Chapter 1: Prólogo: O fantasma
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O medo era uma constante em minha vida. Eu sempre soube que iria morrer jovem. Alguma coisa me dizia que eu não duraria nesse mundo. É triste, mas é verdade. Eu sabia que era frágil, vulnerável demais para as línguas afiadas e as lâminas brilhantes. Minha mãe dizia para não confiar em ninguém. Meu pai dizia que os homens eram perigosos, independente de quem fossem. Ele dizia que você tinha que se certificar que eles jogavam no seu time, não contra ele. Mais valia alguém que matasse por sua causa, do que alguém que matasse você.
Era uma lógica simples de entender.
Mas simples não significa fácil, e não coincidentemente são sinônimos, o que significa que se assemelham mas não se substituem. A existência de ambos implica que um só não comporta significado suficiente. E com isso concluo que nem sempre o que é simples de entender é fácil de aplicar. Uma coisa não se mistura a outra, como água e óleo.
Eles diziam que eu iria fracassar. Em verdade, eu fracassei. Eles diziam que eu acabaria morta pelas minhas escolhas. E, novamente, em verdade, aqui estou eu: algumas boas léguas debaixo da terra. E não, eu não dedico esse prólogo póstumo ao verme que muito provavelmente está roendo minhas carnes por agora.
Olhando para a minha vida com certa distância, hoje vejo que nunca fiz o que era certo. Acredite em mim, eu queria ter feito as escolhas certas. Queria não ter me apaixonado pela pessoa errada. Queria nunca ter conhecido aquele homem infeliz. Porque eu sempre soube. Céus, eu sempre soube.
O que posso dizer? Eu estava apaixonada. Eu jamais poderia prever o que estava no horizonte próximo. Eu jamais poderia vê-lo se esgueirando sobre a erva-daninha, pisando nas flores e nas folhas secas, a faca afiada, a arma apontada pra mim. Afinal, eu sempre fui seu alvo? Mesmo morta me pergunto se todo aquele tempo foi uma mentira. Quando foi que eu me tornei sua presa? Isto sempre foi uma caça? Ou estávamos predestinados, você nasceu para ser meu algoz?
Eu tenho muitas perguntas. Infelizmente nenhuma dessas respostas. Embora eu saiba o segredo da questão mais importante, não sei nada sobre as notas de rodapé da autópsia. Apesar disso, a conclusão é singular e óbvia: estou morta.
Até no último momento, eu o arrasto pro túmulo comigo.
O meu assassino? Só eu sei.
Chapter 2: Capítulo 1: A morte de Rin
Summary:
Oioi gente, tudo bem?
Aqui vai mais um capítulo de Algozes!
Boa Leitura :)
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
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Konoha, 2024
Dias atuais
“Bom dia” era uma expressão muito forte para aquela manhã de terça-feira, foi o que ele pensou quando a secretária gentil, de olhos verdes e cabelos meio alaranjados, sorriu-lhe educadamente. A manhã não ia tão bem, isso porque o café preto de Obito Uchiha não estava adoçado o suficiente e ele detestava coisas amargas. Para um delegado, até que Obito era um sujeito decente e carismático. Apesar disso, as manhãs não eram seus momentos favoritos. Ele precisava de dez a quinze longos minutos de descanso mental, de tempo para seu corpo e cérebro processarem todo o tortuoso caminho do despertar. Para isso, precisava de silêncio, precisava de café preto e açúcar na medida. Precisava de paz.
Mas seu trabalho e a ausência de problemas eram termos conflitantes. Com tantas carreiras para escolher, ele agarrou aquela que pagava menos e cansava mais. Os músculos do corpo estavam doloridos. Ele tinha de se lembrar de pegar mais leve na academia. Mas levar seu corpo ao limite era uma forma de levar sua mente à mais perfeita plenitude. Lidar com o imoral era sofrimento psicológico suficiente.
Os olhos castanhos escuros varrem a sala. Não está perfeitamente organizada como ele costuma deixar, há papéis jogados sobre a mesa e alguns livros da estante estão nos lugares indevidos. Ele arqueia a sobrancelha, a testa franzida. Itachi teria mexido em sua sala? Ele não se lembrava de ter pego um exemplar…
Alguém toca na porta e não tarda a abri-la antes da permissão. Itachi Uchiha. Assistente de Obito, investigador responsável pela 59° DP do estado. Também era seu primo de segundo grau. Konoha era uma cidade pequena e a família dos Uchiha era bem reconhecida pelo bom trabalho na segurança pública. Trabalhar na polícia era uma tradição. A honestidade era um caráter passado de geração em geração.
— Bom dia, Obito — murmurou Itachi. — Eu sei que precisa de dez minutos, mas o dia hoje vai ser cheio. — Avisou o primo, com olhos inquisidores para a xícara decorada com a foto da esposa e do filho do delegado.
Obito suspirou.
— O que foi dessa vez? — indagou o Uchiha mais velho, colocando a xícara sobre a mesa, onde os papéis permaneciam bagunçados.
Itachi coçou o queixo. O olhar inquisidor dele agora varria a sala de seu superior. Ele também notou os papéis sobre a mesa e o livro mal colocado sobre a estante. Obito flagra a inspeção automática do primo e, parceiro de trabalho.
— Foi você? — Apontou Obito para os papéis.
Itachi voltou o olhar para o Uchiha mais velho.
— Não… — murmurou, incerto. — Não fui eu não… Deve ter sido o Deidara… Sabe como ele é desorganizado. — comentou categoricamente. — De qualquer forma, o dia vai ser cansativo. Se eu fosse você, tomava mais uma dessas.
Obito suspirou.
— Manda.
— Corpo encontrado na casa dos Hatake. — murmurou Itachi.
A voz dele era tensa. Obito não entendeu porque o cuidado em falar.
— Dos Hatake? — indagou. — Qual deles? — Voltou a pegar a xícara de café com uma normalidade casual.
Uma coisa que sempre o chocava era a forma como ele estava acostumado àquele serviço ruim. Depois de mais de dez anos trabalhando com aquilo, a sensibilidade com relação à morte e a humanidade ficava cada vez menor. Sangue, ossos, corpos; tudo isso se tornava parte de um processo burocrático e por muitas vezes cansativo. Quando suas retinas já estavam cansadas e seu corpo implorava pela cama, ele se esquecia que uma pessoa havia partido, uma família havia perdido um ente querido. Era parte do ofício.
— Da Hatake. — explicou, enfatizando. — Rin Hatake. Ou melhor, Rin Nohara. Foi encontrada morta hoje de manhã.
Do lado de fora, as sirenes de uma viatura ressoam. O gato da vizinha da frente mia. A chaleira da cozinha apita, sinalizando que a água ferveu. A colher de metal contra a xícara de porcelana. O barulho de portas abrindo e fechando. O eco de um pássaro cantando.
Rin Nohara.
Um nome, inúmeras memórias.
Obito Uchiha conhecia ela. A cidade a conhecia, na verdade. Konoha era um município pequeno, todos sabiam mais ou menos os graus de parentesco ou a que família você pertencia. Não era uma coisa difícil de encontrar. Rin, por exemplo, fazia parte dos Nohara. Eles eram donos de um mercadinho bem conhecido, grande parte dos moradores faziam suas despesas por lá. Não era uma rede grande, na verdade era um mercado único. As pessoas mais idosas gostavam de lá, já que o estabelecimento era antigo e confiável: décadas se passaram e a família Nohora ainda o manteve, mesmo depois que as redes de supermercado chegaram à Konoha.
Rin era a filha mais nova. Ela era casada com Kakashi, que fazia parte dos Hatake. Essa família, no caso, já era um pouco mais complicada. Era um nome antigo, eles tinham um histórico dentro do direito: a maior parte dos homens eram advogados. Mas a fama não era muito boa… Sakumo Hatake, sogro de Rin, fora preso após se envolver na política. Boatos de desvio de dinheiro, corrupção e assassinato. Ele se matou horas depois de ser preso. O filho, Kakashi Hatake, fora criado por um tio do qual ninguém nunca ouviu falar...
O problema das cidades pequenas é que a mácula de uma família dura por muito tempo. As pessoas se lembram. Não há para onde fugir.
Apesar disso, Rin era uma mulher comum. Trabalhava como professora de literatura no colégio municipal. Era uma mulher de direito: casada há quase dez anos com o mesmo homem, sem filhos. Moravam em uma bela casa próximo a avenida principal. Tinham uma condição financeira relativamente boa para as perspectivas da cidade: Kakashi era o melhor advogado de Konoha, ou, pelo menos, o mais bem pago. Também estava almejando uma carreira na política, assim como o pai. Mas, aparentemente, os Hatake e o mundo político era um mau agouro.
Obito tomou mais um gole de café. A bebida amargou em sua boca.
— A perícia já foi ? — indagou Obito, logo depois de engolir à contragosto.
Itachi apenas balançou a cabeça antes de dizer:
— Já. Aparentemente? Suicídio. Mas não acho que seja. Muito fácil, muito convincente e pouco explicativo. — Itachi deu de ombros, encarando seriamente Obito.
O Uchiha mais velho voltou a colocar a xícara sobre a mesa.
— Pode me descrever a cena? — pediu. — Não quero atrapalhar o trabalho da perícia…
Itachi assentiu.
— Foi encontrada morta no chão do quarto do casal. Na cômoda ao lado da cama tinha uma caixa de antidepressivos… A caixa estava vazia. Ao que parece, morreu por overdose. Não tem marcas aparentes no corpo. A casa também não tem sinal de furto ou roubo. Tudo parecia no lugar. Ainda precisamos checar as câmeras de segurança da residência e do bairro. De todo modo, simples demais.
Obito concordou com um gesto.
— Não consigo decidir se é simples e estamos procurando pelo em ovo ou se quem o fez realmente era psicopata nesse nível… — O Uchiha mais velho declarou, pensativo.
Itachi concordou:
— Se for um suicídio… É estranho… — murmurou, confuso. — Não sei que motivos teria para isso…
— Você era próximo dela? — questiona Obito, com uma sobrancelha arqueada.
— Não — Itachi dá de ombros. — Mas já fui próximo do marido… — explicou. — Kakashi e eu prestamos serviço militar obrigatório no mesmo pelotão quando éramos mais jovens… De vez em quando, nos falamos. Uma coisa casual… De todo modo, Rin parecia uma esposa normal pra mim…
— Normal? — indaga Obito, julgador.
Itachi revira os olhos.
— Quero dizer que, na medida do possível, não parece alguém que tenha motivos para se matar… — explica ele. — De todo modo, é só um palpite. Vou esperar sair o resultado oficial da perícia…
Obito concordou.
— Vou até o local… — declarou o Uchiha mais velho. — Preciso ver com meus próprios olhos.
***
Minha mãe tinha razão quanto aos garotos malvados. Mas eu nunca a escutei. Ela dizia: “Rin, você deve se apaixonar por um bom homem. Os bonzinhos são chatos, mas são uma escolha segura e, ainda assim, você deve ter cuidado”. É engraçado porque é quase como se ela soubesse o fim que isso iria dar. Minha velha era sábia, mas eu nunca fui boa em ouvir conselhos…
É por isso que vou contar minha história.
Porque os mortos falam.
Porque minhas verdades morreram gritando.
Porque ele vai pagar..
Notes:
Oioi gente!!!!!!!!
Espero que tenham gostado do capítulo!
Por favor, comentem, curtam e acompanhem :)
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Konoha, 2007,
17 anos atrás
— Filha, não demora, tá? A Baru vem aqui trazer seu bolo — A voz da minha mãe ecoou do outro lado da porta.
O chuveiro está ligado. Continuo a ensaboar meu corpo e passar shampoo no cabelo. É meu aniversário de dezoito anos. Enfim, a maioridade havia chegado para mim. Estava cansada de ter que mentir a idade para ir aos lugares e comprar bebida, mesmo sempre conseguindo alguns engradados de cerveja do estoque do mercadinho de meus pais. Não, eu não me orgulhava. Mas se eles iam continuar fingindo que eu era uma santa, eu também continuaria a agradá-los.
Afinal, era tudo que eu sabia fazer.
Saí do banheiro minutos depois. Vesti uma saia jeans e uma regata branca. Escovei o cabelo e passei o perfume caro da minha mãe. Coloquei pulseiras no braço, meus brincos de argola e uma correntinha fina de prata com um crucifixo. Os Nohara eram uma família de tradição religiosa — mas não muito, porque os excessos eram um pecado tanto quanto qualquer outro. Para finalizar, usei rímel e um gloss vermelho. Afinal, eu faria dezoito anos e finalmente poderia me sentir dona de mim.
Finalmente, poderia tê-lo.
Quando saí do quarto, notei a agitação na casa. Meus pais costumavam gostar de dar festas, principalmente nos nossos aniversários. Mas agora a casa estava parcialmente vazia: minha irmã mais velha havia se casado recentemente e mudado para Tóquio, vinha nos visitar poucas vezes no mês porque trabalhava muito e estava quase sempre ocupada. Meu irmão do meio estava em Osaka, cursando engenharia em uma faculdade de ponta, a qual garantia o esforço diário de meus pais em manter o mercado para que pudessem pagar os custos da vivência dele lá. Nesse sentido, nossa casa, antes cheia, agora estava vazia. Eu era a única filha ainda em casa. E este era, muito provavelmente, o meu último aniversário na cidade.
Eu mal podia esperar para dar o fora de Konoha. Cidade maldita!
Eu definitivamente não nasci para ficar nesse lugar assombrado e condenado. Não nasci para aceitar pouco. Não faz parte de mim. Ou, pelo menos, não fazia.
A música não estava alta o suficiente. As pessoas conversavam animadamente. Entre meus familiares, a maior parte eram moradores de Konoha: amigos do meu pai, clientes fiéis do mercado, amigas da minha mãe, entre outros. E, claro, como uma forma primitiva de contato, também havia convidados estratégicos: as famílias antigas e de renome. Os Uchiha, os Uzumaki e, mesmo os Hatake — que agora eram mal vistos pelo incidente de Sakumo —, estavam presentes. Era uma questão meio política. Nenhuma dessas famílias antigas, tradicionais e ricas, queriam perder seu poder e influência na cidade. Mas a modernidade e a tecnologia os colocavam em risco o todo tempo. Uma forma de driblar isso, era, claro, manter o poder onde ele já estava desde sempre.
Revirei os olhos ao ver aquilo. Eu amava ter dinheiro, apesar de não ser rica como os Hatake ou os Uchiha. Mas odiava essa ideia tosca de casamento quase arranjado, porque a verdade era uma só: aquilo era quase um baile de debutante do século passado. Negocie sua filha e ganhe um cargo público!
Urgh!
Suspirei, apesar disso. Meu irmão havia feito questão de selecionar os CD 's que iria colocar para tocar no DVD então a trilha sonora ao menos era boa: All Time Low e Beyoncé, tudo que uma garota precisa para viver.
— Ah, aí está ela! — exclamou minha mãe com um sorriso no rosto. — Você está linda, querida! — murmurou.
Mas eu vi quando seus olhos miraram minha saia jeans. “Curta demais” — Li em seus olhos. Mas eu dei de ombros.
— Aqui, Baru, veja como ela cresceu! Está linda não está? — elogiou ela.
A mulher de olhos e cabelos escuros me olhou com gentileza.
— Você está linda, Rin. Vai se tornar uma mulher ainda mais linda do que já é agora! — disse Baru.
Sorri em agradecimento. Um sorriso educado.
Baru Uchiha era uma mulher importante. Matriarca principal da família Uchiha, que era rica e imponente, mesmo que gostassem de dizer que eram simples, que prezavam pelo básico e que seu caráter fosse notável, afinal, todos os homens eram ou tinham feito parte da polícia ou de cargos públicos de segurança. Minha mãe e meu pai não eram idiotas. Os Uchiha tinham dois garotos na mesma faixa etária que a minha: Obito e Itachi. Obito era filho de Baru e, portanto, o primogênito do patriarca atual. Itachi era um ou dois anos mais novo e primo de Obito. Mas nenhum deles fazia meu tipo.
Quanto aos Hatake, meus pais convidavam por educação, sempre. Mesmo assim, eles, assim como meus pais, recusavam-se educadamente todas as vezes. E com eles quero dizer o filho deles, da mesma idade que eu. Kakashi Hatake. Órfão de mãe desde o nascimento e, agora, órfão de pai também. Aparentemente, era criado por um tio distante e os empregados da casa. Apesar dos comentários ruins em relação ao seu pai, aparentemente, o garoto nunca havia dado problema. Não que eu soubesse, claro. Na verdade, nunca o tinha visto pessoalmente. Ele não estudava no colégio municipal, como todas as outras crianças normais... Não, ele tinha grana demais.
Mas também, não me interessava. Nada disso me interessava.
Agora, o clã Uzumaki fazia parte do meu interesse. Sobretudo, Nagato Uzumaki. Professor de história no colégio municipal onde eu estudava — onde a maior parte das pessoas da minha idade em Konoha estudavam. Nagato tinha cabelos ruivos e olhos escuros. Ele era lindo e charmoso. Eu poderia ouvi-lo falar sobre a segunda guerra ou a revolução russa por horas e horas. Também não me importaria muito em fazê-lo calar a boca, visto que eu era ótima nisso. E ele… Ele era ainda melhor.
Cumprimentei mais algumas pessoas e peguei alguns salgados para comer, enchendo o copo de coca-cola. Minhas amigas, Kushina, que era irmã mais nova de Nagato, e Tsunade, aproximavam-se com sorrisos largos. Desejaram-me parabéns e me abraçaram fortemente. Tsunade aproveitou para sussurrar no meu ouvido:
— Kushina veio acompanhada do irmão…
Dei um sorriso lascivo.
Ótimo.
Meu aniversário foi tranquilo. As pessoas comiam, conversavam e dançavam. Falei com um garoto ou outro, no qual minha mãe me empurrou. Obito Uchiha era um deles.
— E você vai prestar vestibular para o que? — perguntou ele, com um sorriso tímido.
— Estou pensando em fazer letras… — respondi desinteressada. — Sim, eu sei que não é uma profissão bem paga e sim eu sei que provavelmente vou morrer de fome, não se preocupe. É uma escolha consciente.
Eu sempre respondia a esse tipo de pergunta desse modo, antecedendo os conselhos bondosos de quem odiava professores.
Obito, por outro lado, respondeu sorrindo:
— Eu acho letras um curso legal. Não acho que você vá passar fome se for uma boa professora. Além disso, pode acabar se tornando pesquisadora em literatura…. Isso é bem legal… E se você sair daqui, pode ganhar dinheiro.
Olhei para ele, ainda desinteressada, mas agora com certa simpatia.
— Obrigada. — agradeci.
Mas o Uchiha era sem graça. Nenhuma aventura a oferecer. Diferentemente dele.
No parabéns, as pessoas cantavam empolgadas. O bolo que Baru havia feito para mim era lindo: apesar da festa não ter um tema específico, porque eu achava esse tipo de coisa meio brega para os dezoito anos, ela havia feito um bolo retangular e decorado em cores azul e verde claro, com detalhes de nozes e frutas frescas. Era delicado e charmoso. O sabor era ainda melhor.
As crianças atacaram a mesa de doces. Os pais conversavam empolgados. Ainda não tinha conseguido me aproximar de Nagato. Apenas havia o visto de longe, próximo a Kushina, ou conversando com meu pai e com outros homens mais velhos. Apesar de ser jovem, no auge dos vinte e quatro anos, ele se misturava facilmente em ambos os grupos: dos adolescentes e dos adultos. Talvez pela aparência jovial e divertida que acabava fazendo com que todos o achássemos próximos demais dele. E, no entanto, Nagato era inteligente e tinha uma lábia poderosa, conseguia facilmente engatar em um papo com qualquer um.
Aproveitei o momento para me dispersar das pessoas, fingindo que iria até o banheiro do lado de dentro da casa. Acabei por despistar todos e me escondi atrás da sauna do quintal, próximo a piscina. Apanhei meu celular e enviei um SMS a ele.
“Sauna”
Não precisava dizer muito. Uma palavra e ele entenderia. Cruzei os braços e o esperei. Minutos depois, ele apareceu. Por conta do volume de pessoas, não consegui captar exatamente como Nagato estava vestido ou coisa parecida. Mas, agora, podia ver a camiseta preta do Iron Maiden e uma calça de igual cor, discreta. Com os all stars no pé, parecia qualquer um dos alunos do colégio, exceto pela pequena tatuagem do mapa-múndi no antebraço. Cruzei as pernas e descruzei os braços.
Ele olhou atentamente para o gesto. Mordi os lábios e sorri. Ele se aproximou.
— Então… Finalmente… — sussurrou ele.
A expressão era de satisfação.
— Finalmente podemos ficar juntos… Legalmente…— respondi, empolgada.
Ele deu um sorriso contido, aproximando-se mais, encurralando meu corpo contra a parede de textura do lado de fora da casa.
— Mas em segredo é mais gostoso, não acha? — Nagato sussurrou próximo ao meu ouvido. — As pessoas não precisam saber, Rin…
Ele segurou meu rosto e me beijou. Tinha gosto de bala de menta, bolo de nozes e charuto do meu pai. Era problemático e excitante. As mãos dele seguravam minha cintura, de modo firme. Mas também passeavam de vez em quando sobre meu corpo, do quadril, a lombar até as costas e depois desciam perigosamente para baixo.
Não sei quanto tempo gastamos nisso. Eu ouvia as pessoas conversando por aqui e por ali, mas não queria parar. Agarrava ele, puxava sua nuca. As mãos dele se enfiaram por debaixo da minha saia e minha calcinha. Os dedos afundaram em mim. Ele calava meus gemidos com beijos. Ele era habilidoso e rápido. Não demorou muito até que me segurasse nele para chegar ao orgasmo. Mas também não seria a primeira ocasião…
A gente se desgrudou talvez pela primeira vez desde que seus lábios encostaram nos meus. Ele sorriu e apanhou um maço de cigarros no bolso. Ofereceu-me um. Sorri, aceitando. Ele acendeu pra mim, e então tragamos, encostados na parede.
— Acho melhor mantermos isso em segredo… — Nagato falou, agora sério. — Mesmo que você seja maior de idade agora, as pessoas vão comentar. Não quero que fique falada. Você sabe, não é princesa?
Acenei com a cabeça. Ele tragou durante mais alguns minutos, em silêncio. Depois saiu, deixando-me sozinha ali. Continuei fumando, encostada na parede, meio frustrada. Queria chamá-lo de namorado. Queria beijá-lo na frente das garotas mais velhas. Queria ser assumida, dona de mim, responsável pelo que eu queria. E, no entanto, a maioridade não trazia essa solução. Não ainda.
Sou interrompida pelos passos cuidadosos e tímidos de Obito Uchiha. Arqueio uma sobrancelha para ele. Parece assustado, olhando para o cigarro entre meus dedos e para mim. Um garotinho assustado. Era isso que Obito Uchiha parecia.
— O que foi? — pergunto, meu tom de voz denuncia a insatisfação.
Ele molha os lábios antes de responder:
— Eu vi. Vi você e Nagato.
A voz dele, apesar de acusativa, é trêmula. Ele parece petulante e covarde ao mesmo tempo. Dou uma risada ao pensar que, em certa medida, também está chocado com o que viu.
— E? — debochei dele, voltando a tragar.
— Não sabia que fumava.
Reviro os olhos.
Não tô com tempo para um moleque curioso demais. A situação me deixa um pouco irritada. Mas não posso vacilar. Pelo menos não agora. Se nesses últimos três anos meus pais não descobriram que eu fumo e bebo, não seria agora, tão perto da ponte que me joga para quilômetros daqui, que eles iriam descobrir. Não por causa de um garotinho. Apesar de Obito ter a mesma idade que eu, era notável sua ingenuidade perante à vida e as pessoas. O que não era um defeito, necessariamente, afinal, fora criado em Konoha. Mas acredito que a malícia é uma das únicas aliadas dos espertos. E de qualquer modo, o mundo é deles.
— E você vai contar a alguém? — pergunto, cautelosa.
Eles sempre querem algo em troca. Se Obito fosse do jeito que eu esperava, provavelmente aproveitaria para me fazer uma proposta. Um beijo? Um boquete? Um encontro? Tanto faz. Queria que ele desse o fora daqui para que eu pudesse fumar em paz.
— Não. — responde ele, dando de ombros.
Estreitei as sobrancelhas. Apesar da desconfiança, não queria pressioná-lo mais e acabar tendo que negociar.
— Ótimo. — respondi, fingindo não me surpreender com sua resposta. — Então me deixa sozinha, por favor.
— Certo, tudo bem. — Ele se afastou, voltando para onde veio.
Suspirei, dando mais uma tragada. Escutei uma voz se aproximando. Era minha mãe. O desespero tomou conta de mim, joguei a bituca de cigarro no chão e pisei em cima, a fim de apagá-la e amassar por completo. No entanto, ouvi a voz de Obito, agora, mais clara e mais firme — ou o tanto que uma voz de um garoto de dezessete anos poderia ser —, dizendo:
— A Rin está lá dentro, Sra. Nohara. Ela passou por mim e pediu para que eu avisasse a senhora de que ela estava no banheiro.
— Obrigada, querido! — Agradeceu minha mãe, desviando o curso.
Suspirei, em alívio. Olhei para a bituca de cigarro no chão. Apanhei-a e a joguei na caçamba de lixo do outro lado do muro, próximo a calçada dos fundos.
Dei um sorriso ao pensar na figura do Uchiha.
***
Obito estacionou seu jeep em frente à casa dos Hatake, na avenida principal. A construção mesclava o antigo e o moderno. Era alta, repleta de pilastras à mostra, todas na cor de mármore branco. O jardim era bem cuidado, a grama bem cortada e as flores desabrochadas. Havia um ou outro duende de porcelana enfeitando a área externa. O lugar parecia uma casa de filme hollywoodiano. E, apesar da sua própria também se assemelhar a um cenário cinematográfico, Obito notou como era triste que agora aquele belo lugar fosse a cena de um crime.
A equipe da perícia já havia feito seu trabalho. Colocaram faixas amarelas no perímetro da casa, o que apesar de ter a função de afastar os curiosos, acabaria por atraí-los ainda mais. O Uchiha desceu do carro, ajeitando no pescoço o distintivo. O lugar contava com pelo menos 3 peritos, e dois policiais civis. Obito deixou o veículo acompanhado de Itachi. Os dois entraram no local. A casa estava vazia, e coberta pelos espectros que tudo viram — mas que nada podem dizer.
O corpo já havia sido mandado para o IML e, portanto, estavam apenas vasculhando e inspecionando a residência à procura de algo. Por um lado, parecia uma busca impossível. A prova estava ali, a caixa de remédios, a cartela metálica e química que Rin provavelmente tomara com a intenção de dormir para sempre. Mas era um procedimento legal e burocrático que deveria ser feito e, se tratando de quem era, Obito deveria estar presente.
Ele não podia negar, a ideia de Rin morta lhe causava um certo fraco. E, depois da notícia que Itachi havia dado, ele mentiu dizendo que iria pegar suas coisas, mas na verdade fora no banheiro vomitar todo o café que havia bebido.
O local, em si, parecia intacto. A entrada contava com um hall grande e espaçoso, lugar para colocar bolsas, chaves e casacos. Os sapatos de Rin e Kakashi ficavam ali na entrada. O hall dava acesso a sala de estar e a sala de jantar. A cozinha ficava mais no fundo. Todos os espaços eram grandes. Para ser honesto, a casa parecia demasiadamente grande para duas pessoas. Tinha um ar solitário e triste.
Todos os quadros nas paredes e nas estantes eram antigos: as fotos da época de faculdade ou do casamento, coisas de dez anos atrás. As facas estavam todas guardadas nas gavetas. Não havia marca de sangue em lugar algum, não aparentemente. O andar de cima contava com quatro quartos. A suíte principal que pertencia ao casal, um quarto de hóspedes, o escritório de Kakashi, o escritório de Rin e um quarto de bebê. O último, não tinha móveis. Mas o teto estava repleto de estrelas coladas. Com a luz apagada, elas brilhavam. No mais, o cômodo estava vazio. Tristemente vazio. Terrivelmente vazio. Obito fechou a porta e deixou para trás o eco da solidão.
O quarto do casal era a cena do crime. O lugar na cama onde seu corpo fora encontrado foi recriado pela perícia. Parecia exagero, mas era um protocolo a ser seguido; quando se tinha dúvida, nenhuma medida era dispensável. E, ainda assim, tudo parecia terrivelmente perfeito. Tudo no lugar, como uma casinha de boneca. As roupas bem passadas, os livros empilhados e organizados por ordem alfabética, como se ninguém nunca tivesse se infiltrado naquele lar.
Obito suspirou.
Quem quer que tenha feito o que fez, era invisível.
Mas os fantasmas gritavam.
Em algum momento, alguém teria de ouvir.
Notes:
Boa noite, nenês!
Espero que estejam gostando da história, por favor comentem e favoritem, feedbacks são importantes pra nós!!!!! <3
Esse capítulo é o primeiro que nossa protagonista narra oficialmente!!! <3
Chapter Text
Capital, 2009
15 anos atrás
A faculdade não era o melhor dos mundos, como imaginei, mas já servia de alguma coisa. Havia me mudado da casa dos meus pais, finalmente. Cursava Letras na universidade estadual e, por tal, teria que rodar todos os dias mais de 100 km de casa até lá. Dessa forma, meus pais decidiram que seria melhor alugar um dormitório próximo ao campus. Com um sorriso no rosto, fiz minhas malas, jurando nunca mais voltar à Konoha. Adeus cidade pacata e idiota.
Adeus gentinha miserável.
Apesar de morar em um dormitório com banheiro compartilhado com uma outra garota, as coisas até que fluíam bem. Konan era alguns anos mais velha que eu e também era simpática. Não se importava se eu fumava dentro do quarto, afinal ela também o fazia. Às vezes, dividimos o maço e o isqueiro. Ela cursava história da arte na mesma faculdade, mas os horários não batiam com os meus, por isso a via somente de vez em quando, já à noite, pois quando não estava na aula, estagiava no museu.
As festas eram, de fato, uma razão para continuar no curso. Quero dizer, até que era interessante. Eu gostava de literatura, interessava-me pelos clássicos e pela forma como a língua funcionava, ainda assim, preferia usá-la fisicamente falando, se é que me entendem. E, por falar em tal, depois de vir para cá, Nagato nunca mais havia me mandado um SMS ou um e-mail. O fato me irritou. Não porque eu o amasse, porque no fundo sabia que isso não iria dar em lugar algum, mas porque, de alguma forma sentia que meu ego havia sido ferido. E eu não gostava disso. Não gostava nenhum um pouco.
Mas homens não faltavam e a faculdade oferecia para todos os gostos. Além disso, contentava-me bem com as saídas rotineiras que eu e Tsunade, que também tinha se mudado e estava cursando nutrição, promovíamos todas às sextas. Nelas, era comum que a gente acordasse em apartamentos diferentes dos nossos. Costumávamos frequentar todo tipo de evento, mesmo as festas que aconteciam em outros cursos, como a engenharia e a química. Nesta noite, iríamos à festa do pessoal do direito.
— Me empresta aquela sua meia arrastão que tem brilho? — Tsunade pediu.
— Não dá, vou usar. — respondi, já vestindo a peça. — Usa aquela outra. — Apontei para o armário do meu quarto, que estava aberto.
Ela se dirigiu ao guarda-roupa e apanhou a meia.
O campus do direito ficava longe do nosso, de modo que precisávamos pegar um ônibus até lá. E isso significava andar por aí de meia arrastão, mini saia jeans e blusas que nós cortamos ao meio, a fim de criar uma espécie de cropped. Tsunade havia insistido para que eu levasse uma jaqueta, porque a noite sempre esfriava, mas eu sabia que não precisaria — pegaria a de um carinha que conhecesse no meio da festa, porque sempre funcionava de qualquer maneira.
Apesar de ser uma festa universitária, o pessoal do direito parecia engravatado demais para quem ainda estava na faculdade. A maior parte da turma era composta por homens e boa parte deles usavam roupas sociais, o que era extremamente vergonhoso e sexy na mesma medida. Era uma sexta-feira à noite, então muitos alunos estavam saindo direto da aula. Outros, como Tsunade e eu, foram convidados, pois faziam parte de outro instituto. Diferente do pessoal das humanidades, eles tinham mais dinheiro e bebidas mais caras — drogas mais caras também, por sinal.
— Certo, qualquer coisa me liga ou manda uma mensagem, beleza? — Tsunade pediu. — É sério, Rin. Nada de sair sem me avisar. É perigosa essa coisa da gente se dividir e acabar saindo com desconhecidos… Pode dar merda qualquer hora dessas… Esses dias quase deu merda pra Shizune… Saiu com um drogado… As coisas quase que não acabam bem...
Reviro os olhos para os avisos de Tsunade, sei que ela é preocupada, mas eu sei me cuidar.
— Tá bom, pode deixar.
Nos desencontramos logo em seguida. Apanhei uma garrafa de cerveja minutos depois. Notei muito facilmente que por ali as músicas eram menos animadas e os homens mais boçais. Advogados são mesmo do pior tipo. Suspiro, frustrada ao notar que será uma noite improdutiva. Ninguém chama minha atenção o suficiente para valer a pena e a bebida é cara demais para que eu possa encher a cara. Também esqueci de trazer meu maço de cigarro.
Sento-me no banco mais próximo e observo outras meninas se esgueirando pelos corpos e alcançando as bocas que queriam. Começo a ficar entediada porque a música não faz meu tipo e os homens parecem desinteressantes... Talvez daqui alguns anos eles comecem a adquirir o charme que apenas canalhas com um diploma de direito podem oferecer... Mas, por agora, são todos sem graça.
Tsunade costuma dizer que o problema sou eu. Ela diz que eu só gosto dos que não prestam. E é verdade. Não posso discordar dela. Às vezes sinto saudade de Nagato e do que tínhamos, que de fato nunca passou da página um. Ele continuou a dar aulas de história e eu me mudei. Ele cansou de se divertir e agora eu não era mais uma aventura proibida e perigosa. O risco era a paixão. Acaba o perigo, o desejo se esvai. Ele teve o suficiente de mim e isso foi tudo. Não posso julgá-lo quando sou seu mais perfeito par: só me atraio pelo que não posso ter. Entediada, começo a descascar o esmalte marrom de minhas unhas.
Nagato...
Eu gostava de suas camisetas de banda, do seu cabelo vermelho e dos seus beijos agressivos.
Em meio aos pensamentos, um garoto se senta ao meu lado. O desconhecido tem olhos castanhos e cabelo claro. Os lábios são cheios e ele tem um brilho de quem nunca se partiu. Dou um sorriso.
Será um prazer, ser a primeira.
E, de fato, é isso que acontece. Em poucos minutos, estamos nos beijando fervorosamente contra uma pilastra. A música não melhora e o ambiente fica mais escuro. Ele tem cheiro de perfume importado e sei que suas calças custam mais do que o mercado dos meus pais. Ele mal consegue descer suas mãos pela minha cintura. Parece respeitoso demais para pegar na minha bunda. Inexperiente e ingênuo. Doce como rouxinol.
Mas tudo muda rápido demais.
De repente, sinto a brutalidade com que o garoto se afasta de mim. Não. Ele é arrancado de mim. Arremessado para longe. Abro os olhos, assustada. Na minha frente, a figura de Nagato Uzumaki. Meu coração dispara. E, pela primeira vez, não é de uma ansiedade boa. Os olhos dele estão avermelhados. O cheiro de bebida é tão forte que está impregnado nele, e é possível sentir mesmo estando longe. A postura agressiva assumida pelo peito que sobe e desce com velocidade a ponto de ser visível me causa uma sensação ruim.
— Então você já está com outro, sua vadia? — grita ele.
Não consigo sequer processar o que está acontecendo. Como Nagato chegou ali, como ele sabia que eu estaria ali, ou o porquê disso tudo. Faz ao menos um ano e meio que me mudei e, desde então, ele nunca respondeu sequer uma das mensagens que lhe mandei. Além disso, todas as vezes que voltei à Konoha para visitar meus pais, ele dava um jeito de abandonar a cidade. Kushina havia me contado que ele estava namorando outra aluna. Uma versão mais jovem e bonita de mim.
Ele se aproxima ainda mais, as mãos dele vão direto pro meu pescoço. Seus dedos longos e grossos se fecham em torno da minha garganta. E não é a primeira vez que eles o fazem.
Mas é a primeira que sinto medo do resultado.
— Você é suja, garota. Perversa. — murmura ele. — Uma vadia podre de quinta. Você não vale um centavo.
Suas palavras não me assustam, sequer me ferem. Ele precisa de muito mais do que isso para me ofender. Cuspo na cara dele, apesar do aperto firme. Estou vidrada demais em sua expressão de descontentamento e no cheiro da bebida, nos olhos avermelhados pelo uso de alguma droga que de pronto eu não sei dizer qual é.
Mas também não tenho tempo de descobrir.
Da mesma forma que o garoto que eu sequer sabia o nome é arremessado, Nagato também ganha sua porção de violência. Um corpo mais alto, mais forte e desconhecido alcança minha visão. Está ocupado demais batendo em Nagato. Ele atinge um soco em sua face. Depois outro. E então mais um. Ele grita alguma coisa. Neste ponto, as pessoas se aproximam. Alguns garotos torcem para que a briga dure mais, outros tentam apartar. Entre eles, um garoto alto, magro e de pele albina. Seu cabelo está raspado. Ele tem uma tatuagem no braço e as mangas da blusa social esgarçadas. Ele se mete na briga apenas para expulsar Nagato e ajudar o moreno que interviu primeiro. Apesar disso, eles não conversam entre si. Outros caras se reúnem para enxotar o Uzumaki da festa.
Eu olho para tudo como uma espectadora que não participa da ação, mesmo sendo a protagonista.
Sou como uma espécie de fantasma.
Olho para o lado, buscando uma forma de deixar a situação e fugir dali. Mas é tarde demais. O rapaz alto e moreno que bateu em Nagato está vindo em minha direção. Ele é bonito e seu rosto também não me é estranho. Os cabelos são escuros e espetados. A pele é bronzeada e os olhos são negros. Ele tem uma feição preocupada e gentil. É muito alto. E muito forte. Em outra ocasião, seria o problema perfeito para aquela noite.
— Está tudo bem, Rin? — pergunta ele.
Sua mão se aproxima gentilmente do meu braço, como se para checar se algo aconteceu. Ele olha para o meu pescoço, onde a marca vermelha dos dedos de Nagato ainda deve estar sumindo.
Abro a boca, sem saber o que dizer. Como ele sabe meu nome?
— Estou bem. — murmuro. — Da onde me conhece?
— Não lembra de mim? — pergunta ele, um pouco decepcionado.
Sinto-me constrangida de falar a verdade. Mas não vou saber prolongar a mentira.
— Desculpa, eu bebi muito essa noite e…
— Tá tudo bem. Eu sei que mudei muito… — desconversa ele, brincalhão. — Uchiha. Obito Uchiha, filho da Baru… Que fez o seu bolo de aniversário de dezoito anos… A gente conversou um pouco no seu aniversário do ano retrasado… — explicou ele.
A ficha caí.
O garotinho assustado e gentil. Um ato de gentileza e um choque nos olhos diante do cigarro entre meus dedos. Obito Uchiha havia se tornado um homem bonito. Um homem charmoso, forte e encantador. Mas, cruelmente, havia mantido sua gentileza diante dos músculos e da beleza.
Aquela era uma arma detestável e perigosa.
Obito estar ali não era uma coincidência. Minha mãe havia comentado que o filho de Baru estava cursando direito na mesma faculdade que a minha, e eu havia explicado que os campus ficavam distantes uns dos outros. Eu quem estava pisando na terra dele, de qualquer forma.
— De todo modo, está tudo bem mesmo? Não quer que eu te leve na enfermaria ou coisa assim? Seu pescoço…
— Está tudo bem. — corto ele. — Eu juro. Desculpe não me lembrar de você…
— Tá tudo bem. Isso é o de menos. A gente resolve com uma cerveja depois. — brinca ele. — Tem certeza de que está bem? Aquele cara foi um babaca do caralho com você! Sorte a dele que todo mundo aqui sabe que não vale a pena gastar o réu primário ainda…
Dei um sorriso.
— Está tudo bem mesmo, eu juro. — respondo. — Obito Uchiha, hein? Você cresceu… — comento.
Ele abre um sorriso tímido.
— É o que dizem por aí… — comenta, dando de ombros. — Quer ir para um lugar mais tranquilo? A música está alta aqui… — ele diz.
— Pode ser. — concordo.
Ele me guia entre as pessoas. A festa é no espaço estudantil da turma do direito, que fica localizado no primeiro andar do prédio, de frente para o jardim. Obito me leva até lá. Andamos até o balanço do outro lado, onde há um pequeno lago. Sentamo-nos em um banco próximo.
— Então… — começa ele. — Devo perguntar algo sobre aquele cara ou… ?
Suspiro.
— Faz pelo menos um ano e meio que não falo com Nagato. Juro. — explico-me.
E de repente, não sei porque estou me explicando para ele.
— Não sei como ele veio parar aqui. Não sei nem como ele sabia que eu viria para cá… — comento, passando as mãos nos fios de cabelo soltos do coque que eu havia feito antes de tudo aquilo começar.
Obito me observa.
— E eu sei que você está me julgando ou…
— Não estou te julgando Rin. Na verdade, quem tem a péssima mania de julgar os outros é você, se bem me lembro. — devolve ele de forma afiada.
Surpreendo-me pela resposta rápida e pela sua crítica inesperada. Gosto de como agora ele sabe se defender. Nada do garotinho assustado.
Dou um sorriso.
— Nunca me perdoou por não ter te beijado no meu aniversário, né? — provoco, sabendo muito bem que naquele dia ele queria uma lasquinha do que jamais poderia ter.
Ele ri. E a risada dele é gostosa.
— Não se preocupa, você vai ter sua chance de se redimir comigo. — rebate ele, com um sorriso charmoso sobre os lábios rosados. — Mas, voltando ao assunto, é estranho que esse cara tenha vindo pra cá te procurar… Pra ser sincero, eu sei que não é da minha conta… Mas aquilo no seu aniversário… — Ele começa, inseguro.
Mas eu o corto antes mesmo que termine.
— Era errado. Tô sabendo. Sempre soube. Fiz porque quis. Não se preocupe, não sou uma garotinha inocente. — respondo categórica. — Tinha consciência disso… Estava sob o meu controle.
Obito concorda com um gesto de cabeça, mas diz:
— Não tem nada sob o nosso controle, Nohara… — E dá de ombros. — Fica esperta com esse cara. Se precisar de ajuda…
— Sei me virar. Tenho garras afiadas, Uchiha. — respondo, brincando com ele e flertando ao mesmo tempo.
E de fato, não quero saber de Nagato.
Ele ri.
— É bom saber…
E a noite passa. Descubro que estar ao lado de Obito é divertido, leve como uma pluma. Esqueço da música sem graça, da bebida cara, dos boçais e dos canalhas. Esqueço da necessidade de tragar e de me embriagar. Ele fala sobre a universidade, conta que está cursando direito, mas que teve de atrasar o vestibular porque serviu no exército ano passado e, por conta disso, é calouro ainda. Também me diz que odeia advogados e que, só está cursando direito para conseguir prestar o concurso para ser policial e ascender até o posto de delegado. Digo que ele é louco, mas que pode fazer o que quiser com um metro e oitenta. Ele me pergunta como vai o curso de letras e eu me surpreendo por ainda lembrar. Dou um sorriso. Respondo que vai bem e que detesto Mallarmé, mas amo Flaubert. Uchiha me diz que eu tenho mesmo um pouco de Emma Bovary no sangue. Dou risada. Ele compra duas cervejas para nós. As estrelas brilham no céu. A lua ilumina a noite e nossas peles expostas. O sereno da noite é nossa manta.
Mordo os lábios. Ele dá um sorriso de matar a cada duas ou três frases. Imagino como suas mão ficariam ao redor da minha cintura. Como seu corpo grande ocuparia espaço demais e como me encaixaria perfeitamente em seu abraço. Ele é tão gentil que me sinto um pouco derretida. Ele fala como se me conhecesse e de fato sinto que conhece. Ele escuta com paciência e responde com interesse. Sequer me lembro dos olhos de Nagato, do seu aperto e de suas palavras sujas. Não me importo com isso. Não quero pensar nisso quando for deitar.
Ele fala sobre Konoha, sobre os bolos de sua mãe e as ligações preocupadas. Conta que está morando em um apartamento pequeno no centro da cidade e que posso visitá-lo sempre que quiser. Ele diz pra gente marcar de almoçar junto qualquer dia desses. Dou risada quando ele diz que sabe fazer um carbonara maravilhoso e eu retruco dizendo que isso é clichê e que homem só sabe cozinhar a droga de uma única massa. Ele ri, concordando. Falamos sobre música também. Eu digo que o Blink-182 é uma das melhores bandas que eu já ouvi. Ele concorda, mas argumenta que o Paramore também é impecável.
Depois, estamos falando sobre a festa. Ele me pergunta se estou saindo com o Erick. Não entendo o que ele quis dizer. Depois me dou conta de que esse pode ser o nome do garoto que eu beijava antes de Nagato aparecer. Com um sorriso sem graça, respondo que não.
— É só mais um coração que Rin Nohara vai quebrar? — pergunta ele.
Estou enrolando o dedo no cabelo.
— Quem sabe? — Dou de ombros.
Ele se aproxima, deixando a garrafa de cerveja no chão, sobre a grama. Os olhos dele parecem ainda mais bonitos. De perto, posso ver a mandíbula bem marcada, o queixo anguloso e as sobrancelhas grossas que dão um ar ainda mais sério a ele. Apesar disso, a proximidade entre nós me deixa um pouco tonta. Não me lembro a última vez que me senti assim: vulnerável e interessada.
Mas não pude descobrir como aquela noite iria terminar se eu me aproximasse mais. Tsunade chegou animada, dizendo:
— Encontrei você! Ah! Obito! Quanto tempo! — gritou ela. — Que coincidência incrível! — Ela já estava meio bêbada.
Obito riu, afastando-se.
— Bom te ver, Tsunade!
— Eu acho que essa festa deu pra mim, Rin — comentou ela. — Só tem playboy engravatado e tudo é mega caro! — reclamou. — Vamos voltar pro seu dormitório hoje?
Suspirei, Tsunade, infelizmente, tinha razão.
— Vamos sim… — concordei. — Acho que já deu nossa hora mesmo… Obrigada por hoje mais cedo…— disse a ele.
Ele se levantou, ofereceu uma carona, mas nós recusamos. Ele insistiu, mas ainda assim rejeitamos. Não queria que ele fosse até o meu dormitório. Não hoje.
Não ainda.
Nos despedimos e tomamos o ônibus de volta. No caminho, passando pela cidade escura, peguei-me pensando o que teria acontecido se Tsunade não tivesse interrompido.
Hoje, já morta, pego-me pensando o que teria acontecido se eu tivesse aceitado a carona, tivesse beijado-o...
Tivesse escolhido Obito…
***
Konoha, 2024
Dias atuais
Por volta das três da tarde, toda a cidade sabia que Rin Nohara havia sido encontrada morta. Na escola, seus alunos choravam. Ela era uma professora querida. Não havia quem não gostasse das suas inspiradoras aulas de literatura e da sua voz apaixonada, ou mesmo dos seus olhos que brilhavam quando ela contava uma anedota ou outra sobre um autor que lhe interessava. Eles riam quando ela dizia que um dia, se morresse, morreria de amor. Mas a notícia, quando dada, não fora nada romântica. Apesar dos pesares, para Konoha, uma cidade na contramão do centro e das mudanças, o suicídio ainda era um tabu. As pessoas sussurravam fofocas sujas sobre Nohara. Ela estava amaldiçoada, sua alma iria direto para o inferno.
O fantasma dela estava rondando a cidade, amaldiçoando todos os amantes.
A mãe, ao receber a notícia, desmaiou. O pai não conseguiu ampará-la, tamanha dor no peito. As ligações só foram feitas mais tarde. A irmã mais velha de Rin deixou um vaso cair e quebrar, assustando o filho mais velho quando a notícia chegou pelo telefone. O irmão do meio quase bateu o carro no percurso de ida ao trabalho. Tsunade e Konan ficaram em choque. E a dona Amélia, que vendia bolo na rua de trás da casa de Rin, chorou ao pensar que nunca mais veria a bela professora, e que o sabor de pistache, que era seu favorito, pararia de ser comprado por ela. A dona da livraria, que sempre telefonava à Rin avisando das novidades, sentiu o coração apertar.
Mas Kakashi, que fora quem encontrou seu corpo sem vida sobre a cama, virou mais um copo de uísque. A bebida amargou em sua garganta. Era o terceiro. A polícia em sua casa, vasculhando suas coisas, tirando fotos, analisando papeladas… Tudo isso o deixava nervoso. Ele não conseguia processar o que viria a seguir. Seu peito doía e ele não sabia o porquê.
Ele sentiu frio. E era como um abraço de um espectro maligno, sussurrando que sua vingança estava chegando.
De uma forma ou de outra, os mortos voltavam para pegar o que era deles.
Notes:
Esse capítulo é um misto de coisas, né?
Mas, agora, acho que oficialmente, nossa história começa. Nossa protagonista morta é uma narradora pra lá de intensa e suas intenções são as piores: note, ela não é inocente. Ninguém é.
Ninguém.
Façam suas apostas!
Te espero no próximo capítulo :)
Chapter Text
Konoha, 2024
Dias atuais
É engraçado como as coisas acontecem. Quem diabos imaginava Rin Nohara morta? A esposa perfeita e feliz. A vida na casa da avenida principal. O marido dos sonhos. Nada é tão perfeito assim. Conforme o tempo passa, as máscaras caem, a maquiagem derrete e o relógio revela a plasticidade das formas. Ninguém sobrevive à revolução: ninguém deve ser poupado.
Mas ainda há de se ter páginas a discutir…
Quando Obito chega em casa no final da tarde, sua mulher o recebe com um abraço apertado e um beijo singelo no rosto, onde a barba está por fazer.
— Dia difícil hoje, não é querido? — Ela passa os dedos suaves por sua pele.
A voz dela é melodiosa e compreensiva. Mei Terumi era uma mulher linda. Os olhos verdes em contraste com o cabelo naturalmente acobreado lhe deram uma beleza notável. Isso, se somado com o fato de que ela era praticamente uma santa, contribuíam para que ela tivesse um ar quase místico, como se ela fosse uma espécie de ninfa ou coisa do tipo. Obito era grato por ter encontrado alguém como Mei para realizar seu sonho de ter uma família.
Ele devolve o abraço apertado, unindo a cintura dela a dele, encaixando o rosto na curvatura do pescoço de Mei, tendo que se abaixar para fazê-lo. A ruiva tem cheiro de flores recém colhidas, de canela e café fresco. Ele não poderia desejar nada melhor para si. Mas se tratava de um dia difícil e por mais gostoso que aquele afago estivesse, os problemas não sumiriam com tanta facilidade assim...
Hoje, em específico, era um dia difícil.
Rin Nohara estava morta.
E, apesar de ser passado, ele a amara por muito tempo…
— Sim, hoje foi pesado — respondeu ele, deixando um beijo rápido sobre a nuca da esposa.
Mei se afastou e olhou para ele com compaixão.
— Eu imagino, querido… — respondeu. — Vem, vamos jantar… Preparei sua massa favorita… Se quiser uma massagem durante o banho… — sussurrou a última parte algumas notas abaixo do tom natural da voz.
Obito sorriu. Mas era um sorriso amarelado, sem graça. Não queria dizer não a sua mulher, mas não estava exatamente no clima.
Era fato de que ele precisava de um bom banho mesmo. Mas também precisava descobrir quem havia matado Rin — isso, é claro, se de fato fora um assassinato. Massageando as têmporas, ele avisou à Mei que iria tomar banho sozinho, sua cabeça estava cheia demais até para pensar em sexo. Ela, compreensiva como era, entendeu. Sempre entendia. O Uchiha ligou o chuveiro do banheiro do andar de cima e se demorou embaixo d’água. Se hoje havia sido difícil: a inspeção na casa de Nohara, o choro dos familiares na delegacia, as pessoas comentando na rua na hora do almoço entre outras coisas, ainda havia amanhã a pior parte: o funeral. A cidade inteira iria. Obito e Mei também teriam de comparecer.
A família de Rin estava inconsolável. Obito sentia por eles. Não conseguia imaginar a dor de perder seu próprio filho. Somente a menção causava-lhe uma dor no peito insuportável. Deus do céu!
Contudo, ele mesmo sofria de um sentimento de perda. Ele conhecia Rin.
Eles eram próximos.
Ou melhor, foram…
***
Capital, 2009
15 anos atrás
A nossa história havia começado muito antes e isso é um fato. Mas acho que naquele dia, as coisas enfim se estabeleceram entre nós. Naquela época, eu ainda não sabia que Rin não era uma garotinha indefesa, o que foi um erro crucial de minha parte: eu já deveria saber que ela era o caçador e não a presa. Isso sempre ficou estampado para todos, menos para mim. Eu não poderia ignorar seus olhos grandes, seu sorriso gentil e seu jeito desinibido. Não poderia ignorar o fato de que, por trás daquela falsa pose de durona, ela era gentil e simpática. Ela era encantadora.
Mas todas as criaturas malignas são.
Elas atraem os inocentes e, os humanos, estúpidos, apesar de farejar o perigo e apesar do instinto recomendar que se recue e dobre a próxima direita, nós optamos por ignorar. Silenciamos nossas primitividades, deixamos de lado toda e qualquer medida de proteção, caminhando de encontro com a morte. Ao invés de escolhermos nos salvar, escolhemos nos queimar — conscientes dessa escolha. Somos naturalmente suicidas.
E foi exatamente o que eu fiz.
Estava na biblioteca do prédio principal do curso de direito. Ao meu redor, estava cercado de livros e copos médios de café da cafeteria mais próxima. Meu MP3 havia acabado de descarregar e, por tal, eu não tinha outra escolha a não ser ler e prestar atenção na leitura. Odiava direito internacional, visto que não usaria para nada, uma vez que almejava o curso para delegado e não tinha a menor intenção em prestar o exame de OAB para advogar.
Kakuzu, que estava ao meu lado, mastigava M&M’s como uma vaca come pasto. O barulho de sua mastigação era o suficiente para que eu não conseguisse me concentrar e não importa o quanto de café eu ingerisse, parecia impossível entender as palavras escritas no livro.
— Cara, você tá há mais de três horas no mesmo texto — Kakuzu fez questão de pontuar.
Não que precisasse, claro.
Revirei os olhos em resposta. Eu estava pronto para responder algo, mas o movimento na estante atrás de mim chamou minha atenção. Alguém havia retirado um exemplar de “Antígone” de Sófocles, que estava posicionado atrás de mim. A pequena seção de teatro grego que tinha menos do que uma prateleira na grande estante da biblioteca, apesar de imperceptível, era bem frutífera para as aulas de direito romano. Era comum que se estudasse um pouco das peças para ter uma mínima de onde retiravam seus exemplos para construir sua lei. Sua dura lei. Mas a lei. Era engraçado como eu conseguia focar em coisas menores, como por exemplo, as tragédias gregas e não a metodologia do estudo de direito.
Foi quando notei a pessoa coberta pelos livros. O rosto de Rin se iluminou ao que ela me viu. E foi tão claro e aberto que era como se ela não fosse capaz de esconder absolutamente nada. Seus olhos grandes e brilhosos sorriam para mim, acompanhados de sua melodiosa voz ao dizer:
— Obito!
Era a desculpa que precisava. Fechei o livro de Teoria Geral do Estado. Levantei-me e fui de encontro com Rin. Ela também veio ao meu encontro. O cabelo estava mais curto. Ela havia cortado de forma que a parte da frente fosse mais longa do que a parte de trás. Ficara ainda mais linda do que da última vez que havíamos nos encontrado. Sem a maquiagem forte e as meias arrastão, apenas calça jeans de lavagem escura, all star e um cardigan cor de canela. Sobre o pescoço, uma correntinha fina de prata com o símbolo da cruz.
Sem que eu esperasse, ela me abraçou. Seu pequeno corpo chocou-se de encontro ao meu. Ela era frágil. Ao menos, parecia. O cheiro de seu perfume era doce, do tipo que gruda nas narinas e você fica o dia inteiro sentindo. Parecia proposital, como se ela mesmo já não fosse inesquecível o suficiente. Fechei meus braços em torno dela, abraçando-a de volta. No mais, sentia-me praticamente grato em tocá-la.
— Bom te ver por aqui…— sussurrou ela.
Senti-me meio vazio quando ela escapou dos meus braços. Uma sensação estranha. Apesar disso, vê-la também era um acalento.
— O que faz aqui? — perguntei, olhando ao redor.
O campus do direito ficava distante do campus de letras. Apesar de ser uma faculdade de humanas, para o elitismo universitário, o direito era muito mais requisitado e se tratava de um curso muito mais nobre e, portanto, merecia um espaço somente para si, diferente de letras, história, geografia, filosofia entre outras humanidades.
— Precisava desse exemplar… Parece que essa tradução em específico só tem aqui… — Rin explicou.
Claro. Ela não estaria ali para me ver.
— Ah… — Cocei a cabeça, sem graça. — Certo. Essa tradução é realmente boa… Já li, inclusive. — comenta.
Rin sorri. E o sorriso dela é lindo e doce.
— Sério? Não sabia que gostava de literatura clássica… — disse ela, interessada.
Dei um sorriso sem graça.
— Para ser honesto, li para a aula de direito romano… — expliquei. — Mas eu realmente gostei… É muito bom!
Rin deu uma risada fraca e um pouco irônica. Era difícil traduzir suas expressões para o que ela exatamente queria dizer ou o que estava realmente pensando.
— O que foi? — indaguei.
— Tenho absoluta certeza de qual foi o lado que você defendeu.
— Como? — indago, curioso quanto ao seu prévio julgamento sobre mim.
Ela tinha essa mania de ler as pessoas muito bem e colocá-las em pequenas caixas destinadas ao que pensava delas; esse é muito frágil, esse é muito muito forte, esse é astuto e esse é covarde. De início, eu sabia que ela não tinha muitas expectativas em relação a mim. Mas agora eu tinha uma breve esperança de que o ocorrido com Nagato na festa pudesse ter mudado sua visão. Não sou nenhum inocente, sei muito bem que, anos atrás, em sua festa de aniversário de dezoito anos, ela havia me achado um garotinho idiota e ingênuo.
E, bem, talvez, naquela época, eu de fato fosse.
— Provavelmente da Antígone. Escolheu a philia ao invés da polis. — disse ela. — Apesar de saber que deveria ter escolhido a polis.
Rin era um ser enigmático. Ela parecia me conhecer em cada canto, ao passo em que também me deixava surpreendê-la. Eu gostava de ver seu interesse em mim, gostava de ser seu objeto de desejo. Honestamente, não me importaria de ser usado por si. Gostava disso mais do que podia admitir… E isso, bem, isso já dizia tudo sobre minha ingenuidade.
Não era genuíno. Era apenas consciente.
— E você, o que escolheu? — perguntei, curioso.
— Você não me disse se eu acertei… — O lábios em formato de coração me concederam um sorriso. — Mas eu escolheria Antígone também. A cidade é importante… Mas nada bate o amor, não é?
Acenei com a cabeça. Seu palpite ‘a qualquer hora’ estava correto. Mas isso não significava que eu não entendesse a importância da cidade, só que às vezes deixava a emoção falar um pouco mais alto…Afinal, quem decide quais são as escolhas sóbrias das escolhas passionais? Se tudo é uma construção social, a moral e a ética também não seriam? Se tudo é volátil, isso também não seria?
A verdade é que algumas coisas se sobressaiam no lugar de outras.
A razão é simples: porque nós mesmos queremos.
— A típica garota de letras apaixonada por Romeu e Julieta… — Eu digo, caçoando dela, desviando também o foco.
Ela revira os olhos.
— Da história deles, gosto só da morte. —Rin profere tais palavras com um tédio e uma casualidade assustadora.
Os olhos são meio inquisidores. Oblíquos. Nublados. Às vezes olho para ela e vejo um código em seu lugar. A chave para algo maior. Um mistério a ser resolvido. Parece sempre estar escondendo alguma coisa. Sinto vontade de investigá-la, procurar suas pistas, debruçar-me sobre possíveis soluções. Uma incógnita que eu gostaria de me dedicar a resolver…
A verdade é que eu pensava que poderia consertá-la.
— Por quê? — questiono.
— A ideia de que alguém te ame com tanto fervor que não hesite em morrer por você é… — explica, e a voz parece uma súplica e ao mesmo tempo uma ordem, ao passo em que ela faz um suspense ao revelar a última parte. — Muito mais excitante, não acha?
O sorriso agora é malicioso. Ela cruza as pernas. E tudo nela exala uma energia sensual que me faz ficar meio tonto. Eu a quero de um modo romântico, de um modo idealizado. Mas ela parece ter essa força em me fazer pensar em coisas que jamais me peguei pensando.
Sexo não era o problema, nunca foi. Sempre me senti confortável com a ideia. Não era nenhum conservador e não seria a primeira nem mesmo a segunda vez. Mas ela me gerava algo diferente. Era mais do que desejo ou vontade. Era uma força, uma necessidade, algo primitivo e fora de controle. Era enlouquecedor.
E isso fora desde a primeira vez que eu a notei, de fato.
Rin e eu estudamos na mesma escola, em horários diferentes. Eu a via na rua, andando por aí ou trabalhando no mercado de seus pais. Até então, ela era só mais uma garota bonita de Konoha. Mas, depois de seu aniversário, algo havia mexido comigo. Talvez fosse a forma como ela se comportava quando distante dos olhares supervisionados dos adultos. Aquele jeito inocente e malicioso. A forma dissimulada e petulante. Para mim, parecia uma espécie de armadura para encobrir a fragilidade e o medo da vulnerabilidade.
Eu era um amante de quebra-cabeças quando criança. Gostava de analisar as peças fora do lugar e montar em minha própria mente a forma como elas poderiam se encaixar. Costumava pensar que poderia redesenhar as coisas, montar da forma que me agradasse. Queria encaixar em espaços que certamente não cabiam, mas com alguns ajustes ali e aqui, poderiam servir perfeitamente. Infelizmente, aprendi cedo demais que as coisas não funcionam assim. Não no amor.
Você não pode reescrever a história. Você não pode consertar as pessoas.
Não podia negar também que, por noites, sonhei com os gemidos silenciados dela desde a vez em que a flagrei com Nagato. Eu não era um observador nato, não gostava de atrapalhar a privacidade de ninguém, visto que eu mesmo preservava muito a minha. Mas o ato falho daquela vez me rendera uma experiência tão estranha que não pude me afastar: eu estava excitado e ao mesmo tempo chocado. Não era só um cigarro entre os dedos, não era só um beijo… Era algo quase cósmico. A forma como ela se mexia e seu corpo arqueava e como se entregava e, então, o tédio voltava a sua expressão. Eu sentia vontade de absorver aquela imagem tediosa, fazê-la estar sempre suspensa no ar, com aqueles olhos brilhantes e os lábios febris. Eu queria fazê-la delirar.
Após ouvir tais palavras, tentei não deixar o sangue subir as bochechas. Eu não era mais o garotinho bobo que perdia o tempo de reação diante dela. Não mais.
— É, parece algo intenso. — respondo. — Mas morrer parece demais, não acha? — respondo, agora inseguro, pensando que optei pela resposta errada.
E então ela diz:
— Morrer parece a medida perfeita.
E sinto um frio percorrer os ossos. Mas ela dá uma risada baixa.
— Estou brincando… — murmura depois. — Acho que preciso ir… — comenta. — Afinal, tenho uma peça pra ler… — Ela balança o livro nas mãos.
Apesar de dizer isso, não se move sequer um centímetro para longe. Sinto que é minha chance.
— Por que não vai comigo lá pra casa hoje? — digo sem pensar muito. Depois, reformulo: — Digo, a gente pode estudar juntos… Posso cozinhar o clichê de todo homem, como você mesmo diz. — brinco.
Ela descruza as pernas. Coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha.
— Claro. Por que não?
Me apresso em voltar à mesa onde antes estudava. Kakuzu, que observava de longe a cena, apenas sorriu pra mim e fez um gesto de “joia” com as mãos, sinalizando que eu havia me dado bem. E, de fato, eu havia.
Juntei minhas coisas com pressa e coloquei tudo na mochila, jogando-a sobre os ombros, voltei para onde Rin me aguardava. Acompanhei-a até a recepção da biblioteca, onde ela informou seus dados para a retirada do exemplar. Fomos conversando até onde meu carro estava estacionado. Na época, desfilava por aí com o Honda Civic que meus pais tinham me dado de aniversário. Não era o modelo do ano, mas era lindo e potente. Rin também parece ter gostado, já que comentou que qualquer coisa era melhor do que pegar o ônibus lotado de volta pro dormitório.
O caminho até lá foi mais descontraído. Ela me contou sobre a faculdade, os trabalhos de lírica e épica grega que precisava escrever e como detestava a aula de linguística. Eu também compartilhei um pouco das minhas frustrações em relação ao curso. Quero dizer, só estava ali para que conseguisse prestar o concurso para delegado, apesar dos meus pais almejarem uma coisa maior para mim… De todo modo, parecia que os professores só se importavam com a droga do exame da OAB que eu realmente não me importava.
Estacionei o carro na garagem do pequeno apartamento próximo ao centro, onde eu morava. Já passava das quatro e meia da tarde. À noite, eu teria “Teoria Geral do Estado”, mas já estava determinado a matar aquela aula. Kakuzu poderia me passar a matéria depois. Repassei todos os ingredientes disponíveis que eu tinha em meu armário, o que não era muito, mas o suficiente para cozinhar um carbonara.
Quando subimos, Rin se demorou ao analisar cuidadosamente meu apartamento. Ela elogiou a organização e disse que não esperava que o apartamento de um homem fosse tão limpo. Nos divertimos naquela noite. Eu lavei as mãos e comecei a preparar o jantar. Ela se acomodou no sofá e ligou a televisão, reclamando da programação da TV aberta. Logo depois, começou a mexer na minha coleção de filmes, colocando “Velozes e Furiosos” para passar. Eu perguntei se ela estava tentando me agradar e ela riu, alegando que se eu quisesse pensar assim, tudo bem.
Ela me observava cozinhar. Tinha interesse em tudo que eu fazia. Na forma como fatiava o bacon e como conseguia quebrar os ovos com uma única mão. E, nos pequenos momentos em que eu captava a curiosidade genuína em seu olhar, rapidamente ela mudava de expressão. Eu achava graça no gesto. Não tinha vinho porque não era de beber e o máximo que pude oferecer fora um suco de uva integral — o que não estava tão longe do vinho. Rin disse que fora o jantar mais romântico que alguém já tinha feito para ela. E, considerando Nagato, eu acreditei.
Eu acreditei em cada uma de suas palavras. Cada uma de suas promessas.
Nós jantamos em meio a risadas e histórias de Konoha. Ela me falou sobre suas leituras, a dificuldade de morar longe dos pais e a percepção de um mundo onde era a única responsável por suas decisões ruins. Eu partilhei da ânsia em agradar meus pais e ser o filho perfeito. Dividimos naquela noite coisas pessoais demais para serem desditas. Ela reclamou sobre a idealização patética que as pessoas têm do amor e de como, para ela, era uma questão sobretudo carnal e depois meio política. Eu discordei veementemente, alegando que o amor era sim uma coisa platônica e diabólica de um jeito poético, também disse que, considerando que ela era uma beletrista, era uma coisa bem antipoética de se dizer sobre o tópos mais comum da literatura.
A gente deu risada.
O sorriso dela era mais leve, mais solto. Os olhos, menos inquisidores. Enquanto comia e bebia, parecia inofensiva. Para mim, vulnerável. Para mim, frágil. As armaduras estavam postas de lado, encostadas do lado da porta. Eu lavei a louça e ela ajudou a organizar no escorredor. Não tinha feito uma sobremesa adequada, mas ainda tinha sorvete de menta com chocolate no congelador. Ela disse que era o seu favorito. Comemos direto do pote, exagerando na calda de chocolate. Eu me encostei sobre a pia, ela ficou de frente para mim, encarando meus lábios sujos de doce.
— Vai esperar quanto tempo pra me beijar? — indagou ela de forma inesperada e direta.
Mas os olhos de felina já tomavam conta de sua expressão. E ela assumiu, mais uma vez, uma postura imbatível. Mas comigo aquilo não funcionava mais. Dei um sorriso meio descrente, tomando sua cintura para mim, pegando seu rosto com a outra mão e a trazendo direto aos meus lábios. Ela gostou da atitude.
Beijar Rin Nohara era gostoso. Como uma espécie de camaleão, ela assumia a postura que você desejasse. Ela se modificava para caber em você, alternando entre um beijo doce e gentil e algo mais forte, sensual. Eu não podia evitar a vontade de puxá-la para o meu colo, de fazê-la ceder aos meus desejos pessoais. E, no entanto, queria que fosse especial. Queria fazê-la sentir que o mundo não precisava ser tão sujo e realista. Segurava o queixo dela, ditando o ritmo que eu preferia, respeitando suas vontades quando ela investia um pouco mais fundo. Quando nossas bocas se desencontraram depois de longos segundos, os olhos dela estavam nublados e ela olhava para mim como se visse diante de si um mundo novo.
Eu sorri, ofegante. Ela mordeu o lábio inferior e voltou a me beijar. Nosso beijo era gostoso e fácil de acompanhar. Mas ela queria mais. Seus dedos se fechavam em minha nuca, ela jogava o peso do corpo sobre o meu. Uma de suas pernas se ergueu próximo a minha cintura. Minha mão a apanhou e a segurou ali. Ela se impulsionou para subir em meu colo. Agarrei seu quadril e sustentei seu peso, prendendo-a em mim. Ela sorriu de novo, satisfeita. Voltou seus lábios para mim. Dessa vez, não controlei os impulsos. Apertei seu corpo contra o meu, beijei-a com fervor de modo que, por um instante, ela jogou a cabeça para trás, com um sorriso boêmio nos lábios e a expressão de prazer no rosto.
Andei com ela até a sala. O apartamento era pequeno e o trajeto curto. Coloquei-a com cuidado sobre o sofá. Apoiei-me sobre o móvel e me deitei sobre o corpo dela. Ela se remexeu, ajeitando-se entre as almofadas. Beijei-a de forma suave e gentil. Mordi seus lábios e depois os lambi.
Eu conseguia ver a apreciação em seus olhos.
Sua aprovação me transformava em um homem possuído. Ela riu de forma maligna.
Eu estava arruinado.
Suspirando, ela me abraçou, dando beijos no meu pescoço.
— Acho que estou cansada…— sussurrou diabolicamente. — Podemos só dormir hoje?
— Claro… — respondi.
Apanhei seu delicado corpo para mim, invertendo as posições. Coloquei-a sobre mim. Ela se encaixou em meu abraço. Foi natural a forma como ela deitou sobre meu peito e como as minhas mãos embalaram sua cintura e seu braço. Ela se aconchegou, suspirando.
— Só pra você saber, isso não costuma acontecer no primeiro encontro… — diz ela, meio sonolenta.
Dou um sorriso satisfeito.
— Gosto de ser uma exceção. — respondo.
Ela sorri.
Naquela noite, nada aconteceu. Rin e eu não transamos. Ela pegou no sono. Eu também. Dormimos com as mesmas roupas que chegamos e com o gosto de suco de uva na boca. A respiração dela ricocheteava sobre a camisa azul de algodão que eu usava. O perfume dela intoxicou minha existência.
E ela penetrou minha mente como um parasita.
E foi nesse momento em que jurei que, se um dia morresse, teria de levá-la comigo. Jurei que, se um dia ela morresse, eu iria junto.
Sacrificaria tudo aos deuses em pró dela.
Nohara iria acabar comigo.
Notes:
Eu particularmente amei escrever esse capítulo do ponto de vista do nosso protagonista amado. Gosto muito de explorar um pouquinho do Obito, mesmo sendo a Rin nossa narradora oficial do passado.
Lembrem-se: apesar de ser uma história de investigação/crime/suspense, quero trabalhar com essa abordagem romântica a sombria, (porque isso é um dark romance) então se você não se sente confortável com isso/ não gosta, não leia. Dito isso, esse capítulo é um dos meus favoritos. E vocês, gostaram? Por favor, deixem seus comentários, isso me ajuda muito!
Afinal, quem matou Rin Nohara?
Chapter Text
Konoha, 2024
Dias atuais
O funeral de Rin Nohara estava cheio. Os pais estão inconsoláveis. A mãe tem as mãos trêmulas, ela grita de dor e geme o nome de Rin. O pai não tem forças para se manter de pé. A irmã mais velha e o marido estão reclusos. O irmão do meio é quem segura as pontas, mas as olheiras denunciam o quão a noite fora terrível consigo. Tsunade e Konan choram juntas, ao passo em que também contam anedotas de quando Rin era mais nova, na tentativa fúnebre de fazer com que Nohara mantenha-se viva por suas peripécias do passado.
Kakashi Hatake, o marido, é uma pedra. Está firme como o tronco de um carvalho. Suas íris estão secas. As bolsas arroxeadas embaixo dos olhos são o único vestígio da noite em claro que ele diz ter passado. Pela primeira vez em dias, não cheira a uísque. O relógio caro no pulso chama mais atenção talvez do que o terno de seda que fora importado. Os sapatos, engraxados, reluzem. Ele é um projeto criado e desenhado para estar ali. Se ele é assombrado, ninguém sabe.
Quem tem medo dos mortos, afinal?
A expressão impassível não era o esperado. Que marido não sente pela própria esposa? As pessoas cochichavam. Mas ele se manteve intacto. Costumavam dizer que os Hatake eram assim, de fato. Uma pedra de gelo fria e sem coração. Canalhas capazes de qualquer coisa por dinheiro. Sanguessugas preparados para extrair o que precisava ser extraído. Quando não, permaneciam como pedras brutas que se recusavam a serem lapidadas.
A cidade inteira estava presente no funeral. O resultado da autópsia iria sair duas horas depois do término da cerimônia. Mas já era um fato premeditado de que ela morrera de uma possível overdose — se provocada por ela mesmo ou por um terceiro, já era outro assunto. Um assunto da polícia, no caso.
Obito e Itachi estavam presentes. Ambos usavam roupas pretas. Apesar de não estarem bem vestidos, com ternos caros como Kakashi, eles usavam a cor em sinal de respeito. Obito, em sinal de luto também.
A família de Rin era católica e ela era batizada, apesar de ser o diabo. E, por tal, um bispo fora convidado para fazer a cerimônia, apesar da suspeita de sua morte ter sido suicídio e, neste caso, não havia oração que a salvasse do inferno.
Era algo simples. Ele lia a palavra e fazia uma grande oração coletiva, enquanto jogava água benta sobre o corpo morto de Rin. Ela estava bem maquiada, o cabelo sedoso, as bochechas coradas quase como se estivesse viva. Era quase como se fosse levantar dali a qualquer minuto e dizer que não passava de uma pegadinha de mal gosto.
E, se fosse honesto, era mesmo a cara dela fingir sua própria morte para irritá-lo, pensou Kakashi. E ele até gostaria que assim fosse. Porque apesar dos pesares, perdê-la era uma pena e tanto…
Tocava a versão instrumental de suas músicas favoritas. Desde Blink-182 até Evanescence. Conforme os anos passaram ela não mudou seu gosto. Continuou fiel ao rock das décadas passadas. As pessoas choravam, emocionadas. Era triste ver o corpo de alguém tão jovem sendo velado. Uma mulher que nem mãe era. Os cochichos eram muitos.
Obito olhava seu celular de cinco em cinco minutos. O doutor responsável pela perícia e autópsia de Rin lhe prometeu mandar uma mensagem antecipando o resultado. Ele tinha esperança de que Nohara fosse enterrada com uma certeza. Itachi, ele notou, estava próximo do Hatake. Eles conversavam sobre alguma coisa. O Uchiha notou como o primo tinha muito a dizer ao marido da falecida.
Fez uma nota mental disso.
A guitarra e o violino sussurravam as notas de Lonely Day do System Of A Down. Obito se lembrou como Rin gostava dessa canção. Algo se agitou dentro dele. Que coisa triste. Que fim triste. Que vida infeliz. Por que diabos Rin Nohara tinha de morrer? Que injustiça!
As pessoas diziam palavras bonitas. Apesar dos pesares, ela era meiga, carinhosa, bondosa, gentil. Um anjo para todos. Praticamente uma santa. Uma boa moça, casada há tanto tempo… Fiel! Como podia uma tragédia dessa magnitude acontecer com ela? Era lamentável…
***
Capital, 2009
15 anos atrás
— Não acredito que vocês só dormiram?! — Tsunade disse, indignada, enquanto pintava as unhas de vermelho sangue. — Quem te viu, quem te vê, Rin Nohara! Eu acho que eu estou chocada…
Fazia pelo menos duas semanas que eu não tinha tempo de conversar com Tsunade. Estávamos sempre atoladas de trabalho com o meio do semestre chegando. Por tal, não tive tempo de atualizá-la quanto a Obito. Acabamos por aproveitar a folga que teríamos no meio da semana, por conta de um congresso que mandaria mais da metade dos professores para fora do país, para podermos fofocar.
Dei um sorriso satisfeito com o que ela disse.
— Pois é. Quero ver até onde ele vai… — comentei maliciosamente.
Obito Uchiha era minha nova obsessão. O menino gentil, o bom moço filho de Baru e o futuro delegado de Konoha. Obito era promissor. Ele prometia um futuro brilhante e cheio de realizações fraternais que orgulhariam gerações da minha família. Filhos fortes e bonitos. Um bom marido. Uma bela casa. Apesar disso, tudo que me interessava era sua psicologia interna que o permitia ser servo e servido ao mesmo tempo. Ele era meu novo objeto de análise. Meu brinquedo favorito, que eu havia acabado de adquirir. Meus olhos brilhavam para ele.
Obito era bonito. Forte, musculoso. Seus traços robustos compunham uma pintura perfeita. Ele era inteligente e sensível. Mas havia algo nele que me irritava: sua gentileza e passividade diante da vida. Eu queria levá-lo ao limite. Eu queria vê-lo perder o controle. Sua postura submissa me tirava do sério. Queria vê-lo dominar. Queria vê-lo domar e não ser domado. Queria extrair dele tudo que podia. Queria provar o gosto salgado de sua pele. Queria mastigá-lo.
Absorvê-lo.
A gentileza era perigosa. Eu queria filtrá-la. Transformar sua arma em fraqueza.
Tsunade riu.
— Você é maluca, Nohara… — comentou minha amiga. — Completamente insana!
Eu ri também.
— É meu charme. Acredite, eles adoram. — respondi.
E era verdade. Os homens adoravam. Obito adorava. Era incrível notar como ele procurava com tanto afinco uma fragilidade em mim, parecia que queria justificar meu comportamento. Ele queria me consertar e eu me divertia em deixá-lo tentar. Gostava de ver como quase se soltava por completo e então desistia, voltava a ser o homem bondoso de sempre.
Voltava a si. Sempre.
Na manhã após a noite em que passamos juntos, acordei em cima dele. O Uchiha ainda dormia. Ele ficava ainda mais bonito desacordado. Uma beleza serena e despreocupada, uma vulnerabilidade selvagem que eu podia apreciar em particular. Ontem, eu queria ter ido até o fim. Infelizmente, quis provocá-lo, quis ver seus desejos frustrados e a raiva em seus olhos. Mas, ao contrário do que havia imaginado, eu havia ganhado o embalo de seus braços e partilhado o sono consigo. O que foi um pouco íntimo demais. Eu era acostumada a dormir na casa de outros homens após o sexo. Mas dormir com eles por livre e espontânea vontade, sem o elemento sexual como causa primeira, era uma coisa nova pra mim.
Não que fosse ruim. Mas eu queria o mal. Eu queria a pior versão de si.
Ele ficaria tão lindo sendo diabólico… Combinava mais com ele.
Obito beijava bem. Não só bem como qualquer carinha com quem já havia ficado, bem de um jeito gostoso. Ele ainda era meio tímido, podia melhorar. Mas tinha potencial. Às vezes conseguia me dominar, às vezes se empunha. Mas eu sabia que era uma tentativa de me agradar. Eu queria mais do que aquilo. Eu queria ele e toda a selvageria que poderia me oferecer. Eu queria ver aquele homem descontrolado que socou Nagato com fúria. Eu queria aquele homem que era capaz de fazer qualquer coisa por mim.
Eu queria o impossível.
E, felizmente, ele parecia tão disposto a dar tudo de si para tal…
Os homens poderiam ser perigosos, mamãe. Mas eu era mais.
Depois que acordei e o observei com atenção e cuidado, levantei-me e fui lavar o rosto. Escovei os dentes com creme dental e meu próprio dedo, numa tentativa de aliviar o hálito ruim de ontem à noite. O banheiro de Obito, como o resto da casa, era extremamente limpo e organizado. Os perfumes estavam enfileirados, todos importados. Demorei-me analisando sua coleção e depois tentei ajeitar meu cabelo que estava com frizz por conta do descuido de ontem…
Obito acordou minutos depois, em tempo de me flagrar saindo do banheiro. Eu disse que precisava mesmo ir. Não tinha planejado dormir lá. Ele sorriu sem graça e murmurou um bom dia meio sonolento, com a voz rouca e grave. Eu senti uma fisgada forte. Ele era perfeito — pensei. E, na hora, repreendi-me. Ninguém era perfeito. Mas eu queria-o tanto… Ele se levantou e me pediu uns minutos, pois queria tomar uma ducha. Eu quase me ofereci para ajudá-lo. Quase.
Voltei a me sentar no sofá. Vi quando ele se livrou da camisa e jogou no cesto de roupa suja, caminhando em direção ao banheiro e fechando a porta. Suspirei, apanhei minha mochila e procurei o celular para verificar se havia mensagens. Por sorte, minha mãe não estava a fim de falar muito ontem e uma ligação durante a manhã fora o suficiente para que ela matasse a saudade. Guardei-o na bolsa de volta e a coloquei sobre a cadeira. Liguei a televisão e comecei a assistir o jornal local, com as notícias do tempo, para me distrair.
Minutos depois, ele saiu com uma toalha enrolada na cintura e o tronco úmido pelas gotículas de água. Então ele também curtia sua própria tortura? Sorri, maliciosa. Cruzei as pernas. Ele voltou um pouco depois, vestido. Calça preta, discreta. Camiseta cinza.
— Vamos tomar café, depois você vai… — murmurou ele, balançando o cabelo úmido. — Se for tudo bem pra você, é claro.
A ordem veio primeiro. A condição depois.
Ele aprendia rápido. Isso era sexy.
Sorri.
— Tudo bem pra mim, mas preciso de um banho. Um banho de verdade. — respondi, remexendo-me no sofá.
— Se quiser tomar… Você tá em casa. — Ele deu de ombros, olhando atentamente pra mim.
A proposta era tentadora. Mas não. Se eu tinha conseguido me controlar ontem, hoje seria mais fácil.
— Não tenho roupas por aqui.
— Pode usar as minhas… — Ele ofereceu com um sorriso malicioso.
Ponto para o Uchiha.
Revirei os olhos, mas estava satisfeita. O banho eu poderia tomar assim que chegasse em casa, tomar café da manhã com o Uchiha eu já não poderia dizer o mesmo...
— Vamos logo — disse eu. — Estou com fome.
Ele apanhou as chaves do carro e descemos até a garagem. Obito dirigiu até uma padaria do centro. Estava me sentindo meio agoniada sem meu banho matinal. Entretanto, só poderia me dar ao luxo quando chegasse em casa. Precisava ser paciente com o Uchiha se quisesse transformá-lo no homem que eu idealizei. O rascunho era perfeito, mas a obra final ainda estava longe de estar pronta.
Nós tomamos café em uma mesa do lado da janela. Ainda era cedo, a maior parte dos estabelecimentos não tinham sido abertos ainda. Eu teria aula mais tarde e ele também, por tal, precisávamos nos apressar um pouco. O lugar era bonito e aconchegante. A comida era gostosa, o pão crocante e a manteiga deslizava facilmente sobre, derretendo na boca. O café estava quente e adoçado, do jeito que eu gostava. Mas Uchiha tomava o café puro, sem açúcar. Não conseguia imaginar o amargor em seus lábios…
— Você é maluco! — comentei. — Jamais conseguiria tomar café assim…
Ele riu.
A gente conversou mais um pouco. Tomamos o café. Ele pagou a conta. Depois, me deixou em casa. Na despedida, voltei-me para ele e o beijei. Foi rápido, mas intenso. Desta vez, puxou-me para perto com um pouco mais de força quando meus lábios já estavam pressionados sobre os dele. A força de seu toque foi como um vendaval; senti todo o meu corpo responder com entusiasmo ao estímulo. O carro estava estacionado em frente ao prédio, o que não era exatamente um lugar muito privativo, mas era de se pensar no improviso. Pensei que ele fosse me puxar para cima de si e arrisco em dizer que fantasiei isso... Mas Uchiha relutou para o contrário. O beijo terminou em um gesto singelo; com ele passando os dedos sobre meu queixo.
— Bom te ver, Nohara… — murmurou. — Amanhã, mesmo horário? — perguntou, com um sorriso ladino, de forma confiante.
Dei um riso descrente. Ele era um aluno perfeito.
— Todos podem sonhar, Uchiha… — respondi, saindo do carro e entrando no prédio.
E então, estabeleceu-se uma rotina entre nós durante aquelas três semanas que se passaram. Obito sempre tentava me mandar um SMS ou outro, alguns e-mails também, isso quando não podia aparecer de surpresa no meu campus, o que aconteceu pelo menos duas vezes nesse período. Entretanto, na última semana ele tinha estado ocupado e, por tal, nos falávamos apenas por mensagens. A casa dele ficava longe da minha e não era tão simples se encontrar lá. Além disso, depois daquela noite, não tínhamos repetido a dose. Não ainda. O que estava me enlouquecendo! Eu parecia uma enferma desesperada. Meu corpo chegava a ficar febril quando me lembrava dele. Eu sentia falta daquele sorriso divertido e apaixonado. Eu sentia faltas das mãos fortes e os dedos grossos.
Quanto mais tempo passávamos juntos, mais desejo eu sentia.
Eu queria vê-lo ceder.
E, no entanto, ainda não tínhamos feito nada demais. Não havíamos passado dos beijos. Ele era sempre muito respeitoso e eu queria que a atitude partisse dele. Odiava ter que pedir qualquer coisa. Parecia, para mim, uma ofensa que eu tivesse de dizer o que deveria ser feito. Eu queria algo maior. Queria uma conexão. Queria que ele simplesmente soubesse!
Agora, Tsunade e eu partilhávamos os esmaltes e as informações.
Eu tinha um trabalho de épica para escrever. Estava exausta. Não queria saber dos heróis, eles eram cansativos e faziam tudo por kléos¹, grande coisa. A minha memória e fama era o saciar do desejo absoluto do meu coração violento: queria Obito de uma forma assustadora. Nunca havia ficado tão fissurada assim em alguém.
— Imagina a cara da sua mãe?! — Tsunade falou. — Chegar em Konoha com o herdeiro dos Uchiha… Deuses! Ela choraria de tanto orgulho!
Revirei os olhos, contrária à ideia. Deus me livre tornar Obito e eu algo para ser comentado por aquela cidade podre. Àquelas pessoas nojentas e desesperadas como urubus atrás de carne podre. Não queria que Uchiha e eu nos tornássemos matéria de suas fofocas.
— Por isso que nunca farei isso. Não quero um casamento. Quero ele por agora. — disse eu, explicando-me.
Konoha saber da minha relação com Obito seria algo de outro mundo: nossas mães planejando nosso casamento, a cidade comentando e promovendo algo que sequer os pertence. Ugh!
Tsunade me olhou, meio indignada.
— Rin, não tente mentir pra si mesma. Você está completamente na dele. — Apontou ela. — Eu entendo você não querer que as fofoqueiras da cidade saibam… Mas fingir que não está obcecada por ele é difícil…
— Estou. Mas sequer transamos ainda. E como você disse, é só uma obsessão. Você sabe como eu sou. Logo passa.
Mas, de fato, Tsunade tinha razão. Eu estava envolvida. Ir até aquela biblioteca não fora uma coincidência. Eu tomara o ônibus certo, descera no ponto certo e encontrara meu alvo. Eu o procurei em cada corredor. E o encontrei ao lado do meu álibi. Eu o conduzira, eu o manipulara. Eu arquitetei tudo desde o início.
Eu o caçara.
Encontrá-lo fora um presente. Mas mantê-lo seria um trabalho. Todos os dias, ia para faculdade e me dispersava nas aulas, sobretudo as de lírica. Era difícil manter a concentração quando o tema da aula era erotismo e eu tinha em mente cada centímetro da pele molhada de Obito à qual tive acesso. De fato, Éros era o deus do qual eu mais gostava. Compreendia a poeta Safo quando dizia que “mas se quebra minha língua, e ligeiro/ fogo de pronto corre sob minha pele,/e nada veem meus olhos, e/zumbem meus ouvidos,/e água escorre de mim, e um tremor/ de todo me toma, e mais verde que a relva/estou, e bem perto de estar morta/pareço eu mesma”.
Apanho meu celular. Tem um SMS dele perguntando se estou a fim de ir em uma festa hoje à noite. Respondo que sim com um sorriso no rosto, observando Tsunade balançar a cabeça em sinal negativo para mim, em meio a um suspiro.
— Não se preocupa, eu tenho tudo sob o meu controle… Você sabe… — Dei de ombros, dizendo.
Ela suspirou.
— Um dia você não vai ter, Rin. É isso com que eu me preocupo. — Tsunade Senju disse, olhando-me com reprimenda.
Revirei os olhos.
Nunca fui boa de ouvir conselhos. É por isso que decido naquele instante que chega de esperar. Preciso tê-lo. Quero aquele homem como quero respirar.
Não posso morrer antes de tê-lo para mim.
Notes:
kléos¹ : palavra grega que tem como sentido/tradução "Memória e fama". Diferente dos deuses, os heróis como Odisseu, Aquiles e Perseu eram mortais e, nesse sentido, a única forma de se manter imortal era prevalecer na memória coletiva do mundo grego antigo. Nesse sentido, a palavra kléos designa a memória e a fama almejada pelos heróis ao realizarem grandes feitos.
A nossa amada Rin voltou a narrar!!!! Eu me divirto muito escrevendo os povs dela porque ela é completamente maluca e eu simplesmente amo o quão insana ela é. Particularmente falando, eu amo o contraste desse capítulo, você está no velório dela e logo depois na mente perturbada dela e eu acho isso lindo.
Espero que vocês estejam gostando da fanfic, por favor comentem e favoritem <3
Chapter Text
Konoha, 2024
Dias atuais
A cerimônia tinha acabado. As pessoas se preparavam para caminhar tristemente pelo cemitério em direção a onde viria a ser a lápide de Rin Nohara. Os pais, ainda inconsoláveis, caminhavam na frente. O caixão, fechado, carregado pelos funcionários do cemitério e por alguns amigos próximos, ia atrás. Obito foi incapaz de negar quando Kaito Nohara, pai de Rin, pediu-o para ajudar a levar. Poucas pessoas sabiam do envolvimento passado que Obito tivera com Nohara, mas isso incluía os pais dela. E, ao que parece, eles de fato nunca esqueceram.
Obito também não.
Envergonhado demais para recusar um pedido daqueles, o Uchiha aceitou. Ele ia carregando do lado direito, já do esquerdo, estava Kakashi, o marido. Obito não olhou muito para o Hatake. Eles não eram próximos. Mas tinham compartilhado uma coisa de fato muito singular: o amor de Nohara.
Apesar de poucas pessoas saberem disso, é claro.
A caminhada não fora tão longa, mas parecera uma eternidade para aqueles que o luto sentiam em seus corações machucados. O instrumental de “The Funeral” de Band of Horses tocava enquanto eles caminhavam. Rin adorava aquela música. Parecia apropriada e, ao mesmo tempo, uma piada de mau gosto.
“É tarde demais pra ligar, então nós esperamos
Pela manhã te acordaremos, isso é tudo que podemos fazer
Você me conhece dura como ouro
E após me conhecerem, todos eles estavam errados
Em todo caso, estarei pronto para o funeral”
Ninguém estava pronto para um funeral. Ninguém nunca está pronto para perder quem ama. É uma idiotice pensar que alguém esteja. Os dedos de Obito começavam a suar. Seus olhos também começaram a lacrimejar conforme se aproximavam do enorme buraco sobre a terra. Mei teve de ficar em casa com Daiki, seu filho de apenas três anos. Desse modo, não teve a quem olhar e buscar apoio imediato. Restou a ele apenas olhar para Hatake, ele, que ainda não apresentava sequer algum sinal de fragilidade. A falta de emoção incomodou o Uchiha.
Como poderia alguém ser tão frio?
O brilho da aliança dourada ao redor do dedo anelar dele era ofuscante. E, no entanto, ele não honrava o significado dela. A imagem de casal perfeito começava a se desmanchar; a memória da perfeição derretia como o metal que compunha o anel.
Finalmente chegaram até a cova.
Um buraco no chão coberto pela terra. O fim era péssimo. Indigno. Comum a todos mortais. Era a desgraça da condição finita.
Naquele ponto do cemitério o frio era grande. O vento passava por todos, sussurrando. Os fantasmas consolavam uns aos outros. Para os vivos, somente o luto. E, para os mortos, a solidão.
Mais algumas palavras de homenagem. Uma oração curta. Dois minutos de silêncio por uma vida inteira que se foi. O caixão agora passa a ser levado somente pelos funcionários encarregados.
Os pais de Rin desabam a chorar. Eles gemem e sussurram: “Minha filhinha, Meu Deus!”
Obito abaixa o olhar. Ele não consegue ver. Um filme se passa em sua cabeça.
E o inesperado diante da postura acontece. Kakashi Hatake cai de joelhos sobre a terra úmida e fria. O terno de seda importado vai ficar manchado para sempre. Uma mácula difícil de se livrar. As mãos dele agarram a terra. Mas húmus nenhum pode livrá-lo da dor e da perda. A pele albina se destaca em meio a cor quase preta e ao musgo esverdeado. Ele aperta o punhado como se pudesse transformá-lo em outra coisa, como se aquele gesto pudesse trazê-la de volta. Mas não pode.
A cena é triste. As pessoas finalmente padecem dele. Os sussurros são substituídos pelo silêncio. As lágrimas silenciosas caem sobre a terra. Ele não faz um escândalo. Seu choro sequer é ouvido. Mesmo os coveiros, adaptados ao triste trabalho, são flagrados olhando com compaixão para ele, dividindo as lágrimas.
O garoto órfão da cidade, aquele que fora rejeitado. O milionário isolado. E então, o esposo de Rin Nohara, o melhor advogado do condado. Agora, o viúvo solitário.
O Uchiha analisa a postura de Hatake. Ele sente por ele compaixão e empatia. Afinal, Obito era um bom perdedor. Ele sabia reconhecer quando seu oponente era mais forte e melhor preparado. Kakashi fora melhor que ele. Fora o esposo que Rin merecera. Fora o homem que ela escolhera para dividir aqueles dez anos. Não era?
Mas do que adiantara? Todos estavam ali, reunidos por sua morte precoce.
Era triste, mas era verdade.
Rin fora finalmente enterrada. O caixão desceu. Eles começaram a jogar a terra por cima. As flores que havia mandado estavam de lado, seriam postas ali assim que terminassem de jogar a terra por cima.
Kakashi continuou de joelhos. Ele tinha os olhos fechados e as lágrimas escorrendo pela bochecha. Obito apertou os punhos, de pé, encarando a tragédia. O choro se instalou em sua garganta, mas ele se recusou a chorar. Não era direito dele. Ele tinha uma família para qual voltar quando chegasse em casa.
Hatake não.
Para todos os fins, o enterro havia terminado. Obito seguira a trilha, fazendo o caminho de volta junto dos outros. Os pais de Rin e Kakashi ficaram lá. Eles queriam mais um tempo.
Foram, de fato, dois dias longos.
O telefone do Uchiha tocou a caminho do estacionamento, onde ele deixara seu Jeep. Ele apanhou o smartphone e atendeu:
— Alô?
— Saiu o resultado do exame de toxicologia. Como já tínhamos exatamente uma base, que era a Fenelzina, principal componente do antidepressivo que ela tomava regularmente, foi mais fácil. — A voz do médico responsável surgiu do outro lado da linha.
Obito sentiu o coração disparar.
— E aí? O que deu? — perguntou, curioso e aflito.
O enterro havia mexido com seus sentidos.
— Morte confirmada por envenenamento. Apesar de constar pelo menos 40% de Fenelzina e Cetamina no organismo dela, os outros 60% são praticamente uma bomba de “boa-noite-cinderela”.
— Então… — Obito indagou, apesar de saber o que isso queria dizer.
— Então, sim, ela tomou um comprimido do próprio antidepressivo. Só que a quantidade encontrada no organismo corresponde com a dosagem correta prescrita pela receita que ela tinha. O que concluímos é que, muito provavelmente, ela já tinha sido envenenada quando tomou o remédio. O uso regular do comprimido atuou como um benzodiazepínico, ou seja, um analgésico muito forte que, combinado com a alta dosagem do ‘boa-noite-cinderela', causou uma espécie de Blackout total. Ela apagou por algumas horas. E, então, morreu por uma parada cardiorrespiratória enquanto dormia. O acúmulo dos compostos causou a morte. Talvez, se ela não tivesse tomado o comprimido… Talvez teria apagado por algumas horas, passado mal… Mas daria tempo ter ligado para o resgate ou coisa assim. O que complementou o crime foi a dose ingerida do antidepressivo. De todo modo, o exame toxicológico e o resultado da autópsia batem.
Obito suspirou.
— Alguma possibilidade da vítima ter ingerido esse "boa-noite-cinderela" por conta própria? — perguntou, já sabendo a resposta.
O médico suspirou.
— Muito difícil. Os compostos presentes são específicos da droga, muito característico àqueles usados em crimes de abuso ou coisa do tipo. Não é comum de ser usado em suicídio por overdose. Além de ser difícil de conseguir, pelo menos em Konoha. Ela teria de ter encomendado por fora, além disso, pela forma como os órgãos estavam, o envenenamento ocorrera cedo, por volta do início da noite. A receita que encontraram consta que o horário exato do remédio dela bate com a suposição que ela tomou os componentes em horários próximos, mas não juntos. Além disso, constou presença de alcalóides no organismo, o que significa que a droga foi ministrada junto a uma bebida alcoólica. E, se tivesse que chutar, diria que 90% de certeza de que foi vinho.
Obito passou a língua sobre os lábios.
Rin Nohara não havia se matado. Não propositalmente.
O médico deu mais um suspiro antes de dizer:
— Quem quer que tenha cometido esse crime, é um sujeito esperto. Não é um qualquer. Foi quase um crime perfeito. Tudo indica um envenenamento que pode ter sido cometido por um terceiro, bem como por ela mesma, apesar de ser difícil de acreditar que uma mulher se envenene com uma droga como essa. De todo modo, o resultado é esse. Encaminharei para o seu escritório e para o setor das investigações. Espero que consigam mais informações com as imagens das câmeras de segurança… Não acredito que esta pobre mulher tenha se matado desse jeito. Mas não posso te dar uma certeza absoluta. Há louco para tudo…
Obito concordou.
Havia todo tipo de maluco no mundo.
— Obrigada, Dr. Kabuto. — Agradeceu o Uchiha.
— Por nada, delegado Uchiha. Aos seus serviços, sempre.
Obito desligou.
Ele olhou ao redor. As pessoas se dirigindo cada uma para seus respectivos carros. Alguns ainda choravam. Outros perguntavam o que teria de almoço. Os pais de Rin estavam a passos lentos. Kakashi atrás. O Uchiha observou a movimentação. Konan e Tsunade, as melhores amigas de Rin, iam embora juntas, estavam desoladas. Kushina fora acompanhada de seu irmão e o menor fã de Nohara, Nagato Uzumaki. A presença dele era estranha e alarmante devido a fatos do passado. Os professores da escola municipal que Rin trabalhava também estavam todos ali. A cidade inteira poderia ser um culpado em potencial e, ainda assim, todos estavam presentes em seu velório. Uchiha suspirou.
Precisava fumar. Ele guardou o celular no bolso e acendeu um cigarro. Tragou com lentidão. Precisava de toda a calma do mundo para processar as informações. Costumava ser um trabalho insensível para si, até que a vítima fosse seu amor do passado.
Ele notou quando finalmente Kakashi chegou ao modelo esportivo da Mercedes estacionado ao lado de seu Jeep. Hatake ignorou completamente a existência de Obito ali. O albino de olhos negros abriu a porta do carro, colocou os óculos escuros e entrou no veículo, batendo a porta com força. Eles não se olharam. Não eram amigos, nem próximos.
Mas o Uchiha não poderia negar que o conhecia mesmo no escuro.
Era uma lógica de fácil compreensão: Obito prendia as pessoas, Kakashi as soltava.
Tudo sob a lei.
Era dura, mas era a lei. Todos sabiam como funcionava.
Em um mundo onde todos são suspeitos, nenhuma ação é inocente e ninguém pode ser subjugado.
A fumaça de seu cigarro desenhava formas desconexas no ar frio.
O espectro de Rin sorria para si.
***
Capital, 2009
15 anos atrás
— Eu acho que esse vestido vai servir — Konan empurra um vestido preto de modelo tubinho que se ajusta apertadamente sobre o corpo.
— Se você usar com a jaqueta de couro preta… — Tsunade aponta.
— E as botas de cano curto e salto… — Konan complementa.
As duas parecem se divertir montando meu look, como se brincassem de boneca. Dou risada e agradeço por tê-las em minha vida. A coisa seria muito mais chata se eu brincasse sozinha…
Demoro no banho e passo mais maquiagem do que costume. Uso argolas médias nas orelhas e a correntinha de prata fina com o crucifixo pendurado. Não porque sou extremamente católica, pelo contrário, porque sou excessivamente pecadora e, não há nada que chame mais atenção dos salvadores do que uma virgem inocente que reza todas às noites pedindo proteção.
Os homens são previsíveis.
Quando termino de me arrumar Konan e Tsunade dão pulinhos de alegria.
— Você está impecável…. — Elogia minha colega de dormitório. — Sério!
— É, se não rolar nada hoje, não rola nunca! — Senju comenta, animada.
Eu dou risada.
— É, tenho pena de Obito Uchiha… Que Deus tenha piedade da alma dele, porque Rin Nohara não vai ter…
E, de fato, as palavras de Konan são expressas no olhar de Obito no momento em que entro no carro e me sento ao seu lado. Ele usa uma camisa social azul escura. Uchiha fica perfeito usando aquela cor, como se ela fosse feita somente para destacar seus traços fortes e de alto contraste. No pulso, um cássio de modelo digital prateado. Eu admiro seu bom gosto e faço uma nota mental de como ele tem melhorado. Um aluno esforçado.
— Você está linda — comenta ele, esgueirando-se para me dar um beijo.
Ele não se demora, mas me provoca. A boca dele é morna e seu beijo é úmido na medida certa. Sinto um calor subir pelo meu corpo.
O meu salvador é belo. E beija como o diabo.
A festa vai ser numa mansão próximo à rodovia que leva à Konoha. Aparentemente, era uma organização da atlética do curso de direito. Eles iriam comemorar o campeonato de futebol que, por mais um ano consecutivo, tinha sido ganho pelos pseudo-advogados. Mas, pelo que Obito havia me contado, um dos alunos — que não deveria ser nada menos do que milionário —, estava bancando 50% do valor do aluguel da mansão, já que somente o dinheiro ganho pelas festas promovidas não seria suficiente para custear aquele lugar.
E eu entendi o porquê quando lá chegamos. A casa era extremamente grande e linda. Uma piscina enorme que podia ser vista do lado de fora. Três quartos principais com três sacadas vastas. Parecia um palácio de tão grande que era. De repente, não sabia se estava bem vestida para a ocasião. Obito, quase como se escutasse meus pensamentos, colocou uma das mãos sobre a minha coxa enquanto dirigia, em busca de uma vaga para estacionar o carro.
— Não se preocupa, a aparência é só para assustar — explicou ele. — Ninguém vai estar vestido com traje de gala ou coisa do tipo.
Dei um sorriso.
— Anda escutando meus pensamentos, é? — respondi.
Ele deu um sorriso malicioso.
— Tipo isso — responde ele. — Você não sabia? Sou uma extensão de você. — As palavras dele escorrem pelos meus ouvidos como mel deslizando numa faca.
Eu ri. Ele abriu um sorriso.
Obito estacionou o carro na rua de trás. Abriu a porta do carro para mim e me deu a mão, ajudando-me a descer. Caminhamos até a entrada, onde dois seguranças — seguranças de verdade, de terno e tudo —, tinham uma prancheta em mãos com a lista de convidados. Fiquei meio surpresa com a organização não comum nas festas universitárias que eu estava acostumada a ir.
Uchiha, que estava de mãos dadas comigo, diz:
— Obito Uchiha e Rin Nohara.
O segurança conferiu nossos nomes na lista e nos concedeu passagem. O jardim era lindo, meio vitoriano e moderno ao mesmo tempo. Ao lado da enorme piscina repleta de luzes, onde algumas pessoas nadavam e se beijavam, havia estátuas de mármore e gesso, réplicas perfeitas de estátuas gregas. Tudo era meio confuso e steampunk de alguma forma; a mistura do clássico com o moderno em um contraste bruto. As pessoas dançavam, conversavam e se pegavam casualmente no jardim. Obito me conduziu até o interior da mansão.
E outro mundo se abriu. De fato, o salão principal se assemelhava a um palácio. A sala era grandiosa e não tinha móveis. No teto, um lustre de cristal que deveria pesar toneladas, mas só era utilizado para refletir as luzes coloridas estrategicamente colocadas ali para pouco iluminar, mantendo a meia luz como aliada dos desejos obscuros.
Se fora a percepção era de uma festa comum, dentro da casa as coisas eram diferentes. Todos bebiam, fumavam e se beijavam de um modo excitante demais que quase configurava como atentado ao pudor. Mas o melhor disso era que ninguém se importava verdadeiramente. Fiquei alguns minutos fora de órbita, meio encantada com tantos detalhes, tantas cores e ao mesmo tempo tantas sombras. Também estava meio extasiada pela ideia de fazer qualquer coisa ali. Ninguém se importaria e, a prova disso era que uma garota passou por ali sem nenhuma peça de roupa da cintura para cima. Ninguém ligou, exceto o garoto que a acompanhava e babava em seu corpo. Dei um sorriso, meio chocada, meio interessada. Era como estar dentro de um novo mundo... Um mundo em que o dinheiro mandava e as opiniões não.
Peguei Obito me observando. Dei um sorriso. Gostava de flagrá-lo em seu fetiche mais secreto. Sabia que ele gostava de me ver sem que eu notasse. Gostava de capturar cada detalhe meu, cada olhar. E eu amava ser observada por ele, fazia bem para o meu ego, alimentava meus monstros.
A música do lado de dentro também era mais alta. O ritmo era lento e sensual. A batida era viciante. Dei um sorriso, começando a me sentir mais relaxada. A pista de dança no centro do salão estava cheia. Um garoto de boné e óculos escuros estava no topo da escadaria com a aparelhagem de som, comandando a playlist.
Estava tocando uma música da Mariah Carey que eu gostava, particularmente falando.
“Garoto, por que você está tão obcecado por mim?”
Soltei a minha mão da de Obito e o arrastei para a pista apenas com o olhar. Começamos a dançar. Outras garotas que ali estavam começaram a dançar comigo. Veio ao meu encontro e me acompanhou nos passos, aproximando-se cada vez mais. Nos divertíamos ao mesmo tempo em que flertávamos um com o outro. Em algum momento da música, Uchiha puxou a minha cintura, fazendo nossos corpos se chocarem propositalmente. A mão dele desceu para o meu quadril, e Obito se aproximou o suficiente para fazer com que eu sorrisse extasiada.
— Não é uma dança lenta… — eu disse, olhando em seus olhos castanhos escuros.
Ele sorriu covardemente.
— Não, não é. — concordou. Mas algo em sua voz me dizia que o homem em minha frente estava cansado de esperar. — Mas qual parte você não entendeu que eu quero você?
O tom era grave. Senti o arrepio sobre a espinha quando ele disse isso tão próximo do meu ouvido. De repente, não existiam mais pessoas na pista, nem em lugar algum. Parecia uma covardia continuar com aquele jogo quando eu o queria tanto. Na verdade, parando para pensar, não fazia sequer sentido esperar que cedesse quando ele já estava ali, implorando por isso.
Aquela batalha, eu precisava perder.
— Vamos pra cima. — disse simplesmente.
Eu puxei-o pela mão, conduzindo-o por meio da grandiosa escadaria, arrastando-o pelos corredores, procurando um quarto disponível. Em meio a corrida, a adrenalina subia em meu sangue. Pelos cantos dos corredores havia casais espalhados, beijando-se fervorosamente. Não olhei para eles. Não queria me distrair com outras pessoas. Ao final do corredor, finalmente um quarto livre. Pouco me interessava se haveria uma cama ou não. Mas, para nossa sorte, aquele quarto em específico estava mobiliado.
Obito fechou a porta atrás de nós, trancando-a.
E eu vi os desejos mais obscuros do meu coração serem realizados.
Uchiha prensou meu corpo contra a parede ao lado da porta. Eu consegui ver poucos detalhes do quarto onde estávamos antes dele bloquear por completo minha visão. As paredes eram de um tom de preto sépia. A luz do abajur ao lado da cama estava acesa e por tal, nos permitia enxergarmos na escuridão. Provavelmente era um dos quartos principais, pois havia uma sacada grande. A porta da varanda estava aberta e o vento frio invadia o espaço. A cama estava perfeitamente arrumada. Havia outros detalhes como móveis em mogno e alguns quadros dos quais não me atentei exatamente ao que mostravam, já que agora minha visão estava suficientemente ocupada.
Eu sorri para ele, mas desta vez seus olhos estavam nublados de desejo. Eu não conseguia enxergar mais nenhuma racionalidade em si. E então, soube que estava condenada por ele. Não havia mais jogos. Apenas desejo. É aqui em que minha história começa a se entroncar. É quando noto que perdi o controle.
As mãos dele sobre a parede me prendiam contra seu corpo. A boca dele tomou a minha. Desta vez, nada de gentileza, nem de calma. Apenas ultraviolência. A língua dele se enroscou com a minha com afinco. Eu enlacei os braços e as mãos em sua nuca. Ele soltou uma das mãos da parede para agarrar meu quadril, forçando-me a enlaçar as pernas em sua cintura. De repente, a jaqueta de couro parecia pesada demais. O fato de estar de vestido também deixava o acesso dele muito facilitado. Ele sorriu, empurrando o próprio corpo contra o meu.
Era engraçado pensar naquele garoto gentil agora…
Mas o beijo dele não era suficiente. Nem mesmo seu aperto em meu quadril. Eu queria mais. Ele também. Comecei a desabotoar sua camisa social. Ele tirou minha jaqueta. Jogamos as roupas no chão. Sem a peça de roupa, notei como seus músculos eram notáveis, como a barriga era marcada por ele, como o peito forte e bronzeado era atraente... Ele caminhou comigo em seu colo até a cama, jogando-me sobre o colchão e se colocando entre minhas pernas. Eu estava ansiosa para ver o que ele iria fazer, esperando o seu próximo passo mesmo sabendo que não era do meu feitio obedecer.
— Detesto ter que dar adeus a esse vestido… — diz ele, beijando meu pescoço, enquanto uma das mãos na cama o mantém apoiado sobre mim, e a outra aperta a parte interna das minhas coxas.
Ele tira meu vestido logo depois, com a minha ajuda.
Estou faminta. E ele tem sede como um miserável em meio ao deserto.
Ao despir-me do vestido, surpreende-se ao ver que eu não havia colocado peças íntimas. Gosto de ver o brilho em seus olhos ao notar que, por mais que seja perfeito, eu ainda tenho o controle sobre ele. Uchiha se volta ao meu rosto, a mão acaricia minha bochecha e desce até os lábios. Ele contorna minha boca com o dedo médio e o anelar. Eu a abro e ele introduz os dedos em minha cavidade molhada. Eu os chupo enquanto ele me observa com uma expressão desnorteada de prazer.
Sei que ele imagina coisas. E eu quero realizar cada uma delas.
Ele tira os dedos da minha boca e desce até a linha abaixo da minha cintura. Ele os introduz em mim, mas não tira os olhos de minha expressão. O prazer me inunda quando os sinto contornar minha intimidade e depois entrar e sair lentamente. Ele se demora no movimento, subindo, descendo, colocando, tirando, tudo em uma velocidade lenta demais, prazerosa demais. Eu fecho os olhos por segundos, abrindo a boca e deixando que os gemidos escapem. Ele observa como um verdadeiro apreciador.
— Uchiha… — sussurro baixinho, conforme seus movimentos ganham velocidade e me sinto cada vez mais úmida e quente.
Seus olhos negros estão tomados e não há sinal de razão.
— Sabe… — murmura ele. — Eu desejo fazer isso em você desde que te vi pela primeira vez… — comenta, as palavras saem baixas e o tom de sua voz me deixa fora de órbita. — Achava injusto demais que um babaca como aquele tivesse a oportunidade de provar seu gosto e não fizesse.
Meus lábios formaram um sorriso. Era muito para processar. Ele investiu mais força e rapidez nos movimentos. Um gemido alto se desprendeu e ele sorriu, malicioso. Depois, antes que eu pudesse me sentir aliviada, os tirou dali, levando os dedos à própria boca. A cena fez meu estômago queimar e meu ventre implorar por ele. Ele os lambeu, provocativamente.
Chega.
Eu o agarrei, enlaçando minhas pernas sobre sua cintura.
— Preciso de você, agora! — ordenei. — Sem mais enrolação.
Ele sorriu, provocativo.
— Quando foi que decidimos que você dá as ordens, Nohara? — implicou.
— Isso é uma autocracia, Uchiha — disse, esfregando meu corpo ao dele, meio desesperada.
Sua excitação era visível e particularmente grande. Passei a língua sobre os lábios, à medida em que insinuei meu quadril sobre ela, arrancando um suspiro pesado dele.
— E então, vai ser do meu jeito ou não? — indaguei, provocativa.
Ele balançou a cabeça, descrente.
Obito me soltou, abrindo o zíper da calça e se livrando dela com pressa, junto da roupa íntima. Apoiei-me na cama pelos cotovelos, observando seus movimentos. Abri as pernas para ele e sorri, maldosa. Gostava de vê-lo perder o juízo. Gostava ainda mais de ver o que eu causava nele. E como causava…
— Você é o diabo, Nohara! — resmungou excitado, logo depois de abrir um pacote de preservativo.
Sorri, satisfeita.
Ele se jogou sobre mim, encaixando seu corpo sobre o meu. Voltei a abraçá-lo. Gostava de sentir sua pele quente em contato com a minha. Uchiha devorou meus lábios com fogo, ao passo em que também se introduziu em mim. Calou meu gemido com um beijo, enquanto forçava-se entre minhas pernas. Fazia algum tempo que eu não transava com ninguém. Estava praticamente obcecada com Obito e ninguém seria bom o bastante para sanar o desejo que eu tinha em particular com ele. Poderiam ser maiores, mais fogosos, mas nenhum seria em especial ele.
Eu tinha essa mania de viver de obsessões.
Mas, desta vez, a idealização tinha um fundamento. Obito era bom no que fazia. Ele se movimentava com perfeição, segurava meu corpo com delicadeza e rigidez. Apesar disso, voltei a enlaçar as pernas em sua cintura, desta vez, forçando-o a entrar por completo dentro de mim com força, em um movimento brusco e sem aviso. Até eu me assustei com o grito que saiu da minha boca. Obito deu um gemido notável. Depois, revirou os olhos e se empenhou em me fazer repetir.
Eu já delirava completamente. Sentia-me quente por inteira, molhada por completo. Ele me preenchia de uma forma obsessiva. E eu o amava. Os beijos dele eram quentes. Ele calava meus protestos. Eu arranhava suas costas, deixando marcas por seu corpo perfeito. O garotinho inocente e frágil havia sumido. Ele pedia pra eu gemer o nome dele. Eu me deliciava com seus desejos. Mas os movimentos foram ficando cada vez mais intensos. E eu o queria mais e mais e mais e mais. Não conseguia formar uma frase que fizesse sentido. O cheiro dele invadia minhas narinas. Os braços dele estavam ao meu redor. A boca dele ora me beijava, ora dizia coisas sujas. O corpo dele se chocava contra o meu enquanto ele se afundava em mim.
Eu amava ser sua musa.
Segurei o cabelo dele com mais força quando meu corpo deu os primeiros sinais de que eu estava no limite. Ele continuou no mesmo ritmo, sem a intenção de parar, nem diminuir, nem aumentar. Apenas permanecer. Havia algo de poético na necessidade que meu corpo começou a exigir dele. E, de uma forma meio escandalosa, cheguei ao orgasmo. Ele foi logo depois, sufocando o próprio gemido ao me calar com um beijo; molhado e sufocado, desesperado e doce. Obito e eu éramos assim: um par quase perfeito.
O corpo dele caiu sobre o meu com um baque. Ele era pesado e quente. E eu não queria que saísse de cima. Uchiha arfou, com um sorriso meio cansado. Eu o abracei de forma carinhosa e respirei fundo, pensando que era assim chegar ao céu.
Fiquei meio sonolenta. Senti vontade de acender um cigarro.
Obito disse:
— Eu meio que senti vontade de dizer uma besteira agora... — A voz dele, cansada e ofegante, era ainda mais prazerosa de ouvir, como se o sexo não bastasse, como se todo ele fosse um deleite de provar.
Eu olhei para o Uchiha, agora deitado sobre os meus seios. Ele acariciava meus mamilos, distraído.
— Então diga. — pedi.
— Não. — recusou ele.
— Por que não?
— Porque é uma besteira. Não uma sacanagem.
— Então podemos falar sacanagens, mas não besteiras? — brinquei.
No fim, sabia exatamente onde ele chegaria. Mas havia tomado uma decisão: não teria medo. Aceitaria minha sentença com prazer... Prazer e interesse...
Ele riu.
— Podemos falar o que quisermos. Mas isso costuma ser meio broxante. Então não vou dizer. — explicou, como se fosse óbvio.
Eu olhei para ele. Obito continuou a carícia distraída. Mais alguns segundos daquilo e eu provavelmente montaria em cima dele de novo.
— Se vai dizer que está apaixonado por mim, não se preocupe. É recíproco. — respondi em cheio, ansiosa para ver a expressão assustada e comovida dele.
Como disse, homens são previsíveis.
Contudo, quem eu queria enganar? Eu não poderia passar mais uma noite sem aquilo. Eu o queria todos os dias da minha vida. Pro resto da eternidade. Olho para ele e começo a entender a obsessão das pessoas pelo amor. Com Obito e todo esse talento, não parece difícil viver obcecada pela mesma pessoa...
Foda-se os homens e os jogos e a brutalidade. Na verdade, a brutalidade poderia permanecer se fosse a dele.
Obito levantou o corpo e o rosto, olhando pra mim meio chocado, meio sem acreditar que eu conseguia proferir tais palavras com uma facilidade impressionante.
— Tem certeza do que está falando, Rin? — perguntou.
Eu olhei para ele com um sorriso amistoso.
— Não sou uma mulher de joguinhos, Uchiha. — devolvi. — Gosto de você. Quero você. Estou apostando tudo em nós.
Jogo minhas fichas na mesa. Não quero o dinheiro desta vez. Ele sorriu. E eu sabia imediatamente que tinha pegado seu ego e elevado aos céus. Não é muito difícil encontrar o pote de ouro e entregar nas mãos de um tolo.
— Então acho que estou apaixonado por você. — disse ele, meio delirante, meio alucinado.
Os olhos brilhavam como nunca. Da boca, escorria ouro.
Eu o beijei mais uma vez.
E o faria quantas vezes fosse preciso. Deus, era tão bom!
Notes:
Esse é um dos meus capítulos favoritos até agora!
Eu amo como a Rin é completamente insana e maluca, é muito divertido escrever essa personagem. Além disso, tenho que admitir que o gosto agridoce desse capítulo me deixa muito satisfeita: você chora e fica indignado e até um pouco excitado. É impressionante perceber o como a percepção muda, não é? Quem era você há uns dez anos? Sou simplesmente apaixonada por essa história. É isso.
<3 Vejo vcs no próximo! Por favor, comentem e favoritem!!!
Chapter Text
Capital, 2009
15 anos atrás
Alguns minutos longos se passaram. Desvencilhei-me de seus braços.
— Acho que quero fumar um pouco…— disse, ficando de pé, em busca do meu vestido e da jaqueta jogados sobre o chão.
Obito se virou na cama, em busca de suas próprias roupas, agora amassadas.
— Ah, tudo bem. Acho que vou descer para buscar uma cerveja pra gente e achar o Kakuzu e o Deidara…— disse casualmente, enquanto vestia a calça.
Coloquei meu vestido e a jaqueta por cima, apanhando minhas botas e colocando-as nos pés. Eu ainda estava um pouco fora de mim. Mesmo após algum tempo deitada, apenas me recuperando e estabilizando minha respiração, parecia difícil voltar ao mundo material. Meu cabelo estava levemente bagunçado, e eu estava um pouco suada agora, além de me sentir úmida. Meus lábios estavam inchados e avermelhados e eu podia jurar que meu corpo ainda estava quente como o dele.
Então estar apaixonado era isso?
Eu me sentia praticamente sufocada pelo sentimento. Precisava de ar. Precisava respirar.
Obito terminou de se vestir e apanhou minha cintura com casualidade, deixando um beijo quente sobre a minha boca.
— Já volto. Você vai ficar aqui? — perguntou.
Eu suspirei, ofegante. Desconcertada.
— Acho que vou explorar um pouco o lugar… Dançar ou coisa assim. Vou fumar primeiro. — disse, meio perdida.
Ele riu. Não entendi o porquê do riso. Ele beijou minha testa e disse que logo voltava. Eu o observei deixar o quarto. Meus lábios estavam entreabertos e eu parecia uma boba apaixonada enquanto observava a silhueta dele desaparecer pelo corredor que levava às escadas.
Somente depois que Obito deixou o local é que fui me dar conta de onde estávamos. Eu parecia tão enfeitiçada por si que não conseguia notar as coisas mais básicas. Para uma casa alugada para uma festa, aquele quarto estava mobiliado demais. A cama tinha lençóis novos, dos quais Uchiha e eu tínhamos bagunçado o suficiente. As cortinas eram blackout. O guarda-roupa não parecia vazio. Havia também uma mesa com alguns livros e cadernos. Parecia o quarto de alguém que o usava regularmente. Algumas pinturas de arte moderna e um quadro com uma foto borrada: havia claramente uma família ali, mas o rosto da mãe, do pai e do garoto era irreconhecível por um grande borrão fotográfico. Estranho, de toda forma.
Dei de ombros e deixei o local. Os corredores estavam menos cheios agora. Andando por eles sem pressa, consegui notar uma segunda escadaria, menos chamativa e mais estreita. Não sabia que a casa tinha mais de dois andares. Curiosa, subi os degraus da escada, e quanto mais me aproximava, mais conseguia escutar o som abafado de uma outra música que parecia vir do andar de cima.
Quando cheguei ao topo, notei que o terceiro andar era uma espécie estranha de sótão. O lugar estava ainda mais escuro do que o andar de baixo, e a única luz provinha de um globo espelhado em vermelho, o que se tornava a única cor no local. Lá, a música era mais lenta e arrastada. Os homens vestiam ternos pretos e caros. As mulheres estavam completamente nuas e eles fumavam charutos ao invés de baseados baratos. Aparentemente, tratava-se de uma festa privada para a qual Obito e eu não tínhamos comprado os ingressos.
Uma grande mesa de sinuca ocupava o centro, mas ao invés das bolas coloridas, tudo que eu conseguia enxergar eram notas de dinheiro sendo colocadas sobre, ao lado de um pó branco que era metodicamente organizado em uma carreira, para só então depois ser aspirado por eles, por meio da nota. Cocaína, é claro. — pensei.
Parecia um pouco fora de realidade. Apesar de gostar de fumar e ser uma libertina, eu ainda tinha meus preconceitos e medos. Olhava para os homens de terno com sorrisos largos e olhos arregalados cheirando o pó branco e me sentia assistindo uma série. Fiquei meio desconfortável e ao mesmo tempo vidrada. As mulheres derrubavam bebida propositalmente em seus corpos enquanto eles lambiam o líquido de forma erótica. Mas, diferente do andar de baixo, onde as pessoas se divertiam, ali, parecia uma questão de negócios. Os homens eram mais velhos do que os universitários com o qual estávamos acostumados. E, apesar de ter diversos jovens, a maioria já passava da casa dos vinte e cinco com toda certeza. Todas as mulheres no local eram, ou deviam ser, prostitutas. Não havia nenhuma convidada.
E então, era minha deixa para sair.
E eu deveria ter saído. Teria sido uma boa decisão.
Mas eu não consegui. Ele não deixou.
A presença de um homem alto e albino me chamou a atenção. Não, prendeu a minha atenção. Capturou, torceu e, obsessivamente, arrastou-me para ele.
Ele tinha os cabelos em um tom praticamente acinzentado, os olhos bizarramente escuros e o corpo esguio. Usava terno, mas o blazer já havia sumido. A gravata, nem sinal. A camisa social branca era cara e podia se ver de longe que ele tinha dinheiro. Mas as mangas estavam esgarçadas, dobradas nos cotovelos. Os primeiros botões abertos, onde uma corrente fina de prata brilhava. Ele usava uma coroa prateada de plástico sobre a cabeça. Seu rosto era firme, bem delineado, a mandíbula se destacava e seu queixo era marcado como o de um vilão. O sorriso dele era relaxado e malicioso. Ele se movia como quem era dono do mundo. Mas parecia um anjo.
Aproximou-se da mesa, riu e disse algo a outro homem. Apanhou a nota entre os dedos, colocou-a posicionada estrategicamente sobre a carreira. Abaixou-se e então aspirou tudo. Quando levantou a cabeça, o nariz estava ligeiramente sujo do pó branco, os lábios avermelhados e um pequeno filete de sangue escorreu da narina direita, descendo até sua boca. Ele me capturou entre as pessoas, mirando seu olhar em mim e sorrindo. Eu sabia, naquele momento, que estava condenada. Aquele homem era o próprio diabo.
Céus, como eu queria ter voltado.
Mas eu estava vidrada.
Ele não teria sido um bom aluno, com certeza não.
Homens daquele tipo não nascem para aprender; não são os pupilos, mas sim os mestres.
Ele veio andando em minha direção. Os passos eram lentos e confiantes. Ele tinha um meio sorriso e uma coroa de plástico. Teria sido patético se ele não fosse tão sexy. Teria sido melhor se ele não fosse tão atraente. Nesse momento, penso que era melhor nunca tê-lo conhecido. Quem sabe então eu não estaria tão arruinada como estou.
Mas eu era jovem e estúpida. Atraída pelo perigo como uma garotinha inocente.
Ele andava de forma relaxada, despreocupado. Tinha um sorriso de canto nos lábios. Uma boca sangrenta, como um anjo da morte.
Aproximou-se de mim e perguntou:
— Tem fogo?
Sua voz era grave. Era rouca. Inconfundível. O tipo de som do qual não se esquece. Ele era feito milimetricamente para ser um príncipe do inferno. E no seu reino de ciclos, seu trono de ossos brilhava. A coroa de plástico reluzia. O sangue sagrado escorria.
— Hum? — murmurei involuntariamente, lembrando que era a mim a quem ele se dirigia.
— Perguntei se você tem fogo — repetiu ele, aproximando-se ainda mais.
Os olhos dele eram ansiosos, mas o rosto parecia impassível. Os lábios eram retilíneos, mas quando falava os cantos desenhavam quase um sorriso zombeteiro. Agora, tinha o corpo curvado, os lábios mais próximos à minha orelha. Ele estava distante e ainda assim perto demais. Ele tinha cheiro de perfume caro, do tipo que eu jamais teria dinheiro para comprar. E uísque. Inegavelmente, uísque.
Molhei os lábios que, para constar, estavam secos. Pensei em um milhão de respostas. E todas morriam na ponta da língua porque pela primeira vez um homem me parecia perfeito. E era engraçado pensar que ele era uma consumação dos meus desejos mais sombrios. Não era uma experiência, mas um sonho tomando forma.
Um estrago. E uma perfeição.
E eu o amaria.
— Acho que o suficiente… — murmurei, desconcertada, pensando em todas as coisas que eu poderia fazer com ele.
Pensando em todas as coisas que ele poderia fazer comigo.
Ele riu, descrente do que eu havia dito. O som da sua risada era sarcástico, rouco e sexy. Ele coçou o queixo, onde era possível notar um pouco da barba por fazer. Tinha uma tatuagem no braço. Não consegui identificar exatamente o que era. As linhas eram pretas e grossas. Definitivamente, chamava atenção. Mas minha visão deveria estar turva.
— Eu estava falando de um isqueiro… — explicou ele, com cuidado, passando a língua sobre os lábios antes de dizer: — Mas acho que….
— Eu também estava falando do isqueiro. — cortei-o, apanhando dois isqueiros do bolso da jaqueta de couro, colocando-os sobre os dedos diante dele. — O que pensou que fosse?
Ele riu. O sorriso era amistoso e satisfeito.
— Não pensei nada. — respondeu, divertido, apanhando um dos isqueiros.
Ele tateou o bolso da calça, puxando um cigarro.
Colocou entre os lábios. Acendeu. Eu o assisti. Eu o admirei. Ele tragou e suspirou profundamente, antes de dizer:
— O que faz aqui?
Eu molhei os lábios antes de responder:
— Me perdi no caminho. — Dei de ombros.
Aos poucos, a consciência ia me atingindo e o deslumbramento ia passando. Ainda assim, aquele homem era um pecado que eu gostaria de cometer. E, ao mesmo tempo, ainda era um pecado que eu deveria me manter longe, afinal, Obito era trabalho suficiente. Além disso, eu havia acabado de me declarar para ele ou coisa assim.
Que porra eu estava fazendo ali?
— Sabe, aqui não é lugar para garotinhas… — debochou ele, com o cigarro entre os dedos.
Revirei os olhos, puxando o cigarro de seus dedos e colocando sobre meus lábios, tragando.
— Não sou uma garotinha. — respondi depois de sentir pela primeira vez na noite o relaxamento da nicotina, que nada valia quando me lembrava do orgasmo de minutos atrás com o Uchiha.
Eu precisava voltar para ele.
Eu observei os olhos escuros dele ficarem nublados. Consumidos. Ele olha de suas mãos para as minhas, para o cigarro entre meus lábios, para a fumaça desenhando formas desconexas e se misturando a outros cheiros, outros corpos… Eu devolvo o cigarro para ele.
— O fogo é meu… — explico-me.
Ele abre um sorriso. As pupilas estão ficando dilatadas. O olho dele se torna ainda mais escuro, prontos para consumir minha existência.
— Certamente. — responde, provocativo. — Uma mulher como você não deveria estar desacompanhada em uma festa como essa… — comenta, categórico, voltando a tragar.
Eu dou risada.
— Não estou desacompanhada. — murmuro.
Ele arqueia uma sobrancelha.
— Não vejo seu acompanhante. — rebate ele. — Que tipo de homem perde uma mulher como você?
Suas palavras são ácidas e ao mesmo tempo sedutoras. Ele é um caçador. E, desta vez, eu sou a presa.
— Sabe… Gosto que eles me encontrem… — murmuro, com um sorriso amistoso nos lábios.
Ele ri, dessa vez, satisfeito. Extasiado.
— Que bom que te encontrei então… — comenta.
Eu dou risada. Aproximo-me dele, apanhando a coroa de plástico que ele usa, colocando-a sobre a minha cabeça. Não consigo entender meus movimentos. Estar perto dele é como perder o controle. É como estar presa em um pensamento intrusivo. Quero tomar todas as atitudes erradas e não me arrependo.
— O que você é, afinal? O rei da festa? — indago, curiosa.
— O dono da casa. — murmura ele simplesmente.
Eu revisito o quarto onde Obito e eu transamos. Móveis demais. Mobília demais. As fotos… Então, o dono era esse canalha gostoso? Droga! Vai ser uma pena quando ele descobrir que bagunçamos sua cama.
— Entendo…
— E você? O que é? — pergunta, interessado.
— Estudante de letras… — Dou de ombros. — Não, não sou fã do Corcunda de Notre Dame… — murmurei, aproveitando para criar o desconforto que precisava.
Ele ri. Nada desconfortável.
— Não sou tão feio assim… — comentou, sarcástico, entrando no meu jogo.
Eu abro um sorriso.
— Mas talvez eu goste do Grande Gatsby.
— Eu sei dar ótimas festas… — Ele respondeu fazendo o gesto famoso por Leonardo DiCaprio, como se brindasse com uma taça imaginária.
O sorriso dele era criminoso.
E eu precisava encontrar Obito.
— Acho que preciso ir. — murmurei.
— Está cedo… Por acaso a Cinderella precisa estar em casa antes das quatro e meia? — debocha ele.
O som de sua voz era razão o suficiente para que eu fugisse dali. Como poderia sobreviver a uma tentação como aquela?
— Sim. Se não, me transformo numa bruxa perigosa. — digo, impaciente ao lembrar que Uchiha está por aí e eu estou perdendo tempo com um homem que jamais poderei ter.
E que droga de homem. E que pena de homem. E que desperdício de homem… Desejei tê-lo encontrado semanas antes… E, de repente, lembrei-me de ter visto uma figura parecida… Na festa do campus de direito… O garoto que ajudou Obito a chutar Nagato do campus. Não tenho a certeza disso, mas a imagem borrada dele surge em meus pensamentos… Não há tantos homens albinos no mundo…
Ele ri da minha resposta malcriada. Puxa um papel do bolso da calça e uma caneta. Rabisca em cima da perna alguns números, e me entrega o pedaço de papel. Colo entre os dedos e analiso o número de telefone dele. Dou um longo suspiro e digo:
— E quem disse que eu quero transar com você? — retruquei, encarando o papel e sua expressão satisfeita.
Ele riu, irônico.
— E quem falou em sexo aqui? — Ele assobiou, e eu podia ver o brilho em seus olhos. Eu podia ver tudo. — Estou te passando meu número porque uma mulher perigosa como você provavelmente vai precisar de um advogado um dia…
Eu mordi o lábio inferior.
— E você por acaso é formado? — indago.
— Ainda não. Por isso, trate de ficar longe de problemas nos próximos três anos.
Eu ri. Balançando a cabeça. Apanhei a coroa, prestes a devolvê-la. Ele colocou a mão para me impedir.
— Fique com ela. Fica melhor em você. — insistiu.
Eu comecei a fazer o caminho de volta pelas escadas, numa tentativa de controlar meu coração. Sentia-me uma espécie de macário, sendo conduzido pelas ruas ao lado de Satã, divertindo-me com ele e sentindo sua falta. Desejando-o secretamente.
Sou invadida por um sentimento conflitando de querer voltar para os braços de Obito, para sua segurança e sua confiança, sua violência controlada. E, ao mesmo tempo, meu coração está disparado, minha boca está seca e eu estou quente. Quero aquele homem. Quero aquele pecado. Quero tudo de errado que ele possa me oferecer.
Suspiro, tentando recobrar a consciência. Apesar disso, amasso o papel e guardo no bolso da jaqueta. Por sorte, no meio do caminho, encontro com Obito. No entanto, lembro-me que o homem — do qual sequer perguntei o nome — ficou com um dos meus isqueiros… Penso em voltar para pegar. Mas agora é tarde. Deixo que ele fique com aquela lembrança minha. Parece justo, visto que ele nunca mais sairá da minha cabeça…
— Por onde andou? — comenta Obito assim que eu me aproximo o suficiente para que ele coloque as mão sobre minha cintura e beije minha testa.
Seu calor controlado e seu cheiro atuam como um antiácido para mim. Pouco a pouco, torço para que a imagem pecaminosa saia de minha mente.
— Me perdi por aí… Mas já me encontrei. — disse para ele.
Obito sorriu. Era tudo que eu poderia pedir.
Mas eu sabia que não funcionava assim. Eu estava condenada.
Ele seria a razão do meu fim. Aquele homem maldito.
***
Konoha, 2024
Dias atuais
Obito sentou-se na sua mesa. Em sua frente, a xícara de café. Era uma manhã de quinta-feira e poderia ser só mais uma no meio de todas as que ele já viveu. Mas, aquela em específico, seria difícil. Seus dias estavam cada vez mais arrastados desde aquela maldita terça-feira em que Rin Nohara acordara morta. Desde então, ele vivia assombrado. As memórias, o passado, o espectro de Rin contando consigo. Havia muito para lidar.
O resultado da autópsia finalmente havia saído. Rin Nohara não provocara a própria morte, ou ao menos, era muito difícil que fosse. Ele já havia assinado o documento solicitando as imagens de segurança tanto da casa dos Hatake quanto da rua, que era monitorada por um sistema de segurança da prefeitura de Konoha. Agora, teria de coletar os depoimentos de todas as pessoas mais próximas da vítima, incluindo pais, amigos, vizinhos e o próprio marido. A essa altura do campeonato, todos eram suspeitos. Entretanto, naturalmente, quem está dentro da casa é sempre um alvo fácil.
E fácil não quer dizer impossível. Mas também não quer dizer certeza.
Deidara bateu na porta. Exatamente três vezes antes de entrar, era um costume. Ele soube imediatamente que era ele.
— O que você quer? — indagou Obito, cansado e sem paciência.
Não havia conseguido dormir bem à noite. Mei fizera um chá para ele. Mas a calmaria que procurava não morava nas plantas medicinais. Na verdade, seria impossível alcançar, visto que era assombrado pelo fantasma de um amor que morreu. Deus do céu, o que estava fazendo consigo? Precisava fumar.
— Hoje vai começar os depoimentos, né? — Deidara disse antes mesmo de dar bom dia ou coisa que o fosse.
Ele e Obito eram próximos há muitos anos. Se tinha alguém que poderia esconder um corpo pelo Uchiha, esse alguém era Deidara. Os anos dispensavam explicações.
— Sim.
— Por onde vamos começar? — indagou o loiro.
Obito deu de ombros.
— Sabe que é o Itachi o responsável, não sabe? — O Uchiha diz.
Deidara afirma.
— Não sei porque… Mas tenho um pressentimento ruim com ele… Sei que é seu primo, mas ele me parece…
— Suspeito? — Obito apontou.
Deidara riu.
— Me parece estranho. Não sei se exatamente suspeito. Mas é estranho, com toda certeza.
Obito coçou o queixo.
— Não sei. Também acho que tem coisa entre ele e o Hatake. Mas não tenho como afirmar nada… — Uchiha disse.
Deidara suspirou. O loiro funcionava como o Sancho Pança de Obito. Quando um se movia, o outro se movia atrás, sempre à espreita, ainda que os gigantes fossem só moinhos de vento. Não importava. Se Uchiha desse as ordens, ele cortava a cabeça. Entretanto, não tinham certeza de nada.
— Bom, hoje vai ser cansativo… De qualquer maneira. — Deidara disse.
— Coloca cansativo nisso…
O café de Obito esfriou muito rápido. Era uma equação complicada. Um crime quase perfeito… Não se lembrava de ter um caso assim em Konoha. No geral, era uma cidade muito tranquila, a taxa de criminalidade não era nula, havia sim um caso ou outro, um roubo seguido de morte, um assassinato premeditado ou um acidente horrível. Tragédias acontecem todos os dias, não é uma grande surpresa ou coisa do tipo. E, no entanto, uma morte como aquela ainda era incomum.
Talvez fosse porque se tratava de Rin e, com ela, ele caminhava a passos curtos e cuidadosos. Talvez fosse porque o assassino poderia ser qualquer um, visto que ele odiava admitir que Nohara na verdade não valia um tostão furado.
Talvez porque qualquer um poderia ser suspeito.
— Bom, parece que a primeira testemunha já chegou… — Deidara disse, checando o celular. — Vou atender e pedir para entrar, ok?
Obito balançou a cabeça.
— Pode ser. Vou só terminar aqui.
Mas o café estava frio demais para continuar a ser ingerido.
Notes:
Vocês não tem noção do quanto eu amei escrever esse capítulo. Não é segredo pra ninguém que eu sou suspeita quando escrevo o Kakashi porque eu amo ele, mas esse aqui é especial demais. Eu amei escrever esse contraste tão bruto, essa quebra de expectativa, esse desnível gigantesco! Sempre bom lembrar que um leito atento tem uma visão melhor de Algozes. Essa é, na verdade, minha melhor fanfic. Sinto que chego em certas extremidades da escrita que nunca tinha alcançado. Experimento uma liberdade quando escrevo Algozes que pode ser comparada com o êxtase.
É isso, se você gostou, por favor deixe um comentário e um favorito. É importante pra mim <3
Obrigada!!!
Chapter Text
Capital, 2010
14 anos atrás
Era um dia frio. E eu acordei na cama do Uchiha.
Eu amava dias frios. Eu amava Obito.
Não sentia vontade de levantar. Suas cobertas eram mais quentes que as minhas. Seu apartamento, apesar de ficar mais próximo do centro, era mais silencioso. O calor do seu corpo me aquecia melhor… Não dava pra negar que eu estava, de fato, apaixonada por ele. De início, recusei-me a acreditar. Parecia ridículo que eu fosse domada por alguém. Sobretudo por alguém como Obito. Uma pessoa que minha mãe amaria, meu pai faria amizade e a cidade inteira celebraria nosso casamento.
Não, não, não.
Eu detestava a ideia de que as pessoas soubessem sobre nós. Eu gostava do segredo. Eu gostava de manter aquilo pra mim. Algo secreto e sólido. Que eles roessem as unhas e jamais descobrissem minha felicidade.
Meu amor era só meu.
— Precisamos levantar… — sussurrava ele.
Sua voz sobre meu ouvido me deixa tonta. Ele era minha droga favorita.
— Não precisamos não… — resmunguei, enrolando-me ainda mais nas cobertas e no seu abraço.
Tenho os olhos fechados em teimosia. Sei que ele olha pra mim com um sorriso. Ele ri e me abraça. Eu amo como seus braços são fortes, eu amo estar presa neles.
As manhãs com ele são assim. Preguiçosas.
Há seis ou sete meses, decidi dizer que estava apaixonada nele. Eu estava? Não sei dizer. Talvez fosse um êxtase do sexo incrível, porque Uchiha era muito bom no que fazia e deveria ganhar um prêmio quanto a isso… De todo modo, agora me sinto suficientemente embargada de paixão e acho que isso conta. No mais, valeu a pena.
Depois daquela festa, Obito tentava me ver todos os dias. Ele me buscava na faculdade, levava-me para jantar ou almoçar com ele, fazia questão de pagar todos os encontros e me dava carona todos os dias, mesmo morando do outro lado da capital. Eu dormia na casa dele toda sexta e só ia embora na segunda à tarde. A gente transava todos os dias, sem exceção. Eu estava viciada nele. Ele estava viciado em mim. E isso era perfeito.
Tsunade dizia que não conseguia acreditar como diabos aquilo havia acontecido. Eu ria e concordava, de fato não sabia, mas adorava.
Obito ainda era um garoto certinho e gentil. Ele sempre dava uma gorjeta extra aos garçons, também sempre estacionava no lugar certo e dirigia conforme o regulamento de velocidade nas vias. Ele ia para a academia todos os dias, mesmo aos finais de semana. Também comia todos os legumes do prato e tomava suas vitaminas complementares. Era engraçado pensar como eu havia acabado com o exemplo perfeito.
Embora eu o atentasse com todos os pecados possíveis. Convenci-o a transar dentro do carro no estacionamento da faculdade. Ele foi meio contra a ideia. Mas não aguentou quando sentei em seu colo e pedi com carinho e um biquinho estratégico. A mesma coisa aconteceu quando o arrastei para um provador de uma loja de departamentos no centro. Ele até tentou fugir e riu quando eu propus. Mas, quando estava ajoelhada em sua frente e o zíper de sua calça aberto, não teve como dizer não.
Eu gostava de contaminar sua boa existência.
No geral, ele me satisfazia com maestria. O que era uma tarefa difícil. Então ele tinha todos os pontos do mundo comigo. Mas, para além disso, ele também tinha paciência para me ouvir reclamar dos trabalhos da faculdade, da arrogância das pessoas que corrigiam coisas que sequer estavam erradas e dos ensaios extensos que eu tinha de escrever. Eu também o ajudava a fazer os trabalhos que envolviam escrita. Ele detestava ter que produzir artigos, também odiava direito da família entre outros, só sentia prazer em estudar direito criminal, visto a vocação para delegado.
Nós éramos diferentes em quase todos os aspectos. Mas eu gostava disso. Trazia entretenimento a nós dois. Eu, por exemplo, odiava direito penal entre outros, mas amava vê-lo falar sobre. Ele, muito provavelmente, também não gostava das minhas longas discussões e análises, mas lia todos os livros que eu emprestava, o que era engraçado porque surtia comentários como:
“Então você gosta de um homem que odeia pobres?”
“Aquiles é gay, né? Não, ele só pode ser gay! Impossível eles terem sido só amigos”
“Como pode Hipólito recusar o melhor de se estar vivo? Será que ele não sente tesão mesmo ou ele é só muito gado pela Artêmis?”
“Hamlet é só paranoico, né?”
“Impossível que você goste de um vampiro de mais de cem anos que é virgem?!”
Eu gostava do som da risada dele. E do seu senso de humor meio adolescente. Também gostava de ver sua silhueta de pé, de costas para mim, cortando a carne e os legumes na cozinha. Gostava de quando ele fazia café. De quando servia a bebida forte em duas xícaras, apoiava a cintura na beirada da pia, cruzava os pés e me observava com aqueles olhos gentis.
Gostava tanto que, uma vez, sonhei com isso.
Sonhei com um apartamento maior. Com a madrugada escura e uma meia luz baixa. Sonhei com ele, encostado sobre a pia, dizendo que me amava. E, no entanto, no sonho, não parecia uma bela coisa a se dizer. Parecia secreto, o que era bom. Mas também parecia doloroso e traidor. Seu abraço era quente e reconfortante, mas parecia errado que fosse.
— Eu te amo — sussurrava ele.
No sonho, eu queria retribuir Mas por alguma razão, engasgava com o choro e ele me apertava mais contra seu abraço. Seu corpo é grande e ele consegue me embalar, cobrir-me com afinco. Seu cheiro é capaz de me intoxicar, deixando-me zonza. Seu coração batia com força quando ele me tocava. Eu não entendia porque eu estava tão comprimida e insegura. Como se criasse consciência dentro de meu próprio sonho, eu o abraçava de volta, mais forte. Eu queria dizer que o amava também.
Mas eu não dizia.
Eu suspirava. Ele afrouxava o abraço, e ele me olhava. Não entendia porque os olhos dele estavam marejados. Os braços dele ainda me circundavam e ele me olhava como se eu fosse dizer as três palavras que ele tanto queria escutar.
E eu queria dizer. Queria muito.
Mas, por algum razão que eu desconhecia, eu não dizia.
— Obito… — sussurro.
— Tá tudo bem, eu sei… Tá tudo bem — ele sussurrava, beijando minha testa, abraçando-me com mais força.
Nossos rostos ficavam próximos, mais do que deveriam, menos do que ele gostaria. Ele passa a língua por sobre os lábios, dividindo-os logo em seguida. Somos presos por um transe que não termina nunca. Eu engulo em seco e ele parece ainda estar mais hipnotizado do que eu.
Há tensão. Mas não entendo o porquê.
Quero dizer que eu o amo.
Mas não digo. E me odeio por isso. Não consigo entender porque há um mundo onde eu não possa fazê-lo.
Naquela manhã, após acordar com o coração disparado e a sensação de que fui embora de outra realidade, eu acordo do lado dele. Obito já está acordado. Ele digita apressadamente no blackberry uma mensagem para Kakuzu, avisando que vai faltar na primeira aula. Eu olho pra ele e meu coração dispara.
— O que foi? — ele pergunta, distraído, enquanto digita, olhando para as teclas do celular.
Os músculos estão contraídos, as sobrancelhas arqueadas e a testa franzida, em confusão.
— Eu te amo.
É rápido como uma bala após puxar o gatilho.
Descubro que é fácil dizer essas palavras. E, ainda assim, meu peito está doendo, meu coração está disparado. Meio que odeio essa sensação. Parece que vou morrer a qualquer minuto por uma parada cardiorrespiratória.
Ha.
Obito deixa o celular cair sobre o peito. Ele tem a boca aberta e a testa ainda franzida, depois, sua expressão vai mudando, pouco a pouco, os lábios se alargam em um sorriso. Ele se volta pra mim.
— Você…
— Eu tive um sonho horrível. — resmungo, ajeitando-me na cama. — A gente estava numa cozinha, e você estava fazendo café… E o apartamento era muito maior, tipo GIGANTESCO e também parecia caro… Na verdade acho que estávamos tipo em Paris? Sei lá, não sei como eu sei disso, mas…
— Rin. — corta ele. — Você acabou de dizer que me ama.
Eu suspiro.
— Eu sei. É horrível, não é?
Ele ri. O sorriso é extasiado. Parece ter escutado a melhor coisa do mundo. Ele se vira de modo brusco, puxa meu corpo para ele e me dá um beijo de tirar o fôlego.
E não parece mais tão terrível amar alguém.
Eu meio que caí em meu próprio jogo. Eu disse a vocês que eu havia fracassado.
— Eu também te amo.
Muitos beijos depois, muito suor e suspiros, eu estava tomando o ônibus para a faculdade. Obito não poderia faltar na segunda aula do dia e, por tal, pediu desculpas por não poder me dar carona. Eu havia dito que tudo bem, não tinha problema. Mas, no caminho, comecei a repensar, visto o frio que fazia. Eu usava uma blusa de gola alta e mangas compridas por baixo do moletom da faculdade e, ainda assim, conseguia sentir o vento gelado penetrando meus ossos. Com sorte, o ônibus lotado acabaria me esquentando. Coloquei os fones nos ouvidos e pulei metade das músicas do meu MP4 até achar o álbum novo do Linkin Park que eu havia baixado de maneira ilegal na internet.
Depois do ônibus, eu precisava pegar o metrô. Eu amava a capital, mas detestava o quanto as coisas eram terrivelmente distantes. Apesar disso, gostava de ficar vendo o meu próprio reflexo sobre os vidros escuros e subterrâneos. A entrada e saída apressada das pessoas. Sempre pensava para onde iam e para onde voltavam. Eu estava de bom humor naquele dia. Havia dito que amava Obito e por mais assustador que fosse, eu amava ver aquele sorriso estúpido nos lábios dele.
O metrô estava vazio, o que não era incomum para o horário, mas era desconfortável estar ali sozinha. Puxei a manga do moletom e cobri as minhas mãos, colocando a mochila sobre o colo. Fechei os olhos brevemente, suspirando. Precisava ir para a faculdade porque tinha prova na matéria de língua dos sinais.
O caminho até lá era meio longo, já que Obito morava longe do campus onde eu estudava. Dessa forma, por estar sozinha, fiquei atenta. No entanto, na estação seguinte entraram dois homens e uma senhora de idade. Na próxima, uma mãe acompanhada pelos filhos. E então mais e mais pessoas. Suspirei, focando na música e na matéria teórica de língua de sinais.
Na minha estação, joguei a mochila sobre os ombros e sai apressada. Somente eu e outro homem havíamos saído do vagão para a plataforma. Olhei ao redor, nenhum segurança. Pensei em pegar a escada rolante e ficar parada esperando que ela fizesse todo o trabalho, mas ao olhar para o homem atrás de mim que usava uma blusa de capuz preto e óculos escuros em um ambiente fechado, desconsiderei.
Comecei a subir as escadas de forma apressada, ainda com os fones nos ouvidos. Numb do Linkin Park ressoava por eles. No segundo lance, notei que o homem se aproximava cada vez mais. Eu apertava o passo, ele acompanhava. Senti-me paranoica. Até mesmo pensei em deixá-lo passar na minha frente, na esperança de notar que ele só estava com pressa e eu estava sendo inflexível e maluca. Mas não queria ficar para ver o que poderia acontecer.
A gente nunca está sendo só maluca.
Comecei a correr. Ele veio atrás. No meio do terceiro lance de escada ele me alcançou. Sua mão se fechou sobre o meu pulso e me puxou para baixo. Cai de encontro com o peito dele. Tentei me desvencilhar o mais rápido possível, mas o aperto era forte.
— Você é uma vadia! — disse Nagato.
Ele me irritava. Serzinho desprezível. Nojento. Dei uma cotovelada em sua boca, valendo-me do seu aperto em meu braço e do fato de eu estar de costas para ele. Afinal, reconheci-o pela sua voz repugnante. Depois de desestabilizá-lo, aproveitei para continuar correndo. Ele veio em meu alcance, mas agora eu tinha uma vantagem. Só mais um pouco e eu chegaria até onde os guardas do metrô ficavam.
— Foi você, não foi? — gritou ele, atrás de mim. — Você me denunciou.
Eu continuei subindo.
— Sua cadela desgraçada! — vociferou ele de novo.
Eu estava ficando sem fôlego. Finalmente cheguei no último andar. Mas não havia guardas. O posto de segurança e informações estava vazio. Nagato Uzumaki me alcançou. Eu passei pelas catracas. Ele veio atrás. Do lado de fora da estação, ao menos havia pessoas, eu podia gritar. Alguém certamente me ajudaria.
Foi o que eu pensei na época.
Mas ninguém ajudou quando ele tomou de novo meu braço e, dessa vez, com um puxão ágil, jogou meu corpo contra a parede do lado de fora da estação. O movimento era baixo, mas tinha um homem ali e aqui passando pela avenida. Entretanto, ninguém fez nada.
— Escuta aqui, sua vadia de quinta — murmurou ele, nervoso.
Desta vez, notei que os olhos não estavam vermelhos. E não havia cheiro de bebida. Uzumaki só era ruim por natureza e droga nem álcool nenhum eram álibis para seu mau-caratismo.
— Foi você que me denunciou, não foi? — disse ele novamente.
Eu não estava lá muito contente depois de ser puxada, empurrada e ter batido a cabeça contra o concreto.
— Do que você está falando, seu psicopata? — resmunguei, com uma careta de dor.
Os olhos dele eram inquisidores.
— Você me denunciou. — murmurou de volta.
O ar frio batia contra minha bochecha. O aperto dele era firme.
É engraçado pensar que não é a primeira vez que isso acontece.
Mas, desta vez, sinto que não terei a mesma sorte.
— Não denunciei porra nenhuma! — respondi, nervosa, tentando me soltar.
Ele não acreditou em mim.
— Recebi uma notificação. A polícia bateu na minha porta. — explicou ele. — E eu não vejo como isso não tem a ver com você.
— Não tendo. — respondi simplesmente. — Eu não denunciei você. Mas podia. Deveria ter feito — disse, irritada. — Me solta, caralho!
Ele apertou ainda mais.
— Não acredito em você.
— O problema é seu, não meu.
— Pra quem não tem saída, você tá muito folgada, não acha?!
Suspirei, pronta pra cuspir na cara dele de novo.
— Eu estou falando serio, Rin. Não sou um cara mau. Você sabe disso.
A voz dele era como a de um sociopata.
— Não, não sei.
E eu não tinha muita noção do perigo.
— Não quero te fazer mal. Mas você não vai querer saber o que vai acontecer se foder comigo. — Ameaçou ele, aproximando-se mais de mim, valendo-se do próprio corpo para me manter contra a parede.
A rua estava vazia agora. Onde estavam todas as pessoas daquela maldita cidade?
— Você bem que gostava. — respondi, irônica.
— Você é uma vagabunda, garota. — xingou ele. — Se acha que sinto falta de foder você…
— Ah, com certeza sente. — retruquei com um risinho malicioso.
Ele riu, desacreditando da minha petulância.
— Maluca… — resmungou mais para si do que pra mim. — Tenho uma garota nova. Mais bonita, mais obediente…
— E mais nova também? Por isso está com medo de ir em cana? — provoquei. — Tem que tomar cuidado com o que faz e com quem mexe, Uzumaki. Você está buscando um sol quadrado e colocando a culpa em mim.
Ele não gostou. A outra mão fechou em meu pescoço. Eu cuspi na sua cara. Mas dessa vez não funcionou como o esperado, só serviu para que ele apertasse ainda mais a minha garganta, a ponto de que eu começasse a sufocar. Batia as mãos em seu pulso, meio desesperada.
— Escuta aqui, sua puta! — murmurou ele, nervoso. — Vou dar um jeito de você ficar bem quietinha…
Meu pé se remexia nervosamente dentro do tênis. O aperto dele era forte, firme. Eu implorava agora para que ele parasse. Mas Nagato era mais alto e mais forte. Estávamos na rua, do lado de fora, sob a luz do dia. Um homem passou, e outro e mais um. E ninguém me ajudou. Ninguém se meteu. Ninguém olhou.
Nos meus fones, que agora pendiam pela gola da blusa, a música do Linkin Park continuou a tocar.
Mais um minuto e eu sentia minha visão embaçar.
O barulho de uma moto se aproximou. O som era alto, parecia uma moto grande, deveria ser. Não consegui me atentar. Seus olhos raivosos eram provavelmente a última coisa que eu veria. E, no entanto, por alguma razão pela qual eu desconhecia no momento, Nagato me soltou. Senti-me tonta imediatamente.
Próximo de nós, um motoqueiro estava parado. A moto ainda estava ligada, o barulho do motor era suficientemente alto. O capacete impossibilitava o reconhecimento de quem quer que fosse. Mas eu não precisaria conhecer alguém que apontava uma arma para Uzumaki.
Olhei para Nagato, ali, indefeso, com as mãos levantadas como um cachorro miserável e inocente. Os olhos arregalados. A expressão assustada e inocente. Meu pescoço doía. E eu senti uma vertigem.
— Sai ou eu atiro. — disse o motoqueiro. — Agora! — ordenou.
Nagato foi se afastando, ainda com as mãos para cima. Ele caminhou de costas até o metrô.
— Vira de costas ! — ordenou o homem.
Nagato virou.
— Pode ir.
Nagato começou a correr. Mas não antes do motoqueiro acertar um tiro de raspão em sua perna. O barulho, alto, ecoou. Chamou a atenção. De repente, as pessoas que passavam, enfim, olharam para a cena. E me pergunto onde estavam quando eu precisava de ajuda.
Eu estava tonta e hipnotizada. Não conseguia correr, estava fraca, minhas pernas bambeavam. Não conseguia fugir, estava presa ali. O motoqueiro se voltou pra mim e disse:
— Vamos, sobe na moto.
A arma ainda na mão, apontada pra mim.
Eu seria assaltada? — pensei, com medo.
Levantei meus braços em sinal de rendição, caminhando com dificuldade até ele.
Ele era monocromático. O capacete, a jaqueta de couro, o moletom e a calça, tudo era preto. Até mesmo os coturnos escuros. Quando me aproximei o suficiente, ele abaixou a pistola. Não entendia de armas, não sabia que modelo era, mas era pequena e podia facilmente ser guardada. E foi o que ele fez. Colocou a arma na cintura, onde deveria estar anteriormente. Pelo puxar da roupa, pude ver parte de seu abdômen. A pele era excessivamente branca e a barriga definida e musculosa.
Tudo que veio a seguir pareceu absurdo e impossível.
O homem tirou o capacete. E eu o reconheci.
— Pedi pra você ficar longe de problemas durante esses três anos, Cinderela.
Era para a respiração ter normalizado. Mas ela se confundiu ainda mais.
O albino da festa. A coroa de plástico. O rei solitário.
— Porra! — xinguei, livrando-me do susto, colocando uma das mãos sobre o peito. — Meu Deus!
Finalmente consegui voltar a respirar, ou pelo menos ter autoconsciência de que ainda respirava.
Ele riu brevemente. Colocou o capacete na moto e se aproximou.
— Você tá legal? Quer ir ao médico ou coisa assim? — Ofereceu ele, a voz era cuidadosa e prestativa e não se assemelhava ao cara que havia conhecido na festa.
Aquele do nariz sujo de sangue após ter cheirado uma carreira de cocaína.
— Não… Tá tudo bem… Tá tudo bem. — balbuciei, enquanto controlava minha própria respiração.
Ele suspirou.
— Vem, vou te levar pra casa. — murmurou.
Eu recuperei o fôlego. Minha mente estava perturbada e meu corpo mole.
— Não precisa. Vou ligar pro meu namorado… — disse, confusa.
Estava assustada. Meu pescoço estava doendo e eu ainda sentia dificuldade de respirar. Nagato tinha voltado a me procurar. Bem que Obito havia avisado que era para eu tomar cuidado com esse cara. Meu peito subia e descia, era visível. Afinal, eu tive uma arma apontada pra mim. As imagens se misturavam na minha mente. Pânico. Pavor. Medo. E se ele voltasse? E se ele nunca desistisse? E se tentasse me matar?
E se tentasse algo pior do que isso?
— Obito, né? — O albino murmurou.
Eu olhei para ele.
— Ele estuda comigo. — explicou. — Somos da mesma turma de direito.
Isso explica ele estar na festa. Engraçado Obito nunca ter citado ele. Entretanto, Uchiha odiava o curso e todo o resto, com exceção dos próprios amigos.
De todo modo, eu também não confiava no albino. Pelo menos não agora.
— Posso te levar até ele. — Continuou ele.
— Obrigada, mas eu tenho uma prova e não posso faltar… — expliquei. — Acho que vou pegar o ônibus aqui mesmo e…
— Larga de ser teimosa! — exclamou ele. — Te deixo na faculdade e se quiser falo com seu namorado. — disse ele.
— Não! — exclamei, rápido. — Não precisa falar com ele. Deixa que eu falo. Ele vai ficar preocupado…
— E não é pra ficar? — retrucou ele. — Conhece aquele cara? — arqueou uma sobrancelha.
Eu suspirei. Perdida. Não estava necessariamente a fim de dar explicações sobre isso.
— Não é da sua conta.
— Eu atirei nele… Então meio que é sim — rebateu.
— Por que eu subiria na moto de um cara que tem uma arma na cintura? — indaguei retoricamente, nervosa e cansada de debater, esperando que ele desistisse e se afastasse.
Ele resmungou algo e disse:
— Porque acabei de atirar em um cara por você.
Ele apanhou o capacete e o atirou em minhas mãos. Não me dando escolhas.
— Sobe logo.
— Não vou subir só porque você tem um bom argumento — resmunguei.
Aquela esticomitia estava me enlouquecendo.
— Ah, vai sim. E é claro que eu tenho um bom argumento, vou ser advogado. Um ótimo advogado, por sinal.
— Sequer sei seu nome! — disse, meio frustrada.
— Kakashi. Kakashi Hatake. É o suficiente pra você ou preciso mostrar a carteira de habilitação?
***
Konoha, 2024
Dia atuais
Kakashi Hatake entrou na sala. Itachi tinha dito que ele poderia fazer aquilo sozinho, mas Obito alegou que ele era o delegado e, portanto, o responsável por todo e qualquer caso, sobretudo aqueles que contavam com uma gravidade como aquela. Apesar de ser investigador, Itachi estava abaixo na linha de poder e não teve escolha a não ser aceitar que o primo, e chefe, iria interrogar o albino sozinho.
A sala do Uchiha estava perfeitamente organizada agora. Todos os livros e pastas no lugar. Na mesa, a foto de Mei e Daiki.
Kakashi quis cuspir nele.
Algumas rixas nunca passavam.
Notes:
Eu amo muito essa fanfic e escrever esse capítulo foi uma experiência bem divertida pra mim. Sim, é um capítulo cheio de emoções e conflitos. Uma coisa interessante é que o sonho da Rin é uma referência direta a uma das minhas fanfics chamada "A dama e o vagabundo" ou melhor ADEOV! Eu amei demais escrever essa cena e fazer essa brincadeira entre os shipps pra quem já é meu leitor antigo.
De todo modo, a cena com o Nagato foi bem pesada e difícil de tecer e uma curiosidade é que me inspirei na estação de metro de Pinheiros (Linha 4 Amarela) porque ela tem escadas infinitas, lê-se 5 lances de escadas muito altas para subir e descer e isso realmente complica minha vida de estudante às vezes kkkkkkkkkkk.
Eu espero que vocês estejam curtindo a narrativa, por favor deixem um comentário <3
Chapter 10: Capítulo 9: O interrogatório
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Konoha, 2024
Dias atuais
Kakashi era o tipo de homem que não morreria por você. E não pense que algo mudaria isso. Ele não ficaria chorando pelos cantos e muito menos gemendo e sussurrando seu nome à noite. Ele lida com a perda como um soldado em meio a guerra: tragédias são tragédias, acontecem todos os dias. É inevitável. Isso não significa que ele não sente. Significa que ele não demonstra. É por isso que é um ótimo advogado. Defenderia até o diabo e ainda o convenceria de que ele era inocente. Herege dos lábios às palavras.
Kakashi é do tipo que mataria por você. Em silêncio, sempre. Ele não gosta de estardalhaços, grandes coisas. É quieto e meticuloso, como um felino. É por isso que quando toda a cidade se reúne no funeral de Nohora, ele se sente incomodado. É aparentemente lindo pensar em toda uma comunidade desolada e chorando por você, compadecendo-se por e com você. Seria lindo se não fosse falso e performático.
O fato é que ele detestava toda aquela atenção. Também detestava a enrolação com relação à investigação. Rin poderia facilmente ter se matado, afinal, as coisas não iam bem há tempos… E, no entanto, não foi isso que aconteceu. O que também não era nenhuma surpresa, Nohora sempre fora uma suicida ocasional, para todos os fins: sempre se metendo em problemas e rindo de cima do penhasco.
De qualquer forma, não era mais um problema dele.
Um incômodo no peito a mais e uma solidão não fariam diferença. Ele estava habituado.
Mas estar sentado diante de Obito Uchiha instalava em si um incômodo antigo. Um incômodo que ele não acostumava facilmente. Fazia parte do combo de problemas que Rin Nohara havia trazido consigo desde o maldito momento em que a vira naquela festa, há o quê? Dezesseis ou quinze anos atrás? Não se lembrava mais. Também não gostava de pensar. Não se ocupava mais com isso. O fato é que a morte de Rin vinha acompanhada de uma série de confusões: a polícia no seu pé e o péssimo marketing que isso traria para a campanha que pretendia lançar. Era a cara de Nohora mesmo, morrer só para provocá-lo. Aquela mulher maldita.
— Bom, Senhor Hatake, você é da casa e sabe exatamente o procedimento legal que está sendo tramitado por aqui, o que dispensa mais explicações. — Uchiha iniciou a fala. — Mas, caso queira, posso explicar nossa abordagem…
Kakashi molhou os lábios antes de falar.
— Não, obrigado. Podemos começar.
Obito assentiu.
A sala do Uchiha estava perfeitamente organizada. Todos os livros e pastas no lugar. Na mesa, um porta retrato com a foto da família feliz. Kakashi se perguntou como seria, como seria se Nohara nunca o tivesse escolhido. Aquela mulher era uma praga dos infernos em sua vida. Se Deus tivesse piedade de si, jamais deixaria aquele casamento amaldiçoado acontecer. Mas os Hatake eram mesmo meio amaldiçoados…
Itachi Uchiha entrou na sala.
— Obito, vou pedir pra você coletar o depoimento dele na sala de interrogação, por favor. — informou o moreno. — Quero ter registro de todas as informações.
O delegado não pareceu gostar da intromissão. Mas concordou, mesmo com a testa franzida.
Indicando o caminho, Obito se levantou e acompanhou Kakashi até a sala de interrogação, que era um espaço pequeno e claro demais, uma luz praticamente clínica. A sala era coberta de câmeras e microfones estrategicamente escondidos, feitos para que a vítima ou o suspeito não se sentissem imediatamente acanhados ao falar, mas que pudesse ser coletado toda e qualquer informação disposta por eles.
Kakashi se sentou de frente para Obito, com as mãos entrelaçadas sobre a mesa, à vista, sempre. Um truque tão antigo quanto o tempo, mas notável.
— Daremos início ao seu depoimento, Sr. Hatake. Saiba que toda e qualquer informação dita nesta sala será gravada e os direitos de imagem e gravação pertencerão única e exclusivamente a Polícia Civil e ao Tribunal de Justiça, que arca com a responsabilidade de utilizar esse material apenas para os fins legais da investigação e demais atos pertencentes à morte de Rin Nohara Hatake. Lembrando-o que qualquer coisa dita aqui poderá ser usada a seu favor ou contra a sua pessoa em um possível tribunal ou demais ocorrências do caso. O senhor está ciente de todas as informações?
Kakashi suspira.
— Sim. Estou ciente.
— O senhor está ciente de que este depoimento fará parte da coleta de dados do caso de homicídio de Rin Nohara Hatake e que qualquer informação prestada pelo senhor que seja considerada ou comprovadamente falsa pode ser enquadrada como perjúrio, crime inafiançável e incontestável, que leva a três ou seis anos de reclusão?
— Estou ciente.
— Certo. Podemos começar?
— Sim.
Obito era insuportável quando jovem e estudante. Mas conseguia ser pior como delegado.
— Senhor Hatake, farei algumas perguntas sobre sua falecida esposa, Rin Nohara.
Kakashi assentiu.
— O senhor a encontrou morta na manhã de terça-feira, 22 de outubro de 2024, por volta das seis e meia da manhã, correto?
— Correto.
— O senhor a encontrou desacordada na cama do casal, quarto principal. Correto?
— Correto.
— O senhor poderia descrever para mim como isso aconteceu? Quando notou que ela estava morta, como a encontrou… Gostaria de saber as circunstâncias exatas que o levou a ligar para a polícia e como foi exatamente o seu proceder perante ao caso e principalmente antes de descobrir que sua mulher estava morta.
— Certo. — Kakashi limpou o pigarro na garganta. — Eu não passei a noite em casa de segunda-feira para terça-feira. Eu tinha ido ao bar com alguns colegas e nós estendemos o momento.
— Então o senhor dormiu fora?
— Sim.
— Onde, para ser mais específico?
Kakashi suspirou, desconfortável com a pergunta. Obito tomou nota. Do lado de fora, Itachi analisava.
— Eu dormi em um motel na Capital. Passei a noite lá, mas saí cedo, por volta das quatro da manhã. Cheguei em casa às seis e meia. Estacionei o carro na garagem e entrei pela porta dos fundos. Eu fui diretamente para o banheiro principal, que fica do lado de fora da suíte onde minha mulher estava dormindo. Tomei banho, o que deve ter levado cerca de quinze à vinte minutos. — Kakashi falava bem, explicava sucintamente, mas dava detalhes e horários. — Depois que saí, fui até o nosso quarto para pegar uma muda de roupa no closet e notei que ela estava dormindo. Mas o modo como estava deitada era peculiar.
— Peculiar como? — indagou Obito.
— Ela estava dormindo de bruços… Ela não costumava dormir assim. Não é comum dela.
— E foi isso que sugeriu a suspeita?
— Sim. Achei estranho ela estar de bruços.
— E o que você fez?
— Eu me aproximei e notei que a cartela de remédio estava vazia. Pensei que ela poderia ter tomado uma dose exagerada. Coloquei a mão sobre o corpo dela e senti o frio.
A voz de Kakashi era calma. Ele não esboçava nenhuma expressão que ajudasse na imagem de vítima. Era difícil defender um homem que não quer ser defendido. Mas, em sua defesa, apenas culpados precisam de advogados.
Mas, em sua acusação, ele parecia um sociopata.
— E então?
— Apanhei o pulso e não senti. Virei ela na cama e notei que ela estava mole demais e gelada. Mesmo após o movimento mais brusco ela não acordou. Constatei que estava morta. Liguei para a polícia.
— Certo.
O ar na sala era gelado. Kakashi mantinha as mãos à vista. Falava com calma, com manha. Não era um sujeito confiável, nunca fora — pensou Obito. Ele anotava os horários e as informações primordiais em um bloco de notas simples, de capa preta. Mei havia lhe dado na última vez que fora à papelaria.
Itachi observava a conversa, tomando algumas notas. Kakashi não via a hora de se mandar dali.
— Agora, o senhor pode me falar um pouco da sua relação com a vítima? Gostaríamos de saber como era a relação nos últimos tempos, o comportamento dela e como as coisas funcionam em casa… Quem tinha acesso, quem não… A rotina no geral. — Obito diz.
Kakashi quase sente uma vontade genuína de sorrir. Ele e Obito nunca se suportariam, nem mesmo por ela. Nem mesmo com ela morta. Algumas rixas nunca passavam. Uchiha sentiu o mesmo gosto amargo na boca que Hatake experimentava.
— Rin e eu éramos casados há dez anos. Ela é professora, sou advogado. Saímos cedo todos os dias. De terça e quinta ela dá aula de manhã e noite, o resto da semana é de manhã, acho.
— Acha?
— Acho, não tenho certeza.
— Por quê? — indagou Obito com uma sobrancelha arqueada.
— O senhor é casado, delegado?
— Não estamos falando de mim.
— Acredito que seja. Veja bem, eu não sei cada passo da minha mulher. E imagino que o senhor também não saiba da sua.
— Sr. Hatake, eu peço que o senhor me respeite e foque no depoimento. Eu fiz uma pergunta.
— Não desrespeitei o senhor, delegado. Mas, como você bem percebeu, não tenho certeza. Sou um homem ocupado, como o senhor. O mundo judicial nunca descansa e o crime nunca dorme. O senhor me entende bem.
Obito quis arrancar os olhos daquele maldito. Ele bem sabia como Kakashi se beneficiava defendendo criminosos.
A cena era tensa. Kakashi não esboçava expressões, mas seu interior pegava fogo. Obito já deveria estar habituado com aquele trabalho miserável e boçal. E, no entanto, ele olhava para um quadro antigo trancado no porão de sua mente. Rin Nohara, ele e Kakashi Hatake partilharam uma parte complicada e confusa de suas vidas. Os três tinham segredos demais e, no entanto, viviam como se não se conhecessem. Era quase uma dupla identidade difícil de mascarar por tanto tempo.
— E o que mais, Hatake?
Kakashi quase sorriu ao notar que Obito perdia o profissionalismo.
— Ela trabalha e quando não está na escola, está em casa lendo ou corrigindo provas e trabalhos de alunos. É dedicada ao trabalho e por isso não temos muito contato. Quando chego do escritório, ela costumeiramente está dormindo. Aos finais de semana, costuma assistir séries, visitar os pais e os irmãos ou ler o dia todo, quando não me acompanha em compromissos com clientes.
— E o que mais? Amigas? Amigos? Alguém que frequente a casa de vocês? As pessoas sabiam que ela tomava remédio controlado? Há quanto tempo começou?
— Ela não tem muitos amigos. Acho que uma ou duas amigas da época de faculdade… — Kakashi coçou a nuca. — Mais ninguém frequenta a casa além de nós e as empregadas. Temos duas. Uma para limpar, a outra para cozinhar. Elas vão todos os dias. Não fico muito em casa, então não sei da rotina cotidiana. Com relação aos remédios começou há cerca de cinco ou quatro anos atrás… Ela passou no psiquiatra e ela mudou de remédio faz um tempo já, mas não sei a especificidade.
— Certo. Ela bebia?
— Apenas casualmente, acho.
— Fumava?
— Não sei. Fumava, antes.
— Tinha algum vício além disso?
— Só sexo.
Os lábios de Kakashi se curvaram em um sorriso malicioso e diabólico. Ele se divertiu, pelo menos. Obito o achou não só irritante, mas nojento. Imagine ficar dez anos casada com aquele sujeito. Não o admira que as coisas tenham acabado daquele jeito…
— Algo além disso? — A voz fora incisiva e ameaçadora. — Mais uma brincadeirinha e o senhor pode sair preso daqui, sabe disso Sr. Hatake.
— Compreendo perfeitamente — O albino pigarreou antes de dizer: — Mas não, ela não tinha vícios. Não do meu conhecimento. Mas costumava estar sempre tomando analgésicos para dor de cabeça e coisas do tipo. Reclamava muito desse tipo de coisa, mas assumia que era por conta da exposição de tempo às telas.
— Certo. Sabe se ela tinha tendências suicidas? Sabe se ela já tentou suicídio…?
— Não que eu saiba.
— E o que o senhor sabe, Sr. Hatake? — Obito debochou disfarçadamente, irritado.
— Desculpe?
— Isso é tudo que sabe sobre ela? — Uchiha reformulou.
Mas o eco da pergunta não conseguiu passar pelas milhares de memórias de Kakashi.
Não conseguiu transpassar pela imagem de Nohara sorrindo para si, acendendo um cigarro com seu isqueiro cor-de-rosa. Pelos olhos nublados de desejo, para os lábios carnudos e a boca em formato de coração e o sorriso lascivo e satisfeito. Não conseguiu vencer o medo e o toque quente. Ela tomava forma em seus braços, debochava dos casais quadrados e jurava ser uma eterna amante. Eles casaram de uma forma bela e pública, mas não sem antes fugir em segredo e viver uma lua de mel proibida. Eles fizeram juras como Romeu e Julieta, mas a morte só levou um. Eles mergulharam nas próprias mentiras.
Ele se lembrou daquela festa, e da presença nublada e psicodélica de uma mulher que falava demais, que tomara sua coroa e seu palácio para si. Ele lembrava de estar se sentindo no céu, e de enlouquecer. Ele lembra de jurar que arruinaria qualquer um que tocasse nela, de amaldiçoar o homem que a tinha. Ele se lembra perfeitamente de atirar em alguém por ela e da forma como o corpo dela se apertou sobre o dele e como o coração de Nohara batia descompassado e ela tinha um cheiro doce e inocente. Ele se lembra de ter jurado que, por ela, mataria qualquer um. Ele se lembra de ir salvá-la da terrível torre, e de levá-la para longe dos dragões e dos cavaleiros. Ela passava tempo demais com o bobo da corte. Ele lhe prometeu grandes aventuras e a liberdade de um amor sacana.
E então ele se lembrou de estar preso em uma torre alta com ela, de encarar a tapeçaria rasgada e um berço vazio. Ele se lembrou do cheiro de álcool e da garrafa de uísque quebrada e do tapa que ela deu em sua cara e do vermelho que ardia contra sua bochecha e da casa vazia. Ele se lembrou do cheiro de perfume masculino e dos lábios infiéis e das lágrimas nos cantos dos olhos.
— Isso é tudo.
— Itachi, você pode assumir daqui. — Obito disse, levantando-se da cadeira e deixando Kakashi ser punido por suas próprias memórias.
Uchiha olhou para ele com nojo e nenhuma piedade.
Espero que Rin o amaldiçoe até seu último dia, canalha.
Mas o sepulcro de Nohara sorria para os seus amados meninos.
Afinal, era possível amar os dois?
Notes:
A primeira atualização do ano tinha que ser da minha bebê favorita: Algozes <3
Eu simplesmente amei escrever esse capítulo porque ele me leva para esse lugar sombrio das mágoas e das rixas passadas. Também amo contar pra vocês quem Kakashi é e como ele lida com sua própria merda. Além disso, a ideia da interrogação me levou de volta para aquele interrogatório divertidíssimo do Lula e do Sérgio Moro, o qual me inspirei descaradamente.
Enfim, espero que tenham gostado!
Por favor, comentem, isso me incentiva muitoooo!!!!!!!!! <3
Chapter 11: Capítulo 10: A pulga e o amante
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Capital, 2010
14 anos atrás
Obito está sentado na minha cama de solteira. Ela está bagunçada, com o edredom de um lado e os travesseiros de outro. Os ursinhos de pelúcia e almofadas estavam em todos os lugares. Konan não está, foi passar a noite com um dos ficantes. O Uchiha tem olhos nublados e as sobrancelhas franzidas. Sua mandíbula está trincada, ele range os dentes. Tem as mãos unidas, está preocupado. Eu o olho e quero destrinchá-lo. Cortar parte por parte. Quero decifrá-lo. Olho com interesse porque busco por todas as suas facetas. Eu era uma mulher muito inconsequente na época. Sempre estive andando por uma corda bamba fina demais…
— O que está pensando? — indago eu, despindo-me da calça jeans.
Ele não olha para o meu corpo, por mais que goste. Está concentrado nos próprios pensamentos e parece ocupado demais com eles.
Uchiha suspira.
— Obito — chamo ele de novo.
Finalmente olha para mim. Os olhos negros estão nublados. Eu enxergo o ódio.
— Que foi, Rin? — pergunta ele, estressado.
Eu suspiro.
— Eu fiz uma pergunta.
Ele suspira.
— Estou preocupado, porra! — xinga ele, nervoso. — Sabe o que aquele cara poderia ter feito com você?! Eu pedi pra você tomar cuidado… — diz ele. — A culpa é minha… Eu deveria ter levado você até lá… — balbucia ele.
Eu bufo. Já tivemos essa conversa no carro, voltando da faculdade. Mas Uchiha não conseguia relaxar, não conseguia se convencer de que aquilo tinha acontecido. E tudo bem, havia muito para assimilar. Quero dizer, eu tinha sido perseguida, Nagato havia tentado me bater, literalmente me ameaçar, um cara surgira e atirara nele, eu tinha subido na moto de Kakashi Hatake, o desconhecido da festa que agora se tornara não só um conhecido, mas dado rosto ao garoto órfão de Konoha. Muito a ser assimilado...
O mundo era mesmo pequeno… Qual a probabilidade? Eu poderia dizer que era o destino.
Mas o destino não seria tão cruel…
Hatake me levara até o meu prédio após eu dizer que precisava fazer uma prova, não podia encontrar Obito naquele instante. Eu estava atrasada e não dava tempo de agradecer. Apenas desci da moto e corri para a sala. Sentada na carteira, com a folha repleta de questões teóricas sobre a língua de sinais, eu suspirei. Senti vontade de chorar, a adrenalina se esvaindo do meu corpo. Pensei no que aconteceria se aquele albino não tivesse chegado. Respirei fundo, tomei um gole de água e comecei a escrever.
Uma hora e meia depois, eu saía da sala, exausta. Apanhei meu celular na mochila para mandar uma mensagem apressada para Obito. Na caixa de mensagens, havia um recado dele:
“Boa sorte na prova hoje, princesa!”
“Te amo <3”
Bufei. Apanhei meu cabelo e prendi em um coque. Olho ao redor do pátio e encontro Kakashi Hatake, ali, parado, com dois capacetes na mão.
Ele estava me esperando. Andei até ele.
— Conseguiu fazer a prova? — perguntou ele assim que estava próxima suficiente para escutá-lo.
Eu tinha muitas questões. Nenhuma delas se relacionava com a teoria da língua de sinais.
— Por que ficou me esperando? — disparei, andando em direção a ele.
Hatake sorriu. E o sorriso dele era aquela mesura sacana pela qual eu passei tantos dias me lembrando antes de dormir, sobretudo quando estava sozinha com meus segredos.
— Eu disse que te levaria até o seu namorado, lembra? Ele está tendo aula, não pode te buscar… — explicou Hatake como se fosse óbvio. — Não é seguro pra você sair andando sozinha…
Tanta coisa havia acontecido que eu não conseguia sequer processar as palavras que havia trocado com Hatake, exceto que estava me opondo a ideia de vir para cá com ele e, no entanto, não funcionou muito bem.
— E por que seria melhor sair acompanhada por um cara armado? — retruco, nervosa.
Estava confusa. O suor frio ainda não tinha abandonado meu corpo desde o momento em que Nagato havia tocado em mim. As cenas se embaralhavam. Seu corpo contra o meu, o som do motor da moto, o barulho que ecoava do tiro, a imagem do Uzumaki se afastando de nós e do sangue escorrendo de sua perna manca. Os olhos negros de Kakashi e os lábios retilíneos. A imagem dele às vezes se mesclava ao rei destruído da festa, onde a fumaça nublava tudo…
— Um cara que atira em outras pessoas por você. — pontuou Kakashi, dando uma risadinha maliciosa. — Relaxa, vai. Eu tenho permissão pra isso, não se preocupe — explicou ele brevemente. — Além disso, estou fazendo um favor pro seu namorado… Já é o segundo. Vou começar a cobrar pelos serviços…
Reviro os olhos, irritada.
— Relaxa, já falei com Obito. — Kakashi se explica. — Logo mais você vai estar com seu príncipe encantado. Não se preocupe. Sou apenas o cocheiro. — Suas palavras são divertidas, mas seu olhar é denso e o tom da sua voz é irônico.
Se eu tivesse que apostar, diria que ele odiava o fato de eu ter namorado. E nisso eu o compreendo, porque eu o odiava justamente por ele não ser meu.
Eu suspiro. Dessa vez, sem resistência nenhuma, pego o capacete de suas mãos, coloco e subo na moto atrás de si. Ele não demora de acelerar e nos mandar para longe dali. Eu aperto meu corpo contra o dele, abraçando sua cintura com mais força do que o necessário. O dia está frio, o tempo úmido. Parece que vai chover a qualquer minuto. Eu torço para que não. O cheiro do perfume dele é caro e forte. Masculino demais. Intoxicante demais.
Mas tenho muitos pensamentos perturbados em minha mente. Nagato de fato havia voltado a me procurar. Por quê? Ele realmente achava que eu tinha denunciado ele? E que porra foi aquilo? Ele realmente ia… Não quero pensar no que podia ter acontecido. Kakashi havia chegado.
E que porra Kakashi era? O órfão de Konoha. O garoto pelo qual eu nunca me interessei. O milionário solitário criado por um tio distante, do qual a gente só ouvia falar. O lindo albino chapado da festa, dono daquela mansão magnífica era o herdeiro metido da faculdade de direito. Era o motoqueiro maluco e armado que havia milagrosamente me salvado de Nagato.
Muito para digerir.
Eu suspiro e abraço ele. Tendo a desculpa da moto e da segurança, eu meio que me aproveito disso para algum tipo de consolo. Estou meio chocada com tudo que aconteceu. Talvez realmente Obito estivesse certo. Eu precisava tomar cuidado.
Quando finalmente chegamos no campus do direito, Obito está pro lado de fora. Ele usa aquela jaqueta corta-vento azul marinho da qual tanto gosto. Seus olhos estão arregalados e ele está nervoso, andando de um lado pro outro. Kakashi estaciona e ele praticamente vem correndo até nós. Desço da moto com ajuda dele, me livro do capacete e ele me abraça abruptamente.
O perfume dele não é tão caro, nem tão forte quanto o de Kakashi, mas me sinto muito mais confortada.
— Fiquei tão preocupado! — exclamou ele, próximo ao meu ouvido.
Os braços dele me circundavam com força. Eu respirei profundamente, tentando captar o cheiro dele, tentando me afagar em seu abraço.
Kakashi se afastou. Obito murmurou umas palavras de agradecimento e o Hatake deu de ombros com um sorrisinho e disse que depois eles se acertavam.
Apesar do abraço firme e dos beijos depositados carinhosamente no topo da minha cabeça e na minha testa, Obito continuou preocupado. No carro, de volta para o meu dormitório, ele frisou quantas vezes havia me avisado para tomar cuidado com Nagato. Também me fez recontar exatamente tudo o que havia acontecido. Como Nagato me perseguiu pelas escadas do metrô, as coisas que ele disse, como me encurralou e como Hatake chegou e atirou nele.
E, mesmo assim, ele ainda se culpava, dizendo que deveria ter me levado até a faculdade.
Mas minha cabeça estava cheia demais. Livro-me da calça jeans, da blusa e do sutiã. Coloco uma camiseta de banda antiga e subo na cama, andando de joelhos até onde Obito está. Passo por trás dele e o abraço. Os músculos estão tensionados, mesmo assim ele apanha minhas mãos e as acaricia. Eu dou um sorriso contido e o escondo em sua nuca.
— Você precisa relaxar… — sussurro. — Nós precisamos, na verdade.
Ele suspira.
Eu me solto rapidamente dele apenas para apanhar o maço de cigarros e meu isqueiro novo. Atrás dele, acendo o cigarro. Ele sabe o que eu faço. Trago um pouco até sentir o relaxamento imediato da primeira lufada de ar. Depois, volto a passar as mãos sobre as costas dele, chegando até seus ombros e seu peito.
— Toma — Com o cigarro entre os dedos, aproximo-os dos lábios de Obito. — Você precisa relaxar também…
Obito não gostava muito do fato de eu ser uma chaminé ambulante. Mas não dizia nada. Ele nunca fumava. Nunca. Mesmo que eu oferecesse. Hoje era uma ocasião fora do comum e, por tal, eu o tento já sabendo a resposta. Mas, diferente do que imagino, ele aceita o cigarro entre os lábios e o traga enquanto seguro entre os dedos. Analiso a forma como ele se movimenta, vejo o ar entrar e sair junto a fumaça. Ele automaticamente relaxa e a tensão vai pouco a pouco indo embora.
Eu me apaixono mais uma vez. Dou uma risada maliciosa. Ele olha pra mim com olhos nublados e tira o cigarro da minha mão. Ele traga mais uma vez e joga as cinzas no cinzeiro ao lado da minha cama. Eu me ajeito e subo em seu colo, ficando de frente para ele. Uchiha sussurra:
— Eu te amo.
Eu me delicio.
Ele pende a cabeça para trás, dobrando o pescoço. Ele traga como chupa: com devoção. Eu o admiro enquanto faz. Eu me apaixono em consumi-lo. Eu me apaixono em arruiná-lo.
As semanas se passaram. Depois do ocorrido, eu tinha medo de andar sozinha. Obito estava sempre comigo, quando não podia, Tsunade ou Konan se encarregavam de me acompanhar. No entanto, Uchiha havia se tornado meu motorista particular. E eu também passava mais tempo em sua casa do que no dormitório. As férias finalmente chegaram e a época de voltar para Konoha também. Para minha surpresa, eu havia tirado dez na prova de língua de sinais que havia feito naquele fatídico dia. Dei uma risada incrédula da nota. Quem diria?
Mas havia muito sobre as profundezas. Kakashi Hatake não saía da minha cabeça. Aquilo começava a me incomodar um pouco. Ele era, de fato, bonito, charmoso e todos os outros adjetivos. Ainda me lembrava daquela imagem tão bem feita de quando nos encontramos a primeira vez na festa em que Obito me levou. O homem com a coroa de plástico. O nariz sangrento e os olhos avermelhados. A voz arrastada e o cheiro de bebida e perfume caro. A voz rouca e as tiradas sarcásticas. Lembrar era uma coisa, mas ele estava ativamente em minha mente. Eu não conseguia passar um dia inteiro sem lembrá-lo. O barulho ensurdecedor da bala sendo disparada e dos olhos frios. O seu cheiro e o breve consolo que obtive abraçada com ele em sua moto, correndo pela cidade movimentada e fria.
Ele era uma pulguinha bem desconfortável.
A prova disso? Nunca havia o visto em Konoha, mesmo morando quase toda a vida lá. Eu sabia seu nome, sua breve história, mas não fazia ideia de seu rosto. E Deus do céu, como eu era sortuda por não saber. Entretanto, bastou a primeira semana de volta à casa dos meus pais e ao caixa principal do mercado dos Nohora para que eu o encontrasse por lá.
As pessoas olhavam para ele, e com razão. Ele chamava a atenção, afinal a vista era boa demais. Usava roupas caras, jaquetas de couro e casacos elegantes. Ele cheirava a dinheiro estrangeiro. Eu estava mal-vestida, sem saco para as pessoas daquela cidade ridícula. Usava um moletom velho e meu cabelo estava sujo e preso por um coque. Ele chegou no caixa com cinco pacotes de preservativo, colocando-os sobre a esteira para que eu cobrasse o valor. Sem olhar para ele, passo e a tela do computador informa quanto é. Apesar disso, digo em voz alta:
— Ficou 37,90. — Depois olho para ele e digo: — Só isso?
Ele ri.
— Você acha que precisa de mais? — retruca ele com um sorriso sacana.
Eu solto o ar pelo nariz, meio soprado. Quero rir, e quero xingá-lo. Ele usa uma jaqueta de couro e um moletom preto por baixo. Seu pescoço tem um chupão roxo propositalmente à vista. Reviro os olhos.
— Débito, crédito ou dinheiro?
Kakashi saca o dinheiro do bolso e paga a mais.
— Fica com o troco. — diz antes de sair.
Eu pego o dinheiro a mais e coloco no bolso da minha calça jeans. Aquele babaca. Aquele babaca gostoso…
Mas Kakashi não era o único a frequentar o mercado de meus pais. Obito dava um jeito de comprar qualquer coisa que fosse só para me encontrar por lá já que, sob muitos protestos meus, ele finalmente concordou em guardar segredo do nosso namoro. Eu não queria que meus pais e os seus soubessem, já que isso significava que a cidade inteira saberia e, por consequência, na nossa próxima vez, já estaríamos comemorando um casamento e os possíveis filhos. Eu queria guardar Obito para mim. Ele era o meu segredo particular. Possuí-lo pertencia única e exclusivamente a mim. Nesses termos, ele dava um jeito de ir ao mercado para comprar qualquer coisa: cerveja, batatinhas, maçãs ou mesmo cigarros — Obito sequer fumava.
Eu sempre o atendia, dava uma risada disfarçada e o tratava como qualquer cliente. Ele dava um jeito de me entregar algum bilhete sórdido, sempre com uma mensagem breve de: “Estou com saudades” ou “Eu te amo” e, de vez em quando um “Espero que esteja usando aquela calcinha preta hoje”. Além de namorar escondido, também nos encontrávamos pela penumbra, para combinar, é claro. Eu dizia que ia à casa de Tsunade — outra que nunca estava em casa também, é claro — , para me encontrar com o Uchiha. Quando seus pais saíam ou já estavam dormindo, eu corria para o quintal de sua casa, escalando o pé de manga ao lado da janela do quarto dele. Entrava escondido, de fininho. Obito me pegava no colo e nos jogava sobre sua cama, prendendo meu corpo ao dele e nunca soltando. Outras vezes, nos encontrávamos na casa da árvore que ele tinha no quintal. Passávamos a tarde conversando, nos beijando e transando. Ele trazia o notebook para que pudéssemos ver filmes no YouTube, já que não podíamos usar a sala livremente.
Qualquer brecha, estávamos juntos. Eu dizia que iria até a casa de uma amiga, que iria à biblioteca ou à lanchonete. Nunca ia. Quando meus pais saíam e eu não precisava trabalhar no mercado, Obito vinha para casa. Ele ria dos pôsteres na parede do meu quarto e dizia que Edward Cullen podia até ser legal, mas que apesar de não ser imortal, ele também morreria e mataria por mim. Eu ria dele, enroscando minhas pernas sobre sua cintura.
Mas a pulga e o amante não eram as únicas coisas em Konoha. Quando voltei, a notícia de que nosso antigo professor de história, Nagato Uzumaki, havia sido preso corria por toda a cidade. A família dos Uzumaki estavam mais reclusos, mal saiam de casa. As pessoas comentavam e não tinham dó. Kushina estava desolada. Ela não queria mais falar comigo. Tsunade disse que a ruiva havia ficado muito magoada. E, aparentemente, todos acreditavam que eu estava por trás daquela denúncia. Apenas Obito acreditava em mim…
— Eu não fiz denúncia nenhuma! — exclamava eu, frustrada.
Ele acariciava minha cabeça, fazendo um cafuné preguiçoso.
— Eu sei que não, princesa… — murmurava. — Mas aquele traste mereceu… Se eu fosse você, não me preocupava com isso… Ele mereceu, de qualquer forma… — Uchiha dizia.
— Eu sei, mas as pessoas…
— As pessoas que se fodam, Rin. O cara é a porra de um pedófilo! — Obito se irritava quando se tratava de Nagato. — Gente assim nasce podre. Você tem que cortar o mal pela raiz… Não adianta esperar que um galho se cure quando todo o resto está apodrecendo.
Eu concordava com um suspirar pesado. No fim das contas, não precisava me preocupar com a minha segurança depois disso. E, de certa forma, ficava aliviada. Às vezes, à noite, eu sonhava que estava prestes a morrer. Parecia um prenúncio. Nagato estava lá. Kakashi também. Obito vinha me salvar, mas era tarde demais.
Às vezes, à noite, eu tinha medo de que isso acontecesse. Que eu morresse. Que Obito chegasse tarde demais…
Notes:
Esse capítulo é mais curto, porém, informativo!
Esse é um capítulo que traz muitas informações pro leitor e ao mesmo tempo deixa a gente mais parado no espaço-tempo, mas gosto muito dele porque temos de volta nossa amada narradora e sua confusão mental entre uma pulga e um amante: e isso diz muito sobre o futuro da fic, da Rin e dos personagens de Algozes!
Espero que tenham gostado e até a próxima!!!!
Chapter 12: Capítulo 11: O tique-taque
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Konoha, 2024
Dias atuais
Obito acendia um cigarro do lado de fora da delegacia. Ele sabia que sua conduta com Kakashi Hatake não fora das melhores, tinha plena consciência disso. Entretanto, não conseguia pensar em um cenário onde ficasse controlado o suficiente ao ouvir Kakashi falando de Rin de uma forma tão trivial, como algo supérfluo, sobre o qual ele mal sabia. Já faziam anos, mas talvez o Uchiha não tivesse necessariamente superado tudo que havia acontecido.
Perder Rin Nohara para Kakashi Hatake fora um baque do qual ele nunca havia superado. Nunca superaria, acho. Mas perdê-la para sempre sob a tutela dele lhe parecia ainda mais venenoso…
Itachi saiu da delegacia e foi até Uchiha alguns minutos depois.
— O que foi aquilo? — perguntou, apanhando um maço de cigarros do bolso e acendendo o seu próprio.
Obito relaxou os ombros.
— Aquele cara… Não suporto aquele cara… — confessou. — É o pior tipo de gente que existe… O trabalho dele é sujo. Ele é sujo, Itachi. Não duvido nada que tenha matado a própria esposa… Só precisamos descobrir o porquê. — Obito não tinha tanto controle das próprias palavras como gostaria e o ódio escorria pelo canto da sua boca como um lobo salivando pela presa.
Itachi o observou em silêncio. Apesar de Obito não ter conhecimento, Itachi sabia uma parte muito reservada da história: Rin e Obito namoravam e então Kakashi chegou e a tomou, casando-se com ela. Desde então, Obito havia seguido em frente e nunca mais pensado na filha dos Nohara. Itachi não sabia dizer o quanto daquilo era o instinto inegável de Obito para farejar homens ruins e o quanto era rancor reprimido por anos… No entanto, não cabia a ele decidir isso, nem mesmo podia, Obito era o delegado, Obito era seu chefe, o primogênito da casa principal.
— Acho que você tem que se controlar… — Ele media cuidadosamente as palavras com o primo. — Não sei o quanto você a conhecia… Mas precisa ser um caso como os outros. Precisamos de frieza e meticulosidade… — Aconselhou.
Obito tragou mais uma vez.
— Você tem razão… — Admitiu. — Me deixei levar… Ele era muito arrogante e detesto pessoas assim… O dinheiro compra tudo, Itachi. Menos o caráter. — Apagou a bituca de cigarro no muro e a jogou no lixo.
O resto do dia dedicou-se ao recolhimento dos depoimentos de conhecidos de Rin Nohara. Obito escutou os pais da mulher. Eles já estavam de idade e, por vezes, precisavam tomar água e respirar antes de continuar. A narrativa deles era, obviamente, a mais consistente e menos acusativa.
“Rin é uma ótima menina…”
“Rin é uma professora excelente”
“Ela é muita calma e quieta, não gosta de conversar ou falar sobre sua vida pessoal”
“Ela é uma pessoa reservada”
“Rin nunca nos deu trabalho… Teve uma época na faculdade em que ela começou a ficar mais levada sim… Mas ela era adulta e sabia o que estava fazendo”
“Nunca fomos muito a favor do casamento com Kakashi… Não que ele fosse um menino mau, nunca foi… Sempre um homem direito, de respeito… É só que… Ele não teve família, não é? Não dá pra confiar em pessoas assim…”
E então, o depoimento das amigas… Tsunade, no caso, era o depoimento mais revelador até então. A amiga estava abalada, desacreditada de tudo.
“Rin foi diagnosticada com depressão. Ela tomava remédios há um bom tempo, mas não consigo estimar necessariamente quanto.. Talvez uns dois ou três anos? Não sei direito. Ela teve fases depressivas bem sérias… Tudo começou quando ela perdeu o bebê. Começou não, terminou. Depois disso, o casamento com o Kakashi desandou. Eles viviam em um mar de rosas, parecia um conto de fadas… Mas tudo foi pro ralo depois da cirurgia. Rin queria ser mãe, Kakashi não se importava com nada além dela. A gravidez foi de risco e então ele teve que escolher entre salvar ela ou o bebê. Bem, Hatake escolheu ela. Mas ela teria escolhido o bebê. Desde então, Nohara entrou em parafuso… Eles ficaram distantes. De fato, não tinham muito contato. Ele trabalhava muito e nunca estava em casa. Ela passava a maior parte do tempo na escola ou corrigindo trabalhos e provas… Saía de vez em quando comigo e com Konan, mas não era mais a mesma coisa. Nunca falou explicitamente sobre se matar. Mas deixava claro que não sentia vontade de viver. “
Konan, amiga de Rin, repetira quase o mesmo monólogo com alguns acréscimos.
“Rin estava mesmo muito fora da órbita nesses últimos tempos… Ela falava sobre como Kakashi havia matado ela… Mas de uma forma figurativa…. Nunca pensei que ele pudesse ser capaz de fazer isso… Isso, se é que ele mesmo fez… Sei lá, ela sempre foi uma mulher estranha. Parecia estar sempre flertando com o perigo e parecia que gostava disso, sabe? Quando começou a se envolver com Kakashi, nós avisamos que talvez não fosse uma boa ideia… Ele era um esquisito milionário e sozinho, que não tinha família ou amigos… Como poderia ser alguém de bem? Parece preconceito, mas não é… É apenas lógica! Mas ela nunca escutou muito nossos conselhos…Quando eles se casaram, pensei que tinham se torna pessoas diferentes, sabe? A gente cresce, amadurece, toma juízo... Mas Rin... Bem, Rin sempre foi teimosa como o diabo! Que Deus a tenha, meu Deus!”
Já Kushina…
“Ela era uma garotinha mimada, egoísta e fútil. Ela queria que todos estivessem sempre prontos para satisfazer seus caprichos e não sossegava até que obtivesse o que queria. Ela era maldosa e ordinária. Fingida, falsa, dissimulada. Ela inventava mentiras para sair de qualquer situação e manipulava todo e qualquer homem. Ela enganava todos ao redor. Ela falou que foi abusada pelo meu irmão, que ele aliciou ela… Mas ela o ligava todos os dias, chamava por ele, ela quem o seduziu… Ela gostava daquilo, gostava dele. Nohara gostava de ter o que não podia, de destruir todos os homens com quem ficava. Era tão desesperada por atenção que seria capaz de qualquer coisa para roubar a noite de sono de alguém. Não me admira se ela se matou e jogou a culpa no marido propositalmente. Ela era o diabo vestido de anjo!”
Obito precisou de mais um cigarro depois do depoimento de Kushina. Ele tentou dizer a ela que o que quer que ela dissesse poderia se voltar contra ela, incriminando-a, além de repetir mais de uma vez que era proibido mentir em um depoimento oficial. Mas Kushina Uzumaki jurava por Deus que tudo que dizia era verdade e que, mais cedo ou mais cedo, a verdade viria à tona sobre Rin Nohara.
Quando o dia chegou ao fim, nenhum dos depoimentos era muito revelador. O marido dizia que não estava, a empregada fora embora antes da vítima chegar. E, as câmeras de segurança não revelavam nada demais. Rin havia saído de manhã para trabalhar e então voltara para casa por volta das dez da noite, o que era tarde demais para o horário usual de trabalho dela. No entanto, ela fora dirigindo para a mansão Hatake, as câmeras mostravam que ela tinha guardado o carro e subido as escadas, entrado em casa e ido direto para sua suíte, onde não tinha câmeras.
Ninguém havia entrado na casa. Nem empregados, nem o dono dela. Parecia um suicídio simples. De repente, Rin Nohara decidira que não queria mais viver. De repente, Rin Nohara sentiu que o mundo não era mais um lugar do qual valia a pena o suor e a luta. Obito olhava as imagens de segurança e não conseguia entender como diabos aquilo havia acontecido. A porra de um crime perfeito… — pensava ele.
Quanto mais perto chegava, mais longe estava. E se Rin tivesse mesmo ficado tão infeliz que resolvera se matar? O que Tsunade revelara a ele explicava a existência daquele quarto fechado com estrelas no teto. A frieza de Kakashi, por outro lado, o perturbava. Como podia um marido tão frio? E daí que ele havia caído de joelhos no enterro? Até então, ele poderia ser um bom ator.
A história podia ser comovente, Kakashi a amava tanto que a escolhera ao invés do bebê. Mas o que isso lhe custou? Quais consequências foram para debaixo de seu travesseiro? O quão sujas suas mãos podiam estar?
E, mesmo assim, nada estava decidido, ainda faltavam depoimentos… Nenhuma conclusão poderia ser tirada disso.
Nagato Uzumaki iria ser ouvido, além dele, alguns funcionários da escola, em geral, professores que eram mais próximos, que poderiam ter se encontrado com ela naquele meio tempo passado. Até agora, ninguém viera prestar conta ou coisa do tipo.
O dia foi cheio e pesado. Quando Obito chegou em casa, seu filho estava dormindo e sua esposa estava praticamente cochilando. Ele se demorou no banho, sob a água quente, lembrou-se de Rin e de como ele a amou… Aquela história parecia de fato em outra vida… Era sombrio pensar em como as coisas estariam se ela não tivesse terminado consigo e corrido para os braços de Hatake, deixando se envolver pela neblina venenosa dele, intoxicando-se.
Ele se sentiu estranho, perfeitamente esquisito. Olhava para uma tragédia e buscava soluções, indagando-se como poderia ter evitado o inevitável.
Capital, 2011
13 anos atrás
Se me perguntassem, eu saberia dizer exatamente o dia em que eu soube que aquela agonia jamais passaria enquanto eu não tivesse aquele homem desgraçado.
Quando Obito e eu fomos embora de Konoha juntos, não havia mais como mentir, nossos pais desconfiavam do nosso namoro. Apesar disso, nunca confirmamos nada exatamente. Ou, pelo menos, era o que eu acreditava na época. Mais tarde, descobri que o Uchiha, clássico como era, havia conversado com meu pai, explicando que me amava e que queria que ele soubesse da nossa relação, mas que eu havia pedido discrição e, por tal, não poderíamos nos assumir. Meu pai, reservado como era, deu sua benção a Obito e guardara seu segredo consigo.
Quando voltamos para a capital, as coisas tinham mudado. Nossa relação se tornara mais séria, menos casual. Obito e eu conversamos e resolvemos que iríamos morar juntos. Era uma questão de praticidade, o dinheiro que eu gastava com coisas básicas para me manter no dormitório com Konan, poderia ajudar na despesa com ele e, além disso, eu já passava mais tempo lá do que em qualquer outro lugar, então não seria um problema ao todo. O único conflito é que seu apartamento ficava longe do meu campus, mas, em todo caso, ele me levaria de carro até lá sempre que pudesse e, quando não, pagaria o táxi — havia ficado traumatizado desde a vez em que Nagato me perseguira.
Para ser sincera, desde aquela vez, eu também havia ficado afogada em medo. Quando não estava acompanhada do Uchiha, olhava para todos os lados, preocupada. Mesmo sabendo que Uzumaki estava preso, eu sonhava com ele, com suas mãos pegajosas, com seus olhos ferozes e sua sede de sangue. Às vezes, acordava no meio da madrugada com o corpo molhado de suor após vê-lo me encarando no mundo do inconsciente. Obito sempre acordava, puxando-me para perto dele, beijando minha testa e fazendo questão de cobrir meu corpo com seus braços fortes.
Eu era apaixonada por Obito e pela forma como ele fazia tudo por mim. Não era como ter um namorado, era mais como ter um servo cego de amor. E, é claro, eu amava isso mais do que gosto de admitir. Eu amava que ele fosse tão obediente, subserviente e presente. Eu amava manipulá-lo, jogar-me nos seus braços e fazê-lo sentir que me tinha por completo até que notei que, a manipulação havia se virado contra mim: ele de fato me tinha. Eu não conseguia imaginar não ter ele aos meus pés. A necessidade daquela paixão me incomodava. Eu cedia para ele porque estava tão embebida quanto. Eu havia caído onde imaginei que nunca fosse estar: no tédio de uma relação saudável e com poucas aventuras no horizonte.
Obito era careta, eu não podia negar. Ele se arriscava no sexo quando eu propunha, mas eu sabia que era só para me agradar. Ele jamais admitiria por exemplo que eu me divertisse por fora, já que era obcecado por mim e não fazia questão de esconder. Eu gostava dessa possesividade. Mas, conforme o tempo foi passando, o que era divertido foi se tornando tedioso. Eu percebi que não podia mudar quem Obito Uchiha era, nem mesmo se eu quisesse muito, nem mesmo se ele se esforçasse ao máximo. Eu tinha essa maldita mania de querer mudar a natureza das pessoas, de desmontá-las como um quebra-cabeças, encaixando as peças como bem me servia.
Ele continuaria sendo o bom filho de Baru, que queria ser delegado e voltar a morar em Konoha, construir uma família e viver feliz para sempre. E não era isso que eu queria. Não, não, não.
Um ano se passou. Nós morávamos juntos há praticamente nove ou dez meses. Nós acordávamos juntos, tomávamos café juntos e estudávamos juntos. Com o tempo, senti necessidade de ter minha privacidade de volta. O banheiro que antes era só dele, agora praticamente mal cabia nós dois com tantos dos meus pertences.
Não era um grande problema, na verdade. Obito não era um problema. Obviamente, o conflito era eu. Sempre eu. Eu e minha maldita mania de querer encontrar frio na barriga onde não havia, eu e minha mania de querer um problema, uma confusão, algo que me instigasse, que me excitasse. Eu e a insaciável fome de querer mais. Sempre mais.
Outro fator que vinha ocupando minha cabeça quando não deveria eram os sonhos com o Kakashi. Um ano havia se passado e desde então eu nunca mais tinha tido contato com ele. Não direto, pelo menos. De vez em quando eu o via, de longe, em uma festa ou outra do pessoal do direito. Ele sempre estava muito ocupado, com bocas demais para beijar e pernas para se enfiar.
Mas, em meus sonhos, seu isqueiro estava sempre aceso, seus olhos sempre abertos e sua boca no mesmo desvio sacana. Suas palavras eram quase sempre cáusticas e ele parecia pronto para apagar seu cigarro em minha pele. Ele perturbava a minha mente. Meu inconsciente guardava muitos segredos sujos e o maior deles era Kakashi Hatake brincando com um relógio antigo, tique-taque.
Quanto tempo eu levaria para largar tudo por ele?
Foi naquele dia que eu descobri.
Obito estava atolado nos trabalhos da faculdade e ainda precisava estudar para mais uma prova. Ele usava a mesa da sala de jantar e eu sua escrivaninha, no quarto de hóspedes que, na verdade, era um escritório improvisado. Após horas exaustivas de Auerbach e Bakhtin, decido me levantar e pegar água na geladeira. Meu celular toca antes que eu possa fazer isso, quando atendo, é Tsunade. Desde que Obito e eu começamos a morar juntos, meu contato com ela foi se tornando um pouco escasso. Eu não frequentava mais todas as festas como costumava fazer e tendia a ficar no lugar-comum do Uchiha, ou seja, o campus do direito.
Senju ligou me convidando para uma festa na nossa antiga república, a qual não eram permitidas festas. Apesar da negativa estar quase deslizando pelos meus lábios, algo se inflamou dentro de mim. Olhei para Obito, coçando os olhos e enquanto os papéis se espalhavam pela mesa. Acabei confirmando a presença sem antes mesmo perguntar para ele. Nós dois precisávamos espairecer, sair um pouco de casa, viver novas experiências.
Sob muito custo e com a condição de que voltaríamos mais cedo, Obito concordou em ir comigo. Depois de tanto tempo dentro de casa — e, com isso, quero dizer dentro de um relacionamento monogâmico e sadio —, eu encarava o armário em busca de alguma roupa que me colocasse de volta pro jogo. Não que eu fosse de fato voltar, mas gostava de passar a impressão de que poderia ser uma opção também. Escolhi uma regata preta e um mini-short jeans com meias sete oitavos igualmente escuras. Com alguns acessórios e uma maquiagem forte, eu quase me parecia a Rin Nohara de antes: aquela que nunca se apaixonou.
Obito, ao contrário de mim, era básico em todas as suas escolhas. Calça jeans de lavagem escura, camiseta branca e uma jaqueta preta. Ele estava preocupado com a matéria e suas notas e eu sabia que não escutava nenhuma das palavras que proferi em todo o caminho até lá. Estacionamos o Honda na rua de trás, no local onde ele costumava deixar. Todas as ruas ao redor estavam lotadas de carros, a festa parecia realmente estar bombando.
A música pop alta e envolvente me trouxe de volta para a época em que eu passava mais tempo acordada sob a luz da lua do que do sol. Muito distante das noites tranquilas de sono nos braços de Uchiha. Puxei um maço de cigarro da minha bolsa e ofereci um para Obito. Uma das minhas tentativas de influenciá-lo ao menos surtiu em algo: Uchiha havia se tornado mais uma alma condenada ao cigarro. Entretanto, por mais que tragasse comigo, ele sempre dizia algo como “É só de vez em quando” ou “Precisamos parar qualquer dia desses” e mesmo “Esse é provavelmente meu último”.
Quando ofereci naquela noite, ele aceitou de bom grado. Deveria estar tenso. Eu me aproximei dele, acendi meu isqueiro e, imediatamente, mesmo sem querer, lembrei-me de Kakashi Hatake. O isqueiro que eu usava era simples, cor-de-rosa, sem nenhuma firula. Mas, o isqueiro que havia ficado com Hatake era mais trabalhado: vermelho, praticamente bordô, com detalhes em dourado. Era antigo, havia roubado do meu pai. Eu tinha deixado ele ficar com meu isqueiro como uma lembrança, pensando que jamais o veria. E então, ele resolveu atirar em Nagato por mim.
Era difícil fugir dos fantasmas quando eles nos perseguiam dia e noite.
— Tá tudo bem? — Obito indagou, assistindo meu corpo congelado, os dedos em volta do isqueiro, o cigarro dele ainda apagado.
— Sim — menti. — Foi só um dèjá-vu — inventei, enquanto acendia o cigarro dele.
Olhava dentro dos olhos de Uchiha e, no entanto, não via nada além dos meus próprios monstros. Nós tragamos juntos antes de nos juntarmos aos outros de nossos colegas que estavam na festa. Mas nicotina nenhuma me prepararia para o que viria a seguir…
Minutos depois, meus dedos tinham perdido os de Uchiha. Tsunade e Konan me acharam em meio a multidão. O cheiro de maconha misturado ao cheiro do meu perfume não era a combinação que eu estava pensando para a noite, mas me deixava longe o suficiente dos meus demônios. Nós gritávamos umas com as outras para sermos ouvidas naquela barulheira toda. Konan queria beber, mas Tsunade queria dançar porque fazia tempo que não dançávamos juntas.
Em meio a duas ou três cervejas e mais dois cigarros depois, eu sentia meu corpo mais leve e, o melhor de tudo, nem sinal de Obito Uchiha. Olhar para os quatro grandes cantos de todo o hall do prédio onde eu morava e não ver meu namorado me deu um alívio tão gostoso que quase me senti culpada. Eu estava livre. Finalmente livre. Podia me sentir como eu mesma de novo.
A sensação era tão boa que eu comecei a dar risada. Tsunade olhou para mim sem entender, mas depois de quatro drinks, ela também não fazia questão. Riu comigo. Konan gritou:
— Acho que preciso fazer xixi, quem vem?
Tsunade fez sinal positivo, mas eu não queria sair dali e correr o risco de trombar com Uchiha e ter que ir para casa. Então simplesmente disse que ficaria esperando elas ali.
Sozinha em meio a multidão, lembrei-me dele de novo. Os olhos diabólicos, o sorriso sarcástico e o sangue escorrendo de seu nariz. Depois, lembrei-me dele todo de preto, com uma arma na mão, apontada para mim. Em meus sonhos, ele sempre aparecia assim: como o homem que iria me destruir.
Eu só não sabia o quanto.
Somente de imaginá-lo, sentia-me perturbada. Eu estava cansada de fingir que não. Deitava-me com Obito e, nas noites mais chatas, pensava em Kakashi. Ele agia como um parasita e as poucas lembranças dele iam me consumindo pouco a pouco. Não conseguia entender porque aquela obsessão de repente. Eu lembrava do cheiro dele, de abraçar seu corpo na moto, de vê-lo me esperando e dizendo que me levaria até Obito. O papel dobrado com seu número de telefone ainda estava em alguma gaveta da casa de Uchiha…
E, como se o abstrato pudesse se tornar concreto, ele se materializou em minha frente. Usava uma calça preta elegante e cara e uma camisa de igual cor com os primeiros botões abertos. No pescoço, uma fina correntinha de prata que brilhava sobre a luz colorida e improvisada.
Hatake não tinha nada a ver com a sujeira daquele local. As festas das repúblicas começavam a ser muito mais underground do que as do campus do direito e as que ele estava acostumado a recepcionar, contando com a última, por exemplo, há um ano. Ele era sofisticado demais e, ao mesmo tempo, com um cigarro entre os dedos e um sorriso cafajeste, parecia estar no lugar e na hora certa.
— Tem fogo? — perguntou.
Eu me derreti. Queria me aproximar dele e tomar seus lábios para mim. Queria beijá-lo tão intensamente que ele não teria outra escolha a não ser reivindicar meu corpo. Eu o queria tanto… Ardia em febre por ele. Sonhar parecia ideal, mas viver é sempre melhor…
O isqueiro estava no bolso do mini-short. Eu queria convidá-lo a pegar por si próprio. Eu o queria tanto que salivava…
Se tenho fogo? Pra você, de sobra.
— Já perdeu o meu? — retruquei, lambendo os lábios.
Ele sorriu.
— Então ainda lembra de mim?
Como poderia esquecer? Você não deixa.
Hoje, vejo que não poderia me esquecer de Hatake nem mesmo se apagasse minha memória. Os dedos dele marcariam para sempre minha pele.
Minha pele morta.
Notes:
Eu demorei, eu sei,
Me perdoem! Entrei numa fase muito séria da vida: estou trabalhando, estagiando (estágio obrigatório) e fazendo faculdade. Então, sim, estou ficando louca. Mas escrever essa fanfic é realmente minha terapia sombria.
Espero que aproveitem!
E, sim, a Rin é maluca.
Sim, eu amo escrever ela.
Me perdoem pela demora pessoal, como disse, a vida tem ficado mais difícil a cada fase. Mas não se preocupem, sou tão maluca por essa história quanto a minha protagonista.
Vejo vocês logo! Até o próximo!
Chapter 13: Capítulo 12: O coração sombrio
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Konoha, 2024
Dias atuais
Eu nunca planejei me queimar. Não fazia parte dos meus planos construir uma família, não fazia parte dos meus planos sequer me apaixonar. Quando se tem tudo e ao mesmo tempo nada, é preciso calma para pensar, é preciso agilidade e paciência para se locomover. Cada ato precisa ser muito bem pensado. Cada ato precisa de um maior cuidado.
Eu tinha alcançado quase todos os objetivos da minha vida. Eu tinha uma carreira brilhante e dinheiro suficiente na conta. Mas eu queria mais. Eu queria um cargo público. Eu queria ultrapassar meu pai e fazer o que ele não tinha conseguido. Eu queria deitar sobre o divã do sucesso e lamber o pedestal construído para mim mesmo.
Nada poderia me parar.
Ah não ser, é claro, minha infeliz esposa.
Agora, olhando para uma mansão vazia e enfaixada pela polícia investigativa, eu suspirava, apanhando o isqueiro vermelho com detalhes em dourado. Acendo um cigarro, cansado. O celular não para de tocar. Tenho alguns processos em que preciso trabalhar, mas há um em específico correndo em relação a mim, minha esposa e minha casa. E, ao que tudo indica, serei o principal suspeito.
Acendo o cigarro e passo os dedos sobre os detalhes dourados que nunca chegaram a desgastar, mesmo depois de mais de dez anos.
Lembro-me de como adquiri aquele isqueiro que me trouxe tantas tragédias. Se eu soubesse que estava abrindo aquele jarro desgraçado, jamais teria lhe pedido fogo. Rin Nohara se aproveitara para queimar minha vida inteira.
E, mesmo morta, continuava a fazê-lo.
Nem a morte resolvia meu problema.
Capital, 2011
13 anos atrás
Eu não costumava ir para festas daquele nível. Eu sabia que a maconha era de péssima qualidade e a bebida ainda pior. Mesmo assim, estava enfrentando um momento problemático e queria espairecer. Era fim de semestre e, mesmo tendo muita facilidade com as matérias, eu tinha o esforço de ter que escrever provas e trabalhos sobre assuntos que meu tio discutia comigo quando eu ainda tinha dez anos. Desse jeito, buscando algum descanso, me propus a ir para aquela festa improvisada naquele lugar podre.
Ou pelo menos era o que eu dizia pra mim mesmo.
No fundo, eu sabia que iria na tentativa de vê-la.
Rin Nohara.
A namorada de Obito Uchiha.
Obito era um cara comum do curso de direito. Estávamos nas mesmas aulas. Ele estudava muito, mas era mediano. Uchiha era simpático, mas reservado. Invisível. Estava ali e não estava, ao mesmo tempo. Eu não prestava muita atenção nele, apesar de saber que vinha de Konoha, assim como eu e outros muitos alunos da faculdade.
Mas, depois que conheci sua namorada, de repente, ele ficou interessante. Quero dizer, o interesse era justamente quem ele tinha. Rin Nohara. A filha dos donos do único mercado em Konoha. Até então, uma garota comum. Olhos castanhos, cabelos castanhos. Era baixa e tinha covinhas nas bochechas. As coxas eram grossas demais e o quadril largo. Era gostosa, mas nada demais. Não era uma beleza incomum nem coisa do tipo. Sendo sincero, ela poderia até ser sem graça se a visse de longe. Entretanto, a personalidade voraz e os olhos diabólicos chamavam mais a atenção do que o resto.
Desde a festa na minha casa não consigo parar de pensar nela e no cigarro que roubou de meus lábios. Não consigo parar de pensar na imagem dela se afastando com a minha coroa, levando meu reino consigo.
Vou até a festa pensando em encontrá-la, mas sem saber ao certo se de fato vou. De qualquer modo, nunca perco. Mas, quando em meio a multidão e a balbúrdia, encontro o corpo de Rin se balançando quase cosmicamente sobre a pista, com o suor escorrendo e o sorriso cansado de lado e debochado, eu sei que não vou conseguir sair dali sem ao menos um beijo.
Eu me aproximo, e então digo:
— Tem fogo?
Ela olha pra mim. Os olhos parecem brilhar mesmo no escuro. Nohara passa a língua sobre os lábios e retruca petulantemente:
— Já perdeu o meu?
Eu dou um sorriso, pensando o quão insuportável essa garota consegue ser, quase como se fosse uma versão minha. Olho para ela e encaro minha antimatéria.
— Então ainda lembra de mim? — provoco.
Eu sei que Nohara tem namorado, mas não me importo.
Eu olho para ela e sinto uma estranha necessidade de tê-la de tal forma que os sentidos se aguçam e ao mesmo tempo param de funcionar, como se ela causasse um choque em meu sistema. Tento encontrar, nos pormenores, alguma razão para que ela seja assim, para que eu me sinta assim. Mas falho na missão.
Ela dá um sorriso perdedor e diz:
— E tem como esquecer?
Eu abro um sorriso satisfeito.
Ela apanha minha mão para si e me puxa entre as pessoas, arrastando-me pela multidão. Eu a sigo cegamente entre a fumaça e os corpos. Subimos alguns lances de escada e ela abre a porta de um dos alojamentos. É o quarto de duas garotas. Nas paredes, pôsteres de bandas e filmes, atores e revistas femininas. Há bichos de pelúcia, maquiagem e roupas por todas as partes.
Eu encosto a porta atrás de mim.
— E então, cadê seu namorado? — pergunto.
Não quero lembrar de Obito. Na verdade, quero fazê-la esquecê-lo. No entanto, não consigo segurar a tirada sarcástica que me acomete tão rápido quanto um relâmpago. No fim, quero ver sua reação. Quero que admita que pode trocá-lo por mim a qualquer instante. Quero que implore, inclusive.
Porque Obito Uchiha é um fracassado e sempre será.
E porque, de qualquer forma, eu sempre consigo o que quero.
Ou, pelo menos, eu sempre consegui.
— Deve estar lá embaixo, fumando com os amigos… — explica ela. — Tanto faz.
O tédio em sua voz denota a falta de interesse com aquele quem ama. E então começo a duvidar se o castelo é mesmo feito de tijolos ou de sonhos. Se basta apenas um vento forte e então a casinha de palha dos porquinhos seja derrubada. A ideia de ser um lobo mau não parece tão ruim, na verdade, o papel até que me cai bem.
— Tanto faz, é? — Puxo um maço de cigarro do bolso e ofereço um para ela.
Ela apenas recusa com um gesto rápido. Eu caço o isqueiro que ela havia me dado em outra ocasião. Ao apanhar o objeto, os olhos dela se voltam para ele em minhas mãos. Passo o dedo pelas linhas douradas que adornam o metal tingido de vermelho e então olho de volta para ela.
Sua feição parece perdida no tempo, como se eu pudesse ver através dos olhos de um fantasma. Os lábios partidos ao meio e a serenidade de quem contempla uma história da qual não participa. Sinto um frio subir por minha espinha e, querendo aliviar aquele instantâneo e curioso incômodo macabro, acendo o cigarro e digo:
— Bom… Eu sei que já passou algum tempo, mas… O que foi aquela parada no metrô?
Havia outro fator pelo qual eu também estava obcecado por aquela garota comum. Há um ano, eu atirara em um completo desconhecido enquanto ele segurava a garganta dela como se torcesse o pescoço de uma galinha. Nenhuma desculpa no mundo justificaria uma agressão daquelas e, por tal, não havia perdido a chance de acertar um tiro em sua perna. No entanto, a forma como ela se esquivou das perguntas e da minha ajuda sempre me pareceram suspeitas.
Honestamente falando, não sei como não pensei que fôssemos terminar assim. Eu sempre farejei o mal em Nohara e, no entanto, tinha me entrelaçado a isso…
A expressão dela finalmente voltou ao presente e acompanhado de um revirar de olhos, ela disse:
— Nagato Uzumaki, professor de história em Konoha. — explicou. — Saí com ele algumas vezes… E, aparentemente, eu não era a única carne nova que ele gostava de provar… Foi preso por pedofilia. — comentou categoricamente. — Na época, estava sendo investigado, pensou que eu o tivesse denunciado.
Balancei a cabeça, compreendendo os fatos e o decorrer deles.
— E quis vingança por um crime que cometeu? — perguntei.
— Exatamente.
Dei um sorriso soprado depois de tragar mais uma vez.
— Sabe, se você não quer ser pego, precisa se certificar de cometer um crime perfeito. — Dei de ombros.
Ela deu um sorriso.
— É isso que os advogados aprendem? — indagou, irônica.
— Só os bons. — Pisquei para ela.
Para um bom entendedor, meia palavra bastava.
Ela deu uma risada gostosa de ouvir. Deveria estar meio solta, talvez tivesse bebido mais do que duas ou três latas de cerveja. Com certeza já havia fumado um ou outro cigarro.
— Será que você vai me defender algum dia? — indagou ela. — Gostaria de ter um advogado bonito como você… — Ela mordeu o lábio ao dizer isso, dando um sorriso largo depois. — Se for uma juíza, o caso já está ganho.
Eu me sentei em uma das camas e traguei de forma lenta, assistindo a fumaça subir acima da minha cabeça, perdendo-se desconexamente no ar.
— Precisaríamos acertar o pagamento do serviço, é claro. — digo de forma sacana quando sinto a nicotina em minhas veias.
Ela se senta na cama ao meu lado. Ela dobra as pernas uma em cima da outra, sentando de frente pra mim. Rouba o cigarro dos meus dedos e então o traga, como fez da primeira vez.
— Por que atirou nele? — indaga.
Eu estou ocupado olhando seu corpo. As curvas, as estrias em suas coxas e a alça do sutiã que escapa da regata. Olho para ela e consigo listar quantos defeitos parece ter e, ainda assim, não deixa de ser irritantemente atraente.
Eu dou um suspiro, ajeitando-me na pequena cama de solteiro para estar totalmente de frente para ela, depois, tomo de volta o cigarro. Os olhos grandes dela me encaram com curiosidade e alguma expectativa que não sei se consigo responder. Lembro-me daquele dia. Lembro-me de estar indo para o clube de caça e de ter que pegar um caminho alternativo porque uma rua estava fechada. Lembro-me de me distrair no farol e de ver aquele homem prensando o corpo de uma mulher, segurando sua garganta.
Honestamente, fui tomado por um sentimento de heroísmo que não me pertencia. Eu jamais me importaria com isso. Não era problema meu. Não sou um herói. Mas, naquele dia, eu havia pegado vários desvios. Tinha uma pistola calibre 22 em minha cintura. O que poderia acontecer se eu bancasse quem não era?
Bem, eu não sabia no que estava me metendo. Nem naquele dia, nem naquela noite.
Rin Nohara me tirava dos eixos. Eu havia transgredido minhas regras para salvá-la, havia lhe levado até a faculdade e lhe esperado. Havia, até mesmo, conseguido o contato do sem-graça-Obito-Uchiha para lhe avisar que estava com a sua namorada — é claro, não da forma que gostaria —, e que a levaria de volta para si, sã e salva.
Apesar disso, tudo que respondo é:
— Porque até para os canalhas há limites.
Ela gosta da resposta.
— E por que tem uma arma? — Ela pega o cigarro e então traga, admitindo que vamos revezar as tragadas.
— Faço parte de um clube de tiro e um clube de caça.
Ela balança a cabeça.
— E o que você caça? — pergunta, bancando a inocente que eu sei que ela não é.
Eu reviro os olhos e pego o cigarro pra mim.
— Animais e virgens. — Dou de ombros com um ar zombeteiro. — O segundo só em noite de lua cheia.
Ela dá uma risada descrente.
— Você é o cara mais canalha que já conheci. — Admite.
Noto quando ela começa a descascar o esmalte da unha do dedo indicador. Está nervosa e ao mesmo tempo tem um brilho nos olhos de quem quer fazer aquela noite durar. Olho para ela esperando que tome a decisão. Mas estou cansado de esperar.
— Por que me trouxe pra cá? — pergunto.
Ela olha para mim.
A luz do quarto está apagada e a única iluminação vem da janela aberta e do astro brilhante no céu.
É noite de lua cheia, afinal.
Os olhos grandes e escuros dela brilham mesmo sob o breu. A língua molha os lábios de forma quase sádica. Ela se remexeu, inquieta. Dobrou os joelhos e então se sentou sobre os tornozelos. Apoiou as mãos no colchão e jogou o tronco para frente, aproximando-se perigosamente de mim.
Antes que dissesse algo, eu apaguei o cigarro no isqueiro que estava na cômoda ao lado da cama, virando-me para ela e passando meu polegar sobre seus lábios. A carne se molda ao meu toque e a saliva dela molha meu dedo. Chego perto o suficiente para beijá-la mas não faço.
— O que foi Rin Nohara? — provoquei.
Ela não respondeu nada, os olhos vidrados em minha boca. Uma das minhas mãos alcançou seu rosto, segurando sua bochecha e seu queixo. Tão frágil quanto uma boneca de porcelana. Eu poderia quebrá-la tão facilmente… E, no entanto, havia algo de perigoso na forma obsessiva e diabólica com que seus olhos podiam migrar do brilho e do desejo para um estado de completa psicopatia, como faziam agora.
— Vai fugir da pergunta?
Ela fechou os olhos, abrindo os lábios e dando um sorriso vacilante.
— Não… — disse, baixo. — Eu te trouxe aqui para saber.
— Saber o quê?
— Se você é perfeito.
A resposta me deixou um pouco tonto. Eu lembro de virar a cabeça, olhando para ela como se agora visse diante de mim uma nova versão da garota comum e ao mesmo tempo interessante. Franzi as sobrancelhas. Apesar disso, não perderia a compostura por tão pouco.
— E o que constatou? — indaguei, instigando-a.
Ela abriu um sorriso feliz.
— A autópsia revelou que sim.
Abri um sorriso agora.
Meus lábios se aproximaram dos dela e, dessa vez, eu tinha intenção de terminar o que meu corpo implorava para que eu começasse.
Mas, para minha surpresa, ela se afastou. Saiu da cama como um movimento automático e programado. Sua expressão parecia a de alguém que finalmente havia acordado de um coma. Como se enfim se desse conta de onde estávamos e do que estávamos prestes a fazer. Nohara passou as mãos nos cabelos, jogando algumas mechas para trás, meio desnorteada.
Ela olha para mim. Depois, muda o olhar para a tatuagem de jarro em meu antebraço. Olho também para as linhas pretas que contornam o jarro grego desenhado em minha pele.
O jarro de Pandora.
Aquele que contém todas as piores desgraças do mundo. Aquele que nunca deveria ser aberto.
— Não vai terminar o que começou? — Chamo a atenção dela com a pergunta.
Ela tira os olhos da minha pele e então volta a me encarar. As bochechas estão coradas e os lábios ainda vermelhos pelo movimento dos meus dedos. Ela dá um sorriso amarelo e então se aproxima da porta do quarto.
— Não posso, tenho namorado.
É tudo que diz antes de sair e me deixar ali, no escuro.
É por pouco tempo — eu penso.
Konoha, 2024
Dias atuais
Kakashi está hospedado em um hotel enquanto a polícia não libera sua casa da investigação, afinal, sua mulher morrera lá dentro e o resultado da autópsia ainda não havia sido liberado. Hatake encheu o copo de uísque e virou de uma vez. Nunca havia bebido tanto quanto naquele últimos dias, nem mesmo em seus anos vindouros de universitário, quando as drogas eram apenas recreativas e não uma necessidade para apagar a cabeça cheia.
Agora, por exemplo, sua cabeça não conseguiria descanso. Kakashi era um cara esperto, um bom advogado. Ele sabia exatamente o que aconteceria em seguida e que o fato em si implicava que talvez não tivesse escapatória. Hatake massageou as têmporas. Não havia muitas soluções no horizonte e o futuro parecia escuro como uma cela de cadeia.
Apesar disso, recusava-se a ver o sol nascer quadrado.
Passara uma vida inteira achando que estava ganhando de Obito para parar exatamente onde o Uchiha sempre sonhou: em suas próprias mãos. A vida de Kakashi dependia do quão competente era aquele aluno medíocre, aquele delegado pateta, aquele ex-namorado covarde de sua esposa que, mesmo após ser rejeitado, sonhava com ela todas as noites e que, por um acaso, havia implorado para que não se casasse. Era uma baita estupidez torcer para que Obito fosse um pouquinho mais burro do que ele imaginava. Ele odiava contar com os outros. Desde cedo aprendera que podia lidar apenas com sua genialidade e sua mente maldosa. Mas, dessa vez, isso não bastaria.
Ele precisava de algo concreto para se defender.
Quando uma mulher morre, um homem é sempre o primeiro palpite. Mas, quando uma esposa perfeita, recatada e amada, morre, o marido, infiel e cruel, é sempre o brutal assassino.
Kakashi não pode escapar do seu destino. Vai ser difícil enganar a lei dessa vez. Bem, talvez se o diabo estivesse do seu lado…
Mas ele não podia contar com intervenções divinas ou diabólicas.
Nervoso, jogou o celular longe. O aparelho celular espatifou no chão.
Do outro lado da cidade, Obito embalava sua mulher em seus braços, após fazer amor com ela, dormindo em sua cama medíocre, com sua casa simples e cheia de retratos de uma família feliz.
Um quarto de criança com um bebê no berço.
Mas não pense você leitor que Obito Uchiha tinha paz no mundo da inconsciência. Seus sonhos eram intranquilos. Neles, Rin Nohara aparecia com o rosto lavado pelas lágrimas. Ele não sabia dizer se via carne ou espectro. Tudo era a mesma coisa. O fundo era seu antigo apartamento na capital. A sala, com os CD’s e os DVD’s que colecionava. Sobre o sofá, as roupas jogadas que ela costumava deixar para trás. Em sua frente, de pé, Nohara, completamente nua.
Mas, diferente das outras vezes, não havia nenhum teor sexual. Seu corpo não era atrativo ou coisa do tipo: era nojento e bizarro, coberto de sangue. O líquido vermelho escorria pelos seios e descia pela barriga. Ele mal conseguia ver a cor de sua pele, lavado pelo bordô. Ela carregava em suas mãos o próprio coração fora do peito, vermelho, ardente e ensanguentado, ainda batendo apesar de tudo. O enorme buraco entre os seios era escuro e atravessava as costas, como um buraco negro. O órgão em suas mãos pulsava de uma forma grotesca. Ela o apertava entre os dedos delicados. Uchiha não conseguia escutar o que Rin estava murmurando, mas pedia para que ele a ajudasse. Nohara se jogava aos seus pés e implorava por justiça e, quando Obito se abaixava para tomar suas mãos, ela mordia o próprio coração, mastigando-o em sua frente.
As carnes e os sangues escorriam pela pele.
Apesar disso, ele não se assustava, nem sequer sentia repulsa. Ele se aproximava dela delicadamente e passava o polegar por seu rosto morto.
— Não se preocupe amor, vou te visitar todas as noites… — A voz dela ecoava em sua mente.
Apenas um coração sombrio pode entender outro.
Notes:
Oioi, gente
tudo bem? Como sempre, desculpem a demora, vida corrida. Esses últimos meses foram uma loucura com estágio, trabalho, faculdade e alguns problemas familiares. Graças a Deus, está tudo bem agora, mas acabei pegando uma baita gripe e, de qualquer forma meio que aproveitei de estar doente e poder trabalhar de casa para atualizar esse cap que já estava escrito.
Espero que tenham curtido conhecer um pouquinho do nosso Kakashi, personagem que ainda não tinha narrado nada pra gente.
Deixem seus comentários, eu amo ler <3
Chapter 14: Capítulo 13: A despedida
Summary:
É um capítulo triste, e sim, isto é um aviso real.
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Obito acordou no dia seguinte com o corpo molhado de suor. Tinha tido uma péssima noite de sono. Um pesadelo horrível e desolador. Rin Nohara era o fantasma sórdido e grotesco no canto de seu quarto, encarando os retratos de sua família feliz. Mas o que ele poderia fazer? A escolha fora dela.
Naquela manhã, demorou mais tempo no banho, tentando tirar do corpo as marcas fantasmas de sangue e tripas. Usou mais perfume do que costumava e fez a barba. Tinha uma reunião com Itachi hoje, eles precisavam discutir até onde a investigação estava indo. Tinham o laudo da causa da morte e das substâncias utilizadas. Também tinham o depoimento de boa parte dos familiares, amigos e suspeitos. Entretanto, faltava a coleta de mais um. Um depoimento importante, talvez um dos mais esperados até então. Obito sabia, de alguma forma, que seria proveitoso.
Rin morrera na terça-feira, agora, já era sábado. Bastava uma semana inteira e então as pessoas já estariam se esquecendo. Mas a grande e bela mansão ainda estava enfaixada pela polícia, e Kakashi Hatake dormia em um hotel nos limites da cidade. Os pais de Nohara mantiveram o mercado fechado e as pessoas de Konoha precisavam sair do município para poder fazer compras.
Obito adoçou seu café com três colheres bem cheias e despejou os ovos mexidos no pão, com bacon frito. Era sábado e ele estava a fim de comer bem o suficiente para aguentar o tranco do dia. Além disso, planejava ir à academia mais tarde, se tudo corresse bem.
Antes de sair, brincou com os cabelos de Daiki e deu um beijinho no topo da cabeça do filho, sentindo o cheiro gostoso de bebê. Apanhou a cintura de Mei e lhe deu um beijo que prometia mais quando chegasse do trabalho. Era sábado e ele só ficaria lá por meio período, estaria de volta pro almoço.
Quando chegou na delegacia, Itachi estava em seu escritório. Sendo honesto, ele não gostava da liberdade que o primo tomava. Ás vezes, parecia que o Uchiha almejava algo que não poderia ter. Obito não gostava disso; de gente que achava que poderia conseguir qualquer coisa, de gente que ultrapassava limites. Em geral, resultava em grandes problemas.
— Bom dia, Obito. — Itachi o cumprimentou.
— Delegado. — Corrigiu o Uchiha mais velho.
Itachi ergueu uma sobrancelha, notando que o humor do primo não estava dos melhores e que, nesse sentido, o mais velho ativara seu modo extremamente profissional. Não que Itachi não o fosse, mas afinal de contas, era sábado de qualquer forma…
Obito deu a volta em sua sala e se sentou em sua cadeira, ajeitando os papéis espalhados sobre a mesa; era a transcrição de todos os depoimentos até o presente momento. Ele ligou seu computador e suspirou.
— Pega um café pra mim — Mais ordenou do que pediu a Itachi.
O Uchiha mais novo ergueu a sobrancelha em um gesto desafiador. Itachi era a porra do investigador e não um estagiário que fica servindo cafézinho. Mas, se fosse para responder, Obito diria que ele é o delegado. E, por tal, Itachi, com um suspiro cansado e meio indignado, levantou-se da cadeira e foi até a máquina de café do outro lado da sala.
— Não tem expresso, só esses cafés esquisitos… Cappuccino, Mocaccino, Chocolate Quente… — Itachi foi lendo a escrita das cápsulas. — Não sabia que gostava dessas frescuras todas…
Obito revirou os olhos, ocupado demais ao reler brevemente o depoimento de Kakashi Hatake.
— Pode ser um cappuccino… Com bastante canela. — Obito disse, categórico, sem prestar muita atenção no que Itachi dizia.
Os olhos dele se fixaram nas páginas escritas.
Itachi Uchiha (Investigador): O senhor poderia me relatar como era a sua relação com sua esposa nos últimos três meses que antecederam a morte dela?
Kakashi Hatake (Viúvo da vítima): Sendo sincero, nossa relação não era a mesma. Estávamos juntos por conveniência. Nosso casamento veio sim degradando nos últimos anos… Não tinha muito contato com ela, não dormia em casa e não agíamos mais como um casal. Inclusive, desconfio de que ela estava me traindo há algum tempo.
Itachi Uchiha (Investigador): Certo. E o senhor acha que essa traição poderia ter a ver com a morte? Ou o senhor acha que essa questão do casamento desgastado poderia ter complicado os problemas psicológicos já existentes, ocasionando um suicídio?
Kakashi Hatake (Viúvo da vítima): Não é meu trabalho especular o que aconteceu com a minha esposa. É trabalho de vocês.
Itachi Uchiha (Investigador): O senhor sabe que fugir das perguntas não o ajuda, certo?
Kakashi Hatake (Viúvo da vítima): Eu realmente não sei. Ela pode ter se matado, alguém pode ter matado ela. Não sei. Não é meu trabalho pensar sobre isso ou dizer o que acho. Preciso confiar no seu trabalho.
Itachi Uchiha (Investigador): Sabe-se que a vítima teve um envolvimento passado com o ex-detento Nagato Uzumaki, certo?
Kakashi Hatake (Viúvo da vítima): Certo.
Itachi Uchiha (Investigador): O que o senhor sabe sobre esse relacionamento passado?
Kakashi Hatake (Viúvo da vítima): Muito pouco. Eles tiveram um breve envolvimento quando ela ainda era menor de idade… Quando as denúncias começaram, ele começou a persegui-la e ameaçá-la. Logo depois foi preso.
Itachi Uchiha (Investigador): Certo. O senhor acha que ele poderia estar tentando um novo contato com Rin? Ela comentou algo com o senhor sobre isso? Sobre alguma aparição recente dele?
Kakashi Hatake (Viúvo da vítima): Não, ela não me disse nada. Como falei, não conversávamos com frequência. Realmente não sei. Não seria minha aposta, pelo menos.
Itachi Uchiha (Investigador): Por hoje é só. O senhor sabe que caso a polícia sinta necessidade podemos convocá-lo para depor outras vezes.
Kakashi Hatake (Viúvo da vítima): Ok.
FIM DO DEPOIMENTO.
Nagato Uzumaki.
Obito suspirou.
Itachi colocou a caneca de cappuccino sobre a mesa.
— O que foi? — indagou Itachi.
— Vamos recolher o depoimento de Nagato Uzumaki hoje.
O mais novo balançou a cabeça, pensativo.
Desconfiar de um homem suspeito parece muito simples. Mas assumir que um marido infiel e desapegado seja o suspeito é igualmente óbvio. Mas, entre a obviedade e a verdade, escondem-se as entrelinhas de uma boa história. É assim que funciona.
Algum tempo mais tarde, Obito está naquela salinha mal iluminada e fria, sentado diante de Nagato Uzumaki. Obito o conhecia, tanto das aulas de história no colégio municipal de Konoha, como das audiências de seus crimes — em uma das ocasiões, Obito era um policial recém contratado. Uchiha lembra-se muito bem de estar empolgado com a ideia de andar fardado e armado; lembra-se de ajustar a postura com muito afinco e assistir aquela que o condenou durante dez anos e, posteriormente, por bom comportamento, concedeu-lhe a condicional de viver em liberdade, como faziam os homens.
Nagato tem os olhos cansados, a barba por fazer e olheiras fundas. Ele passou tempo demais na prisão e os anos não foram bondosos consigo. As más línguas diziam que ele amaldiçoava as mulheres que o denunciaram, mas o Uzumaki em carne e osso mesmo não dizia nada. Deixava a maldição a cargo dos boatos. Com as mãos sobre a mesa, as palmas viradas para baixo e nenhum sinal de tremulação, ele encarava o delegado Uchiha com uma serenidade impressionante. Não como um homem maculado, mas como um homem que sequer já pensou em pecar.
Após informado dos protocolos necessários e já sabidos, tudo que Nagato disse foi:
— Não sei nada sobre Rin Nohara desde que fui preso. — A voz era calma e tudo nele aparentava uma tranquilidade pouco comum a um homem que tinha tudo para ser suspeito. — Desde que fui condenado por pedofília, como bem sabem, não tive contato com o mundo externo. Quando saí, ela já era casada com Kakashi Hatake e dava aulas de literatura no colégio. Isso é absolutamente tudo que sei sobre ela.
— Onde estava durante toda a madrugada de segunda-feira? — Obito perguntou, ignorando todas as questões que rondavam seu cérebro.
Nagato respirou fundo e disse:
— Em minha casa, dormindo.
— E quem pode nos confirmar esse dado?
— Meus pais. Moro com meus pais ainda. — Nagato explicou. — Eles estavam em casa. A rua em que moro possui câmeras e o senhor pode checar as gravações. Não saí de casa nessa noite.
Em verdade, as gravações da rua em que Nohara e Kakashi moravam quanto da rua de Nagato estavam chegando até a delegacia, após um pedido formal à prefeitura de Konoha para a investigação do caso. Os fatos seriam averiguados rapidamente e a mentira custaria muito caro a Nagato, que já tinha passagem pela polícia.
Fora isso, havia um clima tenso na sala, não só porque naturalmente era uma situação desconfortável entre alguém que quer punir e alguém que quer fugir de uma possível punição, mas porque Nagato Uzumaki era suficientemente inteligente para ligar os pontos. Porque Uzumaki sabia muito bem o que o havia colocado na cadeia de verdade — e não foram relatos verdadeiros.
Ele sabia.
Capital, 2011
13 anos atrás
O dia em que Obito e eu chegamos ao fim foi em uma quarta-feira chuvosa. Eu tinha chegado da faculdade depois de uma jornada exaustiva de trabalho e estudo. Havia começado a dar aulas para complementar renda e conseguir guardar um dinheiro. Sabia que ia precisar de grana pra me realocar depois que saísse do apartamento dele. Tinha economizado uma boa quantia, mas precisaria de mais.
Eu estava decidida.
Não poderia ficar com ele. Se ficasse, eu sabia no que eu iria acabar: uma esposa inútil e, consequentemente, entediada. Não era isso que eu planejava pra mim. Não mesmo. Arrumei alguns alunos do ensino médio que precisavam de aula particular, uma aluna do último período me indicou para o trabalho. Quando eu contei que teria um emprego, Obito ficou empolgado e comprou um bolo de chocolate com recheio de avelã, alegando que era em comemoração para a minha carreira brilhante que começava. A gente comeu o bolo de colher e acabou transando até tarde. Foi divertido e, por um tempo, eu quase quis voltar atrás. Mas não podia. Chocolate nenhum curaria a infecção e adoçaria um futuro amargo do qual eu não escolhi.
Cheguei em casa por volta das nove e meia, molhada de chuva porque ele não conseguiu me buscar na faculdade. Deixei o guarda-chuva no hall, pingando água suja no tapete de entrada. Meus sapatos encharcados, do lado de fora. Eu me sentia cansada e nojenta. Quando entrei, ele me recebeu com cheiro de massa pronta e um sorriso:
— Boa noite, amor — A voz de Obito soou como pratos caindo no chão: o anúncio de uma tragédia.
Eu estava farta. Foi um ‘boa noite’, mas poderia ter sido qualquer outra coisa, qualquer outra expressão ou palavra. Eu decidi que seria naquela noite. Não poderia passar disso. Não, não poderia. Eu precisava fugir.
— Estou fazendo carbonara pra gente… Me desculpa por não ter conseguido ir te buscar… — Ele dizia mesmo sem me ver.
Quando avancei meus passos úmidos pela sala e o vi diante do fogão, preparando o jantar, ele também me capturou com os olhos. Foi nítido a forma como vi seu sorriso vacilar.
— O que foi, meu amor? Nossa, que droga! Você está ensopada! — ralhou ele consigo mesmo. — Eu deveria ter ido…
A água pingava. O som da comida no fogo. A manteiga derretendo na frigideira. Não posso mais fazer isso… Não posso acabar assim. Não, não, não. Não nasci para ser a esposa de alguém. A mãe do filho de alguém. Não, porra, que droga!
— Rin… O que foi? — indagou, preocupado.
Eu tomei fôlego.
— Eu quero terminar.
Minha voz ecoou pelo apartamento. Estridente. Objetiva. Clara.
A água pingava. O som da comida no fogo. A manteiga havia derretido. O macarrão estava fervendo. Eu estava terminando com Obito Uchiha.
A voz morreu na garganta dele. Eu vi quando algo se trincou dentro de suas íris. Eu vi quando o amor morreu e se desmanchou diante de seus olhos. Arrisco em dizer que, hoje, muitos anos depois, eu me arrependo do dia em que tomei esta decisão, como muitas outras em minha vida.
— Você quer terminar? — A voz dele falava cada palavra com muita calma, devagar, experimentando o gosto delas na boca. — Por… quê?
Eu lembro de sentir pena dele. Eu lembro de sentir que meu coração se quebrou um pouquinho ao fazer isso. Mas também me recordo de respirar fundo e saber que não podia ter piedade. Precisava pôr um ponto final em tudo isso. A fantasia precisava acabar.
— Estou sufocada, ok? — disse, nervosa, começando a andar pelo apartamento com os pés ensopados, molhando e sujando tudo sem me importar. — Chega, chega dessa merda, Obito! Que porra! Eu to cansada… Eu to cansada de você, eu to cansada de mim, eu to cansada da gente! — gritava, desesperada, como se aquilo tudo fosse uma grande crise de pânico. — Eu estou farta de tudo! Eu odeio quem eu sou quando estou com você… Eu odeio isso! — disse, apontando para nós dois.
Ele ficou em silêncio, parado, apenas absorvendo minhas palavras duras como tiros que atravessavam seu peito.
— Você pode ser um ótimo namorado, mas eu não quero isso. Não presto para isso. — dizia, nervosa. — Não quero ter trinta e poucos anos e morar em uma casa linda e cheia de flores e duendes de porcelana no jardim, enquanto seguro um pacotinho recém nascido nos braços! Eu não quero ser essa pessoa… Eu não posso ser essa pessoa, entende?! — digo, exasperada. — Se continuar com você, serei essa pessoa. Eu não quero. Eu não posso! — Coloco a mão no peito.
Obito tem os lábios partidos ao meio, os olhos opacos.
— Não posso… Eu tô cansada disso. Eu nunca serei esse tipo de mulher, entende? Essa namorada que você apresenta para os colegas de trabalho e diz que é sua noiva. Eu não usaria um anel de brilhantes no dedo anelar. Eu não faria o jantar pra você. Eu não vou te esperar chegar de madrugada e preparar um banho. Não sou o tipo que vai parar em uma foto num quadro no seu escritório. — grito.
As palavras jorram de mim com uma facilidade que me assusta. No fundo, nem eu sabia que sentia tanto.
Ele não faz nenhum movimento. Algo começa a queimar. Suspeito que seja o alho. Quando ele se move, é apenas para desligar o fogo. O alarme de incêndio vai ser acionado em instantes porque a fumaça está saindo da panela e cobrindo a imagem dele.
Quando o barulho chato e estridente começa a tocar e a água cai do teto como um chuveiro, molhando Obito, ele apenas se desloca para desligar o alarme. E, enfim, tudo que diz é:
— Acho que você precisa de um banho. Vai ficar resfriada se ficar mais tempo ensopada desse jeito.
A voz dele é monótona, quase robótica. Mesmo quando estou no meu limite, exigindo alguma reação dele, que ele esboce qualquer expressão, tudo que me oferece é sua gentileza, tudo que ele tem a oferecer é sua preocupação.
Mas, ao invés de me sentir culpada, eu me frustro. Fico com mais raiva. Quero cortar a garganta dele e beber seu sangue.
— Eu estou terminando com você. — digo de novo. — E eu não vou voltar.
Obito molha os lábios, olha-me, depois desvia o olhar. Não sei o que se passa em sua cabeça, mas estou curiosa para saber.
Tudo que ele responde é:
— Tudo bem.
Tudo bem?
— Tudo bem? — indago, um pouco indignada.
— Não posso forçar você a ficar, Rin.
A voz dele é monótona, mas agora parece um pouco chateada. Eu deixo ele na cozinha e sigo para o quarto, livrando-me das roupas ensopadas, largando-as no chão, molhando e criando um rastro por onde passo. Apanho uma toalha e vou para o banheiro. Bato a porta com força, o eco assusta. Ligo o chuveiro e fico tanto tempo debaixo d´água quente que a pele começa a enrugar. Lavo o cabelo demoradamente, uso o shampoo caro que Obito comprou pra mim, passo hidratante e fico horas ali.
Quando finalmente saio, não há mais rastro. Tudo está limpo. Todo o caminho molhado que fiz até lá está completamente seco. Estou enrolada na toalha e ando até o quarto. Meu pijama está dobrado sobre a cama. Eu me seco melhor e o coloco. Coloco a toalha sobre a cabeça, deixando os cabelos presos por lá para retirar o excesso de umidade. Saio do quarto e vou para a sala. Obito não está em lugar algum. A cozinha está limpa e seca também. O carbonara está em um prato tampado por uma panela. Ainda está quente. Tem vinho sobre a mesa e uma taça. Uma caixa de Marlboro ao lado de ambos.
Dou um sorriso de canto.
É uma despedida bonita — penso, com pesar.
Se Obito Uchiha fosse mesmo homem, provavelmente me envenenaria e me mataria agora.
Mas não é isso que acontece. Eu como e tomo duas taças de vinho. E talvez ele tenha razão, é o melhor carbonara que já comi. Acendo um cigarro e fico tragando por longos minutos. Obito não está em casa, não sei para onde saiu. Ele parece correto demais para quebrar pratos, atirar tigelas, xingar-me de vagabunda e ingrata. Não, ele jamais faria isso. Ele prepara o jantar para mim e sai. Ele reserva o que há de pior em si para si mesmo. Logo quando tudo que eu queria era provar dessa mesma escuridão.
Duas taças e dois maços depois, eu vou dormir. E é minha última noite nesta cama. No meio da madrugada, sinto o corpo dele afundar o colchão e abraçar o meu. Ele tem cheiro de bebida e de cigarro. Ele é quente e choroso. Abraça-me com força, machucando as costelas, ronrona como um gato e geme como um cachorro, dizendo:
— Eu te amo muito… Por favor não me deixe…. Por favor…
Depois, os pedidos vão diminuindo. O nível de álcool em seu organismo vai sendo dissolvido. E tudo que resta é:
— Eu te amo… Eu te amo muito. Eu faria qualquer coisa por você. Qualquer coisa…
Qualquer coisa?
Notes:
Oi meus amores! Como estão?
Peço desculpas pela demora para atualizar, este semestre da faculdade foi intenso e louco: estágio obrigatório e não remunerado, trabalho e faculdade --> eu vou provavelmente enlouquecer, mas, para nossa felicidade, estou OFICIALMENTE DE FÉRIAS! Isso significa que estarei mais ativa aqui e em outras redes de fanfics!
Esse capítulo já está escrito há algum tempo e eu realmente gosto da melancolia dele... Há algo de muito sombrio na forma como eles terminam e, ao mesmo tempo, muito bonito em como tudo se desenrola. Honestamente? Sou obcecada por esses dois.
Gostaria de agradecer a todos os comentários e favoritos <3 Vocês são tudo! Nos vemos jaja no próximo!
Chapter 15: Capítulo 14: O vício
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Capital, 2011
13 anos atrás
Eu lembro perfeitamente do dia em que Rin Nohara me deixou. Também lembro dos meses que se arrastaram depois disso. Foram os piores da minha vida. Na manhã seguinte após o término, quando eu acordei sozinho na cama do meu apartamento, chorei como um bebê o resto do dia. Não fui para faculdade por uma semana e fiquei me alimentando de macarrão instantâneo. Com sorte, o mundo acabaria. Mas eu nunca fui sortudo e o mundo nunca esteve ao meu favor. É por isso que no fim, nada acontece. Eu sou obrigado a seguir minha vida e fazer a prova de direito penal. Kakuzu vem ao meu apartamento quase todos os dias com marmitas que sua mãe prepara para mim. Às vezes, preciso de ajuda para escovar os dentes e lavar minha própria roupa.
A dor era estranha, como se alguém arrancasse parte do meu coração e comesse. Não lembro de nada doer tanto na vida. Penso que essa dor nunca vai passar, que nunca vou me curar. Hoje sei que muita coisa é proveniente dessa idade ridícula que a gente acha que define tudo e que tudo é o fim do mundo. Entretanto, não deixou de ser uma droga. Por sorte, o campus de Rin era longe do meu. Se tivesse que vê-la todos os dias, eu provavelmente não aguentaria.
Seis semanas sem ela. Eu sentia falta até da fumaça de seu cigarro. Rezava em silêncio para que ela voltasse e me intoxicasse de novo. O apartamento inteiro ainda tinha seu cheiro: produtos femininos de morango e marlboro.
O fato é que passei por todas as fases do luto. Na primeira semana, recusava-me a acreditar. Eu ligava para ela todos os dias. Cheguei a ir em sua república, só para receber uma porta sendo batida em minha cara. Konan me expulsou com um suspiro, dizendo que sentia muito, mas que não podia se envolver e, afinal de contas, Rin não queria me ver e que era melhor assim. Depois, ela bloqueou meu número ou trocou de celular.
Nunca soube.
Mas, como próximo passo, ao invés da raiva, apenas me senti deprimido. Fiquei semanas deitado na cama, faltando nas aulas, recusando os estágios e gastando o dinheiro dos meus pais com coisas fúteis, como videogames e relógios que não precisava. Depois, com a ajuda dos meus amigos, comecei a retomar minha vida. Voltei para a faculdade e passava muito tempo estudando para recuperar o tempo parado. Arrumei um estágio obrigatório no Tribunal de Justiça apenas para ocupar o tempo e, com o dinheiro que ganhei, entrei para uma academia, descontando a tristeza em exercícios pesados. Corria todos os dias de manhã, mais de duas horas. Fiz algumas tatuagens sem sentido nos braços apenas por diversão e comecei a sair com outras garotas.
Ao longo de dois meses, pensei ter aceitado tudo muito bem. Pensei que a raiva nunca viria. Pensei que tudo daria certo.
Ela tardou, mas veio. A ira. Senti todas as minhas veias explodindo dentro daquele novo corpo mais forte que eu tinha moldado. Senti o mundo desabar tudo de novo sobre minha cabeça. Eu estava em uma festa organizada pela atlética. Era uma das primeiras que eu ia depois de tanto tempo. Depois do término, tornei-me uma pessoa que repudiava esses lugares. Pensava em todas as vezes em que Rin e eu fomos nessas ocasiões e o quão chapados voltávamos. Outro dano colateral da nossa relação: o cigarro. Não conseguia mais largar essa droga. No fundo, acho que fumava só para lembrar dos dedos dela em volta do tabaco, do corpo dela atrás do meu e da voz maldita que dizia: “Você precisa relaxar”.
O fato é que eu estava lá. Tomava uma latinha de cerveja e fumava um cigarro. Uma garota bonita e com um sorriso sacana estava entre minhas pernas, ela tinha a mania de enrolar o cabelo no dedo indicador e fazer uma voz afetada. Era bonita, apesar de tudo.
Foi quando eu a vi.
Ela tinha o cabelo mais curto, recém cortado. Usava aquelas calças de cintura baixa e barras longas, com uma regata rendada lilás, mostrando a barriga. Tinha brincos de argolas grandes e um batom vinho. Segurava entre os dedos um cigarro. O sorriso brincava nos lábios.
Apenas vê-la não me afetaria. Nada aconteceria.
Mas, vê-lo com ela foi o pior.
Talvez fosse exatamente o que eu precisava para seguir em frente.
Kakashi Hatake segurava sua cintura com causalidade, torcendo os dedos pela sua pele e deixando marcas por onde passava. Os roxos, os chupões, tudo vulgarmente exposto. O olhar de possessão. Os lábios marcados pela violência. Eles chegavam juntos na sala de descontração da atlética, onde eu estava. Kakashi caminhava em direção à mesa de sinuca. Eu sabia que era para se exibir porque Hatake nunca frequentava esse tipo de festa suja e barata. Ele era bom demais para isso.
No fundo, acho que sempre desconfiei. Acho que sempre soube. Desde o primeiro momento, quando ela sumiu naquela festa e voltou com o olhar distante. Eu o vi descendo as escadas e olhando para nós. Ou quando foi atacada por Nagato e ele a ajudou. Eu vi a forma como ele nos encarava, a forma como estava sempre procurando por ela. Um homem não atira em outro por nada. Não se engane, não há heróis e, no fundo, tudo que fazemos é por um egoísmo próprio: mesmo os atos heroicos. A justiça é apenas uma forma de mostrar que alguém pode exercer poder sobre o outro. E nada mais.
Ele a abraçava como se ela fosse um prêmio que merecia a cada tacada bem feita. E aquilo doeu porque eu jamais a vi como um objeto. Aquilo doeu porque eu poderia ter colocado-a em um pedestal tão lindo e beijado seus pés como se fosse sagrada. Eu poderia ter movido o mundo para realizar seus desejos, não importando o quão obscuros fossem…
A garota na minha frente perguntou se eu estava ouvindo e eu balancei a cabeça em afirmação, mas não fazia ideia do que ela dizia, até que a loira estivesse me beijando. Eu sabia que Rin estava observando como se assistisse um filme e, por tal, caprichei na atuação.
Minhas mãos passaram pelas costas e pelo quadril da modelo em minha frente. Coloquei-a sentada em meu colo e a fiz gemer meu nome entre o beijo. O cigarro estava apagado no cinzeiro ao meu lado. A latinha de cerveja caiu no chão. A loira sorriu e se desmanchou em meu colo, com vergonha.
Rin tinha um sorriso boêmio nos lábios. O pior de tudo talvez fosse isso: ela era sempre mais insana do que você costumava supor que ela pudesse ser. E pensar que um dia eu imaginei que poderia suprir sua loucura interna...
A garota pediu licença, dizendo que iria pegar outra cerveja para nós. Sorri para ela, mas eu não dava a mínima. Enquanto acendia outro cigarro, Nohara se aproximou com aquele sorriso cínico. Senti vontade de vê-la sufocando em minha frente.
— Agora você é assim? — provocou a morena.
Eu traguei antes de responder.
— Assim como?
Ela deu um risinho.
— Se fosse você sempre assim, a gente jamais teria terminado.
A voz dela era empapada de veneno, mas o veneno era doce e escorria pelos lábios como gozo.
Foi minha vez de rir, com o coração sangrando.
— Contemple sua obra prima… — respondi, dando de ombros de forma desapegada. — Você deveria estar orgulhosa do que fez.
Ela olhou para mim e, dessa vez, sinto que realmente me enxergou.
— Tem razão, Uchiha… Uma obra prima.
Eu era, definitivamente, o brinquedo favorito.
Eu ri. Traguei lentamente, sentindo a nicotina entrar em meu corpo e fazer seu trabalho.
Kakashi Hatake nos observava de longe, de vez em quando, entre uma tacada ou outra. Ele encaçapava todas as bolas.
— Ela é bem bonita… — comentou, pretensiosa. — Você sempre teve bom gosto.
— Sim, eu sei. Tenho o costume de enxergar diamantes em pedras não lapidadas… Meu erro. — respondo, irônico.
Ela ri.
— É preciso muita paciência para se ter uma joia. Um rubi nunca será um diamante e vice-versa. Nós não podemos mudar nossas propriedades químicas.
O sorriso dela é sempre um misto cínico de crueldade e deboche.
Eu me canso do papinho. Não quero metáforas idiotas e mal escritas.
— Por que está com esse cara? — pergunto de uma vez. — Gosta de ser tratada como lixo? Como algo descartável? Era isso que você queria? Que eu a jogasse em cima da cama e te batesse até que ficasse sem ar? Que as pessoas soubessem o quão suja você é? — Minha voz saí mais ácida do que eu pretendia, mas gosto de como soa.
É nesses momentos que percebo a influência tóxica de Rin em mim, como uma erva daninha crescendo e infectando todas as partes. As palavras a chocam um pouco. Os olhos dela se arregalaram e eu sinto que finalmente a tiro daquela névoa a qual parece sempre presa, como se sempre soubesse o que vai acontecer.
— Você não entenderia…— Pelo seu tom de voz, parece um pouco ofendida e meio irritada.
— Não, eu não entendo, Rin. Eu realmente não entendo porque você gosta de ser tratada como um lixo.
E, de fato, não entendia. Minha mãe costumava dizer que tinha gente que gostava de ser mal tratada, que pensava que tinha nascido para sofrer, que não merecia felicidade e paz; gente que aceitava o mal porque pensava que só merecia o mal. Quando menor, não entendia. Hoje, olhava para a Rin e pensava que ela era assim: alguém que jamais aceitaria o que merece. Alguém que nunca se contentaria com a felicidade porque estava programada para recusá-la. Alguém que se punia porque queria.
O relacionamento dela e de Kakashi sequer era alguma coisa. Mais tarde, descobri que era algo espontâneo, “aberto”, como chamavam. Ele ficava com quem queria e ela também. Quando sentiam vontade, encontravam-se. Ele a usava, sugando até a última gota, aproveitando-se dela e a exibindo como um material. Tratava-a como um ser descartável. Eu via em seus olhos como ela parecia uma inutilidade. Sentia raiva, tanta raiva…
Raiva, porque eu poderia tratá-la muito melhor.
Raiva, porque eles eram sujos como o diabo.
Raiva, porque eu não era suficiente.
Raiva, raiva e raiva. Raiva até não aguentar mais. Raiva até não sentir mais nada.
Rin ficou chateada. Pude ver em seus olhos que eu a havia ferido. A garota com quem eu estava antes voltou com duas latinhas nas mãos e um sorriso que não me enganava: fuzilava Nohara com os olhos, enciumada. Sorri para a minha parceira e a puxei pela cintura, pedindo licença à Rin e voltando a me ocupar.
Depois dessa ocasião, tudo que eu sabia era contra minha vontade. Os dias passaram e a ferida foi se fechando. Em algum momento, a gente tinha de se curar.
Capital, 2012
12 anos atrás
Um ano havia se passado. Eu estava mais concentrado na faculdade e nos estudos para concurso da academia de polícia do que jamais estive na vida. Dediquei cada segundo do meu tempo nisso. Apesar de tudo, também tinha mudado muito. Descobri que o vício não me deixaria e resolvi acolhê-lo como uma lembrança de Rin na minha vida, a qual eu agora olhava com mais carinho do que raiva. Permitia-me ir à festas quando queria, mas não fazia disso algo rotineiro. Nas férias, quando voltava para Konoha, não ia mais ao mercadinho de Rin, sabia que ela estaria lá. Também evitava frequentar os lugares mais comuns, como o restaurante de Iruka e a sorveteria dos Haruno.. Isso quase sempre funcionava. De vez em nunca, eu a encontrava, mas era raro. Nessas ocasiões, eu fingia que não a conhecia. E a vida seguia.
Já na faculdade, as coisas eram mais complexas. Toda festa do meu curso, Rin batia sua carteirinha, de modo que eu comecei a evitar boa parte delas. Estava sempre acompanhada do Kakashi, o que não a impedia de se divertir com outros caras, uns beijos ali e aqui, uma escapada no banheiro sujo da sala da atlética e por aí vai. Quando eu estava presente, ignorava. Às vezes flagrava ela me observando de longe, com olhos enigmáticos.
Mas como todo bom viciado, eu tive uma recaída. E como todo vício é uma psicopatologia, eu me considerei doente o suficiente para justificar aquela noite. Foi em meados de julho, sei disso porque era aniversário de Kakuzu e ele quis comemorar em um bar famoso na cidade. A música era alta demais, a bebida cara, mas as mulheres compensavam todo o resto. Eu não estava muito a fim de ir, porque precisava estudar e queria dormir cedo. Contudo, Kakuzu era meu melhor amigo e eu nunca rejeitava um pedido seu, além disso, mantive-me afastado do meu ciclo social por tempo demais depois que Rin e eu terminamos. Foi duro. Mais difícil do que eu poderia admitir para mim mesmo. E, um ano depois, eu já conseguia lidar com o fato de que Kakashi a beijaria da maneira mais luxuosa possível em minha frente apenas para mostrar como ele poderia domá-la quando quisesse, depois trocá-la por uma qualquer e Rin ainda voltaria correndo para ele.
Era assim que o controle funcionava.
Eu ainda não tinha largado o cigarro e decidi que nem iria, pelo menos não ainda. É por isso que acabo de tragar quando vejo Rin passando pelo mar de pessoas dançando na pista e vindo em direção ao fumódromo. Ela tem os olhos manchados de preto, como se a maquiagem tivesse sido há muito borrada não propositalmente. Os ombros estão nus e a clavícula ressaltada chama atenção, mas não mais do que os seios expostos pela blusa quadriculada feito uma meia arrastão, com os mamilos tapados por adesivos de “X” marcados. As grandes argolas nas orelhas e o batom vinho são suas marcas registradas. Mas se não fosse qualquer uma dessas características visuais eu ainda a reconheceria, em qualquer lugar, de qualquer forma.
Seus olhos, melancolicamente sedutores; sua boca, perversamente curvada, pronta para proferir sonhos quebrados e vazios. Ela era capaz de dizer que me amava só para que eu a satisfizesse. E eu, cego e viciado, praticamente condenado, iria aonde ela quisesse. Naquela noite, eu sabia, nada acabaria bem pra mim. Quando um dominador ordena ao dominado, ele obedece.
Ela parou do meu lado, com um cigarro entre os dedos e um sorriso malicioso. Ela não precisaria dizer nada, mas disse:
— Tem fogo?
E eu soube que tudo começaria de novo.
Entre acender um cigarro para ela e estar rasgando suas roupas no banheiro do bar só havia um espaço: o tempo corrido do minuto em que meus olhos bateram nela. Eu não tinha bebido muito e, se disser o contrário, estarei mentindo descaradamente. Fiz porque queria. Fiz porque devia. Fiz porque eu a amava como um cachorro estúpido. Fiz porque eu jamais a esqueceria…
Seus lábios grudaram nos meus como uma cola pegajosa, tornando impossível me soltar. Ela tinha cheiro de tabaco e de perfume adocicado. Com a música alta, ficava difícil escutar o som do próprio pecado e, nesse sentido, resolvi pecar mais. Alguém esmurrava a porta frágil do banheiro, mas eu não me importava, enquanto as costas dela estivessem sendo brutalmente empurradas contra a parede, eu não me importaria. Os olhos reviraram e o sorriso na boca se alargava enquanto Nohara gemia e dizia que sentia saudade.
Sai do bar com a boca molhada do seu gozo e a mente nublada. Dentro do meu Honda, ela mexia no rádio e tirava goles despretensiosos de uma bebida estranha em um copo vermelho, enquanto eu dirigia acima do limite de velocidade e, muito provavelmente, mais chapado do que deveria.
Quando finalmente chegamos à antiga república onde Rin morava, minha mente deu os primeiros sinais de sobriedade. E eu quase pensei em não repetir o erro. Quase. Mas ela saiu do carro em meio a uma gargalhada e disse:
— Bem-vindo ao meu palácio! — Abrindo os braços como se apresentasse algo grandioso.
Roubei o copo da mão dela e o virei. O líquido desceu queimando tudo. Tomei-a pelo braço e a beijei, prensando seu corpo contra o carro. Quanto mais força eu investisse, mais prazer Rin sentia, como uma masoquista. O jogo com ela era simples: quanto mais crápula eu fosse, melhor.
No começo eu não compreendia muito bem essa lógica. Por que alguém gostaria de ser maltratado? Por que alguém tão frágil e delicada gostaria tanto de estar próximo do fogo? Por que ser horrível ? Mas para Rin era como uma necessidade, como se ela quisesse se punir por algo que nunca fez, por uma alucinação em sua mente perturbada. Acho que, principalmente depois do término, sua lógica começou a fazer sentido pra mim... Quem era eu para julgá-la, afinal? O homem que se torturava, o homem que aceitava suas condições nefastas, o homem que se colocava de joelhos diante de seu chicote... O homem que se punia por querer ela.
Na manhã seguinte, acordei espremido na cama de solteiro do quarto da república que Rin dividia com Konan. O ambiente era o mesmo: pequeno e repleto de coisas. Ursinhos de pelúcia caídos no chão, latinhas de cerveja e cinzas para todo o lado. Roupas, perfumes e livros. Meias arrastão, cigarros e argolas douradas. Tudo ali era um retrato da bagunça de Nohara. O sol despontava no céu, iluminando uma boa parte do quarto, por onde a cortina não o cobria.
Os lapsos da noite passada ainda estavam em minha memória. A forma como subimos as escadas, a gargalhada gostosa de Rin e como ela sussurrou que sentia saudade. O jeito que ela deitou no meu peito e se aconchegou, dizendo que ninguém fazia assim com ela. E então, quase pegando no sono, confessou, como se contasse um segredo obscuro:
— Às vezes eu queria que ele fosse assim… Que nem você.
Mas Rin nunca foi de se confiar.
É por isso que vou embora, sorrateiro, antes de ela acordar.
Mas nada termina assim. Ela volta a me procurar. E, eu, como um viciado, sempre a encontro de novo.
Notes:
Esse é, sem dúvidas, meu capítulo favorito até agora.
Honestamente, escrever Algozes é um alívio para minha mente cansada, que pensa demais. Ser professora é bem cansativo e eu estou exausta a maior parte do tempo. Se eu não fabular coisas absurdas, acho que morro.
Desculpem a demora com relação à atualização. Aparentemente, é fim de ano e os alunos decidiram que é um ótimo momento para começar a estudar redação, o que é ótimo para uma professora de redação, mas somado a faculdade e o estágio obrigatório, bem, eu acho que vou enlouquecer.
Enfim, eu amo esse capítulo, demorei para postá-lo porque estava travada ao escrever o capítulo de número 16... Mas, enfim, hoje, na volta para casa, dentro do ônibus, eu consegui expurgar os demônios de minha mente e apresentá-los para o mundo. Espero que gostem <3

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