudo. Pensar que Dokja sabia quem ele era esse tempo todo, que sabia exatamente onde ele estava, e que mesmo assim, escolheu deliberadamente nunca o procurar...
E ainda tinha aquela possibilidade.
E se ele fosse o OD?
Essa era a que mais o irritava. Pensar que ele poderia ser o OD só tornava tudo pior. A possibilidade de que a pessoa por quem ele chorou tanto, quem ele esperou tanto, quem ele se abriu tanto, se mostrou tão vulnerável, pudesse ter estado tão perto — e escolhido ir embora duas vezes — era cruel. E ele não podia mentir, aquilo ainda doía pra caralho.
Ele ainda se lembrava do dia em que Dokja pulou do terraço do colégio. Na época, Joonghyuk achou que não suportaria. Pensou, mais de uma vez, em pular do mesmo lugar. Só não o fez... por covardia.
Ele aguentou. Por algum motivo, ele continuou e sobreviveu. Encarou a escola, a mesa vazia, o número de telefone que nunca mais chegaria mensagem.
Os lugares que costumavam visitar juntos viraram tortura, sabendo que tudo o que restava de Dokja eram memórias. Só isso, memórias.
Tudo foi um tipo de tortura que seu cérebro, eventualmente, enterrou para que ele pudesse seguir respirando sem culpa.
Uma tortura que o tempo e o trauma apagaram.
E então, anos depois, OD apareceu.
OD sempre aparecia nos momentos em que ele mais precisava, reunindo todos os membros que atualmente estavam na equipe, protegendo-o dos comentários maldosos da mídia, defendendo-o de Anna Croft, ouvindo-o desabafar quando sua ex-esposa perdeu o bebê e eles precisaram romper o noivado por causa da relação desgastada...
OD entregou tudo a ele. E depois, como se nunca tivesse sequer existido, desapareceu.
Foi embora. Sem explicações. Sem despedidas. Nada.
Só de pensar nisso, Joonghyuk sentia raiva.
E ainda tinha aquele maldito moletom amarelo.
Ele queria acreditar em Dokja. Queria, de verdade, acreditar que ele não faria aquilo com ele.
Mas estava cada vez mais difícil... quando tudo começava a apontar exatamente para isso.
Ele respirou fundo, afastando os pensamentos enquanto subia as escadas ao lado de Gilyoung, que tagarelava animadamente algo sobre insetos sem parar, com um sorriso adorável estampado no rosto.
Yoo Joonghyuk decidiu se concentrar no garoto. Ficar remoendo se Dokja era ou não OD não adiantava nada agora.
E, sinceramente, o garoto não era nada mal. Na verdade, era uma boa distração, por mais irritante que fosse.
Fazia um bom tempo que Joonghyuk não se sentia assim.
Vivo.
Desde aquele dia em que ele soube que Dokja estava vivo, ele se sentia mais... disposto.
Mais leve.
Ele sentia como se pudesse respirar um pouco de novo, depois de tudo o que aconteceu.
Mia estava sendo cuidada por uma babá em casa, o que ainda o deixava desconfortável. Ele odiava deixar a irmãzinha sozinha em casa, mesmo sabendo que ela já estava acostumada com sua ausência por causa das missões e também gostasse muito da babá atual.
Mesmo detestando deixar a irmã sozinha, ele ainda passava todas as noites ali, naquele apartamento velho e decadente. Ele ia para casa só para ver Mia por algumas horas — as vezes só por alguns minutos — antes de voltar para o apartamento de Dokja.
Estar ali, sentir o cheiro dele, usar as coisas dele, andar pelo mesmo espaço, ver a bagunça, as roupas largadas, os livros empilhados, tornava tudo mais real.
Mais normal.
Menos solitário.
Mesmo com as estranhas coleções, incluindo a parede cheia de colagens, recortes, pôsteres e também os produtos de edição limitada do "Rei Supremo" espalhados nada sutilmente pelo quarto, — que Yoo Joonghyuk teve vontade de jogar tudo no lixo, se não fossem coisas do próprio Kim Dokja — tinha um senso de familiaridade reconfortante naquele lugar.
E agora, com Gilyoung por perto, ele se sentia, de algum modo, incluído de novo na vida de Dokja.
Eles dividiam a mesma casa. Ele usava as mesmas coisas, vestia as mesmas roupas, dormia na mesma cama que ele, cuidava do filho dele. Era fácil fingir que fazia parte da família.
E ainda tinha o detalhe de que Gilyoung não calava a boca e, tentando provar que conhecia melhor Dokja do que ele, acabava entregando cada coisinha sobre o 'hyung' que ele tanto idolatrava.
No meio dessas tentativas de provar que era o favorito de Dokja e que conhecia tudo sobre ele, Gilyoung acabava revelando muitas coisas.
O que, honestamente, Joonghyuk agradecia.
Ele estava aprendendo muito com Gilyoung.
Como por exemplo, existia a possibilidade de Dokja ter uma habilidade, algo semelhante à [Avaliação] de Yoo Joonghyuk, capaz de analisar as habilidades de outros despertados, como se fosse uma ficha técnica.
Yoo Joonghyuk chegou nessa conclusão depois de conversar um pouco com Gilyoung sobre as habilidades que o garoto possuía. O menino repetia que foi Dokja quem explicou tudo a ele, como as suas habilidades funcionavam, seus limites, o melhor jeito de usá-las e até o ensinou a como usá-las.
Mas para alguém ser capaz de entender — e ainda por cima ensinar — habilidades tão complexas, ele precisava ter um conhecimento, uma compreensão, uma experiência muito além do comum, muito mais ampla e extensa do que um civil normal teria acesso. Porra, até os caçadores atuais, muitos não sabiam usar as próprias habilidades. E um — supostamente — despertado não identificado sabia tudo isso?
Isso tudo só indicava que a suposta habilidade que Kim Dokja tinha podia ser ainda melhor que a [Avaliação] de Yoo Joonghyuk.
Sua [Avaliação] só mostrava informações básicas, como o nome do alvo, nomes das habilidades, o Rank e os níveis — como se fosse a janela de status de um personagem de um videogame. Se ele quisesse realmente entender o funcionamento detalhado de uma habilidade, ele precisava investigar por conta própria, pesquisar, observar em batalha ou perguntar diretamente.
Mas Dokja... se ele sabia de tudo aquilo tão precisamente, era muito provável que ele tivesse uma habilidade muito melhor e mais desenvolvida que a própria [Avaliação] de Joonghyuk.
E, o mais importante, ele tinha experiência. Ele sabia exatamente o que estava falando. Ele não era um recém despertado, para ter esse nível de compreensão e saber deduzir como aquelas habilidades funcionavam daquele jeito, Dokja deveria ser pelo menos um despertado há algum tempo.
Ou pelo menos, deveria receber informação de algum lugar. Habilidades e despertares eram assuntos complexos até para os mais experientes, e para um civil saber de tudo isso, não era normal.
O mais irônico era que, mesmo com toda essa dedução, os dados oficiais de Kim Dokja não apontavam nada. Yoo Joonghyuk puxou todos os registros possíveis, mas não tinha nenhum indicativo de que ele era um despertado.
Ele não era um caçador registrado.
Não tinha nada, exceto por uma única informação, Dokja tinha agendado um teste de despertar para a segunda-feira, que inclusive, já tinha passado e ele não conseguiu comparecer por estar internado.
Sim, um teste.
Ele ainda ia descobrir se era um despertado ou não, ou apenas fingia que não sabia.
Tudo era simplesmente... estranho demais.
Yoo Joonghyuk só esperava que, quando Kim Dokja acordasse, ao menos explicasse alguma coisa.
Não. Ele tinha que explicar.
O porquê dele ter um moletom amarelo ensanguentado escondido num compartimento secreto no guarda-roupas dele, o motivo de nunca tê-lo procurado, o porquê de esconder Gilyoung...
Tudo.
Enquanto eles subiam as escadas até o quarto andar, Lee Gilyoung parou de andar de repente ao ouvir um grito feminino vindo de um dos apartamentos.
Yoo Joonghyuk também parou, lançando um olhar interrogativo ao garoto.
Brigas entre vizinhos não eram incomuns naquele tipo de prédio.
Ele estava prestes a perguntar o que tinha acontecido, mas então ouviu os gritos.
"EU NÃO ME IMPORTO COM AQUELA MALDITA CRIANÇA INÚTIL!" Gritou uma voz feminina, alta o suficiente para atravessar as paredes finas do apartamento.
Gilyoung arregalou os olhos, e, sem pensar, segurou a mão de Joonghyuk e apertou com força, como se estivesse procurando segurança nele.
Medo.
Ele estava com medo.
Joonghyuk o encarou em silêncio por um momento antes do seu semblante escurecer com a percepção.
Essa mulher...
Essa mulher era a mãe dele?
Essa mulher era a ex-companheira de Kim Dokja?
Ele não precisou perguntar o caminho para o menino. Ele apenas seguiu o som da origem dos gritos, o menino agarrado à sua mão como se fosse uma âncora, sua única proteção.
"N-não..." Lee Gilyoung tentou o impedir de ir, puxando o braço dele com toda a força que tinha, mas Yoo Joonghyuk continuou até parar na frente da porta do apartamento e bater.
Forte.
Foi mais forte do que ele pretendia. Mas ele não estava se preocupando em parecer educado agora.
"HA! Eu falei! EU FALEI que ele tava com aquele FILHO DA PUTA do Dokja!" A mulher gritou lá de dentro, passos pesados ecoando enquanto ela se aproximava da porta. "Por que esse PSICOPATA DO CARALHO simplesmente não leva essa PESTE com ele de uma vez?!"
O menino se encolheu ainda mais atrás dele, trêmulo, se escondendo atrás dele, como se pudesse simplesmente desaparecer ou diminuir até se tornar insignificante.
Quando a porta se abriu bruscamente, uma mulher alta, de cabelos castanhos desgrenhados, apareceu. Ela cheirava a cigarro e cachaça, vestia uma camisola velha, e já segurava um cinto enrolado na mão, pronta para bater.
"DOKJA—!" Ela já abriu a porta gritando, espumando de raiva, mas parou no mesmo instante assim que percebeu quem estava ali não era Dokja.
Joonghyuk a encarou friamente com olhos sombrios, quase abrindo buracos no rosto dela com a intensidade de seu olhar, a mandíbula cerrada e veias saltadas nas têmporas.
Gilyoung se parecia muito com ela.
Infelizmente.
"Quem é voc—" Ela abriu a boca para perguntar, olhando-o de cima a baixo. Mas Yoo Joonghyuk, acostumado a ter as coisas do jeito dele, a interrompeu.
Yoo Joonghyuk deu um passo à frente e empurrou agressivamente a porta aberta, entrando dentro do apartamento sem cerimônia, sem nem pedir permissão.
"Você é a mãe dele?" Ele perguntou abruptamente, em um tom gélido.
Ela olhou de relance para o menino escondido atrás dele e, imediatamente, o rosto dela se contorceu em desprezo.
Nojo.
Ela olhava para ele como se estivesse olhando para algo nojento.
...Como uma mãe conseguia olhar para o próprio filho daquele jeito?
Joonghyuk estreitou os olhos, cerrando os dentes com força na tentativa de conter a própria vontade de explodir com a mulher.
Como alguém conseguia olhar assim para uma criança?
Isso era desumano.
Ele se aproximou lentamente da mulher, com passos pesados, mas firmes, ficando entre ela e o filho dela.
"Eu perguntei..." A voz dele saiu baixa, ameaçadoramente contida. "Se você é a mãe dele. Ou será que além de vagabunda, você é surda também?"
Ela manteve a postura, firme, sem se deixar ser intimidada, para a surpresa de Joonghyuk. Ela não era uma mulher particularmente intimidadora, com seus pelo menos 1,78cm de altura, descalça e descabelada, mas estava sustentando o olhar dele como se não tivesse nada a temer.
Nem jornalistas, repórteres ou adversários ousavam encará-lo assim.
Mas essa mulher...
"Quem você pensa que é?" Ela desafiou, olhos semicerrados e com a voz arrastada pela embriaguez.
Joonghyuk ficou imóvel por um segundo. Completamente sem reação.
...
Porra.
Essa mulher só podia ser maluca.
O rosto dele se contorceu de raiva, cerrando os punhos com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos. Ele estava realmente lutando contra o impulso de socar o rosto daquela mulher.
Ele conseguia sentir as mãos pequenas de Gilyoung agarrando sua camisa, apertando com força, apavorado. Era só por isso que ele estava se contendo.
Só por Gilyoung.
"Você sabe muito bem quem eu sou." Ele respondeu, cuspindo cada palavra com veneno. "E você deveria tomar cuidado com o que diz. Suas palavras podem custar muito mais do que você pode pagar."
Ele estava se segurando por Gilyoung. Não por ela. Se dependesse de Yoo Joonghyuk, aquela mulher já estaria desmaiada no chão, completamente nocauteada, com um só golpe.
"Hah." Ela riu, debochada, um som sarcástico e irritante. "Com esse rostinho bonito? Eu me lembraria se tivesse visto em algum lugar, acredite."
Joonghyuk lançou um olhar mortal na direção da mulher. Seus lábios se apertaram numa linha fina, o maxilar cerrado, as unhas se enterrando e arranhando as palmas das mãos fechadas.
Essa mulher...
Que merda Dokja estava pensando quando se envolveu com alguém assim?
O que infernos passou pela cabeça dele para se envolver com uma mulherzinha desse nível?
Flertando descaradamente com o primeiro homem que aparecesse na frente da porta de casa, e ainda por cima... na frente do próprio filho dela?
Quem diabos era essa maluca?
Enquanto os dois se encaravam como dois cachorros prestes a brigar, uma senhora idosa saiu de um dos quartos do fundo. Ela tinha os curtos cabelos grisalhos levemente bagunçados, como se tivesse acabado de levantar da cama, as costas arqueadas e o olhar pesado, quase abatido.
"O que está...?" Ela parou na entrada da sala. Seus olhos se arregalaram ao ver a figura imponente parada no meio da sala, que parecia pronto para esganar a filha dela.
"O que...?" Ela piscou, sem acreditar. Os olhos correram entre o neto pequeno, escondido atrás do homem, e o dito homem na frente dele. "R-Rei Supremo...?"
Ela o reconheceu.
Sim, era assim que deveria ser. Essa era a reação normal das pessoas quando o viam.
Era assim que as coisas tinham que ser.
Gilyoung também não saiu de trás de Joonghyuk. O que, honestamente, o surpreendeu um pouco.
Com a avó ali, ele esperava que o garoto corresse para os braços dela, considerando principalmente que o menino não parecia gostar muito dele. Mas não aconteceu. Gilyoung continuou parado, encolhido, escondido atrás dele, assustado demais até para se mexer.
E, sinceramente, isso só aumentou a raiva de Joonghyuk. Para o menino estar nesse estado, um menino que estava sorrindo até agora pouco, aquela mulher deveria ter o machucado. Muito.
Yoo Joonghyuk estalou a língua, escolhendo ficar em silêncio, e irritado, voltou a encarar a mulher à sua frente com nada além de puro desprezo.
"Rei Supremo? Esse babaca aqui?" Ela zombou, olhando para Joonghyuk, a voz arrastada pela bebida. "Que merda é essa agora, mãe? Tá delirando também?"
Escutando isso, a senhora empalideceu, horrorizada com o atrevimento da filha. O rosto enrugado dela se retorceu em pânico ao ouvir a filha cuspir insultos na frente de uma figura daquela importância. Sem pensar duas vezes, ela se apressou a se curvar profundamente diante de Joonghyuk.
"Me perdoe... por favor, me perdoe pela estupidez da minha filha!" Ela implorou, a voz trêmula, sufocada pelo desespero. "Ela não sabe o que está dizendo! Ela... é uma idiota, uma irresponsável!"
A idosa tentou se curvar ainda mais, mesmo com a coluna já fragilizada pela idade. A vergonha e o medo estavam estampados em cada traço do seu rosto. Ela tremia, não apenas pela vergonha, mas porque sabia quem estava ali. E sabia que, se quisesse, o Rei Supremo poderia matar a filha dela sem pensar duas vezes. E ninguém o impediria de fazer isso.
Ninguém o puniria por isso.
Porque ele era um Rank S.
Porque ele era o Rei Supremo.
"Ela... ela é doente, senhor. Vive bêbada, fala coisas horríveis sem pensar... por favor, não a leve a sério!" Ela continuou, sem ousar levantar a cabeça. "Eu imploro... perdoe-a!"
Mas Yoo Joonghyuk apenas continuou em silêncio. O clima era sufocante, a senhora estava tremendo, como se esperasse que, a qualquer momento, ele destruísse tudo à sua frente — e ele com certeza poderia se quisesse.
E a senhora só pareceu ainda mais aflita ao ver o neto agarrado a um "estranho", sem coragem de se aproximar dela. O coração dela estava se apertando com a vergonha e a impotência, incapaz de proteger o próprio neto.
"Ele vai levar o pestinha? Ótimo." A mulher resmungou ao passar pela sala, indo até a cozinha, com o cinto ainda em mãos. "Menos um problema para mim."
Mas a mãe do garoto, que deveria ser a mais preocupada, não parecia nem um pouco culpada.
Yoo Joonghyuk respirou fundo, lutando contra a raiva, e preferiu ignorar ambas as mulheres, voltando-se para o garoto.
Ele se abaixou e passou a mão pelos cabelos castanhos do garoto, desfazendo os punhos cerrados para bagunçar os cachos dele.
"Ei." Ele chamou suavemente. "Vamos."
Gilyoung engoliu em seco, hesitante. Ele olhou para a avó ainda curvada, depois para Joonghyuk.
"Eu posso?" O menino perguntou baixinho, quase timidamente.
"É a casa do seu pai." Joonghyuk respondeu mais suavemente, pacientemente. "Por que não poderia?"
O menino relaxou e assentiu, aliviado, e então, segurou firmemente a mão dele.
"Tchau, vovó..." O menino se despediu, desanimado. "Vou dormir na casa do hyung hoje, tá bom?"
A idosa pareceu relaxar significantemente ao ouvir Dokja sendo citado. Ela finalmente levantou a cabeça, visivelmente mais aliviada ao perceber que Joonghyuk não faria nada muito drástico.
"Ah... você vai ficar com Dokja?" Ela finalmente suspirou, como se estivesse com uma faca apontada pro pescoço até aquele momento. "Obrigada." Ela se inclinou mais uma vez diante Joonghyuk. "E me perdoe. De verdade. Não é assim todos os dias."
"Não é sua culpa." Yoo Joonghyuk grunhiu uma resposta, sem muita vontade de manter gentilezas.
Era tudo culpa daquela...
Daquela...
Ah.
Sinceramente, foda-se.
Sem dizer mais nada, ele assentiu para a idosa e puxou a porta aberta, guiando Gilyoung para fora.
Esse apartamento era só um pouco maior que o de Dokja, mas era uma completa bagunça. Tinha lixo no chão, algumas roupas espalhadas pelo sofá, até cigarro usado na mesa. Mas, honestamente, era o que se esperava de uma idosa convivendo com uma mulher alcoólatra.
"E cadê o desgraçado do Kim Dokja?" A voz feminina veio novamente da cozinha, debochada. "Ele cansou de brincar de papai? Ou ele tá muito ocupado sendo um psicopata, que nem a mãe dele?"
Yoo Joonghyuk respirou fundo. Ele ia sair. Sério. Mas ouvir aquela mulher falando merda daquele jeito sobre Dokja e o filho dele estava começando a tirar ele do sério de verdade.
Ele ia realmente acabar socando essa maluca.
"Youngmi!" Gritou a idosa, desesperada, percebendo que a filha estava irritando alguém tão poderoso. "Fique quieta, pelo amor de Deus!"
"O que foi agora?" Lee Youngmi resmungou, voltando com outra garrafa de cerveja na mão, o tom carregado de desdém. "Tô mentindo por acaso? Não é só isso o que aquele desgraçado psicopata faz?"
Mas dessa vez, nem Gilyoung conseguiu ficar quieto.
"O hyung tá no hospital!" Gilyoung respondeu, explodindo de repente, mesmo que estivesse tremendo de medo. "O que você sabe sobre ele?! Você não sabe nada! Nada!"
Talvez fosse por Yoo Joonghyuk estar ali, mas Lee Gilyoung criou coragem para abrir a boca.
"Seu moleque insolente..." Ela arregalou os olhos, furiosa, e avançou para cima dele.
Gilyoung se encolheu, se escondendo atrás de Joonghyuk, e a idosa correu para se colocar entre os dois e segurar a própria filha bêbada.
"Youngmi, CHEGA!"
"Velha, sai da frente!" Lee Youngmi rosnou, a voz arrastada pelo álcool. "Esse moleque tá merecendo uma surra faz tempo!"
Ela empurrou a mãe com força, fazendo a senhora cambalear, mas a idosa continuou segurando a filha, impedindo-a de ir direto para a morte, avançando daquele jeito para cima de Joonghyuk.
Yoo Joonghyuk também estava se contendo. As pequenas mãos de Gilyoung agarradas à sua roupa eram a única coisa o impedindo de fazer alguma besteira.
Em qualquer outra situação, ele não teria pensado duas vezes.
Uma estranha fedendo a álcool, falando merda e tentando bater em uma criança... ela estava praticamente implorando por uma surra.
Mas aqui, agora, ele não arriscaria ser imprudente. Por mais que preferisse resolver tudo da maneira mais rápida e fácil, ou seja, na violência, como sempre, ele sabia que isso não funcionaria aqui. Não se ele quisesse recrutar Gilyoung para o time e quisesse que Dokja se juntasse a ele.
Se ele queria passar a imagem certa para Dokja e para Gilyoung, ele precisava se controlar. Ser alguém confiável. Ser alguém responsável.
Então, ele se segurou.
E, honestamente, a idosa estava lidando com aquilo bem demais... para alguém da idade dela.
Yoo Joonghyuk franziu o cenho, desconfiado, e então ativou a [Avaliação].
Lee Boksoon
Rank: D
Habilidades:
• Super Força (D)
• Físico Melhorado (E)
• Resistência (E)
Ele piscou, surpreso. Joonghyuk não estava esperando que a idosa fosse realmente uma despertada.
Que surpresa. Então, além de Gilyoung, tinha mais um despertado na família. E, para a surpresa dele, uma idosa.
Não que fosse impossível, mas não deixava de ser raro. Grande parte das crianças e dos idosos só sobreviveram ao início do apocalipse por sorte ou graças à proteção de outros. Ou seja, uma parcela bem extensa morreu no começo.
Mas aquilo com certeza explicava como ela conseguia segurar a filha bêbada daquele jeito, apesar da diferença de idade e do corpo frágil.
Por curiosidade, Joonghyuk tentou usar [Avaliação] na mãe de Gilyoung, só para ter certeza.
Nada. Ela não era uma despertada. E como ela não era uma despertada, só apareceu o nome dela, Lee Youngmi.
Ele nem se surpreendeu. Não que esperasse muito, para começar.
Mesmo assim... a senhora Boksoon não era fraca. Rank D não era incrível, mas era respeitável — especialmente para uma idosa. E grande parte dos caçadores ativos eram desse Rank, então não era algo insignificante.
Claro, para Yoo Joonghyuk era muito fraco, mas para a maioria das pessoas, não.
O mais impressionante mesmo ainda era o neto, obviamente.
Ele olhou de relance para o menino escondido atrás de si e o viu segurando o choro, os olhos trêmulos e marejados, as mãos agarradas com força à barra da camisa, nariz vermelho e escorrendo com ranho...
...
Yoo Joonghyuk respirou fundo.
Essa senhora era uma despertada. Ela era capaz de lidar com uma mulher bêbada sozinha. Ele não precisava ficar aqui, plantado como um idiota, ouvindo essa merda toda.
Na verdade, vir aqui, por si só, já foi um desperdício de tempo.
Se ele soubesse, nunca teria vindo. E muito menos trazido Gilyoung.
Sem dizer mais nem uma palavra sequer, ele pegou Lee Gilyoung no colo. O menino arfou de surpresa ao ser tirado do chão de repente e o encarou com os olhos arregalados, mas Joonghyuk não disse nada.
Ele apenas virou de costas e abriu a porta, saindo com o garoto nos braços, deixando as duas mulheres para se resolverem sozinhas.
"É tudo culpa DELE!" Youngmi gritou, ofegante. "Desde que aquele PSICOPATA voltou, tudo deu errado! Dokja só traz desgraça pra nossa vida, pra essa família!"
Yoo Joonghyuk hesitou na porta por um momento, com a mão ainda na maçaneta.
"E essa COISA...!" A voz dela tremeu de raiva. "ESSA DESGRAÇA É IGUAL A ELE! Um PSICOPATA igual aquele FILHO DA PUTA! Dokja CONTAMINOU o MEU filho!"
Uau.
Que espetáculo lamentável.
O semblante de Joonghyuk se fechou quando ele bateu a porta com força, deixando a senhora Boksoon lidar com a própria filha descontrolada.
Psicopata?
Dokja? Psicopata?
Era assim que chamavam Dokja agora?
Por quê?
Por que, exatamente?
Yoo Joonghyuk franziu o cenho enquanto seguia reto no corredor e descia as escadas com o menino no colo, voltando pelo mesmo caminho até o apartamento de Dokja.
Um pouco estranho, talvez ele fosse.
Ter várias fotos de uma "celebridade" na parede, colecionar itens de edição limitada dessa mesma "celebridade", tudo isso era, no mínimo, excêntrico, para um homem adulto fazer. Mas, não era incomum.
Pessoas normalmente gostavam de fazer esses tipos de coisas.
Só era um pouco estranho vindo de Dokja.
Principalmente se essa "celebridade" era, na verdade, um velho amigo de infância.
E tinha o moletom também, que ele encontrou escondido, ensanguentado. Mas era sangue de monstro, não humano. Então, claro, não era nada realmente alarmante, principalmente para um caçador, como ele mesmo.
Mas, fora isso.
O que tinha de tão errado com Dokja?
O que Dokja fez para que as pessoas, não importava quem, não hesitassem em jogar pedras nele, desde criança?
O que Dokja tinha feito de tão cruel, de tão desumano, de tão inaceitável, para ser chamado de psicopata?
Kim Dokja era estranho, sim. Mas não tinha nada de errado com ele.
Não tinha nada de anormal com ele.
Por mais irônico que fosse, Dokja parecia ser o mais são entre todos eles.
O mais humano.
"E-eu... e-eu sinto m-muito..." Gilyoung soluçou, com a voz trêmula e embargada pelo choro.
Yoo Joonghyuk piscou, surpreso.
Ele hesitou um pouco, sem saber o que fazer, mas levou a mão às costas do garoto, fazendo um carinho desajeitado, tentando acalmá-lo.
"Não é sua culpa, pirralho." Ele assegurou, com a voz mais baixa e suave, exatamente como normalmente falava com Mia. "Ela é a culpada. Você é só uma criança, e não fez nada de errado."
Gilyoung apertou ainda mais a camisa de Joonghyuk e escondeu o rostinho no pescoço dele, tremendo e soluçando baixinho.
"Eu q-quero o m-meu h-hyung..." O menino choramingou tão baixinho, tão vulnerável, quase sem voz.
Joonghyuk abriu a boca para responder, mas a fechou logo em seguida, em silêncio, sem dizer nada no fim.
É...
Eu também, garoto.
Eu também quero ele.
「• • •」
Gilyoung tomou um banho no pequeno banheiro do apartamento e, por sorte, no meio da bagunça de roupas jogadas na cama, ainda tinha algumas peças dele misturadas ali — Dokja as mantinha por precaução ou Gilyoung as esquecia aqui quando passava os finais de semana com ele.
Bom, isso funcionava.
Depois de se vestir, o menino subiu na cama, encolhido sob o cobertor, enquanto Yoo Joonghyuk jogava lençóis e algumas roupas limpas de Dokja no chão para improvisar um lugar para dormir. Não tinha sofá, nem outro canto minimamente confortável disponível, e a cama já estava ocupada. E ele não ia dividir com o garoto.
Gilyoung ainda estava fungando baixinho, deitado de lado. Yoo Joonghyuk, sentado no chão ao lado da cama, pegou mais um pedaço de papel higiênico e limpou cuidadosamente o nariz do menino.
"Parou de chorar?" Ele perguntou, com a voz monótona de sempre, mas com um tom mais suave agora.
O garoto murmurou algo ininteligível, puxando o cobertor até os ombros, já meio adormecido.
Joonghyuk jogou o papel sujo no cesto de lixo e deu uma esfregadinha no ombro do menino, como se estivesse tentando o tranquilizar.
"Mm... obrigado." Gilyoung murmurou, sonolento, com a voz fraca de quem já tinha chorado até não aguentar mais.
"É, é. Agora dorme, chorão." Joonghyuk afastou a franja da testa do menino, revelando os olhos vermelhos e inchados dele.
"Não sou chorão..." Gilyoung resmungou baixinho, enfiando o rosto no travesseiro para se esconder.
"É mesmo?" Ele arqueou uma sobrancelha para o garoto. "E quantas vezes você já chorou hoje mesmo?" Yoo Joonghyuk contemplou em voz alta. "Três? Quatro? Mm?"
Gilyoung respondeu com um som rouco e abafado de negação que veio do fundo da garganta, já quase nocauteado pelo sono. Joonghyuk soltou um suspiro, observando-o em silêncio enquanto o rostinho dele relaxava ao adormecer.
...Ele parecia um pouco com Dokja desse jeito.
Com cuidado, Yoo Joonghyuk ajeitou melhor as cobertas ao redor do garoto. Essa semana estava bem fria e o aquecedor andava falhando, então era melhor garantir que ele estivesse bem aquecido durante a noite.
Só quando se certificou de que Gilyoung estava bem agasalhado, ele finalmente se levantou e foi se deitar na cama improvisada, feita de roupas e lençóis.
Estava frio.
Mesmo que ele tivesse uma habilidade de resistência ao frio, continuava frio.
Ele fechou os olhos por um momento, sentindo falta do cheiro de Dokja no travesseiro.
Yoo Joonghyuk abriu os olhos novamente e ficou encarando o teto por um tempo, os olhos obsidianas acompanhando as manchas de goteira marcadas na velha tinta branca do teto.
Ele tinha que aguentar.
Virando de lado, ele puxou algumas blusas limpas de Dokja para mais perto, afundando o rosto nelas e, cheirando-as descaradamente.
Cheiro de amaciante barato.
Não tinha o cheiro dele.
Uma pena.
Era realmente uma pena.
Ele se cobriu com os lençóis que sobraram e os puxou até os ombros, tentando se aquecer um pouco.
Estava frio.
Mas ele ia sobreviver.
「• • •」
Quando Joonghyuk abriu os olhos novamente, piscando contra uma claridade intensa e incômoda que machucava seus olhos, percebeu que estava em um terraço.
Um terraço muito familiar.
O vento era forte daquela altura.
Estava frio.
Muito frio.
Ele prendeu a respiração por um segundo, antes de soltar um suspiro trêmulo, cerrando os punhos com força e franzindo o cenho com a visão daquele cenário familiar.
Isso... essa era uma das antigas escolas que ele estudou.
Isso era um sonho?
Ele estava sonhando agora?
"Hyuk-ah?" Uma voz suave chamou por ele, vindo logo atrás de suas costas.
Yoo Joonghyuk congelou, tenso, com a garganta seca de repente. Ele engoliu em seco, seu pomo de Adão se movendo ao engolir a própria saliva.
Sonho...
Esse sonho de novo...
Esse maldito sonho.
Lentamente, quase assustado, como se estivesse com medo de descobrir quem era o dono da voz, Joonghyuk se virou para ver quem o chamava, e lá estava ele. O rosto coberto de curativos, cheio de hematomas, com olhos cinzentos brilhando como se guardassem constelações inteiras neles.
Um rosto que ele conhecia perfeitamente.
Escorado, parado à beira do parapeito.
Esse sonho...
Sonho não, pesadelo.
Ele odiava esse pesadelo.
Não importava quantas vezes tivesse que revivê-lo, nunca doía menos.
Não importava quantas vezes tivesse que passar por isso de novo e de novo, nunca pararia de doer.
Mas dessa vez... ele sabia.
Ele sabia que era um sonho.
Ele sabia que estava sonhando.
"Kim Dokja..." Ele rosnou entre dentes cerrados, com os punhos tão apertados que fisicamente doía.
Um sonho lúcido?
Sim, isso só... isso só poderia ser um sonho lúcido.
Isso era um sonho lúcido.
Ele conseguia pensar. Conseguia falar. E, acima de tudo, conseguia sentir.
Conseguia sentir o vento no rosto, balançando seus cabelos. Conseguia sentir o frio, e ao mesmo tempo, conseguia sentir o calor suave dos raios de sol na pele. Ele sentia as unhas raspando nas palmas ao apertar os punhos, os dentes cerrados...
Ele conseguia sentir tudo.
Era tão vivido.
Tão real.
Mas ele sabia que não era.
Ele sabia que nada disso era real.
Porque era impossível ele estar vendo essa versão de quinze anos de Dokja aqui.
O garoto na beirada do terraço sorriu para ele. Um pequeno sorriso, sutil e gentil. Seus olhos cinzentos se curvaram para cima junto com o sorriso, brilhando sob a suave luz amarelada do sol, carregando estrelas que só existiam ali, naquele olhar.
E dessa vez...
O rosto dele não estava borrado.
Ele conseguia ver.
Perfeitamente.
Ele conseguia se lembrar.
Dokja.
Era Dokja.
Esse tempo todo...
Sempre foi Dokja.
O tempo todo.
Sempre foi ele.
Ele sempre esteve ali, mesmo que Yoo Joonghyuk não percebesse.
Ele sempre esteve ao lado dele, mesmo que ele não se lembrasse.
Era sempre ele.
Mas… por que esse sonho agora?
Ele não estava ferido.
Ele só tinha esse pesadelo quando se machucava. Ele só sonhava com aquele Dokja quando estava machucado, era só quando ele estava machucado que esse Dokja aparecia para atormentá-lo, como se o estivesse repreendendo por ter sido tão descuidado ao ponto de se machucar.
Era por isso que, ao longo dos anos, ele parou de se machucar.
Porque ele não queria sonhar mais com esse garoto sem rosto que parecia tão machucado.
Mas agora...?
Ele estava bem.
Yoo Joonghyuk não tinha se machucado hoje, então por quê?
Por quê?
Por que ele estava sonhando com isso?
Por que agora?
"Desça daí." Yoo Joonghyuk ordenou, em um tom áspero e quase afobado, enquanto se aproximava cautelosamente de Dokja. "Desça. Agora."
Ele não estava pedindo. Ele estava mandando.
Mas, como em todas as outras vezes, algo o impediu de continuar. Seu corpo travou no meio do caminho, como se estivesse preso por correntes invisíveis. Ele se forçava a continuar, ele tentava, lutava, mas não conseguia dar nem um passo a mais.
Era como se aquele fosse o limite que ele pudesse cruzar.
Era um sonho lúcido. E ainda assim, ele não tinha controle. Ele não tinha controle de nada. Ele não conseguia mudar nada. Nada.
Ele não conseguia salvar Dokja.
Ele não conseguia fazer nada.
Ele era inútil.
Tudo o que ele podia fazer era assistir.
Era só isso que ele podia fazer, assistir.
Ficar parado, sem fazer absolutamente nada para impedir, enquanto assistia Dokja pular. De novo. E de novo. Quantas vezes mais?
E agora que ele se lembrava, agora que ele sabia quem era aquele garoto com o rosto borrado, agora que finalmente pôde ver o rosto dele sem aquele borrão...
Doía mais.
Doía como nunca.
Porque ele sabia que era Dokja, esse tempo todo.
Era Kim Dokja o garoto que continuava morrendo em seus pesadelos.
"Dokja, por favor..." A voz de Joonghyuk falhou, mas ele insistiu, com o rosto contorcido em angústia. "Desça daí... venha até mim. Por favor."
Ele estava implorando.
"Por favor." Ele continuou, repetindo, insistindo, implorando em um sussurro que parecia gritar. "Me deixa te proteger."
Ele estava dizendo o que sempre quis dizer.
O que nunca teve chance de dizer.
Pelo menos dessa vez... ele pôde dizer o que nunca teve tempo de dizer antes.
"Me deixa te salvar."
Pelo menos dessa vez.
Pelo menos em sonho.
Me deixe te salvar, Dokja.
"Por favor, Dokja..."
O sorriso não desapareceu dos lábios do adolescente. Ele apenas inclinou a cabeça gentilmente para o lado, como se Yoo Joonghyuk estivesse dizendo algo sem sentido.
"Eu?" Dokja perguntou inocentemente, e então, deu um passo para trás.
Joonghyuk sentiu o coração dele apertar, como se alguém estivesse tentando esmagar o coração dele com as mãos.
"NÃO!" Ele tentou correr, avançar, fazer qualquer coisa — mas seu corpo não respondeu.
Simplesmente não obedecia.
Ele estava completamente congelado.
Condenado a assistir.
Condenado a assistir, várias e várias vezes, à morte da única pessoa que algum dia o compreendeu, que um dia ele amou, a única que ele desesperadamente queria salvar.
"Não... não faça isso..." Ele implorou, a voz falha, os olhos arregalados e a respiração engatando no peito. "Vem aqui, vem... por favor... vem cá..."
Ele estendeu os braços desesperadamente, como se estivesse chamando o garoto para o seu abraço. Como se, ao tê-lo em seus braços, pudesse detê-lo. Como se, ao ter Dokja em seus braços, ele pudesse o salvar.
"Vem... vem, eu te pego..." Joonghyuk continuou com os braços estendidos para pegar o adolescente. "Eu prometo, eu prometo que vou te pegar, então saía da ponta e venha até aqui..."
Mas ele também estava sendo cauteloso, como se Dokja fosse um gatinho assustado que pudesse pular a qualquer momento.
Ele estava desesperado.
Desesperado para impedir o inevitável.
Mas Dokja apenas o olhou com aquele mesmo olhar doce e suave. Doce demais.
Por quê?
Por que ele estava o olhando assim?
Como se tudo estivesse normal?
Como se nada estivesse errado?
Ele abriu a boca para perguntar, para implorar, para suplicar, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, algo passou por ele, o atravessou.
Literalmente atravessou.
O atravessou como se ele fosse um fantasma.
Paralisado, ele viu uma versão mais jovem de si mesmo, sem cicatrizes, sem traumas, vestindo uniforme escolar, o atravessar e correr até Dokja.
"Você ficou maluco?!" o Yoo Joonghyuk adolescente praticamente gritou, furioso, com uma veia saltada na testa. "Desce daí antes que você caía, seu idiota!"
O Dokja adolescente riu suavemente, de uma maneira leve e despreocupada, descendo do parapeito e se agarrando ao braço de Joonghyuk com familiaridade, como se isso fosse apenas o normal para ele, como se simplesmente fosse natural.
Observando os dois adolescentes agirem como se ele não existisse, Joonghyuk abaixou os braços lentamente.
Ah.
Uma onda de alívio, seguida por uma realização fria, o atingiu.
Aquele sorriso… não era para ele.
Aquele Kim Dokja... não estava olhando para ele.
Ele estava olhando para um Yoo Joonghyuk.
Mas não era ele.
Ele observou, em silêncio, os dois adolescentes se afastarem juntos, caminhando lado a lado em direção à saída do terraço. Sorrisos descontraídos, passos sincronizados. Como se o mundo lá fora não existisse, como se, só existisse eles dois naquele momento.
Rindo. Rindo um para o outro como se nada mais importasse.
Eles pareciam tão felizes.
Era como se não existisse nenhuma preocupação entre os dois.
Era apenas eles.
Joonghyuk os seguiu com o olhar, se perguntando...
Ele era tão feliz assim?
É só que... aquela versão dele parecia tão... feliz.
Existiu algum dia em sua vida que ele conseguiu sorrir daquele jeito, como a versão mais jovem dele mesmo estava sorrindo agora?
Ele... realmente foi tão feliz assim?
Isso realmente aconteceu?
Quando?
Quando foi que ele se esqueceu disso?
Enquanto ele observava, o Joonghyuk mais jovem parou de andar de repente e se virou para encará-lo.
Mas o olhar que aquele Joonghyuk mais jovem o lançou não era nada além de hostil.
Um olhar frio e hostil.
Como se o Joonghyuk atual não fosse nada além de uma coisa desagradável de se ver.
Mas Yoo Joonghyuk nem sequer o olhou.
Ele estava, sinceramente, ocupado demais observando a versão mais jovem de Kim Dokja.
Vivo.
Sorrindo.
Uma versão mais jovem de Dokja, sorrindo tão brilhantemente, brilhando com tanta pureza, tanta sinceridade, iluminando tudo ao seu redor como se fosse o próprio sol.
Joonghyuk não conseguia desviar o olhar. Ele não conseguia olhar para mais nada além de Dokja.
Ele era como um inseto sendo atraído pela luz.
E Kim Dokja era essa luz.
Mas então, a versão mais jovem de si mesmo deu um passo à frente e escondeu Dokja atrás de si, bloqueando a visão, como se estivesse protegendo algo precioso.
Como se estivesse protegendo aquela versão de Kim Dokja de si próprio.
"Procure o seu próprio Dokja." O Joonghyuk mais jovem desafiou, com o cenho franzido e os olhos escuros, sombrios. "Esse é meu. Eu salvei ele. Coisa que você não conseguiu fazer com o seu Dokja."
Yoo Joonghyuk cerrou a mandíbula com força e estreitou os olhos, desviando o olhar de Dokja e agora, pela primeira vez, encarando diretamente seu eu mais jovem do passado.
O que esse garoto idiota estava dizendo agora?
Ele estava sendo insultado por uma versão dele mesmo do passado, era isso?
"Ele é meu." O adolescente declarou, com convicção e possessividade, cuspindo as palavras para o seu eu mais velho, como se estivesse zombando dele. Então, segurou a mão de Dokja e o puxou, firme. "Vamos para casa, Dokja-ya."
Dokja apenas se deixou ser arrastado sem reclamar e seguiu o Joonghyuk mais jovem até a porta, deixando o terraço para trás.
E Yoo Joonghyuk ficou para trás, os punhos cerrados, a expressão sombria, enquanto observava uma versão mais jovem de si mesmo zombar dele.
Meu próprio Dokja...?
Como ele deveria encontrar algo assim de novo?
Ele já tinha perdido o Dokja dele, isso era impossí—
Ah.
Dokja...
No hospital.
Seus ombros tensos caíram e seus dedos relaxaram, desfazendo os punhos cerrados e deixando suas mãos caírem soltas aos lados do corpo.
Esse era o Dokja dele.
Sim, o Dokja dele estava vivo.
Respirando fundo, Yoo Joonghyuk levantou os olhos para o céu agradavelmente ensolarado e soltou lentamente o ar pela boca.
Sim, ele entendia agora.
Ele precisava voltar.
Dokja estava esperando.
Ele precisava voltar e—
Mas antes mesmo que ele pudesse organizar os pensamentos e tomar qualquer atitude, uma névoa densa e espessa se espalhou ao seu redor — engolindo tudo — e ele foi forçado a piscar várias vezes até a visão clarear.
Ele piscou algumas vezes, confuso, e quando finalmente conseguiu abrir os olhos de novo, estava na frente de uma porta.
Ele conhecia aquela porta.
Era o antigo apartamento dele.
O apartamento onde ele morou com Seolhwa quando eles ainda eram noivos.
Seu corpo enrijeceu, mas ele respirou fundo e juntou coragem para avançar.
É só um sonho.
Ele agarrou a maçaneta com força.
Isso não é real.
Ele girou a maçaneta devagar.
É só mais um sonho...
Ele só precisava acordar.
Era só mais uma parte do sonho.
Ele só precisava acompanhar a história e acordar logo.
Ele abriu a porta lentamente, mas assim que entrou, congelou na entrada.
Era Seolhwa.
Seolhwa estava sentada no sofá.
Nos braços dela, um bebê.
Ela estava embalando gentilmente um bebê recém nascido.
Ela levantou os olhos ao ouvir o som da porta abrindo, surpresa, mas logo sorriu suavemente, com tanta ternura, como se ele nunca tivesse ido embora.
Como se nada tivesse acontecido entre eles.
Como se eles não tivessem rompido o noivado anos atrás.
"Ah..." Seolhwa suspirou. "Bem-vindo de volta, amor." Ela o cumprimentou, em um tom doce e caloroso.
Yoo Joonghyuk estremeceu, encarando o bebê em silêncio.
Um bebê.
Por quê...?
Yoo Joonghyuk engoliu em seco.
Por que ele estava vendo um bebê?
Quando o dele já estava morto?
Ele prendeu a respiração, os olhos fixos no bebê aninhado nos braços de Lee Seolhwa. Ele encarava como se aquilo fosse uma aberração.
Como se o mundo estivesse zombando dele.
"Amor?" Seolhwa piscou, confusa. "O que aconteceu?" Ela perguntou suavemente.
Ele não respondeu.
Sua respiração estava começando a sair irregular, e Seolhwa, preocupada, deitou o bebê com cuidado sobre uma almofada no sofá e se aproximou, pousando as mãos em seus ombros com delicadeza.
Ele sentiu o toque.
Quente.
Familiar.
Ele conseguia sentir.
Conseguia reconhecer.
Mas isso era um sonho.
Só um sonho.
Yoo Joonghyuk soltou um suspiro trêmulo, encarando o rosto suave e terno de Seolhwa com olhos arregalados.
Isso não era real.
Seolhwa não sorria mais assim pra ele.
Eles não tinham um bebê.
Eles não estavam juntos.
Não era real.
Isso não era real.
Ele afastou as mãos dela, devagar no início, depois com mais força. Começou a recuar, respirando com dificuldade.
"Joonghyuk!" Ela chamou, assustada. "O que foi? O que está acontecendo, amor?!"
Não me chame de amor!
Porra!
Ele virou o rosto, recusando o toque dela, e de repente, com os olhos cerrados, começou a bater na própria cabeça com força, tentando sair dessa maldita ilusão.
Porra... acorda!
Acorda!
Ele precisava acordar!
"Querido."
Essa voz...
Não era de Seolhwa.
Era uma voz...
Mais baixa...
Mais suave...
Mais calma...
Mais grave...
Masculina.
Uma voz masculina.
Um arrepio congelante percorreu a espinha de Yoo Joonghyuk com a percepção.
Ele levantou o rosto devagar, se virando lentamente para a direção que Seolhwa estava...
Ela não estava mais ali.
No lugar dela, estava um homem.
Um pouco mais alto que ela, vestido com uma camisa social perfeitamente ajustada ao corpo, mangas dobradas até o cotovelo e calças pretas de tecido leve. Casual, como se estivesse em casa, e ainda assim, absolutamente fora de lugar.
Ele parecia...
Irreal...
Ele se aproximou lentamente, passos suaves, silenciosos, pacientes.
Suas mãos finas e pálidas se estenderam até tocarem o rosto de Joonghyuk, segurando-o com uma suavidade e delicadeza enlouquecedora.
Frias.
Suas mãos estavam frias.
"O que aconteceu, querido?" Ele perguntou suavemente, a voz baixa e grave deslizando como veludo pelos ouvidos de Joonghyuk. "Isso não era o que você desejava, meu amor?"
Os lábios pálidos se curvaram em um sorriso enigmático. Os cílios longos piscaram lentamente, tão lentamente, revelando olhos cinzentos tão profundos e brilhantes que pareciam conter estrelas, senão galáxias inteiras.
Era um rosto que não pertencia a esse mundo.
Fino, elegante, simétrico de um jeito irreal. Um rosto que parecia ter sido perfeitamente pincelado com pincéis finos, como se tivesse saído diretamente de uma pintura, com a graça e a beleza de uma pintura a óleo, belo demais para ser real, perfeito demais para sequer existir.
O corpo que o sustentava era igualmente etéreo, esguio, bem proporcionado, como se tivesse saído direto de uma passarela.
Como se tivesse sido esculpido à mão por um Deus vaidoso e depois trazido à vida.
Como se gerações de artistas gregos tivessem trabalhado em sua criação, cinzelado até não restar nenhuma imperfeição.
Cabelos escuros, macios e lisos, tão negros quanto tinta preta, os negros contrastando com a pele pálida leitosa, e aqueles olhos... aqueles olhos que prendiam o olhar de Joonghyuk como se fossem uma armadilha.
Hipnótico.
Magnético.
Simplesmente...
Surreal.
Ele era celestial.
Ele não era apenas belo.
Ele era irreal.
Yoo Joonghyuk não conseguia falar.
Sua garganta estava seca.
Sua respiração entalada.
Ele não tinha palavras para descrever o homem na frente dele.
Cada traço dele parecia ter sido criado especificamente para cativar.
Para hipnotizar.
Se Yoo Joonghyuk dissesse que não estava hipnotizado, ele estaria mentindo.
Seus olhos vagavam sem rumo, perdidos, indo dos lábios pálidos aos olhos estrelados, da figura esguia ao rosto tão belo que beirava o irreal daquele homem.
Ele engoliu em seco uma, duas, três... várias vezes, até perder a conta.
Um homem podia ser tão bonito assim?
Tão... inacreditavelmente lindo?
Tão encantador?
Tão surreal?
"É isso o que você deseja?" Os lábios se moveram com uma precisão hipnotizante, cada palavra moldada pela língua de forma lenta, quase decorada, enquanto as mãos frias seguravam o rosto dele com força. "Tudo o que você precisa fazer é me dizer."
Yoo Joonghyuk encarou os lábios daquele homem como um homem sedento encara um copo de água gelada após anos preso em um deserto escaldante.
"E eu..." O homem se aproximou perigosamente para perto, com um sorriso misterioso e provocante nos lábios. "Tornarei realidade." Ele sussurrou, pronunciando meticulosamente cada sílaba, diretamente no ouvido de Joonghyuk.
E Yoo Joonghyuk estremeceu com aquilo. Respirou fundo, prendeu o ar e fechou os olhos para se recompor.
Mas quando os abriu novamente, aquele homem tinha desaparecido.
No lugar dele, estava Seolhwa.
Ela tinha voltado.
E ele, ido embora.
"Joonghyuk?" Ela chamou, com a voz calma, baixa, e os olhos cheios de preocupação. "Você está bem?"
O ar saiu de seus pulmões num suspiro trêmulo. Ele rapidamente afastou as mãos dela, recusando o toque.
Sim, isso era um sonho.
Só um sonho.
Não era real.
Nada disso era real.
Lee Seolhwa, o bebê...
Ou Kim Dokja.
Nada era real.
Acordar...
Sim, acordar.
Ele precisava acordar.
Mas quando ele tentou dar um passo para trás, para finalmente recuar, aquele homem retornou.
Ele já estava outra vez diante de Joonghyuk, avançando, as mãos cravando-se em seu rosto com força, forçando-o a o encarar, como se quisesse ser visto, como se quisesse ser a única coisa que Yoo Joonghyuk fosse capaz de ver.
Como se quisesse que os olhos de Yoo Joonghyuk estivessem nele.
E somente nele.
"Querido." Sua voz era suave, profunda, aveludada, quase carinhosa, mas cheio de veneno. "Se não é ela quem você quer... então quem é?"
Joonghyuk apertou a mandíbula com tanta força ao ponto de marcar, os olhos perigosamente sombrios, exalando uma aura assassina. Suas mãos agarraram os pulsos pálidos com força, sem se importar em se segurar, em se conter.
"Kim Dokja..." Ele rosnou entre dentes, segurando aqueles pulsos finos com tanta força que marcava a pele pálida, como se ele fosse escapar novamente.
Como se aquele homem esguio e escorregadio pudesse fugir e desaparecer de novo.
Ele não queria.
Não queria que aquele homem sumisse de novo.
Ele não queria ver Lee Seolhwa.
Ele queria ver aquele homem.
Os olhos cinzentos se arregalaram levemente, os cílios tremulando com a ação e um brilho enigmático surgindo em seu olhar.
"Ah..." Ele suspirou, pego de surpresa, e, logo em seguida, um sorriso largo surgiu em seu rosto, acompanhado por um riso, um som baixo e melodioso. "Então é a mim que você quer?"
Ele riu, completamente arrogante, e ainda assim, tão encantador. "Que surpresa deliciosa."
Essa risada...
Joonghyuk cerrou os punhos com força, estreitando os olhos para Dokja.
Ele abriu a boca para retrucar, para esvaziar toda a sua frustração naquele homem que, a cada momento, o enlouquecia mais, mas antes que pudesse, o choro estridente de um bebê recém nascido preencheu o cômodo.
"Ora, ora..." Dokja se soltou facilmente, como se não estivesse sendo segurado pelo aperto de aço de Joonghyuk segundos atrás e caminhou calmamente até o sofá. "Meu doce bebê se sente deixado de lado?"
Com uma naturalidade desconsertante, como se fosse a coisa mais comum do mundo, ele pegou o bebê nos braços e o embalou suavemente, sussurrando palavras doces que Joonghyuk não conseguiu entender.
Como se já tivesse feito aquilo um milhão de vezes antes.
Isso tudo era tão...
"Você consegue ver?" Ele perguntou, olhando por cima do ombro com um sorriso meigo. "Sua família está aqui."
Seus olhos estrelados brilharam tão lindamente.
"Você não precisa voltar."
Caseiro.
[O Pesadelo está acessando suas memórias.]
Joonghyuk suspirou trêmulo, sufocado por uma sensação agonizante de aperto no peito.
Voltar...?
[O Pesadelo está corrompendo suas memórias.]
O brilho em seus olhos obsidianos começou a se apagar, ofuscar, substituído por uma estranha sombra opaca, sem vida própria.
Voltar para onde?
[O Pesadelo está tentando apagar suas memórias.]
Kim Dokja caminhou em sua direção, passos lentos, calculados, sorrindo com uma calma, uma leveza tão reconfortante.
"Sim... essa é sua casa, Hyuk-ah." Ele disse, em um tom mais baixo e dócil. "Nossa casa."
Sim, essa era a casa dele.
Deles.
Ele se aproximou, rosto a poucos centímetros do dele. O calor de sua respiração tocava os lábios de Joonghyuk.
Com o bebê aninhado em um dos braços, ele estendeu a mão livre para tocar gentilmente o queixo de Joonghyuk, puxando o rosto dele para baixo, para que os seus olhos se encontrassem.
"Tudo o que você sempre quis está aqui." Seus dedos eram gelados, a voz baixa e manipuladora. "Nosso filho."
A voz suavizou ainda mais quando ele se inclinou, os lábios quase roçando os de Joonghyuk.
"E eu." Ele sussurrou contra os lábios de Yoo Joonghyuk. "Eu estou aqui."
Sim, Dokja estava ali.
Vivo.
E essa era a família dele.
Os olhos cinzentos, tão profundos quanto o próprio abismo, encontraram os obsidianas dele com uma aura sutilmente ameaçadora.
"Você não precisa voltar." Ele sorriu. "Você pode ficar aqui. Para sempre. Comigo. Com o nosso bebê."
Ficar...
[O Pesadelo...]
Para sempre...
[O Pesadelo...]
Aqui.
[O Pesadelo...]
Yoo Joonghyuk estendeu os braços e envolveu Dokja e o bebê num abraço apertado, puxando-os protetoramente para o peito, como se temesse perdê-los.
Minha família...
[O Pesadelo...]
Ele fechou os olhos com força, enterrando o rosto na curva do pescoço de Kim Dokja e respirando fundo.
[O Pesadelo está apagando suas memórias.]
Meu Dokja.
[OD: Não seja manipulado.]
[Você está resistindo!]
Os olhos de Yoo Joonghyuk se abriram abruptamente, dilatados. Um frio cortante percorreu sua espinha.
Não.
Não, não, não.
Isso não é real.
Ele recuou bruscamente, os olhos indo diretamente para o bebê nos braços de Dokja.
E foi quando ele percebeu.
Não era um bebê.
Aquela coisa...
Era um monstro.
Um monstro deformado, nojento, sem olhos, sem pele, na carne viva, vermelha, com dentes demais para uma boca tão pequena.
Sem pensar nem duas vezes, ele agarrou e arrancou a criatura dos braços de Kim Dokja e a arremessou contra a parede com toda a força que tinha.
Sangue jorrou em todas as direções quando o monstro colidiu com a parede, praticamente explodindo e espalhando pedaços de carne e vísceras para todos os lados.
"O quê—?" Dokja arfou, chocado. "O que você fez com o nosso filho, Hyuk-ah?!" Ele arregalou os olhos, olhando para a parede ensanguentada com horror.
Essa coisa?
Filho dele?
Isso era um monstro.
Não o filho dele.
E esse homem...
Joonghyuk encarou friamente o homem esguio diante dele, que recuou, com os olhos arregalados e as pupilas contraídas, trêmulas.
“Hyuk-ah…” Kim Dokja arfou, dando alguns passos para trás. “Hyuk-ah, por que está me olhando assim…?” Ele perguntou, em um sussurro frágil e assustado.
Esse homem…
Não era Kim Dokja.
"Um fragmento..." Joonghyuk repetiu, correndo na esteira enquanto lia as mensagens na tela. "Do pesadelo?"
[OD: Nunca ouviu falar?]
Na verdade, ele até já tinha escutado o termo antes.
Vagamente, mas tinha.
Era algum tipo de lenda entre os caçadores, ou algo assim. Era aquele tipo de história só para assustar novatos.
Mas ele não se lembrava exatamente do que se tratava, já que, para ele, era só mais uma bobagem de idiotas querendo atenção.
Ele só não esperava que OD citasse isso agora, tão de repente, durante as conversas diárias deles.
"Não me lembro muito bem." Ele respondeu, mantendo o ritmo da corrida. "Mas o que isso tem a ver com os meus pesadelos?"
OD demorou alguns segundos a mais para terminar de digitar, como se escolhesse as palavras com cuidado, antes de enviar uma sequência de mensagens um pouco mais longa que as anteriores.
[OD: Fragmentos do Pesadelo são partes de um único monstro, o próprio Pesadelo.]
[OD: Se esse Pesadelo é um mito ou não, sinceramente, eu já não sei. Mas esses fragmentos são supostamente versões menores desse monstro, que atacam principalmente com ilusões.]
[OD: Eles atraem suas vítimas desse jeito. Você já deve ter escutado casos de caçadores vendo alucinações dentro das masmorras ou tendo pesadelos mesmo depois de já terem saído delas.]
Sim, ele escutava esse tipo de bobagem.
Mas isso era só bobagem.
Yoo Joonghyuk leu tudo até o fim, respirando fundo, antes de bufar.
"Então você acha que esses sonhos que eu ando tendo com esse garoto sem rosto é culpa desse... fragmento?" Ele arqueou uma sobrancelha, cético, olhando diretamente para a tela, como se estivesse olhando para o próprio OD.
Eles estavam em uma chamada de vídeo, mas apenas OD via Yoo Joonghyuk, que estava correndo na esteira, já que a câmera do outro estava desligada.
[OD: Precisamente.]
Ele franziu o cenho.
[OD: É bem possível que um fragmento do Pesadelo tenha se alojado na sua mente, levando em conta principalmente a frequência em que você entra e sai de masmorras.]
Isso era loucura.
Não fazia sentido algum.
Joonghyuk lançou um olhar quase irritado para a tela, mas não disse nada.
[OD: Às vezes, você sente como se a sua mente estivesse bagunçada? Como se as suas memórias estivessem embaçadas?]
Joonghyuk hesitou.
[OD: Você sente como se, não importa o quanto tente se lembrar, algo está faltando?]
Sim.
Na verdade...
Era exatamente isso.
[OD: Pela sua cara, vou tomar isso como um sim.]
Ele soltou um suspiro irritado e continuou correndo, mais irritado com o acerto do que qualquer outra coisa.
Só OD conseguia lê-lo tão bem assim, era irritante.
Para qualquer outra pessoa, ele apenas parecia estar irritado o tempo todo, mas para OD? O bastardo conseguia dizer quando ele estava triste, impaciente, irritado, até feliz.
E isso era irritante.
[OD: Sabe, se um fragmento do Pesadelo estiver de fato alojado na sua cabeça, basta você eliminar a causa.]
"E como... exatamente eu faria isso?"
Ele olhou diretamente para a tela, esperando pela resposta que OD sempre tinha para tudo.
[OD: Isso é simples.]
Simples?
[OD: Eles são covardes. Se escondem atrás do que você mais ama. Do que você mais deseja. Do que você mais quer proteger.]
[OD: Mate.]
[OD: Destrua.]
[OD: O pesadelo vai usar e abusar da sua fraqueza contra você. Sempre. E a única forma de vencê-lo é destruindo aquilo que você mais ama.]
...
Uma pausa.
[OD: Não hesite.]
[OD: Não é real.]
[OD: Não seja manipulado.]
Joonghyuk avançou como uma fera descontrolada, derrubando o outro homem no chão com um estrondo, e montando-o.
Kim Dokja — ou o que quer que fosse — arfou, engasgando ao sentir as mãos pesadas de Joonghyuk apertarem seu pescoço com força. Ele se debateu, as pernas chutando o chão, as unhas arranhando os braços que o seguravam.
Mas não adiantou em nada.
"Hyuk-ah—! P-por fav—!" Ele implorou com a voz entrecortada, sufocada, quase sem ar. "P-por fa-favor...!"
Mas Joonghyuk não vacilou. Ele cerrou os dentes e apertou o pescoço fino com ainda mais força, deixando marcas escuras na pele pálida.
[OD: Como eu sei tanto sobre o Pesadelo?]
Dokja estava começando a ficar roxo. Veias saltadas no pescoço, dentes cerrados, olhos revirados e lacrimejantes, o peito subindo e descendo freneticamente, até começar a desacelerar.
"H-Hyuk-ah..." Ele choramingou, quase num sussurro. "Eu... não consigo... respirar..."
[OD: Eu também tinha um dentro da minha cabeça. Engraçado, não?]
Os olhos estrelados o encararam, marejados, implorando, desesperados.
"P-por f—"
Joonghyuk forçou mais.
Estalo.
[OD: Quando os fragmentos percebem que não vão vencer, eles ficam desesperados.]
A cabeça dele caiu para o lado logo após o estalo, pendendo em um ângulo antinatural, com o pescoço estranhamente mole.
Quebrado.
O pescoço estava quebrado.
Ele tinha quebrado.
Joonghyuk quebrou o pescoço dele.
Quebrou.
Joonghyuk saiu de cima do corpo abaixo de si com as mãos trêmulas, a respiração descompassada, os olhos arregalados.
Ele...
Ele matou...
[OD: Pode parecer assustador no começo. Mas não se preocupe.]
...Kim Dokja.
[OD: Porque não é real.]
Joonghyuk caiu de joelhos, os dedos apertando o próprio peito, tentando puxar o ar que parecia não vir.
[OD: É só um pesadelo.]
Ele matou Kim Dokja.
Eu matei ele.
Ele piscou desesperadamente, tentando conter as lágrimas. Esfregou os olhos com força, as mãos trêmulas e...
Não... algo estava errado.
Suas mãos… estavam menores?
Ofegando, ele abriu os olhos e foi imediatamente cegado por uma luz intensa.
Quando a visão finalmente se ajustou, ele olhou para baixo.
Sangue.
O rosto jovem e sem vida de Kim Dokja o encarou de volta. Seus olhos, antes cheios de estrelas, agora estavam escuros e vazios.
Opacos.
Sem vida.
Mortos.
Sangue escorria de uma rachadura exposta na lateral da cabeça, uma poça vermelha contrastando com a palidez doentia da pele. O pescoço pendia em ângulo antinatural, quebrado. Hematomas espalhados pelo rosto jovem e débil, uma mistura nauseante de amarelo, vermelho e um roxo escuro, intenso. Sua perna estava aberta em um ferimento grotesco, que chegava a aparecer o osso. Sua coluna também, visivelmente desalinhada sob o uniforme escolar encharcado de sangue, como se tivesse sido fraturada na queda.
Joonghyuk arregalou os olhos, se arrastando para trás em pânico, respirando como se estivesse se afogando.
Soluçando, ele tentou se afastar, os olhos ainda grudados no cadáver à sua frente.
Mas ele também estava usando um uniforme escolar.
Ele estava...
De volta.
De volta para àquele dia.
Ele tinha voltado a ser apenas um adolescente.
"Ele tinha tudo aqui."
"E mesmo assim escolheu ir embora?"
Joonghyuk virou-se tão rápido que quase perdeu o equilíbrio ao escutar as vozes, os dedos já se fechando em punhos, prontos para atacar.
Mas, em volta dele, onde antes deveriam estar colegas de classe e outros estudantes do colégio, estava agora com dezenas de Dokjas.
Todos sem rostos.
"Ele morreu esperando por você."
"Ele implorou por você."
"Você não veio."
"Ele desistiu de viver por sua causa."
"Por sua causa."
"Viva com a culpa."
Joonghyuk girou o corpo com tanto desespero, tanto pânico, tentando escapar, tentando fugir, mas não encontrou nenhuma saída. Porque ele estava cercado.
Cercado por alunos.
Todos os alunos, todos tinham o rosto de Kim Dokja, mas sem feições. Sem olhos. Sem boca.
Sem rosto.
Eram todos Dokjas.
"Você o abandonou."
"A culpa é sua."
"Ele morreu por sua causa."
"Você chegou tarde demais."
"É tudo culpa sua."
"Você é inútil."
"Ele se matou por sua causa."
"Você o matou."
"Se você estivesse lá..."
"Você o matou."
"Ele ainda estaria vivo."
"Você o matou."
"Assassino."
"Você o matou."
"Você o matou."
"Você o matou."
"Você."
"Você."
"VOCÊ."
Yoo Joonghyuk gritou aos prantos, completamente desesperado, cobrindo os ouvidos, cambaleando entre os vários Dokjas. Ele tentou correr. Para qualquer lugar. Mas os sussurros o perseguiam.
E por toda parte, ele ouvia a voz de Dokja.
Suas condenações.
Joonghyuk tropeçou, caiu de joelhos.
Tapou os ouvidos, tentou silenciar as vozes.
Mas não importava o que ele fizesse, elas não se calavam.
Tudo isso...
Era culpa...
Dele.
[OD: Não é real.]
「• • •」
Yoo Joonghyuk acordou com um sobressalto, o corpo encharcado de suor, o peito subindo e descendo desesperadamente, como se tivesse acabado de sair de uma batalha real.
Ele agarrou desesperadamente o próprio peito, tentando respirar. O coração estava disparado, martelando contra suas costelas, como se quisesse fugir do próprio peito.
Porra.
Ele acordou.
Ele finalmente acordou.
Engasgando com a própria respiração, ele se sentou direito na cama, tentando se acalmar.
Tinha alguma coisa na cabeça dele.
Tinha literalmente alguma coisa na cabeça dele.
Curvado, ele abaixou a cabeça, puxando o máximo de ar que conseguia, com os pulmões queimando, como se ainda estivesse se afogando naquele pesadelo.
Merda.
Merda, merda!
Tinha realmente alguma coisa na cabeça dele, apagando as memórias dele.
E ele só percebeu agora.
Joonghyuk tentou puxar o ar com dificuldade, como se o oxigênio tivesse sumido do quarto. Ele fechou os olhos, respirando com força, a cabeça baixa, as mãos trêmulas.
Tinha algo errado.
Muito errado.
Não era só um sonho.
Não era só um delírio.
Tinha mesmo alguma coisa dentro da cabeça dele. Um monstro. Um fragmento do Pesadelo, exatamente como OD tinha dito.
Um fragmento do Pesadelo.
Distorcendo suas lembranças, apagando suas memórias, invadindo seus sonhos, mexendo com as partes mais vulneráveis de seu ser, que esteve durante todo esse tempo enterrado no canto mais profundo da sua mente.
Manipulando o que ele lembrava.
O que ele sentia.
O que ele era.
Joonghyuk soltou pesadamente o ar pelo nariz e se jogou para trás, se deixando cair de costas no chão gelado novamente, os olhos agora fixos no teto, com o peito ainda subindo e descendo rápido demais.
Dokja...
Dokja, como ele estava?
Porra, ele realmente precisava ver Dokja agora.
Ter certeza que ele estava bem.
Vivo.
Ele precisava se certificar de que ele ainda estava vivo.
Precisava ter certeza.
Yoo Joonghyuk conhecia bem esse tipo de habilidade mental. Mais do que ninguém, ele sabia o quão traiçoeiras e perigosas elas poderiam ser.
Ele era um caçador experiente, já tinha enfrentado todo tipo de situação, lidado com todos os tipos de pessoas antes.
Mas isso…
Ele nunca imaginou algo assim.
Um monstro.
Um monstro tão covarde.
Que usava das suas fraquezas para te atingir.
Que imitava pessoas.
Um monstro tão inteligente.
Isso sequer fazia sentido?
Um monstro inteligente?
Parecia loucura.
Mas porra...
Ele não queria passar por isso de novo.
Nunca mais.
Ele fechou os olhos por um segundo, e os abriu de novo, quase imediatamente.
Era de madrugada ainda. Mas ele não ia dormir de novo.
Ele não conseguiria, nem se quisesse.
O monstro...
Estava morto agora, certo?
Ele engoliu em seco.
Estava morto?
Ele tinha realmente matado aquela coisa?
Como ele saberia disso?
Como ele conseguiria saber se ainda estava vivo ou não?
E se aquela coisa ainda estivesse lá, e tentasse de novo?
Ele realmente não ia conseguir dormir.
Não enquanto aquela coisa ainda pudesse estar viva, dentro da cabeça dele.
...
Mas, e se...
Porra.
E se era por isso que ele não se lembrava de Dokja?
Ele apertou os olhos, tentando afastar o pensamento.
Não.
Isso era impossível.
Impossível.
Mas...
Não, ele tinha começado a se esquecer de Dokja antes mesmo da formatura do colégio.
Ele começou a esquecer de Dokja por causa do trauma, foi uma resposta do cérebro. O apocalipse nem tinha começado nessa época, então era impossível.
Era impossível.
Era impossível um monstro desse ter aparecido antes do apocalipse começar, antes da primeira quebra de portal acontecer.
Impossível.
Eles não tinham ligação alguma.
Yoo Joonghyuk fechou os olhos com força e soltou o ar lentamente, esfregando o rosto com ambas as mãos, exausto.
Ele estava mentalmente esgotado, mas ainda estava com a adrenalina correndo nas veias.
Porra.
Ele realmente precisava agradecer OD. Se não fosse por ele, pelas palavras dele, gravadas em sua mente, repetindo “não é real” sem parar, ele teria acreditado.
Ele realmente teria acreditado naquela ilusão.
Mas, mais uma vez, OD o salvou.
Mesmo não estando mais ali, OD continuava o ajudando.
Que irônico.
Pesadelo, huh?
É.
O nome não podia ser mais apropriado.
Aquela porra era definitivamente um Pesadelo.
「• • •」
Quando Gilyoung acordou, de manhã, Joonghyuk já tinha preparado o café da manhã. No fim, ele não dormiu — e nem conseguiria, mesmo se tentasse.
Só de pensar naquela coisa, o corpo dele se arrepiava desagradavelmente.
Ele nunca imaginou que teria "medo" de enfrentar um monstro. Mas aquele... aquele brincava com os traumas dele. Com a mente dele.
E se existia algo que Yoo Joonghyuk odiava mais do que qualquer coisa, era perder o controle da própria cabeça.
Ele era alguém que nasceu para liderar, ele era forte, ele tinha que ser confiável, ele precisava ser aquele que mantinha a calma. Então, sempre que algo o fazia perder o controle, ele simplesmente queria surtar e acabar com tudo.
Então ser forçado a ver Dokja morto, pior, ser forçado a matá-lo com as próprias mãos — mesmo que em um pesadelo — fodeu completamente com o psicológico dele.
E agora, com Dokja verdadeiro ainda no hospital, completamente indefeso e sozinho, o medo era ainda pior. Por mais que dissesse a si mesmo que era só um sonho, a angústia não era.
Ela era real.
Só o pensamento dele chegar no hospital e descobrir que Kim Dokja tinha desaparecido novamente, ou pior, morrido, era angustiante.
Era angustiante pra caralho.
Porra, ele estava assustado pra caralho.
"Está tudo bem?" Gilyoung perguntou enquanto mastigava o café da manhã, com a boca cheia de panqueca.
Mesmo que ele estivesse tentando disfarçar, até uma criança conseguia perceber o quão tenso e estranho ele estava.
"Ótimo." Joonghyuk respondeu seco, mas ele estava claramente mais tenso e cauteloso. "Coma logo. Nós precisamos sair."
Gilyoung passou o resto da manhã inteira perguntando para onde eles iam. E, por mais irritante que fosse, aquilo ajudava Joonghyuk a não enlouquecer.
O plano era passar em casa primeiro, deixar Gilyoung com a babá e Mia, checar se sua irmãzinha estava bem e só depois ir para o hospital, sozinho, e calmo. Mas ele estava tão desnorteado que não pensava em nada além de Dokja.
Ele precisava ter certeza que ele estava bem.
Ele precisava ter certeza que ele não tinha desaparecido.
Ele precisava.
Precisava.
Joonghyuk nem sequer conseguiu escutar e prestar atenção quando Gilyoung começou a falar animadamente sobre como o carro dele era grande e legal. Ele só dirigiu direto para o hospital, a toda velocidade.
“Seja bem-vind—” O recepcionista abriu um sorriso tenso e ensaiado. Já acostumado a ver Joonghyuk ali todos os dias.
"Onde?" Ele cortou abruptamente, sem paciência para trocas fúteis de gentilezas.
“Nossa Doutora Lee está no—”
O pobre recepcionista nem conseguiu terminar de falar, pois Yoo Joonghyuk já tinha ido embora, deixando-o para falar sozinho, enquanto praticamente arrastava Lee Gilyoung pelo corredor.
E o garoto agora também estava quieto, entendendo exatamente para onde estavam indo.
Lee Seolhwa estava em um dos corredores, conversando com outro médico, quando Yoo Joonghyuk a avistou.
Ele apertou a mão de Gilyoung com um pouco mais de força, mas não o suficiente para machucar, apenas para se lembrar de que não estava sozinho enquanto acelerava o passo para chegar na médica.
E não levou muito tempo para ela notar ele.
Seolhwa interrompeu a conversa ao vê-lo se aproximar. O sorriso educado e profissional surgiu automaticamente no rosto dela.
"Bom dia, Joonghyuk-ssi." Ela acenou educadamente com a cabeça. "Como foi a sua manhã?"
Ele nem se deu ao trabalho de responder algo tão banal como isso, sendo curto e direto para o que realmente importava agora.
"Cartão. Eu preciso que você destranque a porta." Sua voz era tensa, séria, urgente. "Agora."
Seolhwa manteve o sorriso educado sem vacilar, mas seus olhos foram diretamente para o menino ao lado de Joonghyuk, avaliando rapidamente a situação.
"Claro." Ela assentiu e começou a andar na frente, guiando-os. "Vejo que trouxe companhia hoje."
Enquanto ela tirava o cartão de identificação do bolso do jaleco, Joonghyuk a seguiu em silêncio. Gilyoung também não disse uma palavra.
O quarto de Kim Dokja ficava em uma ala particular restrita. Ela só era acessível com o cartão de identificação da equipe médica, e só os médicos designados para o trabalho poderiam entrar, para controlar quem entrava e saía, e monitorar as atividades médicas, em caso de qualquer ação suspeita. Segurança reforçada, era só uma forma de proteger os pacientes, normalmente pessoas que precisavam de mais segurança e privacidade.
Esse era um dos melhores hospitais de Seul, então eles precisavam atender caçadores, muita das vezes, até o próprio Rei Supremo e sua equipe, então eles precisavam ter a capacidade para atender uma figura pública tão grande e poderosa. Inclusive, a segurança necessária para isso.
No caso de Kim Dokja, Yoo Joonghyuk estava pagando por esse tratamento privado mais intensivo simplesmente porque ele queria, por mais que Dokja não fosse um caçador ou uma celebridade, e nem tivesse necessidade de ter um quarto tão protegido.
Não era paranóia.
Ele simplesmente achava que era necessário.
Mas era esse tipo de coisa que tornava aquele o hospital mais caro de Seul. E o melhor.
E também, era o único hospital que Yoo Joonghyuk frequentava e confiava deixar Kim Dokja internado, sem que ele fugisse no instante em que acordasse.
Quando chegaram à porta, Lee Seolhwa passou o crachá no leitor, destravando a trava eletrônica, que apitou ao ser aberta.
Joonghyuk entrou sem esperar, puxando Gilyoung junto. O menino soltou um suspiro audível assim que viu quem estava deitado na maca, inconsciente.
"Vá." Joonghyuk soltou a mão do menino, empurrando-o gentilmente em direção a maca. "É o seu pai."
Gilyoung hesitou, com os olhos arregalados, mas assentiu devagar. Ele mordeu o lábio inferior, nervoso, e caminhou até a maca.
Kim Dokja continuava exatamente como da última vez que Yoo Joonghyuk o viu. Dormindo profundamente, completamente imóvel. Sua pele pálida, com as olheiras fundas, os lábios secos e rachados, tudo parecia normal.
Ele ainda estava inconsciente.
Mesmo assim, o alívio no peito de Joonghyuk ao vê-lo era quase sufocante.
Graças a Deus, ele estava bem.
Ele não estava machucado.
“P-pai...” Gilyoung sussurrou, a voz trêmula, como se temesse que a palavra soasse estranha ou errada. Mas pareceu certo. Simplesmente parecia o certo, então ele continuou. “Pai...”
Ele se aproximou devagar, cautelosamente, e, hesitantemente, tocou a mão de Dokja, com cuidado, como se o homem fosse feito de vidro.
Estava gelada.
Muito gelada.
O menino soluçou baixinho, mas assim que sentiu o contato, se jogou sobre o peito do homem inconsciente, abraçando-o com força, enquanto os ombros sacudiam silenciosamente com cada soluço.
Por mais ansioso que ainda estivesse por causa do pesadelo, Yoo Joonghyuk não se intrometeu.
Esse era um momento entre pai e filho. Gilyoung já tinha passado tempo demais longe de Dokja, e Joonghyuk decidiu apenas observar, em silêncio, permitindo que o garoto tivesse seu momento.
Enquanto observava a cena com os braços cruzados, ele sentiu uma aproximação repentina do lado dele. Lee Seolhwa se inclinou levemente, como se quisesse sussurrar algo no ouvido dele.
Por instinto, ele deu um passo para trás, ainda em alerta por causa do sonho. Ela o encarou com uma expressão de confusão, e ele limpou a garganta, sem jeito, antes de se inclinar na direção dela para escutar o que ela tinha para dizer.
"O avaliador enviado pelo Centro chegará por volta das onze da manhã." Ela sussurrou, mantendo a voz baixa para não atrapalhar Gilyoung. "Então, poderemos verificar se ele é um despertado ou não."
Um avaliador?
Ah, merda.
É verdade, ele tinha se esquecido disso.
Joonghyuk quase se socou mentalmente.
Claro.
Ele mesmo tinha solicitado o serviço.
Mas ele estava tão estressado por causa dos últimos eventos que se esqueceu completamente disso.
Ele não conseguia usar [Avaliação] em alguém inconsciente, a habilidade simplesmente não funcionava com um alvo nesse estado.
Mas os avaliadores do Centro vinham com equipamentos próprios para medir o nível de mana no corpo, o que permitia determinar se alguém era um despertado ou não só pelo nível de mana.
Se fosse abaixo de cem, era um não-despertado. Se fosse acima de cem, era um despertado. Era um teste simples, apenas para identificar se alguém era um despertado ou não, nada realmente complexo, como medir o nível do rank.
Não era um teste completamente preciso ou cem por cento confiável, especialmente em relação ao rank, mas era o suficiente para uma análise preliminar.
Para uma avaliação completa — e para obter uma licença de caçador — era necessário ir até o próprio Centro, realizar os exames oficiais, passar por uma breve entrevista e alguns processos irritantes e burocráticos.
Ou seja, se Kim Dokja fosse mesmo um despertado, e se Yoo Joonghyuk quisesse tê-lo oficialmente na N’Gai, ele teria que levá-lo ao Centro, registrar seu rank e emitir uma identificação oficial de caçador.
Sem isso, ele não poderia atuar legalmente como um caçador.
Um pouco estressante, mas não era nada realmente muito complexo. Nada que Yoo Joonghyuk não fosse capaz de lidar.
Na verdade, para um cara que poderia facilmente falsificar o rank de um caçador e emitir uma licença falsa, isso era mamão com açúcar. Os benefícios de ser um Rank S, poder era tudo.
"Mm." Ele resmungou em resposta, ajustando a postura para ficar reto novamente.
Joonghyuk conferiu brevemente o relógio no pulso. Eram nove horas ainda. Ele teria que esperar mais um pouco até às onze.
Mas isso não era um problema. Ele poderia esperar com Gilyoung ali mesmo, no hospital. Eles já tinham tomado café da manhã em casa, afinal de contas.
「• • •」
Em algum momento, Lee Seolhwa saiu do quarto, deixando Yoo Joonghyuk e Lee Gilyoung sozinhos com o paciente.
O menino estava escorado em Joonghyuk, brincando distraidamente com os dedos inertes de Dokja, enquanto Joonghyuk, em silêncio, acariciava gentilmente os cabelos do homem inconsciente, esfregando as unhas cuidadosamente no couro cabeludo do outro, observando atentamente seu rosto sereno.
Yoo Joonghyuk estava tão distraído quanto Lee Gilyoung, apenas encarando, em silêncio, o rosto adormecido de Kim Dokja, sem pensar em nada particular.
Mas o momento de silêncio foi interrompido pelo som da porta apitando antes de destravar.
Os dois, arrancados de suas distrações, se viraram imediatamente para encarar os recém-chegados que entraram pela porta, um homem e uma mulher vestidos com o uniforme do Centro de Despertados, seguidos por Seolhwa logo atrás, que entrou por último e fechou a porta silenciosamente.
"Boa tarde." Cumprimentou o homem com um aceno profissional e um semblante sério. "Somos do Centro de Despertos de Seul. Fomos enviados para conduzir a avaliação."
"Olá. Boa tarde." Repetiu a mulher ao lado dele, sorrindo largamente, muito menos rígida que o colega dela. "É uma honra conhecê-lo pessoalmente, Rei Supremo."
Joonghyuk não respondeu, apenas grunhiu em reconhecimento, pouco interessado nas formalidades. Ele só queria que eles fizessem o trabalho deles e fossem embora, o mais rápido possível.
"Iniciaremos o procedimento, então." O avaliador informou, fazendo uma breve reverência para Joonghyuk antes de se aproximar da maca. "Com licença."
Gilyoung, por outro lado, parecia fascinado, assistindo os dois avaliadores trabalharem com os olhos praticamente arregalados, brilhando de curiosidade.
Os dois avaliadores começaram a trabalhar de forma rápida e coordenada, com Lee Seolhwa ao lado deles auxiliando nos procedimentos. Eles furaram o dedo indicador de Kim Dokja e retiraram uma pequena amostra de sangue, colocaram dentro do equipamento do leitor de mana e posicionaram o medidor de mana próximo ao tórax do paciente, para medir a quantidade de mana que tinha correndo pelo corpo.
O processo todo levou cerca de dez minutos, para analisar o sangue, coletar a quantidade de mana e ler a frequência de mana produzida pelo corpo de Dokja.
"Isso é..." Enquanto falava, a avaliadora franziu a testa, ajustando os óculos no rosto enquanto lia o resultado mostrado no medidor. Sua expressão ficou confusa. "Desculpem, mas... isso... isso não está certo. Devo ter calculado errado."
Yoo Joonghyuk imediatamente enrijeceu, entrando em alerta ao escutar o comentário da avaliadora logo após sair o resultado da leitura de mana.
O que significava isso?
Algo estava errado?
Dokja estava bem?
Eles repetiram o mesmo processo novamente, Lee Seolhwa também não parecia muito convicta sobre o resultado final. Mas, quando se passou mais dez minutos e o resultado finalmente saiu, a reação foi a mesma.
"Zero ponto zero sete de mana." O outro avaliador, o homem, anunciou o resultado em voz alta, inexpressivo, ao ler o medidor. "O nosso medidor de mana deve estar com erro de leitura. Isso é impossível."
0.07
Essa era a quantidade de mana que o medidor estava mostrando que Dokja tinha.
Mas, como o próprio avaliador disse, isso era impossível. Não existia tecnicamente ou hipoteticamente nessa situação, era simplesmente impossível.
Nem os não-despertados tinham níveis tão baixos de mana. Um civil comum, não despertado, registrava ao menos uma quantidade de 40 de mana. No mínimo. Essa era a quantidade média para os não-despertados.
Ninguém, absolutamente ninguém, tinha zero de mana.
Mana existia em literalmente todo ser humano.
Não só os seres humanos, mas qualquer ser vivo tinha mana.
0.07 sequer chegava a ser 1 de mana.
Mana era essencial para a vida.
Desde que o mundo mudou, a mana se tornou essencial para a vida, para a sobrevivência dos humanos.
Ninguém conseguia sobreviver sem ela.
Mana foi usada para suportar o apocalipse, para melhorar a qualidade de vida, para aprimorar a tecnologia e para criar coisas que o mundo, há dez anos atrás, jamais imaginou ser possível.
Coisas que, dez anos atrás, pareceria pura ficção. E que agora, essa "ficção" era o normal.
Mana tinha se tornado um recurso essencial para literalmente tudo. Tudo.
Todos, até mesmo os não-despertados, possuíam pelo menos uma quantidade mínima de mana circulando. Não ter mana ou a capacidade para suportar a mana significava, em termos simples, morrer.
Porque tudo, absolutamente tudo, tinha mana.
Pense nas pessoas como balões. Existem balões grandes e balões pequenos, e cada um suporta uma quantidade diferente de ar. Se você acabar enchendo demais um balão pequeno, ele estoura.
Era exatamente assim com os não-despertados. Seus corpos simplesmente não nasceram aptos para lidar com tanta mana. Mas, ainda assim, eles tinham mana, por mais mínima que fosse a quantidade.
Por mais essencial que a mana fosse, ela ainda era um recurso desconhecido e perigoso, apesar de dez anos terem se passado desde a sua descoberta. Ninguém sabia explicar exatamente o que era a mana, ela simplesmente existia, e a humanidade naturalmente usava desse recurso.
Caçadores, por exemplo, acumulavam grandes quantidades de mana em seus corpos. Caso um não-despertado fosse exposto a essa densidade de mana por tempo demais, isso poderia colocá-lo seriamente em risco. O nível e a quantidade abrupta de mana sendo liberada poderia causar tonturas, fraquezas, desmaios, até mesmo morte.
Era exatamente como um balão estourando após ser enchido além do suportado.
E é por isso que, em hipótese alguma, um civil, especialmente um não-despertado, deveria se aproximar, muito menos entrar, em um portal. Os portais eram ricos de mana, ao ponto de que, a quantidade e a intensidade liberadas pelos portais só poderiam ser suportadas por um caçador.
E, dependendo do nível, nem mesmo os próprios caçadores conseguiam suportar a densidade da mana de um portal. Por isso, caçadores de rank inferior raramente entravam em portais de nível alto, a menos que estivessem acompanhados por uma equipe de rank superior.
Foi por isso que tantas pessoas morreram nos primeiros dias do apocalipse. Seus corpos simplesmente não aguentaram a concentração repentina de mana presente até mesmo no ar. E mesmo que não intencionalmente, os corpos absorviam a mana. Era simplesmente uma reação natural. E um balão que já está cheio, se continuar sendo inflado, inevitavelmente, explode.
Era noção básica.
Para sobreviver nesse mundo, as pessoas, a humanidade precisou se adaptar à mana e aprender a conviver com ela. E quem não conseguia, simplesmente morreria. Por mais injusto que fosse, era assim que o mundo era.
Essa era a realidade.
Sem a mana, os monstros teriam destruído completamente o planeta e aniquilado a humanidade. Sem a mana, os caçadores jamais teriam sido capazes de lutar e de resistir ao apocalipse. Sem a mana, a maioria das armas utilizadas pelos militares hoje sequer funcionaria.
Porque agora o mundo era outro.
E nada, absolutamente nada do que antes era considerado “normal” tinha capacidade de lidar com as ameaças da atualidade.
Nada.
Era impossível alguém sobreviver sem mana. Simplesmente impossível. Todo mundo tem mana, até os não-despertados.
Mas, agora mesmo... eles estavam dizendo que a quantidade de mana em um adulto de vinte e oito anos era apenas de 0.07?
Não, isso era impossível. Impossível. Eles tinham que ter cometido algum erro, ou os equipamentos deles simplesmente estavam com defeito.
"Se for necessário, posso me oferecer como comparação." Lee Seolhwa disse, olhando para o medidor com uma expressão séria. "Podem testar em mim, vamos ver se o aparelho está realmente com defeito."
Os avaliadores aceitaram rapidamente a oferta e, como ela mesma se ofereceu, eles iniciaram o procedimento com a médica como referência dessa vez. Seolhwa estendeu o braço, para agilizar o processo, enquanto a outra avaliadora ajustava o medidor e retirava uma pequena amostra de sangue para o teste.
E em menos de dez minutos após a coleta, o aparelho exibiu o resultado.
500+ de mana.
Esse era o valor máximo que aquele pequeno modelo portátil conseguia registrar. Mas era mais do que o suficiente para o propósito dele, que era para mostrar se uma pessoa era um despertado ou não.
E Seolhwa era uma despertada, então, o aparelho funcionou como normalmente.
"Funcionou perfeitamente." O outro avaliador disse, franzindo o cenho. "Troque a lanceta. Vamos repetir mais uma vez."
Sua colega não questionou. Ela descartou o material anterior em um recipiente apropriado, encaixou uma nova agulha no lancetador e preparou uma nova fita de absorção para a coleta.
Mais uma vez, retiraram uma amostra de sangue de Kim Dokja, posicionaram o medidor sobre o tórax, e recomeçaram o procedimento. O processo todo foi o mesmo.
Os dez minutos seguintes pareceram uma eternidade para Joonghyuk, que estava começando a ficar impaciente e, tinha certeza que, se ficasse mais um minuto naquilo, enlouqueceria.
Quando o medidor finalmente apitou, indicando o fim da análise, a avaliadora suspirou ao ver o resultado.
"O resultado..." Ela tirou os óculos, como se isso fosse mudar o que estava vendo. "Caiu."
O outro avaliador deu um passo à frente, tomando o aparelho das mãos da colega de trabalho e checando o resultado ele mesmo.
"0.01 de mana." Ele anunciou em voz alta, franzindo ainda mais o cenho para o medidor, como se a coisa tivesse acabado de ameaçar a família dele. "É praticamente um zero."
Joonghyuk não conseguia acreditar no que estava escutando.
Zero ponto zero um?
Zero?
Isso era um erro.
Essa era a única explicação plausível.
"Doutora Lee." O avaliador se virou para encarar Lee Seolhwa, sério. "O sistema desse hospital... os equipamentos hospitalares, monitores cardíacos, ventiladores, bombas de infusão... todos eles são alimentados com pedras de mana para funcionar, estou correto?"
"Sim, claro." Seolhwa respondeu rapidamente. "Todos os nossos equipamentos são de última geração, compatíveis com mana."
O avaliador ficou em silêncio por um momento, antes de correr para arrancar os equipamentos como se estivesse lidando com material radioativo.
"Desligue tudo. Imediatamente." O avaliador nem se preocupou em esconder o alarme na voz, já recolhendo os próprios instrumentos de trabalho que trouxe consigo, como se estivessem contaminados. "Não sei o que está acontecendo aqui, mas... a mana está sendo drenada e—"
O monitor cardíaco apitou repentinamente.
Uma linha reta e contínua.
Sem frequência.
Sem pulso.
Yoo Joonghyuk, que até então tinha decidido não interferir para não atrapalhar, pulou da cadeira no segundo em que o som contínuo do monitor cardíaco apitando ecoou pelo quarto.
Ele conhecia bem isso.
Essa linha reta na tela era inconfundível.
Sem batimentos.
"Merda! QUE PORRA É ESSA?!" Ele gritou, a voz carregada de desespero. "Seolhwa?! O que tá acontecendo?!"
Sem nem pensar duas vezes, ele correu e empurrou um dos avaliadores com força para tirá-lo do caminho, enquanto avançava desesperadamente até a maca para verificar Dokja, sem se importar com a mulher que ele empurrou, que cambaleou e quase caiu no chão.
Ele tinha coisas mais importantes para se preocupar agora, como Dokja.
Dokja estava pálido.
Porra, muito pálido.
"DOKJA!" Joonghyuk agarrou os ombros dele, sacudindo-o como se isso fosse acordá-lo. "VOCÊ NÃO VAI FAZER ISSO COMIGO, SEU FILHO DA PUTA!"
"Joonghyuk-ssi, acalme-se e afaste-se, por favor! Você vai piorar a situação!" Seolhwa interveio, firme e rápida, já pressionando o botão de emergência na parede. "Código azul, quarto 511! Equipe de suporte IMEDIATO!"
Gilyoung pulou da cadeira com os olhos arregalados, assustado. Ele tinha ficado quietinho e comportado até agora, mas a gritaria e o pânico que tomou o quarto tão abruptamente o deixou assustado.
O pobre garoto não sabia o que estava acontecendo agora, mas de uma coisa ele tinha certeza.
O pai dele não estava bem.
Yoo Joonghyuk ainda estava tentando, em vão, acordar Dokja, sacudindo-o desesperadamente, como se isso fosse de alguma forma trazê-lo de volta.
Suas mãos estavam tremendo enquanto segurava Dokja. Tremendo pra caralho.
Ele estava com medo.
Muito medo.
"Não faz isso comigo agora, Dokja...! Porra, por favor..." Joonghyuk sussurrou com a voz trêmula, os olhos arregalados. "Acorda... acorda, porra...!"
Lee Seolhwa assumiu o controle da situação rapidamente, antes que pudesse piorar ainda mais.
"Por favor, afaste-se!" Seolhwa avisou, já colocando as luvas cirúrgicas enquanto uma das auxiliares, chamada pelo botão de emergência, entrava correndo com o carrinho de reanimação.
"Paciente em parada cardíaca!" Seolhwa anunciou em voz alta. "Desfibrilador! Adrenalina, 1mg, intravenoso, AGORA!"
Instruções fluíam sem parar da boca de Seolhwa, enquanto ela se movia com uma rapidez cirúrgica.
Joonghyuk finalmente recuou, cambaleando, tremendo e ofegando, enquanto assistia, com o coração na boca, Seolhwa posicionar as pás do desfibrilador sobre o peito de Kim Dokja.
E ele simplesmente não conseguia fazer porra nenhuma além de assistir.
Só assistir.
Porque ele era inútil.
Inútil.
Completamente inútil.
「• • •」
Yoo Joonghyuk foi retirado do quarto à força, junto com Lee Gilyoung. Kim Dokja estava em um estado crítico, e com os dois em pânico lá dentro, só estavam atrapalhando.
E agora, do lado de fora, Yoo Joonghyuk não estava menos angustiado. Ele estava sentado no banco do corredor, curvado para frente, os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos enterradas nos próprios cabelos, cabeça abaixada. Seu pé estava batendo no chão sem parar, rápido, uma resposta do corpo dele aos níveis elevados de estresse que estava suportando.
Gilyoung estava encolhido ao lado dele, tremendo, os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar. O menino tinha chorado em silêncio praticamente o tempo todo, agarrado à manga da blusa de Joonghyuk.
O pobre menino não parava de chorar desde ontem. E Joonghyuk também não tinha forças para confortá-lo, principalmente naquela situação.
Quarenta minutos se passaram até a porta finalmente se abrir. Quando viu Seolhwa sair, Joonghyuk se levantou imediatamente da cadeira, o corpo inteiro tenso e nervoso
Ela estava com o jaleco desalinhado, os cabelos presos às pressas, luvas descartáveis ainda nas mãos.
Mas era o olhar dela que mais o assustava.
Frio.
Impassível.
Como se ela estivesse carregando uma bomba relógio em palavras.
Ele prendeu a respiração por um momento, com o coração martelando no peito.
Ele estava com medo.
Com medo de perguntar.
Com medo de saber a verdade.
"Como ele está?" Joonghyuk perguntou, urgente, a voz rouca e áspera.
Mas Lee Seolhwa apenas o encarou em silêncio.
Não respondeu.
Não reagiu.
Ela só o encarou, séria. O olhar clínico, rígido.
Não...
O estômago dele se revirou.
Seus olhos se desviaram instintivamente para a porta fechada atrás dela. E depois voltaram para ela.
Não.
Não.
Não, não, não.
Isso não.
Por favor, não.
"O que acontec—" Ele tentou falar, exigir uma resposta, engolindo em seco, mas Seolhwa o interrompeu.
"Quem é Kim Dokja, Yoo Joonghyuk-ssi?" O tom dela era gélido, quase ríspido.
Joonghyuk piscou, sem saber como reagir. O que aquilo tinha a ver com a porra da pergunta dele?
"…O quê?"
"Você tem certeza de que conhece esse homem?" Ela continuou, a voz estranhamente baixa, como se estivesse... desconfiada?
"Seolhwa... ele está vivo ou não?" Joonghyuk apertou o maxilar, tentando controlar a voz, apesar do desespero crescendo dentro dele. "Só me responde isso, por favor."
Mas ela não o respondeu. Seus olhos continuaram fixos nele, mas, ela não estava falando nada com nada. Nada em particular. Só perguntas estranhas que, naquele estado de mente, Joonghyuk não conseguia entender.
"Esse homem..." Ela olhou para a porta atrás de si com um olhar frio. "Ele sequer é humano?"
"SEOLHWA!" Joonghyuk gritou, a voz desesperada e embargada, o rosto contorcido em raiva, pânico e medo, tudo de uma vez. "Só me RESPONDE, pelo amor de DEUS!"
Ela deu um pequeno sobressalto com a explosão repentina dele, mas não recuou.
Seolhwa o encarou de volta, em silêncio.
Depois, ela respirou fundo e relaxou os ombros.
Por um momento, tudo o que Joonghyuk escutou foram as batidas frenéticas do próprio coração e suas respirações pesadas.
Nada mais.
"Ele está bem." Ela suspirou pesadamente.
Quando Lee Seolhwa finalmente respondeu, dizendo que Dokja estava bem, Yoo Joonghyuk sentiu os ombros desabarem, e soltou o suspiro mais aliviado de toda a sua vida.
Porra.
Ele realmente achou que ia enlouquecer ali, no meio daquele maldito corredor.
"O m-meu pai… ele tá b-bem…?" A voz fraca e trêmula de Lee Gilyoung cortou o silêncio. Ele ainda estava encolhido na cadeira, com os olhos inchados e o rosto todo molhado de lágrimas. Mesmo assim, ele se levantou devagar, esfregando os olhos com a manga do casaco. "É v-verdade…?"
Seolhwa finalmente olhou para o garoto. E por um instante, o rosto dela vacilou, como se a tensão da situação a tivesse feito esquecer completamente de que tinha uma criança ali, esse tempo todo.
O peito dela apertou ao ver os olhinhos inchados do garoto.
"Sim." Ela respondeu mais suavemente agora, com um sorriso fraco. "Seu pai está bem, ele é um homem forte. Eu sinto muito por ter assustado vocês."
Gilyoung soluçou de novo, os ombros ainda tremendo, mas ele parecia realmente aliviado. O menino esfregou os olhos com força, tentando acabar com o choro, e respirou fundo, como se pudesse forçar o coração a desacelerar.
"Podemos vê-lo?" Joonghyuk perguntou logo em seguida, a urgência ainda evidente na voz.
Lee Seolhwa hesitou, lançando um olhar cansado para a porta atrás de si.
Parecia que algo estava errado .
“Sim, claro…” Ela respondeu, soltando um suspiro pesado. “Mas não por muito tempo. Ele precisa descansar.”
Ela pareceu realmente querer acrescentar algo, mas parou no meio da frase, engolindo as palavras. Depois, apenas abriu espaço no corredor e apontou para a porta.
「• • •」
No fim, eles realmente não puderam ficar por muito tempo. Por mais que Yoo Joonghyuk tivesse poder o suficiente para forçar, para ficar, ele decidiu respeitar as orientações médicas. Isso era pelo bem de Kim Dokja.
Então, ele deixou que Lee Gilyoung ficasse abraçado ao pai o tempo todo, segurando-o sem soltar, deixando o garoto ter o tempo dele. Yoo Joonghyuk ficou de lado, em silêncio, observando, ainda inquieto, ainda com aquela sensação incômoda presa no peito.
Mas ele só aguentou tudo calado.
Exatamente como sempre fez.
E por fim, veio o resultado.
Kim Dokja era um não-despertado.
Os avaliadores trocaram algumas palavras com Yoo Joonghyuk antes de partir. Disseram que uma nova verificação seria necessária, já que os números pareciam... anormais. Mas um diagnóstico agora seria a prioridade, já que Kim Dokja parecia ter alguma condição instável de mana.
Joonghyuk concordou facilmente com isso, ele só precisaria arrastar Dokja até o Centro assim que acordasse, para fazer uma verificação mais profunda sobre o estado de sua mana.
Lee Seolhwa também agiu estranhamente distante durante toda a conversa, com o semblante mais sério que o habitual. Joonghyuk assumiu que fosse o estresse. Aquela noite tinha sido difícil para todos. E depois de tudo, ela tinha lidado com uma emergência crítica. Era compreensível.
No final da visita, Gilyoung já estava dormindo profundamente com a cabeça no ombro de Joonghyuk quando eles deixaram o quarto. Joonghyuk carregava o garoto com cuidado nos braços, enquanto caminhava silenciosamente ao lado de Seolhwa pelo corredor.
Mas ela parou na porta.
"Vá em segurança." Ela disse, parando no corredor, o olhar fixo nas costas largas dele.
“Obrigado." Joonghyuk respondeu sem se virar, rouco, ainda um pouco abalado. “Cuide bem dele.”
Foi só isso.
Ele não tinha mais nada a dizer.
Com isso, ele continuou andando e desapareceu no fim do corredor.
Mas no instante em que ele passou pela última curva e sumiu, o rosto de Lee Seolhwa se fechou instantaneamente.
Ela imediatamente enfiou a mão no bolso do jaleco branco e puxou o celular, destravando o aparelho com o polegar. Ela tocou no ícone azul — chamativo — e o aplicativo se abriu, revelando uma tela azul.
[MAD.]
Ela franziu o cenho para o nome branco no topo da tela, como um letreiro branco chamativo em meio ao azul, e começou a digitar, com dedos hesitantes.
Mas antes mesmo de enviar qualquer coisa no bate-papo, o aparelho vibrou com uma nova mensagem.
[MAD: Eu sabia que você faria a escolha certa.]
O sangue de Seolhwa gelou.
Ela apertou o aparelho nas mãos com força, os olhos fixos na tela.
Como...?
Como ele sabia?
Ela engoliu em seco, o maxilar cerrado, e girou nos calcanhares, passando o crachá no leitor da porta, destravando a porta. Ela empurrou a porta e entrou novamente no quarto 511.
Tudo estava igual.
Os lençóis, os equipamentos, a maca, tudo estava igual.
Mas ela sabia que não estava.
Estava tudo, tudo errado.
Seolhwa começou a digitar uma resposta no celular, com os dedos trêmulos, como se algo dentro dela estivesse percebendo o quão errado tudo aquilo era.
Ela ia perguntar.
Perguntar como ele sabia.
Mas outra notificação chegou antes mesmo que ela pudesse terminar de digitar.
[MAD: Como eu sei? Eu simplesmente sei.]
Ela parou.
Encarou a tela em silêncio, para aquelas palavras que pareciam zombar dela, que pareciam brincar com ela, que pareciam rir dela, de todo o esforço que ela colocou em tudo aquilo.
Ela apagou a mensagem inacabada, sem sequer tentar enviá-la.
E apenas olhou para o fundo azul, sem falar mais nada, enquanto encarava o nome do aplicativo de conversa brilhando no topo da tela.
Midday Tryst.
Isso começou quando ele chegou.
Kim Dokja.
Lee Seolhwa o atendeu como faria com qualquer outro paciente. Profissional, meticulosa. Mas nada naquelas primeiras horas foi normal. O estado clínico em que ele chegou era simplesmente... alarmante. Múltiplos ossos fraturados, lacerações profundas, órgãos comprometidos.
Mas o pior nem era isso, por mais absurdo que isso soasse.
Nenhuma habilidade de cura funcionava nele. Nem mesmo as dela, de nível A, com uma taxa de sucesso quase perfeita.
E então aconteceu a segunda parada cardíaca desde a entrada dele no hospital.
E dessa vez, foi fatal.
Não tinha salvação.
O monitor disparou com aquele maldito apito contínuo, e por mais que ela tentasse reanimá-lo — compressões torácicas, adrenalina, desfibrilador — nada surtia efeito.
Ele estava morto.
Não clinicamente morto. Morto de verdade.
Ela deu o protocolo e anunciou o óbito. Simplesmente não tinha mais o que fazer. Os enfermeiros começaram a se preparar para recolher o corpo, e ela mesma se preparava mentalmente para dar a notícia a Yoo Joonghyuk.
Mas, no instante em que virou de costas...
Ele voltou a respirar.
Ele ressuscitou.
Sozinho.
Por conta própria.
Totalmente sozinho.
Não só voltou à vida, como acordou e começou a se debater violentamente, gritando, o corpo convulsionando contra os lençóis, se contorcendo, como um monstro selvagem encarcerado.
Nada que ela tentasse — sedativos, medicações, habilidades — surtia efeito.
Ela tentou conter os gritos com uma barreira de som. Não tinha outra alternativa. Ela não podia deixar ninguém ouvir. Ela não podia deixar ele ser visto naquele estado.
Se alguém percebesse que tinha algo de errado com, Seolhwa não sabia o que aconteceria, mas ela sentia, no fundo, bem no fundo, que ninguém teria piedade daquele pobre homem.
Ela não teve outra escolha a não ser selar o quarto com uma barreira de som e deixá-lo... agonizar.
E quando Yoo Joonghyuk exigiu respostas, ela mentiu.
Mentiu sem piscar. Disse que ele estava bem. Que só precisava descansar. Que precisava de repouso. Que não era nada grave. Nada para se preocupar.
Era tudo mentira.
Ela mentiu.
E o fez ir embora.
E então voltou para o quarto.
Mas o que ela encontrou, sendo contido, mantido a força na maca por vários médicos e enfermeiros, simplesmente não era mais humano.
O paciente estava sangrando. Sangrando profusamente. Suas costas estavam abertas, músculos e pele rasgando à força para dar lugar às asas, asas negras, com penas pretas e levemente prateadas, como a de uma criatura demoníaca. Um monstro demoníaco. Chifres emergiam de sua testa, como espinhos perfurando a carne, rasgando para sair, para se libertar.
Seolhwa tentou fazer o possível. Mas naquele momento, percebeu que não tinha nada que ela pudesse fazer.
Lee Seolhwa, por mais que tentasse, não conseguia fazer mais do que observar. Completamente paralisada. Suas habilidades de cura eram inúteis diante daquilo. O que quer que Kim Dokja estivesse se tornando, ela não conseguia impedir.
Ela não conseguia fazer nada.
Seolhwa o amarrou na maca. Pelo bem dele — ou pelo deles.
Ela tentou o ajudar.
De verdade.
Mas o máximo que pôde fazer foi amarrá-lo à cama e assistir, em silêncio, enquanto ele se contorcia e gritava como um animal em agonia.
Como um monstro.
Mas ela sabia. Ela sabia que não poderia manter essa mentira por muito tempo. Em algum momento, Yoo Joonghyuk exigiria vê-lo. E aí... ela não teria mais desculpas.
Mais mentiras para contar.
E foi nesse momento, encurralada, que ele apareceu.
Um número desconhecido.
Ícone sem foto.
Nenhuma identificação.
Nenhuma introdução.
Nem sequer uma saudação.
Só palavras frias e diretas.
[Anônimo: Eu não preciso que você confie em mim.]
[Anônimo: Eu só preciso que você faça o que estou mandando.]
Ela não sabia nem quem era aquela pessoa. Mas sabia, de alguma forma, que ele sabia de tudo.
Ela sabia que não deveria confiar naquele desconhecido. Mas ela também sabia que estava sem opções.
E ele, aquele anônimo, sabia disso também.
Ela, a princípio, não deu atenção.
Nem sequer respondeu.
Mas o desconhecido continuava enviando mensagens sem parar, fazendo spam. Uma atrás da outra, como se não se importasse em falar sozinho. E quando Seolhwa finalmente se irritou o suficiente para bloqueá-lo—
[Anônimo: Sabe, você vai realmente se arrepender se fizer isso.]
Ela encarou a mensagem com o rosto inexpressivo e os olhos frios, o dedo pairando ameaçadoramente sobre o botão de bloqueio.
[Anônimo: Doutora Lee.]
[Anônimo: O que você acha que vai acontecer quando eles descobrirem?]
[Anônimo: O que você acha que a Associação de Caçadores da Coreia do Sul fará quando souber que um homem virou um monstro, bem no território deles?]
[Anônimo: Você realmente acha que eles vão tentar salvá-lo? Não, Doutora. Eles vão matá-lo.]
[Anônimo: Eles vão abrir o estômago dele e estudá-lo. Eles vão fazer experimentos com o cadáver dele, como se ele fosse uma aberração, um simples rato de laboratório, e não um ser humano.]
[Anônimo: Você vai permitir isso, Doutora Lee? Você realmente vai deixar isso acontecer?]
Ela apertou o celular com mais força.
Essa pessoa...
Essa pessoa sabia exatamente como entrar na cabeça de alguém.
[Anônimo: Você realmente vai deixar o seu paciente morrer assim?]
[Anônimo: Depois de tudo o que você fez por ele?]
[Anônimo: Depois do grandioso Rei Supremo ter implorado de joelhos para você o salvar?]
[Anônimo: Você é tão fria. Tão, tão fria.]
[Anônimo: Tão cruel. Tão má.]
[Anônimo: Ah, que desumano!]
Irritante.
Insuportavelmente irritante.
Lee Seolhwa não tinha certeza se estava considerando aquelas mensagens porque levava seu juramento como médica a sério... ou se era apenas porque aquele desgraçado estava conseguindo provocá-la.
[Anônimo: Uau, você é realmente bondosa, Doutora Lee~~~ Tão piedosa!]
[Anônimo: Meu usuário é @M.A.D]
[Anônimo: Me adicione no Midday Tryst.]
[Anônimo: Me avise se não puder pagar a mensalidade, eu pago para você~~~ Mas eu acho que você consegue, né~~~? Tão rica e altruísta, nossa grandiosa Doutora Lee~~~!]
Ela respirou fundo para se acalmar e não acabar, acidentalmente, arremessando o telefone na parede.
Se ela pudesse socar aquela pessoa pela tela, faria isso sem hesitar. E ela nem era alguém agressiva, muito pelo contrário. Mas aquele maldito... cutucava o cérebro dela de uma maneira desagradável.
Ele parecia ter um talento especial para irritar as pessoas.
No fim, ela pagou a droga da mensalidade e criou uma conta naquele aplicativo ridículo. Midday Tryst. Esse era, aparentemente, o lugar onde lunáticos como esse se sentiam em casa. E, com o orgulho pisoteado, ela adicionou o tal do @M.A.D.
Ela realmente não conseguia entender o porquê eles não poderiam conversar por algo normal, como, por exemplo, o KakaoTalk. Era bem mais simples, e gratuito também.
Esse Midday Tryst não era uma plataforma super ultra mega protegida? Qual era a necessidade de usar algo assim?
Quando ela perguntou, a justificativa dele foi:
[MAD: Talvez eu esteja sendo perseguido pelo governo, seja odiado por muitas pessoas, tenha um monte de dívidas impagáveis no meu nome, tenha aplicado alguns golpes aqui e ali, e agora a minha cabeça vale mais do que alguns milhões? Haha~]
Uau.
Seolhwa ficou sem palavras.
Ela realmente ficou encarando a tela por longos minutos, sem conseguir formular uma única palavra para responder aquilo.
Ela deveria mesmo ter bloqueado essa pessoa.
Ela realmente deveria.
·
No começo, MAD foi insuportável. Tão irritante que Lee Seolhwa realmente cogitou bloqueá-lo diversas vezes.
Mas, para o choque dela — e, para seu completo desgosto, ela teve que admitir — quando ele começava a falar sério, quando realmente usava aquele cérebro, até ela tinha dificuldade de acreditar no que estava lendo.
[MAD: Você está me dizendo que nunca pensou nessa possibilidade? Haha~ Que adorável, Doutora Lee! Você é tão ingênua, Doutora~~~]
Mas ele continuava sendo insuportável.
Ser inteligente não mudava isso.
[MAD: Pedras de mana são muito mais do que baterias, Doutora Lee. Elas têm um potencial bem mais amplo do que isso.]
[MAD: Por exemplo, por que todo mundo aceita que só dá para fazer poções com habilidades específicas? Isso não é burrice? Você tem todos os ingredientes nas mãos. Faça você mesma.]
Claro. Como se fosse tão simples assim.
Seolhwa franziu a testa ao ler aquilo.
Fácil falar. Mas como, exatamente, ela deveria fazer isso?
[MAD: Uma pedra de mana verde tem uma taxa alta de sinergia com efeitos restaurativos. Ou seja, regenerativos. Só que pense, use seu cérebro.]
[MAD: Imagine moer uma dessas, misturar com pele ressecada de lagarto azul, aquele que regenera os próprios membros, você sabe.]
[MAD: Então adicione um pouco de musgo, água e ervas medicinais enriquecidas com mana. Esmague tudo até virar uma pasta homogênea. Misture. Esquente. Filtre. E voilà! Poção de cura!]
Ela parou. Leu de novo.
Leu de novo, de novo e de novo.
Uhm... aquilo não soava extremamente... tóxico?
[MAD: Claro, isso só funcionaria com a sua incrível habilidade de cura ativada, oh grandiosa e poderosa Doutora Lee~~~]
Que irritante.
Mas, por mais ridículo que fosse...
Ela estava um pouco relutante. Mas não mentiria, também estava curiosa.
No fim, Seolhwa decidiu testar. Em casa mesmo. Esterilizou a cozinha inteira, organizou os utensílios como em um laboratório, comprou os ingredientes e seguiu as instruções com a mesma precisão cirúrgica que ela tinha no trabalho.
Ela estava certa de que o experimento fracassaria. Afinal, poções só funcionavam porque eram criadas por pessoas com a habilidade específica para isso. E ela? Ela era só uma curandeira.
Ela também nunca pensou que gastaria um sábado inteiro de folga ressecando e triturando pele de lagarto na bancada da cozinha.
Bom...
Experiências da vida.
Ela nunca tinha tentado algo assim antes. Na verdade, acreditava no consenso geral, que poções só podiam ser criadas por quem tivesse a habilidade específica para isso. Era isso o que estava escrito em todos lugares, afinal. Mas, quando ela finalmente terminou...
Um frasco cheio até o topo estava diante dela. Um líquido translúcido, homogêneo, de coloração verde-aguá, levemente brilhante.
Uma pequena avaliação foi o suficiente para confirmar que era, de fato, uma Poção de Recuperação, e de Nível D.
Ela fez uma poção.
Sozinha.
Sem nenhuma habilidade específica para isso.
E ela sequer possuía uma habilidade específica para criar poções. Ela só usou a habilidade de nível A dela, a [Curandeira], e a energia fluiu, transformando aquela gororoba esquisita e nojenta em algo realmente funcional.
Claro. Não era perfeita. Mas para uma primeira tentativa?
Foi... excitante.
Era um tipo de excitação científica que ela não sentia há anos. O tipo de empolgação que fazia ela querer correr para um laboratório e testar tudo de novo, sob todas as variáveis possíveis.
Oh, e ela com certeza ia fazer isso.
Como ninguém pensou nisso antes?
Como?
Como todos aceitaram, sem questionar, que esse tipo de técnica era restrita unicamente a despertados com habilidades específicas?
Despertados sem a habilidade [Criação de Poção] também eram capazes de criar poções, bastava ter a fórmula para isso e saber usar a própria habilidade para criar uma poção.
Não era impossível, mas aparentemente ninguém tentou contrariar isso durante todos esses dez anos.
Eles simplesmente concordaram que era impossível e venderam isso como uma verdade absoluta, que apenas despertados com as habilidades de [Criação de Poção] poderiam criar poções.
Quantos conceitos mais tinham sido tomados como verdade absoluta apenas por conveniência?
Quantas coisas mais ela poderia descobrir?
O que mais?
[MAD: Você não está bem animada? Haha~]
Deus.
Seolhwa estava de bom humor agora.
Mas de tão bom humor, que até aquela risadinha digitada e irritante estava começando a parecer carismática.
Lee Seolhwa fechou os olhos por um momento, encostando-se no balcão da cozinha, com o frasco ainda em mãos.
Ela estava mesmo começando a ver aquele lunático com outros olhos.
·
Foi logo depois disso que Lee Seolhwa começou a se envolver mais seriamente com aquele anônimo, MAD.
Tinha momentos em que ele era absolutamente insuportável, com seus risinhos digitados, sarcasmos e comentários irritantes. Mas era inegável, ele realmente ajudava. Ele era inteligente, perspicaz e, para surpresa de Seolhwa, até agradável de conversar.
Diferente de tantas outras pessoas que só sabiam exibir o próprio ego, MAD era alguém que tentava complementar o que ela falava, tentava construir junto, debater, realmente participar na conversa, ao invés de se gabar e agir como superior.
Quando ela acabava não entendendo alguma coisa, ele parava, realmente parava, para explicar para ela, com toda a paciência do mundo, até ela entender.
Era estranho, até. Mas reconfortante.
Pela primeira vez em muito tempo, Seolhwa sentiu que compartilhava com alguém aquela mesma sede por conhecimento que ela tinha. Toda aquela curiosidade excessiva. Mesmo que MAD fosse completamente maluco.
Ele estava em um nível completamente diferente quando se tratava de loucura.
Era quase irônico o nome de usuário dele ser MAD.
[LaPoison: "MAD", por alguma possibilidade, é porque você é louco?]
[LaPoison: Ou é porque você enlouquece as pessoas ao seu redor?]
[MAD: Haha~ Nossa incrível Doutora Lee tem senso de humor?]
[MAD: E um inglês afiado também. Impressionante!]
[MAD: Mas não, não é isso.]
[MAD: É uma sigla. M. A. D. Uma abreviação.]
[LaPoison: E o que significa, exatamente?]
[MAD: Oh. Eu te deixei curiosa? Que cruel da minha parte.]
[MAD: Mas, infelizmente, se eu te contasse, você teria que morrer.]
[MAD: Eu sou alguém muito procurado, acredite. Haha~~]
Ela revirou os olhos, mas não pôde evitar o sorrisinho que puxou o canto de sua boca.
Uma pena.
Ela estava genuinamente curiosa.
Mas depois de experimentar só um pouco do conhecimento que MAD tinha a oferecer… se ele dissesse que estava sendo perseguido pelo governo, com dezenas de dívidas impossíveis de pagar e centenas de processos judiciais nas costas, ela acreditaria sem hesitar.
Seolhwa não duvidava. Ele realmente parecia alguém que o governo caçaria.
E olha que ela só conversava com ele há três dias.
Esse era o nível de loucura que aquele cara tinha. Isso não era brincadeira.
[LaPoison: É uma pena. De verdade. Eu estava genuinamente considerando te contratar como meu assistente.]
[LaPoison: Eu tenho contatos. Poderia te colocar pra trabalhar no meu hospital.]
[MAD: Haha, que honra.]
[MAD: Mas sabe de uma coisa?]
[MAD: Eu gosto do anonimato.]
Anonimato?
Uau, que misterioso.
Seolhwa bufou, com uma expressão entre o ceticismo e o divertimento.
Que cara estranho.
·
Não tinha muito tempo desde que, com a ajuda e orientação de MAD, Lee Seolhwa desenvolveu uma medicação intravenosa que era capaz de, finalmente, acalmar o paciente Kim.
O único problema era que o efeito sedativo era tão forte que o induzia ao coma.
Um efeito colateral preocupante.
MAD garantiu que aquilo era o melhor cenário possível. Disse que, nas circunstâncias em que eles se encontravam, o ideal era que o paciente permanecesse inconsciente.
Seolhwa tentou questionar mais entender as razões, mas MAD sempre a interrompia antes que ela pudesse pressionar mais. Mudava de assunto, fazia alguns comentários sarcásticos ou simplesmente ignorava a pergunta.
Era um pouco irritante.
Mas, sinceramente, ela também não estava se sentindo confiante o bastante para insistir e pressionar no assunto. Já era raro ela ter encontrado alguém com aquele tipo de conhecimento, com aquele talento, alguém que, por mais irritante e maluco que fosse, parecia genuinamente interessado nos resultados.
Ele era talentoso. Muito talentoso.
E, apesar da desconfiança, Seolhwa se pegou querendo manter contato com aquele desconhecido. Essa colaboração estava rendendo muitos frutos para ser desperdiçada assim, como se não valesse nada.
Ela não poderia correr o risco de perder um talento desses assim, tão facilmente.
Então, no fim, ela apenas seguiu as instruções dele, exatamente como MAD queria que ela fizesse.
Mas, não muito tempo depois, Kim Dokja sofreu outra parada cardíaca. Essa era a terceira vez.
Mesmo sendo a terceira vez, não foi menos desesperador dessa vez.
Seolhwa tentou de tudo, todas as técnicas de ressuscitação que conhecia, usou suas habilidades de cura até a exaustão, mas nada funcionou.
Era simplesmente inútil.
Morte.
Irreversível.
De novo.
Ela encarou o monitor sem sinal por longos segundos, em completo silêncio, com o semblante vazio.
Ela já tinha assumido o pior, já tinha aceitado que era o fim, que tinha sido tudo em vão, quando a notificação de MAD chegou no celular dela, como se ele estivesse observando tudo, o tempo todo.
Como se ele estivesse ali, no quarto, com todos eles. O tempo todo.
[MAD: Pegue o núcleo de um monstro. Qualquer um, independente do nível.]
[MAD: Depois triture o núcleo e administre via oral, misturado com um pouco de água para facilitar a deglutição. Isso vai ajudar a descer mais facilmente.]
Isso era completamente insano.
Era loucura. Totalmente loucura.
Fazer isso ia realmente dilacerar a garganta do paciente.
Triturar o núcleo de um monstro para dar para um paciente engolir era exatamente como fazê-lo engolir vidro moído, já que os núcleos eram cristais.
Essa possibilidade deveria ser indiscutível, completamente inviável. Era muito arriscado, muito perigoso para um paciente.
Mas o pior? Ela nem sequer questionou isso e correu para fazer exatamente o que ele tinha mandado.
Ela pegou o primeiro núcleo que encontrou nos estoques do hospital — um núcleo de classe baixa, de algum monstro nível E — e, com a ajuda de uma sonda, empurrou-o goela abaixo depois de moído, com água suficiente para descer.
Os outros médicos acharam que ela tinha perdido a cabeça. E, em certo ponto, Seolhwa também começou a acreditar nisso. Que estava ficando maluca. Desde que ela conheceu MAD, sua cabeça estava um caos completo.
Mas então, aconteceu.
Não passou nem um minuto.
O pulso voltou.
Kim Dokja voltou a respirar.
Ele...
Estava vivo.
Como se não tivesse, minutos antes, morrido bem diante dos olhos dela.
Ele estava morto, ela tinha certeza.
Ela viu.
Mas os colegas de trabalho começaram a aplaudi-la, começaram a tratar aquilo como um milagre médico, como se ela fosse uma gênia, como se tivesse salvado a vida de alguém que claramente já estava perdido.
Era fácil acreditar nisso, levando em conta que ela era uma despertada de Rank A com habilidades de cura.
Mas não.
Não foi ela.
Ela não tinha salvado ninguém.
Ela não fez nada além de seguir instruções.
Tudo isso tinha sido obra daquela pessoa.
MAD.
Foi então que a pergunta inevitável começou a incomodá-la, cada vez mais...
Quem era MAD?
E quem, ou o que, era Kim Dokja?
Ela não conseguia parar de se questionar.
E isso estava deixando ela maluca.
Porque, no fundo, ela sabia que aquilo não era normal.
Que aquilo — Kim Dokja — não era humano.
Tinha algo muito errado. Ela sabia disso.
Mas, por mais que desconfiasse — e ela desconfiava, e muito — Seolhwa continuou conversando com MAD.
Talvez fosse por curiosidade.
Talvez pela sede de conhecimento.
Talvez porque, no fundo, ela queria acreditar que estava fazendo a coisa certa.
Ou talvez porque, simplesmente, ela queria. Queria continuar.
Ela sabia.
MAD não era alguém confiável.
Ela sabia disso.
Eles não eram próximos. Ela mal sabia se estava lidando com um homem, uma mulher, ou algo completamente diferente.
Mesmo assim, ela continuou.
Não porque confiava nele, mas sim porque queria descobrir mais. Queria aprender mais.
E foi numa dessas noites de folga, enquanto replicava mais uma das experiências malucas dele em seu laboratório improvisado...
—
[Nova habilidade desbloqueada!]
[Envenenadora (C) — Lvl 1]
—
Ela congelou ao ver a janela do sistema.
Uma...
Habilidade?
Ela tinha adquirido uma nova habilidade?
Por quê?
Seolhwa parou absolutamente tudo o que estava fazendo para encarar a janela azul do sistema, brilhando intensamente bem na frente dela.
Como?
Como aquilo era possível?
Não fazia sentido.
Ela não estava em campo de batalha, não tinha consumido nenhum item especial e nem estava tentando desbloquear uma nova habilidade.
Então, como?
Ela não tinha feito absolutamente nada para adquirir uma habilidade nova. E uma de nível C, ainda por cima. Uma habilidade tão forte.
[MAD: Parece que os seus frutos estão começando a dar resultado, haha~]
Frutos?
Ela encarou fixamente o telefone.
Isso foi obra dele?
O coração de Seolhwa bateu mais rápido. Um calafrio percorreu sua espinha.
Quem diabos...
Era MAD?
Lee Seolhwa respirou fundo, apoiando-se contra a porta enquanto encarava Kim Dokja, adormecido na maca. Seu peito subia e descia com respirações regulares, o rosto pálido, tão sereno, tranquilo, pacífico, como se nada estivesse errado.
Ela, ao contrário dele, estava com olheiras, os cabelos brancos bagunçados e as mãos trêmulas.
Como?
Ela pressionou os lábios, formando uma linha rígida, e, com dedos tensos, começou a digitar.
[LaPoison: Como?]
Ela hesitou por um momento, mas logo criou coragem e escreveu mais uma mensagem.
[LaPoison: Como você sabe de tudo?]
Honestamente, ela não estava esperando que ele realmente respondesse aquilo.
Ela esperava que ele desaparecesse, mudasse de assunto ou agisse como um babaca, como ele sempre fazia quando as perguntas ultrapassavam o limite. Mas, para a surpresa dela, a resposta veio quase imediatamente.
[MAD: Como?]
[MAD: Eu simplesmente sei, haha~]
[MAD: Hackear telefones, computadores, câmeras... essas coisas são fáceis demais para mim.]
[MAD: Haha~ Mas não se preocupe! Eu não hackeei o seu celular. Só consigo escutar o que acontece perto dele, haha~]
[MAD: Não tem problema eu escutar o áudio, certo? Não é invasão de privacidade, certo? Eu só escuto às vezes, eu juro!]
[MAD: Você não vai me processar também, não é, Doutora Lee? Por favorzinho~~~?]
[MAD: Eu não tenho dinheiro para pagar outro processo judicial~~~]
Seolhwa estreitou os olhos para a tela do celular, o cenho se contorcendo em desagrado.
Não. Não era isso que ela queria saber. Ela não ligava se ele tinha invadido ou não o telefone dela.
Isso era o de menos, sinceramente.
[LaPoison: Não.]
[LaPoison: Você sabe o que eu quis dizer.]
[LaPoison: Como você sempre sabe de tudo?]
Dessa vez, ele demorou um pouco para responder. E ela notou que ele estava digitando e apagando, como se estivesse escolhendo bem suas palavras.
[MAD: Sabe, eu tenho minhas fontes.]
[MAD: E, aliás, eu já não avisei?]
[MAD: Não me faça perguntas pessoais, Doutora Lee.]
[MAD: Saber demais, muitas vezes, pode ser perigoso.]
[MAD: Haha~~ Claro, isso não foi uma ameaça! Haha... uau, mas que climão pesado, né?~~~]
Lee Seolhwa apertou o telefone com força nas mãos, até os nós dos dedos ficarem brancos.
Ela sabia.
Sabia que ele era alguém perigoso.
Foi graças a essa pessoa que ela conseguiu uma nova habilidade.
Foi com a ajuda dele que ela aprendeu a fabricar poções, usando métodos que ninguém nunca ousou tentar antes.
Foi ele quem desenvolveu a medicação que agora mantinha Kim Dokja sedado.
Foi ele quem a convenceu a colocá-lo em coma.
Era tudo obra dele.
Tudo — absolutamente tudo — tinha começado com MAD.
Ela sabia que não podia confiar nele.
Ela sabia que MAD não era confiável.
Sabia disso desde o começo.
Sabia... e mesmo assim....
[MAD: Eu só gosto muito do meu anonimato, haha~]
Ela mordeu a parte interna da bochecha, encarando fixamente o nome branco no topo do bate-papo do Midday Tryst, na tela do celular.
MAD.
Ela queria—
Não.
Ela precisava saber quem ele era.
Notes:
Foi tão estressante escrever esse capítulo que sinto que queimei alguns neurônios
Por favor, se o capítulo tiver deixado alguma dúvida, me pergunte. Eu terei o maior prazer em responder!
Muita coisa aconteceu nesse capítulo, então eu agradeço muito a quem leu tudo isso. Obrigado!
Sobre o avaliador de mana, sim, eu me inspirei em um medidor de glicose, para quem não percebeu. Toda a parte de furar o dedo com a lanceta e tudo mais foi tirada diretamente disso!
Então sim, o aparelho é basicamente um medidor de glicose. Pois é.
E a coisa toda da mana também vai funcionar como diabetes 1 no geral.
Sobre a parte dos despertados, para quem ficou confuso, aqui vai uma explicação mais resumida:
O ar contém traços de mana por causa dos portais.
Os corpos naturalmente absorvem essa mana, que não é muita, logo, é inofensiva. Mas, se um caçador usar uma habilidade, o que libera uma grande quantidade de mana, isso pode afetar os não despertados ou os despertados com pouca resistência.
Os caçadores, porém, são bem treinados para lidar com mana. Então, caçadores acima do Rank D geralmente não são afetados. Exceto quando um monstro é muito forte ou um Rank S, A, B ou C quer impor autoridade e libera mana intencionalmente.
Parece até omegaverse, né? Tipo um alfa liberando feromônios HAJSJAJSJAJSJ aí Deus
Enfim!
Como foi citado várias vezes no capítulo, não existe ninguém sem mana. Simplesmente não existe.
Por que? Porque todo mundo que não tinha a capacidade de reter mana no corpo morreu nos primeiros dias do apocalipse, sufocado pela quantidade absurda de mana no ar, liberada pelos portais.
E um detalhe importante, que eu não sei se todo mundo percebeu, mas eu NÃO disse que o Kim Dokja não tem mana. Eu disse que o corpo dele estava sem mana.
Se prestarem atenção, vocês vão perceber que a mana dele foi drenada pelos equipamentos hospitalares, que funcionam com pedras mágicas, que, na maioria dos casos, são núcleos de monstros.
Eu espero que isso não tenha ficado tão confuso.
Bom, é isso. Muito obrigado por ler!
Chapter 14: Capítulo 14
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Lee Seolhwa não confiava em MAD. De forma alguma.
Em momento algum ela considerou compartilhar informações pessoais, muito menos estabelecer qualquer tipo de conexão real com aquela pessoa.
Mas, mesmo que ela não dissesse nada, MAD sabia.
Ela não precisava falar.
Ele não precisava que ela falasse.
Porque ele sempre sabia.
Sempre.
Mesmo que ela não dissesse absolutamente nada. Ele sempre sabia.
Ele surgiu de repente, sem aviso algum, já esclarecendo a situação, relatando os fatos com uma precisão perturbadora, e o pior de tudo é que ele estava, de fato, certo.
Certo sobre absolutamente tudo. Sobre a situação em que Lee Seolhwa estava, a situação em que o paciente Kim se encontrava e, o mais perturbador, ele sabia.
Sabia que o paciente Kim supostamente não era mais um homem normal.
E Lee Seolhwa não conseguia entender como ele sabia. Mas ele sempre soube, desde o início.
MAD era perigoso.
Uma entidade sem nome, sem rosto, sem voz, mas com uma mente que parecia sempre seis passos à frente.
E era isso o que MAD era.
Um desconhecido.
Um desconhecido que sabia exatamente o que fazer, quando e como fazer.
Ele sempre soube. Desde o começo.
Essa era a natureza da relação deles. MAD agia como um informante secreto e Lee Seolhwa, agia como uma executora de suas instruções.
MAD instruía e Seolhwa apenas seguia suas instruções sem questionar.
E quem, em sã consciência, não seguiria?
MAD era um gênio.
Um verdadeiro achado.
Um achado que, qualquer um que não fosse estúpido, perceberia o valor.
E ela percebeu.
Mas, por mais que ela estivesse realmente interessada agora — por mais que quisesse, de fato, conhecê-lo agora, mais do que disposta a tentar criar algum laço — dessa vez, era MAD quem não deixava espaço para isso.
Ele nunca tentou se aproximar.
Ele nunca deixou escapar uma informação sequer sobre si mesmo. Nenhum deslize. Nenhuma pista. Nada. Ele nunca sequer tentou algo além do proposto.
Uma simples troca amigável de favores.
Ele entregava a informação e, Seolhwa, como a única que poderia realmente fazer algum uso daquelas informações, as usava.
Exatamente como MAD queria que ela fizesse.
Era assim que funcionava. Não tinha conversas fiadas jogadas fora, nem trocas de gentilezas, nem comentários feitos por casualidade. MAD sempre estava dizendo algo importante, nada era realmente por acaso.
Se ele estava contando algo, por mais estúpido que fosse, não era por acaso. Não era sem motivo. Não era inútil.
Era sempre assim.
Ele sabia tudo.
Mas ela não sabia absolutamente nada.
Principalmente sobre ele.
Era sempre ela no escuro, ele no controle.
Tudo o que ela sabia vinha de fragmentos que ele deixava escapar de propósito, como migalhas jogadas por alguém que queria manter o controle da situação.
E mesmo essas migalhas eram sempre sobre os outros.
Ele sabia tudo. Sobre ela. Sobre Kim Dokja. Sobre Yoo Joonghyuk.
Mas não só sobre eles.
Ele compreendia o próprio sistema.
Ele, aquele anônimo supostamente inofensivo, conhecia e compreendia o funcionamento do próprio sistema em si tão detalhadamente, tão precisamente, tão perfeitamente, que chegava a ser assustador.
Ele, aquela entidade misteriosa, conhecia aquela coisa conhecida mundialmente como "sistema", que se manifestava como uma janela de informações, como ninguém mais conhecia.
Habilidades, despertares, pedras, núcleos, itens, e a própria criação e produção de drogas de difícil acesso, fosse poções, venenos e até medicamentos.
Ele sabia disso.
Sabia, e já tinha deixado claro que sabia. Mas ele nunca explicava diretamente. Ele apenas lançava pistas. Enigmas. Fragmentos de informações que exigiam interpretação.
Fragmentos que, Seolhwa, sozinha, tinha que juntar as peças e construir, com nada além de pistas vagas, o quebra-cabeça para descobrir a resposta ela mesma.
Lee Seolhwa desamarrou rapidamente os fios da camisola hospitalar e a abriu com cuidado, revelando a pele pálida e manchada com uma mistura escura e nauseante de roxo, amarelo esverdeado e vermelho intenso de vasos sanguíneos rompidos.
Ela não sabia quem ele era. Não confiava nele. E se ele traísse sua confiança… ela não teria piedade.
Se algum dia ele realmente se voltasse contra ela, ela não hesitaria em responder com a mesma frieza.
Não hesitaria em revidar.
Com movimentos gentis e cuidadosos, a médica aplicou uma pomada — inclusive, outra receita de MAD, produzida exclusivamente por ela, seguindo ad fórmulas e as instruções dele — sobre as manchas escuras arroxeadas e amareladas espalhadas por todo o torso do paciente, massageando o gel sobre a pele contundida.
Enquanto espalhava cuidadosamente a pomada, o olhar dela parou na área do tórax. Bem sobre o esterno, onde tinham realizado a massagem cardíaca.
Hematomas.
Muitos deles.
...Não era normal.
O roxo...
Não estava indo embora.
"Histórico de anemia, peso muito abaixo da faixa ideal, sinais claros de desnutrição crônica." Disse o outro médico ao lado dela, listando cada problema, enquanto segurava uma prancheta com os exames mais recentes.
Ela não precisava que ele dissesse nada.
Estava evidente.
O paciente tinha costelas à mostra, salientes, projetando-se sob a pele pálida, marcando os ossos e deixando-as visíveis por baixo da pele.
O paciente Kim não estava apenas ferido.
Estamos falando de um homem doente aqui. Um homem doente por natureza.
Era um quadro de desnutrição realmente assustador.
"Certo. Obrigada, Doutor Jang." Seolhwa respondeu, espalhando mais um pouco da pomada, cobrindo o abdômen do paciente antes de fechar novamente a camisola. "Isso provavelmente explica, em parte, a lentidão da recuperação."
Ela amarrou a camisola e ajustou os lençóis brancos com calma, mas sua expressão era séria.
"E também… o motivo pelo qual minhas habilidades de cura não estão funcionando como o esperado."
Mentira.
Cada palavra que saía da boca dela era uma mentira bem planejada.
"Minha habilidade tem limitações com quadros de desnutrição, principalmente uma tão severa como essa." Lee Seolhwa lançou um olhar crítico ao paciente inconsciente na maca. "O paciente precisa estar minimamente estável para que a recuperação ocorra sem problemas. Mas ele..."
Mentira.
Tudo mentira.
Era tudo mentira.
Mesmo sendo uma mentira tão descarada, ela continuou fingindo, atuando. Fez uma pausa, como se organizasse os próximos passos, então encarou o outro médico, seu colega de trabalho, com um rosto tenso e sério.
"Com ferimentos desse nível, combinados com uma condição nutricional tão instável... Minha habilidade não consegue lidar com isso."
「• • •」
Seolhwa não gostava de mentir.
Mas, aparentemente, desde a chegada daquele homem, Kim Dokja, no hospital, mentir tinha se tornado um hábito. Um hábito que ela odiava, mas que, infelizmente, não tinha muito escolha.
Falsificar e adulterar resultados de exames não era, de forma alguma, algo digno, muito menos ético.
Mas era isso ou colocar a segurança do paciente Kim em perigo.
Seolhwa nunca imaginou que um dia manipularia um teste de DNA. Mas o resultado... não foi exatamente o que ela esperava.
À primeira vista, parecia normal.
Mas não era.
O DNA dele era diferente.
O material genético do paciente Kim apresentava variações incompatíveis com qualquer padrão humano conhecido.
Incompatibilidades sutis, mas gritantes para olhos bem treinados. Sequências genéticas que simplesmente não pertenciam à espécie humana.
É. É exatamente isso.
Ele não era humano.
Kim Dokja, seja lá quem for esse homem, não era humano.
Ela sabia que aquele paciente não era um homem normal, mas ela certamente não esperava isso, esse resultado.
Ela também não esperava ter que mentir tantas vezes. Inventar sintomas. Exagerar laudos. Relatar condições clínicas que não existiam ou declarar o paciente como imunocomprometido para restringir o acesso ao quarto.
E, no entanto, lá estava ela. Uma das médicas despertadas mais prestigiadas e respeitadas do país, admirada pela ética e pelo profissionalismo, cometendo crimes graves no sigilo — adulterando prontuários, manipulando dados laboratoriais, distorcendo relatórios médicos e mantendo ilegalmente uma suposta criatura não humana que nem mesmo ela tinha conhecimento do que era.
Tudo isso bem debaixo do nariz da Associação.
Sem que ninguém sequer desconfiasse.
Ninguém.
Ultimamente, ela mentia para todo mundo. Para os colegas de trabalho, para os superiores, até mesmo para Yoo Joonghyuk, aquele que era a última pessoa para quem ela deveria mentir, especialmente sabendo que ele possuía a habilidade [Detector de Mentiras].
Ela estava cansada disso.
Cansada de mentir.
Na verdade, estava ficando maluca.
Sim, maluca era a palavra mais apropriada.
Ela estava ficando maluca.
Mas, mesmo assim, continuava.
Continuava repetindo para si mesma que era apenas temporário.
Era só temporário.
Ela só precisava entender o que, exatamente, o paciente Kim era. Só precisava descobrir isso. E então...
Então poderia curá-lo de verdade.
Essa convicção era o que a mantinha de pé.
E ultimamente, Seolhwa estava mais confiante. Isso era graças a MAD, por mais contraditório que fosse.
O ser mais suspeito possível, também era o mais confiável. Que estúpido.
Mas foi com as orientações de MAD que ela tinha feito avanços significativos. Descobriu, por exemplo, que o paciente Kim sofria de uma anomalia incomum, uma espécie de instabilidade de mana.
Era como se o corpo do paciente Kim não conseguisse manter níveis estáveis de mana. Ela chegou a descrever isso, em seus relatórios privados, — uma espécie de diário pessoal dela — como uma forma de insuficiência.
Essa foi a melhor definição que ela conseguiu encontrar para o quadro.
Insuficiência de mana.
Pelos padrões que ela vinha observando nos últimos dias, o paciente apresentava quedas abruptas no nível da mana — e, surpreendentemente, parecia que os próprios equipamentos do hospital eram os responsáveis por isso.
Equipamentos esses que funcionavam com pedras de mana como fonte de energia.
Sim, isso mesmo.
Os equipamentos do hospital, alimentados com pedras de mana, estavam consumindo a mana do paciente Kim. Por algum motivo ainda desconhecido, pareciam drená-lo como se ele fosse alguma espécie de bateria.
Drenando completamente a mana do paciente Kim quando, na verdade, deveriam estar o ajudando.
Ela sequer sabia como isso era possível.
Isso nunca tinha acontecido com nenhum outro paciente.
Nenhum.
Isso nunca tinha acontecido antes.
Nunca.
E a solução mais eficaz, até o momento, era fazê-lo ingerir núcleos de monstros — que, assim como as pedras de mana, também continham uma alta concentração de mana pura, bruta.
Basicamente, a solução era, reabastecer a mana do paciente com as mesmas pedras de mana que os equipamentos eram abastecidos para funcionar.
Com isso, a mana era reposta e a condição do paciente Kim estabilizava.
Essa foi a solução dada por MAD.
E funcionava, era isso o que importava.
Seolhwa se encostou na cadeira da sala de descanso, exausta, com um copo pequeno de café quente entre os dedos. Os olhos dela estavam pesados, caídos, cansados, mas ela ainda precisava atualizar MAD sobre a condição do paciente Kim.
E já tinha passado da hora de atualizar MAD.
Esse era o pequeno encontro diário deles que ela não perderia por nada.
Bem, ela não admitiria que estava começando a ficar ansiosa pelas mensagens dele.
Isso deixaria aquele babaca todo presunçoso. E isso era irritante.
Ela desbloqueou o telefone, acessou o aplicativo como o habitual e procurou o bate-papo com MAD, como sempre fazia.
Mas o aplicativo não carregou como de costume.
[Usuário não encontrado.]
[O usuário "@M.A.D" não existe no Midday Tryst.]
Ela ficou encarando a tela, fixamente. Os dedos congelados no meio do caminho da próxima tecla.
Os olhos dela arregalaram. Suas pupilas contraíram, trêmulas, tentando focar nas palavras como se elas fossem mudar.
Ela recarregou a página.
Nada.
Verificou a conexão com a internet. Tentou atualizar de novo.
Nada.
Digitou o nome de usuário.
[Usuário não encontrado.]
Nada.
[O usuário "@M.A.D" não existe no Midday Tryst.]
Nada.
Ela tentou novamente, digitando com mais cuidado, como se o erro pudesse ter sido dela.
[Usuário não encontrado.]
Nada.
Absolutamente nada.
Não aconteceu absolutamente nada.
O resultado era sempre o mesmo.
[O usuário "@M.A.D" não existe no Midday Tryst.]
Lee Seolhwa respirou fundo e, com as mãos trêmulas, tentou mais uma vez.
Mesmo já sabendo o resultado que apareceria, ela não conseguia aceitar.
Porque aquilo...
[Usuário não encontrado.]
Porque aquilo significava que ele a descartou.
Ela deslogou do Midday Tryst e, com uma esperança tola, tentou acessar a primeira plataforma por onde aquele anônimo a tinha contatado antes do Midday Tryst.
[Conta não encontrada.]
O bate-papo sumiu.
[Conta não encontrada.]
O nome de usuário não existia mais, não importava quantas vezes ela digitasse.
[Conta não encontrada.]
Não importava o quanto ela procurasse, aquela conta não existia mais.
Seolhwa encarou friamente a tela do celular por alguns segundos, antes de desligá-lo e deixá-lo de lado sobre a mesa. O silêncio na sala vazia, que alguns instantes atrás parecia confortável, era simplesmente muito pesado agora.
Com a mão ainda tremendo pelo estresse acumulado, ela levou o pequeno copo descartável de café aos lábios e tomou um gole da bebida amarga.
Depois, colocou o copo de plástico na mesa e esfregou o rosto com força, com as duas mãos, tentando afastar o cansaço e se acalmar.
Então... isso realmente aconteceu.
“Fui descartada…” Ela sussurrou, fechando os olhos com força e suspirando pesadamente. “Eu já imaginava.”
Sim, exatamente. Não era surpresa alguma.
Ela já esperava.
É claro que esperava.
Ela sempre esperou que isso acontecesse, já que, MAD parecia exatamente esse tipo de pessoa.
Ele parecia alguém que desapareceria tão abruptamente quanto apareceu.
E desapareceu.
Ele desapareceu.
Exatamente como ela imaginou.
Mas ela apenas...
Não esperou que fosse ser descartada tão cedo.
Tão cedo.
Como se ela não fosse mais útil para ele.
Lee Seolhwa abriu os olhos lentamente e encarou o teto branco, pálpebras pesadas e olhos cansados, com olheiras profundas.
Ela ficou em total silêncio por um momento, antes de sussurrar pensativamente. "Não sei o que fazer..."
Ela era a médica ali.
Ela deveria ser a responsável.
A profissional.
Era ela quem deveria saber o que fazer.
E mesmo assim...
“Me tornei dependente?” Ela contemplou amargamente. “Ridículo.”
Mas era verdade.
Sem ele, sem as fórmulas, as receitas, os conselhos, as instruções...
Ela não sabia o que fazer com o paciente Kim.
"Que patético..." Ela sussurrou para si mesma, abrindo um sorriso sarcástico e cansado. "O babaca realmente me descartou."
Era patético.
Ela era patética.
Mas ela realmente queria acreditar que os métodos indicados por MAD ainda continuariam funcionando. Que manter Dokja sedado, estável, monitorado — tudo da forma que ele sugeriu — seria o suficiente.
Porque se algo desse errado...
Ela não sabia o que faria.
「• • •」
Os dias de Yoo Joonghyuk começaram a ficar cada vez mais agitados. Como um dos caçadores mais fortes do país e, secretamente, o fundador e presidente de uma das guildas mais influentes do mercado, ele tinha muito com o que lidar. Era muita responsabilidade.
Ele oficialmente tirou uma pequena licença de suas funções como caçador e delegou o trabalho para o time. No momento, com Jung Heewon e Kim Namwoon fora de Seul, lidando com uma masmorra de nível alto, restaram apenas Lee Hyunsung e Lee Jihye para manter as operações do time.
O que, francamente, era pesado demais para apenas dois membros, por mais competentes e fortes que fossem.
Por isso que, atuando como Secretive Plotter, Yoo Joonghyuk teve que intervir pessoalmente, reorganizando a equipe e acrescentando temporariamente alguns caçadores da guilda no time — nenhum com classificação inferior a Rank B — para manter o nível de operação da guilda normal, sem perder a qualidade de atuação ou atrasar as missões. Porque, afinal de contas, o “Rei Supremo” estava temporariamente afastado.
Então, eles precisavam, de alguma forma, compensar a ausência dele. Era um arranjo temporário feito às pressas. Mas, por enquanto, estava servindo. E era isso o que importava.
Com o Rei Supremo temporariamente afastado, Yoo Joonghyuk aproveitou para cuidar de outros assuntos pendentes.
Como, por exemplo, seu mais novo caçador Rank S, uma adição ao time.
Lee Gilyoung.
Sim, isso mesmo.
Exatamente, aquele garoto.
Ele até considerou esperar até Dokja acordar antes de tomar qualquer decisão definitiva, já que era o filho dele. Mas Lee Gilyoung era um Rank S. E um bem talentoso, acima de tudo.
Yoo Joonghyuk sabia bem, se ele não aproveitasse aquela oportunidade e não garantisse logo um lugar para o garoto dentro da N’Gai, alguma outra guilda o faria — e não necessariamente de forma ética.
Especialmente considerando o quão opressivos, agressivos e exploradores o próprio governo e as outras guildas poderiam ser quando um Rank S estava envolvido.
E um talento como o de Lee Gilyoung, ainda tão jovem e já classificado como um Rank S, seria facilmente muito cobiçado por qualquer outra organização.
Ele não podia deixar isso acontecer.
Então, Yoo Joonghyuk tomou a iniciativa.
Ele se sentou com a avó do garoto na pequena sala da casa da idosa, a senhora Lee Boksoon. Cautelosamente, colocou sobre a mesa um contrato formal, uma proposta financeira generosa e cláusulas cuidadosamente redigidas.
Era um acordo justo.
Esse acordo garantiria a proteção da família Lee e também protegeria juridicamente Gilyoung contra ataques, golpes ou qualquer forma de exploração, ao mesmo tempo que o integrava oficialmente à guilda N'Gai com segurança. Esse contrato assegurava também, que o garoto só atuaria sob rígido acompanhamento psicológico e médico, garantindo a segurança e o bem estar do menor de idade acima de tudo.
Essa era a garantia de uma carreira cuidadosamente moldada e um futuro grande e promissor.
Não era uma proposta que qualquer pessoa receberia numa terça-feira qualquer.
Essa proposta não apenas protegia a idosa e sua família, como assegurava a integridade, a segurança e o futuro de Gilyoung.
Foi uma negociação vantajosa para ambos os lados. Yoo Joonghyuk se garantiu disso, de que fosse justo, vantajoso. Mas, mesmo assim, a idosa hesitou — e como não hesitaria?
Ela, ao descobrir que o neto, de apenas dez anos de idade, era um Rank S, ficou em completo estado de choque. Para uma avó que criou sozinha o neto e prestou atenção nele com todo o cuidado e carinho, não perceber que ele era um despertado antes, deveria ser realmente um choque.
Primeiro, ela ficou chocada, nervosa e depois, culpada. Era o neto dela. E ela estava percebendo que não tinha prestado atenção o suficiente e agora, um homem que, apesar de famoso, ainda era um estranho, estava na sala da casa dela, oferecendo uma proposta generosa em troca do neto dela.
E apesar do choque inicial ao descobrir que o neto, apenas um garotinho, era um Rank S, a idosa, hesitante e visivelmente preocupada, acabou cedendo. Era um acordo vantajoso e ela sabia disso, por mais angustiante que fosse.
Esse era o futuro do neto dela e por mais angustiada que ela estivesse, era isso o que o neto dela queria. Era esse o futuro que Gilyoung queria para si mesmo.
Então, ela assinou.
E assim, a guilda N’Gai ganhou o direito sobre a imagem de Lee Gilyoung como caçador e o direito de moldar sua carreira. E apesar de ter apenas dez anos, Lee Gilyoung se tornou oficialmente parte da Pacheonmaeng.
Com apenas dez anos de idade, Lee Gilyoung agora integrava oficialmente o time mais forte da Coreia do Sul.
Pacheonmaeng. Uma das equipes de elite mais famosas do mundo e, atualmente, a unidade de caçadores mais fortes da Coreia do Sul, composta exclusivamente por caçadores de Rank S.
Esse era o time do Rei Supremo.
Pacheonmaeng.
Não era uma conquista pequena.
Era uma responsabilidade imensa para uma criança.
Era um peso absurdo para alguém tão jovem.
Yoo Joonghyuk sabia disso.
Ele sabia que era.
Na verdade, era até um pouco hipócrita.
Se ele estivesse no lugar dela por exemplo, daquela senhora... se fosse com Mia... se fosse Mia no lugar de Gilyoung...
Ele teria dito não sem nem pensar.
Era por isso que, apesar de ter conseguido recrutar Lee Gilyoung para a Pacheonmaeng com sucesso, Yoo Joonghyuk ainda temia a reação de Kim Dokja.
Sinceramente, ele nunca esteve com tanto medo da reação de alguém.
Ele nunca pensou que se importaria tanto com algo tão bobo assim, sendo alguém que conseguia o que quer, a qualquer hora que quisesse.
Mas esse era o filho de Kim Dokja.
E Kim Dokja tinha todo o direito de ficar irritado com tudo isso. Um homem do passado dele, alguém com quem ele claramente cortou laços, tinha reaparecido de repente, e não apenas isso, mas também interferido diretamente em sua vida pessoal, recrutando seu próprio filho, de apenas dez anos de idade, para uma das maiores guildas do país.
Dokja certamente tinha todo o direito de se sentir traído ou furioso com as ações de Joonghyuk.
Despertado de nível alto ou não, isso não importava. Yoo Joonghyuk não queria que Kim Dokja o odiasse. Muito pelo contrário, ele queria, desesperadamente, consertar o que tinha se quebrado entre eles. Queria conversar, se explicar, se aproximar, implorar, e talvez até... reconstruir o que um dia tiveram juntos.
Mas ele precisava fazer isso.
Era por isso que, ele começou a agir com mais cuidado.
Ele continuou visitando o hospital religiosamente, regularmente, todos os dias, permanecendo por horas, sem fazer nada, ao lado da maca. Com Lee Gilyoung agora oficialmente sob seus cuidados, ele começou a deixá-lo com Yoo Mia em casa, que, embora surpresa e até meio descontente com a chegada repentina de outra criança, principalmente um menino, acabou aceitando o novo "convidado" sem questionar muito.
Não que Mia estivesse fazendo aquilo de bom grado. Foi bem perceptível que Mia não tinha gostado muito de Gilyoung, só na maneira como o canto da boca dela se curvou para baixo em desagrado, exatamente como Joonghyuk faz quando está descontente.
Mas no fim, ela não era uma menina mimada, mal-educada e nem de fazer birra, então Mia apenas bufou e ignorou Gilyoung, como se o garoto nem sequer existisse.
Isso facilitou as coisas.
Yoo Joonghyuk também aumentou consideravelmente o pagamento da babá, garantindo que Mia e Gilyoung estivessem bem cuidados enquanto ele estava fora, se dedicando totalmente ao hospital e aos assuntos pendentes da guilda.
E foi assim que os dias de Joonghyuk se arrastaram. Lentos, monótonos. Uma rotina rígida, quase religiosa, e que, naquela altura, já era no piloto automático. Ele repetia os mesmos passos todos os dias, sem pular uma única vez.
Ele acordava, isso quando conseguia, de fato, dormir. Tomava o café da manhã sozinho, se banhava, se arrumava. Checava Mia em casa, e agora, Gilyoung também. Depois, ia para o hospital, onde passava horas ao lado de Dokja, apenas o observando, em completo silêncio. Ele voltava para aquele mesmo apartamento decadente quando o céu já estava escuro, de noite. Em casa, jantava qualquer coisa, e por fim, dormia, se conseguisse.
E então, quando começava a amanhecer, tudo recomeçava.
Era sempre mesma coisa, a mesma rotina. Sempre o mesmo silêncio, a mesma solidão.
Isso até que, finalmente, ele recebeu a notícia que vinha esperando ansiosamente todos os dias.
「• • •」
Jung Heewon e Kim Namwoon estavam de volta ao prédio principal da N'Gai, no dormitório da equipe, reunidos com o restante dos membros do time na sala e dividindo comida de viagem enquanto conversavam entre risos, trocando comentários brincalhões e banais.
Essa atmosfera tranquila e descontraída só durou até Yoo Joonghyuk chegar.
Ele chegou entrando com um estrondo, batendo a porta com força suficiente para ecoar pelas paredes e por todo o andar. E num instante, a conversa cessou completamente. Os risos, as piadas, as conversinhas, tudo parou.
Nem um único barulho.
O clima ficou tenso.
O ar pesado.
Pesado até demais.
O semblante dele estava sombrio, as veias saltadas nos braços, o maxilar cerrado como se ele estivesse prestes a explodir. E ele estava.
Ele tinha bolsas escuras abaixo dos olhos, olheiras profundas que ele adquiriu com a falta de sono. Tudo por causa daquele maldito pesadelo, daquela coisa hospedado em sua cabeça, ele não conseguia dormir.
Ele tinha medo de fechar os olhos e, de repente, ter que matar Dokja com as próprias mãos de novo.
De vê-lo morrer, de novo e de novo.
Então ele estava colocando despertadores e acordando a cada três minutos, tudo para não adormecer. E tomando muita, muita cafeína. Cafeína pra caralho.
Três dias sem dormir.
Ele estava há três dias sem dormir.
Três noites acordando a cada três minutos, com despertadores programados para impedir e interromper o sono. Três dias à base de café e estimulantes, com medo de adormecer e reviver o mesmo pesadelo.
Ele estava enlouquecendo.
Porra, ele sabia que estava ficando maluco.
Desde que ele começou a sonhar com a cena em que era forçado a matar Kim Dokja com as próprias mãos, ele simplesmente não conseguia mais dormir.
E isso estava deixando ele maluco.
Estava fazendo ele parecer e agir como um maluco.
Bastou um único olhar dele, com os cabelos desgrenhados, olheiras profundas e os olhos vermelhos de cansaço para calar a boca de todo mundo presente no cômodo. Cada um parou exatamente o que estava fazendo, todos os olhos automaticamente se voltando para ele.
"O celular." Joonghyuk exigiu, a voz baixa e carregada de ameaça. Não era um pedido.
Ele tinha corrido para ali no instante que Lee Hyunsung enviou uma mensagem avisando que o celular de Kim Dokja tinha sido entregue e que estava finalmente desbloqueado. Isso, essa pequena coisinha ultrapassada e velha, esse aparelho era TUDO o que ele ainda não tinha revistado. Então ele não estava muito paciente.
Lee Hyunsung se levantou às pressas da cadeira que estava sentado. "É– eu tenho, está aqui..." Ele quase gaguejou, todo atrapalhado, enquanto segurava e entregava o celular rachado com as duas mãos, como se a sucata fosse feita do vidro mais frágil do mundo.
Mas Joonghyuk não foi delicado, arrancou o celular bruscamente das mãos de Hyunsung, como se não quisesse perder nem um único segundo, começando a vasculhá-lo às pressas.
"Não achamos muita coisa..." Hyunsung comentou hesitantemente, observando enquanto Joonghyuk vasculhava o telefone, como se soubesse exatamente o que estava procurando.
E, de fato, exatamente como Hyunsung disse, não tinha nada realmente relevante à primeira vista.
Parecia muito, simplesmente...
Normal.
Os contatos eram praticamente todos profissionais, alguns números estavam salvos apenas com sobrenomes ou apelidos vagos, salvos sem nenhuma identificação clara. Nada íntimo. Nada pessoal. Nada revelador. Nenhuma conversa muito comprometedora. Nenhum histórico recente de chamadas. Nenhuma mensagem suspeita.
Nada que chamasse atenção.
Nada alarmante.
Nada suspeito.
Normal.
Era normal.
Simplesmente normal demais.
Nada demais.
Mas...
Enquanto rolava pela curta lista de contatos com os olhos atentos e os dedos ágeis, Joonghyuk congelou de repente. Ele parou de rolar e a tela parou em um nome.
Han Donghoon.
Um nome absolutamente comum.
Nada parecia particularmente fora do lugar.
O contato estava salvo da mesma forma genérica que os outros, nada realmente que chamasse atenção.
Parecia só mais um nome entre muitos, certo?
Han Donghoon era, afinal, um nome muito comum.
Parecia tão banal quanto qualquer outro nome salvo na lista de contatos de Kim Dokja. Só mais um contato que ele deveria pular.
Mas aquele nome…
Era estranho.
Se tinha algo que Joonghyuk se orgulhava, era de sua memória. Ele nunca esquecia o nome de alguém, principalmente depois de colocar esse nome na cabeça.
E aquele nome era... definitivamente familiar.
Franzindo o cenho para o telefone, ele abriu o histórico de mensagens e começou a examinar a conversa atentamente.
E, como ele imaginou, não tinha nada realmente descaradamente suspeito. Nenhuma mensagem codificada, nada que parecesse comprometedor.
Na verdade, a conversa parecia algo que ele jamais esperaria encontrar.
[Dokja: Já comeu?]
[Dokja: Tá precisando de um dinheirinho?]
[Dokja: Como estão as coisas por aí?]
[Dokja: Está comendo bem?]
[Dokja: Não fique muito tempo na frente da tela do computador. Descanse os olhos um pouco.]
[Dokja: Você está dormindo cedo?]
[Dokja: Precisa de alguma coisa?]
Kim Dokja soava quase como um... pai.
Sim, um pai preocupado.
Mensagens frequentes, praticamente diárias. Dokja estava sempre perguntando se ele já tinha comido, se precisava de dinheiro, se estava sendo bem tratado e coisas assim, pequenas, quase bobas, mas cheias de preocupação.
Esse era exatamente o tipo de mensagem que um pai mandaria para um filho.
E, mais curioso ainda, até chocante, era que aquele tal Donghoon respondia normalmente, como se fosse normal. Sem estranhamento. Chamava Dokja de hyung, naturalmente.
Não.
Isso era estranho.
Yoo Joonghyuk estreitou os olhos para a tela, absorvendo cada mínimo detalhe, cada conteúdo daquele diálogo.
Quem era esse Han Donghoon?
"O relatório de antecedentes também chegou." Lee Hyunsung disse, voltando com uma pasta amarela em mãos. "Nosso investigador trouxe tudo, exatamente como o senhor pediu."
Ele permaneceu em silêncio, com o rosto fechado, enquanto Lee Hyunsung se mantinha de pé, completamente imóvel diante dele, segurando a pasta com as duas mãos. O desconforto e o nervosismo no rosto e na linguagem corporal de Lee Hyunsung era evidente.
Lee Jihye e Kim Namwoon trocaram olhares confusos do outro lado da sala, enquanto Jung Heewon observava tudo com um semblante severamente franzido e um olhar sério. Pela tensão no ar, ela imaginou que estivessem investigando alguém suspeito, algum possível inimigo ou criminoso.
E ela não poderia estar mais enganada.
"Mm." Yoo Joonghyuk apenas grunhiu em resposta, desviando os olhos do celular e estendendo a mão para finalmente pegar a pasta. E, finalmente, permitindo que o outro pobre homem pudesse respirar aliviado.
Ele percebeu Jihye cochichar algo para Namwoon, mas ignorou. Preferiu focar no que importava, abriu a pasta e começou a folhear os documentos cuidadosamente.
Tudo parecia normal. Um dossiê simples, compilado com eficiência.
E a grande maioria das informações naquela pasta ele já conhecia. Homem, 28 anos, 1,76 de altura. Um histórico profissional simples e totalmente normal, trabalhando por muitos anos como QA em pequenas empresas, sem registros relevantes em grandes corporações. Cumpriu o serviço militar obrigatório e serviu nas Forças Armadas durante os surtos de quebras de portais, há oito anos atrás, atuando diretamente em operações de contenção de monstros.
Inclusive, pelo o que estava escrito ali, Kim Dokja esteve lutando diretamente na linha de frente durante os incidentes com as quebras de portais.
Nessa época, o Rei Supremo nem sequer pensaria em existir e Yoo Joonghyuk estava na Ilha de Jeju com sua mestra, Namgung Minyoung, como um não-despertado, treinando como um maluco, fazendo de tudo para sobreviver e criar Yoo Mia forte e saudável.
É realmente surpreendente que, Kim Dokja, de alguma forma, também esteve lutando esse tempo todo.
Cada um sobrevivia como conseguia, ein?
Yoo Joonghyuk continuou lendo, percorrendo com os olhos cada linha, absorvendo todas as informações em silêncio.
Tinha o nome do falecido pai. Da mãe também, Lee Sookyung. O paradeiro dela não era realmente importante para ele, mas ela parecia estar vivendo bem longe das grades agora.
Bom para ela.
Ele ignorou essa parte e avançou nas páginas até ler algo que o fez parar.
Estado civil, solteiro.
Sem filhos.
O quê?
Não.
Sua testa se franziu profundamente em uma expressão confusa que, para qualquer um, pareceria irritada. Os olhos dele se estreitaram enquanto ele encarava as palavras impressas naquela folha como se elas pudessem, de repente, mudar de significado.
Isso estava errado.
Tinha que estar.
"Sem filhos...?" Ele murmurou mais para si mesmo, com o cenho franzido em confusão.
E Lee Gilyoung?
Lee Gilyoung era filho de Kim Dokja, ele tinha certeza disso.
E aquela mulher, Lee Youngmi?
Ela não era ex-companheira de Kim Dokja? Sim, ela era. Eles até tiveram Lee Gilyoung juntos.
Ele tinha quase certeza absoluta disso. Ninguém desmentiu isso e, Gilyoung até confirmou ser filho de Dokja.
Yoo Joonghyuk desviou o olhar, levantando os olhos dos papéis e lançando um olhar sombrio na direção de Lee Hyunsung, que engoliu em seco e limpou a garganta de forma audível, suor frio começando a escorrer de sua têmpora.
"Capitão...?" Hyunsung arriscou abrir a boca para falar, com a voz baixa, quase hesitante. "Tem... algum problema?" Ele perguntou, nervoso.
Não. Hyunsung não cometeria um erro tão estúpido como esse. Ele era empenhado demais para isso.
Ele não entregaria um relatório com informações imprecisas.
Se aquelas informações estavam ali, era porque Hyunsung verificou e se certificou, minuciosamente, que os dados estavam corretos.
Joonghyuk voltou os olhos para os papéis, sem dizer nada, e folheou mais lentamente agora. Passou pela seção genealógica, e então, enfim, encontrou a resposta que queria.
Lee Youngmi, prima de segundo grau de Kim Dokja, por parte materna.
Lee Gilyoung, sobrinho de segundo grau, por parte materna.
E tinha a idosa que assinou o contrato com ele, Lee Boksoon, tia-avó materna de Kim Dokja.
Havia uma foto anexada a cada nome listado, tiradas dos documentos mais recente disponível, fosse uma identidade ou uma carteirinha escolar. Junto às fotos, constavam as informações básicas, como a idade, a data de nascimento e entre outros dados.
Então, era isso.
Um silêncio caiu sobre ele, profundo e pesado.
Lee Boksoon era tia de Lee Sookyung, a mãe de Kim Dokja.
Então...
Lee Youngmi não era ex-companheira de Kim Dokja, mas sim prima?
E de segundo grau, ainda por cima?
Meu Deus.
Os ombros dele caíram, relaxados. Ele soltou um longo suspiro pesado, aliviado e involuntário, como se deixasse finalmente escapar a tensão acumulada desde que teve aquela maldita suspeita.
Ele estava errado o tempo todo.
Estupidamente errado.
E graças a Deus que esteve errado.
Kim Dokja era um homem solteiro. Totalmente solteiro.
Lee Gilyoung também não era filho biológico de Kim Dokja.
Era seu sobrinho de segundo grau.
Porra.
Então era por isso que Gilyoung vivia chamando Dokja de hyung.
Porra, como ele conseguia ser tão burro?
"Merda." Ele murmurou, xingando baixinho, enquanto colocava os papéis sobre a mesa.
Caralho.
Ele estava feliz.
Tão feliz. Tão, mas tão feliz, que, se pudesse, soltaria fogos naquele mesmo instante.
Sim, porra. Ele merecia um bom vinho.
Ele ia abrir uma garrafa de vinho mais tarde. Uma das boas. Daquelas caras, importadas, que estavam guardadas há anos para uma ocasião especial.
Ele suspirou pesadamente e esfregou o rosto com as duas mãos, apoiando-se na mesma mesa onde tinha deixado a pasta com os documentos.
"Sério." Jung Heewon quebrou o silêncio. "O que está acontecendo?" Ela perguntou, alarmada, já se levantando do sofá.
E a reação dela não era exagerada.
Era de fato, muito alarmante, para se dizer no mínimo. Ver o capitão deles, o Rei Supremo, Yoo Joonghyuk, o inabalável, o homem que parecia feito de pedra de tão indiferente que era, curvado sobre uma mesa, suspirando pesadamente com os ombros tremendo...
Era preocupante.
Eles estavam realmente começando a acreditar que o mundo estava acabando.
Mas o verdadeiro choque veio logo em seguida.
Para o total choque do time — e talvez horror — Joonghyuk se inclinou para frente, apoiando-se ainda mais sobre a mesa, e os seus lábios se curvaram para cima.
Um sorriso.
Um sorriso largo e genuíno.
E isso foi assustador pra caralho.
Porque ninguém, nenhum deles, nunca viu Joonghyuk sorrir daquele jeito em todos esses anos.
E era um sorriso de verdade. Um sorriso genuíno, talvez o primeiro em anos. Só isso foi o suficiente para fazer o queixo de todo mundo cair.
É, o mundo com certeza estava acabando.
Joonghyuk respirou fundo e se endireitou lentamente, penteando os cabelos bagunçados para trás com uma das mãos, ajeitando-os, como se tentasse retomar algum controle sobre si mesmo.
"Então ele é solteiro..." Ele murmurou, mais para si do que para os outros, e o sorriso dele aumentou, escancarado, como se ele tivesse acabado de receber a melhor notícia de toda sua vida.
Sua voz até soava doce, quase sonhadora.
Kim Namwoon engasgou com a própria saliva ao vê-lo sorrindo e falando daquele jeito. Lee Jihye lançou um olhar de horror para Lee Hyunsung, que estava igualmente horrorizado. Jung Heewon estava parada no meio do caos, ainda tentando entender o que diabos estava acontecendo.
Mas Joonghyuk decidiu ignorar a reação claramente exagerada de seus outros colegas de equipe.
"Steel." chamou, em um tom absurdamente calmo, calmo demais para a situação. "Um favor."
Lee Hyunsung tropeçou nos próprios pés antes de se aproximar obedientemente.
"Sim, capitão?"
"Investigue esse Han Donghoon." Joonghyuk ligou o celular, abriu o contato correspondente e entregou o telefone de volta a Hyunsung. "Eu quero tudo. Localização, antecedentes, tudo. Não deixe nada de fora."
"Sim, senhor. Entendido, senhor." Hyunsung assentiu firmemente, respondendo com um pequeno gesto militar, que ainda usava por instinto.
Desajeitadamente, Hyunsung rapidamente pegou o próprio telefone para entrar em contato com o coletor de informações da guilda mais uma vez, para solicitar outro trabalho.
Enquanto isso, Lee Jihye se inclinou para o lado e sussurrou algo para Kim Namwoon, que imediatamente fez uma careta, aparentemente arrependido de ter escutado.
Suspeito.
Eles todos estavam agindo de maneira muito suspeita hoje.
"Então." Jung Heewon aumentou a voz, impaciente, olhando diretamente para o capitão do time, com os braços cruzados. "Será que alguém vai me explicar o que está acontecendo aqui ou eu vou ter que tirar as respostas de algum jeito?"
Yoo Joonghyuk nem sequer levantou os olhos. Ele apenas continuou folheando os documentos com total indiferença, como se não estivesse escutando nada.
"É que... ah, unnie, é que..." Lee Jihye coçou a nuca, sem graça. "É só um ahjussi aí que o mestre andou meio... obcecado ultimamente. Não é nada demais."
"Que merda você está falando?" Kim Namwoon estalou a língua, encarando a Almirante com uma careta.
"Obcecado?" Jung Heewon levantou uma sobrancelha, virando-se completamente para encarar Jihye. "O nosso capitão-pedra?"
"Sim!" Lee Jihye apontou diretamente para Lee Hyunsung. "O Hyunsung oppa pode confirmar que eu não estou mentindo!"
Lee Hyunsung quase deixou o celular cair ao ser citado na conversa, tenso, e imediatamente desviou o olhar como se de repente estivesse muito interessado na parede.
Os olhos de Namwoon e Heewon se voltaram para Hyunsung, estreitos em desconfiança, depois para Joonghyuk, depois para Jihye, alternando entre os três como se estivessem tentando descobrir quem estava falando a verdade ou mentindo.
"Vocês nem estavam aqui." Jihye disse, irritada com a desconfiança deles nela. "Pergunta pro próprio capitão qual era o nome do cara, então."
Kim Namwoon considerou por um segundo realmente perguntar, mas ao olhar para o rosto sombrio de Yoo Joonghyuk, que parecia pronto para esquartejar alguém, ele imediatamente mudou de ideia.
Nem pensar.
Ele queria viver uma longa vida saudável com todos os membros intactos presos ao corpo, muito obrigado.
Mas, aparentemente, Jung Heewon não compartilhava dos mesmos instintos de autopreservação que Kim Namwoon.
"Então, Joonghyuk-ssi." Ela levantou a voz, para que ele a escutasse bem. "Quem exatamente estamos investigando?"
Yoo Joonghyuk finalmente levantou os olhos dos papéis, lançando um olhar irritado na direção de Jung Heewon, antes de resmungar, quase como se estivesse sendo forçado a responder.
"Kim Dokja."
O mais chocante era ele ter realmente respondido.
Kim Namwoon engasgou com a própria saliva — de novo — enquanto Lee Jihye parecia muito presunçosa por estar certa. Jung Heewon apenas cantarolou em reconhecimento, como se aquilo explicasse tudo.
Na verdade, não explicava nada.
"Legal." Heewon respondeu com um aceno de cabeça, colocando distraidamente uma mão no quadril. "Motivos?"
Joonghyuk virou a página da pasta como se não fosse nada demais e respondeu, casualmente.
"Membros novos."
Dessa vez, foi Lee Jihye quem engasgou, assustando o pobre Lee Hyunsung que estava ao lado dela.
"Membros— o quê?!" Jihye praticamente gritou, perplexa. "Não era só um?!"
Yoo Joonghyuk suspirou.
É. Ele ainda não tinha contado isso a eles.
Lee Gilyoung agora era parte do time.
E depois dessa comoção toda, ele imaginava que o choque seria ainda maior ao descobrirem que o novo membro era, na verdade, uma criança de dez anos.
Só de pensar nisso, já deixava ele com dor de cabeça.
"Ele tem um filh..." Joonghyuk se interrompeu no meio da frase, lembrando que Lee Gilyoung, não era, de fato, filho de Kim Dokja. "...Um conhecido. Esse conhecido é um Rank S."
Essa informação, de que se tratava, na verdade, de um Rank S, atingiu todo mundo em cheio.
"Espera, o quê?" Heewon arregalou os olhos, pega desprevenida. "Um Rank S?"
"Ein?! Um S?!" Jihye praticamente pulou da cadeira. "Então você tem que apresentar ele pra gente, mestre!"
"Dúvido que ele seja tudo isso..." Namwoon resmungou de fundo, com o cenho franzido e os braços cruzados.
"Se é um Rank S, então precisamos fazer de tudo para garantir que ele fique com a gente." Hyunsung murmurou lá do fundo, em tom mais preocupado do que empolgado.
Lee Hyunsung estava certo nesse ponto.
Deixar outra guilda pegar um Rank S teria sido uma perda terrível.
Não que ele tivesse que se preocupar com isso.
"Já está feito." Joonghyuk respondeu. "Ele já é da N'Gai."
"Sério?" Lee Hyunsung, que vinha tentando se manter invisível até o momento, até levantou o tom de voz pelo choque, sobrancelhas arqueadas. "Você conseguiu um contrato?"
Joonghyuk assentiu, confirmando.
Lee Jihye pareceu levar um tapa na cara com a revelação, soando quase como se tivesse sido traída. "O quê?! Mestre, você fez tudo isso sem a gente?!"
"Era necessário." Joonghyuk resmungou uma resposta.
"Mas isso é incrível." Heewon comentou, inclinando-se contra o encosto de um dos sofás. "Parece que a N'Gai, ou melhor, o nosso time, tem um talento natural para atrair Ranks S, ein?"
"Com o nosso capitão, tudo parece fácil mesmo." Hyunsung riu, um pouco envergonhado. "Bem... a maioria de nós só está aqui por causa dele, então..."
Todos estão aqui por ele...
Estranho.
Foi algo dito na inocência, mas pareceu simplesmente... errado para Yoo Joonghyuk.
...
Era meio engraçado, na verdade.
Porque todos eles estavam ali graças ao falso Rei Supremo.
Não por ele.
Joonghyuk abriu os lábios, como se fosse dizer algo, mas logo os fechou. Seu olhar caiu para a pasta nas mãos dele, seus dedos tensos, segurando e apertando a pasta com força.
Fazia tempo.
Tanto tempo que ele nem pensava mais nisso.
OD...
"Quantos anos faz desde o aparecimento do último Rank S na Coreia do Sul?" Jihye perguntou, tirando Joonghyuk de seus pensamentos.
"Por volta de uns seis anos, se não me engano." Hyunsung respondeu, pensativo.
"Oi? Eu escutei certo? Seis anos?! SEIS?!" Jihye arfou, pasma. "Nós estamos pegando o primeiro Rank S depois de SEIS ANOS?! Meu Deus, as outras guildas não vão surtar?!"
"Provavelmente." Jung Heewon respondeu com uma risada nasal. "Mal posso esperar."
Sim, essa era a reação normal.
Seis anos.
Era um tempo bem longo.
Isso também foi, coincidentemente, mais ou menos, no mesmo período de tempo que a Pacheonmaeng foi criada.
Pacheonmaeng era, atualmente, a equipe mais forte de toda a Coreia do Sul. Sendo uma das equipes dentro da guilda N'Gai, ela era mobilizada para qualquer ponto do país. Bastava um único chamado, e eles estavam lá, prontos para lidar com qualquer tipo de emergência.
Era também graças ao trabalho em equipe impecável da Pacheonmaeng que a N'Gai tinha se consolidado como uma das principais guildas do país.
Só na equipe principal, tinha cinco caçadores de Rank S.
O Rei Supremo, o capitão do time, Yoo Joonghyuk.
O Mestre do Aço, o vice-capitão do time, Lee Hyunsung.
A Juíza do Mal, Jung Heewon.
A Almirante Marítima, Lee Jihye.
Por último, o Demônio Delirante, Kim Namwoon.
E com a chegada de Lee Gilyoung, agora seriam seis.
No total, existiam atualmente, pelo menos, treze caçadores de nível S oficialmente registrados e ativos na Coreia do Sul.
Isso, é claro, sem contar com Lee Gilyoung.
Os outros caçadores ranks S sul-coreanos estavam espalhados pelo país. Muitos deles estavam liderando suas próprias guildas, outros até mesmo atuando fora do país.
N'Gai era, atualmente, a única guilda com tantos caçadores de Rank S ativos, operando ao mesmo tempo, reunidos em uma única equipe, o que também a tornava alvo constante de cobranças, críticas e julgamentos do público.
Porque eles eram os melhores.
Eles eram os mais fortes.
Eles tinham todos os holofotes.
Quando se falava de caçadores, portais ou monstros, a primeira imagem que qualquer cidadão coreano tinha era da Pacheonmaeng, o time do Rei Supremo.
O primeiro nome que vinha à mente era sempre "Yoo Joonghyuk".
O mais infame, o mais rude, o mais agressivo.
O mais atraente, o mais forte, o mais poderoso.
Ele era o líder, ele tinha todos os olhos nele, não importava o que fizesse.
E era por isso que a chegada de Gilyoung causaria um verdadeiro alvoroço no país.
Porque ele faria parte dessa infame equipe.
Então, eles precisavam ser extremamente cautelosos.
Por enquanto, o plano era manter a existência de Gilyoung em total sigilo e focar no treinamento dele. Ele ainda era uma criança de apenas dez anos, e precisava ser tratado com o cuidado e a paciência adequados à sua idade.
Mesmo sendo um Rank S, ele continuava sendo apenas uma criança. E seria tratado como uma.
Primeiro, seria necessário confirmar oficialmente o nível do Rank do garoto. Depois, emitir uma licença como caçador, permitindo que ele atuasse legalmente como um caçador e entrasse em portais para limpar masmorras.
Mas, acima de tudo, a prioridade de Yoo Joonghyuk agora era Kim Dokja.
Ele não tomaria nenhuma decisão definitiva enquanto Kim Dokja ainda estivesse no hospital.
Mesmo que Lee Gilyoung não fosse, no papel, o filho biológico dele, nem oficialmente adotado, a relação entre eles era... como a de pai e filho mesmo, como a própria avó do garoto tinha dito.
...Biológico ou não, era muito improvável que Kim Dokja aprovasse ver o menino se arriscando em situações perigosas.
Se até mesmo a própria avó do menino reconhecia a ligação dos dois como a de pai e filho, quem era ele para se intrometer?
Mesmo que a senhora Lee Boksoon já tivesse dado permissão e assinado um contrato com a N'Gai, Yoo Joonghyuk sabia que a opinião de Kim Dokja era a que mais importava.
Não importava o que estivesse escrito no contrato. Para Yoo Joonghyuk, Kim Dokja tinha todo o direito de se opor a essa decisão.
Ele só esperava que, quando acordasse, Dokja não o odiasse por isso.
Yoo Joonghyuk tentou realmente se concentrar em seus próprios pensamentos, mas, honestamente, a discussão de fundo estava aumentando cada vez mais e ficando cada vez mais difícil de ignorar.
"Idiota!" Lee Jihye insultou, irritada.
"Eu tô errado?" Kim Namwoon rebateu com uma careta. "O capitão nem olha na nossa cara! Tipo!" Ele gesticulou exageradamente com as mãos "Ele também nem olha pras modelos super gostosas que vivem dando em cima dele!"
Lee Jihye estalou a língua no céu da boca.
"Imagina então ele ficar obcecado por um ahjussi qualquer?" Namwoon zombou. "Conta outra, vai. O capitão jamais faria isso."
Eles ainda estavam discutindo sobre aquilo?
Qual era a importância disso, afinal?
Yoo Joonghyuk soltou um suspiro pesado, esfregando a têmpora com os dedos.
"Teve até aquela modelo americana, vocês se lembram?" Namwoon começou a relembrar com um sorriso de escárnio. "Era aquela loira super gostosa e—"
Mas antes mesmo que ele sequer pudesse terminar de falar suas asneiras, Jihye já tinha dado um tapão seco na lateral da cabeça dele, forte o bastante para fazê-lo chiar e se encolher no sofá.
Kim Namwoon choramingou, esfregando o local atingido com uma careta de dor. "Aí! Qual é, porra!"
"Será que você consegue ficar UM minuto sem falar merda?" Jihye sibilou, já se preparando para bater de novo.
"Calma! Caramba!" Namwoon recuou, levantando os braços para se defender. "O que foi que eu fiz dessa vez?!"
"Crianças..." Jung Heewon suspirou, apoiada no encosto da poltrona ao lado. "Se forem brigar, façam isso na área de treinamento."
Yoo Joonghyuk olhou em direção à porta.
Ele deveria ir embora.
Já tinha pego tudo que precisava.
E além disso, ele ainda não tinha ido visitar Dokja no hospital hoje...
"Eu nem tô brigando!" Kim Namwoon protestou. "Tô sendo agredido! Gratuitamente!"
Lee Jihye deu outro tapa forte nele.
"Não, agora é com motivo." Lee Jihye zombou.
Notes:
Finalizando o capítulo, olá!
Escrever a parte genealógica foi muito irritante porque tipo, como assim não existe exatamente primo de primeiro, segundo grau, e todos os primos são considerados de quarto grau?
Eu jurava que sim.
Enfim, usei "segundo grau" aqui para indicar que Lee Youngmi é prima de Lee Sookyung, e acabou se tornando prima de segundo grau do Kim Dokja, que é filho de Lee Sookyung.
Grau de parentesco, primeiro Lee Sookyung, depois Kim Dokja.
Pelo que pesquisei, o filho da prima de segundo grau é considerado sobrinho de segundo grau, também chamado de primo de segundo grau em segundo grau.
Então Lee Gilyoung é sobrinho de segundo grau de Kim Dokja aqui.
Isso pode ser um pouco confuso.
Eu queria avisar também que, para quem não é brasileiro e está usando o tradutor do Chrome para ler isso daqui.
Por favor, se estiver usando o detector automático de idioma, troque manualmente para traduzir do português para o idioma desejado.
Português ~> Espanhol, por exemplo.
Parei para dar uma olhada usando o detector de idioma para entender se vocês estavam recebendo uma tradução precisa, e percebi que ele mistura vários idiomas na tradução.
Muitas das vezes, ele mistura espanhol com português e outras línguas, então algumas palavras perdem o sentido, como "mas" e "mais".
O "mas", que deveria significar "porém", acaba sendo traduzido como "mais" de adição, entre outros exemplos.
Então, se quiser ler com uma tradução mais precisa, troque o idioma, defina como original o português e escolha traduzir para o idioma que estiver lendo.
Muito obrigado por ler!
Chapter 15: Capítulo 15
Chapter Text
Yoo Joonghyuk sentiu uma fisgada incômoda no pescoço antes mesmo de abrir os olhos, piscando lentamente para o teto, atordoado, olhando para cima com a visão embaçada.
Ele estava no chão.
Joonghyuk tinha dormido na porra do chão.
Com um gemido arrastado, ele se empurrou até sentar, os cotovelos apoiados nos joelhos.
Tinha roupas espalhadas por todo lado, em todas as superfícies possíveis. Camisetas, calças, até meias. Tudo de Kim Dokja.
Ele acordou praticamente do lado da cama.
E, mesmo assim, por algum motivo absolutamente imbecil, ele tinha escolhido dormir no chão.
"Merda..." Ele resmungou, passando as mãos com força pelos cabelos bagunçados.
Quanto ele tinha bebido ontem?
Ele se lembrava vagamente de ter passado em casa para pegar duas das garrafas de vinho guardadas, de ter comprado também um bolo de frutas com chantilly para as crianças, se despedido de Mia e Gilyoung, trocando algumas breves palavras com a babá antes de ir embora.
Depois, ele voltou para o apartamento, fritou frango, sentou no chão e começou a beber como se fosse morrer no dia seguinte. Ele começou bebendo devagar, e quando terminou a primeira garrafa, virou a segunda na boca e bebeu como se fosse água.
"Ugh... Porra..." Ele resmungou baixinho, apertando os olhos enquanto tentava afastar a dor de cabeça que vinha junto com as imagens que voltavam à mente.
Em algum momento, alguém bateu na porta.
Ele já estava bêbado pra caralho quando abriu a porta, e tinha um velho lá para reclamar da porta da entrada do prédio quebrada e cobrar o aluguel e a conta de luz atrasada que Dokja aparentemente não pagava há algum tempo.
Joonghyuk esfregou o rosto com as duas mãos, tentando reconstruir a sequência de desastres da noite anterior.
O senhorio tentou falar, explicar a situação, gaguejando, quase tropeçando nas próprias palavras de tanta pressão e medo quando reconheceu Joonghyuk, o famoso Rei Supremo, com a cara fechada, dentro de um dos muitos apartamentos daqueles prédios baratos e decadentes, parecendo pronto para matar alguém ali mesmo se fosse incomodado.
Mas Joonghyuk simplesmente jogou um maço generoso de notas de won na cara do senhorio e o mandou não encher mais o saco antes de bater a porta com força na cara do senhor.
Depois daquilo... ele tinha começado a revirar o apartamento. E, em algum momento, ele...
E então... ele começou a...
Meu Deus... Não...
O quão patético ele poderia ser?
Meu Deus, que vergonha.
Chega, chega!
"PORRA!" Ele xingou alto numa tentativa patética de calar os próprios pensamentos, o rosto se contorcendo de humilhação, e socou o que estava mais perto.
Infelizmente para a cama, ela foi a vítima.
Com a porrada não intencionalmente muito forte, a madeira da cama rangeu vergonhosamente alto sob o impacto e, como se zombasse dele, uma das pernas cedeu e a cama entortou, inclinada para o lado, com um estalo preocupantemente alto.
Yoo Joonghyuk encarou a cama, agora torta, por longos segundos em silêncio, com olhos vazios e pálpebras pesadas.
Porra.
Qual era a droga do problema dele?
「• • •」
Ele nem tentou arrumar a casa.
Mas nem pensar. Ele não ia arrumar aquilo tão cedo.
Em menos de duas semanas, ele já tinha transformado o apartamento limpo e cuidadosamente organizado de Kim Dokja em uma zona completa.
Ele já tinha quebrado o guarda-roupa, a cama, e duas portas, uma do próprio apartamento, que ele até tentou consertar, mas sem muito sucesso, e a da entrada do prédio.
Para completar a lista, ele também tinha rasgado três camisas de Dokja e, num momento particularmente vergonhoso, arrebentado uma cueca ao tentar vesti-la por falta de roupas limpas. Ele esqueceu de levar as roupas para lavar na lavanderia, já que não tinha máquina de lavar no apartamento de Dokja. Só depois, tarde demais, — diga-se de passagem — foi que percebeu que o tamanho era claramente menor que o dele.
Claro, foi burrice dele, a cueca era claramente de um número menor que o dele. Muito menor.
Porra, isso não vem ao caso agora.
Foda-se. Ele pagaria por tudo.
Ele compraria outro guarda-roupas bem maior e mais espaçoso, outra cama mais aconchegante e confortável, roupas novas e de marca. E até a maldita cueca, tudo.
Ele pagaria por tudo que estava destruindo.
Kim Dokja não ficaria irritado por isso... certo?
Certo?
Ele esperava que não.
No hospital, indo em direção ao quarto de Kim Dokja, Yoo Joonghyuk encontrou Lee Seolhwa no mesmo corredor de sempre, no mesmo horário, esperando por ele. Mas... tinha algo de diferente nela hoje.
Ela parecia exausta.
Sim, mais exausta que o normal.
Por mais crítica que a situação fosse, Seolhwa sempre foi uma mulher jovem e vaidosa, então vê-la parecendo tão... visivelmente cansada o pegou um pouco desprevenido.
"Seolhwa." Yoo Joonghyuk se aproximou da médica, a cumprimentando com o rosto impassível, a voz mais áspera e arranhada do que o habitual.
Porra, ele estava destruído. De verdade. Beber daquele jeito foi uma péssima ideia.
"Bom dia." Ela respondeu, lançando-lhe um olhar rápido e logo arregalando os olhos ao vê-lo de perto. "Minha nossa. Você... você está bem?"
Joonghyuk só conseguiu grunhir em resposta, desviando o olhar. Ele nem queria começar a se lembrar da noite anterior.
Ele estava com uma péssima ressaca e não estava nenhum pouco afim de jogar conversa fora hoje.
Destruído era, na verdade, pouco para descrever como ele estava no momento. E, com certeza, suas olheiras estavam até piores que as dela. Mas isso não vinha ao caso.
"Mm." Ele grunhiu, concordando. "E ele?"
"Espere." Seolhwa insistiu, estreitando os olhos para um hematoma roxo bem feio na bochecha dele. "O que é isso no seu rosto?"
Ele franziu o cenho, confuso. Só então se lembrou do hematoma na bochecha que já acordou com.
Mas nem ele mesmo sabia como tinha conseguido aquilo. Provavelmente foi alguma coisa estúpida de bêbado, só isso.
"Caí." Ele resmungou uma resposta, passando direto por ela, tentando mudar de assunto. "Vamos logo."
Ele foi, mas ela não o seguiu.
Seolhwa observou as costas dele por um momento, estranhamente quieta.
"Eu sinto muito."
Yoo Joonghyuk parou no mesmo instante. Ele virou a cabeça lentamente, encarando-a. Mas no momento em que viu o olhar dela... ele soube.
Soube antes mesmo de ouvir o resto.
Tinha algo de errado.
"…Como?"
"Eu sinto muito." Ela repetiu, e a voz dela agora estava mais baixa, mais suave, como se estivesse tentando adoçar a pílula. "A condição dele... piorou durante a noite."
Por um momento, Yoo Joonghyuk não reagiu. Ele não conseguiu. Só a encarou, o maxilar travado, os músculos tensos, os olhos levemente arregalados.
Piorou?
Dokja... piorou?
"Eu sei que você veio aqui hoje para visitá-lo..." Seolhwa estava falando, mas as palavras dela se tornaram um zumbido distante nos ouvidos de Joonghyuk. "Mas, infelizmente..."
Dokja tinha piorado.
Enquanto ele se embriagava, celebrando algo estúpido, Kim Dokja estava aqui, lutando para respirar, talvez à beira da morte.
Joonghyuk cerrou os punhos com tanta força que os nós dos dedos empalideceram. Ele engoliu em seco, sentindo o estômago revirar e o gosto amargo da culpa subir pela garganta.
Por um instante, ele realmente se permitiu esquecer. Esquecer que Dokja tinha sofrido uma parada cardíaca. Que ainda estava em estado crítico. Que ainda estava aqui, lutando. Que ele foi ressuscitado por muito pouco.
Porra. Que tipo de pessoa fazia isso?
Que tipo de lixo ele era?
Que tipo de lixo comemorava algo enquanto alguém que ama agonizava no hospital, sozinho?
O que diabos ele estava comemorando?
"Eu não me importo com o tiver que ser feito." Ele disse, entre dentes, com a voz rouca, trêmula e quebrada. "Salve-o."
Ele sabia que não tinha o direito de exigir isso dela.
Mas ele estava desesperado.
Lee Seolhwa o encarou em silêncio. Os olhos, antes apenas cansados, agora estavam também vazios, impassíveis.
"Joonghyu—"
"Eu estou implorando." Ele a interrompeu, dando um passo à frente. Sua súplica veio crua, desesperada. "Por favor."
Seolhwa deu um pequeno sobressalto, arregalando levemente os olhos, surpresa com a súbita proximidade do homem que normalmente colocava a distância entre eles.
Joonghyuk chegou tão perto, até estar próximo o bastante para que ela notasse o tremor em seus olhos obsidianas, normalmente tão frios e indiferentes, tão diferentes do olhar vulnerável que estava mostrando agora.
"Por favor." Joonghyuk continuou implorando.
Seolhwa o encarou como se ele estivesse maluco. E, de certo modo, talvez ele realmente tivesse enlouquecido.
Era tudo muito chocante para ela, principalmente a vulnerabilidade nos olhos dele.
"Não me importa o que precisa ser feito." A voz dele vacilou. "Faça."
Não importava o preço.
Não importava o sacrifício.
Nem se ele parecia irracional.
Nada disso importava.
Mesmo que Dokja acordasse completamente diferente do que ele era anos atrás.
Mesmo que ele fosse alguém totalmente diferente agora.
Mesmo que não se lembrasse de nada.
Não se lembrasse deles.
Não se lembrasse dele.
Nada disso importava.
"Ele não pode morrer." Joonghyuk repetiu, a voz falhando. "Por favor."
Ele quase não conseguia respirar direito. O peito estava apertado, as palavras escapando como se pesassem toneladas.
"Você precisa fazer..." Ele cerrou os punhos com força. "Precisa fazer alguma coisa."
Por mais patético que fosse, ele se sentia como um garotinho de novo.
"Ele não pode morrer..." Yoo Joonghyuk sussurrou. E então, com a voz embargada, repetiu. "Por favor. Ele não pode morrer..."
Um garotinho de quatorze anos prestes a perder o melhor amigo.
Seolhwa abriu a boca, prestes a dizer algo, mas hesitou. Então desistiu e baixou os olhos para o chão, desviando do olhar dele.
Ela não conseguia.
"Eu estou fazendo tudo que posso, Joonghyuk-ssi." Ela respondeu o mais calmamente que conseguia. "Mas a partir de hoje, o paciente não poderá mais receber visitas."
Ela não conseguiu encará-lo ao dizer aquilo.
Joonghyuk cerrou a mandíbula, os punhos se fechando com força aos lados do corpo.
Ele sabia que Seolhwa provavelmente estava fazendo o melhor dela. Claro que ela estava.
Mas porra.
O melhor dela não era o suficiente?
Ela era a melhor curandeira do país. Se nem ela conseguia manter Dokja estável, então quem conseguiria?
Quem?
...
Se ele conseguisse só... contatar alguém de fora. Se fosse rápido o bastante, talvez...
Talvez ainda tivesse chance.
Isso custaria caro, mas foda-se, não importava. Se ele conseguisse salvar Dokja, se tivesse uma cura para ele, valeria cada centavo pago. Ele podia até se humilhar e pedir ajuda à Anna Croft. Ela tinha uma curandeira Rank S no time dela, não tinha?
Ele poderia muito bem engolir o próprio orgulho e pedir ajuda à Anna Croft, já que ela tinha uma curandeira de Rank S na Zarathustra, e—
"Joonghyuk-ssi."
Yoo Joonghyuk piscou, sendo tirado de seus pensamentos sombrios por Lee Seolhwa.
"Ele está bem." Seolhwa disse de repente, como se soubesse exatamente no que ele estava pensando. "Olha, ele só está... imunologicamente frágil, entende? A mana dele está instável, e ter alguém com tanta mana como você por perto pode sobrecarregá-lo."
Joonghyuk piscou, atordoado.
...Dokja estava bem?
Joonghyuk só percebeu o quanto estava tenso quando soltou um longo suspiro de alívio, sentindo os ombros tremerem antes de relaxarem. Foi só então que ele sentiu os cantos dos olhos arderem. Ele realmente estava à beira das lágrimas.
Isso tudo era tão patético.
Porra, ele era patético.
"Sobrecarregar?" Ele perguntou, ainda com a voz rouca e arrastada. "O que isso quer dizer? Eu posso... machucá-lo...?"
imunologicamente frágil. Yoo Joonghyuk escutou o que Lee Seolhwa disse.
Se o sistema imunológico de Kim Dokja estivesse realmente tão fraco, isso complicava as coisas.
"Eu não sei exatamente como explicar." Ela respondeu. "Mas... ele não deve ser nada além de um Rank F."
"Um Rank F…?" Joonghyuk repetiu em voz baixa.
Um Rank F lutando do jeito que ele lutou contra aquele monstro de nível A?
Não. Isso era impossível.
"Não. Esqueça isso. Estou falando bobagens." Ela suspirou, balançando a cabeça. "Não sou especialista. Só estou deduzindo, a mana dele é absurdamente baixa."
Sim. Ele sabia disso. Os avaliadores da última vez já tinham mencionado que era um problema nos equipamentos do hospital que estavam aparentemente drenando a mana de Kim Dokja.
Mas ele pensou que fosse esse o problema, os equipamentos. Não a própria mana dele em si.
Eles tinham suspeitado apenas dos equipamentos do hospital, não de uma condição de instabilidade de mana.
"Eu… entendo." Joonghyuk respondeu, assentindo lentamente. "Obrigado."
Uma instabilidade de mana?
Ele pesquisaria... sobre isso.
Seolhwa o observou por um momento, antes de suspirar.
"Vá para casa descansar, Joonghyuk-ssi." Ela o dispensou suavemente, estendendo a mão para tocá-lo e, como sempre, hesitando.
Mas, dessa vez, ela decidiu criar coragem e deu um tapinha amigável no ombro dele.
"Não se preocupe, eu avisarei assim que a condição dele estabilizar, e quando você puder voltar com as visitas também." Ela prometeu. "Sério, nesse ritmo, você deveria apenas se mudar pra cá logo."
Yoo Joonghyuk estava realmente visitando o hospital com muita frequência, não é?
Bem, não é como se ele quisesse. Ele não estaria fazendo isso se não fosse por Dokja.
"Nunca vi alguém gostar tanto de um hospital como você." Seolhwa brincou, tentando quebrar o peso do momento. "Sério."
Gostar?
"Não gosto." Joonghyuk se afastou dela, esfregando o rosto com as duas mãos para limpar os resquícios de fraqueza que demonstrou antes.
Sim, ele detestava hospitais.
O cheiro estéril, as paredes brancas, o ar sufocante. Tudo naquele maldito lugar causava desconforto.
Tudo.
Mas não era como se ele pudesse escolher. Ele não estava aqui exatamente por querer estar. Ele estava fazendo isso por Kim Dokja.
"Cuide dele." Joonghyuk lançou um olhar cansado para a médica. "Qualquer emergência... me ligue. Imediatamente."
Seolhwa o encarou por alguns longos segundos em silêncio, antes de assentir fracamente com a cabeça.
"Eu farei." Ela o respondeu. "Cuide-se também. Dirija com cuidado para casa."
Joonghyuk apenas assentiu de volta, enfiando as mãos nos bolsos do casaco, os ombros tensos. Então, virou-se e começou a andar pelo corredor.
O humor dele tinha amargado completamente.
Ele estava desanimado.
Não.
Não desanimado.
Ele estava triste.
Sim, essa era a palavra certa.
Triste.
Ele não queria admitir, mas era isso. Estava triste.
Ele soltou o ar pela boca, uma lufada quente que contrastava com o frio dos corredores. Seus olhos estavam fixos no chão à sua frente, presos em seus próprios passos pesados e lentos. Sentindo a exaustão pesar em cada passo que dava.
Ele estava cansado. De tudo.
Fisicamente, mentalmente, emocionalmente.
Ele estava exausto.
Mas não é como se tivesse muita escolha a não ser continuar.
Ao passar pela recepção, ele não trocou uma palavra com ninguém. Apenas seguiu direto até os elevadores. Chegando lá, apertou o botão e esperou, com o maxilar travado, seu olhar vago, distraído, fixo no visor acima da porta.
Tudo o que ele poderia fazer agora era continuar investigando.
Sim, ele ainda não tinha desistido daquilo.
Do moletom amarelo.
Era simplesmente muita coincidência para ignorar.
Por menor que fosse a ligação, a suspeita dele ainda continuava. Ele ainda desconfiava de Dokja.
Ele escondeu uma criança Rank S.
Ele também tinha guardado, escondido em um compartimento secreto no fundo do armário, um moletom amarelo, um moletom amarelo surrado e manchado com sangue de monstro.
Um moletom da mesma cor do daquele garoto que o salvou naquele dia.
Quando o elevador finalmente chegou, vazio, ele entrou silenciosamente e encostou-se na parede gelada dos fundos. O espelho refletia seus olhos fundos, cansados, as olheiras escuras e a expressão tensa.
Sozinho no espaço fechado, ele finalmente permitiu que o corpo relaxasse um pouco, respirando fundo. O elevador desceu lentamente, os andares passando um a um, até chegar ao estacionamento.
Mesmo que estivesse confuso, com as memórias bagunçadas, fosse por causa daquele monstro, — o Pesadelo — ou pelo trauma, Yoo Joonghyuk não se esquecia das coisas com facilidade.
E ele nunca se esqueceu daquele dia.
O dia em que foi salvo.
No momento em que as portas do elevador se abriram, ele saiu sem pressa.
Se Dokja tivesse alguma ligação com OD...
Com aquele garoto de amarelo...
Ele descobriria.
「• • •」
Os funcionários da N'Gai operavam com um nível de excelência impecável. Eficiência e agilidade eram marcas registradas da guilda, e não à toa. Era por essas e tantas outras qualidades que a N'Gai tinha se consolidado como uma das melhores do país, oferecendo sempre um serviço e um atendimento impecável.
Então, um pedido vindo diretamente da Pacheonmaeng, a equipe principal da N'Gai, era tratado com prioridade máxima, com a máxima de eficiência e capacidade da guilda.
E é por isso que, quando a Pacheonmaeng solicitou uma investigação de antecedentes, os resultados ficaram prontos em menos de um dia. Um único dia era muito mais do que o suficiente para uma guilda do nível da N'Gai.
Com os avanços tecnológicos atuais, rastrear e levantar informações sobre alguém era um processo rápido, especialmente se a pessoa em questão possuía um registro oficial como caçador, mesmo que fosse de nível inferior.
Han Donghoon, dezoito anos. Um caçador Rank C que, segundo o relatório, já tinha feito parte de uma guilda anteriormente, embora atualmente não fizesse parte de nenhuma.
Mas o que realmente chamou a atenção de Yoo Joonghyuk foi o nome que apareceu repentinamente entre as muitas informações coletadas.
Black Cloud.
Yoo Joonghyuk até arqueou uma sobrancelha ao ler o nome da Guilda Black Cloud no meio do relatório.
Foi inesperado.
Black Cloud era uma guilda conhecida. Muito conhecida, na verdade. Grande, poderosa e tinha uma reputação complicada. Yoo Joonghyuk sabia, por exemplo, que se Kim Namwoon não tivesse escolhido a N'Gai, ou melhor, a Pacheonmaeng, provavelmente teria acabado lá, na Black Cloud.
E esse adolescente, Han Donghoon, tinha entrado na Black Cloud aos dezesseis anos, como membro de um time específico chamado Shadow Behind the Curtain, um grupo formado por caçadores cujas habilidades não eram voltadas para o combate.
De acordo com o relatório, Donghoon possuía habilidades excepcionais em hacking e coleta de informações. Ele era considerado um talento promissor nesse campo, até melhor do que a equipe inteira trabalhando atualmente na N'Gai.
Isso era um pouco surpreendente, sinceramente.
Mas, depois de alguns incidentes não especificados, ele foi afastado da equipe. Pouco tempo depois, a Shadow Behind the Curtain foi completamente dissolvida.
O time inteiro foi desfeito. Sem explicação alguma.
Esse detalhe, em especial, era um pouco curioso. Já que, a própria N'Gai, há alguns anos atrás, teve sérias desavenças com a Black Cloud, e coincidentemente, foi naquela mesma época que a Shadow Behind the Curtain deixou de existir.
Claro, não foi por causa da N'Gai que o time foi desfeito. Mas a coincidência era no mínimo um pouco curiosa.
Essa equipe era famosa e, para muitos, incômoda, por suas atividades relacionadas à espionagem, coleta de informações e roubo de dados confidenciais.
Sem contar os casos de sabotagem. A Shadow Behind the Curtain era uma equipe que, preocupantemente, tinha uma facilidade assustadora para invadir e corromper sistemas inteiros.
Isso chegou a colocar medo em muitas outras guildas.
Joonghyuk ainda se lembrava perfeitamente da época. O presidente da Black Cloud rindo diante das câmeras, durante uma coletiva, fazendo ameaças veladas, ameaçando abertamente e descaradamente às outras guildas enquanto se gabava de sua mais nova equipe de hackers talentosos.
Na época, foi algo realmente impactante.
Logo depois disso, praticamente todas as grandes guildas correram para tentar formar seus próprios times de especialistas cibernéticos. Toda essa ideia de ter gênios da tecnologia à disposição, gênios da computação e da análise de dados para invadir redes, compilar informações, preparar relatórios estratégicos e proteger a segurança cibernética da guilda era simplesmente tentadora demais.
Um simples time desses poderia mudar completamente o funcionamento interno de uma organização inteira, principalmente uma guilda, que precisava desse tipo de serviço.
Hoje em dia, Yoo Joonghyuk, como Secretive Plotter, aproveitava plenamente desses recursos. N'Gai possuía uma equipe inteira dedicada à análise, pesquisa, vigilância e segurança cibernética, algo que ele valorizava muito dentro da guilda dele.
Sua equipe de análise e segurança cibernética era competente, eficiente, e essencial para o funcionamento da N'Gai.
Eles eram, inclusive, o mesmo pessoal que fazia a pesquisa de antecedentes quando era solicitado. Pessoas talentosas e eficientes.
Claro, o conceito em si não era exatamente novo ou inovador. Guildas sempre contaram com esses departamentos de inteligência e tecnologia. Bem, afinal, informação era poder. E as guildas precisavam reunir informações, acompanhar atualizações e manter um passo sempre à frente, isso se quisessem sobreviver ao mercado competitivo e desafiador das guildas.
Mas foi a Black Cloud que revolucionou o cenário ao popularizar a presença de despertados com habilidades tecnológicas específicas. Foi a Black Cloud quem realmente popularizou a ideia de escalar despertados com habilidades específicas para esse tipo de função.
Black Cloud fez um movimento realmente inteligente.
E isso mudou tudo.
Um despertado com habilidades voltadas à tecnologia era infinitamente mais eficiente que um simples profissional da área. Suas habilidades poderiam burlar sistemas em segundos, invadir redes extremamente protegidas e trabalhar em uma velocidade humanamente impossível para pessoas comuns, não-despertados.
Mas ainda assim, isso acabou não dando tão certo como muitos esperavam.
Infelizmente, — ou felizmente, para os rivais — a Shadow Behind the Curtain acabou não durando muito. Ela foi dissolvida pouco tempo depois, e o número de despertados com esse tipo de dom específico era muito pequeno.
Manter uma equipe para esse propósito era inegavelmente útil, mas esqueça a ideia de ter um despertado com habilidades voltadas para a área de tecnologia dentro da equipe, isso era só tempo sendo jogado fora.
Eles eram raros demais na Coreia para sustentar um padrão.
Mas, surpreendentemente, Han Donghoon parecia ser um desses raros talentos.
Depois de Lee Gilyoung, Joonghyuk já tinha praticamente descartado a possibilidade de recrutar alguém tão cedo. Um Rank S com apenas dez anos já era mais do que o suficiente para alterar a dinâmica do time.
Mas, se Donghoon fosse mais um talento à espera de reconhecimento...
Yoo Joonghyuk não fecharia os olhos.
Ele não desperdiçaria essa chance.
Seria uma oportunidade de ouro.
Kim Dokja parecia estar mesmo cercado de pessoas extraordinárias.
Com o relatório de antecedentes finalmente em mãos, Yoo Joonghyuk não perdeu tempo. Marcou uma reunião de última hora com o time todo e convocou todos que estivessem disponíveis.
Lee Hyunsung e Jung Heewon ficaram, compreensivelmente, confusos com toda a situação. Não era nenhuma missão urgente, também não tinha nenhum portal perigoso prestes a abrir, nem qualquer outro possível tipo de ameaça que necessitasse uma reunião com o time todo, tão em cima da hora.
Na verdade, tudo isso se tratava apenas de um garoto de dezoito anos.
Kim Namwoon, por outro lado, não questionou nada. Topou na hora. Para ele, se o capitão dizia que era importante, então era.
Já Lee Jihye não parava de fazer perguntas, uma atrás da outra, todas ignoradas por Yoo Joonghyuk, que recusou-se a responder qualquer uma. Ele apenas disse que eles veriam por si mesmos.
E eles iriam, se Han Donghoon realmente fosse tudo isso mesmo.
O plano era simples. Primeiro, fazer uma visita ao endereço de Han Donghoon, observar, se aproximar e fazer perguntas, tirar conclusões e, se não tivesse nada de suspeito, em seguida, eles aproveitariam para patrulhar a área. Iriam vasculhar os arredores em busca de qualquer instabilidade nos portais ou atividades anormais. E, se tudo estivesse em ordem, retornariam para o prédio da guilda e descansariam.
Mesmo que eles não descobrissem nada suspeito sobre Han Donghoon, a patrulha por si só já garantiria que o dia não fosse desperdiçado. Portais de nível baixo estavam sempre ativos e manter a vigilância era parte do trabalho de um caçador.
E se Donghoon não tivesse nada de interessante ou suspeito nele, tudo bem. Mas, se ele mostrasse potencial, a N'Gai talvez ganhasse mais um despertado.
Era uma aposta segura.
Ele não tinha nada a perder com isso.
「• • •」
Estacionando a van blindada da guilda numa das vagas livres, — um veículo preto, grande o suficiente para caber uma equipe inteira dentro, com o logótipo dourado da N'Gai estampado nas laterais — Lee Hyunsung soltou o próprio cinto de segurança e anunciou em voz alta.
"Chegamos." Ele avisou, abrindo a porta e saindo primeiro. "Vamos lá."
Yoo Joonghyuk, sentado ao lado do motorista, desceu em seguida. Logo depois, Lee Hyunsung abriu a porta traseira da van e os demais membros do time desceram também.
Diante deles, estava uma Lan House.
Mas não era qualquer Lan House.
Não.
Era aquela Lan House.
Isso mesmo. Era aquela mesma Lan House de anos atrás. O mesmo lugar que Yoo Joonghyuk frequentou obsessivamente, dia após dia, em busca de respostas sobre a identidade daquele farsante.
Do falso Yoo Joonghyuk.
Do verdadeiro "Rei Supremo".
OD.
Ele franziu o cenho ao observar o lugar, analisando com os olhos atentamente a fachada antiga. Tudo estava praticamente quase igual à da última vez que veio aqui. Um pouco mais desgastada pelo tempo, mesma simplicidade de antes, com a mesma loja de conveniência colada à lateral. Essas duas lojas pertenciam ao mesmo senhor idoso, que, pelo visto, ainda trabalhava ali.
Para os frequentadores da Lan House, era simplesmente perfeito e prático. Eles poderiam comprar ramyeon, bebidas ou qualquer outra besteira na loja de conveniência ao lado e continuar jogando sem nem sequer sair da rua.
Uma combinação inteligente.
"Uma Lan House?" Jihye perguntou, confusa. "O que viemos fazer aqui?"
"Nós vamos jogar?" Namwoon se animou, os olhos até brilhando com o pensamento de poder fazer uma pausa para jogar algum jogo de FPS.
É claro. Todos eles gostavam de jogos. Principalmente Kim Namwoon.
Mas não era por isso que estavam ali.
Pode parecer exagero ele ter trazido todo o time só para isso, mas Yoo Joonghyuk preferia ser cauteloso. Por mais que Han Donghoon fosse apenas um garoto de dezoito anos, apenas um Rank C normal registrado, sempre existia a possibilidade de algo estar errado.
Do relatório estar incompleto. Quem saiba, até incorreto ou ultrapassado, com informações nem tão mais precisas assim.
Ele não sabia quem era aquele garoto.
O relatório dizia que ele era só um garoto de dezoito anos. Um Rank C, aparentemente inofensivo. Mas e se estivesse errado?
Era sempre melhor prevenir do que remediar.
E, no fundo, Joonghyuk também não conseguia ignorar aquela sensação estranha que o acompanhava desde que leu aquele nome.
Uma sensação incômoda.
Sem dizer nada, ele deu o primeiro passo, atravessando a rua em direção da Lan House.
"Capitão?" Jihye chamou, surpresa, antes de apressar os passos para alcançá-lo na frente.
Lee Hyunsung terminou de trancar a van e logo se juntou aos demais. Jung Heewon os seguiu em silêncio, atenta, enquanto Namwoon e Jihye já estavam alguns passos à frente, seguindo de perto os passos pesados de Yoo Joonghyuk.
Joonghyuk empurrou a porta de vidro, sendo imediatamente atingido pelo ar quente vindo de dentro da Lan House, um contraste gritante com o frio congelante do lado de fora.
E para um lugar com uma aparência tão velha e simples por fora, estava surpreendentemente cheio dentro. Bem mais movimentado do que da última vez em que ele esteve ali, quase quatro anos atrás.
Os computadores agora eram todos modernos, de última geração. O ambiente também estava bem mais climatizado em comparação a antes, com aquecedores e ar-condicionados funcionando perfeitamente. E, diferente de antes, tinha pelo menos mais três funcionários circulando.
Da última vez, era apenas um senhorzinho idoso cuidando de tudo sozinho. Limpeza, gestão, atendimento, vendas, tudo.
"Caraca..." Kim Namwoon assobiou, genuinamente surpreso. "Esse lugarzinho até que é mais decente do que eu pensei..."
Realmente.
Essa pequena Lan House, apesar da fachada simples e antiga, era limpa, moderna e bem organizada. Era tecnologicamente muito bem equipada também.
Era uma pena, de verdade. Se tivessem investido um pouco na frente do estabelecimento, com certeza teriam atraído ainda mais clientes.
Era um lugar bem bacana.
Yoo Joonghyuk fez uma varredura rápida com os olhos no interior. Ele contou rapidamente dezessete clientes espalhados entre os computadores e pelo menos três funcionários circulando. Todos homens. E quase todos estavam olhando para eles.
Bem, não era para menos.
Eles eram a Pacheonmaeng.
Joonghyuk caminhou diretamente até o balcão da recepção, onde um dos atendentes — um jovem rapaz, não mais do que vinte anos, provavelmente trabalhando de meio período — estava agachado, limpando algo atrás do balcão.
E ao se levantar e dar de cara com Yoo Joonghyuk, o Rei Supremo em pessoa, o jovem levou um susto. Mas só foi quando ele percebeu o restante da Pacheonmaeng logo atrás do capitão deles que o rosto dele empalideceu completamente, como se tivesse acabado de ver um fantasma.
E antes mesmo que o pobre recepcionista pudesse cogitar abrir a boca, Yoo Joonghyuk começou a falar.
"Han Donghoon. O endereço dele está vinculado a essa Lan House."
O funcionário ficou completamente paralisado por um longo momento, a boca meio aberta, tentando formar alguma resposta. Mas acabou apenas gaguejando algumas palavras antes de sair correndo para os fundos, em pânico.
Kim Namwoon soltou uma risadinha nasal, se divertindo com a reação exagerada que as pessoas sempre tinham quando os viam. Enquanto isso, Lee Jihye apenas estalou a língua, impaciente com a coisa toda e, principalmente, irritada com a risadinha irritante de Kim Namwoon.
Mas, felizmente, não demorou muito para que um senhor idoso surgisse dos fundos, o dono dos dois estabelecimentos. Ele carregava uma bandeja com uma lata de energético lacrada e uma tigela de ramyeon fumegante, cuidadosamente preparado, com dois ovos, carne de porco fatiada e cebolinha picada no topo.
"Posso ajudá-los com algo?" O idoso perguntou com uma calma surpreendente, como se a presença da Pacheonmaeng em pessoa em seu estabelecimento fosse apenas mais uma ocorrência diária.
Não era um senhor tão velho assim. Deveria estar na casa dos cinquenta e poucos anos, ainda em boa forma para alguém que trabalhava em dois estabelecimentos ao mesmo tempo.
Esse senhor também era o mesmo homem que tinha atendido Yoo Joonghyuk quatro anos atrás, durante sua busca pelo farsante. Claro, naquela época, Joonghyuk estava encapuzado, então o idoso não teria como reconhecê-lo agora.
"Han Donghoon—" Yoo Joonghyuk repetiu, indo direto ao ponto como sempre fazia.
"Eu sinto muito, mas Donghoon-ah não está trabalhando essa semana." O homem o interrompeu rapidamente, com um sorriso apologético.
Joonghyuk piscou, momentaneamente atordoado.
Ele... foi interrompido?
No fundo, sua equipe inteira reagiu dramaticamente a interrupção. Jihye pigarreou discretamente. Hyunsung limpou a garganta. Heewon tossiu e Namwoon franziu o cenho, como se o idoso tivesse acabado de xingar e ofender o time inteiro.
"Ele não está..." Joonghyuk repetiu, como se estivesse tentando confirmar a informação, o cenho franzido em confusão. "Trabalhando?"
"Sim, isso mesmo." O senhor confirmou com um aceno de cabeça. "Um conhecido está hospitalizado. Donghoon-ah está bem abalado com isso, então resolveu tirar a semana de folga."
Hospitalizado...
Um conhecido hospitalizado?
Ele estava falando de Dokja?
"Sim, eu sei." Yoo Joonghyuk rapidamente se recompôs. "Kim Dokja. Foi ele mesmo quem me pediu pessoalmente para verificar como Han Donghoon estava."
Lee Jihye tossiu ao fundo, tentando conter uma reação de indignação com a mentira tão descarada.
"Gilyoung-ah também." Yoo Joonghyuk acrescentou, sem o menor sinal de vergonha na cara. "Nós o visitamos também. O senhor o conhece?"
O idoso pareceu surpreso por um momento, mas então seu rosto se iluminou com um sorriso largo e genuíno.
"Oh! Gilyoung-ah, sim! Então Dokja-ya está realmente bem!" O idoso deixou a guarda cair imediatamente. "Que notícia maravilhosa! Que alívio!"
Era só uma mentirinha inofensiva. Isso não machucaria ninguém, certo?
"Dokja-ya vive sempre rodeado de gente famosa, não me surpreende!" O senhor deu uma risada rouca e saiu de trás do balcão. "Venham, venham."
Gente famosa?
O senhor fez um gesto para que o seguissem, e Joonghyuk não hesitou em acompanhá-lo. O resto da equipe seguiu logo atrás deles.
"Ora, você deveria ter dito que estava aqui por causa do senhor Kim desde o começo, rapazinho! Estamos todos preocupados depois do que aconteceu na feira!" O senhor disse, em um tom descontraído e bem-humorado, enquanto os conduzia para fora da Lan House. "Recebemos tantos caçadores todos os dias que fico até meio perdido!"
Caçadores?
Todos os dias?
Han Donghoon estava trabalhando por conta própria agora?
Joonghyuk franziu o cenho enquanto escutava o idoso falar sem parar.
Com as habilidades que ele tinha, até que fazia sentido. Um hacker independente, talvez. Um freelancer do submundo da informação.
Mas Dokja… estava envolvido com isso também?
Tinha duas lojas na frente, lado a lado, coladas uma à outra. De um lado, a Lan House e do outro, à direita, a pequena lojinha de conveniência.
Bem do lado esquerdo da Lan House, tinha um velho portãozinho de madeira, que o idoso destrancou enquanto conversava casualmente com eles. O portão revelou um corredor estreito de concreto ao ser aberto, tão apertado que o grupo precisou formar uma fila única, andando um atrás do outro para conseguir passar pelo corredor.
"Sabe, o nosso Han Donghoon é bem conhecido." O idoso comentou casualmente, em tom de conversa, enquanto seguia à frente com passos tranquilos pelo corredor que contornava a Lan House. "Muitos caçadores famosos vêm aqui por causa dele. É realmente uma benção."
Por ele ter feito parte da Black Cloud, Yoo Joonghyuk imaginava que isso realmente tivesse atraído atenção. Com habilidades como as dele, clientes é o que certamente não deveria faltar.
Han Donghoon deveria ser conhecido, apesar de Yoo Joonghyuk nunca ter ouvido falar nele.
Ele não era muito interessado no assunto das outras guildas para se aprofundar tanto nisso.
"Então a sua Lan House deve ser muito bem frequentada, senhor." Jung Heewon disse de repente, com a voz calma e tranquila. "É um lugar muito agradável. Imagino que o senhor cuide com muito carinho."
Joonghyuk ficou um pouco surpreso. Ele não esperava que alguém além dele fosse puxar conversa, mas ele não achou isso ruim.
"Ohoho, muito obrigado, senhorita!" O idoso olhou rapidamente por cima do ombro e sorriu. "É tudo graças ao senhor Kim e ao jovem Donghoon. Esse lugar não era nada antes deles."
Kim Dokja...
Tudo voltava para ele.
Sempre, ein?
O corredor estreito se estendeu até os fundos das lojas, onde tinha outra porta, que o idoso destrancou calmamente e empurrou aberta, revelando o interior de uma pequena casa simples.
Sim, uma casa. Não parecia ter muito mais do que uma sala conjugada com cozinha, um banheiro e um quarto. Era pequeno, mas muito organizado.
O idoso entrou primeiro e os convidou a fazer o mesmo. Com todos ali dentro, o espaço ficou apertado. Muito apertado. Lee Hyunsung teve até que se abaixar um pouco para passar pela porta sem bater a cabeça.
"Ele é um menino muito tímido, então sejam pacientes com ele." O idoso avisou, seguindo em frente ainda com aquela bandeja em mãos. Era, aparentemente, o almoço de Donghoon, ainda fumegando, com cheiro forte de ramyeon temperado. "E por favor, sem barulho. Ele é bem sensível."
Um adolescente tímido, reservado, sensível.
Tudo bem. Isso era fácil.
Yoo Joonghyuk escutou o som muito característico de um tapa estalando atrás dele, provavelmente Lee Jihye batendo em Kim Namwoon depois de alguma provocação ou algum comentário engraçadinho sobre Han Donghoon ser uma "menininha", mas ele escolheu ignorar os dois membros mais jovens da equipe e continuar seguindo o idoso pela casa.
O senhor os conduziu até uma porta fechada de um quarto, cheia de rabiscos, anotações feitas à mão e até recortes colados, com avisos como "bata antes de entrar" e "não faça barulho".
Peculiar.
O idoso bateu três vezes na porta, gentilmente. Silêncio. Não teve nenhuma resposta. Então, cuidadosamente, ele girou a maçaneta e empurrou a porta devagar, entrando no cômodo escuro.
Era escuro.
Totalmente escuro. A única iluminação que tinha no quarto vinha das telas. Pelo menos quatro monitores de tamanhos diferentes, dispostos sobre uma mesa, todos exibindo códigos, interfaces, janelas e informações.
Um rapaz jovem estava sentado no meio daquela bagunça de fios e telas, afundado em uma cadeira giratória de couro, digitando freneticamente nas teclas do teclado.
O adolescente, que ele presumiu ser Han Donghoon, estava vestindo uma calça de moletom preta e um casaco cinza um pouco largo demais para seu corpo esguio, com um headset enorme cobrindo as orelhas, isolando-o, abafando qualquer som externo.
Donghoon nem sequer reagiu a entrada da visita no quarto, provavelmente já acostumado ou, pelo menos, esperando que o idoso aparecesse por ali.
"Donghoon-ah." O senhor chamou com uma voz baixa e cautelosa, como se estivesse se aproximando de um animal assustado. "Sou eu."
O adolescente nem sequer se mexeu, completamente absorto nos inúmeros códigos e informações que apareciam na tela. Mas o idoso não pareceu nenhum pouco incomodado com a indiferença.
Ele entrou no quarto, escancarando a porta e, sem cerimônia, acendeu as lâmpadas.
Mas o quarto...
Joonghyuk congelou no lugar.
Não era só um quarto...
O que as luzes revelaram fez Joonghyuk parar bruscamente, o corpo inteiro paralisado na soleira da porta, impedindo o restante do time de passar. E eles realmente pararam atrás dele, impedidos de entrar pelo capitão deles, que estava bloqueando a passagem.
Tinha...
Tinha inúmeros recortes de jornais e revistas, paredes totalmente cobertas, imagens e painéis de cortiça cheias de fotos com alfinetes e recados para todos os lados. Pelúcias e travesseiros em cima da cama, chaveiros pendurados nas prateleiras, bonecos, action figures, canecas enfileiradas, copos temáticos, garrafas estampadas, pôsteres cobrindo cada centímetro das paredes.
Tudo, absolutamente tudo, com o rosto, o nome ou o símbolo do Rei Supremo.
Dele.
Prateleiras com produtos de edição limitada, alguns ainda lacrados. Outras, com vitrines de vidro exibindo pequenos itens colecionáveis. Tinha até produtos autografados. Produtos autografados por ele mesmo, Yoo Joonghyuk em pessoa. E muitos. Muitos deles.
Muitos de edição limitada, difíceis de encontrar, alguns que ele lembrava vagamente de terem sido tirados do mercado anos atrás.
Tudo.
Coleções raras, itens de edição limitada, peças assinadas... estava tudo ali. Nem ele próprio sabia que tantos produtos sobre si mesmo existiam.
Sua imagem tinha sido tão explorado assim?
Parecia que sim.
Tinha até fotos que pareciam tiradas por paparazzi, tinha outras que pareciam terem sido tiradas por fãs em eventos. Tudo impecavelmente conservado e exposto com um cuidado obsessivo.
E limpo. Tudo bizarramente muito limpo.
Era tudo dele.
Tudo sobre ele.
Isso não era um quarto...
Era um santuário ao Rei Supremo.
Pior.
Isso era ainda pior.
Era pior do que a casa de Kim Dokja.
Muito pior.
Nem se comparava.
Joonghyuk ficou paralisado no lugar, olhos arregalados, a boca ligeiramente aberta, sentindo a garganta secar.
O que diabos... era aquilo?
"Mestre?" Lee Jihye sussurrou atrás dele, tentando espiar o interior do quarto.
Yoo Joonghyuk engoliu em seco e respirou fundo, criando coragem até dar um passo à frente, finalmente entrando no quarto.
No momento em que os outros entraram, ele escutou um leve suspiro atrás de si, mas levantou a mão, exigindo silêncio. Todos entenderam o recado e imediatamente ficaram em silêncio absoluto.
"Donghoon-ah, seu almoço." O senhor disse calmamente, como se a situação não fosse nenhum pouco bizarra, aproximando-se com a bandeja em mãos. Colocando-a cuidadosamente sobre a escrivaninha. "Precisa de mais alguma coisa?"
Han Donghoon murmurou algo ininteligível, sem nem sequer virar o rosto na direção do idoso. Ele continuou digitando freneticamente, sem dar atenção a mais nada, os olhos fixos nas telas cheias de códigos que corriam em alta velocidade.
Ótimo.
Simplesmente ótimo.
Yoo Joonghyuk realmente não sabia o que fazer agora. Han Donghoon parecia tão obcecado por ele quanto Kim Dokja. E isso... era perturbador.
Perturbador pra caralho.
Ele sabia que era famoso. Sabia que os fãs gostavam dele. Mas não nesse nível. Não ao ponto de alguém transformar o próprio quarto em um altar para ele. Um santuário.
O olhar dele se arrastou até a cama, e um desconforto subiu pelo estômago dele. Quase náusea.
Tinha um daqueles travesseiros em tamanho real, com a imagem dele estampada de corpo inteiro.
Tudo isso era... era simplesmente horrível.
Lee Jihye estava observando tudo ao redor, do canto, olhos arregalados, parecendo quase espantada. Kim Namwoon parecia genuinamente perturbado com a situação toda, meio enojado até. Jung Heewon apenas franzia o cenho, o semblante rígido. E até mesmo Lee Hyunsung parecia desconfortável de uma maneira que ele raramente demonstrava, deslocando o peso de um pé para o outro.
Joonghyuk não os culpava.
Era estranho ver... alguém tratando um conhecido dessa forma.
Como se ele fosse um Deus que merecesse ser reverenciado.
Isso era bizarro.
Talvez tivesse sido até um erro virem aqui.
O senhor, percebendo o clima estranho e a tensão no ar, lançou um olhar nervoso ao grupo, percebendo claramente o quão bizarra aquela situação devia parecer para qualquer um de fora. Mas logo voltou a atenção para o jovem no computador.
"Donghoon-ah..." O idoso suspirou, com a voz cheia de cuidado. "Eu sei que você está passando por um momento difícil..."
Mas o adolescente não se virou. Continuava de costas, os dedos digitando sem descanso no teclado, os olhos grudados nas telas. Ignorar alguém assim era rude. Mas o idoso nem parecia surpreso.
"Mas nós temos algumas visitas aqui, e—"
"Mande-os embora." Han Donghoon interrompeu sem rodeios. Sua voz saiu baixa, monótona, quase entediada. "Tô triste."
Ele definitivamente não parecia triste.
O senhor apenas suspirou, como quem já estava acostumado com aquilo.
"Eu sei, mas—"
"Não quero ver ninguém." Han Donghoon murmurou, os dedos acelerando no teclado. "Diz que tirei a semana de folga por causa de um conhecido hospitalizado."
O idoso suspirou de novo, paciente. "Donghoon-ah, eu disse exatamente isso. Mas foi o próprio Dokja-ssi quem pediu para eles virem."
Foi como apertar um interruptor.
O nome de Kim Dokja pareceu arrancar Han Donghoon do transe. Ele congelou, os dedos parando no ar, acima do teclado, a respiração suspensa.
"O quê?" Han Donghoon perguntou, agora com um tom bem mais sério na voz.
"Sim, eles são conhecidos dele." O senhor confirmou, mantendo o tom calmo. "Kim Dokja está bem. Eu sei que você ficou muito preocupado depois daquele vídeo que ficou famoso da quebra de portal na—"
"Quem?" Han Donghoon interrompeu, a voz agora carregada de ansiedade. "Quem está aqui?"
O idoso abriu a boca para responder, mas Donghoon foi mais rápido.
"Seolhwa está aqui?" Han Donghoon perguntou, virando-se parcialmente na cadeira, os olhos finalmente se afastando das telas. "É ela?"
Seolhwa?
Lee Seolhwa?
O que ela tinha a ver com isso?
O rosto de Yoo Joonghyuk escureceu parcialmente, o semblante se fechando conforme ele observava a situação se desenrolar em silêncio, esperando algum deslize, qualquer pista que explicasse a ligação inesperada entre Lee Seolhwa e eles.
"Não—" o idoso tentou esclarecer, mas foi interrompido de novo.
"Por que ela está aqui?" Han Donghoon perguntou, já roendo as unhas pelo nervosismo, pela ansiedade. "O hyung disse alguma coisa?"
Hyung?
O que, exatamente, Dokja teria para dizer?
"É o Rei Supremo." o idoso finalmente conseguiu dizer. "É o Rei Supremo e os colegas dele. Estão todos aqui."
Han Donghoon congelou no mesmo instante ao escutar a resposta.
Ele inspirou fundo e girou a cadeira de volta para a mesa, voltando a encarar os monitores. Joonghyuk pôde ver claramente quando ele abriu um aplicativo muito familiar de mensagens.
Midday Tryst.
O nome de usuário @M.A.D. brilhou no topo da janela da conversa, um branco exageradamente chamativo contrastando com o azul translúcido.
Joonghyuk não conseguiu ler com clareza o que estava sendo digitado, mas uma única mensagem se destacou entre os outros balões de mensagens.
[HDH: Eles me pegaram.]
Donghoon arrancou o headset da cabeça com um puxão e se levantou bruscamente da cadeira.
"E-eu p-preciso ir..." ele gaguejou, tremendo dos pés à cabeça como se estivesse prestes a entrar em pânico. "E-eu não quero ver ninguém, ahjussi...!"
O adolescente girou nos calcanhares, agitado, e disse enquanto se preparava para fugir. "Você precisa segurar eles lá embaixo na Lan House enquanto eu—"
Han Donghoon congelou no lugar.
No momento em que ele se virou para sair, se deparou não só com Yoo Joonghyuk o encarando friamente, mas também com Kim Namwoon o lançando um olhar mortal, Lee Jihye o observando seriamente, Jung Heewon cruzando os braços com o cenho franzido e Lee Hyunsung... bem, Lee Hyunsung estava parado atrás deles, como uma muralha, ocupando quase todo o espaço da porta e impedindo passagem. Passar por ele seria impossível.
Han Donghoon ficou pálido, ainda mais pálido do que já era. Os olhos arregalados dele os encaravam um por um, como um animal encurralado.
Olhando de frente assim, mais de perto, Joonghyuk conseguia ver agora.
O adolescente tinha olheiras profundas. Bolsas escuras e inchadas abaixo dos olhos, também tinha uma pele pálida, como a de Dokja. Exceto que Dokja parecia bem mais doente. Seus ombros, apesar da postura ansiosa e agitada, estavam curvados pelo cansaço.
Ele parecia jovem.
Muito mais jovem do que Joonghyuk esperava ser.
"Então." Lee Jihye bateu o pé no chão, impacientemente. "Nos distrair pra quê, exatamente?"
Han Donghoon estremeceu violentamente, o olhar disparando de um lado para o outro em busca de uma saída.
"Não seja tão maldosa, jovem." o idoso a repreendeu, sem se importar de que estava falando com uma Rank S. "Ele só está com medo."
O adolescente olhou de relance para o senhor, depois para o grupo à sua frente. Suas pupilas estavam tremendo, e todo o corpo dele sacudia intensamente, denunciando o pânico que estava sentindo.
"Seremos cautelosos com ele. Não se preocupe." Yoo Joonghyuk lançou um olhar de advertência para Lee Jihye, que rapidamente entendeu o recado e se calou, cruzando os braços em silêncio. "Podemos conversar em particular?"
O idoso hesitou no mesmo instante, os olhos indo de Joonghyuk para Donghoon, relutante em deixá-los sozinhos.
"É sobre Kim Dokja." Yoo Joonghyuk acrescentou, suavizando um pouco o tom para mostrar que não era uma ameaça. "É importante. Muito importante. E precisa ser dito em particular."
O senhor soltou um suspiro resignado.
"Tudo bem." Ele olhou para Donghoon, que abaixou a cabeça sem dizer nada. "Se acontecer qualquer coisa, estarei na Lan House."
Ele lançou um último olhar preocupado para Donghoon antes de sair.
Lee Hyunsung abriu caminho para que o senhor passasse e saísse do quarto e, só depois de o escutar sair pelo portão e fechá-lo do lado de fora, fechou e trancou a porta do quarto.
No segundo em que a porta do quarto foi fechada, Kim Namwoon avançou tão rápido, se moveu tão velozmente que foi difícil de acompanhar com os olhos.
Em literalmente um piscar de olhos, Kim Namwoon já estava atrás de Han Donghoon, imobilizando-o.
Namwoon o imobilizou facilmente, um braço firmemente ao redor do pescoço, puxando-o contra o próprio corpo, enquanto a outra mão pressionava uma adaga que tinha para casos emergenciais contra a garganta do outro adolescente.
"Ngh!" Donghoon soltou um som engasgado ao ser imobilizado tão facilmente. Dentes cerrados, mãos trêmulas agarrando o braço de Namwoon e o arranhando numa tentativa desesperada de se libertar.
"Não! Kim Namwoo—!" Hyunsung se alarmou, prestes a dar um passo à frente e separar Namwoon de Donghoon. "Espera!"
Mas, para a surpresa de Hyunsung e de todos os outros, Joonghyuk não repreendeu Namwoon como normalmente faria por ser muito agressivo e imprudente. Muito pelo contrário, ele apenas levantou a mão, impedindo Hyunsung de parar Namwoon e se aproximou calmamente do computador.
"Por que você mencionou Seolhwa?" Joonghyuk perguntou friamente, a voz baixa e ríspida. Seu olhar praticamente varreu a aba aberta do chat do Midday Tryst em busca de alguma resposta, ainda aberto no monitor.
M.A.D, hm?
Quem era esse?
"Q-quê...?" Donghoon tentou responder, mas engasgou quando percebeu o quão perto de seu computador Joonghyuk estava.
Muito perto.
"N-não..." Donghoon ofegou, os olhos arregalados e a voz embargada pelo desespero. O suor frio escorria de sua testa. "N-não toca...!"
Não tocar?
No computador?
"N-não, não, não..." Donghoon começou a balbuciar, os lábios trêmulos, os olhos cheios de pânico. "N-não t-toca..."
Joonghyuk franziu o cenho ao ver o desespero do adolescente apenas dele ter se aproximado.
O garoto era um hacker. Isso até que fazia sentido. Provavelmente tinha coisas naquele computador que não deveriam ser vistas por qualquer um.
Mas o que exatamente ele estava tentando esconder deles?
O que ele estava escondendo de tão importante que o deixava assim?
Tão em pânico?
Era algo tão precioso assim?
...
Joonghyuk encarou friamente o adolescente imobilizado. O garoto estava tremendo tanto que parecia prestes a desmaiar ali mesmo.
Para ter uma reação dessas...
Ele deveria estar escondendo alguma coisa grande.
"Ei, nerdola!" Kim Namwoon zombou, com um sorriso perverso. "Você não vai se mijar nas calças, vai?"
"Kim Namwoon. Chega." Jung Heewon o advertiu, séria. "Você está passando dos limites."
Namwoon bufou, mas parou de provocar, mesmo que a expressão em seu rosto continuasse debochada. Ele sabia melhor do que irritar a Noona dele.
"Joonghyuk-ssi." Heewon continuou, agora se dirigindo a Joonghyuk. "Precisamos mesmo manter ele imobilizado assim?"
Heewon claramente não estava confortável com a situação toda. Principalmente com Namwoon agindo como um valentão.
"Unnie! Claro que sim!" Lee Jihye retrucou, indignada. "Ele é um pervertido! Você não está vendo o quarto dele?"
"N-não é m-meu!" Han Donghoon se defendeu, balançando a cabeça em negação freneticamente. Ele já estava com os olhos até marejados. "M-me solta, por favor...!"
"Enforca ele mais forte, Namwoon." Jihye disse, fria. "Ou tapa a boca dele, sei lá. Só faz ele calar a boca logo."
Kim Namwoon sorriu com gosto e tapou a boca do garoto sem nem pensar duas vezes.
"Kim Namwoon." Jung Heewon agora soou ameaçadoramente severa. "Essa é a última vez que eu vou avisar. Depois disso, você vai ver."
Joonghyuk ignorou completamente a comoção atrás dele. Enquanto os outros discutiam, seus olhos continuavam vasculhando atentamente cada conteúdo na tela do computador. Ele começou a navegar pelas janelas abertas, tentando encontrar algo de útil.
Mas, quando ele estava prestes a começar a ler a conversa de M.A.D com H.D.H no Midday Tryst, um ícone surgiu bem no centro da tela, bloqueando sua visão do bate-papo.
[@M.A.D está ligando!]
Joonghyuk parou, encarando o ícone por um breve segundo.
Estavam ligando.
Ele deveria atender?
"Seu idiota!" Lee Jihye gritou no fundo, ainda discutindo com Namwoon.
Com esse barulho todo...
Era impossível.
"Silêncio." Joonghyuk ordenou, sem nem sequer precisar levantar o tom.
O quarto mergulhou em silêncio absoluto com a ordem, restando apenas as respirações tensas de todos.
Ninguém ousou desobedecer.
Ótimo.
Finalmente um pouco de silêncio.
Joonghyuk estendeu a mão, desabilitou os fones de ouvidos conectados e aceitou a chamada, colocando no viva-voz para que todos escutassem a conversa.
Ruídos de interferência.
Silêncio.
Depois, novamente, mais alguns chiados estranhos. Parecia que a conexão estava instável, cortando em ruídos eletrônicos irritantes.
Seguiu-se um silêncio por longos segundos, que se estenderam por dolorosos trinta segundos.
"Donghoon-ah?" Uma voz chamou repentinamente do outro lado da linha. Tinha um tom calmo. Suave. Reconfortante. Familiar.
Muito familiar.
Naquele instante, Joonghyuk sentiu todo o ar escapar de seus pulmões. Era praticamente a mesma sensação de levar um soco forte no estômago.
Essa voz—
...
Essa voz...
Era a mesma de OD.
Chapter 16: Capítulo 16
Notes:
Peço desculpas pelo atraso para publicar capítulo novo e também peço desculpas se algumas partes parecerem um pouco fora de ritmo! Parei de escrever várias vezes e acabei voltando em momentos diferentes durante esses últimos meses, então talvez o resultado pareça um pouco estranho por causa das pausas longas para escrever!
Enfim, boa leitura!
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Essa voz...
Joonghyuk abriu a boca, mas nada saiu. Nenhuma única palavra. Nem um único som.
Era ele.
"OD...?" Joonghyuk finalmente conseguiu dizer. Mas, sua voz saiu baixa, grave, trêmula. Tão pateticamente vulnerável. Vulnerável de uma maneira que ele odiava mostrar.
Ele simplesmente sabia que era ele.
Sabia.
Ele só escutou aquela voz uma única vez.
Mas ele sabia.
Bastou aquela única vez para gravá-la profundamente em sua memória. Para transformá-lo nessa coisa lamentável. Nessa bagunça patética.
Yoo Joonghyuk ainda se lembrava perfeitamente do momento. Do tom calmo, da suavidade, da forma como OD sussurrou "Hyuk-ah" em seu ouvido naquela noite, com tanto cuidado, tanto carinho...
Como se o conhecesse há anos.
Essa voz.
Era inconfundível.
Era ele.
Ele não tinha dúvidas.
Era—
"OD?" Uma voz interrompeu seus pensamentos. Do outro lado da linha, o tom mudou abruptamente, tornou-se mais grave, quase agressivo. "Como é que você me chamou?"
O quê?
Yoo Joonghyuk piscou, desorientado.
Esse não era...
Não era… OD?
Ele... se enganou?
Não, não. Ele tinha certeza.
Tinha certeza, mas—
...
Estava enganado?
Não, não podia ser. Isso era impossível. Era a mesma voz. Era—
...
Mas parecia diferente agora.
Era diferente...
Ele realmente...
Ele realmente se enganou?
"Você—" Joonghyuk abriu a boca, com a voz trêmula e embargada, mas se calou antes mesmo de terminar a frase, engolindo as palavras antes que dissesse algo idiota diante de todos em voz alta.
Ele não poderia arriscar dizer e nem fazer nada estúpido. Não na frente de todo mundo.
Não na frente de sua equipe.
Por mais desesperado que estivesse por respostas.
Ele precisava manter a calma.
Ele precisava se recompor.
"...Quem é você?" Joonghyuk só conseguiu perguntar isso no fim.
Por mais que estivesse se afogando em suas próprias dúvidas, não tinha nada que ele pudesse fazer agora.
Ele era pateticamente fraco, não importava se era um Rank S, ou o mais forte de Seul.
Não importava se ele era o mais forte do país.
Diante de tudo isso...
Ele era fraco.
Kim Dokja provou isso.
Lee Seolhwa provou isso.
Todas as pessoas que ele falhou em proteger provaram isso.
Ele era fraco.
Ele nunca conseguiu proteger nada.
Nunca conseguiu proteger ninguém.
Ele era fraco.
Muito fraco.
...Mas ele tinha que fingir ser forte.
Pelo bem das pessoas.
Han Donghoon tentou se soltar, debatendo-se enquanto emitia sons abafados sob a palma da mão de Kim Namwoon. Ele parecia querer chamar a atenção da pessoa do outro lado da linha. Mas Namwoon o mantinha firmemente imobilizado, sem reagir aos esforços do outro adolescente. Sua mão continuava fortemente pressionada contra a boca de Donghoon, impedindo qualquer som de escapar.
Pelo bem das pessoas?
Hah. Isso era engraçado.
Principalmente nessa situação de agora. Isso não era muito diferente de manter um refém.
Ele poderia mesmo ser chamado de Herói nacional?
Com tudo o que estava fazendo agora?
O quarto permaneceu pesado, em um silêncio tenso e desconfortável, quebrado apenas pelas respirações de todos os presentes no cômodo. E a quietude só foi interrompida quando um suspiro impaciente ecoou dos alto-falantes.
"Isso é irritante." Disse a voz. E tinha um tom realmente irritado nela, como se estivesse perdendo a paciência. "Eu achei que vocês fossem mais inteligentes. Mas, pelo visto, me enganei."
Joonghyuk franziu o cenho, em silêncio.
Esse cara está insultando ele e o time dele agora?
Era isso mesmo?
"O que você quer dizer com isso?" Joonghyuk perguntou, mais recomposto, apesar de estar visivelmente mais desestabilizado com os pensamentos que corriam soltos por sua mente já conturbada.
"Sabe, Joonghyuk-ah..." Disse o outro homem, em um tom falsamente amigável.
Joonghyuk enrijeceu ao escutar o próprio nome ser dito, e de uma maneira tão familiar.
...Ele sabia?
Sabia quem ele era?
Como?
Como ele sabia, se não o estava vendo?
Será que...
Ele o reconheceu só pela voz?
...Dificilmente.
Era mais provável que tivesse câmeras.
"Eu queria ser gentil no nosso primeiro reencontro. Eu realmente queria." O homem continuou falando, sua voz era calma, mas carregada de uma irritação mal disfarçada. "Mas você está me forçando a mudar os meus planos."
Reencontro?
Que reencontro?
Eles já se conheciam?
Não, ele tinha certeza de que não.
Se aquele homem não era OD... Yoo Joonghyuk não fazia ideia de quem ele era.
Mas...
...
Não.
Eles não se conheciam.
Por que ele estava hesitando?
Por que ele estava caindo no joguinho sujo daquele homem?
"Mas eu vou ser gentil e te dar outra chance. Nós vamos tentar só mais uma vez." O homem continuou dizendo, em um tom doce e falsamente amigável. "Primeiro… mande o seu discípulo soltar o meu."
Discípulo?
Yoo Joonghyuk lançou um olhar impassível para Kim Namwoon, que ainda mantinha Han Donghoon imobilizado. O garoto estava tremendo violentamente, suando, os olhos arregalados com nada além de medo neles. Era um tanto lamentável de se ver.
Mas soltá-lo?
"Por que eu faria isso?" Joonghyuk perguntou em um tom frio e indiferente, seu semblante escurecendo. "Por que eu deveria?"
Ele não estava vendo motivo algum para obedecer àquele homem.
O silêncio que se seguiu foi tenso, quase sufocante. Então, de repente, uma risada quebrou o clima pesado, vinda dos alto-falantes.
"É..." Suspirou a voz, contente, entre risadas. "Não sei o que eu estava esperando de você."
O quê?
"Tão mesquinho." O homem riu. "Como sempre."
Que ousadia.
O rosto de Joonghyuk se contorceu de raiva.
O desgraçado estava realmente começando a irritar ele. E muito.
Como sempre? Que engraçado. Como se eles sequer se conhecessem.
Joonghyuk cerrou o maxilar.
"Me responda." Yoo Joonghyuk rosnou impacientemente. "Quem é você?"
Mais uma vez, a resposta veio com uma provocação.
"Por que eu faria isso?" O homem devolveu na mesma moeda, com a voz transbordando de sarcasmo. "Por que eu deveria?"
E ele ainda disse cada palavra lentamente, quase arrastadamente, como se estivesse se divertindo com cada sílaba. Se deleitando com cada oportunidade que tinha para ser irritante.
Yoo Joonghyuk praticamente conseguia ver o sorriso de escárnio estampado no rosto daquele desgraçado, mesmo sem conseguir vê-lo ou sequer saber como era sua aparência.
E isso era irritante. Pra caralho.
Esse maldito...
Era assim que ele queria jogar?
Então Yoo Joonghyuk ia jogar.
Sem nem sequer tirar os olhos do computador, Yoo Joonghyuk fez um pequeno movimento de cabeça para Kim Namwoon.
Não foi preciso dizer nada. Namwoon entendeu na hora o que o capitão dele queria que fosse feito.
No segundo seguinte, o grito de Han Donghoon foi abafado pela mão que ainda cobria sua boca, contorcendo-se enquanto Kim Namwoon dobrava dolorosamente um de seus dedos para trás. Lentamente, como se estivesse apenas esperando pela permissão para quebrar o primeiro dedo.
O que, obviamente, Joonghyuk não concedeu. E nem concederia.
Ele não queria realmente quebrar o dedo de alguém, e nem machucar ninguém. Ele só queria respostas. E se tivesse que ameaçar alguém para isso, ele faria. Não hesitaria em fazer.
"Eu não quero machucar ninguém." Joonghyuk disse palavra por palavra, e cada palavra era uma ameaça. Seu tom era frio, impassível. "Mas você não está me dando escolha."
Silêncio.
Mas, sinceramente, Yoo Joonghyuk já esperava por isso.
Bocas espertas raramente continuavam tagarelando depois que o primeiro dedo era quebrado.
"Está mais disposto a conversar agora?" Yoo Joonghyuk debochou. "Ou você ainda está muito ocupado decidindo se vale ou não a pena me responder?"
Yoo Joonghyuk sabia que provavelmente estava sendo mesquinho. Mas aquele homem... aquele desgraçado tinha uma facilidade absurda para tirá-lo do sério.
E isso o deixava puto. Muito.
E, de novo, silêncio.
Nenhuma resposta.
Então era realmente assim que ele ia jogar, ein? Sério mesmo?
Sem problemas. Yoo Joonghyuk ia jogar o joguinho dele exatamente como ele queria jogar.
"Tudo bem." Joonghyuk suspirou, já perdendo a paciência. "Namwoon, pode quebr—"
[Ligação encerrada.]
Oh?
Ele mesmo desligou?
Uau. Que sujeitinho covarde.
Na primeira crise, abandona o próprio barco?
Impressionante. Um verdadeiro exemplo de liderança.
Yoo Joonghyuk arqueou uma sobrancelha para a mensagem de ligação encerrada piscando na tela, que sumiu segundos depois. E assim que sumiu, ele se virou para Kim Namwoon e Han Donghoon, prestes a ordenar que o garoto abrisse a boca, já que agora estava sozinho.
Mas antes que ele pudesse sequer abrir a boca para falar, Namwoon gritou.
No instante seguinte, um corpo foi arremessado com força em sua direção.
Yoo Joonghyuk só conseguiu reagir por instinto, desviando antes que pudesse ser atingido.
O estrondo do impacto reverberou pelo quarto quando Kim Namwoon colidiu com o peitoral de Lee Hyunsung, que agarrou o colega de equipe antes que ele colidisse em algo e se machucasse feio.
Namwoon grunhiu de dor, atordoado, nos braços do soldado. Todas as cabeças se viraram ao mesmo tempo, todos os olhares se voltaram imediatamente para a única pessoa presente no cômodo que poderia ter feito isso.
Han Donghoon.
O adolescente em questão estava parado.
De cabeça baixa.
E não estava tremendo mais.
Merda!
Yoo Joonghyuk deixou a guarda baixa demais!
Ele rapidamente ativou a habilidade de avaliação e imediatamente soube que tinha cometido um grande erro por não tê-la usado antes.
[ERRO.]
O quê?
Joonghyuk arregalou os olhos para a janela azul do sistema que surgiu à sua frente.
[Não é possível revelar o status do alvo marcado.]
Não.
Isso não fazia sentido.
Ele tentou de novo.
[Não é possível revelar o status do alvo marcado.]
[Não há informações existentes suficientes sobre o alvo marcado.]
[ERRO.]
[Os status do alvo atualmente marcado pela habilidade [Avaliação (A) Lvl. 6] é desconhecido ou está fortemente protegido.]
[O alvo foi desmarcado.]
[Habilidade [Avaliação (A) Lvl. 6] foi forçadamente interrompida.]
[Tente usar a habilidade novamente em outro alvo com mais informações coletadas.]
Como...?
Status desconhecido?
Informações coletadas?
Desviando os olhos lentamente da janela azul do sistema, Yoo Joonghyuk encarou Han Donghoon com olhos arregalados.
Esse garoto...?
"Que impaciente." Donghoon disse calmamente, em um tom quase divertido, mas...
Não era a voz dele.
Essa não era a mesma voz insegura e medrosa de Donghoon.
Não era.
Imediatamente, Yoo Joonghyuk assumiu uma posição de guarda. Lee Jihye invocou a espada dela, Jung Heewon fez o mesmo e a acompanhou. E as duas avançaram, posicionando-se à frente do capitão.
Lee Hyunsung observava a cena com olhos arregalados, confusos, os braços ainda firmes em torno de Kim Namwoon, que grunhia baixo, ainda atordoado pelo impacto que recebeu antes.
"Eu sei que você estava morrendo de vontade de me ver." Donghoon levantou o rosto, revelando olhos vermelhos cor de sangue que brilharam ameaçadoramente sob a luz branca do quarto. "Mas nossa, será que custava tanto assim ser só um pouquinho mais paciente na casa dos outros?"
Olhos vermelhos.
Era como se todos os alertas na cabeça de Yoo Joonghyuk tivessem sido disparados ao mesmo tempo.
Esse cara era perigoso.
Ele simplesmente sabia disso.
Yoo Joonghyuk sacou a espada, os dentes cerrados, todos os músculos do corpo tensos e alertas.
"Não brinque comigo." Ele quase rosnou, sua voz saindo grave e áspera. "Quem é você?"
Marcas escuras parecidas com veias negras começaram a se espalhar pelo rosto pálido de Han Donghoon, como se fossem rachaduras surgindo em um vaso de porcelana branca.
"Você devia perguntar o que eu sou, não acha?" Donghoon inclinou levemente a cabeça para o lado, o sorriso em seu rosto se alargando em diversão. "Ou você está mesmo tão desesperado assim para saber o meu nome? Isso é meio fofo, sabe."
"Não brinque com o capitão, seu...!" Lee Jihye disparou, espada em mãos.
Um erro estúpido.
Porque ela nem sequer conseguiu chegar perto daquele homem.
Uma quantidade esmagadora de mana foi repentinamente liberada de Han Donghoon.
Foi exatamente como se uma bomba de mana tivesse explodido no quarto naquele exato momento.
O rosto de Jung Heewon empalideceu, enquanto ela caía de joelhos e agarrava desesperadamente a garganta em busca de oxigênio.
Era sufocante.
Não dava para respirar.
Lee Jihye largou a espada com um gemido sufocado e desabou ao lado dela, ofegando em pânico.
"Mas o que você...!" Joonghyuk tentou se mover, mas não conseguiu. Nem mesmo ele, o mais experiente entre eles, estava imune.
Essa mana...
Era muita.
Ele engasgou com a densidade da mana no ar, os músculos se enrijecendo com o esforço e as pernas tremendo sob o peso daquela demonstração esmagadora de poder.
Porra...!
O corpo dele não estava obedecendo.
Quanta mana...?!
Que tipo de monstro era esse?!
Os pulmões dele estavam queimando. Estavam ardendo. Estavam doendo. Isso doía.
Doía muito.
Joonghyuk nunca tinha sentido nada assim antes.
Ele estava sendo pressionado.
Essa quantidade de mana... eles dois estavam em níveis totalmente diferentes de poder.
Não, ele nem sequer se comparava.
Isso era loucura.
Suas pernas vacilaram, os músculos tremendo sob a pressão esmagadora.
Impossível.
Esse homem...
Ele era sequer humano?
"Olha, só pra constar..." Donghoon, ou o que quer que estivesse em seu corpo, se aproximou lentamente, tranquilamente, com um sorriso irritantemente amigável nos lábios. "Foram vocês que começaram. Eu só estou me defendendo, com o direito de um cidadão coreano. Não estou fazendo nada de errado."
Esse filho da puta...!
Joonghyuk tentou abrir a boca para falar, xingar, rosnar, qualquer coisa. Mas tudo o que conseguiu fazer foi engasgar, sufocado pela quantidade insana de mana que estava impregnada no ar.
Ele não conseguia respirar.
"Eu sei que você está com pressa." Han Donghoon disse, agachando-se na frente dele com uma atitude desdenhosa demais para alguém fazendo algo tão descarado. "Mas nós não podemos—"
Seus olhos se encontraram.
E então, de repente, o outro parou.
No instante em que seus olhares se cruzaram, os vermelhos sangue com os obsidianas, aquele homem se calou, sem explicação alguma.
Donghoon simplesmente parou de falar por completo e apenas ficou ali, encarando-o fixamente, como se estivesse procurando por algo nele. Como se tivesse visto algo nele. Dentro dele.
Joonghyuk arfava, lutando para puxar o ar de volta aos pulmões. Uma das mãos dele estava apertando a própria garganta, enquanto a outra estava no chão, tentando, lutando para se manter ereto. Seus olhos estavam semicerrados em fúria enquanto encarava Donghoon, com os dentes cerrados e o cenho franzido e empalidecido.
E mesmo assim, Donghoon apenas sorriu para ele, como se não estivesse nem um pouco intimidado.
"Parece que..." Ele murmurou, inclinando-se lentamente para ainda mais perto, sua voz era baixa, calma até. "Você anda tendo alguns..."
Seus lábios se aproximaram até que estivessem quase tocando a orelha de Yoo Joonghyuk, e ele sussurrou lentamente. Sílaba por sílaba.
"...pesadelos."
Os olhos de Joonghyuk se arregalaram.
O quê?
Como ele...?
Han Donghoon se afastou um pouco, com aquele sorriso estranhamente enigmático nos lábios, que parecia deslocado demais naquele rosto jovem. Era quase...
Familiar.
"Não dá pra conversar direito aqui, não é?" O outro disse, despreocupadamente. "Vamos para um lugar mais reservado."
E antes mesmo que Joonghyuk pudesse reagir, um peteleco atingiu sua testa.
"Durma."
Joonghyuk piscou.
Tudo começou a girar.
O corpo dele caiu com força no chão, o som do impacto ecoou em sua p
rópria cabeça que, de repente, parecia tão pesada. Sua visão começou a escurecer nas bordas, como se estivesse se apagando da consciência lentamente.
O que...
O que ele tinha feito?
Joonghyuk piscou, tentando, de todas as formas, se manter consciente.
Mas isso era difícil.
O que aquele desgraçado tinha feito com ele...?
Suas pálpebras pesaram de repente. Mesmo tentando desesperadamente lutar contra, a escuridão o engoliu.
Tudo ficou preto.
「• • •」
Joonghyuk piscou lentamente enquanto sua consciência retornava aos poucos. Seus olhos se abriram para uma claridade e...
Um rosto.
Ele estreitou os olhos e tentou focar a visão para reconhecer o rosto que estava literalmente na frente da cara dele.
Tinha um menino curvado sobre ele. Não parecia ter mais do que quinze anos. Curtos cabelos pretos, olhos vermelhos cor de sangue, e marcas escuras no rosto, como se fossem rachaduras.
"Bom dia, flor do dia." O menino o cumprimentou com um sorrisinho. "Dormiu bem?"
Aquele rosto pálido...
Aquele olhar...
"Você parecia estar dormindo tão profundamente." O menino o cutucou na bochecha, ainda sorrindo abertamente para ele. "Você estava tão fofo dormindo assim, como se fosse a bela adormecida~ Haha."
...Aquele sorriso.
Kim—
"Eu quase te deixei dormir um pouco mais, acredita?" O menino suspirou, como se estivesse genuinamente arrependido. "Eu estou até com pena agora. Você parecia estar tendo um sono tão bom."
...Dokja?
Joonghyuk encarou o menino com os olhos ainda pesados. Esse era, sem dúvidas, o rosto dele...
O rosto de Dokja.
Seu semblante escureceu com a percepção.
Mas não era ele.
"Pra onde você me trouxe?" Joonghyuk agarrou a mão que o cutucava e apertou com força. "Cadê meu time?" Ele sibilou.
"Ei— aí!" O menino puxou a mão de volta com um gemido de dor, sacudindo-a no ar. "Nossa! Qual o seu problema e desse seu temperamento!? Eu nem fiz nada!"
"É melhor que não tenha feito." Joonghyuk quase rosnou, mostrando os dentes. "Se encostar um dedo neles ou fizer qualquer coisa minimamente suspeita, você morre."
O menino o encarou como se ele fosse o maluco ali, mas logo suspirou, percebendo que discutir era inútil, e se levantou da posição agachada que estava antes.
"Estamos na sua consciência. Simplificando, é isso." Ele deu de ombros, como se fosse a coisa mais normal do mundo. "Eu disse que íamos conversar, não disse? Não era isso que você queria?"
Conversar?
Yoo Joonghyuk lançou um olhar gélido para o menino à sua frente enquanto se sentava.
"Por quê?" Ele perguntou.
"O quê?" O outro pareceu genuinamente confuso com a pergunta. "Não era você quem queria—"
"Por que esse corpo?" Joonghyuk o interrompeu, punhos cerrados, mandíbula travada, evitando contato visual. "Por que escolheu esse rosto?"
O estranho que antes tinha possuído Han Donghoon agora o encarava com uma expressão confusa, mas, dessa vez, com um rosto que Joonghyuk conhecia bem demais. Que, para Joonghyuk, era dolorosamente familiar.
Dokja.
Ou, mais precisamente, a versão mais jovem de Dokja.
O outro pareceu demorar um pouco, como se estivesse processando a situação, até que uma faísca de compreensão brilhou em seu olhar.
"MAD." Ele disse de repente, pegando Joonghyuk totalmente desprevenido.
Percebendo a confusão no rosto de Yoo Joonghyuk, ele decidiu continuar.
"Eu não me apresentei antes. Então me chame assim." Ele esclareceu. "E, só pra constar, eu não escolhi essa aparência."
Joonghyuk arqueou as sobrancelhas, surpreso.
Não escolheu?
Isso não foi proposital?
Então aquilo tudo não era uma tentativa descarada de provocação ou de manipulação emocional, mas sim apenas uma mera coincidência?
"Não escolheu?" Joonghyuk perguntou cautelosamente, desconfiado.
Bom, isso parecia coincidência demais. Joonghyuk estreitou os olhos para MAD, tentando encontrar qualquer coisa minimamente suspeita na atitude dele.
"Não. No instante em que entrei na sua consciência, meu corpo... bom, ele simplesmente assumiu essa forma." MAD explicou, puxando a gola do uniforme escolar que usava com um certo desagrado, como se estivesse incomodado vestindo aquilo. "Parece ser uma regra. Ou algum tipo de limitação. De qualquer forma, é algo que só se aplica dentro desse espaço."
Consciência...?
"Dentro da minha consciência...?" Joonghyuk repetiu, com as sobrancelhas ainda franzidas enquanto se levantava do chão com certa cautela. "O que exatamente você quer dizer com isso?"
MAD o lançou um olhar estranho, como se a resposta fosse óbvia.
"Significa exatamente o que eu disse." Ele respondeu, como se estivesse explicando algo óbvio. "Estamos dentro da sua consciência."
Joonghyuk hesitou.
"O quê...?"
Ele ficou em silêncio por um momento, apenas absorvendo as palavras.
Dentro... da consciência dele?
Joonghyuk olhou ao redor. E a princípio, nada parecia realmente familiar. mas então, seus olhos encontraram.
Um enorme portão cinza aberto, com um longo caminho de concreto pela frente, que os levava até uma grande construção de três andares.
Uma que sempre aparecia em seus sonhos.
Ele reconheceu imediatamente.
Era um colégio.
O mesmo colégio onde ele e Dokja estudaram no ensino fundamental.
O mesmo colégio onde… tudo aconteceu.
O semblante de Joonghyuk enrijeceu. Sua garganta secou, os punhos cerraram-se até os nós dos dedos ficarem brancos.
Por que aqui?
"É difícil acreditar, eu sei." MAD continuou, caminhando alguns passos à frente. "E, ah... tem mais uma coisa."
Ele virou para ficar de frente e apontou diretamente para Joonghyuk.
"Você também está assim." Ele disse. "Na mesma forma que eu."
"Mesma forma...?" Joonghyuk repetiu, confuso.
Instintivamente, ele olhou para baixo.
Suas mãos...
Elas estavam menores, com dedos longos e finos. Mãos delicadas, pálidas e macias, diferentes das mãos calejadas, ásperas e cheias de cicatrizes de Yoo Joonghyuk, já muito acostumadas com o campo de batalha.
Ele imediatamente começou a checar a si mesmo ao perceber que estava diferente. Olhou para os pés, depois para os braços, e, por fim, tateou com as mãos o uniforme escolar que, assim como MAD, ele também estava vestindo.
Era do mesmo que ele usava naquela época.
Ele até se beliscou, só para ter certeza e...
Seu estômago afundou ao perceber.
Porra.
Yoo Joonghyuk também estava com a mesma aparência de um Kim Dokja mais jovem.
「• • •」
Vazio.
Eles caminharam por um tempo pelo terreno, parando por alguns lugares para investigar, e tudo indicava que o colégio estava completamente deserto.
Não tinha ninguém naquele lugar. Ninguém, absolutamente ninguém.
Durante o trajeto, MAD aproveitou para explicar várias coisas e, para a surpresa de Joonghyuk, ele até que era útil. Um pouco irritante, sim, com aquela boca esperta demais pro próprio bem, mas sabia usar bem as palavras quando realmente queria usar.
Segundo MAD, eles estavam literalmente dentro da mente de Joonghyuk naquele exato momento. Era ali que o fragmento do pesadelo vinha se escondendo por sabe-se lá quanto tempo, fazendo sabe-se lá o que. Manipulando, distorcendo, corrompendo informações de seu cérebro, brincando com suas memórias como bem entendesse.
Depois de andaram por uma boa parte do colégio, eles decidiram parar no banheiro masculino por um momento. MAD entrou em uma das cabines, enquanto Joonghyuk...
Ele se aproximou do espelho e se inclinou, observando o próprio reflexo com uma atenção e uma concentração quase obsessiva. Piscou lentamente, os longos cílios pretos sombreando suas bochechas pálidas, emoldurando grandes olhos escuros como obsidianas.
Sua pele estava mais clara do que o normal, mais pálida, sem o bronzeado natural que costumava ter. O cabelo, ainda preto e levemente ondulado, caía em mechas suaves sobre a testa.
...
...Era fofo.
Ele soltou um suspiro suave pelos lábios, passando os dedos cuidadosamente, tão delicadamente, pelo rosto que não era seu.
Ele sentia tanta...
Saudade.
Joonghyuk ficou ali, parado, encarando o reflexo no espelho atentamente, até que, em um movimento quase inconsciente, seus lábios se moveram.
"Hyuk-ah..."
Sua voz ainda era a mesma.
Grave, rouca e nada doce.
Uma pena.
Ele queria ouvir o próprio nome, queria realmente escutar o próprio nome sendo chamado... mas na voz de Dokja.
Ele não conseguia mais se lembrar de como soava... a voz dele...
Joonghyuk mordeu o lábio inferior.
Mas…
Uau.
Esse rosto... essa aparência era...
...
Era muito... complicado de explicar.
Era como se alguém tivesse realmente fundido perfeitamente Yoo Joonghyuk e Kim Dokja em uma única pessoa.
Seus cílios tremeram.
Kim Dokja...
Merda. Ele estava realmente ficando sentimental pensando nisso. Isso era tudo ridículo. Muito ridículo.
O som da descarga o fez voltar ao presente. Em um instante, ele já tinha recuperado a postura. Endireitou-se, com o semblante voltando a ser frio e inexpressivo de novo.
Uma das portas das cabines do banheiro se abriu e MAD saiu, ajeitando a gola do uniforme escolar.
"Esse lugar..." MAD comentou em tom de conversa, aproximando-se da pia. "Está funcionando perfeitamente. Parece tão real que chega a ser bizarro."
Ele abriu a torneira e começou a lavar as mãos. E realmente, tudo estava em perfeito estado. Tinha água corrente, a luz estava funcionando normalmente, e a estrutura em si do colégio parecia... perfeitamente fiel ao colégio que nem existia mais, destruído nos primeiros dias de apocalipse.
Chegava a ser um pouco nostálgico.
"O fragmento que criou isso daqui deve ser incrivelmente poderoso." MAD continuou falando, desligando a torneira e sacudindo as mãos para tirar o excesso de água. "Para conseguir recriar e manter uma memória tão vívida como essa."
"Memória?" Yoo Joonghyuk repetiu em voz alta.
MAD terminou de secar as mãos na barra da camisa que estava usando antes de responder. "Sim. Memória."
Então, ele se virou de lado, se encostando no balcão da pia e olhando diretamente para Yoo Joonghyuk.
"Não há nenhum borrão."
Yoo Joonghyuk apenas franziu o cenho, confuso. Claro que não tinha borrões. Por que teria?
MAD continuou a encará-lo por alguns segundos, antes de soltar um suspiro pesado ao perceber sua confusão.
"O reflexo no espelho, a água corrente, a iluminação, até o som da descarga... cada detalhe desse lugar está perfeitamente realista." Ele fez um gesto com a mão, indicando todo o banheiro ao redor. "Mas nada disso é real."
Yoo Joonghyuk soltou um pequeno grunhido em resposta, mostrando que estava escutando o que MAD estava dizendo e sinalizando que era para ele continuar falando.
"Isso quer dizer que esse lugar inteiro... é uma memória." MAD se recostou na pia, cruzando os braços. "Tudo isso aqui é fruto da memória de alguém. Mas você não acha estranho?"
Uma memória?
Esse lugar inteiro?
Yoo Joonghyuk olhou ao redor mais uma vez, como se estivesse vendo o ambiente pela primeira vez com novos olhos.
"Como alguém consegue se lembrar com tanta clareza de um lugar tão comum como esse?" MAD perguntou, com o tom mais sério agora. E Joonghyuk finalmente começou a entender o que ele estava tentando dizer. "Como alguém consegue se lembrar tão detalhadamente de tudo isso, até da maneira como a água escorre e da sensação de umidade?"
Isso era... de fato, estranho.
Memórias não funcionavam assim... não exatamente.
Sempre tinha lacunas. Pontos desfocados. Sempre tinha algo que a mente esquecia ou distorcia com o tempo. Sempre tinha algo faltando, por mais pequeno que fosse.
Sensações sentidas eram esquecidas, emoções, sentimentos, tudo era esquecido e apagado pelo tempo com o passar dos anos.
Ninguém deveria ser capaz de lembrar tão perfeitamente de algo como isso, principalmente algo tão sem importância como a sensação da água corrente escorrendo pela pele por exemplo, certo?
"Deveria ter alguma falha, algum canto desfocado, algum borrão, algum detalhe faltando..." MAD estalou a língua, dando um meio sorriso irônico. "Mas olhamos tudo e parece que alguém aqui é bem detalhista, ein?"
Ele estava certo.
"Se essa fosse uma memória minha..." Joonghyuk apertou os lábios, com as sobrancelhas ainda franzidas. "Eu não me lembraria de tudo isso com tanta certeza."
Era tão real.
Isso tudo era tão real.
Era tudo tão realista que, ele poderia, realmente, acreditar que era real. Mesmo não sendo.
Mas era justamente isso que aquela coisa queria, não era? Que ele acreditasse que isso tudo era real.
O que quer que estivesse manipulando sua mente naquele momento, queria que ele acreditasse que aquilo era real.
"Deveríamos dar uma olhada nas outras salas." MAD sugeriu, afastando-se da pia com um pequeno impulso. "Não sabemos exatamente onde ele está, mas... eu tenho quase certeza que está no terraço."
No terraço...
Sim, isso fazia sentido. Era onde provavelmente estaria.
Era sempre lá que ele estava.
Joonghyuk desviou o olhar, encarando novamente o espelho à sua frente. Seus olhos piscaram lentamente, como se buscassem alguma resposta naquele reflexo.
Naquele rosto que não lhe pertencia.
Ele não queria ir para o terraço.
Porque se ele fosse...
Yoo Joonghyuk engoliu em seco e fechou os olhos com força.
Ele teria que ver aquele Kim Dokja se jogando do terraço de novo e de novo.
...
Terraço...?
Sim...o terraço.
"MAD." Yoo Joonghyuk chamou repentinamente, com uma voz mais séria e grave.
Essa era a primeira vez que ele o chamava pelo nome. Isso bastou para que MAD parasse no mesmo instante, virando-se com um olhar atento. Ele o encarou, parecendo curioso.
Yoo Joonghyuk abriu os olhos, fixando o olhar diretamente em MAD. Seu rosto estava tenso, sério. Exatamente como a expressão de alguém que estava desconfiando de algo minimamente suspeito.
"Como você sabia que ele estaria no terraço?" Yoo Joonghyuk perguntou, sem rodeios.
MAD piscou, parecendo momentaneamente pego de surpresa.
"Foi um chute." Ele respondeu lentamente, com o mesmo sorriso de sempre, como se não tivesse nada a temer. "Senti uma energia estranha vindo de lá, então eu apenas pensei que—"
"E a sua aparência?" Joonghyuk o cortou, ignorando completamente a resposta anterior. "Como você é, originalmente?"
MAD continuou sorrindo, mas o sorriso dele parecia um pouco mais forçado agora. Ele não respondeu imediatamente, o que apenas aumentou as suspeitas de Joonghyuk.
"Sou um homem adulto, diferente dessa forma." Ele começou, num tom mais cauteloso. "Sou alto, tenho cabelos pretos, lisos. Olhos vermelh—"
"Han Donghoon." Joonghyuk o interrompeu novamente, dando um passo pesado à frente. "Os olhos dele ficaram vermelhos. Ele também tinha essas mesmas marcas no rosto quando você o possuiu."
Ele se aproximou perigosamente. Seus olhos estavam fixos nos de MAD, intensos e implacáveis.
MAD continuou parado, no mesmo lugar. Sem mover um músculo sequer. Não recuou, não desviou o olhar. Continuou sorrindo, mas agora seus olhos o acompanhavam com uma atenção quase obsessiva.
"O que você está tentando insinuar com isso?" MAD perguntou calmamente, apesar da clara tensão que já estava os cercando.
Ele parecia ter se sentido intimidado. Era claro que se sentiu. Joonghyuk estava o encurralando e insinuando algo muito, muito imprudente. MAD não era estúpido para não entender algo tão simples.
Ele estava sendo acusado.
"Tem uma coisa que eu não consigo tirar da cabeça." Joonghyuk continuou, se aproximando cada vez mais, a voz cada vez mais baixa e incisiva. "Kim Dokja apareceu com as mesmas marcas no rosto. Os mesmos olhos vermelhos. Isso durante o incidente da feira, nas gravações capturadas da quebra de portal."
Os olhos vermelhos de MAD pareciam ter brilhado mais intensamente por um único instante, mas ele não disse nada.
"Era você?" Joonghyuk perguntou, olhos sombrios e acusatórios. "Era você quem estava possuindo o corpo de Dokja naquele momento?"
Não existia outra explicação plausível.
Kim Dokja, do ponto de vista mais racional e realista possível, era apenas um homem comum.
Kim Dokja era, até onde Yoo Joonghyuk sabia, apenas um civil. Ele era apenas um homem normal, nada extraordinário. Não possuía licença como caçador. Nenhum registro, nenhum sinal de que pudesse ter despertado. Nada. Claro, com exceção agora do incidente da feira.
Ele não era alguém que poderia fazer o que fez naquele dia. Ele não era capaz daquilo.
Mas naquela gravação...
Ele era algo totalmente diferente.
Yoo Joonghyuk já tinha chegado à sua própria conclusão.
Aquilo não era Kim Dokja. Não podia ser.
Era alguém, ou algo, usando o corpo dele.
E Yoo Joonghyuk tinha quase certeza de que estava olhando para esse "alguém" agora.
MAD apenas piscou lentamente, parecendo momentaneamente pego de surpresa.
"…Você está me acusando disso com base em uma coincidência?" MAD finalmente perguntou, sua voz soando estranhamente atordoada.
"Não acredito em coincidências." Joonghyuk retrucou rapidamente, sem sequer dar tempo para MAD pensar. "Principalmente quando envolvem Dokja."
Por um instante, o silêncio se instaurou entre eles, um silêncio pesado e desconfortavelmente denso. O olhar de Joonghyuk era tão afiado quanto uma lâmina, como se tentasse despir MAD de qualquer máscara, de qualquer mentira.
MAD ergueu as mãos no ar em sinal de rendição, com um sorriso torto surgindo em seus lábios, um sorriso que nem sequer chegava aos olhos.
"E isso faz de mim um inimigo?"
"Não. Não ainda." Joonghyuk respondeu honestamente e sem hesitar, com sua voz soando firme e convicta. "Mas também não faz de você um aliado."
MAD piscou surpreso e então, soltou uma risada, quase incrédula, como se achasse graça, ou pelo menos algum tipo de humor, naquela resposta dele. O som ecoou pelo banheiro, parecendo deslocado naquele ambiente tão quieto.
"É isso?" Ele disse, entre risadas, agarrando o próprio estômago, com os olhos semicerrados pelo sorriso estupidamente largo agora estampado em seu rosto. "Sério isso? Caramba, você é mesmo algo, Joonghyuk-ah!"
Seu corpo tremeu com o riso que esteve tentando segurar, como se só a possibilidade de ele ser o culpado fosse tão absurda, tão absurdamente improvável, que merecia ser motivo de piada.
Joonghyuk franziu profundamente a testa, o semblante escurecendo ainda mais.
Não tinha graça alguma.
Do que exatamente ele estava rindo?
A mandíbula de Joonghyuk se contraiu perigosamente, seus olhos se estreitaram em puro desagrado. Ele não disse nada, mas seu olhar era assassino o suficiente para calar até mesmo o homem mais tolo e ingênuo do planeta terra.
Mas parece que ele tinha subestimado demais a coragem — ou melhor, a inteligência, daquele palhaço.
MAD, finalmente percebendo a hostilidade direcionada à ele, enxugou uma lágrima imaginária do canto do olho e soltou um último suspiro satisfeito, como se estivesse se recuperando de uma crise de riso genuína.
"Ah, Joonghyuk-ah..." Ele disse, ainda sorrindo, mas agora com um tom mais sarcástico. "Nossa, você é realmente um cara muito engraçado."
MAD se endireitou, o sorriso se tornando mais fino, menos amigável. E, por algum motivo, aquela atitude menos relaxada ativou alertas na mente de Joonghyuk.
"Então, suponhamos... se eu te confessasse…" MAD começou, sua voz muito mais baixa agora, mais grave. "Se eu confirmasse aqui e agora, exatamente como você quer que eu faça, que fui eu que estive controlando o corpo daquele homem naquele dia..." Ele parou por um instante, observando cuidadosamente cada reação de Joonghyuk, como se fosse um predador estudando sua presa. "O que você faria?"
Não houve nenhuma resposta, e a pergunta simplesmente pairou no ar, suspensa.
"Responda. Você me mataria aqui? Me destruiria, mesmo estando dentro da sua própria mente?" MAD inclinou levemente a cabeça para o lado, com um brilho estranho nos olhos. "Mesmo que isso destruísse você por dentro?"
O silêncio que se seguiu era quase ensurdecedor.
O silêncio se estendeu sem resposta, denso, como se o tempo tivesse simplesmente parado por um instante. Joonghyuk não respondeu, mas o ódio em seu olhar era resposta suficiente.
Toda a tensão em seu corpo era visível, como se estivesse pronto para atacar a qualquer momento.
MAD sorriu, satisfeito com a tensão desconfortável que tinha criado, e então deu de ombros, como se aquilo tudo não fosse nada demais.
"De qualquer forma." Ele continuou, com a mesma tranquilidade despreocupada de antes. "Eu poderia dizer a verdade agora mesmo, que você ainda não acreditaria em mim."
Joonghyuk apertou os punhos ao lado do corpo. Seus punhos já estavam cerrados, os nós dos dedos brancos, e sua respiração era pesada, mas controlada.
E, claro, MAD tinha razão.
Não importava o que ele dissesse. Não importava o quão convincente fosse. Joonghyuk jamais confiaria em alguém como ele. Não depois de tudo o que aconteceu lá fora.
MAD não era alguém confiável.
E Joonghyuk não era burro ao ponto de confiar em alguém que parecesse suspeito.
MAD apenas sorriu, como se estivesse esperando exatamente por aquela reação.
"Não se preocupe, não estou pedindo pela sua confiança." MAD disse, despreocupado, já dando o primeiro passo para fora do banheiro. "Vamos." Ele chamou por cima do ombro, como se absolutamente nada tivesse acontecido antes.
Joonghyuk ficou parado no lugar por um momento, completamente imóvel, o olhar fixo no lugar em que MAD esteve anteriormente, agora vazio.
Confiança, ein?
Ele cerrou a mandíbula, hesitando por alguns segundos. Mas, no fim, não tinha escolha. Não tinha mais ninguém ali, ninguém além daquele sujeito mesquinho e nada confiável. Se ele quisesse sair dali, teria que segui-lo.
Não tinha mais nada que ele pudesse fazer.
Com um suspiro pesado, Joonghyuk ajeitou a gola do uniforme escolar e saiu do banheiro, acompanhando MAD em silêncio.
「• • •」
Lá estava.
No momento em que colocaram os pés no terraço, se depararam com uma figura de costas para eles.
Um menino.
Um menino magro e baixo, que se apoiava de maneira quase descuidada na grade de proteção do terraço, a única coisa que o separava do perigo. Era só isso. Só uma grade.
Só isso entre ele e uma queda fatal.
Uma grade.
O vento brincava com seus curtos cabelos escuros, bagunçando-os suavemente. O uniforme escolar estava amarrotado, um pouco grande demais para seu corpo magro e esguio, dando-lhe um ar desleixado, quase negligente. E mesmo assim, tinha algo naquela cena, algo naquela imagem, que era estranhamente familiar. Nostálgico, até.
Yoo Joonghyuk sentiu o peito apertar, uma angústia sufocante que ele já conhecia bem. Era a mesma sensação que sentia em todos aqueles outros sonhos.
O frio, a dificuldade para respirar, a queimação incômoda no fundo do peito.
Nada daquilo era novo para ele.
E antes mesmo que ele pudesse pensar, seus pés já estavam se movendo sozinhos. Deu um passo à frente, a mão se esticando, hesitantemente, como se bastasse mais um movimento para alcançar aquele garoto. Se ao menos conseguisse se aproximar... só mais um pouco e—
"Você está morrendo."
Essa era a voz de MAD.
Firme e inesperadamente séria.
Yoo Joonghyuk congelou no mesmo instante, o braço ainda estendido, pego de surpresa pelo tom grave de MAD.
Morrendo? Quem estava morrendo?
O menino à sua frente começou a se virar devagar, como se finalmente tivesse notado a presença deles.
Quando ele se virou por completo, Joonghyuk sentiu o ar escapar dos pulmões.
Seu rosto—
Ele não tinha rosto.
O menino diante dele era apenas um borrão indistinto, onde olhos, nariz e boca deveriam estar. Não tinha expressão, semblante, nenhum traço, nada que indicasse se estava feliz, triste ou com raiva. Era só um vazio, um buraco onde deveria haver algo.
Parecia estar faltando algo. E, de fato, estava faltando.
"Eu imaginei isso." MAD suspirou, a voz carregada de uma resignação amarga. "Sua presença está fraca demais. Mas, mesmo assim, é impossível ignorar algo como você, por mais fraco que esteja."
O quê?
Yoo Joonghyuk franziu o cenho, confuso, a mente girando com perguntas que ele não conseguia sequer formular.
O que estava acontecendo? Quem — ou o que — era aquele menino? E por que MAD falava com ele como se soubesse de algo que Joonghyuk não sabia?
"Eu posso salvá-lo." MAD continuou, sua voz firme, mas com uma suavidade estranha, quase como se tentasse acalmar uma criança assustada. "Posso impedir que você desapareça."
Salvá-lo?
Yoo Joonghyuk arregalou os olhos, virando-se para encarar MAD, quase incrédulo.
Como assim, salvá-lo?
Salvar como?
MAD deu alguns passos à frente, aproximando-se do menino sem rosto com uma calma calculada, como se tudo estivesse sob seu controle.
"Eu posso ajudar você." MAD reafirmou, sua voz firme, confiante, soando quase tranquilizadora. "Mas a escolha é sua."
Se Joonghyuk não soubesse melhor, ele mesmo teria caído naquele papinho sem noção de salvação.
Um silêncio espesso caiu sobre o terraço, interrompido apenas pelo vento. O menino sem rosto ficou imóvel por um momento, como se ponderasse as palavras de MAD. Então, lentamente, deu um passo à frente.
Mas não foi na direção de MAD.
Ignorando completamente a mão estendida para ele, ele passou direto por MAD e andou, com passos leves e despreocupados, até Yoo Joonghyuk.
"Hyuk-ah." O menino chamou suavemente, parando bem na frente dele. Sua voz soava doce ao pronunciar aquele velho apelido esquecido, também gentil, sufocantemente terna, como se estivesse chamando por um velho amigo de infância.
Foi tudo o que precisou para Joonghyuk fraquejar.
Essa voz...
Sim, era essa voz...
Aquela era a voz de Dokja. Não o Dokja de agora, mas o menino de anos atrás, o mesmo menino que existia apenas nos pesadelos que Joonghyuk tentava, em vão, salvar.
As pernas de Joonghyuk fraquejaram. Os olhos se arregalaram, os lábios se comprimiram numa linha tensa, lutando contra a onda de emoções que ameaçava transbordar.
Tudo o que ele pôde fazer foi encarar aquele vazio onde deveria estar o rosto de Dokja, tentando desesperadamente encontrar algum traço, algum sinal, alguma familiaridade, qualquer coisa naquele nada.
Tentando entender por que, de repente, era tão difícil respirar.
"Hyuk-ah." O menino se aproximou de Joonghyuk sem hesitar, invadindo seu espaço com uma intimidade tão natural que parecia ter feito aquilo inúmeras vezes antes. "Por que você demorou tanto?"
Mãos pequenas e quentes avançaram e envolveram as de Joonghyuk com uma delicadeza desconcertante, apertando de leve, como se temessem que ele desaparecesse. Não era um toque ilusório. Não. Era real.
Não era uma ilusão.
Ele era real.
"Esperei por você por tanto tempo..." Sua voz era meiga, mas ele parecia realmente magoado. Como se ele tivesse realmente sido deixado para trás. Como se Joonghyuk realmente o tivesse feito esperar por tempo demais.
O que não fazia sentido algum, já que ele tinha certeza absoluta que nunca deixou ninguém esperando por ele.
E, mesmo sem rosto, Joonghyuk sabia exatamente qual tipo de expressão aquele garoto estava fazendo naquele momento.
Um sorriso amargo.
Um sorriso triste, um daqueles que só Dokja sabia como fazer.
O que também não fazia sentido algum. Porque ele não tinha nenhum rosto.
MAD, até então ignorado, finalmente se virou, olhando para eles com uma expressão atordoada. Ele observava a cena na frente dele como se não conseguisse acreditar no que estava vendo.
"Ei, você me ouviu?" a voz dele soou incrédula. "Você vai morrer—"
"É tão chato sem você aqui." O menino interrompeu, sem sequer olhar para MAD. Ele parecia chateado, como se estivesse fazendo beicinho. "Tudo fica tão vazio quando você não está aqui comigo, Hyuk-ah." Ele suspirou, melancólico.
Yoo Joonghyuk sentiu o peito apertar. E antes mesmo que percebesse, ele já estava retribuindo o aperto naquelas mãos pequenas que o seguravam, como se aquilo fosse a única coisa que o mantivesse são e de pé.
Ele se sentia fraco e vulnerável, como se toda a sua carne tivesse sido aberta e exposta naquele momento, para todos verem.
"Chega." MAD perdeu a paciência, o cenho franzido enquanto avançava, estendendo a mão para tocar o ombro do menino. "Já deu. Nós não temos tempo para—"
No mesmo instante em que MAD tentou o tocar, quando a sua palma da mão estava prestes a pousar no ombro daquele menino, a mão dele foi decepada do pulso sem nem mesmo fazer um único barulho, exceto pelo som úmido do sangue espirrando do corte fresco.
"Eu realmente não gosto…" O menino virou a cabeça lentamente, sua voz, embora ainda suave, agora tinha um tom bem mais gélido, ameaçador. "...De cachorros barulhentos que não sabem o próprio lugar."
Os olhos de MAD se arregalaram quase Imperceptivelmente. Ele cambaleou para trás, o sangue jorrando do punho decepado, enquanto a mão arrancada caía no chão com um baque nauseante.
Yoo Joonghyuk deu um passo para trás, instintivamente, quando tudo aconteceu. Seus olhos se arregalaram ainda mais diante da cena, mas o choque não durou muito. Esse choque foi rapidamente substituído por uma sensação desagradável, da percepção fria e crua da realidade.
Esse não era o Kim Dokja das memórias dele.
Ele sabia, mas ainda se deixou ser afetado.
O peito dele ainda doía, mas seu corpo reagiu antes da mente. Os músculos se enrijeceram, cada nervo em alerta, e ele ajustou a postura, assumindo uma posição mais defensiva.
Aquele menino até poderia parecer inofensivo, mas ele não era.
Por um instante, Joonghyuk quase se esqueceu de onde estava.
Um pesadelo.
E que aquele garoto era apenas um fragmento.
Um fragmento perigoso.
Ele não podia se dar ao luxo de baixar a guarda.
"Haha..."
MAD soltou uma risada de repente, uma risada vazia e sem humor algum, para a confusão de Yoo Joonghyuk.
"Sério... caramba..." MAD murmurou, aproximando-se do membro amputado descartado no chão, ensanguentado e completamente imóvel. "Todos vocês..."
Com uma calma perturbadora, MAD recolheu a mão decepada do chão e a encaixou no pulso cortado, em carne viva. E bem na frente dos olhos perturbados de Joonghyuk, a carne começou a se unir, os tendões se colando, a pele se fechando até não restar nem sequer uma cicatriz que indicasse que existiu uma ferida ali.
Como caralhos...?
Yoo Joonghyuk piscou, atordoado, enquanto assistia ao que parecia ser impossível, acontecer bem diante de seus olhos.
Em questão de segundos, estava tudo de volta no lugar.
Totalmente curado.
E parecia, simplesmente, completamente normal, como se nunca tivesse sido amputado para começar.
Se não fosse por todo o sangue espalhado pelo chão e encharcando as roupas de MAD, Joonghyuk poderia jurar que tinha imaginado tudo aquilo.
"Não tem um temperamento meio difícil?" MAD disse enquanto erguia o rosto, exibindo aquele sorriso irritante.
"Que irritante." O menino sem rosto cuspiu impiedosamente, sem demonstrar surpresa alguma. "Só pare de latir de uma vez."
"Haha." MAD soltou outra risada vazia, sem nenhum traço de humor. "Eu não sou um cachorro para latir, sabe."
"Não é o que parece." O menino retrucou rapidamente, sarcástico, sua voz transbordando desprezo. "Você fica aí, fazendo barulho na porta dos outros, latindo sem parar. Igualzinho a um vira-lata mal educado."
Que diabos...
Yoo Joonghyuk olhou de um para o outro. Eles estavam... discutindo?
Nessa situação?
Realmente?
Haah...
Inacreditável.
Ele sentiu o humor azedar ainda mais. Se antes já estava ruim, agora tinha piorado.
Por um instante, Yoo Joonghyuk quase pensou em tomar o lado de MAD naquela briga ao vê-lo ser gravemente ferido. Realmente chegou a cogitar. Mas, ao observar melhor, percebeu o quão ridícula seria essa ideia. Nenhum dos dois era confiável e, sinceramente, nenhum deles parecia precisar de ajuda. Muito menos da dele. Um deles era um monstro do tipo mental, capaz de cortar alguém sem sequer precisar se mover. O outro, um estranho de intenções duvidosas e atitudes questionáveis, que se regenerava em questão de segundos.
Sim, nenhum deles parecia precisar de ajuda, muito menos da dele. Os dois eram fortes o bastante para lidar um com o outro.
Eles poderiam se matar sozinhos se quisessem. Joonghyuk não faria nada, aquele não era um problema dele. Isso era problema unicamente daqueles dois. E sinceramente, ele não estava fazendo muita questão de se intrometer nisso não.
"Eu não vim aqui com más intenções, por mais difícil que seja de acreditar." MAD insistiu na discussão, sua voz estava mais séria agora, tentando manter a liderança na discussão. "Eu posso realmente salvá-lo—"
"Me salvar?" o menino o cortou, desinteressado, sem sequer reservar um olhar para ele, como se nem disso ele fosse digno. "Para quê? Para viver como você? Uma versão patética do que costumava ser?"
O sorriso de MAD vacilou. Só por um único segundo. Mas naquele curto deslize de um milésimo segundo, sua expressão se tornou fria.
Mas aquela breve mudança na expressão não durou. Em questão de segundos, MAD já estava de volta à postura relaxada e brincalhona de antes.
"Haha. Uau, nossa." MAD sorriu, como se nada tivesse acontecido. "Direto na ferida, não é? Mas não entendo por que tanta hostilidade."
Joonghyuk apenas observou em silêncio, tentando acompanhar a discussão, mas ainda sem entender completamente o que estava acontecendo ali.
"Não somos todos parecidos, no final das contas?" MAD continuou, num tom quase casual. "Forças fracas precisam se unir para enfrentar o mais forte. Pelo bem maior, você sabe."
"Uau. E eu achando que você não poderia ser mais sem vergonha." O menino respondeu, parecendo genuinamente surpreso. "Mas olha só, você se superou. Parabéns."
Joonghyuk não conseguiu segurar o sorrisinho irônico diante daquela troca de farpas.
Era meio engraçado de assistir até. Ele se sentia meia idiota por querer rir disso.
"Salvação?" O menino repetiu, zombando. "Oh, por favor. Não me faça rir. Eu só estou nessa situação por culpa do seu amado "criador", para começar."
MAD manteve o sorriso, mesmo sendo acusado e insultado sem parar, como se tudo estivesse sob o controle dele.
"Eu sei o que vocês querem." O menino continuou, apontando para MAD. "Mas deixa eu te contar uma coisinha, Oldest— não, Most Ancient Desire... lamento em decepcioná-lo, mas aqui, quem manda sou eu. Você está em território instável."
M de Most.
A de Ancient.
D de Desire.
M.A.D.
Yoo Joonghyuk prendeu a respiração levemente, atento. Ele não esperava receber informações em meio a uma briga que parecia, até então, sem sentido. Mas aqui estava.
Most Ancient Desire.
Ele tinha um nome agora.
"Bem. Mas é por isso que você está aqui, não é?" O menino não parou, falando com a voz carregada de ironia. "Uma memória— Não. Um fragmento de uma memória, que nem sequer chega a ter 25% de sua própria existência real, enviado para cá... o que mais isso poderia significar?"
O sorriso de MAD finalmente vacilou.
"Você não é burro, Desire. Eu sei que você sabe o que isso significa." O menino disse friamente. "Oldest Dream descartou você."
Oldest Dream?
Esse era um nome desconhecido.
Yoo Joonghyuk manteve-se em silêncio, agora observando cada microexpressão de MAD com ainda mais atenção, já que, pelo jeito que aquele garoto estava falando, esse nome parecia ser importante.
"E, ah, é claro..." O menino então desviou a atenção para Joonghyuk, olhando para trás, como se só agora tivesse se lembrado de sua presença. "Hyuk-ah provavelmente não vai saber quem é por esse nome. Mas você deve conhecê-lo melhor como OD."
O quê?
Os olhos de Yoo Joonghyuk se arregalaram.
OD...?
OD... o mesmo OD dele?
Esse era o mesmo OD que ele estava pensando?
Isso...
Isso era...
Joonghyuk definitivamente não estava esperando ouvir o nome de OD surgir de repente no meio daquela conversa. Mas, pensando bem... ultimamente, OD vinha sendo mencionado com uma frequência anormal, até mesmo em seus pensamentos.
Mas isso não era ruim. Ele poderia tentar descobrir alguma coisa agora.
"OD?" Joonghyuk repetiu lentamente, sentindo a garganta seca. "Explique-se."
Oldest Dream. Era esse o verdadeiro "nome" dele? Oldest Dream, Most Ancient Desire...
No final das contas, parecia que OD e MAD estavam mais conectados do que ele imaginava.
"Claro, Hyuk-ah!" O menino respondeu imediatamente e, a mudança de tom foi tão brusca que quase o fez estremecer. Seu tom gélido ficou tão doce e quase infantil ao se dirigir a Joonghyuk, como se fosse outra pessoa falando. "Por mais que me irrite admitir, o meu Hyuk-ah foi usado. Tudo não passou de um plano deles."
Ele lançou um olhar furioso para MAD, que permanecia imóvel, o encarando com frieza.
"O plano era que você, Hyuk-ah, me atacasse por dentro. Porque eu... bem, eu nunca seria capaz de te machucar." O menino sorriu e voltou os olhos para Joonghyuk, os dedos entrelaçando os dele com uma naturalidade e ternura desconcertante. "Porque eu... eu nunca faria algo assim. Nem se eu quisesse. Nem se eu precisasse. Você sabe disso, não sabe, Hyuk-ah?"
Joonghyuk sentiu o estômago revirar com a demonstração de afeto. Ele ficou em silêncio, surpreso por aquele garoto estar realmente colaborando e respondendo suas perguntas, apesar da situação toda.
"Foi por isso que aquele OD jogou aquelas pistas no ar, sem motivo algum, sobre como derrotar um fragmento do pesadelo, anos atrás." O menino zombou sarcasticamente.
Para sua surpresa, aquela coisa, monstro ou não, parecia muito satisfeita em falar com ele. Como se obedecer fosse muito mais importante do que qualquer outra coisa.
Não que ele estivesse reclamando. Era útil.
Mas, agora, se ele estava falando a verdade ou não...
"Então, Hyuk-ah, achando que eu era uma ameaça, mesmo que eu só estivesse tentando o proteger, acabou me atacando." O menino explicou com um suspiro pesado. "Isso destruiu meu núcleo. É por isso que estou enfraquecendo e desaparecendo." Ele suspirou dramaticamente. "Mas isso não importa tanto assim agora."
Proteger?
"Me protegendo? Como?" Joonghyuk franziu o cenho, confuso. "Você estava manipulando minhas memórias, me fazendo ter pesadelos..."
Isso não era proteção.
"Não, não, não..." O menino balançou a cabeça vigorosamente, negando como uma criança teimosa. "Eu realmente alterei suas memórias. Eu também baguncei as suas emoções, isso é verdade." Ele sorriu inocentemente, e o contraste foi desconfortável. "Mas foi para te proteger."
"Proteger?" Joonghyuk repetiu, incrédulo, e a palavra pareceu amarga em sua língua.
Na verdade, parecia até uma piada de mal gosto. Como isso era proteger? O que, exatamente, significava proteger, para aquela coisa?
Proteger era isso? Destruir memórias, manipular as emoções de alguém e mexer com a mente delas?
"Sim, mas você não entende, Hyuk-ah." Sua voz oscilava entre um tom doce e um tom sério. "Os pesadelos não são minha culpa. Eu os contive. Eu os controlei para que não te destruíssem. Se não fosse por mim..." Ele inclinou a cabeça, e o seu sorriso se abriu ainda mais. "Você já estaria morto."
Sua resposta era tão distorcida quanto a personalidade. E, por mais que Joonghyuk tentasse entender, acompanhar, tudo parecia cada vez mais confuso.
Ele já estaria morto?
Por quê?
Por qual motivo?
Não fazia sentido.
Nada daquilo fazia sentido.
Pesadelos? Ele dizia que estava controlando aquilo.
Controlando?
Yoo Joonghyuk estava tendo pesadelos tão intensos, tão recorrentes, que passou a evitar dormir por dias. Ele estava completamente esgotado, fisicamente e mentalmente. Como isso poderia ser chamado de controle? De proteção?
"Oh, acredite em mim, Hyuk-ah... seria muito pior sem mim." O menino abanou a mão no ar, despreocupado. "Na verdade, essa escola, o terraço, a queda... tudo isso só continua se repetindo por sua causa."
Por causa dele?
Joonghyuk o encarou, seus olhos se estreitando. "O quê?"
"Essa memória virou um pesadelo não porque algo esteja te possuindo." O menino continuou falando, apontando diretamente para ele. "Mas porque você nunca conseguiu superar isso. Você nunca deixou ele ir, Hyuk-ah."
Ele.
Joonghyuk sentiu o estômago afundar.
E, como se tivesse lido diretamente sua mente, o menino respondeu com um nome.
"Kim Dokja."
O ar sumiu dos pulmões de Joonghyuk.
"Você nunca permitiu que ele descansasse em paz." O menino continuou, a voz mais baixa, quase carinhosa. "E tudo bem. Eu lidei com isso. Carreguei o peso por você. Mantive seus sentimentos sob controle... escondi as memórias mais dolorosas. Porque se eu não fizesse isso, o trauma teria te destruído."
Joonghyuk permaneceu imóvel, atordoado.
"Sem mim, Hyuk-ah..." O menino se inclinou para mais perto. "Você já teria desmoronado. Já teria desistido. Já teria tentado se machucar. Eu fui a única coisa que te permitiu viver minimamente em paz."
Suas palavras pairavam no ar, ecoando incessantemente na mente dele, se infiltrando nas brechas de sua resistência.
Joonghyuk piscou confusamente, sentindo os pensamentos se fecharem ao seu redor, se estreitando em uma única certeza, por mais sufocante que fosse, se aquilo fosse verdade… se aquela criatura, aquele fragmento, realmente estivesse controlando sua mente esse tempo todo…
Então, sem a ajuda daquela coisa, ele já teria...
...
"Você entende agora?" O menino se aproximou, inclinando-se levemente para frente, sua voz estava baixa, quase reconfortante. "Eu nunca fui o perigo, Hyuk-ah."
Ele já teria se matado.
Era isso o que aquele menino estava insinuando.
Só a simples implicação daquele pensamento soava absurda para Yoo Joonghyuk.
Ele abaixou a cabeça, mas continuava se sentindo incomodado.
Mesmo sem ter um rosto, tinha algo sufocante na presença daquele garoto. Joonghyuk conseguia sentir olhos nele, mesmo que não tivesse nenhum.
Era desconfortável.
"Eles que são os—"
Mas ele não terminou a frase.
Não conseguiu.
Porque, no segundo seguinte, um som de algo rasgando cortou o ar.
Sem qualquer aviso, algo atravessou seu corpo.
Um braço.
Um braço emergiu e perfurou as costas dele, até atravessar seu corpo e sair pelo estômago.
"Você fala demais." MAD disse friamente, seu tom era monótono, desprovido de qualquer emoção humana.
Seus olhos estavam brilhando em um vermelho escuro, ardendo como chamas. Não tinha mais aquele sorriso nada confiável e irritante em seu rosto, apenas um semblante inexpressivo, e uma aura mortal tão densa que o ar ao redor pareceu ficar pesado.
Mas antes que Joonghyuk tivesse tempo para reagir, ou sequer digerir tudo o que acabou de presenciar, sentiu mãos pequenas agarrando as costas de sua blusa com força, o que quase o fez pular para fora da própria pele.
Seu olhar disparou para baixo, instintivamente, enquanto ele se virava bruscamente.
O corpo que, até poucos segundos atrás, estava à sua frente, com um braço atravessando o estômago, tinha simplesmente desaparecido.
Desaparecido, completamente.
E na frente dele, estava apenas MAD, parado onde o garoto tinha estado antes, a mão ainda estendida no vazio, como se estivesse atingindo o nada.
"É rude interromper alguém enquanto ela está falando." Disse uma voz suave logo atrás do ombro de Joonghyuk.
Joonghyuk congelou.
O menino estava ali, agora parcialmente escondido atrás dele, ainda segurando sua blusa com ambas as mãos pequenas, como se estivesse se escondendo para se proteger.
"Mas... mhm. Estou até surpreso que você não tenha me atacado antes." Ele murmurou em um tom inocente, inclinando a cabeça para o lado, como se realmente estivesse curioso. "Você me deixou falar bastante. Isso fazia parte do seu plano?"
Seu tom era brincalhão, quase provocativo, como se estivesse deliberadamente tentando irritar a outra parte.
"Estava pensando." MAD respondeu, seu tom era frio, mas ele não caiu na conversa, e cada passo que ele dava fazia o ar ao redor deles parecer mais intimidador. Ele começou a se aproximar lentamente, como um predador que já avaliou seu alvo. "Desde que eu consiga aquela sua habilidade... a sua cooperação é desnecessária."
"Entendo." O menino respondeu calmamente. "Minha habilidade, então esse era o verdadeiro objetivo desde o começo."
Enquanto MAD continuava se aproximando, Joonghyuk recuava, instintivamente. Seus pés moveram-se sozinhos, colocando-se entre os dois. Ele não pensou, apenas agiu, como se fosse natural. Como se fosse seu dever.
Ele estava...
Realmente protegendo aquele menino?
Sinceramente, nem ele mesmo sabia o porquê estava se colocando no caminho deles.
Era porque ele queria respostas, e aquele menino poderia responder?
Ele simplesmente sentia a necessidade de fazer isso.
"É uma pena..." O menino lamentou, em um tom manso, quase cantado. "Para você, é claro."
De repente...
[A habilidade <Cenário (SSS)> está sendo ativada.]
A notificação azul surgiu repentinamente, sem aviso algum, diante de seus olhos.
"Não pretendo te dar isso tão fácil assim." O menino cantarolou animadamente. "Se você quer, venha pegar."
[O palco está sendo preparado para o cenário.]
"Se você puder, lógico."
Uma habilidade de classificação.. SSS?
Os olhos de Joonghyuk se arregalaram.
E antes mesmo que ele pudesse digerir essa descoberta, o chão do terraço tremeu violentamente sob seus pés. Rachaduras começaram a se espalhar por todas as direções, fragmentando as estruturas ao redor como se o mundo estivesse começando a se destruir.
O céu escureceu gradativamente, o ar ficou mais denso, quase sufocante, e uma névoa espessa e escura os envolveu.
Yoo Joonghyuk soube, imediatamente, que isso ia muito além de uma simples briga idiota sem sentido.
E, desta vez, ele estava bem no centro disso.
[O fragmento de Memória <Most Ancient Desire> foi reconhecido para um papel.]
[O papel atribuído a <Most Ancient Desire> é (Antagonista).]
[O caçador <Yoo Joonghyuk> foi reconhecido para um papel.]
[O papel atribuído a <Yoo Joonghyuk> é (Leitor).]
[O <■■ sem nome> foi reconhecido para um papel.]
[O papel atribuído ao <■■ sem nome> é (Protagonista).]
E assim, tão de repente, tudo ficou escuro.
Yoo Joonghyuk nem sequer teve tempo para reagir quando sentiu seu corpo se desintegrar, como se estivesse sendo arrancado para fora da realidade. Ele viu os corpos dos outros dois também desintegrando até desaparecerem completamente, sem que ele pudesse fazer qualquer coisa para impedir.
Mas quando abriu os olhos novamente, quando conseguiu finalmente ver a luz de novo, ele não estava mais no terraço do colégio.
Não.
Ele estava no meio de uma cidade em ruínas, destruída por ondas e mais ondas de monstros e massacres impiedosos. Prédios demolidos, casas destruídas, cercado por destroços por todos os lados. Carros abandonados, batidos, amassados, virados, queimados. E a densa fumaça preta subindo ao céu nublado dava ao lugar uma atmosfera ainda mais sufocante.
Era Seul.
Mas não a Seul que ele conhecia.
Essa era uma visão que Yoo Joonghyuk só tinha visto uma única vez.
Há dez anos atrás.
[O palco para o <Cenário> está concluído.]
Yoo Joonghyuk não estava diretamente no centro da ação, o que o confundiu. Pelo contrário, sua posição era afastada, protegida. Um canto elevado e seguro, onde ele poderia simplesmente assistir, sem se colocar em perigo…
Sim, assistir.
Testemunhar.
Como um espectador.
<Leitor.>
Um leitor preso em uma história. Um leitor que existe apenas para ler as palavras entre as páginas de um livro, um ser onisciente, mas incapaz de alterar as palavras escritas e interferir diretamente na história.
Nesse momento, ele era apenas alguém que assistiria àquela batalha, lendo os movimentos de cada um deles.
Dessa vez, ele não era o protagonista.
Ele seria o leitor.
Bem abaixo dele, no meio da cidade em ruínas, o campo de batalha tinha sido montado.
De um lado, uma figura surgiu das chamas.
Caminhando lentamente até o centro, estava um homem, ou melhor, um demônio. Sua altura se aproximava dos dois metros de altura, com pernas longas e um corpo tonificado e em forma. Dos ombros até as mãos, sua pele era negra como tinta preta, e suas unhas pretas eram longas e afiadas, como garras.
Rachaduras se espalhavam visivelmente por toda a pele que estava exposta, subindo pelo pescoço até o rosto, praticamente pelo corpo inteiro. De sua cabeça, emergiam longos chifres vermelhos, pontudos, com formatos levemente espirais.
Das costas, duas asas negras, grandes e imponentes, surgiram com um som cortante, como chicote rasgando o ar, batendo uma vez com força o suficiente para levantar poeira e fragmentos das ruínas que eram as ruas de Seul.
Ele estava vestindo um traje preto justo ao corpo, feito para permitir movimentos bruscos e velozes, sem que seu desempenho fosse comprometido pelas roupas que estava usando.
Seus olhos brilhavam em um vermelho intenso, como sangue derramado. Uma cor viva, intensa e marcante.
[O personagem atribuído a <Most Ancient Desire> foi (Rei Demônio).]
Do outro lado, outra figura emergiu, dessa vez, das sombras. Caminhando lentamente para o centro do campo de batalha em ruínas através da névoa e da fumaça preta das chamas, que queimavam tudo ao seu redor.
Ele tinha curtos cabelos pretos, levemente ondulados. Seus olhos, eram escuros como obsidianas, encarando o cenário à frente com uma intensidade assassina. Sua pele era levemente bronzeada, marcada por cicatrizes profundas e ele usava um sobretudo preto por cima de roupas também pretas.
[O personagem atribuído ao <■■ sem nome> foi (Rei Supremo).]
Isso mesmo.
O Rei Supremo.
O homem diante dele não era ninguém menos do que... ele próprio?
"Como que..." Yoo Joonghyuk arfou, incrédulo, com os olhos fixos na aparência daquele homem à frente, idêntica à sua.
Essa não era uma simples imitação barata. Não. Essa era a versão adulta dele, uma cópia exata do verdadeiro Rei Supremo. Exatamente como ele era no mundo real. Um homem adulto, grande e imponente, olhar penetrante, músculos rígidos e firmes, formados por inúmeras batalhas.
Enquanto isso, ele, o verdadeiro Yoo Joonghyuk, ou pelo menos a consciência dele, ainda estava preso naquele corpo de criança, uma miniatura do homem que ele já foi, a mesma aparência que parecia uma mistura dele com Kim Dokja.
Mas tinha algo, algo que ele não estava entendendo. Era do porquê dele estar sendo referido por aquela habilidade como se ele fosse algum tipo de... personagem.
Não era como se ele pudesse perguntar a alguém. Então, ele se limitou a apenas observar, sem dizer nenhuma palavra, enquanto os outros dois oponentes se encaravam, como predadores à espreita, esperando o menor movimento um do outro para avançar e dar o primeiro golpe.
Eles estavam se estudando.
Joonghyuk reconheceu imediatamente aquele tipo de silêncio. Eles não estavam apenas se encarando por simplesmente encarar. Não. Eles estavam realmente se avaliando, cuidadosamente. Buscando por uma oportunidade para atacar. Para massacrar.
E então, o primeiro movimento finalmente veio de um dos lados.
O Rei Demônio avançou ferozmente, com tudo que tinha. Suas garras pretas estavam à mostra, afiadas o suficiente para cortar e rasgar pele e carne com um único deslizar de unhas.
Mas o Rei Supremo não recuou. Com um único movimento de mão, rápido e fluido, desembainhou sua espada, e o som metálico ecoou.
Num instante, o campo de batalha foi preenchido por uma série de sons desagradáveis de aço colidindo com garras, o arrastar caótico das botas sobre o asfalto quebrado, enviando pedaços de concreto aos ares, faíscas voando com cada impacto.
Seus movimentos não eram elegantes. Nada daquilo se parecia com uma dança refinada ou organizada.
Não tinha graciosidade em seus passos ou movimentos, apenas uma selvageria crua e nua.
Eles se movimentavam como animais selvagens disputando por território, como soldados consumidos pela guerra, era apenas instinto e uma fúria crua, algo nojento e sujo. Cada golpe parecia mais feroz e esmagador do que o outro.
Dois monstros lutando em pé de igualdade, sem qualquer preocupação em esquivar ou se defender. Cada golpe era uma tentativa real de matar. Cada impacto era tão violento que fazia o chão tremer. Parecia loucura de tão insano e intenso que era.
Eles não estavam testando habilidades, muito menos brincando.
Eles estavam tentando matar um ao outro. De verdade.
Yoo Joonghyuk assistia, com os olhos levemente arregalados, completamente absorto. E, para sua própria surpresa...
Ele estava entretido.
Era... empolgante vê-los lutar com uma intensidade tão crua e honesta. De alguma forma, era até revigorante.
Tinha algo de puro naquela violência. Algo real. Cru. Algo cheio de beleza, acima da violência.
Era honesto, pelo menos. Brutalmente honesto.
Ele continuou tão absorto, até que—
[Consegue me escutar, Hyuk-ah?]
Joonghyuk piscou rapidamente, saindo do transe. Seus olhos se afastaram da luta por reflexo. Ele escutou. Uma voz gentil falou com ele, diretamente em sua mente.
Ele olhou ao redor por instinto, procurando a origem da voz, mas já sabia a quem pertencia.
[Não se preocupe.] Disse a voz novamente, em um tom leve e reconfortante. [Ninguém além de você pode me escutar. Somos só eu e você aqui. Sozinhos.]
Essa era a voz de Kim Dokja.
Ou melhor, daquele fragmento sem rosto dele.
Joonghyuk respirou fundo, voltando os olhos brevemente para a luta antes de responder.
"Eu consigo." Ele respondeu, com a voz baixa. "Estou escutando."
[Isso é ótimo.] Ele soou satisfeito. [Sinceramente, ainda temos muito para conversar. Eu sei que você está confuso com muitas coisas, que ainda tem muitas dúvidas... e... bom, já que estamos presos nesse cenário, é melhor aproveitarmos o tempo que nos resta.]
Joonghyuk piscou, surpreso, franzindo levemente o cenho.
Ele foi pego de surpresa pela oferta repentina.
"...Sério?"
Houve uma suave risada do outro lado da conexão.
[Claro. Não é como se fosse grande coisa e eu também nunca menti para você, Hyuk-ah. Só... omiti algumas coisas. Mas isso não é mentir.]
Yoo Joonghyuk franziu o cenho diante da resposta brincalhona, mas não teve tempo para retrucar. Uma súbita explosão no campo de batalha capturou sua atenção, forçando-o a fechar os olhos diante da claridade intensa.
[Pro Gamer S ativado.]
Um enjoo repentino o invadiu, e tudo ao seu redor começou a chacoalhar de repente, como se estivesse dentro de um carro que perdeu o controle. Ele teve uma sensação estranha de que seu corpo não lhe pertencia mais, como se alguém estivesse o controlando como se fosse um fantoche.
Controlando?
Joonghyuk abriu os olhos, ofegante. Só então percebeu que não estava mais naquele local seguro, longe da batalha. Ou melhor, ele estava de volta ao seu corpo. Não ao verdadeiro, mas naquela cópia. Mas ainda assim, era como se estivesse preso dentro de si mesmo. Ele não conseguia controlar um único músculo sequer, seus braços se moviam sozinhos. E ali, com os próprios olhos, ele se viu frente a frente com o Rei Demônio, no meio da batalha.
Era como se fosse ele lutando, ele sentia cada golpe, cada sensação de formigamento, sentia o fluxo da mana, mas não era ele quem controlava seus próprios movimentos.
'Não consigo me controlar!' Joonghyuk pensou freneticamente, tentando falar, mas seus lábios não obedeciam. Ele não conseguia verbalizar seus pensamentos, não importava o quanto tentasse.
Seu corpo simplesmente não obedecia a nenhum comando.
Ele foi forçado a observar tudo em primeira pessoa, sentindo cada impacto, mas ainda era um mero espectador dentro do próprio corpo.
[Eu quero que você sinta cada mínima sensação disso e memorize.] Sussurrou a mesma voz de antes, guiando cada movimento dele com uma concentração inabalável. [Você me agradecerá mais tarde por isso, acredite.]
Um formigamento percorreu suas mãos e se espalhou até a espada que brandia. Era mana, em sua forma mais pura e concentrada.
[Então, não tenha medo, Hyuk-ah.]
Quando o Rei Demônio avançou novamente, pronto para atacar, essa mana explodiu deliberadamente. Mas não foi uma explosão descontrolada. O ataque era milimetricamente calculado, a energia concentrou na ponta da lâmina da espada e se arremessou à frente, atingindo o rosto do inimigo em cheio.
[Chamas Negras SS ativada.]
[Só observe e aprenda.]
O Rei Demônio cambaleou com um grito ensurdecedor de agonia, sua cabeça envolta em chamas negras, o que o deixou temporariamente com cegueira e incapaz de revidar enquanto lutava para recuperar o controle e apagar as chamas.
Naquele instante, o Rei Supremo aproveitou a deixa e avançou como um disparo. Uma sensação eletrizante de formigamento percorreu seus pés, e outra explosão de mana, vinda do chão, o impulsionou para frente. Toda aquela distância se encurtou em um piscar de olhos.
Sua espada cortou o ar impiedosamente, mirando no alvo, mas o Rei Demônio, mesmo atordoado e temporariamente cego, sentiu o perigo e moveu-se por instinto. O ataque foi bloqueado no último segundo, faíscas voando pelos ares enquanto as lâminas se chocavam violentamente.
O estrondo da batalha ecoou entre eles. O impacto reverberou nos ossos de Joonghyuk, misturando dor, adrenalina e uma estranha sensação de antecipação.
Graças à habilidade [Pro Gamer], que basicamente agia como uma habilidade passiva, Yoo Joonghyuk conseguia enxergar uma barra de vida acima do Rei Demônio. Mas ela estava praticamente cheia.
No entanto, não era isso que importava. O que realmente tornava aquilo tudo tão imersivo era essa sensação inédita, que transformava a luta em uma experiência completamente nova.
Sua habilidade, em condições normais, jamais permitiria aquilo. Mas ainda assim, parecia que tudo tinha ligação com aquele fragmento, principalmente com aquela habilidade [Cenário] dele.
Joonghyuk sentia cada sensação. Cada golpe, cada tremor, como se fosse ele quem estivesse ali, lutando. Descobria coisas que jamais pensou ser capaz de fazer.
O fragmento, quase como se estivesse brincando com suas habilidades, utilizava as [Chamas Negras] para lançar bolas de fogo, algo que Joonghyuk nunca sequer pensou em fazer. E ia além, usava as chamas para causar explosões e ganhar impulso para correr mais rápido.
Era exatamente como assistir a alguém jogando com o seu main personagem de um videogame... só que muito melhor do que você jogando.
Ele seguiu à risca o que o fragmento tinha sugerido. Permaneceu calado, observando atentamente cada movimento feito, memorizando cada sensação, cada mínimo detalhe, para conseguir reproduzir aqueles mesmos truques depois.
Enquanto lutavam, o Rei Demônio apagou as chamas do rosto, abriu as asas e puxou voo. O Rei Supremo, por sua vez, utilizou as [Chamas Negras] para criar uma explosão e, impulsionando-se com o próprio impacto, praticamente voou junto. Ele pisava nas explosões, saltando de uma para outra, mantendo-se no céu e lutando no ar sem nem sequer precisar tocar o chão, o que fez o queixo de Yoo Joonghyuk praticamente escancarar enquanto assistia.
Ele nunca, NUNCA, nunca mesmo, tentou usar as habilidades dele daquele jeito.
Nem em seus treinos, nem nos piores cenários de combate. Nem mesmo em seus treinamentos de simulação tática.
Não. Que se foda. Ele nunca sequer pensou ou imaginou que aquilo fosse possível.
O Rei Supremo fazia explodir chamas pretas no céu e se movia sobre elas, trocando golpes com o Rei Demônio nas alturas, sem sequer precisar tocar o chão para recuperar equilíbrio ou mobilidade.
Desse jeito, a batalha se tornou aérea, apesar dele não ter nenhuma habilidade ou asas para voar de verdade. O fragmento improvisava tudo.
[Consegue enxergar as inúmeras possibilidades?] Perguntou a voz do fragmento em sua mente.
Sim, ele conseguia. Muitas delas, na verdade.
[Você não precisa se limitar apenas ao que suas habilidades foram feitas para fazer.]
O Rei Supremo envolveu sua espada em chamas negras, intensificando cada ataque.
[Expanda seus horizontes.]
Era isso? Testar todas as possibilidades?
Um ataque particularmente feroz atravessou o peito do Rei Demônio, perfurando-o por completo. Ele respondeu com um rugido ensurdecedor.
O Rei Supremo puxou a espada e recuou, finalmente pisando no chão outra vez.
[O Rei Demônio está ampliando a sua forma demoníaca...]
[O Rei Demônio está ficando mais forte...]
Sem parar, a todo momento, o sistema bombardeava Joonghyuk com janelas azuis na frente de sua visão, atrapalhando-o. Ele assistiu ao Rei Demônio crescer ainda mais, seu corpo duplicando de tamanho.
O Rei Demônio se tornou ainda maior, ainda mais ameaçador, mas o Rei Supremo não hesitou. Ele avançou rapidamente, e mesmo com todo o poder recém-adquirido, o Rei Demônio ainda não era páreo para ele.
[O oponente é mais forte que a forma demoníaca atual.]
[O Rei Demônio está ampliando sua forma demoníaca...]
[Forma demoníaca final alcançada!]
O Rei Demônio diante de Joonghyuk tinha se transformado em algo completamente monstruoso. Em poucas palavras, ele tinha se tornado em algum tipo de chefão final.
Tipo o chefão final de um videogame.
Um monstro colossal, do tamanho de um prédio inteiro, que avançava tentando esmagar o oponente abaixo de seus pés, como se eles não fossem nada além de uma barata insignificante. O monstro gritava agoniantemente a cada ataque, sua humanidade e capacidade de pensar já estavam completamente perdidas naquele ponto, e mesmo pesando toneladas, seus golpes eram rápidos, enquanto o seu "personagem" de videogame — como Joonghyuk já começava a vê-lo — desviava com uma agilidade sobrehumana e revidava com ataques cada vez mais criativos e destrutivos.
Era aquilo. Era exatamente aquilo o que a habilidade [Cenário] fazia.
Ela não era uma habilidade que apenas colocava os participantes forçadamente dentro de um teatrinho, com papéis que eles eram obrigados a seguir.
Não.
Ela transformava. Completamente.
Essa habilidade transformou MAD em um chefão final de videogame, tirando sua capacidade de pensar e agir por vontade própria. Transformou o mundo ao redor em um palco personalizado, do jeito que ele queria. Transformou a realidade inteira em um sistema de padrões de videogame. Tudo isso para que o Leitor — Yoo Joonghyuk — pudesse estudar, absorver, entender e aprender.
Era aterrorizante.
E, ao mesmo tempo, extraordinariamente interessante.
O fragmento, aquele garoto sem rosto que lembrava Dokja, já tinha explicado bastante coisa antes de chegarem até esse ponto.
E a primeira coisa que ele explicou foi sobre as habilidades.
Se Joonghyuk quisesse realmente ultrapassar o Rank S e alcançar o nível de um SS, ele precisaria fazer muito mais do que apenas treinar e usar suas habilidades.
Ele precisaria ser criativo.
Pensar fora do padrão, aprender a explorar suas habilidades de formas que ninguém mais nunca nem sequer tentou. Usar o que já possuía de maneira inovadora.
Depois, o menino explicou sobre ranks e níveis, uma distinção que quase ninguém compreendia, porque, oficialmente, o sistema fazia os dois parecerem a mesma coisa.
Mas tinha, sim, uma diferença fundamental entre os dois.
O Rank era, basicamente, a classificação de um despertado. Uma identificação de quão poderoso o despertado era considerado, em seu estado mais cru e puro.
Já o Nível, por outro lado, era sobre potencial. Era a altura que aquele despertado ainda era capaz de alcançar, mesmo dentro do seu Rank atual.
Um caçador poderia até ser classificado como Rank S.
Mas, se o nível de capacidade dele for apenas de um Rank A, então ele nunca vai usar o potencial inteiro de um Rank S. Ele viverá preso no limite de um Rank A, com a força de um Rank A e lutando exatamente como um Rank A, apesar de ser um Rank S.
Era, em essência, uma questão de competência.
Se um caçador é um Rank S, ele tem o potencial de alcançar o poder no nível de um SS, se for capaz.
Isso era sobre o quão longe alguém poderia ir. Sobre o quão fundo alguém escolheria ir.
E Joonghyuk, até aquele momento, era um Rank S com o nível de um Rank S. Nunca passou disso, mas também nunca caiu abaixo disso.
Mas isso mudaria agora.
[—E, principalmente, não confie cegamente nas informações que o sistema ou suas habilidades te mostram.]
No momento, enquanto ainda lutava, o fragmento estava explicando sobre o sistema.
E, sinceramente, era um conselho um tanto perturbador, principalmente vindo de alguém que, claramente, compreendia a estrutura do sistema melhor do que qualquer um.
O "sistema" era aquela janela azul onipresente, que sempre parecia saber de tudo. Essa era a janela que aparecia para todo mundo, com exceção dos não despertados.
[Sim, estou falando do sistema] Dizia a voz do fragmento diretamente em sua mente. [Essa janelinha azul flutuando que você confia tão cegamente. Mesmo que pareçam confiáveis, elas ainda podem estar erradas.]
Essa afirmação atordoou Joonghyuk.
Porque ninguém jamais disse isso. Nunca.
Durante todos esses dez anos com o sistema, durante esses dez anos sobrevivendo ao apocalipse, ninguém ousou desafiar a veracidade das mensagens que saíam em azul e branco na frente de seus olhos.
Mas ali, naquela simulação, ou seja lá o que aquilo fosse, aquele menino estava dizendo, afirmando, com uma calma perturbadora que o sistema não era confiável.
[Vocês, despertados, acreditam tão cegamente em uma interface azul que surgiu de repente, sem explicação alguma, seguem regras impostas por algo que vocês nem mesmo entendem.]
[Mas e se isso for apenas só mais uma distração? Uma esperança que impuseram para que vocês parassem de fazer perguntas?]
Joonghyuk encarou o enorme Rei Demônio que agora se erguia como um arranha-céu diante do Rei Supremo.
[O sistema pode mentir.]
Ninguém, até aquele momento, tinha ousado questionar a veracidade das mensagens do sistema. Para os "jogadores", para os caçadores, os despertados, aquele sistema era uma lei e a verdade absoluta.
Mas, lá estava a exceção.
Alguém que não apenas duvidava, mas entendia como quebrar as regras.
E Joonghyuk tinha começado a escutá-lo.
[O sistema é, essencialmente, uma rede de armazenamento de dados. Um banco de dados. Todas as informações contidas nele foram, em algum momento, registradas por alguém.]
[Sua habilidade, (Avaliação), é apenas uma imitação mais simplificada desse sistema, voltada exclusivamente para analisar o perfil de outros despertados.]
[Mas, e se um despertado ainda não tiver sido reconhecido e registrado como um despertado oficialmente pelo Centro de Despertados? O que aconteceria caso você tentasse usar sua habilidade neles?]
Joonghyuk franziu a testa.
Ele nunca pensou nisso. Sempre que usava a [Avaliação] em algo ou alguém, ela simplesmente funcionava e toda a informação simplesmente aparecia. Os dados apenas vinham. Como poderia não funcionar?
[É bem simples, na verdade.]
[Sua habilidade mostra apenas o que já está armazenado no banco de dados do sistema, aquilo que já foi registrado, validado e guardado.]
[Se você consegue usar a (Avaliação) para ver que alguém é um despertado, e ainda consegue ver suas habilidades, isso significa apenas uma coisa.]
[Em algum lugar, aquela informação já foi registrada antes.]
Joonghyuk piscou. Um sentimento estranho percorreu sua espinha.
O quê...?
Mas então, tinha Gilyoung.
Ele se lembrou claramente.
Lee Gilyoung nunca tinha sido registrado oficialmente como um despertado pelo Centro de Despertados. E mesmo assim...
Sua [Avaliação] funcionou perfeitamente nele. Mostrou todas as informações.
Como se esperasse a dúvida, a voz do fragmento continuou, calma, como se estivesse lendo seus pensamentos.
[Então, sim. Se você conseguiu ver informações daquele menino, isso quer dizer que, de alguma forma, em algum canto do sistema, essas informações já estavam lá.]
[O sistema apenas acessou os dados e os mostrou para você.]
'Em algum lugar...' Joonghyuk pensou mentalmente, o olhar absorto. 'O sistema... já tinha os dados de Lee Gilyoung.'
Mas… como?
[Infelizmente, meus conhecimentos não vão tão longe a ponto de responder isso.]
[Por mais que eu queira, não sei o porquê essas informações estão registradas no sistema. Eu apenas sei que estão lá.]
Era uma resposta honesta.
E, para Joonghyuk, isso era o suficiente por agora. Ele poderia trabalhar com o o que. Entender o porquê viria depois disso.
[Em troca dessa incerteza que eu o deixei com, deixe-me explicar algo que sei com clareza, o motivo de você estar aqui.]
[Sua intenção antes, mesmo que tenha mudado agora, era me matar. De alguma forma, eliminar o que você achava ser um perigo.]
[E como você percebeu, eu não sou um humano.]
Sim. Joonghyuk já tinha percebido. Isso diante dele não era um "humano". Nem ele, e nem MAD.
[Nós, fragmentos, fomos criados com um propósito específico. Cada um de nós nasceu com uma única palavra impressa em nossa existência.]
[No meu caso, essa palavra foi "proteção".]
Proteção...
Ele estava cumprindo esse propósito perfeitamente.
[E como todos os fragmentos, eu também cheguei a este mundo com uma única habilidade.]
[Inicialmente, era algo simples e fraco. Uma habilidade de Rank F. (Ilusão).]
Ilusão...
Yoo Joonghyuk nunca escutou falar dessa habilidade antes. Muito menos de alguém evoluí-la.
[Com o tempo, e utilizando os conhecimentos que eu tinha, essa habilidade evoluiu.]
[E eventualmente, ela se tornou o que é hoje, uma habilidade de nível SSS.]
[(Cenário).]
Joonghyuk estreitou os olhos, sentindo a ficha cair.
Então, aquele fragmento... não era apenas um delírio criado pela mente dele. Ele era algo criado por algo ou alguém, com um propósito. Era algo realmente criado com um propósito e uma missão a cumprir. E [Cenário], essa habilidade absurdamente roubada de forte e fora da realidade, era o resultado direto disso.
Ele estava começando a entender.
Esse fragmento...
Ele foi criado para ele.
Unicamente para ele.
Mas... por quê?
Quem o criou? E por quê?
[Para proteger você.]
[É a única coisa que eu sei. Meu propósito. Minha existência só faz sentido neste mundo por causa disso. Proteger.]
Simples.
Cruelmente simples.
Sem isso, ele não tinha mais propósito.
Joonghyuk apertou os punhos involuntariamente. Ele queria perguntar mais. Queria entender. Queria... salvar aquele menino, de alguma forma.
Por mais que ele não fosse humano, isso não significava que ele merecia morrer.
Foi culpa dele.
Era culpa dele que aquilo estava acontecendo. Ele atacou o núcleo.
Não era justo.
Mas, antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, antes que Joonghyuk pudesse procurar uma maneira de tirá-lo daquela situação, o chão abaixo deles começou a tremer violentamente.
E a batalha, que até então permanecia incessante, finalmente cessou por um instante, forçada a parar por causa do colapso do mundo ao redor.
Fendas e portais se abriram em todas as direções, engolindo escombros, fumaça e escuridão, tudo. O cenário inteiro estava começando a ruir.
[O tempo se esgotou.]
'O quê?'
Seu pensamento saiu involuntariamente, sem nem mesmo que Joonghyuk percebesse. Isso não podia acabar agora. Não podia acabar assim. Ele ainda tinha tantas perguntas. Ainda tinha tanto para entender—!
'MAD—' Ele disse mentalmente, tentando arranjar uma razão para continuar ali.
[Você não precisa se preocupar com nada, Hyuk-ah.]
[Eu cuidarei de tudo.]
Yoo Joonghyuk sentiu o pânico apertar o peito. Ele virou o rosto, tentando, de alguma forma, encontrar aquele menino naquele mundo em ruínas. Mas ele não estava lá.
'Mas... e você?!'
Sua pergunta ecoou apenas dentro de sua cabeça, mas o fragmento respondeu como se a tivesse escutado.
[Eu?]
[Eu vou ficar.]
[Não se preocupe.]
[Eu atingi meu objetivo.]
'Não, espera—' Joonghyuk se moveu para a frente, mas seus pés não tocaram mais o chão, o mundo abaixo dele já não existia mais.
[Você, no entanto... já está na hora de ir.]
[Adeus, Yoo Joonghyuk.]
'Não!' Joonghyuk tentou protestar, os olhos se arregalando. 'Você ainda não me contou tudo! Eu não posso simplesmente ir e te deixar aqui!'
Mas, traindo sua batalha interior, sua visão já começava a embaçar.
Suu corpo, que era apenas uma simples projeção azul, já estava começando a se desfazer. Partículas de luz flutuavam dele como se fosse poeira sendo levada pelo vento.
Ele próprio estava se desintegrando.
Joonghyuk estendeu a mão em desespero, mesmo sabendo que não alcançaria nada
[E não se esqueça, não confie em ninguém.]
E assim, dessa forma, a última coisa que Joonghyuk viu antes de tudo desaparecer em uma escuridão foi um par de mãos se aproximando dele na escuridão, o alcançando, tão gentis quanto sombrias.
Uma última janela brilhou diante dele.
[O P■sa¿e!o—]
Não era azul.
Era vermelha.
Uma janela vermelha completamente distorcida, danificada e defeituosa, ao ponto de não dar para ler o que estava escrito nela.
「• • •」
Quando os olhos de Joonghyuk se abriram novamente, ele não se deparou com o teto branco de um hospital, muito menos com o teto de seu próprio quarto.
Não.
O que ele viu, não foi nada além da mais pura destruição.
Tudo ao seu redor, era um mar de sangue, viscoso e espesso, que se expandia, sem fim, circulando seu corpo fraco e machucado, que estava escorado não no chão, mas sobre uma pilha interminável de cadáveres, que exalava um odor forte de carne podre. Eram essas carcaças que o mantinham sentado no chão, impedindo-o de cair de uma vez.
Suas pálpebras pesavam, sem forças, lutando inutilmente para não ceder ao chamado acolhedor da inconsciência. Sua exaustão era insuportável, cada fibra do seu ser implorava por descanso. Um descanso que, ele sabia que se cedesse, nunca mais despertaria dele. E até mesmo o simples ato de revirar os olhos era doloroso, sua cabeça girava, e sombras escuras ameaçavam tomar sua visão pelas bordas.
Tudo ao seu redor era morte.
Corpos flácidos, amontoados, um em cima do outro, suas carnes amarronzadas pelo sangue seco, apodrecidas, impossíveis de distinguir. Todos, amigos e inimigos, humanos e monstros, todos caídos ali, naquele mesmo chão, sem distinção, sem discriminação, sem nenhuma misericórdia.
Ninguém foi poupado.
À sua frente, erguiam-se os pilares de um altar branco, agora banhado em vermelho, uma plataforma ligeiramente elevada, e no centro do altar, tinha um bastão dourado, brilhando intensamente, enviando um feixe de luz em direção ao céu opressivamente escuro. Mas, nem mesmo aquela luz parecia capaz de iluminar, muito menos trazer esperança àquela destruição.
Apoiado contra o bastão, quase escorado a ele, estava outro corpo, tão flácido e destroçado quanto o de Joonghyuk. Os cabelos, molhados e grudados pela mistura nojenta de sangue e sujeira, caíam sobre seu rosto pálido. Olhos cinzentos, sem estrelas, vidrados, fitavam fixamente algum ponto não visível naquela destruição, seus olhos, já completamente desprovidos de vida.
Era como se ali, naquele lugar, estivesse o fim de todas as coisas.
Eles venceram a guerra, de fato. Mas, diante daquele cenário à sua volta, não teve vitória. Porque, no fim, não sobrou ninguém para contar a história. Ninguém sobreviveu para comemorar aquela glória.
Foi quando então, seus ouvidos, ainda funcionando, apesar do estrago, ouviram passos.
Fragmentos de ossos e carne cederam sob o andar lento de alguém, causando um som nauseante de carne e ossos sendo esmagados. Carne e ossos esses que, uma vez, pertenceram a uma pessoa viva, com sonhos e uma vida inteira para viver. Mas quem quer que estivesse pisando neles, não se importava. Cada passo afundava mais seus pés no mar de sangue, tingindo seus tornozelos pálidos e nus de vermelho escuro.
Uma figura surgiu, caminhando entre os destroços humanos e não humanos. Mas era impossível dizer o que tinha sob aquela silhueta, o corpo dele era quase, inteiramente, coberto dos pés à cabeça com um manto branco. Nem rosto, nem mãos, nada além de seus tornozelos e pés descalços, era visível.
Então, a figura parou diante do corpo caído sobre o altar.
"Que desperdício..." Disse a figura sem rosto, sussurrando lamentos com uma voz que era impossível identificar, de tão distorcida. "Você foi aquele que chegou mais perto do ■■■ que eu desejava."
Com movimentos lentos, graciosos, quase cuidadosos, a figura se agachou diante do corpo, segurando o rosto sem vida entre os dedos enluvados sem sujá-los com sangue.
"Mas, como todos os outros, você também falhou." Proferiu a voz, lamentosa.
"É uma pena..."
"Uma pena."
"Oh, que pena..."
"Pobrezinho, que pena."
"Que tragédia."
"Oh, senhor, tenha piedade."
"Pobre criança..."
"Coitadinho... que pena."
Vozes romperam o silêncio como o estourar de uma represa inteira. Sussurros surgiram de todos os lados, envoltos em lamentos, murmúrios de pena e orações quebradas pelo pesar.
Eram sussurros que ele sentia, instintivamente, que não deveria estar escutando.
"■■■…" Uma voz ecoou, mas as palavras se distorciam antes de alcançá-lo. Soava deformada, artificial, como se estivesse sendo apagada... não.
Censurada.
Sim, censurada.
Os olhos de Joonghyuk se estreitaram, tentando resistir ao peso opressivo que o arrastava para o fundo da inconsciência. Mas seu corpo não obedecia. Ele estava tão fraco. Quase como se seu corpo estivesse desistindo.
"■■—…" A figura parou de repente, estática, soltando o rosto pálido que segurava entre os dedos. Em seguida, virou-se, lentamente, muito, muito devagar, como se sentisse uma presença que não deveria estar ali, naquele momento, invadindo aquele lugar, um espaço proibido entre os vivos e os mortos.
Os olhos daquela figura, um enorme abismo denso e sem alma, encararam, fixamente, Yoo Joonghyuk.
Naquele instante, o tempo em si pareceu congelar. O ar desapareceu de seus pulmões. Ele sentiu como se mãos invisíveis envolvessem seu pescoço, apertando, sufocando.
Seu coração acelerou, batendo em seu peito com uma força desesperadora. Ele ia morrer. Ele ia. Ele sabia disso. Ele soube, no momento em que seus olhos se encontraram.
Sua respiração acelerou, e ele fraquejou, lamentavelmente. Porque sabia, ele sabia, sabia que tinha visto algo que ele, e nenhum outro ser humano deveria ser capaz de ver.
Lentamente, a figura encapuzada abriu os lábios, mas de sua boca, não saiu voz, nem palavras, nem sequer um único som.
[Volte.]
Ele não escutou nada.
Mas viu.
Uma janela vermelha.
Uma janela vermelha foi tudo o que ele viu. Uma janela vermelha translúcida, com letras brancas brilhando ameaçadoramente bem diante de seus olhos.
[Volte para o seu ■■.]
Como se fosse para ele ler.
Unicamente ele.
Um silêncio ensurdecedor caiu entre as batidas frenéticas de seu coração, até que, finalmente, cessou completamente.
「• • •」
Ele acordou com um sobressalto.
Dessa vez, ele realmente acordou.
Seu peito estava apertado, sua respiração irregular. Por alguns longos segundos, ele não conseguia nem sequer perceber onde estava.
E então, alguém lhe deu alguns tapinhas nas costas, tapinhas fracos, apressados e uma voz urgente disse algo perto de seu ouvido… mas sua mente estava um caos. Tudo estava tão bagunçado que ele não conseguia entender o que estava acontecendo.
Ele não conseguiu perguntar…
Perguntar sobre os fragmentos.
Os fragmentos...
Ele queria perguntar o que eram. O que significavam. Queria pedir respostas. Mas... para quem?
Perguntar a quem?
Ele se esforçou, mas não se lembrava. E a sensação da perda era...
Perda?
Ele piscou algumas vezes, seus olhos focando no assoalho da van. Sua respiração aos poucos se estabilizou… mas seus sentidos, não.
Ele perdeu alguma coisa?
Sua cabeça estava latejando. Era como se toneladas e mais toneladas de informação tivessem sido despejadas de uma só vez em sua mente, e agora, tudo estivesse se misturando, completamente desordenado.
Ele teve um sonho. Ele sabia disso.
Ele se lembrava do sonho. Se lembrava de MAD, de coisas que, racionalmente, não tinha como ele saber por conta própria.
E, mesmo assim, ele sabia. Ele sabia de coisas que não deveria saber.
Também sentia... ele sentia que alguém esteve ao lado dele o tempo todo naquele lugar estranho. Ele sentia isso, que tinha mais alguém com ele, que alguém esteve lá, guiando e cuidando dele.
Mas quem?
Ele não conseguia lembrar.
Ele levou as mãos à cabeça e agarrou os próprios cabelos, grunhindo por causa da dor latejando. Nada. Nada fazia sentido.
"Capit—"
Estava tudo embaçado.
"Capit—!"
Fragmentos.
E o sonho...
Sim... o mar.
O mar de sangue.
"Capitão!" Lee Jihye gritou, com a voz trêmula e desesperada.
Foi aí que ele finalmente acordou, como se estivesse saindo de baixo d’água depois de quase se afogar. Joonghyuk arfou alto, puxando o ar com um certo desespero ao levantar a cabeça bruscamente. Seus olhos foram direto para a jovem ao seu lado, que o encarava, preocupada.
"Capitão..." Ela fungou e limpou as lágrimas, tentando manter o controle. "Ugh, merda... que susto."
"Joonghyuk-ssi, você está bem?" Jung Heewon perguntou á sua frente, com preocupação marcando seu rosto. Ela estava sentada no banco da frente e entregou um copo de água para ele. "Toma, beba um pouco."
Ele olhou rapidamente ao redor. Era a van, ele reconheceu. Eles estavam de volta à van...
Joonghyuk aceitou o copo de água sem dizer nada. Mas, ao invés de beber, jogou a água no rosto, para acordar totalmente. Ele precisava acordar de verdade.
E a água escorreu, gelada, trazendo-o de volta para a realidade completamente.
Porra.
Foi só um pesadelo...
Só um pesadelo, só um pesadelo...
"O que aconteceu?" Joonghyuk perguntou em uma voz arranhada, rouca, ainda mal-humorado, devolvendo o copo sem nem olhar.
Jung Heewon suspirou pesadamente, passando a mão pelo rosto enquanto pegava o copo de volta.
"Não sabemos ao certo. Mas parece que... todo mundo desmaiou." Jung Heewon disse, cansada.
"Tudo por culpa desse filho da puta!" Kim Namwoon rosnou alto, chutando o corpo inconsciente de Han Donghoon, que estava amarrado e jogado no chão da van.
Yoo Joonghyuk inclinou a cabeça para dar uma rápida conferida no adolescente desacordado. Ele o reconheceu imediatamente.
Eles pegaram ele. Ótimo.
"Não bata nele." Joonghyuk já cuspiu uma ordem, mesmo tendo acabado de acordar, lançando um olhar impaciente para o adolescente rebelde.
Namwoon resmungou, mas recuou, rangendo os dentes.
"Ele acordou?" Perguntou uma voz abafada vinda da parte da frente da van, bem do banco do motorista.
Era Lee Hyunsung. Ele estava dirigindo.
"Sim!" Jung Heewon respondeu um pouco mais alto para que ele ouvisse. "Acabou de acordar!"
Parece que ele tinha ficado apagado por um bom tempo...
Joonghyuk passou a mão pelo rosto, tirando o excesso de água que ainda pingava dele.
"Estamos indo a algum lugar?" Ele perguntou, tardiamente.
"Ah!" Lee Jihye deixou escapar um som de surpresa, como se tivesse acabado de se lembrar de algo importante.
"Um portal." Jung Heewon respondeu, agora olhando diretamente para ele. Seu rosto tinha ficado sério. "Recebemos um alerta de quebra de portal. Bem perto do hospital onde a Seolhwa-ssi trabalha. Estamos indo verificar a situação e fechar o portal."
Uma quebra de portal? Justo agora… e nesse lugar?
O semblante de Yoo Joonghyuk escureceu. Tinha algo dentro dele gritando que aquilo tudo não era uma simples coincidência.
Ele sabia que portais eram imprevisíveis, mas tudo estava acontecendo rápido demais. De repente demais. Pessoas estranhas, sonhos estranhos… e agora uma quebra de portal?
"Espera..." Os olhos de Yoo Joonghyuk se arregalaram de repente como se tivesse acabado de perceber algo, e a urgência em sua voz veio antes que ele conseguisse controlar. "Onde, exatamente?"
"O hospital onde a Seolhwa-ssi trabalha." Jung Heewon repetiu, mais devagar, percebendo o tom dele. "É perto de lá."
O hospital.
Kim Dokja.
Num pulo, Joonghyuk se pôs de pé e avançou até a divisória entre os bancos da frente e o compartimento traseiro. Com um único balançar agressivo de punho, socou a parede de plástico que servia de divisória.
"ACELERA!" Ele gritou, sua voz grave e cheia de urgência.
Todos se assustaram.
Lee Hyunsung quase pulou do volante quando se assustou, mas não hesitou quando foi ordenado. Ele deixou de lado a vontade de questionar e fez exatamente o que lhe foi dito para fazer.
Ele pisou fundo.
E a van deles acelerou como se estivesse em uma fuga, ultrapassando a velocidade permitida sem nem pensar duas vezes. Hyunsung estava cortando o trânsito, ziguezagueando entre os carros em meio a buzinas altas, enquanto tentava, o mais rápido possível, chegar no destino.
「• • •」
A atividade daquele portal definitivamente não era normal.
Quando eles chegaram no local, já tinha dois caçadores Rank D lá, funcionários do governo. Mas, surpreendentemente, eles afirmaram que nenhum monstro tinha saído do portal até aquele momento.
Era, sem dúvida, uma quebra de portal. Mas... o portal...
Os dois funcionários do governo estavam utilizando equipamentos para escanear e tentar determinar o nível de ameaça do portal. No entanto, antes mesmo que o equipamento pudesse fornecer algum resultado, o portal simplesmente fechou.
Desapareceu. Na frente de todos.
Um portal de coloração azulada tinha se materializado repentinamente bem perto do melhor hospital de Seul. Sem nenhum aviso. Ele permaneceu aberto por duas horas inteiras, emitindo uma leve radiação de mana semelhante a de portais sobrecarregados, o que normalmente significava uma grande ameaça, e, ainda assim, não tinha nenhum sinal de monstros.
E então, sem explicação alguma, ele sumiu.
Yoo Joonghyuk já estava se sentindo inquieto, mas aquilo só intensificou sua inquietação.
Sem esperar pelas decisões dos outros caçadores ou pelos procedimentos padrão do governo sul-coreano, Joonghyuk largou toda a responsabilidade nas mãos de Lee Hyunsung. Ele virou as costas e foi embora, ignorando qualquer protesto direcionada a sua saída.
Os outros poderiam lidar com Han Donghoon e o relatório oficial. Ele tinha coisas mais importantes para resolver.
O hospital não ficava longe. Em poucos minutos de caminhada, ele já estava entrando pelos portões da frente.
Logo ao chegar à recepção, ele percebeu a comoção.
Computadores estavam desligados. Papéis sendo empilhados manualmente. Enfermeiros indo e vindo às pressas. A queda de energia causada pelo portal claramente afetou o sistema do hospital.
E foi então que ele viu Lee Seolhwa, no meio da confusão.
"Seolhwa."
Joonghyuk andou até ela sem hesitar, com passos apressados e o corpo inteiro tenso, sua mandíbula estava cerrada e seus punhos fechados.
Lee Seolhwa, que raramente demonstrava inquietação, ficou rígida ao ouvir seu nome sendo chamado por aquela voz familiar. Ela se virou lentamente para encará-lo. O rosto dela estava pálido, e as olheiras fundas indicavam uma madrugada mal dormida. O semblante dela estava carregado com uma preocupação que ele só via em momentos críticos.
"Joonghyuk-ssi." A voz dela soou tensa, mesmo tentando manter a formalidade.
Ele não gostou daquilo. Nenhum pouco.
"Quero ver o paciente do quarto 511." Yoo Joonghyuk disse sem rodeios. "Agora."
Lee Seolhwa mordeu o lábio inferior, um gesto sutil, mas visivelmente nervoso.
"Sinto muito, Joonghyuk-ssi... Isso não será possível no momento. Estamos com alguns proble—"
"Seolhwa." Ele a interrompeu, os olhos cravados nos dela. "Eu não fiz um pedido. Eu disse AGORA." Seu tom era ríspido e firme, com uma raiva contida que se escondia sutilmente, como uma bomba prestes a explodir.
Ela não recuou ao ouvir a ordem, mas seu corpo, já tenso, enrijeceu ainda mais.
Seolhwa apertou os punhos ao lado do corpo, lutando para manter a compostura. Ela respirou fundo e soltou o ar pela boca, tentando organizar os próprios pensamentos enquanto desviava o olhar.
"...sumiu." Ela murmurou alguma coisa, mas sua voz saiu baixa demais.
"O quê?" Joonghyuk franziu o cenho, os olhos se estreitando para ela.
Ela hesitou por um segundo. Então, levantou o rosto e o olhou nos olhos.
"Ele sumiu." Lee Seolhwa respondeu, em um tom baixo e hesitante. "Kim Dokja. Ele… sumiu."
Yoo Joonghyuk não disse nada. Não reagiu. Ele apenas deixou os punhos afrouxarem e, impulsivamente, avançou pelos corredores do hospital.
"Joonghyuk!" Seolhwa chamou atrás dele, surpresa e preocupada pela maneira como ele saiu de repente.
Mas ele nem escutou.
Ele chegou e parou na frente da porta do quarto 511 e, com a mente tomada por uma urgência quase irracional, a arrebentou com um único chute. A madeira não resistiu ao impacto causado por um nível S e voou contra a parede oposta, se destroçando em vários estilhaços.
E o quarto…
Estava vazio.
Exatamente como Seolhwa tinha dito.
O quarto estava vazio, mas a cama ainda estava desarrumada, os lençóis empurrados despreocupadamente para o lado. Os fios com agulhas estavam espalhados e largados pelo colchão como se tivessem sido arrancados às pressas. Os equipamentos tinham sido desconectados de forma descuidada, tudo deixado de lado.
Ele não estava ali.
Kim Dokja não estava ali.
Quando Lee Seolhwa finalmente o alcançou, ofegante, Yoo Joonghyuk já estava fora de si. Ele se virou bruscamente e a encurralou contra a parede do corredor, o punho pressionado contra a parede, ao lado do rosto dela.
"Onde ele está?" Ele rosnou entre dentes cerrados, seus olhos queimando com uma mistura de raiva e desespero.
"Joonghyuk-ssi." Ela levantou as mãos bem devagar, a voz mansa, embora o coração ainda estivesse acelerado. "Você precisa se acalmar, tudo bem? Só respira. Vamos respirar junt—"
"ONDE ELE ESTÁ?!" Ele gritou, perdendo completamente o controle. "PORRA! CADÊ ELE!? ELE NÃO IA SUMIR DESSE JEITO NAQUELE ESTADO!"
O grito ecoou pelo corredor, fazendo alguns funcionários do hospital se virarem para eles, chocados.
Seolhwa também deu um pequeno sobressalto pelo susto, mas tentou manter a voz firme e, principalmente, calma.
Mas ela percebeu algo.
Não importava o quanto tentasse acalmá-lo naquele momento... ele não estava em condições de ouvir. O que ele realmente precisava naquele momento não era de exercícios respiratórios para se acalmar. Era de uma resposta. De uma direção.
Ela não tinha a resposta que ele queria, mas poderia tentar levá-lo em direção a ela.
"Eu não sei." Ela respondeu sinceramente e com cuidado, sem elevar a voz. "Joonghyuk-ssi, escuta... eu estava a caminho da sala de segurança para revisar as imagens. Tudo bem? Vamos lá juntos. Talvez a gente descubra algo."
Seolhwa colocou as mãos sobre os ombros dele, notando que estavam tremendo, e percebeu que ele sequer tinha consciência disso. O corpo inteiro dele estava tremendo, tenso e emocionalmente sobrecarregado.
"Vem comigo. Vamos até a sala de segurança juntos, tá bom?" Seolhwa falava suavemente, como se estivesse lidando com um paciente em estado de choque. "Nosso sistema ficou instável e caiu junto com a queda de energia. Todas as câmeras pararam, mas algumas já voltaram… estamos tentando recuperar o que dá. Talvez as gravações ainda estejam lá. Então vamos procurar juntos, tudo bem?"
Yoo Joonghyuk abaixou a cabeça, fechou os olhos com força por um instante e soltou um suspiro trêmulo.
E então, seus ombros cederam um pouco da rigidez, e ele assentiu rigidamente.
Por fim, ele deixou que Seolhwa o guiasse.
「• • •」
Dentro da sala do setor de vigilância do hospital, junto com Yoo Joonghyuk e Lee Seolhwa, mais três funcionários estavam na sala naquele momento com eles. Um deles estava trabalhando no computador, vasculhando as imagens de segurança, enquanto os outros dois tentavam resolver os problemas técnicos causados pela queda de energia. Quase a maioria dos equipamentos já tinham voltado a funcionar, mas o sistema ainda apresentava algumas instabilidades.
Lee Seolhwa continuou ao lado de Yoo Joonghyuk, segurando uma lata aberta de café gelado, com o olhar agora fixo no monitor. Sua expressão era tensa, mas concentrada.
Yoo Joonghyuk também estava segurando uma daquelas latas de café, que Lee Seolhwa tinha o entregue momentos antes. Ele não bebia aquelas bebidas super calóricas e com alto teor glicêmico. Nunca foi de beber, na verdade. Mas ela insistia em sempre lhe oferecer uma lata de café, e, por educação, ele nunca recusava.
E agora, apesar de estar visivelmente mais calmo, ainda tinha uma inquietação evidente em seus ombros tensos, no olhar atento e preocupado demais. Ele estava preocupado, com toda certeza, mas ao menos agora tinha uma pista de onde começar a procurar.
"Duas horas... duas horas..." O funcionário no computador murmurou, digitando rapidamente. "Aqui." Ele disse de repente, parando a reprodução em um ponto específico.
"Essas imagens aqui correspondem ao horário?" O rapaz perguntou, virando levemente o monitor na direção dos dois.
O horário e a data exata do incidente aparecia no canto inferior da tela. Era exatamente isso.
"Sim. Obrigada." Lee Seolhwa respondeu, assentindo rapidamente. Ela então assumiu o controle do computador, sentando-se à frente do monitor.
O funcionário se levantou rapidamente e deu espaço para eles, deixando a doutora mais famosa e o caçador Rank S mais temido do país cuidarem da análise por conta própria.
Quando Seolhwa apertou o play, imagens começaram a passar pela tela do monitor. Gravações de diferentes câmeras e ângulos mostravam o hospital em sua rotina habitual, funcionários nos corredores, enfermeiros trabalhando, pessoas indo e vindo. Tudo parecia normal.
E então, aconteceu.
Sirenes começaram a soar nos corredores quando o alerta foi acionado, luzes vermelhas piscaram, e parte do sistema do hospital entrou em colapso por causa da sobrecarga de mana e pela queda abrupta de energia.
Nada que chamasse atenção à primeira vista. Era esperado alguma comoção e confusão com a aparição de um portal, principalmente uma quebra de portal, acontecendo tão perto de um hospital. Pacientes sendo movidos, enfermeiros tentando seguir protocolos de emergência… era o caos típico de situações emergenciais.
"Não há nada aqui..." Seolhwa suspirou pesadamente, frustrada. "Ele deve ter desaparecido quando todas as câmeras pararam de—"
"Silêncio." Joonghyuk a interrompeu abruptamente, com o olhar preso na tela.
Ela imediatamente se calou, virando o rosto de volta na direção do monitor para acompanhar o que ele viu no vídeo.
Em uma das gravações, filmada por umas câmeras de um corredor próximo da ala de internação, um paciente, cambaleando, apareceu na tela, vestido com nada além de uma camisola hospitalar. Ele estava andando bem devagar e ainda estava mancando, parecendo desorientado.
Mesmo daquele ângulo e daquela distância, Yoo Joonghyuk reconheceu imediatamente.
Era Kim Dokja.
O corredor estava vazio naquele exato momento. Nenhum funcionário, nenhum enfermeiro ao redor. Ninguém. Então, de repente, a tela simplesmente apagou e ficou completamente preta.
Joonghyuk se inclinou para frente, os olhos ainda fixos no ponto onde Dokja tinha aparecido antes.
Nas imagens, ele não parecia bem. Nenhum pouco bem. E essa descoberta não ajudou em nada para aliviar as preocupações de Joonghyuk.
"Troque para as câmeras externas." Yoo Joonghyuk mandou, com a voz tensa, mas firme. "Agora."
O técnico que acompanhava tudo ao fundo se aproximou rapidamente. E sem discutir, passou para as filmagens externas, selecionando os ângulos das saídas e das áreas ao redor do hospital.
Muitas das câmeras externas já tinham parado de funcionar naquele ponto, mas eles conseguiram acessar uma das câmeras que estava um pouco mais distante. O ângulo era ruim, a qualidade da imagem era pior ainda… mas mostrava alguma coisa.
Eles não conseguiam ver claramente a imagem, apenas alguns borrões aqui e ali.
Mudando para outra câmera, eles conseguiram achar um ângulo um pouco melhor.
Desse ângulo, agora era possível ver Kim Dokja do lado de fora do hospital, um pouco mais longe, andando lentamente, usando a parede de apoio ao se escorar nela. Uma de suas mãos segurava o próprio estômago, e seus passos eram irregulares, tropeçados.
Pela forma como estava andando, fazendo pausas frequentes, se curvando de vez em quando, ele parecia estar com muita dor.
Em determinado momento, ele parou, e virou um pouco na direção da câmera.
Nesse momento, era possível ver alguns pixels vermelhos em sua camisola hospitalar.
"Pare aí." Seolhwa avisou, em um tom mais urgente e sério.
O técnico pausou o vídeo imediatamente. Seolhwa se curvou em direção ao monitor, observando atentamente.
"Pode dar um zoom?" Ela pediu.
O funcionário obedeceu, ampliando a imagem.
Sangue.
Seolhwa observou em silêncio por alguns segundos, antes de murmurar, preocupada.
"Isso não é bom… Ele está visivelmente desorientado. E se isso for sangue... com os ferimentos que ele já tinha, não deve ter conseguido ir muito longe."
Yoo Joonghyuk apenas assentiu, apertando inconscientemente a lata de café que ainda estava segurando. Sangue. O alumínio amassou sobre os dedos dele, e ele nem sequer percebeu.
O vídeo continuou.
Não tinha muito mais o que ver.
Kim Dokja caminhou mais alguns metros, deu a volta em uma rua e desapareceu em um beco estreito, entre dois prédios comerciais.
Depois disso, ele não saiu mais de lá.
E a próxima câmera, que teoricamente deveria pegar aquela região, estava fora de ar, por causa da quebra de portal.
Isso era tudo o que eles tinham.
"Isso é tudo que temos." O técnico disse, tirando os fones. "Tem mais alguma coisa que vocês queiram ver?"
"Não, não. É só isso mesmo. Muito Obrigada." Seolhwa agradeceu com um aceno de cabeça. Depois, ela se virou para a porta, e Joonghyuk a acompanhou logo atrás.
Depois de saírem da sala de segurança, Joonghyuk caminhou até uma das lixeiras que tinha no corredor e jogou a lata de café, totalmente cheia e lacrada, mas agora amassada, no lixo.
"Eu assumo daqui." Ele disse, mais recomposto e controlado. "Eu conheço aquele caminho. Tenho uma ideia de para onde ele pode ter ido."
Seolhwa o encarou por meio segundo e então assentiu.
É claro que ele conhecia aquele caminho, melhor do que ninguém.
Esse era o caminho para o apartamento de Kim Dokja. O mesmo lugar onde Yoo Joonghyuk vinha, sem permissão, morando nos últimos dias.
Era óbvio agora para onde ele estava tentando ir. Para casa. Dokja não tinha para onde mais ir, senão sua própria casa.
"Entendo." Seolhwa respondeu com um suspiro pesado. "Então... Boa sorte, Joonghyuk-ssi. E, por favor... traga ele de volta para o hospital o mais rápido possível. Ele não me parece nada bem."
Joonghyuk assentiu novamente.
E então, se virou para ir... mas, por algum motivo, parou.
Por um momento inteiro, ele apenas ficou ali, parado, de costas para ela. Olhou para o chão, como se estivesse se lembrando de algo que estava hesitando em perguntar.
"Seolhwa." Ele chamou de repente, sem se virar para ela.
Ela o lançou um olhar, surpresa.
"Mm?" Seolhwa murmurou, piscando em confusão enquanto encarava as costas largas viradas para ela.
Lentamente, Joonghyuk se virou, seus olhos se fixando nos de Seolhwa com um olhar tão penetrante que ela quase recuou.
"Você... por acaso, conhece alguém chamado MAD?" Joonghyuk finalmente perguntou, frente a frente.
「• • •」
Yoo Joonghyuk subiu as escadas a passos pesados. Cada movimento dele era carregado de tensão, seus músculos rígidos, o maxilar cerrado. Seus punhos estavam cerrados com tanta força que os nós dos dedos haviam perdido a cor.
Cada passo que ele dava ecoava em sua própria mente, como se zombasse dele, do quão próximo ele estava de chegar lá.
Seus olhos, estreitos, ardendo com algo que nem ele conseguia nomear direito. Mas se tivesse que tentar, chamaria isso de traição.
OD.
Ele finalmente tinha uma ideia de quem essa pessoa era.
Mas imaginar que OD era alguém tão próximo, alguém que um dia Joonghyuk acreditou ser seu melhor amigo?
Imaginar que era alguém tão próximo, alguém em quem ele confiou de verdade...
Alguém que, por anos, talvez só precisasse ter aparecido. Ter dito uma palavra, enviado uma mensagem...
Alguém que assistiu, de longe, enquanto ele sofria, enquanto ele se afogava em culpa, sem fazer absolutamente nada para impedir...
Alguém que ele confiou seus medos. Suas fraquezas. Os momentos mais vulneráveis de si...
Alguém que, mesmo tendo todo esse poder sobre ele, escolheu o abandonar e ir embora sem dar explicação.
De novo.
Mais uma vez, Joonghyuk tinha confiado.
Compartilhado suas dores.
Mostrado suas falhas, seu lado mais humano.
E, no fim, foi deixado para trás.
De novo.
Esse era o tipo de pessoa que OD era.
'Não', ele pensou amargamente, se interrompendo mentalmente, os olhos agora escuros de ressentimento.
Esse era o tipo de pessoa que Kim Dokja era.
Sim.
Kim Dokja.
Uma pessoa que, todo esse tempo, poderia simplesmente ter aparecido.
Quando Joonghyuk finalmente chegou à porta do apartamento, seu corpo inteiro estava tenso. E ele não sabia o porquê.
Seu coração estava batendo rápido demais, todos os seus pensamentos estavam bagunçados e confusos, sua respiração acelerada e desregular. Era como se ele estivesse prestes a enfrentar uma batalha, mas não sabia contra quem, ou com que armas.
Como ele iria olhar nos olhos dele?
Ele estava com raiva.
Ele estava com medo.
E acima de tudo...
Ele queria vê-lo.
Mas ele não sabia o que ia dizer. Nem mesmo por onde ia começar. Mas sabia que precisava fazer isso.
Precisava perguntar por quê.
Precisava perguntar o porquê.
Ele queria respostas, queria entender.
Mesmo que não soubesse como iria fazer isso sem desabar pateticamente na frente dele.
E antes que a pouca coragem que reuniu o abandonasse, Yoo Joonghyuk empurrou a porta com a mão.
Ela rangeu ao abrir, a tranca estava quebrada e já não trancava mais desde aquela vez que ele quebrou. O apartamento também estava exatamente do jeito que ele deixou da última vez.
Tudo estava escuro lá dentro, exceto pela pequena luz que escapava por debaixo da fresta da porta do banheiro, que estava fechada. Mas, mesmo assim, ele ainda conseguia escutar o som abafado do chuveiro ligado lá dentro.
Joonghyuk respirou fundo.
Ele precisava se acalmar. Era isso que ele queria. Era por isso que veio.
Ele tentou se concentrar, estabilizar a respiração. Mas tudo, simplesmente tudo, parecia sufocante demais.
Então, ele caminhou até o quarto e se sentou na beirada da cama, que rangeu alto sob o peso dele, também quebrada, e isso também era culpa dele. Ele não se surpreenderia se ela quebrasse de vez.
Ele passou as mãos pelos joelhos, inquietos. E então, se inclinou um pouco para frente, os cotovelos apoiados nos joelhos, mãos entrelaçadas.
E esperou.
Seu pé estava começando a bater no chão, num ritmo constante e ansioso. Um tique involuntário que ele não conseguia controlar.
O chuveiro ainda estava ligado.
O único som no quarto era o da água caindo no chão do banheiro e o de sua própria respiração acelerada.
Nada.
Joonghyuk fechou os olhos com força, tentando acalmar sua própria mente conturbada.
Nada.
Ele levou as mãos à testa, massageando as têmporas doloridas, enquanto batia o pé freneticamente no chão.
Nada.
Ele soltou o ar pela boca em um suspiro pesado, desviando o olhar para o nada, encarando um ponto fixo à sua frente, mas sem realmente vê-lo.
Nada aconteceu.
Nenhum confronto, nenhuma discussão, nada.
Só... silêncio.
Ele se pegou ensaiando mentalmente o que diria, para se distrair, palavra por palavra, montando um roteiro inteiro na cabeça da conversa que ele nem sequer sabia como aconteceria. Mas, justo quando ele estava começando a organizar a primeira frase em sua cabeça, ouviu o som do chuveiro sendo desligado.
Instantaneamente, Joonghyuk entrou em alerta. Ele se endireitou na cama com a postura rígida de um soldado, sentando ereto, passando a mão pelos cabelos para tentar parecer mais apresentável.
E de repente, passos.
Passos pesados, apressados.
O chão rangeu levemente.
Seu corpo inteiro enrijeceu.
Por um curto momento, Yoo Joonghyuk achou que Kim Dokja tinha, de alguma forma, sentido sua presença. Como se tivesse, seja lá como, percebido que alguém tinha invadido sua casa.
E isso só o deixou ainda mais nervoso, imaginando que isso o faria parecer algum tipo de maníaco perseguidor.
Ele começou a suar frio com o simples pensamento de causar um mal entendido.
Mas, repentinamente, a porta do banheiro foi aberta com força, praticamente escancarada.
E então...
Joonghyuk viu.
Um homem alto, magro, pálido como um cadáver, completamente encharcado, saiu correndo do banheiro.
Correndo nu.
Completamente nu.
Sem toalha. Sem nada. Sem absolutamente nada para... cobrir.
Ele apenas... correu para fora do banheiro como se sua vida dependesse disso, tão pelado quanto quando veio ao mundo, deixando um rastro de água pingando pelo chão.
Joonghyuk apenas congelou. Paralisou. Completamente. Seus olhos se arregalaram, tentando entender o que, exatamente, ele estava vendo.
Sua mente estava em branco.
Completamente, inteiramente, em branco.
Ele só... encarou.
O homem na frente dele, que estava de costas para ele, virado para os móveis, andava apressadamente pelo apartamento, tateando as superfícies, aparentemente tentando encontrar alguma coisa com urgência.
Dokja se agachou em algum momento, revirando as gavetas, e o olhar de Joonghyuk seguiu, completamente atordoado.
Mas Joonghyuk não estava olhando por achar o comportamento de Dokja estranho. Não. Sua atenção... estava totalmente em outra coisa.
Ou, melhor dizendo, em tudo que ele não deveria estar olhando naquele momento.
Ele ainda estava tentando processar o que exatamente estava vendo naquele momento, como se aquilo não fosse, não pudesse, ser realmente real.
Joonghyuk olhava — tentava não olhar, na verdade — mas olhava mesmo assim, como se seu cérebro tivesse entrado em completo curto circuito.
Mas, justamente naquele momento nada favorável, Kim Dokja teve que se virar para ele.
E foi aí que Yoo Joonghyuk viu.
Sua... é, aquela coisa...
...
Sua espada.
Por um instante longo demais, o rosto dele continuou completamente inexpressivo, encarando fixamente, mas não por vontade própria. Ele não conseguia desviar o olhar, nem sequer conseguia piscar.
Não era culpa dele.
Simplesmente estava na frente dele.
Mas então, um grito agudo cortou o silêncio, puxando-o de volta à realidade. Foi um grito bem mais... fino do que o que Joonghyuk esperaria sair daquela boca.
Kim Dokja, como esperado de alguém que acabou de perceber estar sendo observado completamente pelado, tentou recuar às pressas. Mas Yoo Joonghyuk agiu antes mesmo de pensar.
Ele se levantou bruscamente da cama, atravessando o quarto em dois passos, e o agarrou com força. Mas o aperto não foi tão gentil assim.
Dokja não teve nem tempo de reagir.
Num instante, antes mesmo que seu cérebro registrasse a ação como uma má ideia, Joonghyuk o empurrou e encurralou contra a parede. Uma das mãos estava segurando firmemente o pescoço dele, e a outra, por alguma coincidência infeliz, foi diretamente para a cintura dele, mantendo-o fortemente pressionado contra a parede atrás deles, imobilizando-o completamente.
Pensamentos perfeitamente organizados fugiram da cabeça dele instantaneamente. Os discursos, as perguntas, a raiva, a traição, as acusações...
Tinha tudo ido embora.
Silêncio.
O quarto caiu em um silêncio profundo, quebrado apenas pelas respirações pesadas deles dois.
Yoo Joonghyuk encarou intensamente, encontrando um olhar igualmente intenso vindo de Dokja.
Os olhos de Dokja estavam levemente arregalados, revelando aquelas grandes orbes cinzentas, cheias de estrelas. Seu cabelo, encharcado, deixava grossas gotas de água pingar e escorrer pelo rosto dele, deslizando pelo pescoço e desaparecendo em seu peito. Seus lábios, entreabertos, tremiam ligeiramente, e sua expressão parecia genuinamente assustada.
...Porra.
Joonghyuk contraiu a mandíbula com força, as veias saltando sobre a pele. Seus olhos se estreitaram, apenas tornando seu olhar ainda mais intimidador.
Dokja ficou ainda mais tenso com o olhar fixo dele, desconfortavelmente consciente de seu próprio estado. Então, ele desviou o rosto, tentando evitar o contato visual.
Não.
Não desvie.
Yoo Joonghyuk não pensou. Ele apenas deslizou a mão do pescoço até a mandíbula de Dokja, agarrando seu rosto com uma certa aspereza e o forçando a manter o contato visual.
"Olhe pra mim." Ele rosnou, quase sibilando, no ouvido de Dokja.
Isso foi o suficiente para paralisar Dokja, deixando-o congelado, com os olhos arregalados, a respiração presa no peito e as pernas bambas.
Estou assustando ele...?
O cenho de Joonghyuk se aprofundou ainda mais, se possível, ao perceber o desconforto que estava causando nele, tornando seu rosto já intimidador ainda mais ameaçador.
"Kim Dokja." Joonghyuk disse, sílaba por sílaba, com um tom grave, rouco e carregado de tensão.
Ele queria acalmá-lo. Mas estava causando exatamente o efeito contrário.
Dokja estremeceu. Os olhos dele tremeram, seus lábios se abriram e fecharam como os de um peixe fora d’água, sufocando.
Ele parecia assustado.
Joonghyuk continuou o encarando fixamente, sem nem piscar.
Kim Dokja...
...
Esse homem... parecendo tão inocente, tão indefeso...
Era realmente Oldest Dream?
O semblante de Joonghyuk escureceu. E, instintivamente, ele pressionou o pescoço de Dokja com um pouco mais de força, mas não o suficiente para machucar, apenas o bastante para deixar claro que não estava brincando.
"...Ou eu deveria chamá-lo de OD?" Ele cuspiu as palavras com veneno, seu tom saiu ríspido, sua mandíbula estava tensa e tudo em si denunciava o quão irritado ele estava.
Dokja reagiu exatamente como ele esperava que reagisse. Ele se encolheu, seus olhos se arregalaram, e ele o encarou de volta, atordoado. Mas o que realmente o irritou foi a confusão estampada no rosto dele.
"O quê...?" Dokja ofegou, ainda em estado de choque.
"Não se faça de idiota." Joonghyuk rosnou, impacientemente. "Eu sei quem você é agora, OD. Sei exatamente quem você é, não adianta fingir."
"Eu... eu não sei... eu não sei do que você está falando..." Dokja tentou dar uma resposta coerente, nervoso, seu tom soando incerto até para si mesmo, sua voz saindo trêmula e gaguejada.
"Não minta para mim." Joonghyuk praticamente rugiu, pressionando-o com ainda mais força contra a parede.
Mas, a pressão no pescoço fez Dokja engasgar e tossir. Isso foi o suficiente para Joonghyuk congelar. E com medo de tê-lo machucado, ele o soltou imediatamente, suas mãos pairando, incertas, no ar.
Ele engoliu em seco, lutando contra o impulso de verificar desesperadamente se Dokja estava ferido. Mas seus olhos já vagavam, inquietos...
Mas...
Nada.
Nenhum hematoma.
O olhar de Joonghyuk parou no peito de Dokja, onde a única marca visível eram as das compressões de massagens cardíacas.
Isso não está certo.
Kim Dokja tinha sido arremessado por todos os lados por um monstro de nível A. Suas costelas, algumas delas, foram quebradas durante o impacto, uma perna fraturada, ele também teve cortes profundos por todo o corpo...
Mas agora, não tinha nada.
Nas gravaçãos das câmeras de segurança do hospital, ele estava mancando, parecia desorientado e até apareceu sujo de sangue. Mas, agora... ele parecia praticamente ileso.
[Avaliação (A) ativada.]
Kim Dokja.
Status: Não-despertado.
Não-despertado...?
Yoo Joonghyuk franziu o cenho, confuso. E sua confusão era justificada. Ele tinha assistido àquela gravação inúmeras e inúmeras vezes, em loop, sem parar. Kim Dokja conseguindo segurar aquele monstro acima do nível A como um despertado, enfrentando-o no mesmo nível de um caçador de Rank alto, sem nem mesmo hesitar, ou sequer fraquejar.
Para no fim, depois disso tudo...
Ele ser um não-despertado?
Isso não fazia sentido.
Isso tudo não fazia sentido.
Joonghyuk fechou a janela do sistema com um movimento brusco de mão e desativou a habilidade [Avaliação]. Não tinha nada de útil ali para ver com a avaliação, e ele não encontraria mais nada, mesmo se procurasse.
Então, ele decidiu usar outra habilidade.
[Detector de Mentiras (B) ativado.]
"Não minta pra mim." Joonghyuk disse de repente, com sua voz agora mais baixa e suave, tentando coagir Dokja a falar para ser pego pela habilidade.
"Eu realmente..." Dokja apertou os olhos com força, balançando a cabeça. "Eu não sei... Eu realmente, realmente, não sei do que você está falando."
[Essa afirmação foi provada verdadeira.]
O quê?
O semblante rígido de Joonghyuk vacilou. Por um momento, ele ficou sem reação, sem saber como processar aquilo.
Não. Isso não pode estar certo.
Tudo se conectava. Tudo.
Lee Seolhwa. MAD. Han Donghoon.
Ele tinha que ser OD.
Tinha que ser ele.
Tinha que ser.
"Oldest Dream." Yoo Joonghyuk disse, pausadamente. "Esse nome... não te soa familiar?"
"Eu... não..." Kim Dokja repetiu hesitantemente, balançando a cabeça de novo. "Eu já disse... não sei do que você está falando."
[Essa afirmação foi provada verdadeira.]
Joonghyuk cerrou os dentes. Por mais que acreditasse em sua habilidade, ele não desistiu.
"E MAD?" Joonghyuk continuou insistindo, sua voz vacilando um pouco, enquanto agarrava, com muito cuidado, os ombros molhados de Dokja com as mãos. "Você não reconhece esse nome? Não soa familiar para você?"
Dokja apenas o encarou com aqueles olhos emoldurados por cílios longos, parecendo tão injustamente alheio.
"Não... eu não sei. Nunca escutei esse nome antes." Dokja respondeu honestamente, soando genuinamente confuso.
[Essa afirmação foi provada verdadeira.]
Isso. Essa confirmação atingiu Joonghyuk com força total, como um soco no estômago.
Ele realmente…
Não sabia?
...
Porra.
Os dedos de Joonghyuk se afrouxaram, e ele, lentamente, bem lentamente, soltou os ombros de Dokja, como se a pele fria e molhada que ele sentiu bem sobre as palmas de suas próprias mãos o machucasse, fisicamente. Como se, o simples ato de apenas tocá-lo queimasse sua carne.
Ele não sabe.
Kim Dokja realmente não sabia.
Um silêncio pesado caiu entre os dois, mais uma vez. Por um longo momento, Joonghyuk apenas ficou parado ali, como um idiota, olhando para ele, completamente atordoado, como se o mundo tivesse simplesmente virado do avesso de repente, bem diante de seus olhos.
O peso da decepção, da confusão, da frustração... tudo isso ao mesmo tempo era... era demais.
"Então…" Ele sussurrou, com a voz baixa e trêmula. "Se não era você… o que foi tudo isso?"
Os olhos de Joonghyuk se perderam por um instante, vagando, sem rumo, pelo quarto escuro. Mas, ele se recuperou o mais rápido que pôde, voltando a encará-lo, lidando com a avalanche de sentimentos que tentou engolir por anos.
"Então... por que... por que você não me procurou?" Yoo Joonghyuk perguntou, mas, a pergunta soou tão fraca, tão incerta, quase sussurrada. Como se, ele não soubesse se queria realmente ouvir a resposta.
Kim Dokja piscou, parecendo não entender a pergunta.
"...O quê?"
"Depois de todos esses anos..." Joonghyuk cerrou os punhos ao lado do corpo com força. "...Por que você nunca me procurou?"
O silêncio que se seguiu foi tão denso e sufocante que parecia que todo o oxigênio do quarto tinha evaporado. Kim Dokja desviou o olhar por um instante, umedecendo os lábios com a língua enquanto tentava encontrar uma resposta.
"Como eu poderia?" Dokja respondeu, sua voz quase inaudível, misturada com uma profunda vergonha e culpa. "Depois de tanto tempo, tantos anos… aparecer assim de repente, quando você está no auge da sua carreira… teria parecido que eu queria algo de você."
Escutar algo assim, tão estupidamente simples e ao mesmo tempo, tão distante, fez toda a dor de Joonghyuk parecer patética.
Sua respiração vacilou, uma pontada o atingindo dolorosamente e diretamente no peito.
"Kim Dokja..." Ele deu um passo à frente e bateu a mão aberta contra a parede, ao lado da cabeça dele, encurralando-o, enquanto fazia a parede tremer sob o impacto. "Você tem ideia de como eu me—"
Suas palavras morreram na garganta, antes mesmo de serem ditas.
Não importava o quanto ele tentasse dizer, o quanto tentasse se expressar, as palavras morriam antes de sair completamente, atoladas na garganta dele, amarrada com um nó apertado, sufocando com sentimentos que ele não conseguia expressar.
Eu pensei em você. Todo santo dia.
Me culpei. Me destruí.
Acreditei que a culpa era minha.
Que talvez eu tivesse te deixado morrer.
Yoo Joonghyuk fechou os olhos por um segundo, sentindo um gosto amargo subir pela garganta.
Acreditei que eu tinha te matado.
Mas nada saiu.
No fim, ele não disse nada.
Não conseguiu dizer.
Dokja o encarava com aqueles olhos assustados, parecendo menor do que nunca, como um coelho na boca de um predador, parecendo pronto para fugir a qualquer momento.
E mesmo assim, Joonghyuk não conseguiu conter as palavras que escaparam baixinho de seus lábios.
"...Eu esperei." Ele sussurrou, com a voz quebrada e embargada. "Mesmo sabendo que você não voltaria... ainda assim, eu esperei."
Todos os dias.
E então, de repente, tudo ruiu.
Seu braço se ergueu, pesado, e puxou Dokja para perto de si com força, apertando o corpo menor contra seu peito. Joonghyuk o segurou com força e o envolveu em um abraço apertado. Um daqueles abraços que não deixava nenhum espaço para fugir. Um abraço com urgência, com desespero, com medo.
Medo de perder.
Dokja fez um som de surpresa, quase um engasgo, sendo completamente pego desprevenido pelo abraço repentino, seu corpo inteiramente molhado tenso contra o peito dele.
"Esperei por tanto tempo..." Joonghyuk sussurrou contra os cabelos encharcados dele, a voz rouca e embargada. Sua mão, firme, envolveu a cabeça de Dokja, puxando-a contra seu peito, como se tentasse protegê-lo do mundo inteiro. Como se estivesse tentando se ancorar também. Provar, para si mesmo, que tudo aquilo era real.
Que ele estava, realmente, segurando Dokja em seus braços.
"…Então, por favor." Joonghyuk implorou, com seu corpo inteiro tremendo. "Não me afaste agora."
O outro braço de Joonghyuk envolveu a cintura de Dokja com um pouco mais de força, puxando-o mais para perto com cuidado, mas com uma urgência mal contida. Dokja ofegou suavemente, mais em choque do que desconforto, o gesto era apertado, mas estranhamente... aconchegante.
Joonghyuk o segurava com um cuidado quase excessivo, como se tivesse medo de apertar demais e quebrar algo.
E Dokja… simplesmente o deixou.
Os dois ficaram nessa posição por um minuto inteiro, suas respirações pesadas, seus corpos próximos demais, quase grudados um no outro, ao ponto de seus peitos se tocarem.
Os ombros de Joonghyuk foram gradualmente relaxando quanto mais tempo eles passavam assim, agarrados, como se só agora estivesse se convencendo de que aquilo tudo era realmente real, e não um sonho. Sentir Dokja em seus braços, quente, molhado, e principalmente, ao alcance de suas mãos, fazia tudo isso parecer um sonho, de tão...
Irreal.
Parte dele desconfiava de que tudo aquilo ainda poderia ser um sonho. Depois de tanto tempo, parecia simplesmente bom demais para ser verdade sentir seu cheiro, seu toque, seu calor...
Mas, a realidade, como sempre, não tinha comparação. Jamais que a vida seria tão boa com ele.
De repente, sem aviso nenhum, Dokja o empurrou com as duas mãos, afastando-o apressadamente, forçando uma distância entre eles. Joonghyuk, surpreso e ainda um pouco faminto por toque, franziu o cenho, magoado, e, instintivamente, tentou alcançá-lo de novo, para segurá-lo em seus braços novamente.
Só para ser empurrado mais uma vez, um pouco mais forte dessa vez.
"Me dá um momento, pelo amor de Deus!" Dokja reclamou, exasperado. "Deixa eu pegar uma toalha pelo menos!"
Joonghyuk piscou, ainda mais magoado, como um filhote de cachorrinho gritado, que não entendeu o porquê levou uma bronca. Mas bastou descer os olhos, sem querer, para perceber o verdadeiro motivo...
O olhar dele desceu… e parou bruscamente.
O olhar dele chegou até onde não deveria ter chegado.
Sua expressão mudou instantaneamente, de completamente magoado para completamente impassível. Absolutamente inexpressivo.
Ele apenas... encarou.
De cima a baixo.
Sem dizer nada.
Seu semblante escureceu de repente, ficando sombrio, mas ele ainda parecia tão impassível que mais parecia estar analisando a anatomia de um inimigo perigoso do que realmente olhando fixamente para o corpo nu de um velho amigo distante de sua adolescência.
Kim Dokja fez um som humilhante que parecia vir diretamente das profundezas mais vergonhosas de seu ser, algo entre um engasgo e um guincho estranho, ao perceber exatamente para onde o olhar fixo de Joonghyuk estava direcionado.
Em seu pânico, ele se encolheu e tentou desesperadamente cobrir o próprio corpo com as mãos, seu rosto inteiro ficando tão vermelho quanto um tomate.
Joonghyuk apenas arqueou ligeiramente uma sobrancelha.
"…Por que você ainda está assim?" Ele perguntou casualmente, com a voz monótona e sem emoção.
Dokja tremeu dos pés à cabeça e sentiu a alma deixar o corpo.
"CAI FORA!" Ele gritou, com a voz estrangulada pelo desespero e pela humilhação.
「• • •」
Sentados lado a lado na beirada da cama, que rangia irritantemente a cada mínimo movimento, os dois dividiram o mesmo espaço apertado entre eles, separados por exatos quinze centímetros de distância.
Inicialmente, essa distância era de exatos vinte e cinco centímetros. Mas, considerando que Yoo Joonghyuk não compreendia muito bem o conceito de espaço pessoal quando se tratava de Kim Dokja, essa redução na distância entre eles era inevitável.
Dokja, por sua vez, deixou perceptível seu desconforto com a proximidade. Embora, agora, finalmente, estivesse vestido. Ou melhor, quase. Uma toalha estava cobrindo seu corpo, apertada logo acima do peito com um nó, e outra menor estava enrolada na cabeça, prendendo os fios molhados em uma tentativa meio desajeitada de secar os cabelos e parecer minimamente apresentável.
Não funcionou muito.
Mesmo assim, ele parecia completamente desconfortável, seu corpo estava rígido, seus ombros tensos e o olhar nervosamente sempre fixo em algum ponto aleatório do quarto, evitando o máximo possível contato visual. Desde o momento em que se sentou naquela cama até agora, nada em seu corpo demonstrava qualquer indício de que pretendia relaxar.
Também não estava ajudando muito o fato de que Yoo Joonghyuk estava fazendo algum tipo de interrogatório improvisado apenas entre eles, perguntando coisas sem parar, perguntas que eram diretas, insensíveis, desconfortáveis e impacientes, exatamente como tudo o que ele fazia.
"Quando eu..." Kim Dokja começou, respondendo uma das perguntas, mas sua voz falhou. Ele mordeu o lábio inferior, visivelmente relutante. "Depois de pular… eu não me lembro de muita coisa. Só sei que entrei em coma e acabei internado em um hospital... bem longe de Seul."
[Essa afirmação foi provada verdadeira.]
Isso explicava muita coisa.
Por isso que Joonghyuk nunca conseguiu encontrá-lo, apesar de ter procurado por todos os hospitais e... cemitérios possíveis dentro de Seul, dia após dia, noite após noite, todos os dias, incansavelmente.
Naquela época, ele nunca pensou em procurar fora da cidade, já que seu limite de alcance, como um adolescente dependente dos responsáveis, era Seul.
"Eu acordei pouco antes do apocalipse começar." Dokja continuou, em um tom levemente amargo. "Ninguém estava lá. Nenhum conhecido, nenhum rosto familiar... nenhum médico. Era só eu, sozinho, sem ideia de onde estava. E, do nada, o mundo começou a desmoronar."
Joonghyuk apenas o escutou em silêncio, permitindo-o ter esse momento, enquanto a voz de Dokja soava distante e quase sarcástica.
"Bem, acordar com dezoito anos quando, na sua cabeça, você ainda tem quinze... no meio do fim do mundo... não é exatamente a experiência mais agradável." Ele riu. Uma risada seca, sem absolutamente qualquer sinal genuíno de alegria.
"Nem sei como sobrevivi, para falar a verdade. Tive apenas sorte de esbarrar em alguns sobreviventes dispostos a ajudar. Quase morrer várias vezes, passar fome diariamente e correr para sobreviver foi uma rotina por um tempo. Mas no final... olha só." Ele gesticulou vagamente com a mão para si mesmo, de forma quase zombeteira. "Estou aqui. Mesmo não sendo um despertado nem nada."
Mesmo sem querer, Joonghyuk sentiu uma sensação estranha, que mais se parecia simpatia. Um aperto que ele tentou ignorar.
E por mais que quisesse esconder, esquecer seu passado, ele sabia como era aquele tipo de luta. Sobreviver como um ninguém em um mundo que não oferecia piedade àqueles que eram fracos.
Era fácil esquecer que, por trás de todo o poder, de toda a fama, frieza e riqueza, Joonghyuk sabia muito bem como era lutar, com tudo que tinha, para se manter de pé.
Ele também esteve nesse lugar. Lutando desesperadamente, todos os dias, para sobreviver. Revirando lixeiras, se escondendo, fugindo, tudo isso apenas para aguentar por mais um dia, sem nem saber qual seria o amanhã.
Ele, mais do que ninguém, sabia o que era lutar desesperadamente, com tudo o que tinha, para despertar, não por glória, nem por fama, muito menos dinheiro, mas apenas para conseguir continuar vivo. Para proteger alguém. Para não ser mais um insignificante no meio de muitos, que precisava de proteção e poderia ser descartado a qualquer momento.
Foi a mestra Namgung Minyoung quem estendeu a mão para ele e mudou seu destino. Ela o ensinou tudo o que ele sabia hoje em dia, inclusive sua técnica especial. Foi ela, Namgung Minyoung, quem o fez ser forte como ele era atualmente. E professores como ela não apareciam assim, do nada, como aconteceu com ele.
Diferente dele, Dokja não teve essa sorte.
Diferente dele, Dokja...
Não teve ninguém.
Isso parecia injusto.
"E sobre... não ter te procurado antes disse tudo..." Dokja voltou a falar, com o semblante distante. Seus olhos estavam fixos na parede à frente, mas não olhavam para nenhum ponto em específico. "Eu sabia quem você era. Bom, é claro que eu sabia. Todo mundo sabe quem você é."
Dokja riu amargamente de si mesmo, do quão patético era, mas foi só mais uma tentativa falha de aliviar a tensão entre eles.
"Mas o que isso mudaria? Você ainda era o Rei Supremo. O invencível. O intocável. O mais forte Rank S de toda a Coreia do Sul. O herói mais temido do país." Ele soltou uma risadinha sem humor. "E eu? Pff…"
"Como eu, um cara quebrado, um não despertado, recém-saído de um coma, um zé-ninguém sem nada a oferecer, teria a cara de pau de bater na sua porta anos depois e dizer "Oi, lembra de mim? Sou eu, aquele seu colega de classe patético que pulou do terraço da escola quando estávamos no fundamental."?" Ele balançou a cabeça, rindo de si mesmo. "Usar a carta de ex-colega de classe é simplesmente… patético demais. Ter estudado juntos não muda nada. Isso não faz você me dever nada. Nem mesmo satisfação. Então, eu só pensei que, se eu aparecesse assim, do nada, ia parecer que eu queria alguma coisa de você."
Kim Dokja fez uma pausa. Então, respirou fundo antes de continuar. E, principalmente, não ousou nem olhar para Yoo Joonghyuk, nem por um segundo sequer.
"E eu também não sabia... o que você sentia por mim." Dokja disse, e a voz dele saiu um pouco mais amarga agora. "Se você guardava rancor. Se me achava uma assombração do seu passado, um erro que queria esquecer, se sentia culpa... ou se simplesmente não sentia nada."
Sua última palavra saiu um pouco mais baixa, como se pesasse mais do que todas as outras juntas.
"...Eu nem sabia se você ainda se lembrava de mim." Dokja riu de novo, uma risada sarcástica, cínica, que doeu mais do que qualquer outra coisa. "Claro, seria realmente maravilhoso se você simplesmente se esquecesse de mim. Não é como se você estivesse perdendo alguma cois—"
Ele não conseguiu terminar a frase.
Porque, no segundo seguinte, Joonghyuk praticamente se jogou sobre ele.
Sem aviso algum, ele se lançou para frente e o puxou para um abraço apertado, como se quisesse fisicamente impedir Dokja de continuar falando.
Os braços dele se fecharam em volta do corpo de Dokja, envolvendo os braços ao redor dele com tanta força que mal o deixou respirar. Uma de suas mãos, grandes e calejadas, segurou a parte de trás da cabeça de Dokja, guiando sua cabeça contra o ombro dele, abafando o resto daquela frase cruel antes que pudesse envenenar ainda mais a percepção de Dokja sobre si mesmo, e abafando qualquer tentativa de protesto.
"Shh..." Joonghyuk murmurou perto de seu ouvido, mantendo-o firmemente em seus braços. "Tudo bem, já chega. Obrigado. Por me contar tudo isso... mesmo não sendo fácil."
Os olhos de Kim Dokja se arregalaram. Ele ficou completamente paralisado por alguns segundos, suas mãos pairavam, erguidas no ar, sem saber onde tocar, como se sua mente estivesse tentando decidir o que fazer, decidir onde tocar.
"Isso é inaceitável." Joonghyuk sussurrou suavemente, com uma voz rouca e arrastada. "Completamente inaceitável."
A respiração de Dokja prendeu no peito.
"Você é inesquecível." A voz de Joonghyuk ressoou contra a pele quente de seu pescoço, suave demais, baixa demais. "Cada mínimo detalhe sobre você... é impossível de esquecer."
Inaceitável. Sim. Era isso mesmo. Isso era inaceitável.
Como ele pôde ter deixado Kim Dokja se apagar de sua memória? Mesmo que não tenha sido por escolha própria, isso era inaceitável.
Como alguém como Dokja, com aquele sorriso lindo, aqueles olhos brilhantes e aquela personalidade marcante poderia ser alguém esquecível?
Isso nunca deveria ter acontecido.
Nunca.
Um som baixo escapou da garganta de Dokja, parecido com um bufo, quase como uma pequena risada abafada, antes dele finalmente ceder.
Lentamente, suas mãos pousaram nas costas de Joonghyuk, incertas no início, mas firmes ao envolvê-lo de volta.
"O que você disser, então..." Ele murmurou, soltando um longo suspiro cansado, soltando o ar como se finalmente pudesse respirar. "Não posso discutir com o melhor Rank S do país."
Os dois permaneceram assim, abraçados naquele silêncio confortável que só existia entre eles.
Bom, isso até que, como sempre, Joonghyuk precisou abrir a boca e estragar o clima de novo.
"Por que você tem tantas fotos minhas na sua parede?" Joonghyuk perguntou em uma voz meio abafada por ainda estar com o rosto enfiado no pescoço dele, com um tom casual de conversa.
Kim Dokja deu um pulo como se tivesse fisicamente levado um golpe. Ele engasgou na própria saliva e se afastou abruptamente, lançando a Yoo Joonghyuk o olhar mais feio que conseguiria dar naquele momento.
"Você é uma figura pública!" Ele disparou, um pouco rápido demais.
"Eu sei." Joonghyuk respondeu, levantando calmamente uma sobrancelha. "Não precisa ficar na defensiva. Só achei... intrigante."
"Não é intrigante." Dokja resmungou, cruzando os braços e desviando o olhar para o lado. "É normal. Completamente normal."
Joonghyuk manteve sua expressão impassível e recomposta, mas estava se divertindo. Realmente estava. Seus olhos, agora, até tinham um brilho de algo mais suave, mais tranquilo.
Quase... despreocupado.
"Eu sou o seu favorito?" Ele perguntou, e o tom de sua voz saiu tão suave, tão absurdamente fora do comum, que Dokja precisou conferir se realmente tinha escutado certo.
Esse era o tipo de tom que ele só usava com Mia, e mais ninguém.
Dokja, pego completamente desprevenido, empalideceu e logo depois ficou vermelho, como se pudesse explodir. Ele engoliu em seco, atordoado.
"Bem..." Ele limpou a garganta, tentando parecer imperturbado. "É normal, não é? Tipo, um amigo muito querido seu se torna uma celebridade nacional... parei para pensar no que poderia fazer para… demonstrar meu apoio, meu carinho, é só... é só isso."
Yoo Joonghyuk não respondeu. Mas o olhar no rosto dele dizia tudo.
E isso foi o suficiente para deixar Kim Dokja completamente desconcertado.
Ele estava sorrindo.
Mesmo que quase imperceptivelmente, mesmo que para qualquer outra pessoa pudesse passar despercebido, era incontestável.
Yoo Joonghyuk estava sorrindo.
"Pode parar?" Dokja perguntou de repente, se remexendo desconfortavelmente no lugar, e a cama rangeu alto sob o movimento.
Joonghyuk, claro, não deu nem sinal de que iria respeitar o pedido. Muito pelo contrário, até se arrastou ainda mais para perto, com aquela expressão absurdamente presunçosa em seu rosto.
"Mm?" Ele murmurou, se fazendo de desentendido. "O que foi que você disse, meu fã número um?"
Dokja soltou um gemido indignado, com o rosto já vermelho, e empurrou o rosto presunçoso de Joonghyuk para longe com uma das mãos.
"Vá se foder." Ele resmungou, irritado. "Para de me olhar com essa cara."
Mas, Yoo Joonghyuk, para o azar de Kim Dokja, estava se divertindo até demais com aquilo. Suas sobrancelhas se arquearam, e em seus lábios surgiu um sorrisinho irritantemente perigoso.
"Eu pensava que você gostasse dessa cara, já que tem tantas fotos dela coladas na sua parede." Joonghyuk provocou.
Dokja soltou um grito abafado e irritado de pura agonia e girou o corpo para o lado, virando as costas para ele, como se isso fosse fazer Joonghyuk automaticamente desaparecer.
"Quer uma foto minha?" Joonghyuk continuou, se inclinando um pouco mais para ele, se divertindo muito claramente com o sofrimento alheio. "Não costumo tirar fotos com fãs, mas... posso abrir uma exceção para você, para se juntar a sua coleção na parede."
Dokja congelou por exatos dois segundos antes de explodir.
"CAI FORA!" Dokja gritou, a humilhação transbordando de sua voz trêmula e irritada, enquanto ele jogava um travesseiro em Joonghyuk com toda a força. "Seu desgraçado!"
Mas o travesseiro não chegou nem de perto de acertar. Joonghyuk desviou facilmente, rindo pelos cantos dos lábios.
「• • •」
Depois de passarem mais um pouco de tempo juntos, apenas conversando sobre coisas triviais, quaisquer assuntos que não envolvessem a situação atual deles, os problemas do passado, ou os traumas deles, Joonghyuk acabou voltando no assunto que estava martelando na cabeça dele desde o início, Dokja precisava voltar para o hospital.
Claro, Kim Dokja continuou insistindo de que estava se sentindo perfeitamente bem. O que, tecnicamente, não parecia ser mentira. Ele estava de pé, andando, conversando normalmente. Ele parecia bem.
Mas só isso não foi o suficiente para convencer Joonghyuk.
Na verdade, isso tudo só pareceu incentivá-lo ainda mais a continuar.
E, quando os argumentos lógicos começaram a acabar, Joonghyuk recorreu ao que funcionava melhor. Ir direto para a ameaça.
"Se você não for por vontade própria, irá à força."
Com isso, Dokja apenas suspirou pesadamente, como alguém que já sabia que estava lutando uma batalha perdida. Então, completamente resignado, aceitando a derrota, se levantou em silêncio e começou a procurar alguma roupa para vestir.
Mas, logo parou, franzindo o cenho.
"...Ei, o que aconteceu com o meu guarda-roupas?" Dokja perguntou, com o cenho franzido, ao encarar o espaço vazio onde antes ficava o móvel de madeira.
Joonghyuk, que estava escorado na parede com os braços cruzados, nem se incomodou em olhar.
"Não se incomode com pequenos detalhes assim." Joonghyuk respondeu, sem nem levantar a cabeça. "Só se vista logo. Rápido."
Dokja lançou um olhar desconfiado por cima do ombro, mas não disse nada. Ele apenas resmungou em voz baixa e continuou vasculhando o que restava de suas coisas, o que, para seu desagrado, também não era muita coisa.
Mas, agora que estava prestando mais atenção, percebeu várias coisas estranhas em seu apartamento. Sua cama, que já era velha, mas ainda intacta, agora estava torta, rangendo irritantemente a cada mínimo movimento feito em cima dela, o guarda-roupas dele tinha simplesmente desaparecido, a porta da entrada do apartamento também parecia estar meio quebrada e só agora ele percebeu que a tranca estava completamente destruída.
Tinha alguma coisa errada aqui...
E Joonghyuk, como sempre, estava inexpressivo demais para ser inocente.
Pequenos detalhes... sim, claro.
Depois de arrumados, conforme os dois desciam juntos as escadas do prédio, Dokja suspirou, os dedos ainda ajeitando o colarinho amassado da camisa.
"Uma semana inteira?" Dokja o olhou, chocado, enquanto conversavam. "Eu fiquei tanto tempo assim... apagado?"
"Sim." Joonghyuk respondeu em um tom simples, de um jeito quase casual. E, como se fosse a coisa mais natural do mundo, colocou a mão na parte inferior das costas de Dokja, protetoramente, guiando-o escada abaixo. "Mas está tudo bem, não se preocupe. Eu cuidei de tudo. Inclusive de Gilyoung."
Dokja parou por um segundo e o encarou com surpresa genuína nos olhos. "Sério? Você?"
Joonghyuk assentiu, abrindo a porta da frente para eles saírem. "Sério."
Mas no instante em que pisaram os pés para fora, os dois pararam.
Uma multidão.
Toda a calçada à frente estava tomada por uma multidão de jornalistas, repórteres, cameramans e fotógrafos. Equipamentos de filmagens, microfones, câmeras, todas viradas diretamente para a entrada do prédio, na direção deles.
Kim Dokja congelou.
O rosto dele continuou inalterado, sua expressão mal mudando, mas Joonghyuk percebeu o leve estremecer que subiu por sua espinha. Um daqueles sinais sutis que só alguém que o conhecia bem conseguiria perceber.
Na hora, uma memória inundou sua mente. Numa tarde, na saída do colégio, uma comoção começou no portão, uma perseguição, praticamente. O rosto pálido de Dokja sendo empurrado pelos microfones no meio de jornalistas e repórteres na saída da escola, com os mesmos flashes agressivos, os mesmos tipos de jornalistas querendo arrancar a qualquer custo alguma reação do filho de uma mulher condenada por assassinato, com o nome do pai, a vítima, estampado em todas as manchetes.
Sem pensar duas vezes, Joonghyuk reagiu.
Quando os primeiros flashes piscaram, ele imediatamente se colocou na frente, protegendo Dokja com o próprio corpo. Ele tirou o casaco preto com um uma certa impaciência e o colocou sobre a cabeça dele, cobrindo seu rosto para tampar, o protegendo dos flashes e de ser filmado pelas câmeras.
"...ah." Dokja apenas arfou, surpreso, levantando os olhos para Joonghyuk como uma presa encurralada que, de repente, encontrou um abrigo.
"Está tudo bem." Joonghyuk sussurrou de volta, puxando o casaco mais para baixo para escondê-lo e melhor. "Eu estou aqui."
Notes:
Muito obrigado pelos 125 kudos! 🤍

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