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Já fazia seis meses que Sasuke tinha saído para sua viagem de “expiação de pecados”. Naruto entendia. Sério, ele entendia. E apoiava. Mas seria mentira se dissesse que não estava decepcionado — tinha uma grande diferença entre o que ele imaginou que aconteceria e o que aconteceu de fato depois da 4ª Guerra Ninja. Nenhum dos cinquenta cenários que ele tinha elaborado em seu cérebro era compatível com o que aconteceu na realidade.
Naruto esperava que Sasuke voltasse de vez para Konoha depois da última batalha deles. Depois de Naruto vencer Sasuke. Mas a ausência do melhor amigo ali tornava impossível dizer que tinha sido uma vitória de fato. Parecia mais uma derrota. Na cabeça dele, o amigo iria voltar, por mais que, talvez, houvessem algumas dificuldades de adaptação — afinal, era Sasuke e, além disso, a vila merecia sua raiva. Talvez ele brigasse com o Conselho, ou acontecesse de fato um julgamento sobre seus crimes apesar de Tsunade ter o perdoado. Mas não foi o que aconteceu depois da luta.
Aliás, se Naruto não tivesse sua prótese no braço direito para servir como prova, ele poderia muito bem pensar que aquela batalha tinha sido um sonho, porque nada havia mudado. Sasuke ainda não estava ali e ele ainda sentia um incômodo no peito — o mesmo que esteve ali desde que Sasuke tinha ido embora com Orochimaru, há anos atrás.
A verdade é que, por mais que nada tivesse mudado e Naruto pudesse fingir que a luta tinha sido um delírio de sua mente danificada por perdas, a viagem atual de Sasuke o fez reviver emocionalmente aqueles dias de horror. De quando seu melhor amigo, colega de time e rival tinha deixado Konoha em busca de poder, sem sequer se importar com as consequências. De quando uma das primeiras pessoas que o aceitou e reconheceu tinha partido com o inimigo, depois de tudo que fizeram para protegê-lo.
E ele tinha feito aquilo conscientemente e de boa vontade, por mais que Naruto fingisse que não, na época. Sim, Sasuke tinha vários problemas e traumas que influenciaram diretamente nesta decisão, mas ainda assim ele era umas das pessoas mais conscientes que Naruto conhecia. Ele tinha capacidade de discernimento, mesmo que tivesse apenas 13 anos na época.
E agora Sasuke tinha deixado a vila novamente. Naruto sabia que não era nem de longe a mesma coisa, que era por um motivo totalmente válido que o faria crescer como pessoa, mas isso não mudava o fato de que ele tinha ido embora de novo. Os primeiros meses foram os piores, e era como se seu peito tivesse sido rasgado e exposto como da primeira vez. Mas com o tempo, a dor voltou a ser um pequeno incômodo na boca do estômago. Era até fácil lidar com isso — afinal, este sentimento pertenceu a ele por anos e já tinha sua morada em seu peito; era sutil, mas esteve ali diariamente.
Às vezes este incômodo aparecia com mais força, cutucava violentamente suas entranhas como se espancasse uma piñata e depois voltava ao seu lugar latente. Mas Naruto já tinha se acostumado, então ele apenas deixava este incômodo existir — não que ele pudesse simplesmente fazê-lo desaparecer, mas aceitá-lo tornava sua existência um pouco mais suportável.
Naruto sabia que era imaturo manter a esperança de que Sasuke iria voltar, mas este desejo sempre existiria enquanto ele não sentisse que tinha seu melhor amigo de volta de verdade . De volta ali, em Konoha, onde ele poderia voltar a conviver com Sasuke, poderia vê-lo diariamente como sempre, fazer missões com ele e treinar com ele no tempo livre. Como quando eram crianças.
Mas eles não eram mais crianças, e Naruto sabia disso. Ele tinha passado por todo o treinamento Sennin, lidado com o reflexo do seu eu verdadeiro na Cachoeira da Verdade, lutado na Guerra, vencido Kaguya e perdido pessoas. Ele era um dos Shinobis mais valiosos de Konoha e não tinha mais 13 anos, tinha 17. E ele era maduro o suficiente para entender e apoiar a viagem de Sasuke — que finalmente tinha se livrado da Maldição do Ódio e sido salvo. Ele estava livre, mesmo que não estivesse curado. E esse provavelmente era um dos motivos de sua jornada atual.
Porém, Naruto não podia matar sua outra parte — aquela que viu Sasuke partir anos atrás, que o perseguiu incansavelmente, que chorou, que sentiu sua falta e lutou para se tornar mais forte apenas com a intenção de trazer seu melhor amigo de volta para casa. Afinal, esta sua parte tinha sido essencial em sua busca e em sua evolução para o que Naruto era hoje; fazia parte dele. E não tinha nada de errado em sentir falta do melhor amigo. Ou em pensar nisso incansavelmente. Ou em ficar um pouco amargo sobre como Sasuke tinha abandonado tudo de novo , por mais que fosse por um motivo nobre.
Com isso, ao longo desses seis meses, Naruto enviou duas cartas para ele. Contou sobre como estava a vila, sobre o que esteve fazendo e sobre como Sakura estava se superando como uma Ninja Médica. Também contou de algumas missões que tinha feito com Kakashi, Sai e Kiba — eles eram praticamente um time agora, já que Sakura estava ocupada no hospital e o próprio Sasuke estava fora (o que Naruto fez questão de lembrar na carta).
Fazia dois meses que Sasuke tinha saído de Konoha quando Naruto enviou a primeira. A segunda foi há cerca de um mês. Ambas eram muito similares, mas ele mandou mesmo assim, já que, como esperado, não houve resposta. Era uma forma de dizer a ele que Naruto não o tinha esquecido e ainda insistia nele, que Sasuke ainda fazia parte de sua vida querendo ou não. Que ele ainda seria perseguido se tentasse ir embora de novo.
Entretanto, estava claro que Sasuke não se importava muito com isso, já que o conhecido falcão dele pôde ser visto voando até a torre do Hokage com o que se presumia ser as informações das missões que o amigo estava fazendo. O que provava que Sasuke não estava morto, estava apenas o ignorando. Ótimo .
Tinha sido uma manhã produtiva — ele tinha ajudado na construção de uma das casas de Konoha e até ajudado Konohamaru em uma das suas missões de rank D, emboscando Tora, o gato de Madame Shijimi, que fugia em qualquer oportunidade. Naruto odiava essas missões quando era criança e se lembra dos vários arranhões que conseguia com elas, mas hoje em dia achava até divertido. Até porque, ele não tinha mais nada para fazer — era isso ou ficar em casa olhando para o teto. Hoje ele não estava com vontade de treinar sozinho e seus amigos estavam ocupados ou fora da vila em missões.
Naruto suspirou antes de se jogar em sua cama desfeita, com sapato e tudo. O calor o incomodava bastante e seus lençóis estavam quentes. Ele pensou em arrumar a casa, mas sinceramente odiava limpar e organizar coisas, então podia aguentar mais um tempo, apesar de todos os seus pratos estarem sujos na pia. Ele vinha lavando e usando apenas um prato quando precisava, mas isso não importava. Até porque, normalmente ele comia lamen direto da embalagem, ou ia até o Ichiraku.
Então, pela visão periférica, Naruto percebeu que estava sendo observado através da enorme porta de vidro que ficava em frente à sua cama. A silhueta preta contra a luz do sol em sua varanda chamou sua atenção e ele se pôs de pé em um átimo, pronto para o ataque. Demorou dois segundos para ele perceber que era Sasuke.
Sasuke estava ali . Sasuke, em sua capa preta que ia até o joelho e os cabelos negros espetados para todos os lados. Seu olhar tinha uma intensidade que foi vista poucas vezes naquele rosto, e seu Rinnegan era hipnotizante. Naruto ficou pregado no chão de madeira, recusando-se a desviar daqueles olhos e a sequer piscar, só para o caso daquilo ser uma miragem produzida por seu cérebro e desaparecer assim que o contato fosse quebrado.
Porque era claro que aquilo não era real — Sasuke tinha ignorado suas cartas e jamais se daria o trabalho de visitar a vila ou Naruto. A não ser que estivesse ali a mando de Tsunade, mas ainda assim ele dificilmente viria vê-lo. Outra prova de que aquilo era uma miragem, é que ele não tinha detectado seu chakra. Ele se recusava a pensar que era porque estava distraído e de guarda baixa, porque um ninja sempre estava preparado. Ou devia estar. Mas Naruto com certeza não estava preparado para ver a figura que o encarava de sua varanda.
Naruto caminhou devagar para a porta, como se estivesse lidando com o mesmo gato que tinha capturado há algumas horas e Sasuke pudesse fugir a qualquer movimento muito brusco. Ele deslizou o vidro e finalmente percebeu que aquilo era real. Por mais que Naruto negasse até a morte se alguém perguntasse, Sasuke era uma das pessoas mais bonitas que ele já tinha visto, e ele jamais poderia imaginá-lo do jeito que estava agora. Quer dizer, ele mesmo também era bonito, ele sabia disso, mas Sasuke parecia quase magnético.
E por mais que fizesse apenas seis meses que não o via, ele parecia mais velho agora. Sua pele pálida tinha um pouco mais de cor por causa do sol, ainda que contrastasse com todo o preto de sua roupa, seu cabelo e seus olhos. A linha de seu maxilar parecia mais bem angulada, suas maçãs do rosto mais duras e acentuadas. Ele também parecia um pouco mais alto, ou talvez Naruto nunca tivesse reparado que Sasuke sempre foi um pouco maior do que ele.
Mas o que mais chamou a atenção de Naruto foi aquele olho negro que o perfurava junto com o Rinnegan. Seu olhar carregava uma indulgência que não tinha ali antes, mesmo que fosse intenso como o inferno naquele momento e parecesse pesar uma tonelada. Uma tonelada de coisas não ditas e mal escondidas por trás daqueles cílios negros que lançavam sombras na pele pálida das maças do rosto. Uma tonelada de coisas que, como sempre, a alma de Naruto conseguiu captar, mas ele jamais poderia colocar aquilo em palavras para explicar de forma coerente. Era como se Sasuke estivesse jogando em cima dele todo o saber da humanidade inteira de uma vez, tamanho o peso em seus olhos.
Naruto absorveu tudo dele pelos três segundos que se encararam antes do outro mudar um pouco sua posição corporal. Com isso, ele dizia que estava esperando Naruto e eles iriam correr. Como quando o amigo, anos atrás, veio algumas vezes buscá-lo para uma missão e eles apenas saiam pulando pelos telhados. Eles não precisavam conversar porque aquilo estava subentendido. E essa era exatamente a mesma coisa, a mesma sensação. Naruto continuava o observando hipnotizado, e era incapaz de abrir a boca. Tudo aquilo era muito surreal e ele não entendia porque se sentia daquela forma, porque aquele momento parecia tão importante a ponto de o fazer se calar.
Então Naruto saiu para a varanda e Sasuke rapidamente se moveu para as telhas da casa do lado, ainda o encarando. Ele só desviou o olhar quando se certificou de que Naruto o seguiria, e foi o que aconteceu. Pularam silenciosamente sobre os telhados cor de laranja banhados pelo sol do meio-dia, Sasuke alguns metros na frente.
Naruto sentiu a tensão de seu corpo se desfazer devagar enquanto galgavam pelas telhas, e isso era ridículo — era como se seus músculos tivessem ficado tensos por todos estes meses e agora finalmente poderiam relaxar porque a espera tinha acabado.
Realmente ridículo, mas no fundo era verdade — ele estava o esperando desde sempre e a cada maldito dia de merda durante esses seis meses. Ele esperava todo dia alguma coisa do idiota à sua frente — uma visita, uma carta, um sinal de fumaça, um recado dado por terceiros, literalmente qualquer coisa .
Agora seu melhor amigo estava ali, na sua frente, em carne e osso. E eles iam para algum lugar desconhecido fazer algo que Naruto não sabia o que era, mas ele não se importava — ele continuaria o seguindo, como sempre fez, e Sasuke sabia disso. E talvez estivesse tirando proveito dessa informação quando apareceu ali sem dizer nada e saiu correndo pelos telhados depois de lançar apenas um olhar para Naruto.
Mas ele queria saber como Sasuke estava. Queria saber dos lugares que visitou, das pessoas que conheceu, das coisas que aprendeu e das missões que participou. Queria saber sobre tudo e qualquer coisa que ele quisesse contar — exceto que Sasuke não era do tipo que compartilhava coisas casualmente como um ser humano normal . Aliás, ele sequer tinha cumprimentado Naruto quando o viu, quem dirá contar como estava e o que andava fazendo pelo mundo, ou perguntar sobre qualquer coisa.
Mas eles não tinham necessidade de falar muito antes, então agora provavelmente também não precisavam conversar para se entender, e eles perceberam isso enquanto lutavam na Guerra lado a lado — eles pensavam juntos e se comunicavam com os olhos, atacavam de forma sincronizada como se seus pensamentos estivessem conectados. Um sabia exatamente o que o outro ia fazer, que golpes iam usar, complementando as técnicas um do outro sem dificuldade, como se fizessem aquilo todo dia. E se ele voltasse, eles fariam aquilo todo dia, porque estariam no mesmo time e treinariam juntos, fariam missões juntos.
Então veio a raiva — de si mesmo e do outro. Era óbvio que Sasuke não ia voltar, e por mais que Naruto soubesse disso, ele esperava estar errado. E ter essa esperança infundada doía e o indignava. O incômodo em seu peito acordou e corroeu suas vísceras sem piedade nenhuma. Ele estava quase abrindo um buraco na nuca de Sasuke com a forma que encarava suas costas agora. Era idiota e imaturo se sentir assim, mas ele estava com muita raiva, porque nada daquilo estava certo.
Mas no fim, Sasuke sempre tinha sido do tipo que fazia as próprias regras, e agora não era diferente — ele apareceu ali depois de meses como se nada tivesse acontecido, não disse uma palavra, fez Naruto segui-lo para Deus sabe onde e sequer tinha se dado ao trabalho de responder suas cartas.
Eles estavam rumando para um dos campos de treinamento vazios, agora que ele prestava atenção no caminho que faziam. E tudo aquilo parecia tão familiar. Eles fizeram aquilo tantas e tantas vezes junto com Sakura e Kakashi que Naruto se sentia em um déjà-vu muito longo e meio macabro. Nada daquilo parecia muito real, inclusive.
Os dois finalmente pararam no meio do gramado gasto e Sasuke tirou sua capa e a jogou para o lado, deixando à vista roupas pretas e básicas. Levou um momento até Naruto notar que a manga esquerda de sua blusa estava vazia, já que o outro não tinha aceitado a prótese que reconstituiria seu braço. O coto acabava acima do cotovelo, fazendo volume apenas na metade de cima da manga comprida, que pendia. Ele também percebeu a enorme espada pendurada em seu cinto.
Sasuke se deixou ser observado por alguns segundos antes de entrar em posição de ataque. Naruto automaticamente entrou em modo de defesa, dando a deixa para o outro ir para cima dele e iniciar o treino.
Aquilo sequer fazia sentido, se ele parasse para analisar — não havia lógica em nada, em Sasuke chegar sem falar nada depois de meio ano, carregar ele para o campo de treinamento e começarem a praticar. Mas foi o que fizeram por horas, até o sol começar a se pôr e os primeiros raios laranja-avermelhados surgirem, pintando o céu.
Como esperado, eles agiram de forma espelhada, ambos atacando e defendendo perfeitamente, porque agora estavam no mesmo nível. Agora Naruto finalmente tinha o alcançado e ficado tão bom quanto ele. E era incrível como Sasuke conseguia fazer tudo aquilo com apenas uma mão — se tivesse as duas, talvez teria dado um pouco mais de trabalho. A destreza com que ele conseguia se defender e a graça com que empunhava sua espada era quase uma dança sinuosa e acurada, em contraste com os movimentos implacáveis de Naruto.
E eles ficaram ali lutando por horas sem nenhuma pausa, até estarem encharcados de suor e exaustos. O sol tinha começado a descer no horizonte quando Sasuke parou de lutar com ele. Naruto se apoiou com as duas mãos no joelho enquanto buscava ar e o fitou, esperando que ele dissesse alguma coisa.
Entretanto, Sasuke caminhou até sua capa, deixada ao pé de uma das árvores, e a usou para enxugar o suor da testa antes de vesti-la sem dificuldade em um movimento. Naruto se aproximou com expectativa e esperou enquanto o outro guardava suas kunais e se endireitava. Ele podia sentir uma gota de suor escorrendo por sua coluna, por baixo da roupa.
Sasuke parou há alguns metros dele e separou os lábios minimamente como se fosse dizer algo, mas não o fez. Ao invés disso, o encarou com o mesmo peso de antes, seu único olho negro aparente queimando na penumbra, enfático e misterioso. Naruto queria poder separar em emoções o que via ali, mas só conseguia sentir a carga e captar aquela essência, a deixando fluir para seu ser porque sabia que algo dentro de si seria capaz de entender. Sasuke deu um sorriso quase imperceptível que Naruto por pouco não registrou, mas estava ali.
E ele percebeu que aquela era uma despedida. Ele observou a cena, novamente incapaz de se mover ou falar. Ele queria e precisava dizer alguma coisa, qualquer coisa , mas sua voz ficou sufocada e pregada em suas cordas vocais. Sasuke deu alguns passos para trás devagar, ainda olhando para ele com curiosidade, e depois se virou na direção das casas, partindo tão rápido que era como se tivesse desaparecido no ar.
Naruto fez mais missões do que o necessário nos três meses que se seguiram depois da visita de Sasuke, por mais que sair da vila o deixasse aflito. O sentimento ambivalente não ajudava em nada, mas ele precisava se manter em movimento ao mesmo tempo que temia estar fora em algum dia que o amigo resolvesse o visitar novamente.
Quer dizer, ele não sabia se haveria outra visita, ou quando aconteceria. E era por isso que ele se obrigava a fazer uma missão atrás da outra, mesmo as mais simples, contanto que isso significasse não estar em Konoha. Porque agora ele estava sendo lentamente torturado pelo tempo, e estar na vila significava esperar pelo melhor amigo. E era o que ele fazia sempre que voltava para casa — esperava. A Vila da Folha agora era sinônimo de uma espera angustiante para ele. Espera por missões, espera por Sasuke, espera pelo sentimento de paz que ele precisava. Sua vila não lhe trazia o conforto de um lar como antes, e ele sabia a quem culpar por isso.
Então ele buscava se distrair de tudo da melhor forma que conhecia — agindo, lutando, ajudando pessoas. E ele se tornava cada vez melhor nas atribuições que recebia, porque precisava voltar logo para casa. Só para ir atrás de mais coisas para fazer em seguida. Ele sabia que sua lógica estava comprometida sobre isso, porque quanto mais tempo ele passava fora, mais aflito ele ficava, mas também não conseguia ficar na vila mais de cinco dias sem sentir a necessidade de agir. E mesmo em Konoha, ele sempre estava ocupado ajudando em alguma coisa — qualquer uma .
Porque senão, seu cérebro teria tempo livre para funcionar. E essa era a última coisa que ele queria — sua cabeça parecia ter milhões de pensamentos, mas todos tinham apenas um fator em comum, e isso era irritante. Entretanto, mesmo ocupado, a expectativa ainda estava ali em segundo plano, pulsante. Assim como o incômodo em seu peito.
Então ele fugia para missões e as fazia com uma precisão fora do normal, ainda que de forma frenética. Às vezes Kakashi, Sai e Kiba quase não precisavam se mexer quando havia alguma luta, e eles ficavam felizes por isso — Naruto era pró-ativo e isso poupava tempo. Kiba até brincava dizendo que seria mais fácil enviar Naruto sozinho nestas missões, porque eles eram “peso morto”. Mas quanto mais rápido resolviam as coisas, mais cedo ele voltava para Konoha, e mais cedo ele retornava ao seu estado de espera por Sasuke.
Naquele momento ele estava na vila, andando a esmo porque não tinha nenhuma missão. Ele tinha feito todas elas e Tsunade estava irritada com isso, porque os outros times também precisavam treinar, e tinham sobrado apenas missões de Rank D. Baa-chan tinha gritado com ele quando o viu ali procurando por mais atribuições e disse que Naruto ficaria sem fazer nenhuma por um tempo; depois a bruxa velha o expulsou sem cerimônia de seu escritório. Ele não discutiu, porque Shizune lançou-lhe um olhar suplicante quando Tsunade fez menção de socar a mesa de madeira em seu ataque de raiva. Deus sabe quantas mesas ela já tinha quebrado daquele jeito, então ele se deu por vencido e saiu de cara amarrada.
Naruto andava lentamente pela rua de terra batida com as mãos nos bolsos enquanto olhava em volta, observando as pessoas. Ele tinha almoçado na casa de Kiba e ficou por lá algum tempo antes de resolver ir embora. Eles estavam bem próximos ultimamente, e era isso que o impedia de surtar quando estava em Konoha. O amigo, inclusive, parecia perceber que Naruto não gostava de estar sozinho por muito tempo, então sempre o convidava para treinar, ou para jogar vídeo-game. Isso o ajudava muito, distraindo-o da dor de ter suas entranhas comidas pela expectativa que já não era mais bem vinda.
Ele suspirou pesadamente assim que destrancou a porta de seu apartamento pequeno e tirou os sapatos. Sua casa estava fresca por ficar fechada, em comparação com o clima lá de fora. Naruto deixou um rastro de roupas pelo corredor até chegar no chuveiro, onde tomou um banho gelado. Ele precisava lavar sua roupa suja e arrumar sua casa, então era o que ele iria fazer, mesmo que contrafeito. Tinha uma pilha de embalagens de lamen ao lado de sua cama e algumas garrafas vazias de água que ele tinha juntado ao longo da semana.
Naruto colocou apenas um short largo que usava para ficar em casa e foi para seu quarto com os cabelos pingando. Ele quase teve um piripaque ao ser recebido por Sasuke, que estava encostado casualmente na parede ao lado da cama o esperando com os braços cruzados no peito. Ele estava exatamente do mesmo jeito que Naruto o viu da última vez, como se não tivesse se passado cerca de três meses — a capa preta, os cabelos espetados, o Rinnegan lhe dando um ar exótico.
“Porra!”, disse Naruto enquanto pulava para trás com a mão no peito, sentindo seu coração quase na boca. “Você não tem mais chakra, não?”
Sasuke apenas o observou em silêncio, mas seu rosto se suavizou um pouco e seus olhos brilharam. Estava claro que ele tinha se divertido ao ver Naruto quase ter um derrame. Ele se desencostou da parede e parou em frente a porta de vidro que dava para a varanda, olhando para fora antes de deslizá-la cuidadosamente.
“Ei, eu...”, começou Naruto às costas de Sasuke, que se virou para ele com a mão na cintura, aguardando com alguma impaciência nas feições. “Er... Bom... Me dê um minuto”.
Naruto andou pelo corredor, coletando as roupas que ele tinha deixado ali e indo até o banheiro se trocar. Era idiota ele se esconder de Sasuke para mudar de roupa, porque depois de tantas missões juntos, eles já tinham se visto de cueca incontáveis vezes, mas não queria ficar exposto sem necessidade. Ele vestiu a calça com tanta pressa que quase caiu de cabeça na pia, mas estava pronto em menos de um minuto. O sentimento de urgência era imenso, como se seu melhor amigo fosse desaparecer se ele o mantivesse longe de sua vista por muito tempo.
“Sasuke.”, saudou ele quando voltou para o quarto. O outro estava parado ao lado da porta aberta, ainda lá dentro, ainda com a mão no quadril e o peso do corpo jogado em uma das pernas.
Naruto percebeu que fazia muitos meses que não dizia aquele nome em voz alta. Soou até estranho em sua boca e também em seus ouvidos, porque mesmo seus amigos evitavam falar sobre ele. Eles provavelmente imaginaram que Naruto estava chateado com sua partida, então não falavam sobre Sasuke. Não perto dele, pelo menos.
Ele fitou o amigo, percebendo nele aquele olhar novamente. Será que sempre tinha sido assim, Naruto que não percebeu antes? Ele sempre o encarou com aquela intensidade? Com tanto peso e importância, como se estivesse revelando um segredo vital? Era tão profundo que, se não fosse dirigido diretamente a ele , Naruto teria desviado os olhos, como se estivesse invadindo algo íntimo de Sasuke. Talvez fosse por isso que a maioria das pessoas evitavam seu olhar, mas Naruto sabia que aquela intensidade era reservada apenas para um grupo muito seleto de pessoas, para dizer o mínimo.
Ou talvez fosse apenas uma impressão que o Rinnegan passava, já que era tão singular, e Naruto estava apenas vendo coisas que não existiam. Exceto que aquele peso estava ali, tão claro que o perfurava. Ele se sentiu pregado no chão novamente, apenas sorvendo tudo e qualquer coisa que viesse daquele olho tão preto que parecia não ter fim, infiltrando em seu ser. Talvez ele estivesse sendo vítima de um genjutsu. Isso faria total sentido, se Naruto não soubesse que aquela era uma hipótese completamente idiota.
Então Sasuke se virou em um movimento rápido e saiu para a varanda, interrompendo o contato visual e, consequentemente, seu desatino. Naruto o seguiu para fora e o viu parado nas telhas novamente, esperando. Mas dessa vez o amigo não parou para ver se seria seguido, apenas começou a correr. Eles iam novamente para o campo de treinamento lutar, provavelmente até o sol se pôr. Entretanto, agora que Naruto sabia o que aconteceria e tinha sido tirado de seu transe, ele podia tentar conversar, afinal estavam correndo lado a lado.
“Então, você está bem?”, indagou Naruto, o observando pelo canto do olho enquanto mantinha o foco nas telhas para não cair.
Sasuke apenas assentiu brevemente, lançando um olhar rápido a ele antes de voltar a olhar para frente. Foi uma resposta decepcionante, mas não o surpreendeu. Ele o conhecia muito bem para esperar outro tipo de coisa.
“Eu tenho feito muitas missões ultimamente, então estou um pouco cansado. Mas eu gosto de estar em movimento. Baa-chan que não parece muito feliz com isso, porque eu acabei com todas as missões da vila. Ela quase me bateu quando fui lá hoje procurar mais uma. Aquela bruxa velha disse que tinham outros times para treinar, então eu ia ficar um tempo sem sair de Konoha.”, tagarelou Naruto.
“Hn.”, respondeu Sasuke, o observando novamente. Qualquer outra pessoa poderia dizer que o homem não estava nem um pouco interessado na conversa, mas ele sabia que tinha total atenção de Sasuke, então prosseguiu em seu monólogo.
“Então... A Sakura está fazendo várias cirurgias só com a supervisão da Shizune, e teve sucesso em todas! Agora ela raramente precisa da ajuda da baa-chan. E ela disse que quer abrir uma clínica de assistência mental no hospital, não é demais?”, contou ele animado.
“Hmm.”, disse o outro, erguendo um pouco as sobrancelhas em concordância.
Ok, agora Naruto estava para desistir, porque já não sabia o que dizer depois disso. Ele sinceramente cogitou a ideia de que alguém tinha arrancado a língua do idiota ao seu lado, mas não queria tornar as coisas mais estranhas, então não perguntou. Afinal, Sasuke era conhecido por não ser o tipo de pessoa que completava silêncios incômodos, e Naruto estava muito ciente disso.
“E você, tem feito muitas missões?”, Naruto indagou, já meio desanimado.
O outro apenas fez que sim e o lançou um olhar significativo. Naruto nunca tinha participado de uma conversa tão difícil de manter, e teve vontade de socar a cabeça do bastardo por isso. Como da última vez, ele chegava ali e o carregava sem falar nada, como se fosse algo normal. Fazia três meses que tinham se visto, mas aparentemente era muito natural não falar com a pessoa que foi visitar, mesmo depois de uma longa data.
Entretanto, agora ele estava finalmente ali. Naruto podia respirar aliviado, longe da espera que o mantinha sob tortura e do peso que tensionava seu corpo. Ele poderia relaxar pelas próximas quatro ou cinco horas, porque Sasuke estaria sob sua vista, lutando com ele como se nada tivesse mudado, como se ele nunca tivesse deixado a vila e abandonado seus amigos.
Naruto sabia que era completamente patético se sentir daquele jeito, mas depois de tantos anos sem desfrutar da companhia real do melhor amigo, ele se sentia solitário. Não que ele estivesse de fato só, mas ele e Sasuke tinham uma conexão diferente, porque o passado os ligava. Ambos foram órfãos e sozinhos, ambos foram deixados de lado por todos e tiveram que aprender a se virar. Ambos tinham missões de vida, ele queria se tornar Hokage e Sasuke, matar o homem que dizimou seu clã. Ambos tinham virado rivais um do outro e, depois, melhores amigos.
E Naruto sempre buscou a aceitação de Sasuke. Como de se esperar do último integrante do clã Uchiha, Sasuke era talentoso, inteligente e insuperável; ele era o melhor da sala em tudo e não se misturava com ninguém, nunca. Ele se fechava em sua aura de superioridade e não houve uma única pessoa que conseguiu passar através dela.
Até Naruto chegar e se forçar para dentro. Porque ele sempre fez todos da vila o engolirem — ele não sabia porque o odiavam na época, mas sabia que eles seriam obrigados a tê-lo ali. Naruto pregava suas peças por Konoha, incomodando a tudo e a todos, e era um aluno desleixado, hiperativo e bagunceiro. Ele sempre se sentiu sozinho e esteve em busca de atenção, e Sasuke foi considerado seu rival desde a primeira vez que tinha o visto, porque ele sempre o vencia em tudo e o encarava com aquele ar de supremacia.
Então, anos depois, eles acabaram entrando juntos no time 7 — sendo o primeiro time que Kakashi tinha aprovado em seus anos de professor — e foram obrigados a se suportar. Ambos tinham curiosidade um pelo outro, e Naruto sempre soube disso; não era só ele que ficava intrigado com Sasuke, o contrário também acontecia. Ele incomodava Sasuke de alguma forma, mesmo Naruto não entendendo o porquê.
E eles se tornaram carne e unha dali para a frente, primeiro por obrigação, mas depois, porque encontraram no time 7 a família que não tiveram quando eram crianças. Eles se ajudavam nos treinamentos, mesmo que competissem entre si, e no fundo torciam um pelo outro. Sasuke já tinha se colocado de frente com a morte para defender Naruto, e o contrário também já tinha acontecido, muitas vezes. Eram a retaguarda um do outro, sabiam que seriam protegidos entre eles.
Eram rivais, melhores amigos, e mais tarde descobriram ser almas destinadas a andar sempre juntas, porque Naruto deveria salvar Sasuke da Maldição do Ódio que o acompanhou desde sempre. Foi o que ele fez, e teria feito mesmo que não fosse seu dever, porque eles eram amigos. E é pra isso que amigos serviam, para brigar por você, para te dar apoio e te impedir de ir pelo caminho errado.
Naruto, às vezes, se perguntava se era por isso que sentia tanta falta dele — afinal, eles deveriam permanecer juntos para evoluírem juntos, seus seres estiveram conectados desde sempre. E eles eram os únicos que poderiam entender suas dores, eram a família um do outro e, depois de tantos anos e reencarnações separados, deviam se manter próximos.
Naruto, depois da falta de estímulo nas respostas que recebeu, ficou o resto do caminho em silêncio. Eles então pararam no mesmo campo de treinamento que da última vez. Sasuke jogou a capa de lado no pé da árvore igual antes. E eles começaram a treinar. Era oficial — estar com ele fazia Naruto ter uma constante sensação de déjà-vu em tudo que acontecia, inclusive agora. Era estranho e dava a impressão de que ele era apenas um espectador sentado dentro de sua mente, vendo seu corpo se mover enquanto um filme passava através de suas pupilas várias e várias vezes.
Ele se movia de maneira quase automática, e quando encarou Sasuke, percebeu que o outro olhava dentro de seus olhos enquanto lutava. Agora que isso tinha sido registrado em sua mente, Naruto não conseguiu fazer outra coisa senão o encarar de volta enquanto seus braços e pernas colidiam com os golpes. Era estranho perceber que ainda se atacavam e defendiam perfeitamente mesmo tendo à disposição apenas suas visões periféricas.
Eles permaneceram lutando enquanto se encaravam olho no olho, dando a Naruto uma sensação de resignação muito confortável e amansando o incômodo em seu peito. Pelo menos por algumas horas a vila era novamente sua casa, todos seus amigos estavam presentes e Naruto podia ser absolutamente feliz e em paz. Por algumas horas Sasuke estava onde pertencia, em Konoha. Tudo estaria bem enquanto isso, tudo no lugar; ele poderia respirar aliviado e colocar de lado a sensação de inquietude.
Mas depois disso, Sasuke foi embora como da outra vez, sem deixar nenhuma evidência de que ele realmente esteve ali. A única coisa que provava que aquilo tinha mesmo acontecido, era o suor que escorria pelo corpo de Naruto e o aperto em seu estômago que voltou com força total para roer suas entranhas.
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"Você tem passado muito tempo fora, Naruto. Está tudo bem? Eu sei que ando ocupada, mas você pode me procurar se precisar conversar.”, Sakura inclinou um pouco a cabeça para o olhar nos olhos.
Havia um vinco entre suas sobrancelhas e uma pequena marca de expressão em sua boca que só aparecia quando ela estava verdadeiramente preocupada com algo. Além disso, ela parecia cansada. Sakura tinha o convidado para jantar, e como eles não se viam há algum tempo e ela nunca o convidava para nada, ele aceitou sem pensar duas vezes. Ele não teria ido se fosse o convite de outra pessoa, principalmente depois de ter passado o dia todo treinando Taijutsu com Lee, que parecia ter uma reserva de energia maior que a dele.
Era um milagre Sakura não ter chamado outras pessoas para ir junto — normalmente ela incluía pelo menos Ino porque, segundo Sakura, não queria que pensassem que ela estava em um encontro, principalmente se fosse noite, como era agora. Mas aparentemente aquela conversa era importante, já que ela preferiu ir sozinha. Agora os dois estavam comendo churrasco no Yakiniku Q, porque Sakura disse que ele precisava comer algo diferente de lamen.
Naruto não via sentido naquela afirmação, já que era seu prato preferido e era muito nutritivo — fato que ele repetia a plenos pulmões, para qualquer um que quisesse ouvir, com muito orgulho. Claro que isso era só sobre o lamen do Ichiraku, não sobre as embalagens cheias de sódio que ele tinha guardadas na despensa e comia quase toda noite desde sempre. Mas sua saúde era ótima, Naruto era saudável como um cavalo.
“Ei, Sakura-chan, você está exagerando. Faz semanas que eu mal saio da vila. Você sabe que estou meio que proibido de fazer missões. Será que aquela velha doida não sabe que eu sou o melhor Shinobi de Konoha?”, Naruto revirou os olhos antes de dar um sorriso travesso, tentando dissipar a tensão.
O olhar severo que ele recebeu dizia que Sakura não se deixou ser enganada e não ia ceder às gracinhas que ele fazia. “Naruto. É sério. Eu estou preocupada, Kakashi-sensei está preocupado e Kiba disse que quase não te vê mais, e que quando vê, você está sempre distraído.”, ela falou isso em um tom autoritário que reservava só para Naruto, normalmente.
Maldito Kiba fofoqueiro. Sakura sempre tinha sido mandona com ele, apesar dele não se incomodar com isso. Mais ou menos um ano depois que Sasuke tinha partido da primeira vez, ela começou a se importar muito com Naruto e a se preocupar bastante com ele. Eles tinham ficado mais próximos e muito amigos, então Sakura tinha desenvolvido a habilidade de ver através de sua máscara na maior parte do tempo.
Não que ela precisasse disso — Naruto não via necessidade de esconder as coisas da amiga e gostava de saber que ela estava prestando atenção nele. Ainda tinha alguns sentimentos por Sakura, mas sabia que ela sempre esteve apaixonada por Sasuke. Por isso, os sentimentos de Naruto eram fracos hoje em dia, e ele dizia para si que talvez ainda existissem mais por questão de hábito. Afinal, ele sempre tinha gostado dela. E ela sempre tinha amado seu melhor amigo.
Aquilo tinha sido muito claro por todo o tempo que os três estiveram juntos — ela se pendurava em Sasuke descaradamente sempre que tinha a oportunidade, apesar de ter respostas muito negativas e até ignorantes sobre suas investidas, o que deixava Naruto irritado com o melhor amigo ao mesmo tempo que se sentia grato por ele não retribuir os sentimentos da garota.
Sakura sempre ignorou que Naruto era apaixonado por ela até o dia que Sai a contou. Naruto se lembrava de quando ela tinha ido até ele e dito que o amava só para impedi-lo de ir atrás de Sasuke, pensando que assim ele voltaria com ela para a vila.
Naquela época Naruto estava mais esperto sobre as coisas e podia facilmente dizer que Sakura estava mentindo. Ali ele percebeu que ela se importava — ela tinha mentido sim, e ele tinha ficado irritado, mas sabia que a amiga tinha dito aquilo para impedi-lo de se machucar mais ainda com Sasuke. De certa forma, ele se sentia grato pela preocupação, mas seria mentira dizer que aquilo não o tinha abalado.
Afinal, ele tinha esperado aquele momento por anos, e por muito tempo ele repassou as palavras dela várias e várias vezes na sua cabeça, até se conformar que aquilo jamais seria uma realidade. Ela sempre amaria seu melhor amigo, mesmo depois de tudo, mas Naruto jamais poderia julgá-la, porque ele mesmo nunca desistiria de Sasuke à sua maneira. Estaria — e estava — atrás dele sempre, ainda que com um intuito diferente.
Naruto se perguntou se ela sabia que Sasuke tinha vindo até Konoha duas vezes ou se ele tinha chegado a visitá-la, mas Naruto presumia que não. Por mais que Sasuke tivesse se tornado mais suave e um pouco menos inflexível com ela, a ideia de ele ir vê-la era muito fora do espectro de coisas que ele faria. Poder ter a certeza de que esse tipo de consideração era reservada apenas a Naruto, o fez se sentir meio presunçoso, só para depois ele perceber o quanto estava sendo idiota.
Porém, no fundo, saber que seu amigo fazia coisas por ele que jamais faria por outras pessoas dava a ele uma sensação de ser importante para alguém, coisa que acontecia muito raramente. E saber que era Sasuke que se importava com ele pelo menos um pouco, era algo incrível. Mesmo que o outro não tivesse consideração o suficiente para estar de volta.
Mas ele realmente não queria contar a ninguém sobre as visitas do melhor amigo, porque só os dois sabiam sobre isso. E aquele pequeno quase-segredo era a única coisa que Sasuke tinha deixado para trás no momento. Mais nada. Era algo insignificante que não faria diferença se alguém descobrisse, mas era algo que, de alguma forma, parecia íntimo e pertencente apenas a eles. Era algo que os conectava mesmo que estivessem há milhas de distância, como estavam agora.
Então Naruto decidiu manter aquela informação para si, só pelo puro capricho de se sentir um pouco mais digno da atenção dele do que as outras pessoas. Ele era o único que Sasuke via quando voltava para Konoha, e saber disso quase fazia toda a dor que ele sentia em silêncio valer um pouco a pena. Quase.
“E você leva a sério qualquer coisa que o Kiba fala? Ele só está irritado porque eu ando preferindo treinar do que jogar videogame com ele!”, respondeu Naruto, bufando de boca cheia. “Eu sou um cara que precisa de ação, você sabe! Se eu não posso sair em nenhuma missão, então eu vou treinar!”, ele sorriu e deu dois socos no ar, como se atacasse a um inimigo invisível.
Sakura olhou para ele intensamente, pegando-o desprevenido. Ela dificilmente o fitava daquela forma — apesar da amizade deles e dela ter desenvolvido uma noção de proteção sobre ele, a garota não o levava muito a sério no geral, preferindo lidar com ele como lidaria com uma criança. E isso se resumia a não dar muita atenção às coisas que ele dizia ou fazia, porque normalmente eram brincadeiras. Mas então ela revirou os olhos antes de se voltar para seu prato, parecendo um pouco mais tranquila.
“Ok. Mas ainda assim você devia sair mais com o pessoal. E dar algum sinal de vida para o Kakashi-sensei, ele estava junto quando Kiba falou de você, então ficou preocupado! Ele disse que não te via desde a última missão que fizeram. Isso é muito tempo! E... e você devia passar no hospital para me ver às vezes. Eu queria que a gente pudesse passar mais tempo juntos como antes, mas tenho tido muito trabalho...”
Naruto ficou extremamente surpreso com a última frase dela, se perguntando se tinha ouvido direito, já que Sakura disse aquilo apenas em um murmúrio. Ela corou um pouco, colocando uma mecha da franja atrás da orelha e o encarando nos olhos. O pequeno losango roxo que lembrava um cristal em sua testa ficou visível com o gesto, e Naruto sentiu seu peito se encher de orgulho.
Sakura tinha se esforçado tanto, lutado tanto, e agora era uma das pessoas mais poderosas que ele conhecia — como Kunoichi e como pessoa. E ela até parecia diferente com ele nas últimas poucas vezes que se viram, estava mais simpática e até mais solícita, em contraste com o festival de cascudos e tons de desaprovação que eram reservados a ele normalmente.
“Sakura-chan...”, murmurou ele meio surpreso, deixando-a mais vermelha, como se preferisse que Naruto não tivesse prestado atenção nela. “Eu... eu não sabia que se sentia assim, é claro que eu vou passar para te ver.” Naruto quase sussurrou e também sentiu o rosto quente, tentando manter a ideia de que ela só o via como um amigo. “E eu vou falar com Kakashi-sensei. E com Kiba.”, suspirou ele, se dando por vencido.
Ele sentia falta dela, até porque tinha estado com Sakura quase diariamente por anos. Eles se distanciaram desde que a Quarta Guerra acabou, quando ela se voltou para o hospital. Os dois se viam apenas quando faziam algumas missões juntos, e eram poucas. Ele tinha pensado em ir vê-la algumas vezes, mas achava mais provável que a amiga se irritasse com a interrupção dos seus possíveis afazeres, ainda mais agora que estava trabalhando na implementação do novo projeto da clínica de saúde mental para Shinobis e crianças, todo pensado e comandado por ela, apesar de ser supervisionado por Tsunade-baa-chan.
De qualquer forma, ele se conteve em fazer quatro ou cinco missões com ela e Sai desde o fim da guerra, pois tinha chegado à conclusão de que a receptividade que ela andava tendo com ele ultimamente se dava porque a menina tinha se livrado dele e isso a fazia ficar de bom humor. Afinal, ele sabia que a irritava na maior parte do tempo, e o contraste na mudança de atitude parecia vir da paz que ela conseguira não precisando mais conviver com Naruto sempre, como aconteceu por anos a fio.
Tinha ficado muito surpreso quando a amiga pediu para ele ir vê-la, ainda mais no hospital, seu local de trabalho, o que provava que ela esperaria as visitas de verdade. Talvez Naruto tivesse entendido errado a forma com que ela o tratava — sua irritabilidade com ele não acontecia porque ele a incomodava, mas porque ela se preocupava mesmo e talvez não tivesse paciência, mas ainda assim gostava da companhia dele.
Descobrir isso fez ele ter uma visão diferente sobre ela e também da amizade entre os dois. Era diferente ela se preocupar com ele porque eram colegas de time e passaram muito tempo juntos, e ela se preocupar porque o considerava um amigo de verdade e fazia questão dele em sua vida. Essa percepção o fez pensar que talvez Naruto tivesse finalmente conseguido parar de irritar Sakura, coisa que ele tentava desde a infância e não tinha sucesso por mais que se esforçasse. Naruto engoliu o último pedaço de carne do seu prato e se espreguiçou, jogando-se para trás na cadeira.
“Eu só queria ter alguma coisa pra fazer, sabe? É muito chato ficar na vila só treinando e ajudando Konohamaru a aperfeiçoar o Oiroke no Jutsu dele. Eu nunca achei que diria isso, mas não aguento mais ver mulheres de biquíni.”, ele reclamou.
Sakura ergueu uma sobrancelha sarcasticamente, decidida a ignorar o último comentário do amigo. Era esse tipo de conversa que fazia a menina lhe dar uns cascudos em qualquer circunstância, o que não aconteceu, provando que Sakura estava mais tolerante com ele.
“Hmm. Engraçado você dizer isso, porque eu achei que quisesse se tornar um Chunnin. É estranho um Shinobi que conseguiu derrotar Kaguya ainda ser um Genin. Devia aproveitar para estudar. Você é imbatível na parte prática, mas me admira que consiga fazer alguma coisa com o que sabe de teoria.”, provocou ela em um ar divertido, descansando o rosto no próprio punho.
Naruto coçou a nuca, sem graça, e devolveu um sorriso amarelo. Ele registrou os elogios feitos, entretanto, porque ela nunca falava dele daquela forma.
“Também não é assim, não seja má, Sakura-chan... Você sabe que eu não sou bom com essas coisas de livros, mas eu aprendo qualquer Jutsu muito rápido!”, ele protestou em indignação, mas relaxou.
Sakura deu uma risada cantada antes de balançar a cabeça. Ela se voltou para o prato e terminou de comer, lançando-lhe olhares furtivos que Naruto não captou. Sakura colocou os hashis ao lado do prato e se levantou depois de alguns momentos, dando a deixa para partirem.
Naruto correu na frente e pagou a conta, mesmo com ela protestando, e eles andaram até a porta do restaurante. Ela parou na frente dele e deu um meio sorriso torto, parecendo tímida de repente. Ele reparou que a garota usava um vestido azul claro muito bonito que ele nunca tinha visto e se perguntou porque Sakura estava tão produzida. A roupa fazia seus cabelos parecerem ainda mais cor-de-rosa e seus olhos verde-esmeraldas ficarem mais intensos, como se faiscassem na penumbra da rua de terra batida.
Naruto chegou à conclusão que devia ter se arrumado mais, já que estava usando apenas uma blusa azul e shorts brancos básicos. Percebendo que Naruto a observava, ela novamente arrumou o cabelo atrás da orelha e suas bochechas ganharam um rubor suave antes dela sorrir. Fazia muito tempo que ele não via Sakura corando tantas vezes — normalmente, quando isso acontecia, Sasuke estava por perto, ou seja, ele não via aquele rubor insistente no rosto da menina há pelo menos três anos. Talvez ela estivesse com febre, o que não o deixaria surpreso com o quanto ela estava trabalhando ultimamente.
“Hã, obrigada pelo jantar, Naruto. Fazia tempo que a gente não se via.”, a voz baixa e cantada chegou até ele.
Naruto coçou a nuca, seu sinal característico de nervosismo. Ele realmente não estava acostumado com essa quantidade de simpatia, nem com a quantidade de sorrisos que ela lhe lançava.
“É, você anda bem ocupada e eu ando sumido.”, ele disse suavemente. “Nem tive tempo de te parabenizar por tudo que você tem feito. Quer dizer, as cirurgias e o projeto da clínica de saúde mental... Baa-chan deve estar muito orgulhosa! E... E eu vou tentar passar no hospital para dar um oi de vez em quando, Sakura-chan!”, prometeu ele alegremente.
“Sim, espero que você faça isso, porque eu não quero ter que parar meu trabalho para ir atrás de você se quiser te ver!” O tom severo dela não era compatível com o sorriso em seu rosto. Sakura olhou para os pés antes de continuar: “Bem, eu... Eu vou indo, tenho umas coisas pra fazer ainda. O-obrigada pelo jantar!” Sua última frase saiu de maneira bem atropelada e esbaforida. Em seguida a amiga lhe deu um beijo no rosto muito rapidamente e foi embora correndo sem nem esperar resposta.
Naruto demorou dois segundos para entender e assimilar o que tinha acontecido, e quando o fez, as sobrancelhas se juntaram em confusão e sua boca se abriu um pouco, mas ele a fechou e se endireitou rapidamente — não é como se a garota tivesse o agarrado no meio da rua, ela estava apenas agradecendo-o de maneira amigável, Naruto não precisava ser tão emocionado sobre isso.
O local onde ela tinha o beijado parecia pinicar um pouco. Ele fez um biquinho de desânimo e caminhou devagar até sua casa, ignorando seu cérebro que agora juntava uma coletânea de sinais claramente alucinatórios que provavam que Sakura talvez estivesse lhe dando finalmente uma abertura.
Naruto foi recebido na porta de Kakashi pelo sensei antes mesmo de tocar a campainha — uma das coisas que ele sabia sobre seu antigo professor é que era praticamente impossível pegá-lo de surpresa, então ele com certeza já tinha percebido a sua presença antes dele sequer chegar há trinta metros da casa.
“Naruto!”, ele se afastou para dar passagem enquanto dava as boas-vindas. Seus olhos tinham pequenos vincos nas laterais, indicando que o sensei sorria por baixo da máscara preta. Kakashi o guiou pela casa, passando pela sala e indo até a cozinha com o outro atrás dele, então fez sinal para Naruto se sentar à mesa de madeira.
Aparentemente o dono da casa já tinha começado a ferver algo em uma chaleira gasta que fumegava no fogo. Naruto percebeu que nunca tinha estado dentro da cozinha de Kakashi e notou que era tudo muito limpo, apesar da pia cheia de louça. Seu ex-professor sempre tinha sido o tipo de pessoa metódica — exceto com horários, já que ele chegava sempre atrasado — , então a limpeza do cômodo não era inesperado.
Apoiando as costas tranquilamente na pia de mármore escuro ao lado do fogão, ele se virou para Naruto com os braços cruzados no peito. O sensei usava uma blusa preta sem mangas e calças azul-escuras dobradas na altura da panturrilha, além da conhecida máscara que cobria a parte inferior de seu rosto. Seu cabelo cinza caía sobre a testa lhe dando um ar um tanto desleixado e seu olhar era suave — agora que ele tinha perdido seu Sharingan, não havia mais necessidade de cobrir o olho esquerdo.
“Então, o que te traz aqui? Você anda sumido.”, perguntou ele com simpatia, observando Naruto atentamente de cima em baixo, como se não pudesse confiar na resposta que receberia e estivesse checando para ver se o outro ainda tinha todos os membros inteiros. Naruto achou aquilo engraçado e chegou a conclusão de que sumir por um tempo tinha sido algo bom, já que todos estavam agindo de maneira tão afetuosa com ele agora.
Ele deu um sorriso torto e se recostou na cadeira de madeira. De qualquer forma, seu professor sempre foi do tipo meio paternal, apesar de não demonstrar isso. Todos os professores de Naruto cuidaram dele como um filho, e ele era especialmente grato à Kakashi, Iruka e Ero-Sennin por isso. Se não fosse por estas pessoas, ele jamais teria chegado tão longe.
“Sakura-chan me chamou para jantar na semana passada, ela estava preocupada porque não teve notícias minhas ultimamente. Na verdade, ela parecia um pouco brava.”, riu ele, apologético. “De qualquer forma ela disse que você também tinha ficado preocupado com o que o Kiba tinha dito outro dia sobre eu andar distraído... E aí eu resolvi vir aqui. Também queria saber como você estava.”, explicou Naruto em seu sorriso afetuoso. Ele realmente tinha sentido falta de Kakashi e devia visitá-lo mais vezes. Afinal, provavelmente o homem agora passava mais tempo em casa, já que Naruto tinha tirado dele as missões que faziam como time, apesar de saber que Kakashi tinha outras atribuições, como liderar a Anbu.
“Entendo. E o que você tem feito além de jantar com ‘Sakura-chan?’”, perguntou o professor com um sorriso quase imperceptível na voz, mas Naruto entendeu que ele estava sendo zombeteiro.
Os sentimentos dele sobre a ninja-médica não eram segredo para ninguém há anos, e Kakashi parecia se divertir com isso. Naruto corou um pouco, mas fingiu não entender as implicações na voz do homem mais velho. Ele já estava acostumado com as pequenas provocações dele e, depois de tanto tempo, conseguia as ignorar facilmente.
“Hã, nada demais. Eu ando treinando bastante e às vezes ajudo em algumas coisas na vila, mas não tem muito o que fazer aqui. Fazia tempo que eu não saía de casa para algum lugar além do campo de treinamento, então fiquei feliz pelo convite.”, contou ele, coçando o queixo distraído.
Checando a chaleira por cima do ombro, seu professor abriu a porta do armário de cima e posicionou duas xícaras de louça branca simples sobre a pia de mármore. “Aham. E como foi? Se divertiram?” Parecia uma pergunta casual. Entretanto, Naruto sabia que ele adorava observar a dinâmica de amizade entre ele e Sakura e saber das tentativas de aproximação feitas, mas a verdade é que ele já tinha se conformado em ser apenas amigo dela há muito tempo, e desde então não tinha ultrapassado esta linha.
Os olhos escuros do professor estavam novamente sobre ele, brilhando com malícia implícita, mas ele ignorou isso também. Kakashi às vezes parecia um irmão mais velho animado pelas conquistas sexuais do caçula. Naruto se perguntou se alguém acreditaria caso ele resolvesse expor esse lado do seu sensei para o mundo, e ele chutava que não — Kakashi tinha a reputação (errônea, diga-se de passagem) de ser um homem íntegro e severo. Ele talvez fosse íntegro, mas Naruto não se assustava mais quando o homem usava sua máscara de austeridade para conseguir o que queria.
Quando eles eram pequenos, Naruto, Sakura e até Sasuke tinham medo dele, mas isso acabou conforme foram percebendo que Kakashi se aproveitava da aura de mistério que pairava ao seu redor. Na verdade, na maior parte do tempo, o sensei era despreocupado e zombeteiro, o que lhe dava um ar um pouco imaturo, às vezes. Claro que Kakashi não se resumia a isso, até porque ele era muito diferente durante as missões e era um dos homens mais inteligentes da vila, mas esse aspecto de sua personalidade se reservava para os momentos onde o professor precisava levar as coisas a sério. O fato é que, para Naruto, Kakashi realmente era uma espécie de irmão muito mais velho ou um pai muito novo; ele o respeitava muito, mas sabia que ele não era tão rígido quanto parecia.
“Foi bom. Não a via há mais de um mês, desde aquela missão no País do Vento que fizemos com o Sai. Isso foi quando? Há um mês e meio? Acho que sim. Enfim, ela parece muito ocupada com o hospital, mas está claramente feliz sobre isso. Sakura está fazendo um trabalho incrível lá dentro.”, Naruto olhou para a chaleira que tinha começado a assobiar.
Desencostando-se da pia, seu professor a tirou de lá e serviu chá ao seu convidado antes de pegar a própria xícara fumegante e se sentar de frente para Naruto. Kakashi apoiou o calcanhar direito em cima do joelho esquerdo, cruzando as pernas desleixadamente, e deu uma golada rápida sem tirar os olhos do jovem à sua frente.
Quando colocou a xícara na mesa, parecia completamente sério. Seus olhos negros avaliaram Naruto por um momento, astutos e penetrantes, antes de se sentar ereto para ele. O visitante automaticamente se endireitou, reagindo de forma meio inconsciente à repentina mudança na atmosfera. Naruto pegou a xícara nas mãos e Kakashi limpou a garganta antes de falar.
“Eu vi Sasuke há pouco mais de um mês.”, disse ele sem rodeios enquanto observava a reação do antigo aluno com cautela.
Naruto sentiu o corpo retesar e sua mandíbula se tencionou. A xícara parou no meio do caminho por um momento, e ele a voltou para o pires sem beber. O professor esperava alguma reação não tão positiva, mas não sabia que Naruto podia ser tão denso sobre seu colega de time, ainda mais agora que Sasuke tinha voltado a ser um ninja de Konoha.
“Hmm.”, ele tentou responder casualmente, mas sabia que não enganaria nem um idiota, quem dirá Kakashi Hatake, que o conhecia muito bem e era extremamente observador. “Ele passou aqui?”, indagou Naruto em um murmúrio seco depois de limpar a garganta, que parecia ter se fechado um pouco.
“Não. Eu estava no escritório de Tsunade quando ele foi entregar um relatório.”, explicou o professor. Naruto ergueu as sobrancelhas em resposta.
Não passou despercebido o movimento frenético da perna dele embaixo da mesa, também. Naruto se movimentava ansiosamente agora e parecia muito irritado. Kakashi se surpreendeu com o impacto que a mudança de assunto teve em Naruto — seus olhos azuis endureceram e ficaram perceptivelmente mais escuros, o sorriso sumiu e o osso de mandíbula se evidenciou quando ele cerrou os dentes. Ele encarava a xícara de chá fixamente, meio vidrado, e continuava a chacoalhar a perna sem parecer ter consciência disso.
“Hmm.”, repetiu Naruto. Sua boca se fechou em uma linha de desgosto crescente e suas narinas se dilataram um pouco com o sentimento que escalou queimando pela sua garganta.
O monstrinho em seu estômago cravou espinhos em suas vísceras, trazendo um gosto amargo para sua língua. Ele sabia que estava com raiva de Sasuke, mas talvez não tivesse percebido o quanto até aquele momento. Não entendia porque um sentimento de pura amargura corroía seu esôfago, mas se sentiu traído — principalmente porque as visitas de Sasuke deveriam ser um assunto apenas dos dois, e saber que seu melhor amigo não via essa importância o deixava indignado.
Naruto sinceramente não tinha capacidade de ser racional sobre isso no momento, apesar de saber que não era um segredo deles e que seria impossível ser de qualquer forma, porque pelo menos Tsunade (que recebia os relatórios das missões dele) saberia que ele veio até Konoha, obviamente. Ainda assim, o sentimento de traição infundada escalou por seu cérebro, infiltrando-se em seus sentidos e o deixando com muita raiva.
“Você não parece surpreso.”, Kakashi instigou. Quando Naruto o encarou, era um homem feito completamente diferente do adolescente que tinha à sua frente minutos atrás. O sensei detectou o aumento (provavelmente inconsciente) que ocorreu no chakra do outro. Aquele era o homem que lutou na guerra ao seu lado, não era mais seu ex-aluno sorridente. Os olhos escuros e perscrutadores de Naruto os avaliaram por um momento.
“Ele veio me visitar.” A voz dele era grave. Dizer aquelas palavras em voz alta fez o fato se tornar finalmente real para Naruto — Sasuke tinha vindo até a Vila da Folha e feito uma visita tão merda que nem parecia verdadeira, e aquilo lhe fez querer socar seu melhor amigo idiota. A queimação subiu pelas paredes do seu esôfago e sua mão tremeu um pouco antes de fecharem em punhos embaixo da mesa.
“E claro que sim. Você achava que ele sairia de Konoha sem ir te ver?” O tom de Kakashi era indulgente com a percepção de que Naruto não sabia o quão óbvio era aquilo.
“Eu não tenho como saber o que passa na cabeça dele.”, Naruto retrucou, sem se deixar acalmar pelo professor.
Sua voz era uma lâmina. Estava mais do que claro para Kakashi que aquilo não era apenas raiva, agora, apesar de ainda parecer ser uma reação meio exagerada ao que quer que tenha acontecido.
“Hm.”, respondeu o sensei simplesmente. Ele não iria pressionar Naruto, se ele quisesse falar sobre aquilo, falaria. Era óbvio que era um assunto que o incomodava além do normal.
O outro encarava a xícara novamente, como se pudesse atear fogo nela e na mesa se as fitasse tempo suficiente. Naruto mastigou a língua um pouco e mordeu as paredes internas da bochecha, incomodado. Ele queria sair correndo dali e caçar Sasuke só para enfiar um Rasengan bem fundo na bunda dele.
“Essa não foi a primeira vez que ele voltou aqui depois que saiu na viagem.”, ele contou. Provavelmente Kakashi era a única pessoa com quem ele conversaria sobre Sasuke no momento. “Ele veio aqui seis meses depois que deixou a vila.”
“Oh. Entendo. E ele te disse alguma coisa?”, o homem indagou, curioso e cauteloso, tentando entender as emoções que ele via no rosto do aluno e o motivo por trás delas.
“Não.”, Naruto o encarou mais uma vez. Eles se olharam por um momento antes dele continuar, frustrado ao extremo. “Ele literalmente não disse nada. Ele não abriu a boca nem para me cumprimentar nas duas vezes que veio me ver.” Sua voz era um pouco mais alta agora e menos controlada. Naruto fechou os olhos por um tempo, tentando se acalmar de sua fúria repentina e descomedida.
“De alguma forma eu consigo imaginar Sasuke fazendo isso. Mas então o que ele fez? Só te viu, acenou e foi embora?”, perguntou Kakashi intrigado.
Naruto deu um muxoxo irônico antes de falar para a mesa em um tom mais baixo e controlado. “Não. Ele fez a mesma coisa nas duas vezes. Primeiro ficou me encarando por alguns segundos, então ele fez um sinal... Não... Na verdade ele não fez nenhum sinal, ele só... se moveu um pouco. Eu não sei explicar, mas eu entendi que era pra eu o seguir, entende? Ele se mexeu daquele jeito e eu sabia que era pra eu ir atrás dele. Acabamos em um dos campos de treinamento e começamos a praticar.”
Kakashi parecia levemente chocado, apesar de saber que não deveria estar surpreso. Não era novidade alguma a ligação que Naruto tinha com Sasuke, nem a influência que tinha sobre ele. O jovem à sua frente sempre tinha sido extremamente reativo ao amigo desde que eram crianças. Ele sabia disso desde a primeira vez que os viu juntos, anos atrás, quando foram apresentados como alunos e professor. Mas aquela história ali o deixou intrigado — talvez ele tivesse subestimado o vínculo dos dois.
“E o que aconteceu no campo de treinamento, então? Sasuke só... atacou?”
“Sim. Ele ficou em posição de ataque, então eu entrei na de defesa. Aí começamos a lutar.”, disse Naruto. Ele parecia com um pouco menos de raiva, agora. “Nas duas vezes ele veio depois do meio dia, e nós ficamos treinando até o fim da tarde, sem parar. Pareceu... natural. Como se aquilo acontecesse sempre. E aí ele foi embora. Parou de lutar, pegou a capa dele, me olhou e foi embora.” Tristeza e melancolia tingiram a voz dele. Sua perna tinha parado de se mexer e a xícara estava sendo rodada lentamente entre as mãos morenas. “Na segunda vez que ele veio, eu tentei conversar, falei sobre várias coisas, mas ele não disse uma palavra. Tipo, não que ele estivesse me ignorando, nada disso. Eu sabia que ele estava me ouvindo com atenção e que não estava tentando me cortar nem nada. Ele realmente tinha interesse no que eu dizia. Mas ele só respondia ‘Hmm’ ou acenava com a cabeça. Aí eu desisti, porque não tinha mais o que eu falar. Então fomos treinar, e depois ele foi embora assim que escureceu. Foi isso.”, Naruto suspirou como se estivesse cansado e bebeu seu chá.
Ele registrou a mudança brusca de seu próprio humor, passando de irado para deprimido. Entretanto, ele não sabia separar o que despertava sua ira e o que causava sua amargura, porque a situação toda era muito errada. Sinceramente, ele estava cansado de ser sugado por Sasuke sem o outro nem mesmo ter consciência sobre isso.
Seu melhor amigo provavelmente nunca soube e nem saberia o quanto o afetava, ou a forma com que influenciava seus pensamentos e ações. Sasuke nunca perceberia o quanto fizera parte do dia-a-dia de Naruto por tantos anos mesmo longe, e como isso nunca tinha mudado, nem agora. Kakashi observava atentamente o pesar dele.
“Então depois disso você começou a ir em missões uma atrás da outra.”, deduziu Kakashi, perspicaz, lembrando das coisas que aconteceram nos meses anteriores. “Você pensou que talvez fosse cruzar com ele em alguma delas?”
“Não. Eu não sei exatamente o porquê, mas depois que ele veio da primeira vez... Eu meio que não queria ficar aqui esperando, sabe?”
Um rubor subiu para o rosto de Naruto ao falar isso em voz alta, mas continuou. Ele não tinha percebido o quanto precisava desabafar sobre isso com alguém. Era ridículo o quanto estava dando importância a algo tão idiota como a visita de um amigo, mas aquilo estava o afetando mais do que deveria. Ele continuou falando.
“Quando eu não estava fazendo alguma missão, eu ficava aqui, imaginando se ele viria a Konoha, ou quando. Imaginando o que eu faria quando o visse, se conseguiria dizer alguma coisa... Então eu meio que tentei fugir disso, mas quando eu estava fora, ficava preocupado dele voltar e eu não estar aqui. Eu não sei, eu acho que estava ficando maluco, isso não faz muito sentido. Ver ele nessas circunstâncias bizarras fez eu me sentir tão fora de controle, sabe? Você acha que eu estou ficando louco, Kakashi-sensei?” Naruto o encarou suplicante, novamente parecendo uma criança que precisava dos conselhos da mãe ou da reafirmação do pai.
A simpatia do sorriso de Kakashi foi encoberta pela máscara, mas refletiu em seus olhos escuros. “Não, Naruto, não acho. Eu imagino o quanto deve ser difícil para você ficar longe de Sasuke. Para ser sincero, eu esperava que você estivesse passando por alguma dificuldade em lidar com a viagem dele. Eu só não sabia que isso tinha te afetado tanto, mas não estou surpreso. Acho que nunca vi nada assim antes, mas não consigo imaginar as coisas de outro jeito com vocês, parece tão... natural entre vocês dois.”, refletiu, sem saber se falava com Naruto ou consigo mesmo.
“Eu não... não sei se estou conseguindo seguir sua linha de raciocínio, principalmente a última parte, Kakashi-sensei. O que você quer dizer?” A testa de Naruto se franziu em confusão e seus olhos estavam um pouco mais claros depois que a raiva tinha se dissipado, apesar da tristeza que ele emanava.
“É só que vocês dois parecem se entender em um nível diferente. Vocês são bem próximos e a relação de vocês às vezes é meio... caótica, na falta de um termo melhor. E sempre foi assim, apesar de ter se intensificado com o tempo e isso ser algo incomum. Quer dizer, vocês ficaram mais de três anos distantes, qualquer relacionamento iria se deteriorar nessas condições. Até porque, Sasuke tentou de todas as formas te matar e cortar seus laços. Mas quando vi vocês dois juntos na guerra, parecia que nunca tinham se separado. É um pouco inusitado, não acha?”, explicou o sensei, passando as mãos pelos próprios cabelos claros. Ele bebeu o resto do chá em um gole e colocou a xícara vazia na mesa.
“Eu... acho que sim. Mas falando dessa forma, parece meio... Não sei, anormal.”, murmurou Naruto.
Um sentimento de desamparo se instalou em seu peito depois de ouvir as coisas sendo colocadas daquela forma. Talvez ele tivesse uma ligação meio patológica com Sasuke aos olhos das outras pessoas. Afinal, o quão normal é perseguir uma pessoa por anos a fio com tanta convicção e deixá-la praticamente reger sua vida por tanto tempo?
“Não há nada de anormal na ligação de vocês. Diferente sim, mas não anormal. Sinto muito se foi a impressão que eu passei, não quis dizer de um jeito ruim. Eu acho a conexão de vocês uma coisa positiva, é algo que faz bem para ambos, principalmente para o Sasuke. Ele precisa de você para tirá-lo das sombras de tempos em tempos. E você só consegue fazer isso por causa da relação intensa que vocês têm. Não acho que você esteja louco, Naruto. Você se importa muito com ele, e não há nada de estranho nisso. Você só sente falta do seu melhor amigo.” Kakashi o observava atentamente. Os olhos de Naruto pareceram brilhar um pouco antes de se tornarem apáticos mais uma vez.
“Você tem razão, Kakashi-sensei, eu realmente me importo e sinto muita falta dele. É uma pena que a importância que eu dou pro Sasuke, não é a mesma que ele dá pra mim.” A amargura no tom de Naruto era aparente enquanto ele deixava os ombros caírem.
Kakashi sorriu por baixo da máscara mais uma vez. “Você não poderia estar mais enganado. Deve ser muito irritante Sasuke chegar aqui e não falar nada, mas isso prova que ele tem confiança nos laços que vocês compartilham a ponto de saber que não precisa dizer nada para você entender as coisas. E eu acho que ele está certo, afinal você mesmo provou isso. Ele tem uma forma muito peculiar de demonstrar as coisas, talvez seja por isso que os sentimentos dele não são reconhecidos facilmente pelas pessoas. Ambos sabemos também que a forma dele demonstrar emoções é através de alguns gestos livres do egoísmo que ele normalmente exibe.”, o professor riu.
Kakashi, que viu Naruto ter toda a confiança do mundo sobre qualquer coisa relacionada a Sasuke enquanto tentava trazê-lo de volta, estava muito surpreso com a insegurança que ele mostrava agora. Ainda mais porque Naruto sempre teve muita confiança em tudo que fazia.
“Eu só... queria que ele voltasse logo, sabe? Ele nunca voltou para cá de verdade. Às vezes parece que nada mudou, que eu imaginei tudo isso. E essa história toda me deixa com tanta raiva, eu... Eu acho que preciso de outras distrações, só isso. Passei tantos anos focado nele que acho que isso virou um hábito. Eu preciso deixar ele viver a vida dele para eu poder viver a minha.”, suspirou, olhando em volta, meio perdido com a carga de emoções.
Sua cabeça latejava um pouco. A cadeira rangeu um pouco quando o sensei se levantou e pegou as xícaras da mesa, levando-as para a pia já cheia. Ele colocou um avental vermelho xadrez com rendinhas que era extremamente cômico vestido em um ninja tão renomado.
“Eu concordo. Se é esse o problema, então porque você não começa a focar mais nas pessoas à sua volta?”, Kakashi olhou por cima do ombro e piscou com um olho de maneira sugestiva enquanto lavava a louça de costa para o convidado. Naruto se mostrou confuso, então seu professor continuou a falar em um tom animado. “Naruto, fiquei sabendo que você é o Shinobi mais cobiçado da vila. As meninas de Konoha não param de falar de você, e também tem a Hinata...”
“K-Kakashi-sensei!”, exasperou-se Naruto, se colocando de pé, vermelho como um tomate e surpreso com o rumo que a conversa tinha tomado repentinamente. “D-de onde você tirou isso?”, sua voz subiu uma oitava com o choque.
Lá estava o lado de irmão mais velho, aquele que às vezes aparecia para atormentar Naruto. Ele nem sabia que Kakashi tinha conhecimento sobre Hinata ser apaixonada por ele, apesar de ser algo bem óbvio para quem quer que a observasse perto dele por tempo suficiente — exceto para o próprio Naruto, que só descobriu isso porque a garota tinha se declarado para ele durante o ataque de Pain.
“Vocês são muito ingênuos em pensar que seus professores não sabem de tudo que acontece nessa vila e na vida de vocês, Naruto. Agora que você está mais velho, meu papel como seu sensei é te ensinar coisas novas. Jiraiya jamais me perdoaria se eu não fizesse isso, agora que ele não está mais entre nós para te passar o conhecimento dele sobre a arte!”, Kakashi exclamou animado, ainda olhando Naruto pelo canto do olho com um sorriso imenso por baixo da máscara.
Os olhos azuis de Naruto se arregalaram comicamente, como se pudessem cair e rolar pelo piso azulejado. Ele se perguntou se Kakashi tinha perdido o juízo de vez e se seu sensei podia mesmo se gabar sobre saber da vida de seus alunos — por mais que Naruto não fosse o mais experiente do mundo, ele também não era completamente santo. Não é como se nunca tivesse feito algumas coisas por aí, afinal, ele tinha quase 18 anos! E lá estava seu professor, falando sobre lhe ensinar “a arte”. Ele nunca se pareceu tanto com Jiraiya.
“O QUÊÊÊ? Eu sempre desconfiei que você era um pervertido depois que descobri que você lia os livros do Ero-Sennin, mas não achei que fosse nesse nível, Kakashi-sensei!”, Naruto exclamou com os olhos esbugalhados, apontando para o professor. “Você e aquele velho pervertido são farinha do mesmo saco, mesmo! Dois sem vergonhas!”
“Mas o que eu falei demais? Naruto, você mesmo disse que precisa se focar em outra coisa! Até o Shikamaru está saindo com a Temari, e olha que ele disse que jamais ia gostar de uma menina. E o Kiba anda se aproveitando do título de ser seu amigo para conhecer várias garotas por aí, dentro e fora da vila! Ah, e o Chouji está trocando várias cartas com aquela menina do cabelo vermelho da Vila da Nuvem, Karui ou algo assim. Eles tiveram o primeiro encontro deles há duas semanas. O Sai aceitou sair uma vez com a Ino também, mas acho que ele não percebeu que era um encontro…”
Lavando os pratos vestido em seu avental feminino, Kakashi foi falando cada vez mais alto conforme Naruto se distanciava tropeçando um pouco, mas o visitante não chegou a ouvir o final da conversa, porque já corria porta afora se perguntando o que deveria ter esperado de um fã tão assíduo de Icha-Icha Paradise.
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O sorriso de Kiba poderia parecer meio assustador para quem não o conhecia, mas não era o caso de Naruto. O amigo tinha os caninos pontiagudos à mostra, seu rosto irradiando animação e seus olhos em pupilas verticais brilhando com a malícia que ele não fez questão alguma de disfarçar. Naruto sorriu de volta para ele, entusiasmado.
“Então tá combinado! Eu mesmo vou cuidar da cachaça e não vai ter uma alma que vai sair sóbria dessa festa, esteja avisado, Uzumaki! Sua passagem para o mundo adulto vai ser comemorado no estilo Inuzuka, pode deixar tudo comigo! Caralho, isso vai ser demais! ”, Kiba deu um soco no ar, seus cabelos castanhos se despenteando mais ainda.
Ele parecia perto de ter uma síncope de animação, era como uma criança com açúcar demais no sangue, o que fez Naruto rir e se contagiar. Faltava pouco mais de duas semanas para o aniversário de Naruto. Ele nunca tinha comemorado esta data — ou porque não tinha amigos, ou porque não estava na vila, ou porque, no ano anterior, ele lutava sua batalha final na guerra.
Entretanto, Kiba o surpreendeu se lembrando e o avisando que faria uma super festa — o amigo não lhe deu nem a chance de recusar. Não que ele fosse, afinal, é claro que ele queria uma festa. Agora ele tinha amigos, pessoas que estariam com ele sempre, e era seu aniversário de 18 anos. E ninguém nunca tinha feito muita questão de lembrar seu aniversário, quem dirá comemorá-lo — exceto Jiraiya e as pessoas do time 7 original, que lhes davam parabéns todo ano.
Naruto se recostou no puff marrom enquanto Kiba andava pela própria sala, enumerando o que precisaria para a festa e anotando tudo. Até Hana e Tsume, que por um milagre estavam em casa, davam seus palpites. Naruto riu com a percepção de que a mãe de Kiba os ajudaria a dar uma festa clandestina.
Tsume não era o tipo maternal, mas acabou adotando Naruto em sua casa depois de tantas visitas. Ele e Kiba eram tratados como irmãos por ela, e tê-lo ali tinha se tornado quase cotidiano. A mulher não parava muito em casa, mas sempre perguntava dele para Kiba quando não os via juntos.
Naruto achava o relacionamento mãe-e-filho deles muito peculiar — Tsume não se intrometia muito na vida dele agora que ele era mais velho (apesar de ter sido muito protetora quando o amigo era mais novo, contando com a ajuda de Hana na criação do caçula), e quase nunca o repreendia pelos atos impulsivos e ideias loucas que tinha.
Naruto tinha quase certeza que era porque Tsune era exatamente assim quando tinha a idade dele, e isso se provava nestes momentos, quando ela dava opiniões para uma festa com bebida alcóolica para todos os shinobis jovens da vila, coisa que com certeza Tsunade-baa-chan proibiria sem pensar duas vezes, apesar das tendências ao alcoolismo que a velha tinha.
“Vamos fazer a festa na casa de Shikamaru, lá tem mais espaço e eu tenho certeza que ele não vai ligar.”, considerou Kiba, anotando em um bloco tudo que falava. “Também vamos precisar de comida, mas acho que uns salgadinhos já tá ótimo. O que você acha, Naruto?” ele se virou para o outro com incerteza, consultando-o.
Naruto deu de ombros. Sinceramente, para ele não importava, tamanho sua animação e gratidão pelo gesto. A festa podia ser no covil do Orochimaru e a comida podia ser as minhocas caramelizadas que ele comeu no monte Monte Myoboku, ele ainda assim acharia tudo maravilhoso. O sorriso animalesco do amigo se alargou e ele continuou anotando, parando para roer a caneta de vez em quando com suas presas pontiagudas.
“Ok, então. E claro, o mais importante, as bebidas. Qualquer coisa que não tenha álcool está pro-i-bi-do ! Vou comprar tudo do melhor pra você, Uzumaki! Todo mundo vai sair dessa festa trançando as pernas, escreva o que eu digo.”
Akamaru, que estava sentado observando o dono andar pelo cômodo animado, enfatizou o que ele dizia com um latido. Ninguém pareceu notar o pequeno pulo que Naruto deu com o susto.
“Você pode pedir pro Chouji fazer um bolo.”, sugeriu Hana, sem tirar os olhos da TV. Kiba assentiu energicamente e anotou isso também.
Chouji era um dos melhores cozinheiros que Naruto conhecia, além de ser uma pessoa extremamente gentil. Com certeza ele faria o bolo sem pensar duas vezes, se lhe pedissem, e talvez até insistiria em cuidar da comida.
“Quem você acha que vai?”, perguntou Naruto, incerto.
As pupilas verticais de Kiba estavam quase dilatadas quando se voltaram para ele. “ TODO MUNDO ! Que pergunta mais idiota, é claro que todo mundo vai! Você acha que alguém vai perder seu aniversário ?” As presas dele ficaram mais à mostra. “Aliás, você acha que a ideia da festa foi só minha? Sakura foi a primeira a sugerir, depois o próprio Chouji. Eles nem sabiam que eu já queria dar uma festa, mas quando eu disse, foi só uma questão de passar pra frente! Até o Neji vai.”, ele riu travessamente.
Naruto abriu a boca em choque. Aparentemente todos os seus amigos tinham decidido aquilo. Depois que eles lutaram juntos na guerra, a amizade deles (que já era forte) se consolidou mais ainda, mas Naruto não tinha percebido o quanto até aquele momento. Naruto sabia que os tinha ao seu lado, mas esteve sozinho por tanto tempo que a ideia parecia estranha, mesmo agora.
Entretanto, todos eles estiveram ali depois que Sasuke saiu em sua viagem — Sakura o chamou para conversar quando achou Naruto estranho, Chouji o convidava para uma visita sempre que podia, Shikamaru parava para perguntar como ele estava toda vez que via Naruto treinando sozinho, assim como Lee, que se juntava a ele para lutar quando o encontrava no campo.
Até mesmo Ino tinha puxado conversa um dia que o viu passando em frente à sua floricultura. Sai lhe deu um livro de auto-ajuda com frases motivacionais que Naruto chegou a folhear algumas vezes e mantinha na prateleira do quarto — inclusive, aquele era o único livro que havia na casa.
E tinha Kiba, que aparentemente tomou para si a missão de não deixar Naruto se sentir solitário, grudando nele no momento em que Sasuke deixou Konoha mais uma vez. Propositalmente ou não, ele tomou fisicamente o lugar que Sasuke ocupava antes — com Hinata se voltando para seu treinamento com Neji e Shino trabalhando em um novo projeto com insetos venenosos que tomava muito tempo, Kiba acabou entrando na equipe desfalcada de Naruto, que também já não tinha integrantes fixos. Sakura raramente participava de missões agora, então tinha ficado Naruto, Sai e Kakashi no time 7.
Kiba acabou entrando no grupo (mesmo que não oficialmente), e agora fazia as missões com eles, se tornando a retaguarda de Naruto. Eles fizeram até algumas missões sozinhos com Kakashi, quando Sai não estava na vila. Isso reforçou a aproximação deles, tornando-os quase inseparáveis. Ele era um amigo fácil de levar, e eram até parecidos — Kiba era mais impulsivo e mudava de humor bem mais rápido, mas no geral a personalidade dos dois batiam muito bem.
Kiba não o questionava sobre as coisas quando Naruto estava estranho (o que acontecia normalmente depois que Sasuke o visitava, apesar de ninguém saber disso) e sempre tentava distraí-lo quando o via daquele jeito, convidando-o para fazer alguma coisa e até aparecendo com Shikamaru e Chouji em sua porta num sábado a noite em que Naruto estava deprimido, bem no dia do aniversário de Sasuke.
Naquela ocasião, eles jogaram cartas, comeram salgadinhos e beberam algumas cervejas que Kiba tinha comprado — Chouji e Kiba eram os únicos maiores de idade na época, mas Chouji não tinha coragem de comprar bebidas alcoólicas.
Naruto se sentiu muito grato no dia, porque estava realmente deprimido. E agora Kiba e todos seus outros amigos estavam marcando uma festa para ele. Eles tinham lembrado da data mesmo Naruto não tendo dito nada, e estavam fazendo toda a questão de comemorar sua maioridade.
Seu coração esquentou ao perceber o quanto tudo tinha mudado, o quanto ele podia verdadeiramente contar com aquele grupo de pessoas. Naruto riu timidamente e o amigo, percebendo o quanto ele estava surpreso e meio emocional, acertou um soco em seu ombro com força, fazendo Naruto dar um sorriso que poderia facilmente ofuscar o sol lá fora.
Era início de outubro. O céu era de um azul anil muito vivo, e as nuvens em tons de laranja contrastavam com o anoitecer iminente que se arrastava. O sol já não era mais visível e a brisa fresca puxava as folhas secas para dançar contra a terra vermelha das ruas de Konoha. A vila, que teve mais movimento do que o normal durante o dia, agora tinha se silenciado, como se o sol tivesse levado com ele todo o ruído do povoado.
Naruto consultou o relógio de parede, que marcava 18h40. Tateando preguiçosamente por debaixo do travesseiro encapado em uma fronha verde muito gasta, ele pescou o controle remoto e desligou a televisão, que deu um chiado final em protesto antes de se apagar.
Ele assobiava enquanto fazia o caminho até o chuveiro com os pés descalços, se despindo e jogando o short e a boxer em cima da tampa do cesto de roupa suja com um movimento, mas as peças tombaram para o chão.
Naruto entrou na ducha, estremecendo um pouco com a água fria, e tomou seu banho calmamente, lavando a cabeça duas vezes antes de sair e se enrolar na toalha vermelha. Ele caminhou pelo corredor deixando um rastro de poças atrás dele e uma brisa quase gélida passou pela janela aberta, o atingindo quando ele entrou no quarto. Naruto correu e fechou a vidraça antes de tirar a toalha dos quadris, jogando-a de qualquer jeito na cama desfeita, onde ele estava vendo TV momentos antes.
Parando em frente à cômoda, ele pensou o que vestiria naquela noite, enquanto colocava a cueca. A terceira gaveta fez um barulho estranho quando Naruto a abriu para vasculhar as camisetas e calças que foram usadas poucas vezes, já que as guardava para ocasiões especiais. Levantou uma pilha de roupas dobradas e tirou de lá uma calça jeans preta, a analisando por um momento e vestindo antes de se virar agora para o pequeno armário ao lado da cama.
Abrindo-o com um estalo, mexeu nos cabides devagar, olhando. Ele moveu a mão para uma blusa vermelha, mas parou o gesto no meio do caminho. A um canto, algo chamou sua atenção e ele puxou uma camisa de botões nunca usada — era de um tom escuro e profundo de azul turquesa.
Naruto se lembra do dia que a experimentou — ele estava junto com Ero-Sennin, e o velho apontou que a cor tinha feito os olhos de Naruto se destacarem. Naruto gostou bastante, mas por ser cara, deixou-a de lado. Mais tarde, Jiraiya apareceu com ela embrulhada para presente, entregando-o com um sorriso muito orgulhoso.
Ele nunca teve coragem de usá-la, principalmente depois que Jiraiya se foi. Aquele foi o último presente que ganhou do sábio, e ele nem sabia se ainda o serviria. Naruto suspirou e a deslizou pelos braços, vestindo-a e encarando seu reflexo no espelho de piso ao lado da porta de correr.
Estava um pouco mais justa em comparação com quando a experimentou da primeira vez, mas tinha lhe caído bem. Decidiu ficar com ela — por mais que fosse uma festa casual, era sua primeira festa de aniversário, e para ele, era um evento importantíssimo. Ele se arrumaria o melhor que pudesse, mesmo que as outras pessoas decidissem ir de chinelo.
O que viu no espelho o agradou — a roupa lhe dava um ar muito diferente do que estava acostumado. Parecia... quase sofisticado. Seus olhos realmente se incendiaram no rosto contra o tecido escuro. Sorrindo, ele se sentou na cama, puxando uma caixa debaixo dela e tirando um tênis preto básico que tinha sido usado apenas algumas vezes. Ele o colocou e o sapato se mesclou com a calça da mesma cor, deixando-o mais esguio quando ele se pôs de pé. Seu cabelo não o obedeceu quando ele tentou ajeitá-los de um jeito diferente, então Naruto os deixou livres.
Por mais que tivesse passado o dia com um humor razoável, seu estômago deu uma apertada com a ansiedade. Ele sabia que não tinha motivo para se sentir assim, afinal, ele queria aquela festa, tinha esperado por ela impacientemente desde que ouviu ouviu sobre, há duas semanas. Ele só ia, pela primeira vez, comemorar seu aniversário com todos os seus amigos. Bom, quase todos. Mas Naruto não queria pensar nisso hoje.
Não queria pensar no quão pateticamente ficou esperando Sasuke aparecer e lhe dar um daqueles olhares irritantes, ou nas vezes que vasculhou o céu, ansiando por uma mísera mensagem de feliz aniversário. Nem no quanto se forçou a não pensar nisso durante o dia todo. Porém, como se Deus tivesse resolvido ter misericórdia, ele milagrosamente tinha dado conta de empurrar a espera para o fundo de sua mente, apesar dela ainda estar ali, como sempre.
Naruto tentou se dar pelo menos paz naquele dia, suprimindo ao máximo os pensamentos intrusivos sobre qualquer Uchiha. E estava ignorando muito bem sua mente completamente iludida, que dizia que seus amigos tinham preparado uma surpresa e intimado Sasuke a comparecer na festa, o que significava que Naruto talvez visse seu melhor amigo hoje, no seu dia especial. O que mais doía era saber racionalmente que aquilo não ia acontecer de forma alguma , e ainda assim ser incapaz de aniquilar a esperança que lutava em seu peito por espaço.
Naruto chacoalhou a cabeça para dissipar aqueles pensamentos, como tinha feito o dia todo. Forçando um sorriso no rosto para si mesmo, ele passou um perfume que provavelmente estava fora da validade, considerando que tinha o comprado há mais de dois anos. Consultando o relógio de pulso antes de colocá-lo no braço, percebeu que estava um pouco atrasado — ele deveria chegar pelo menos meia hora antes dos convidados.
Com alguma dificuldade, ele enrolou as mangas da camisa até embaixo do cotovelo casualmente e deu uma última olhada em seu reflexo, sorrindo mais genuinamente. Naruto nunca foi de se arrumar muito, e sinceramente, achava que estava muito bonito. Parecia até mais velho, honrando a idade que tinha agora. Talvez ele devesse fazer daquilo um hábito.
Ao sair, trancou a porta de forma automática, caminhando lentamente pelas ruas quase vazias de Konoha, apesar das várias luzes dos restaurantes e lojas indicarem que o comércio todo estava aberto. As poucas pessoas que passavam por ele o encaravam com curiosidade, o que cutucou sua autoestima já elevada.
A brisa fresca mexeu um pouco com seus fios loiros, mas ele não se importou muito — depois que ele tinha feito um corte um pouco mais curto do que o normal, era difícil seu cabelo parecer muito desalinhado como antigamente. Ele provavelmente o manteria assim, era bem mais prático e apresentável.
Parando em frente a porta de Shikamaru, Naruto se deu um momento para respirar fundo. A batida baixa de música alcançou seus ouvidos e ele tocou a campainha, constantemente se censurando por estar se sentindo tão nervoso. Um minuto depois Kiba o puxou para dentro, passando o braço sobre seus ombros e fechando a porta. Naruto respirou aliviado ao constatar que seu amigo também estava produzido. O verde escuro lhe caía bem.
“Finalmente você chegou, cara!”, exclamou Kiba sorrindo, enquanto o estudava. Soltando um assobio baixo, ele ergueu as sobrancelhas em surpresa. “Caralho, Naruto! Nem parece você. Todo arrumado, nenhuma mancha seca de lamen na cara... Curti a camisa, não sabia que você conhecia outras cores além de laranja.”
A provocação recebeu um sorriso torto em troca antes do amigo fazer um sinal e caminhar com ele até a cozinha. Shikamaru lavava alguns copos de vidro e Chouji estava concentrado em colocar os salgadinhos certos nas repartições das grandes vasilhas de acrílico que tinha ali. Ambos sorriram quando viram Naruto entrar, sem parar o que faziam. Shikamaru trocava o peso do corpo no ritmo do rock antigo que tocava no outro cômodo.
“E aí, pessoal, tudo bem? Quer ajuda, Shika?”, indagou Naruto por cima do barulho do som.
O dono da casa alcançou um pano de prato já úmido que estava ao lado do braço de Chouji e enxugou as mãos, olhando distraidamente para o relógio em cima do fogão. “Vem, vamos passar as bebidas que estão no freezer para as caixas térmicas lá fora. Fica mais fácil se ninguém precisar se abarrotar toda hora na cozinha.”
Naruto acenou e arregaçou mais as mangas, depois fez aparecer três clones para ajudar na tarefa. Shikamaru riu disso e balançou a cabeça, depois tirou algumas garrafas da geladeira.
Os quatro Narutos o imitaram, seguindo-o até o pequeno deck de madeira elevado depois da sala. Shika abriu uma caixa cheia de gelo e enterrou as garrafas lá, então os Narutos fizeram o mesmo. Com a ajuda extra, eles precisaram de apenas mais uma viagem antes que os clones fossem dispensados.
A casa de Shikamaru era um lugar muito bom para se fazer uma festa. A sala espaçosa estava mobiliada apenas com o essencial — a grande mesa de centro de mármore, os dois sofás compridos meio desparelhados ao redor dela, combinando apenas porque tinham o mesmo tom de bege, e os gastos puffs redondos marrons de Kiba, os quais Naruto adorava pelo simples fato de poder ser completamente engolido por eles ao se sentar.
Lá tinha uma enorme porta de correr que dava para um deck estreito de madeira, alguns centímetros mais alto que o vasto jardim em frente. Shikamaru sempre deixava Kiba ou algum de seus amigos darem festas lá por causa do espaço — no começo ele reclamava, mas como tudo amanhecia surpreendentemente limpo depois, já não havia mais problema.
A grama do jardim parecia ter sido aparada à pouco tempo, tendo restado um suave cheiro de terra molhada ali. Naruto gostava deste cheiro porque o lembrava dos acampamentos que fazia durante as missões. Infelizmente isso também trazia outras memórias, que ele ignorou.
Ali também tinha sido arrumado — foi colocada uma mesa de centro grande à um canto, rodeada por dois bancos de ripas de madeira; no fundo do jardim também havia uma mesa de madeira conservada, retangular, e a julgar por seus pés gastos pela umidade, aquele sempre tinha sido o lugar dela.
Havia mais um puff ali, ao lado do som que ficava em frente ao deck, e outro banco embaixo da grande árvore no fundo do jardim. Outra mesa menor, dessa vez alta, redonda e de vidro, foi posta à esquerda dele.
O dono da casa foi até o som e abaixou o volume, resmungando alguma coisa antes de voltar com Naruto para a sala. Shikamaru encostou o corpo nas costas do sofá e suspirou. Jogando-se no puff marrom, Naruto consultou o relógio de pulso — eram quinze para as oito agora. Neste instante, o barulho estridente da campainha veio até eles e Naruto se colocou de pé, tendo um pouco de dificuldade em se desencravar de lá. Shikamaru não se incomodou.
“Pode deixar, o Kiba tá cuidando da porta, deve ser a Sakura e a Ino. Eu vou pôr roupa, ainda não me arrumei. Ah, se você puder, deixa uma das caixas aqui na sala e coloca o resto no jardim. Normalmente o pessoal prefere ficar lá fora.”, pediu o amigo, desencostando o quadril do sofá.
Ele respondeu com um aceno antes do outro sair. Indo até as caixas de isopor no deck, Naruto levantou uma, tomando cuidado para não amassar a roupa ou se sujar e colocando-a perto da mesa de mármore. Remexeu um pouco no gelo antes de colocar a tampa e voltou para pegar o resto delas. Desceu o degrau de madeira e puxou as quatro caixas térmicas restantes para a borda, decidindo que ficaria uma ao lado de cada mesa.
Voltando para a sala, alinhou os sofás com o tapete, depois mudou a caixa de lugar, inquieto. Observando tudo enquanto mexia no relógio de pulso, ele chegou a conclusão de que não tinha mais nada para ele fazer ali. Talvez devesse se sentar e esperar, mas estava agitado demais para isso; por fim, uma pequena algazarra na cozinha o fez ir ver quem tinha chegado.
“Naruto!” Uma enxurrada de cabelos cor-de-rosa invadiram seu rosto quando ele passou pela porta, e um cheiro doce o envolveu antes mesmo de sentir o impacto do corpo de Sakura. Apesar dela ter se chocado com força contra ele repentinamente, ele não cambaleou. Um pouco receoso, ele retribuiu o abraço, enquanto o ar saia de seus pulmões com o aperto dela em sua traqueia. “Feliz aniversário!”, guinchou a garota antes de soltá-lo. Ele murmurou um agradecimento, meio sem jeito com a repentina proximidade incomum dela.
“Feliz aniversário, Naruto.”, Ino desejou ao lado de Chouji, caminhando até ele e o abraçando também.
Ela deu um tapinha em seus ombros de maneira carinhosa antes de se virar, voltando a ajudar Chouji e Kiba na arrumação da comida. Naruto agradeceu mais uma vez e se voltou para Sakura, que parecia meio perturbada ao lado dele e o observava de soslaio. Ela usava uma saia de flores rosadas e uma blusa preta sem mangas de gola alta. O cabelo tinha sido preso para trás elegantemente, dando destaque para o losango roxo no centro de sua testa, e ela estava de salto.
O sorriso torto que Naruto deu foi retribuído por ela, que corou e chegou mais perto. Mesmo eles não se tocando a aproximação o desconcertou mais uma vez, mas Naruto limpou a garganta e se recompôs, desviando um pouco o olhar.
A menina parecia prestes a dizer alguma coisa, mas Chouji pediu ajuda com as vasilhas que iam para as mesas da sala e do jardim, fazendo Naruto pedir licença à ela suavemente e sair. Sakura ficou meio decepcionada, mas ele não percebeu isso. Kiba os seguiu para o jardim.
Assim que eles tinham arrumado tudo, Shikamaru voltou, cumprimentando as duas garotas e se sentando no sofá. Eles estavam ali agora, esperando, e Naruto chacoalhava a perna distraído enquanto absorvia os arredores da sala, completamente alheio aos olhos verdes de Sakura sobre ele. Naruto notou que tinha um pequeno globo de espelhos no canto do cômodo, mas estava desligado.
Percebendo que Kiba não estava ali e levando em conta que ficar parado era algo que ele não conseguia fazer no momento, Naruto repentinamente se pôs de pé e foi procurar o amigo. Ele estava em frente para a bancada da cozinha, colocando gelo na bebida que tinha preparado. Kiba recebeu o aniversariante com um sorriso malicioso e olhos brilhantes de animação.
“Vamos, tá na hora de começar a festa. Me diz o que você achou.” Ele lhe estendeu a bebida, alargando o sorriso quando Naruto a pegou.
Como era de se esperar, ele já tinha bebido uma coisa ou outra em suas viagens com Jiraiya, mas descobriu que o álcool era uma coisa da qual ele não fazia questão alguma — normalmente não gostava de nada amargo ou azedo, e mesmo quando tentou vinho, o deixou de lado porque conseguiu identificar o gosto forte do álcool no meio.
Naruto cheirou a bebida em suas mãos e ergueu uma sobrancelha ao identificar o limão, mas ainda assim deu um gole. A combinação entre destilado e acidez desceram rasgando seu esôfago apesar do açúcar que tinha ali. Ele tossiu e fez uma careta.
“Caralho Kiba, o que você colocou aqui?”, exclamou Naruto, com cara de nojo, colocando o copo de volta na bancada.
Kiba deu uma risada alta. “É só uma caipirinha, cara. Vai me dizer que nunca tomou uma caipirinha na vida? Aaah, que gracinha!”, zombou o amigo, fazendo um biquinho e apertando as bochechas de Naruto, que lhe deu um soco no ombro.
“Eu já experimentei uma vez, mas não gostei. Não ligo pra bebida.”, disse ele, achando graça do completo desapontamento na cara do outro.
“Não é possível, alguma coisa você tem que gostar. Eu avisei que você não ia sair sóbrio daqui hoje, é seu aniversário de dezoito anos, pelo amor de Deus!”, Kiba exclamou com uma carranca. “O que você bebe no dia-a-dia?”, sorrindo de repente, o amigo tomou para si o desafio de pescar informações para fazer algo que Naruto aprovasse.
“Hmm... Água, ou suco de laranja. Mas não gosto de coisas azedas com álcool.” Ele tamborilou os dedos no queixo, pensativo.
“Só isso? Não é possível.”, como se o intimasse a abrir o bico, o amigo se aproximou.
“Eu só bebo isso, água, suco e leite. Mais nada.”, Naruto riu.
Kiba murchou de novo e fez um biquinho, bebendo a caipirinha que o outro tinha rejeitado para se consolar. O amigo o observava enquanto Naruto andava pelo cômodo, trocando algumas coisas de lugar. Ele se sentia uma criança esperando para ir ao parque de diversão pela primeira vez — muito animado e impaciente, mas ansioso com o que encontraria lá. Era até parecido com o que ele tinha sentido quando saiu em sua primeira missão, com Kakashi, Sakura e... Ele deu um suspiro, se forçando a não pensar em mais nada. Ele não precisava pensar naquilo de novo. Kiba passou por ele e pegou alguns copos nas mãos. Naruto se mexeu para ajudá-lo, mas a campainha tocou mais uma vez.
“Ei, você pode atender? Vou levar isso pro jardim. E eu já pensei em outra coisa pra você experimentar!”, ele avisou, piscando enquanto equilibrava os copos nas mãos.
Naruto riu em resposta. Caminhando até a entrada, ele parou em frente à porta, percebendo que as pessoas começariam a chegar agora. Seu estômago parecia meio fora do lugar e ele arrumou o relógio de pulso pela milésima vez naquela noite.
A ideia de recepcionar pessoas para o seu aniversário pela primeira vez na vida o deixou receoso, porque não sabia fazer isso. Não sabia como interagir com seus amigos naquela situação tão estranha para ele, nem o que poderia esperar daquela festa.
Provavelmente ele estaria se sentindo menos inseguro se o único amigo que não estaria ali naquela noite aparecesse para ficar ao seu lado. Naruto sinceramente teve vontade de dar um soco na própria cabeça por ser tão fixado em coisas que não devia, mas a campainha tocou mais uma vez com insistência, e ele respirou fundo antes de abrir a porta de madeira escura.
“Naruto! Feliz aniversário! Que a primavera da sua juventude esteja sempre florida!”, bradou Lee, abrindo os braços e pulando em cima dele.
Tenten, em tom de reprovação, fez um “Psiu!” para ele e empurrou todos para dentro, observando a rua com olhos espremidos antes de fechar a porta com rapidez. Por ser uma festa secreta , eles não podiam fazer alarde.
Como se ninguém fosse dar falta de todos os jovens Shinobis sumindo de uma vez, ou notar o grupo de adolescentes andando juntos pela vila, todos arrumados e com caixas de presentes nas mãos. Ou o som alto até tarde na casa de Shikamaru num sábado à noite que, coincidentemente, era na semana do aniversário de Naruto. Tsunade e os senseis com certeza já sabiam da festa, mas como não fizeram nada para impedir até então, imaginou que estavam fazendo vista grossa.
Ele riu e Lee o soltou, dando espaço para a aglomeração de pessoas que se formou em volta do aniversariante, cumprimentando-o e desejando felicidades, todos ao mesmo tempo. Tenten lhe deu um abraço apertado e entregou seu presente, que ele agradeceu e colocou em cima de uma cadeira. Depois vieram Sai, Shino e Neji, que lhe apertaram a mão ou deram tapinhas em seu ombro, deixando mais embrulhos e caixas ao lado da primeira.
Os convidados rumaram para a sala um a um, conversando e rindo. Hinata foi a última a se dirigir a ele, entregando mais um presente e sorrindo com timidez. Ela parecia quase etérea em seu vestido branco até o joelho, o cabelo negro como pixe emoldurando o rosto delicado e os olhos leitosos. Um rubor suave enfeitava suas bochechas.
“Feliz aniversário, Naruto-kun. Muitas felicidades e que todos os seus desejos se realizem.”, o tom de voz dela não passava de um sopro suave. “E v-você está muito bonito hoje.”, murmurou ela mais baixo ainda, com o rosto se tingindo de vermelho e os olhos se arregalando um pouco, como se ela não acreditasse no que tinha dito.
Sorrindo satisfeito com o elogio, ele agradeceu. O rubor dela passou para o pescoço e se intensificou, contrastando com os cabelos negros e brilhantes. Os fios escuros deslizaram pelos ombros estreitos quando ela fez uma pequena meia-reverência e o olhou uma vez mais antes de sair. A ondulação suave que o vestido branco produzia ao redor de seu corpo e seus movimentos cheios de graça e leveza a faziam se parecer com um anjo.
Empilhando tudo que ganhou com cuidado, sorriu para si mesmo, depois passou pelo espelho ornamentado do corredor, parando só para pôr os cabelos no lugar, ajeitar a gola já arrumada da camisa e alisar nervosamente as calças antes de sair.
A única luz que tinha na sala agora eram os feixes que saiam do globo de espelhos, dançando pelo cômodo devagar. Era claro o suficiente para não trombar em nada. A música lá fora estava alta, e já que a sala estava vazia no momento, ele passou pela porta de correr, parando no deck elevado.
A maioria das luzes do jardim também tinham sido apagadas, deixando todos em uma penumbra, e um pedestal improvisado apoiava um globo de luzes coloridas que girava febrilmente. Com certeza os dois globos eram coisa de Kiba, e Naruto achou graça ao perceber que o amigo era o ‘kit-festa’ do grupo.
Seus olhos azuis percorreram o jardim e Naruto notou que a mesa de madeira gasta no canto tinha virado um bar improvisado, servindo de apoio para várias garrafas, copos, canudos e potinhos com frutas congeladas. Kiba já estava lá, misturando algo em uma jarra de metal enquanto falava com Chouji e tentava incluir Sai na conversa, que parecia meio perdido. Sakura, Ino, Tenten e Hinata tinham se sentado em um dos bancos e as cabeças estavam juntas em uma conversa, Hinata sendo a única com as mãos vazias. Ela e Lee eram os únicos que não bebiam ali, provavelmente. Ino não parava de lançar olhares para o trio de garotos na mesa de bebidas, e de acordo com as informações de Kakashi, deviam ser direcionados à Sai.
Shika tinha sido praticamente absorvido pelo puff ao lado do som, e também bebericava um copo. Os olhos dele vagueavam pelo jardim, indiferentes. Comendo na pequena mesa de vidro, Lee encarava Neji e Shino com expectativa.
Meio apreensivos, eles devolveram o olhar do amigo antes de virarem uma dose de bebida ao mesmo tempo, batendo os copinhos na mesa. Naruto ficou extremamente surpreso ao ver Neji bebendo em uma festa, porque a postura de dignidade e superioridade que ele normalmente emitia sempre tinha o separado das outras pessoas, junto com Hinata. Eles eram praticamente da nobreza. Neji tossiu um pouco, fazendo os belos cabelos negros e soltos escorrerem por seus ombros. Shino parecia imperturbável como sempre.
As entranhas de Naruto queimarem um pouco ao ver Neji — ele lembrava muito Sasuke em algumas coisas, principalmente na forma de se portar e na gama escassa de sentimentos que demonstrava. Infelizmente, a esperança de que seu melhor amigo idiota iria aparecer ali em algum momento ainda existia, mesmo que ele soubesse racionalmente que aquilo jamais ia acontecer — até porque, se Sasuke viesse até Konoha hoje, com certeza o último lugar que apareceria era no meio de uma festa.
Vendo Naruto no deck, seus amigos gritaram animadamente, saudando-o. Ele ficou vermelho, mas deu um sorriso radiante. Antes que ele pudesse descer, Kiba abaixou um pouco o som e foi até lá com um pulo, passando um braço sobre seus ombros como sempre fazia e levantando o copo que tinha nas mãos como pedido de atenção.
Os convidados pararam o que estavam fazendo e o observaram com sorrisos irônicos, como se já esperassem aquilo. Naruto não podia dizer que estava surpreso também — seu amigo era o espírito de qualquer festa e, com certeza, chamar atenção e dar discursos era algo que Kiba gostava de fazer.
Naruto também apreciava ser o foco das coisas normalmente, então ele não tinha certeza de porque estava tão inseguro esta noite. Eram seus amigos, era sua festa, era seu dia , mas o sentimento de estranheza o envolvia, impedindo-o de agir como sempre.
Talvez tivesse algo a ver com a quantidade de pessoas que estava ali para homenageá-lo, para ficarem felizes por ele e compartilharem suas vitórias até aquele momento. Ele finalmente tinha conseguido o que queria desde criança — reconhecimento — mas se sentia estranho e hesitante agora.
Não era a primeira vez que Naruto tinha sido reconhecido por alguém, afinal, ele lutou em uma guerra e venceu . O mundo inteiro tinha ficado agradecido a ele, por mais que não tivesse ganhado sozinho.
Mas era diferente a atenção que recebia agora. Na guerra e na maior parte de sua vida, ele foi visto quase sempre por suas habilidades, por sua força de vontade, por seus poderes. Foi visto como “O Jinchuuriki da Kyuubi”, e tudo bem, porque isso também fazia parte dele.
Mas aqui, ele estava sendo reconhecido pela pessoa que era sem tudo isso — não por seus feitos, ou por sua competência como Shinobi, mas por ser Naruto Uzumaki , um cara normal que tinha vontades e sonhos, nada mais.
Ninguém estava ali porque ele era forte, ou porque ele tinha algo a oferecer, estavam ali porque gostavam do ser humano que ele tinha se tornado, com qualidades e defeitos. O pensamento o fez sorrir e estufar o peito, orgulhoso de si e das pessoas diante dele.
Entretanto, o esforço que fazia agora para não levar este pensamento para outro caminho, foi imenso. Era doloroso ele notar que uma das primeiras pessoas que o aceitou de verdade, uma das pessoas mais importantes pra ele, não estava comemorando ao seu lado, e se dar conta de que sequer recebeu uma mísera carta.
Não que Sasuke e Naruto tivessem ligado pra isso quando eram mais novos, mas ele imaginou que se o cara se prestava ao trabalho de visitá-lo esporadicamente, ele devia pelo menos lembrar que dia era hoje e dar algum sinal disso. Só para dizer que se importava. Que eles voltaram a ser amigos de verdade. Que Naruto não era patético por se lembrar dele todo dia 23 de julho e ficar deprimido mesmo enquanto Sasuke estava com Orochimaru.
Cortando esse fio de pensamento perigoso, Naruto se forçou a focar no momento atual. Ele merecia estar ali e não era mais o menino desamparado de antes, com ou sem Sasuke Uchiha, porque estas pessoas e muitas outras estavam com ele agora, também. Naruto fazia parte deles, do povo de Konoha. Focando nesse fato, ele respirou fundo, e olhou para cada um dos seus amigos com gratidão e apreço enquanto Kiba falava na penumbra da festa.
“Meus amigos, hoje eu tenho o prazer de informar que mais um dos nossos adentrou no mundo dos homens! Hoje, este pequeno gafanhoto inocente finalmente poderá descobrir e desfrutar os segredos da maioridade! Tudo é possível, o céu é o limite!”, bradou ele, fazendo todos levantarem seus copos e gritarem, saudando-os em meio à risadas. Naruto se empertigou de brincadeira, como se estivesse sendo coroado. “Sendo assim, temos a missão de fazer Naruto sair daqui nada menos do que totalmente sem rumo e dignidade!”, ele recebeu mais gargalhadas em resposta. “Então que a festa comece!”, Kiba comandou chacoalhando o copo, que derramou um pouco. O aniversariante apenas sorriu satisfeito para as pessoas que estavam ali, enquanto assistia todos gritarem animados e baterem palmas ou brindaram em homenagem à ele.
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Shikamaru aumentou o som e Kiba deu fortes tapas no ombro de Naruto, fazendo-o tombar um pouco para frente com a força. Em seguida o amigo pegou seu cotovelo e o puxou para perto da mesa-bar.
“Uzumaki, é hora do show. Você vai beber o que eu te der sem reclamar, eu me recuso a deixar o aniversariante sair sóbrio de uma festa que eu estou dando.”, alertou ele, pegando uma coqueteleira e enchendo de coisas que Naruto não sabia distinguir o que eram, além de algumas frutas variadas. “Estou fazendo mais batida, tragam os copos aqui.”, Kiba anunciou para os outros. Shino e Chouji, que provavelmente estavam esperando, foram até ele em fila.
“E aí, Naruto?”, uma voz feminina chegou aos seus ouvidos, vindo de trás dele. Sakura sorriu quando recebeu a atenção dele, mexendo as frutas que sobraram de seu drink distraidamente com um canudo. Os olhos dela rapidamente passaram com curiosidade pelo corpo de Naruto, mas a baixa claridade encobriu seu gesto. “Como você está?”
“Estou ótimo, Sakura-chan! E você?”, ele coçou a nuca e bagunçou os cabelos, sorrindo. A amiga abriu a boca para responder, mas foi interrompida.
“Sakura, aqui. Leva um para Ino também. Naruto, este aqui é o seu.”, Kiba tinha uma expressão ardilosa enquanto apontava para o copo maior, sem frutas e de cor diferente. Naruto passou as bebidas menores para Sakura e pegou o copo dele, receoso com o que teria ali. Já estava claro que ele iria ter que beber alguma coisa, ou Kiba não o deixaria em paz.
Caminharam com cuidado até o banco onde Hinata, Tenten e Ino conversavam para que a batida fosse entregue. Dando uma piscadela para eles, Ino agradeceu, enquanto Hinata lhe lançava um sorriso fraco passando os olhos entre ele e Sakura.
Naruto deu um gole em seu copo e descobriu que não era tão ruim — tinha gosto de leite com chocolate e alguma outra coisa forte que ele não soube identificar, mas era muito gostoso. Aquele drink com certeza era melhor do que os que ele já tinha experimentado antes, e ele anotou mentalmente de mais tarde parabenizar seu barman por ter conseguido encontrar algo que o agradasse.
“Vamos lá dentro, é melhor para conversar. O som está alto aqui.”, Sakura o puxou pelo cotovelo delicadamente até o deck, caminhando para a porta da sala com ele. A pele dela parecia fria ao toque, mas o corpo dele sempre foi mais quente que o das outras pessoas, de qualquer forma.
Hesitando um momento, Naruto corou ao notar que seus amigos teriam uma ideia errada se o vissem entrando ali com Sakura, coisa que ela com certeza não ia gostar muito. Olhando para trás ele capturou o olhar malicioso de Kiba. Às vezes o amigo conseguia ser mais imaturo que ele, e isso era alguma coisa.
Sakura percebeu a oscilação de Naruto, mas não deu escolha a ele quando deslizou os dedos do cotovelo dele e puxou com firmeza pelo pulso, olhando-o incisiva. Ele se deixou levar e a acompanhou, observando quando a menina se sentou perto do braço do sofá.
Olhando em volta, ele rumou direto para o puff na diagonal de onde ela estava, afundando nele e se ajeitando satisfeito com o copo na mão. Aquele era um lugar estratégico — além de ser confortável, ele ainda estaria quase do lado dela sem precisar ficar muito perto.
Ao longo dos seus anos de amizade, Sakura sempre deixou claro até onde ele podia se aproximar, por isso Naruto preferia manter uma distância segura da garota. Não que ela fosse ficar incomodada se eles se sentassem no mesmo lugar, contanto que Naruto não se aproximasse tanto. Ainda assim, conforme os anos foram se passando, ele mesmo definiu uma distância mais do que suficiente entre eles, para não correr o risco de sofrer com a ira dela.
A sobrancelha de Sakura se arqueou ao ver sua escolha, mas não teceu comentários, apesar dele estar um pouco distante e praticamente na altura do chão enfiado lá, o que dificultava um pouco a comunicação. Ainda assim, mesmo com a baixa luminosidade Naruto conseguia vê-la bem, e tinha certeza que poderia ouví-la.
“E então, você abriu meu presente?”, se aproximando da borda do sofá para ficar mais perto, ela cruzou as pernas e ajeitou a saia que ia até o joelho, inclinando-se para ouví-lo. O cabelo rosa dela escorreu pelos ombros e Naruto notou que estava um pouco mais comprido do que antes. Ela provavelmente estava deixando crescer novamente.
“Er, não. Achei melhor abrir tudo mais tarde, ou talvez em casa.”, respondeu ele, levando o copo até a boca e coçando a nuca em desculpa.
Sakura sorriu e concordou com a cabeça. Um pequeno pingente brilhou no pescoço dela por cima da gola alta com o movimento. “Bom, quando você abrir, me diz o que achou.”, pediu ela, passando os olhos por ele mais uma vez. Dessa vez Naruto percebeu o olhar sobre seu corpo, mas preferiu não dizer nada. Ela mordeu o lábio discretamente. “Camisa nova?”, perguntou enquanto vagueava os olhos por ele mais uma vez.
Naruto olhou para baixo, como se não se lembrasse do que estava usando. “Sim! Bom, não muito, na verdade. Ganhei ela do Ero-Sennin mas nunca tinha usado. Acho que ficou meio apertada.”, ele riu e deu mais alguns goles no leite estranho.
Sakura o observava atentamente. “É, está meio justa, mas eu gostei bastante assim. Você está realmente muito bonito.”, Naruto quase engasgou com a bebida, apesar do tom descontraído dela.
A simples ideia da possibilidade de ouvir uma frase de Sakura contendo a palavra “bonito” direcionada a ele era hilária até então. Ao perceber então os motivos do olhar dela, o rosto dele esquentou. Quando eram mais novos, ela sempre tinha deixado muito claro que não se sentia nem minimamente atraída por ele e que Sasuke era muito mais bonito e interessante.
“Hã, obrigada, Sakura-chan…”, ele parecia maravilhado, o que a fez dar um sorriso torto encantador.
“E você acabou não indo no hospital me ver, né?”, ralhou ela, apesar da ternura na voz. A cobrança suave o surpreendeu, trazendo a percepção de que a garota realmente tinha criado expectativas e esperado que ele fosse encontrá-la.
“Hã, me desculpe... Eu acabo esquecendo. Tenho treinado bastante e o Konohamaru fica me pedindo para ensinar Jutsus novos... E também eu não quero te atrapalhar, Sakura-chan. Eu sei que você anda fazendo várias coisas e trabalhando bastante.”, explicou Naruto, dando mais um gole no copo e cruzando as pernas em cima do acento molenga com dificuldade.
“Não seja bobo, você sabe que não me atrapalha. Mas já que você não vai lá me ver, então nós dois temos que combinar de sair algum dia, heim?”, ela sugeriu sorridente, brincando com o próprio canudo antes de levá-lo aos lábios.
Ele demorou um segundo para despregar o olhar da cena e encontrar o dela. “Hã, claro, claro que sim.”, murmurou, surpreso com mais uma requisição da presença dele.
Naruto limpou a garganta e olhou para baixo. Ele estava bem confuso com aquilo tudo e tentou se lembrar de quando as coisas tinham mudado tanto entre eles. Repentinamente. Quando ela tinha ficado tão... afetuosa com ele a ponto de elogiá-lo e até mesmo insistir para arrumarem uma maneira de passar algum tempo juntos?
“Ei Sakura-chan, eu... posso te fazer uma pergunta?”, indagou ele, incerto, enquanto mexia seu leite no colo.
A menina o observou com um olhar meio cauteloso. “Claro.”, ela se mexeu no sofá parecendo inquieta, mas um sorriso suave enfeitou seus lábios pequenos.
Naruto travou por um momento, tentando decidir o que diria e como conduziria a conversa. Ele sempre teve o dom de estragar tudo por não saber o que falar ou como expressar as coisas, porque normalmente sua boca não checava com seu cérebro as coisas que soltava.
Ele hesitou um pouco antes de virar o copo de leite e se levantar em um pulo — talvez fosse mais inteligente ele dar uma pausa e tomar um ar antes de abordar o assunto logo de cara, já que sequer tinha pensado muito antes de decidir falar sobre isso.
“Ok, eu... eu já volto, vou pegar mais bebida pra gente.”, a mão dele se estendeu para o copo que Sakura entregava, confusa. “Volto em um minuto!”, falou por cima do ombro enquanto descia o deck com pulinhos rápidos e ia até Kiba, que conversava baixinho com Shikamaru e apontava para o banco das garotas. Os dois pararam de cochichar quando viram Naruto andando até eles com as mãos ocupadas.
“Naruto! E aí? O que você achou?” Entusiasmado, Kiba indicou seu copo antes de virar o próprio drink e arrotar.
Naruto sorriu com a percepção de que seu amigo provavelmente era o que mais tinha bebido ali até agora, mas parecia até muito sóbrio. Em compensação, Shika já estava fora do ar, observando o céu e a grama mais preguiçosamente do que o normal.
“Agora sim você fez uma coisa que presta! Só não entendi porque você me deu leite para tomar, mas é bem melhor que o outro.”, falou Naruto casualmente, entregando o copo ao amigo e coçando a cabeça. Eles foram para a mesa abarrotada de garrafas e Shikamaru olhou para Kiba com curiosidade, pescando alguns salgadinhos que tinha em uma vasilha.
“Você deu leite pra ele beber?”, Shika perguntou devagar.
Naruto não ficaria nem um pouco surpreso se o amigo saísse voando daqui a pouco. Shikamaru sempre tinha sido preguiçoso, e era de se imaginar que ele ficaria letárgico quando bebesse. Entretanto, Naruto tinha certeza que aquela mente afiada precisaria de muito álcool para sucumbir à idiotice.
“Não é leite, é a minha receita secreta de amarula extra forte que eu fiz especialmente pro Naruto hoje. Você sabe bem qual é.”, Kiba provocou com um sorriso torto.
Arregalando os olhos, Shikamaru olhou para Naruto, depois para o copo vazio e então para Kiba, que deu uma piscadela para ele como uma criança travessa. Naruto, observando as coisas ao seu redor com interesse, estava alheio à isso e a Shika balançando a cabeça resignado ao lembrar o quanto aquilo era forte e subia rápido.
Aquela maldição de amarula tinha sido a responsável pela pior ressaca que ele teve na vida, porque era doce e parecia suave, mas o idiota que produziu a receita, ou seja, Kiba, era um louco com graves tendências alcoolistas, portanto, aquilo o derrubou completamente em três copos. Ele acordou só no dia seguinte, se sentindo um pião desgovernado dentro de um liquidificador.
A grande caixa de gelo foi puxada debaixo da mesa por Kiba, que desencravou a jarra de metal que ele mexia mais cedo e passou para o aniversariante. Estava quase cheia.
“Pode deixar lá na sala, eu tenho certeza que parar de dar em cima da Sakura pra buscar bebida foi a coisa mais difícil que você já fez na vida.”, ele deu um soquinho no ombro do amigo. “Ainda mais agora, que finalmente parece estar dando certo! É isso ai, manda bala, cara! Antes tarde do que nunca, você não pode ficar virgem para sempre.”, Kiba gargalhou, enchendo também o copo da menina com batida e o devolvendo. Naruto corou e o encarou meio indignado.
“Eu não sou virgem, ok?”, ele soltou sem querer. “E eu não estou dando em cima da Sakura. Vocês sabem muito bem que não é de mim que ela gosta.”, concluiu, erguendo as sobrancelhas enquanto ajeitava as coisas nas mãos e equilibrava a jarra entre os braços para não molhar a camisa.
Kiba não se abalou com a menção indireta de Sasuke, parecendo divertido e Shika lhe deu uma expressão irônica, deixando claro que não caia nessa.
“Ah, não? Essa é nova, Uzumaki!”, exclamou ele, admirado. Shikamaru também ficou surpreso, mas preferiu voltar a beber do que falar alguma coisa. “Então suas viagens com Jiraiya renderam bons frutos, hã? Mais tarde você vai me contar essa história.”, Kiba balançou as sobrancelhas, bagunçando o cabelo loiro de Naruto como um pai orgulhoso.
Naruto corou um pouco. Ele soltou aquilo sem querer. Era a primeira vez que ele mencionava para alguém e, de qualquer forma, não tinha muito para contar. Quando viajou com Ero-sennin, o maior tarado que qualquer pessoa poderia conhecer, eles ficaram cerca de um mês e meio em uma vila no País do Vento enquanto o sábio fazia suas pesquisas.
Naruto acabou se familiarizando com as funcionárias de um dos “bares” que Jiraiya frequentava, porque tinha que ir buscá-lo toda noite para impedi-lo de gastar todo o dinheiro dele com mulheres e ficar bêbado além do que era seguro, caso acontecesse algum imprevisto ou um ataque.
Harumi, a filha da dona, era um pouco mais velha que Naruto, e acabou se interessando por ele e puxando assunto, um dia. Ela era muito engraçada e interessante, e isso era o suficiente; eles ficaram conversando quase diariamente por semanas, e uma coisa acabou levando a outra. Apesar dela trabalhar em um local peculiar, Naruto não se importou com isso — ele não sabia o que ela fazia ou não fazia ali, mas não se incomodou, porque a garota sempre o dava total atenção quando ele chegava, e era isso que importava.
Harumi era uma garota bonita e muito envolvente e eles se atraíram um pelo outro, nada mais. Ambos sabiam que era temporário e, por mais que ele estivesse à alguns meses de fazer seus 17 anos na época, ele não era mais criança.
Naquele momento a atenção que recebia era totalmente bem vinda — ele tinha passado quase três anos viajando com Jiraiya, seus hormônios estavam dando as caras e ele se recusava a pagar prostitutas, apesar do velho ter sugerido isso ao notar as mudanças no corpo dele. Mas Naruto jamais conseguiria fazer algo com alguém que não conhecesse, de forma tão fria e desapegada assim. Ele e Harumi não eram apaixonados, mas ele tinha desenvolvido muito carinho por ela.
De qualquer forma, o que quer que eles tenham tido, durou mais ou menos duas semanas, até ele e Jiraiya irem embora. Apesar dele ainda gostar de Sakura na época, não era recíproco, então ele não se arrependia de nada e, inclusive, era muito grato à Harumi — ela era experiente, muito bonita e tinha uma visão de mundo muito peculiar, o que o proporcionou várias ideias interessantes e diferentes.
Naruto, percebendo que tinha se distraído por um momento, se desvencilhou de Kiba, decidido a não dar informações sobre suas aventuras e voltou para a sala, levando a jarra e os dois copos com dificuldade nos braços. Sakura tinha puxado uma das tigelas de cima da mesa de centro e comia, distraída, mas voltou o pote para o lugar ao perceber Naruto de volta.
Ele se desculpou pela demora e ambos se ocuparam com seus drinks depois dele se servir, enfiar a jarra na caixa de gelo ao seu lado e voltar a se ajeitar onde estava sentado antes. Curiosidade queimava nos olhos dela enquanto eles bebiam.
“Bom, o que você queria me perguntar, Naruto?” arqueando-se para colocar a batida na mesa de centro e se virando para ele, ela retomou a conversa.
A garota descansou o cotovelo no encosto do sofá e apoiou a lateral da cabeça na mão casualmente. Ele umedeceu os lábios, se arrependendo de ter dito alguma coisa antes — o tempo que tirou para pensar sobre a melhor forma de abordar o assunto tinha sido inútil, porque talvez não existisse uma.
Ele tinha medo da pergunta mudar as coisas entre eles, mas Naruto estava realmente curioso com a forma que ela vinha o tratando, e precisava tirar aquilo a limpo para entender como agir perto dela agora e compreender o que tinha mudado. E também porque tinha mudado.
“Er, eu... queria saber se aconteceu alguma coisa diferente.”, murmurou ele incerto para o chão, como se preferisse que Sakura não o escutasse.
“Como assim?”, suas sobrancelhas finas se juntaram pela confusão.
Naruto já se arrependia amargamente, porque tinha certeza que ela ficaria brava quando entendesse. Se inclinando para frente, apoiou o cotovelo no joelho e a fitou de baixo com os olhos azuis quase brilhantes no escuro.
Sakura se distraiu com isso por um momento, afetada. Ela colocou o cabelo atrás da orelha, se sentindo quente sob as íris incrivelmente azuis do amigo. Ela nunca tinha notado como a cor era vibrante, ou como ficava chamativa contra o tom de pele moreno dele.
“É que, bom, você parece diferente, só isso.”, Naruto estava hesitante. “Parece menos... hum, nervosa comigo.”, ele tomou mais um pouco de sua bebida, arrumando um pretexto para desviar o olhar. Depois ficou rodando o copo nas mãos distraidamente. Sakura parecia sem graça, e se a luz estivesse acesa, Naruto teria notado o quanto ela tinha ruborizado.
Incomodada, ela se mexeu, avaliando-o por um momento. “Você... Você pode se sentar aqui do meu lado?”, ela gaguejou um pouco. Depois explicou rapidamente. “É que você está muito baixo e assim é meio ruim para conversar.”
Naruto se levantou em um movimento ágil, mas sentiu a cabeça girar um pouco antes de se recompor e se equilibrar. Sakura percebeu, mas não comentou nada — ela mesma estava começando a se sentir meio zonza. Pulou os pés dela com alguma dificuldade pelo pouco espaço entre o sofá e a mesa, mas a garota estendeu as mãos delicadas e o manteve em pé, firmando-o suavemente pela cintura.
A percepção de que Sakura estava o tocando novamente fez ele se desequilibrar mais ainda. Naruto conseguiu se estabilizar e tombou ao lado dela no sofá, bagunçando os próprios cabelos em um gesto familiar de ansiedade enquanto sorria torto. Sakura se endireitou, virando-se de lado para o encarar, e novamente apoiou o cotovelo no encosto do sofá, a bochecha da mão.
Os dois voltaram os copos para a boca por um tempo, meio constrangidos, depois os colocaram quase vazios na mesa de centro. Notando a hesitação com que ela o encarava, Naruto tentou apaziguar um pouco a situação. Não queria fazê-la se sentir desconfortável com a pergunta.
“Nah, Sakura-chan, sabe, acho que esse treco que o Kiba me deu subiu um pouco rápido.”, ele riu. “Não me leve a sério, acho que eu só tô meio zonzo.” O relógio de pulso foi ajeitado e ele encarou as próprias pernas, que estavam cruzadas de frente para a amiga.
Por mais que ele estivesse usando a bebida de desculpas para amenizar o momento constrangedor, nada daquilo era mentira — depois que ele tinha se levantado, sua cabeça parecia pesada e ele sentia o corpo rodando devagar, de maneira vertiginosa, o escuro acentuando a sensação. De qualquer forma, Sakura pigarreou baixinho e se aproximou um pouco, deixando-o tenso mais uma vez por não saber se devia se afastar.
“Não, você tem razão, Naruto. Eu mudei com você e fico feliz que tenha percebido. Eu... eu não era uma amiga muito boa, acho que eu era meio... imatura, sabe? Eu era muito dura com você sem necessidade. Acabei percebendo que a maneira como eu te tratava às vezes te afastava de mim. Além disso, muitas coisas mudaram, inclusive o modo como eu... te vejo. Você está mais maduro e não é mais aquele garoto de 12 anos irritante, já é um homem. Está mais perceptivo, mais centrado, e isso tudo me faz, hã, querer estar mais próxima. Eu sinto muito pelas vezes que te afastei, não quero que isso aconteça mais.”,
Sakura cruzou as mãos inquietas no colo enquanto o observava com apreensão, como se esperasse que ele a acusasse de falsidade, ou gritasse apontando o dedo em sua cara. Naruto a olhava como se tivesse escutado a coisa mais louca do mundo. A cabeça dele, imersa na névoa de álcool que tinha se formado, processou lentamente a informação recebida, e não chegou a conclusão nenhuma apesar do esforço.
Entretanto, provavelmente ele não conseguiria chegar a nenhuma conclusão nem que estivesse sóbrio. Sakura, para quebrar o clima estranho, riu da cara que ele fazia, como se soubesse da sobrecarga que acontecia no cérebro dele.
“Eu estou conseguindo ver a fumaça saindo das suas orelhas, Naruto.”, ela zombou, pegando o próprio copo e entregando o dele também. Naruto o levou à boca devagar, poupando-se do trabalho de formular uma resposta coerente que com certeza não viria, mas sem tirar os olhos de cima dela. “Não precisa ter uma síncope, eu já entendi que você está totalmente chocado, mas a única coisa que você precisa saber é que está tudo bem, as coisas mudaram e eu não vou mais afastar você.”, Sakura frisou a última parte devagar, a frase estalando em sua boca.
Entretanto, Naruto não pegou a dica. “Sakura-chan, eu... fico muito feliz de poder ser seu amigo. Pra ser sincero, eu acabei me afastando quando as missões pararam porque eu sabia que te aborrecia, mesmo eu tentando muito não fazer isso. Quer dizer, eu sei que somos amigos e que você gosta de mim e da nossa amizade, mas eu também sei que te deixava irritada com algumas coisas sem perceber.”, ele confessou enquanto encarava o sofá. Eles voltaram os copos, agora vazios, para a mesa de mármore.
Sakura então avaliou Naruto com aqueles olhos absurdamente verdes, se aproximou um pouco, vacilou por um momento e por fim o puxou delicadamente para um abraço incerto e frouxo. Se o que ele ouviu não tinha sido suficiente para desenvolver sérios problemas cognitivos, com certeza o abraço tinha conseguido fazer isso.
Seu coração palpitou e ele forçou o próprio cérebro a entoar repetidamente um refrão de “só-amigos-só-amigos-só-amigos” enquanto dava tapinhas no ombro de Sakura com apenas uma mão, o outro braço tombado ao lado do corpo para evitar mais contato do que o necessário.
O cabelo fino dela fez cócegas em sua orelha e em seu pescoço e ela cheirava a algo doce que lembrava flores, ou talvez mel. A neblina de álcool e a falta de luz fez seus outros sentidos se aguçarem, prolongando a tortura.
Por algum tempo ele pensou ter conseguido superar Sakura quase completamente, mas naquele momento, naquela situação, ele percebeu que estava um pouco longe disso acontecer agora. Ela estava se aproximando de livre e espontânea vontade, oferecendo sua amizade sem restrições, dizendo abertamente que o queria por perto, que não o afastaria, e era muito difícil não se sentir atraído por ela.
Era quase impossível não ficar confuso com as coisas que ela tinha dito, ou com a sensação do corpo dela contra o dele, suave, ou com a respiração quente ao lado de seu ouvido fazendo sua pele formigar um pouco, com o contato das mãos delicadas, uma em sua nuca e a outra na base de suas costas, e com a percepção de que eles respiravam no mesmo ritmo, lentamente.
O queixo de Sakura estava enganchado em seu ombro e seus troncos estavam colados pela metade, atrapalhados pelas pernas entre eles. Naruto não sabia se queria que as pernas parassem de ficar no caminho ou se torcia para mais pernas surgirem no intuito de afastá-los pelo bem de sua sanidade.
Quando Sakura moveu um pouco as mãos nas costas largas, ele sentiu o corpo esquentar e suprimiu o arrepio que ela provocou ao espirar na pele dele. Sem perceber que fazia isso, Naruto levou em resposta a outra mão para a cintura dela. Sakura pareceu estremecer de leve e se aproximou mais.
A impressão de que estava rodando com mais força atingiu Naruto, o som lá fora e a algazarra de vozes ficando cada vez mais distante, porque seus sentidos estavam totalmente focados nas mínimas reações de Sakura e na percepção de seus corpos um contra o outro, em como a curva de sua cintura era suave sob a mão dele, na sensação do toque dela vagando timidamente pelos músculos de suas costas e na respiração lenta dela.
Ele subiu um pouco a mão em sua cintura e pensou ter ouvido um suspiro mínimo que fez os músculos dele tensionarem. Se ele virasse a cabeça para o lado, poderia beijá-la, e sinceramente pensou em fazer isso.
Sakura estava ali, abraçada nele, jogando seu hálito quente no ombro de sua camisa, misturando seus perfumes, acariciando suas costas, quer dizer, pelo amor de Deus! Não é possível que o que ele estava vendo ali não era pelo menos minimamente real. Sakura era sua amiga de anos, sabia que ele gostava dela, o conhecia bem o suficiente para imaginar pelo menos um pouco do que estava passando na cabeça dele agora...
Ou ele era um completo idiota e estava quebrando a confiança que Sakura tinha colocado nele naquele momento. Se não era nada disso que imaginava, ela estava confiando nas suas boas intenções, e a única coisa que Naruto estava fazendo era ameaçando o relacionamento deles para achar uma brecha, correndo o risco de deixá-la desconfortável com a investida.
Ela tinha dado mais um passo na amizade, se deixando aproximar, só para Naruto provar que ela não devia ter feito isso, porque ele era burro e estava confundindo tudo. Aliás, ela sempre tinha amado outra pessoa, e por mais que Sasuke demonstrasse não querer absolutamente nada com ela, era como se estivesse traindo a amizade de ambos.
Naruto sentiu ela se mover um pouco, tentando chegar mais perto ainda, e se perguntou quando tinha fechado seus olhos. Então, tão rápido quanto ele tinha entrado nesse estado de transe, ele se forçou a sair.
Naruto a soltou cuidadosamente, e Sakura também parecia fora do ar, provavelmente por causa da bebida, pensou ele. Não tinha como saber por quanto tempo estavam abraçados, mas ele tinha certeza de que ela não ficaria daquele jeito com ele por mais de um minuto, amigos próximos ou não.
Ainda assim, o ar pareceu frio em sua pele quando o contato do corpo quente dela se foi. Um arrepio subiu por sua espinha com a sensação da perda do calor. Naruto pigarreou e a olhou sem graça antes de se levantar cambaleante. Ela parecia ainda estar processando a distância que foi colocada entre eles há alguns segundos, porque estava parada quase na mesma posição que ele a deixou.
“Ei, Sakura-chan, quer... alguma coisa? Mais batida? Eu vou buscar pra você.” A voz dele estava rouca e falhou um pouco.
Entretanto, Sakura se levantou também e pegou o próprio copo nas mãos. “Não, não precisa, eu... vou lá ficar com a Ino. De qualquer forma, feliz aniversário, Naruto. Você se tornou um homem realmente... muito decente.”, ela o lançou um sorriso carinhoso antes de se aproximar e ficar na ponta dos pés para lhe pousar um beijinho delicado no rosto, apertando seu braço para não perder o equilíbrio.
Naruto murmurou alguma coisa que nem ele entendeu como resposta e ela se afastou, saindo para o quintal barulhento. O local onde ela tinha o beijado parecia pesar na bochecha de Naruto e sua blusa agora cheirava ao perfume dela. Em câmera lenta, pegou sua jarra e encheu o copo mais uma vez, sem prestar muita atenção em nada.
Caminhando vagarosamente até o deck como se o mundo tivesse desacelerado, ele parou, totalmente perdido enquanto olhava os convidados. Naruto respirou fundo e chegou à conclusão de que com certeza não estava bêbado o suficiente.
Notes:
Ora, ora! Finalmente Sakura fez seu movimento e Naruto... NÃO ENTENDEU NADA. Frustrante, eu sei, mas sabemos que ele pode ser pouco perceptivo com essas coisas, não é?
Com isso, podemos perceber pra onde tudo está caminhando, heim? Mas se acalmem e não desistam de mim! Não sou uma adepta do shipp NaruSaku, mas nessa fic esse arco vai ser muito importante para a evolução de Naruto até chegar o nosso lindíssimo Sasuke (ao invés de aparecer esporadicamente parecendo uma múmia).É isso pra hoje. Ah, eu vou tentar postar um capítulo por semana porque minhas betas estão um pouquinho atrasadas e eu prefiro não postar capítulos não betados :/
Mas é isso, obrigada a quem ainda está lendo, essa é uma fic muito especial pra mim e eu estou colocando todo meu amor aqui apesar de ter certeza que ninguém está lendo hahahahaha
Chapter Text
Um grunhido baixo se perdeu entre as paredes brancas manchadas do aposento e uma cabeça loira subiu no ar, um fio de baba conectando a fronha amarela e os lábios de Naruto, cujas pernas estavam metade para fora da cama.
Os movimentos espirais que o mundo inteiro bailava o fez tombar de novo em cima da poça de saliva no travesseiro, molhando a bochecha morena. Outro grunhido, dessa vez de nojo, escapou dele antes de rolar na cama para se afastar da baba e cair com um baque seco no chão de madeira clara.
Sua cabeça, que já estava infinitamente mais pesada do que o normal, deu uma fisgada dolorosa quando se chocou com o móvel de cabeceira e seu estômago revirou violentamente. Naruto tentou se levantar, mas como o chão parecia se mover sob seu corpo, ele se viu obrigado a engatinhar sem dignidade alguma para o banheiro, segurando a ânsia que chacoalhava as paredes de seu estômago.
Foi preciso parar alguns momentos e respirar fundo para não derramar pela casa tudo que tinha ingerido antes, mas a cabeça tombada para a frente ao tentar engatinhar vergonhosamente até a privada, dificultou. Conforme deslizava com as mãos nas tábuas de madeira, a ânsia o obrigou a escorar o ombro no batente da porta pintado de verde, arfando para o chão, e ele fez os últimos movimentos cambaleantes. Entretanto, o vômito veio sem aviso e se derramou em frente à privada.
Soltando uma exclamação indignada, o jovem deu a volta na poça nojenta e enfiou a cara no vaso para despejar o resto lá dentro. Seus dedos agarravam as bordas de louça como um bote salva-vidas. Maldita “amarela extra forte” ou o que quer que fosse o nome daquela merda; maldito Inuzuka, dog-boy dos infernos. Se Kiba desse as caras ali hoje, ele ia se ver do avesso.
Enquanto amaldiçoava o mundo mentalmente e praguejava por sequer cogitar confiar em qualquer coisa que viesse do amigo relacionado a festas e bebidas, Naruto ficou ali, colocando para fora tudo que tinha bebido ou comido na noite anterior. Não que ele se lembrasse de muita coisa — depois da conversa com Sakura e de uma troca de ideias amigável com Neji e Sai, a noite tinha sido um borrão caótico, principalmente porque Kiba não deixou seu copo esvaziar além da metade.
Ele sequer sabia quando a festa tinha acabado, se comeu bolo, cantou parabéns ou como tinha chegado em casa. Aliás, ele não sabia nem que horas eram agora, nem se sobreviveria à tontura em que se encontrava — era como se seu corpo estivesse realmente rodopiando no espaço desgovernadamente.
Naruto se perguntou se Kurama não deveria curar essas coisas também. A risada irônica da Raposa ecoou em sua cabeça, indicando que a Kyuubi estava ciente da situação.
“Bola de pêlos imprestável.” resmungou ele para a porcelana, voltando a se inclinar sobre ela.
Naruto ficou pelo menos mais duas horas ali até conseguir acalmar seu estômago e parar de rodar o suficiente para firmar os dois pés no chão. Ele percebeu que sequer tinha tirado os sapatos quando foi dormir, muito menos trocado de roupa.
Um suspiro longo foi dado antes dele se escorar na pia, se endireitar e cambalear até a pequena lavanderia ao lado do banheiro para pegar um pano de chão. Arquejando pelo esforço de se agachar novamente, Naruto limpou a sujeira em frente à privada com dificuldade, enxaguou o pano, torceu e o pendurou.
Despindo-se de qualquer jeito, ele enfiou as roupas dentro do cesto, seu corpo se apoiando nas paredes azulejadas frias. Naruto entrou no chuveiro e se enfiou embaixo de um jato de água geladíssimo.
Ele ainda se sentia completamente fora de órbita, mas pelo menos agora conseguia ficar sobre os dois pés como um ser humano e um ninja decente, mesmo que precisasse do apoio da parede para tal proeza fantástica. Se Tsunade o visse daquele jeito, ela lhe daria um soco que com certeza faria Naruto ficar inconsciente no chão pelos próximos dois dias.
Finalmente se dando por vencido, sentou na banheira e tampou o ralo. Ele encostou a nuca na porcelana fria e tombou a cabeça para trás, relaxando enquanto esperava a tina encher até cobrir todo seu corpo. Depois, desligou a torneira e esfregou os cabelos loiros com o shampoo de camomila que ele usava desde que se entendia por gente.
Mergulhando para enxaguar os fios, Naruto voltou a deitar a cabeça na quina da banheira, porque se enfiar na água tinha despertado um pouco da ânsia que sentia antes. Ele não podia nem fechar a merda dos olhos agora, com a zonzeira que voltou com força. Seu corpo estava simplesmente fazendo um motim contra ele.
Naruto se manteve parado até a náusea passar e ele ter capacidade de fechar os olhos contra a luz que entrava pelo basculante do banheiro, descansando o antebraço sobre as pálpebras pesadas. Seu cérebro parecia grande demais para o seu crânio, pulsava e fazia Naruto gemer em protesto a tantas sensações horríveis que aconteciam ao mesmo tempo.
Ele só acordou quase três horas depois, quando seu braço escorregou de seu rosto e bateu na quina de louça, produzindo uma dor ardida em seu cotovelo. Naruto se sentou assustado enquanto massageava o ponto dolorido com os dedos enrugados e olhou ao redor, perdido ao perceber que tinha caído no sono. A luz que entrava pelo vitrô indicava que o sol já tinha se despedido.
Focando nas sensações de seu corpo, notou que o enjoo e a tontura já tinham sido quase completamente dissipados. Apoiando-se nas beiradas da tina, ele se colocou de pé com cuidado e liberou o ralo, esvaziando-a. Ligou novamente a ducha e terminou seu banho, finalizando a lavagem no cabelo e se enxaguando, depois se enrolando na toalha e trocando de roupa no quarto.
O relógio de cabeceira, que tinha tombado quando Naruto bateu a cabeça no móvel, lhe indicou que eram quase sete horas da noite, o que significava que ele tinha perdido todo o domingo para aquela ressaca infernal que Kiba tinha lhe dado de presente.
Quando ele terminou de vestir o short, seu estômago chamou sua atenção com um ronco insistente, levando Naruto até a cozinha. Um sorriso iluminou seu rosto ao notar a enorme pilha dos presentes que ele tinha ganhado na noite anterior ao lado da porta de entrada.
Ignorando totalmente a fome, ele se sentou ao lado dos pacotes como uma criança no dia de natal. Naruto nunca tinha ganhado tantos presentes de uma vez, ainda mais no seu aniversário. Seus olhos azuis-topázio brilhavam infantilmente conforme o adolescente desembrulhava tudo com esmero, exclamando com animação a cada coisa que via.
Fazia tempo que ele não se sentia tão querido pelas pessoas como naqueles dois dias. Naruto entendeu porque parecia ter mais coisas do que antes ali — sabe-se Deus lá como, junto com os presentes dados por seus amigos, também haviam pacotes dados por pessoas que não compareceram à sua festa. Até Gaara, Temari e Kankuro enviaram uma enorme cesta cheia de doces típicos de Suna.
Kakashi lhe deu uma coleção de kunais idênticas às que o pai de Naruto usava, Gai o presenteou com um traje igual ao de Lee, mas na cor laranja, e Iruka tinha escolhido um jogo de toalhas e roupas de cama azuis-claras (Naruto agradeceu mentalmente, porque as que tinha estavam todas velhas).
Baa-chan tinha provavelmente tirado da própria coleção um vidrinho com raras pílulas de genjutsu para dar à ele e Konohamaru enviou um estojo preto muito bonito contendo duas lâminas de chakra idênticas às que Shika tinha herdado de Asuma.
Seus amigos também foram generosos: Ino lhe deu um vale de uma loja famosa em Konoha. Chouji, Shika e Kiba se juntaram para o presentear com um jantar para seis pessoas em um dos melhores restaurantes da cidade (havia um bilhete dizendo que eles esperariam o convite de Naruto).
Lee escolheu um jogo de shurikens, Tenten comprou uma bolsa de armas em couro reforçado e Neji o surpreendeu com uma espada ninjato de qualidade superior e toda trabalhada em aço preto.
Hinata encomendou duas yukatas de seda (uma preta e a outra branca) com o redemoinho vermelho do clã Uzumaki bordado nas costas. Sai lhe deu uma camisa azul escura e uma em um tom laranja queimado que pareciam caras, ambas de algum tecido que brilhava levemente, e Sakura comprou um lindo traje ninja igual ao que ele tinha (mas preto e cinza). Ser um Shinobi e fazer aniversário aparentemente era uma excelente forma de ganhar novos equipamentos.
Ele juntou os presentes com cuidado, guardando tudo nos devidos lugares com um sorriso genuíno e permanente. Sua barriga rosnou novamente, pedindo comida e Naruto decidiu que não queria comer sozinho em casa.
Ele abriu as janelas do quarto para o ar correr enquanto estivesse fora e se vestiu casualmente, bagunçando os cabelos e pegando a conhecida bolsa de sapinho que ele deixava em cima da cômoda. Ele precisava urgentemente comprar uma nova.
Ainda era pouco mais de sete e meia, então Naruto não ficou surpreso com o grande movimento nas ruas, ainda mais por ser domingo — os moradores passeavam entre as lojas e haviam mesas cheias na frente dos bares e lanchonetes . Konoha era uma vila muito viva na maior parte do tempo, e essa era uma das coisas que ele mais gostava dali. As pessoas se conheciam, os vizinhos se ajudavam, e depois da guerra isso ficou ainda mais evidente.
As pessoas agora confiavam mais umas nas outras, se tornaram mais solidárias, e Naruto tinha muito orgulho de ter ajudado nisso e na integração entre as vilas espalhadas pelo mundo. Várias das missões das quais ele tinha participado naquele ano tinham o intuito de estreitar os laços entre os países ou de manter os relacionamentos já estabelecidos.
Ver que as coisas podiam realmente ser desse jeito, que as pessoas de todos os lugares podiam viver em integração sem a necessidade de medir forças constantemente e focando na boa convivência só o fez ter certeza de que queria se tornar Hokage um dia e perpetuar o mundo de hoje. Claro, ainda existia a violência, ainda haviam muitas pessoas mal intencionadas e as coisas estavam longe de ser perfeitas, mas apenas a amizade entre os Kages já tinha mudado muito a forma com que as coisas funcionavam.
Depois de lutarem juntos na guerra, os Kages honraram a União formada e continuaram agindo em prol da integração e da paz no mundo Shinobi. Eles mantinham contato frequentemente, agindo em conjunto quando aconteciam conflitos — antigamente os líderes atuavam com diplomacia entre si, mas só enquanto não se sentissem ameaçados, e não havia confiança alguma entre as nações.
Com a União Shinobi e a necessidade de lutarem juntos contra Madara, uma amizade muito forte foi formada entre eles. Isso perdurou, então, quando ocorrem conflitos entre os ninjas das vilas, as nações agem em união, buscando a paz mútua e o estreitamento da aliança entre elas.
Por isso, ver as crianças correndo nas ruas e as pessoas rindo na frente das casas tinha um significado totalmente novo para Naruto — aquela era a utopia que conseguiram alcançar, e era evidente o quanto os líderes davam prioridade a ela. As pessoas tinham mudado bastante com ele também — Naruto não era mais expulso dos locais, não recebia mais tantos olhares tortos e xingamentos sussurrados quando entrava no mercado e vários aldeões até sorriam e acenavam para ele quando o viam. Alguns pediam autógrafos.
Obviamente ainda existiam muitas pessoas que não confiavam nele por ele ser um Jinchuuriki, mas sempre havia alguém para defendê-lo, caso quisessem o expulsar de uma loja ou xingá-lo. Sempre havia um ou outro que ia ao socorro dele, mesmo que Naruto não pedisse por isso.
Então, as poucas pessoas que o odiavam, hoje em dia se contentavam em lhe reservar um olhar de nojo ou raiva quando ele passava. E estes olhares, apesar de o deixarem chateado, sinceramente já não o incomodavam mais. Ele tinha passado por coisas muito piores quando era mais novo.
Naruto parou em frente ao Ichiraku e deu uma espiada para dentro. Estava muito movimentado, mas ele não viu nenhum de seus amigos ali, e ele não queria ficar sozinho. Apesar de ter desejado a própria morte mais cedo por causa de sua ressaca, ele estava muito feliz depois de ter ganhado tantos presentes atenciosos. Naruto olhou para os lados na rua iluminada pelas luzes alaranjadas antes de decidir ir até o hospital — Sakura provavelmente ainda estaria lá, então eles poderiam comer juntos quando ela terminasse de trabalhar.
Com sorte, a conversa da noite anterior com a amiga significava que Sakura não ficaria mais receosa de jantar com ele, afinal, eles já tinham feito isso há algumas semanas. Ela também não parecia muito preocupada com o que os outros pensariam quando entrou em uma sala escura com ele na festa.
A terra seca da rua fazia poeira enquanto ele andava a caminho do Hospital de Konohagakure, e as vozes das pessoas foram morrendo conforme ele se distanciava da parte comercial da vila. A sala de espera da recepção do hospital estava praticamente vazia e duas recepcionistas conversavam no balcão de entrada.
Naruto se dirigiu até lá com um sorriso que foi retribuído por uma das funcionárias. A outra o olhou da cabeça aos pés com animosidade antes de lhe dar as costas e fingir organizar a papelada de uma gaveta.
A garota simpática ligou para Sakura assim que Naruto explicou porque estava ali, pedindo para ele aguardar alguns momentos. Murmurando um “obrigado”, ele se voltou para uma das várias cadeiras vazias.
Uma criança sentada a alguns metros pareceu notá-lo, colocando um belo par de olhos cor de mel sobre Naruto e acenando com animação, sorrindo mais ainda quando foi retribuído. Entretanto, a mãe não gostou disso e fez um sinal para o garoto parar, encarando Naruto com a mesma atitude da outra recepcionista. Naruto desviou o olhar, desanimado, e cutucou uma cutícula esperando Sakura, que apareceu cerca de vinte minutos depois.
“Naruto!” Sakura parecia cansada, mas abriu as portas duplas com animação. A bolsa vermelha que ela carregava parecia uma mancha de sangue contra a roupa branca do hospital. Seu cabelo rosa estava lindamente puxado em um rabo de cavalo e alguns fios soltos emolduravam o rosto delicado. “Me desculpe ter feito você esperar, é que meu horário de saída é agora às oito, então eu estava me preparando para sair.”, explicou, parando diante dele.
Naruto parecia bem e claramente tinha tomado banho antes de ir vê-la, a julgar pelos cabelos úmidos espetados para todos os lados. Seu tom de pele moreno e os músculos de seus braços eram acentuados pela camiseta verde militar sem mangas que ele usava em conjunto com uma bermuda jeans.
O sorriso que ele ofereceu à amiga a deixou momentaneamente fascinada diante de tanta intensidade. Naruto era conhecido por estes sorrisos radiantes que afastavam até as nuvens mais escuras e que, mesmo sem saber, colocavam várias garotas em transe agora que ele estava mais velho e muito mais bonito. Mesmo Sakura, cuja maior parte dos dias de sua infância e adolescência tinham sido gastos ao lado de Naruto, não se acostumava com o quanto ele estava diferente em vários aspectos, principalmente físicos.
Ele tinha sido uma criança bem menor do que os outros colegas (inclusive, ela era maior do que Naruto nessa época, apesar de isso ter mudado depois) e seus olhos grandes pareciam deixar seu rosto mais redondo do que o normal. Mesmo no início de sua adolescência, por mais que seu físico tivesse se modificado, ele ainda era um pouco menor do que os outros.
Foi só naquele ano que Sakura tinha notado mudanças reais em Naruto, principalmente nos últimos meses — ele estava definitivamente mais alto, tendo alcançado pelo menos um metro e oitenta, sua massa muscular tinha aumentado um pouco e as várias horas que ele passou nos últimos meses treinando sob o sol, deram à pele dele uma tonalidade dourada brilhante e quente.
Tudo isso em conjunto com os olhos azuis-claros e cabelos loiros, sem falar do sorriso radiante que ele reservava a qualquer um que o observasse por tempo suficiente. Não era de se admirar o quanto ele tinha ficado popular entre as mulheres — e até entre alguns homens. Entretanto, Naruto era distraído demais para notar qualquer coisa sobre isso e com certeza não tinha nenhuma noção das mudanças que seu corpo sofreu nesse ínterim.
“Sem problema, Sakura-chan!”, disse ele se colocando de pé e a seguindo para fora com as mãos nos bolsos descontraidamente.
“E então, o que veio fazer aqui? Finalmente veio me ver?”, provocou ela. Quando chegaram na rua, a garota puxou o elástico dos cabelos em um movimento amplo e parou para ajeitá-los.
Os olhos azuis de Naruto ficaram presos no balanço das mechas ao redor do rosto delicado, vacilando momentaneamente. Com certeza os cabelos de Sakura estavam muito maiores, mesmo ele não tendo prestado tanta atenção nisso antes — agora eles batiam um pouco abaixo de seus ombros estreitos.
Notando o transe do amigo e o que o desencadeou, ela sorriu com um pouco de malícia, anotando mentalmente a informação. Naruto enrubesceu e desviou o olhar ao ver o sorriso dela. Ele demorou um pouco para registrar o que ela tinha dito por causa da distração, então sua resposta veio atrasada.
“Hããn... Sim! Na verdade eu estava indo comer, e como tinha prometido vir te ver algum dia, resolvi passar aqui antes. Você já jantou? Se... se você quiser, nós podemos chamar a Ino para ir com a gente.”, ele coçou a cabeça, incerto.
Nestes momentos de insegurança era como se Naruto voltasse a ser a criança de treze anos que foi apresentada a ela um dia. Chegava a ser até fofo. Sakura deu um meio sorriso, enganchando o braço no dele. Naruto arregalou os olhos por um momento e travou em pânico antes de se forçar a continuar andando ao lado da amiga. Sakura fingiu não perceber.
Nestas ocasiões ela se sentia culpada ao extremo, porque foram vários anos de uma recusa até agressiva contra as investidas de Naruto e isso com certeza tinha deixado várias marcas nele — física e emocionalmente — que se mostravam em situações como estas. Ela tinha certeza que já deu todos os sinais de que não iria mais afastá-lo, mas ainda assim o amigo preferia se proteger e ficar do outro lado da linha que ela tentava diluir a todo custo.
“Nah, já tive Ino demais por ontem.”, ela riu suavemente. “Onde nós dois vamos? Estou morta de fome. Que tal lamen?”, sugeriu, sabendo que era onde Naruto gostaria de ir mas não teria coragem de dizer.
O rosto dele se iluminou quando ele fez que sim e continuou andando. Sakura pareceu muito satisfeita, os olhos verdes cintilando para as íris azuis-índigo dele que iam e voltavam sobre o rosto dela de tempos em tempos.
Enquanto caminhavam em direção ao restaurante, ele também reservava discretamente alguns olhares nervosos para os braços entrelaçados. Ele não entendia muito bem o que estava acontecendo ali ainda e com certeza não sabia lidar com aquilo, mas tentava ao máximo agir naturalmente. Agora mesmo ele se perguntou se a garota percebia que eles pareciam um casal andando pela praça num domingo à noite, mas ele chutou que não, ou ela teria se afastado.
Pensou em se soltar do aperto dela, mas achou indelicado de sua parte e não queria interromper esta nova forma de amizade entre eles. Sim, amizade, porque por mais que ele visse coisas a mais ali, sabia que não era o caso. Ela estava apenas sendo uma boa amiga, se aproximando dele.
Afinal, fazia sentido eles serem assim depois de conviverem por tantos anos. Eles eram o que poderia ser chamado de “amigos íntimos”, não eram? Não tão íntimos quanto ele gostaria, mas era isso e pronto. Ele não cometeria o mesmo erro de antes ao tentar abrir caminho pelo relacionamento deles.
A alguns metros, Ino vinha na direção deles carregando um buquê de girassóis. Provavelmente ela estava fazendo uma entrega. Naruto pensou seriamente em se separar de Sakura agora, porque não queria que Ino visse os dois daquele jeito — provavelmente ela iria comentar algo e Sakura ficaria irritada ou perceberia que estavam muito próximos e as coisas iam ficar estranhas. Na melhor das hipóteses, ela apenas iria se juntar a eles hoje e roubar a atenção de Sakura como acontecia usualmente.
“Olá vocês dois!”, saudou a garota, os cabelos loiros e longos balançando em suas costas. Os olhos dela pousaram na mão de Sakura, enganchada firmemente na dobra do braço de Naruto. “Onde estão indo?”, perguntou. Naruto olhou meio de lado para sua acompanhante, sem saber o que responder.
“Naruto e eu vamos jantar.”, Sakura anunciou satisfeita, fechando um pouco mais o aperto no braço dele. Ele ficou surpreso com a resposta dela e corou sem saber porquê. “Acabei de sair do hospital.”
As duas amigas trocaram um olhar que Naruto não percebeu e Ino o observou da cabeça aos pés com curiosidade, analisando-o. Isso ele notou, o que o fez ficar ainda mais sem saber o que fazer ou o que ela procurava em sua avaliação. Entretanto, a garota pareceu encontrar alguma coisa satisfatória ali, porque sorriu em seguida para os dois.
"Ótimo, bom encontro então.”, a amiga provocou, dando uma piscadela para ambos. “A gente se vê!”
Até Sakura corou diante deste comentário, mas preferiu fingir que não tinha escutado e o puxou para continuarem, vermelhos como um casal de pimentas. Ela arriscou um vislumbre para o rosto de Naruto, que olhava para frente fixamente tentando agir com naturalidade mesmo que estivesse claramente em profundo desespero.
Ele estava completamente surpreso por vários motivos — primeiro porque Sakura não tinha dito nada diante do comentário; segundo porque ela não tinha se afastado dele diante do comentário; e terceiro porque ela sequer tinha se incomodado de corrigir Ino.
As coisas mudaram, sim, mas ele não tinha notado o quanto até vê-la não ter reação nenhuma diante disso. Ela não se importava de pensarem que eles estavam em um encontro? Será que ela achava que Naruto realmente tinha a convidado para um encontro? Pior ainda: eles estavam em um encontro e Naruto não sabia? Por um segundo a imagem de Sakura caindo em um genjutsu maligno ou sendo raptada e substituída por uma sósia passaram pela cabeça dele, porque eram as únicas explicações plausíveis para tudo isso.
Eles finalmente tinham chegado até o Ichiraku, que apesar de ter esvaziado um pouco, ainda estava cheio o suficiente para ter apenas duas mesas vazias. Sakura finalmente soltou o braço dele. O jovem considerou os dois únicos lugares onde poderiam se sentar, depois deu um sorrisinho tímido e tocou os ombros dela com delicadeza, a conduzindo para a mesa do canto onde estava menos barulhento. Sakura parecia realmente feliz enquanto se sentava na cadeira que ele tinha puxado para ela, não tirando os olhos do amigo.
Naruto se sentou na cadeira em frente, mexendo-se ansioso. Ele realmente não sabia por que as coisas precisavam ser tão estranhas, mas estava ainda mais alerta depois do episódio com a Ino. Era muito mais fácil lidar com Sakura antes, quando os limites eram bem definidos e ela não fazia questão alguma de ultrapassá-los como estava fazendo agora. Mulheres eram complicadas. Quer dizer, o que isso tudo significava? Que ele finalmente podia chamá-la pra sair?
Ele cortou essa linha de pensamento rapidamente, sabendo muito bem onde o levaria. Agora era o pior momento possível para ele especular as coisas sobre Sakura ou agir sobre isso. Chegou a conclusão de que deveria ver a situação estrategicamente, mas ele era péssimo nessas coisas. Por mais que ele não fosse mais tão denso sobre o estado emocional das pessoas como antes, Naruto ainda não era bom em perceber relacionamentos e sentimentos interpessoais. Normalmente ele chegava a conclusões erradas, ainda mais sobre Sakura.
Então Naruto decidiu ver isso do único ponto de vista que ele conseguia — taticamente. Era melhor do que nada. Ele sabia que Sakura não era um ninja inimigo com quem ele precisava lutar, mas sua linha de raciocínio parecia fazer sentido — Naruto sabia que quando estava diante de um ninja desconhecido sem saber sua índole, a melhor coisa era deixar ele fazer o primeiro movimento. Assim, poderia perceber não só sua intenção, mas descobrir suas habilidades e só assim decidir como prosseguir.
Portanto, deixar Sakura agir era a melhor coisa — em algum momento a gama de coisas novas na amizade deles se esgotaria, então ele finalmente poderia entender o novo limite entre eles. Naruto iria apenas retribuir tudo com o máximo de entusiasmo e dar toda a abertura possível, facilitando o que quer que fosse. Se ela não se incomodava com as coisas, ele também não deveria ficar preocupado... Não é?
O pigarro da garçonete o tirou de seu devaneio. A mulher parecia entediada, mas afinal, eram oito e meia de um domingo à noite e ela estava trabalhando, ele com certeza também estaria entediado.
Naruto sorriu e pediu seu kara missô lamen, ao que Sakura decidiu comer o mesmo. Ela não disse nada diante da distração de Naruto, mas o observava atentamente. Sakura sabia que uma das coisas que parecia ter mudado era o quanto o amigo parecia fechado e introspectivo às vezes — o novo Naruto era com certeza mais maduro e ela gostava disso, mas não pôde deixar de estranhar nas poucas vezes que ele agia assim.
Mesmo tendo amadurecido, ele ainda era leve e brincalhão na maior parte do tempo. Mas em alguns momentos, este novo Naruto que conseguia analisar as coisas um pouco melhor e, portanto, era parcialmente mais perceptivo, o fazia parecer realmente um homem. Ela não perdeu nenhum dos momentos em que isso aconteceu perto dela, notando o olhar obstinado e ponderado que aparecia em conjunto com o semblante sério.
Nestas ocasiões era quando Sakura mais gostava de observá-lo. Às vezes, de repente, uma chama queimava com determinação naqueles olhos absurdamente azuis e ela sabia que ele tinha tomado alguma decisão sobre o que quer que estivesse pensando. E era daquele jeito que Naruto tinha olhado para Sakura exatamente agora. Depois ele se suavizou, como sempre fazia, voltando a ser apenas um jovem de 18 anos.
“Saaakura-chan, eu abri seu presente hoje!”, o tom era animado e ele apoiou as bochechas nos punhos em cima da mesa, como uma criança. A amiga deu um sorriso largo idêntico ao dele, então ele continuou. “Eu realmente precisava de um traje novo, obrigado! É uma pena que a única coisa laranja que tenha nele seja o símbolo do meu clã, mas ele é muito bonito”.
“Eu nem devia ter colocado o símbolo do seu clã, mas sabia que você não usaria. Você é um Shinobi, e Shinobis precisam ser discretos, Naruto. Como você quer andar por aí parecendo uma cenoura?”, a garota provocou.
Naruto devolveu uma careta. “Ah, vamos, o que eu comprei por último tinha bem mais preto do que antes, só a calça era laranja!”, indignou-se, mas riu. “E eu fico tão mal assim?”, ele fez um beicinho.
“Na verdade, não, você fica muito bonito de laranja.” As bochechas dela atingiram um tom rosado claro para combinar com os cabelos. Naruto ficou satisfeitíssimo com o elogio. “Mas não é esse o ponto, o ponto é que você é um ninja, então precisa ter pelo menos uma roupa discreta para fazer missões. Como eu sabia que você não tinha, resolvi te dar uma. Não seja mal-agradecido!”
“Nah, Sakura-chan, eu não estou sendo mal-agradecido. Eu gostei muito e me serviu muito bem, obrigada.”, ele bagunçou os cabelos em um gesto distraído. Como ela não desviou o olhar, ele sentiu necessidade de continuar falando. “Bom, e como você está?”
“Estou bem. Cansada, mas bem.”, o suspiro dela foi pesado. “Eu sei que escolhi tudo isso, o hospital, me afastar das missões como Kunoichi para focar no meu projeto... Mas parece que eu não tenho mais vida, sabe? Eu me sinto meio sozinha. Só saio de casa para ir trabalhar e nos dias que eu tenho de folga, fico lendo várias coisas relacionadas à saúde mental... Ainda é um assunto muito pouco abordado, e mesmo que Tsunade-sama tenha pedido qualquer material sobre isso para os outros países, os dados são incertos e escassos. Por incrível que pareça, quem mais tem me ajudado é Ino, por causa dos jutsus mentais que ela sabe e das coisas que aprendeu com o pai dela. Quer dizer, é claro que as técnicas da família dela não são usadas para fins de cura psicológica ou algo assim, mas ela sabe como a mente das pessoas funciona e me explicou várias coisas que o pai dela ensinou. Eles têm uma biblioteca enorme cheia de informações sobre a mente e como ela é estruturada, apesar dela afirmar que cada pessoa tem uma forma de organização mental. É um tema muito interessante, mas cansativo. Ontem mesmo eu... Ah, me desculpe.”, ela riu chacoalhando a cabeça. “Estou falando sem parar.”
Sakura revirou os olhos para si mesma, com humor. Ele, entretanto, deu um sorriso apaziguador e tranquilo, inclinando-se mais e se ajeitando na cadeira de plástico.
“Não, tudo bem.”, ele falou suavemente com o rosto meio inclinado na mão. “É um assunto interessante de ouvir. Fico feliz de te ver entusiasmada assim, apesar de você estar cansada. Vai valer a pena, dá para perceber o quando você está sendo cuidadosa com tudo isso. Além do mais, é a primeira vez desde criança que ouço você falar tanto sobre algo que não seja-”, ele se forçou a parar de falar e prendeu a respiração, encarando Sakura meio em alerta. Naruto se amaldiçoou por dizer coisas sem pensar.
“O que?”, indagou a amiga, erguendo as sobrancelhas.
Naruto se mostrou apreensivo. Ela tinha uma vaga ideia de como ele ia terminar aquela frase, e era uma ótima forma dela abordar o assunto, mas a situação foi interrompida pela garçonete, que colocou uma vasilha na frente de cada. Eles agradeceram e Naruto começou a comer rapidamente, tentando impedir que o assunto continuasse.
Os olhos de Sakura eram atentos sobre ele enquanto jantavam, mas não tinham indícios de raiva. Naruto deu graças a Deus por ela aparentemente não entender para onde estava indo a conversa. Não era hora. Talvez nunca fosse a hora. Eles ainda não tinham falado muito sobre isso e era melhor assim. Era melhor aquele assunto continuar como um tabu entre eles e entre todos os outros, porque diferente de antes, Naruto não queria falar sobre.
E ele principalmente não queria saber o que Sakura tinha para dizer a respeito disso. Ele sabia que não ia aguentar, ainda mais se a reação dela fosse o de derramar lágrimas, ou de tentar consolá-lo. Eles comeram em silêncio, uma atmosfera estranha pairando entre os dois, mas diferente de Naruto, que evitava os olhos verdes atentos, Sakura ainda o observava. E ele estava muito ciente disso.
Naruto se arrastou para comer, mesmo ele sendo o primeiro a terminar em todas as vezes. Se sua boca estivesse ocupada, ela não tentaria retomar o tópico. Ele precisava pensar em uma desculpa ou em uma palavra diferente para quando Sakura perguntasse, porque não havia dúvida que ela ia. Naruto se amaldiçoou profundamente enquanto terminava de comer depois de muito tempo e colocava os hashis de lado.
“Sasuke.”, disse Sakura. Direta e reta, sem chances para camuflagens. Naruto quase engasgou com a saliva, subindo o olhar lentamente para encontrar o dela como se estivesse se preparando para encarar a morte.
Deu para ver nitidamente seu pomo de adão subindo e descendo com a engolida em seco que ele deu. Naruto respirou fundo uma, duas vezes, e abriu a boca para falar, sem graça.
“Sinto muito.”, ele murmurou apreensivo. A mão coçou o pescoço nervosamente.
“Não tem porque sentir muito. É verdade, eu falava muito sobre Sasuke.”, ela era categórica, mas suave.
Ainda assim, o monstrinho instalado no estômago de Naruto deu as caras e chacoalhou seus órgãos dolorosamente. Doía pensar em Sasuke, mas doía mais ainda ouvir o nome dele. Ainda mais da boca de Sakura, mesmo ele não sabendo exatamente por quê. Ele não sabia se estava preparado para o que ela diria.
E ele com certeza não suportaria se a garota pedisse mais uma vez para Naruto trazê-lo de volta, porque dessa vez era diferente — dessa vez Sasuke tinha uma razão muito compreensível para o que estava fazendo e com certeza estava muito são das ideias.
Nada o traria de volta enquanto ele não quisesse voltar, e Naruto sabia disso. E ele também sabia de alguma forma que as chances de Sasuke um dia voltar para Konoha eram muito baixas.
Ele tinha aceitado fazer missões perigosas para a vila, mas ainda não gostava dali — e, com razão, ainda tinha rancor contra o conselho. Naruto mastigou a língua e não respondeu, indicando para Sakura que o melhor a fazer era mudar de assunto. Entretanto, ela continuou.
“Como você está sobre isso? Nunca conversamos muito sobre Sasuke depois que ele foi embora.” Sakura parecia determinada.
Cada vez que ele ouvia aquele nome o estômago de Naruto se apertava. Ele percebeu que teria que passar por aquele assunto se quisesse que as coisas corressem bem.
“Não há muito a ser falado. Ele nunca esteve realmente aqui há anos, então não é como se tivesse mudado muita coisa.”, mentiu Naruto. “E você?”
Ele se forçou a devolver a pergunta, mas não queria realmente saber. Não que ele não se importasse; pelo contrário, ele se importava tanto que preferia fugir do assunto. Sakura notou o quanto os olhos dele, antes abertos e quentes, tinham esfriado e se endurecido.
Ela se forçou a continuar, porque precisava conversar sobre isso, por mais que ele estivesse agindo até friamente agora. Sakura sabia que aquele olhar não era totalmente direcionado à ela, embora provavelmente em parte, fosse.
“Entendo. Eu estou bem sobre isso. Eu fiquei mais preocupada sobre como você estava lidando. Na verdade eu fiz uma pergunta idiota, porque é óbvio que você não está bem sobre isso, mesmo dizendo que sim. Mas você sabe que pode falar comigo sobre isso, não sabe? Eu odeio pensar que você está se fechando sobre Sasuke... Odeio pensar que está lidando com isso sozinho.”, ela esticou a mão e colocou sobre a dele, ao lado da vasilha de louça branca, apertando-a delicadamente. O olhar que ele lançou para os dedos dela sobre os dele era tão triste que Sakura teve vontade de abraçá-lo, mas no momento seguinte Naruto voltou ao normal, como se nunca tivesse acontecido.
“Eu... não sei o que dizer, sinto muito, Sakura.”, sua voz não tinha inflexão.
Ela registrou a falta do honorífico que ele sempre usava sem necessidade. Aparentemente ela tinha ultrapassado alguma fronteira que não sabia que existia. A amiga suspirou para a mesa e fez menção de puxar sua mão de volta, mas Naruto girou o pulso e pegou os dedos dela. O coração da garota deu um pulo antes dela olhar para cima procurando os olhos azuis. Eles tinham voltado ao tom original e estavam mais brandos.
“Me desculpe.”, Naruto murmurou com suavidade. “Eu só não sei se consigo falar sobre isso agora. Me dê mais algum tempo.” Ele parecia novamente o homem mais velho que a fascinava, mas nunca tinha o visto tão cansado. Sakura fez que sim e ele soltou sua mão gentilmente. “Vamos, vou te levar até sua casa. Já está tarde para você andar sozinha.”
Naruto se levantou e caminhou até o balcão, jogando uma nota para Teuchi. Sakura pegou a carteira e colocou a bolsa no ombro, saindo da mesa e indo até lá pronta para protestar e pagar a parte dela. Naruto apenas deu um tchauzinho para os donos antes de a direcionar para fora, as duas mãos grandes uma em cada ombro dela, empurrando Sakura para a porta.
“É a segunda vez que você paga, Naruto.”, ralhou a amiga, cruzando os braços quando estavam na rua.
Naruto riu. “Deixa disso, eu te convidei.”
Apesar do medo de ser rejeitado, ele ofereceu o braço dobrado à ela. Sakura sorriu com o gesto e enganchou a mão pequena lá novamente, permitindo que o amigo relaxasse. Ele acompanhou a marcha mais lenta que o normal de Sakura, ainda meio inseguro com o que dizer.
Foi uma noite boa, apesar de tudo. Ele ainda preferia não ter nem ouvido o nome de Sasuke, ainda mais depois dele ter ignorado completamente seu aniversário, mas tinha conseguido jantar com Sakura.
E ela estava ali, de braços dados com Naruto agora. Ela não tinha corrigido Ino quando a palavra “encontro” foi dita, e tinha o deixado segurar a mão dela na mesa, por mais que fosse por empatia à dor que ela sabia que Naruto sentia.
Dessa vez seu coração e seu cérebro se juntaram contra ele, dizendo que talvez houvesse alguma chance mínima de Sakura retribuir seus sentimentos em algum momento. Talvez não agora, mas quem sabe em breve, se as coisas continuassem fluindo assim? Ele poderia apenas continuar arrumando brechas para as coisas acontecerem. Ela não terminaria a amizade deles caso ele fosse além do permitido, afinal, Naruto tinha feito isso várias vezes quando eram mais novos e ela permaneceu ali, mesmo brava.
Sem falar que a própria Sakura tinha dito de certa forma que não iria mais bater nele ou afastá-lo como antes. Se ela não gostasse da forma como as coisas iam, ele podia muito bem se desculpar e tudo voltaria ao normal em breve, como sempre, ou assim ele esperava.
Naruto tinha gostado dela por tempo demais, e mesmo não querendo admitir, seus sentimentos tinham voltado à todo vapor depois da noite anterior e de hoje. Sakura o abraçou por vários minutos ontem, o elogiou várias vezes, o tocava o tempo todo quando estavam perto...
O problema de Naruto era que ele nunca tinha sido sutil sobre as coisas com ela. Isso não era esperto — se ele conseguisse fazer tudo aos poucos, agindo de maneira mais comedida e despretensiosa, as coisas tinham mais chance de dar certo. Sakura não era nem um pouco idiota, ela provavelmente sabia que os sentimentos dele não tinham desaparecido, mesmo que tivesse parado de dar em cima dela há muitos anos.
Como que para testar sua nova estratégia, Naruto colocou sua outra mão sobre a dela, que estava aninhada na dobra de seu braço. Sakura levantou a cabeça e o fitou por um segundo, depois deu um sorrisinho, apertando o braço dele mais um pouco.
Sakura se mostrou muito contente com o pequeno gesto e prendeu um pouco a respiração quando sentiu os dedos dele sobre os dela. Ele a surpreendeu com isso, pois estava muito relutante sobre tudo até então. Naruto estava apreensivo quando seus olhos se prenderam por um momento, mas quando ela sorriu, ele relaxou.
Ela nunca teve o costume de tocá-lo, então descobrir que Naruto estava sempre com a temperatura corporal alta foi algo que a agradou. Mesmo agora, que já estava um pouco tarde e, portanto, meio frio, ele ainda era quente. Em contraste com a maciez da pele de Naruto, suas mãos grandes, apesar de não serem grosseiras, eram um pouco ásperas provavelmente por sua profissão. Era surpreendente como mãos tão fortes podiam ser tão cuidadosas.
Gostar de Naruto estava se tornando cada vez mais fácil e inevitável. Tinha sido difícil para ela desistir de Sasuke, mas foi a coisa certa a fazer. Ele nunca tinha gostado dela. Ele tinha a protegido, sim, mas eles não eram realmente próximos. Eles eram colegas de time e a fixação de Sakura por Sasuke tinha o afastado. A garota sabia que a culpa era dela. Mas de qualquer forma, ele logo se foi, e eles não tinham trocado muitas palavras quando ele voltou.
Sakura pediu para ir com Sasuke em sua viagem, mas foi rejeitada. Ele tinha sido educado com ela quando a recusou, mas ainda assim foi embora sem olhar para trás. Ela sabia que não podia viver focada em alguém que não correspondia aos seus sentimentos e, inclusive, que nem estava ali fisicamente por tanto tempo. Sim, tirá-lo de seu sistema tinha sido difícil e doloroso, mas não era impossível e logo ela conseguiria deixá-lo para trás de uma vez por todas.
Talvez quando Sasuke voltasse, eles pudessem ser bons amigos como ela imaginou que fosse o intuito dele quando crianças. Todos estariam felizes assim — Naruto sempre tinha gostado dela e dar uma chance à ele tinha sido a melhor coisa que ela já tinha feito até então.
Ela era idiota demais para ver as qualidades de Naruto antes, e Sakura realmente se arrependia. Ao longo dos últimos meses, ela tinha começado a se sentir confusa sobre ele, principalmente nas últimas missões que fizeram juntos.
Ele sempre estava com a guarda alta ao redor dela pronto para protegê-la, mas nunca subestimava suas habilidades como Kunoichi e nunca tinha interferido em nenhuma de suas lutas, apesar dela saber que Naruto estava ciente de tudo que acontecia com ela caso precisasse intervir. Ele tinha cuidado dela como sempre, tinha conversado, brincado e convivido ao seu lado do mesmo jeito de antes, mas alguma coisa começou a parecer diferente. Ela começou a vê-lo diferente.
Sakura assistiu cada pequeno gesto de afeição e cuidado que Naruto direcionava a ela, percebeu o quanto ele a acalmava, o quanto estava mais sereno e seguro de si, mais paciente. E foram estas pequenas coisas que a confundiram cada vez mais, mesmo que Sasuke ainda estivesse em seu coração.
A garota não queria magoar Naruto de forma alguma, ou usá-lo de substituto porque “era o que tinha”, por isso Sakura apenas tentou deixar para lá. Doía pensar na possibilidade de machucá-lo, então ela tinha ponderado bastante sobre o que fazer. Sobre se realmente ela tinha as intenções corretas. Sobre a melhor forma de agir sobre isso.
E sinceramente, tudo estava correndo maravilhosamente bem. Ela tinha cada vez mais certeza do quanto Naruto era incrível com ela e de como cada vez mais ele a fazia sorrir. Ele a respeitava e demonstrava tanto carinho por ela. Era amável, compreensivo, engraçado, e eles estavam se dando muito bem juntos. Sakura percebeu que as brigas entre eles, normalmente vinham das reações que tinha, e não do que Naruto fazia. O amigo sempre tentou fazer o melhor por ela, mesmo que às vezes saísse de um jeito meio torto.
Naruto olhou para ela mais uma vez e ela segurou os olhos azuis nos seus. Eles estavam quase chegando na frente da porta da casa dela. O sorriso dele produziu ruguinhas no canto dos olhos. Os dois deram os últimos passos em direção à luz que vinha da varanda dela e pararam. Hesitante, Sakura o soltou, sentindo falta do calor do corpo dele ao lado do dela.
“Prontinho, está entregue!”, Naruto exclamou.
Ela umedeceu os lábios e tirou a franja dos olhos, colocando-a atrás da orelha. “Naruto, eu... queria te dizer uma coisa.”, Sakura anunciou. Ele colocou toda sua atenção na amiga. “Eu estava pensando no que você disse no restaurante... sobre Sasuke.”, a garota ruborizou. Os ombros de Naruto ficaram tensos, mas ele não quebrou o contato visual. “E... eu só queria deixar claro que não sinto por ele o que eu sentia antes.”
A sentença dela veio em um sopro firme. Naruto piscou e juntou as sobrancelhas minimamente, tentando perceber se ele tinha ouvido certo. Ele não sabia bem como responder a isso, porque tinha sido repentino demais. Sakura notou a hesitação dele.
“Você...”, ele começou, mas a amiga o cortou para explicar. Talvez ela devesse ter esperado para revelar isso, mas não via o porquê.
“Eu só... senti a necessidade de falar. Não é nada demais, só queria esclarecer isso.”, ela olhou para os pés, balançando-se um pouco sobre eles enquanto apertava a alça da bolsa.
O coração de Naruto se acelerou com essa informação. Isso significava que... ela não amava mais Sasuke, a quem ela perseguiu desde sempre? Que Sakura podia reconhecer seus sentimentos agora? Que ela... tinha encontrado outra pessoa para substituí-lo?
Ele apertou um pouco os lábios um contra o outro. E se tudo isso fosse sobre Sakura lhe dar uma notícia que sabia que iria magoá-lo? Talvez ela estivesse agindo desse jeito com Naruto porque sabia de seus sentimentos, mas mesmo sem Sasuke entre eles, ela tinha encontrado outra pessoa. E estava sendo legal porque precisava contar isso agora. De qualquer forma, Sakura não era o tipo de garota que o machucaria intencionalmente, disso ele tinha certeza.
“Isso é bom, fico feliz.”, o murmúrio chegou até ela, que voltou a encará-lo. “Então você... conheceu alguém que finalmente te fez tirar ele da cabeça?” A risada dele era meio sem humor, apesar da tentativa de disfarce.
A garota abriu a boca e a fechou. Pareceu pensar por um segundo e repetiu o gesto, como um peixe buscando ar. O coração de Naruto se apertou minimamente. Ela pareceu ponderar algo e percebeu Naruto ansioso.
Ela não queria apressar as coisas, por isso preferia não falar sobre seus novos sentimentos por ele agora. Se ela dissesse que sim, Sakura iria abrir brechas para Naruto pensar que era outro além dele, o que o deixaria magoado e iria afastá-lo. Se ela dissesse que não, ele talvez ficasse meio confuso depois das investidas dela, mas pelo menos não pensaria que existia outra pessoa.
“Não.”, ela sorriu. “Eu só... não sinto mais a mesma coisa. Acho que depois de tudo... meus sentimentos apenas mudaram.”, Sakura explicou.
Naruto sentiu o aperto no peito diminuir e seus ombros relaxaram. “Entendi. Isso é bom.”, ele repetiu. “Não gosto de te ver sofrer.”
“Eu sei que não. Obrigada.”, ela passou uma das mãos sobre a lateral do braço dele em forma de carinho. Naruto observou o gesto e colocou a mão sobre a dela em seu braço. A garota não se afastou e isso aqueceu o coração dele.
“Hum, obrigada por hoje, Sakura-chan. Você disse que estava se sentindo sozinha quando começou a contar do trabalho e... eu vou aparecer mais vezes, eu prometo. E você sempre pode aparecer lá em casa quando quiser, você sabe. Agora que Baa-chan me deixou basicamente desempregado, eu tenho muito tempo livre, então só treino o dia todo. Você pode ir me ver quando tiver uma folga.”, ele deu os ombros. Sakura apertou seu braço.
“Obrigada, Naruto. Eu espero que você cumpra sua promessa, já que Tsunade-sama quase não te dá mais atribuições, sua nova missão é interagir comigo e não me deixar virar um robô que só trabalha.”, a risada dela era um tilintar. “E eu vou tentar passar na sua casa quando tiver algum dia livre. De qualquer forma, você sempre sabe onde me encontrar.”
Antes de se afastar, ela o puxou para um abraço meio desajeitado que ele retribuiu, depois depositou um beijinho no rosto do amigo. O sorriso dele era tímido enquanto se afastava acenando e assistia ela entrar.
“Ei, Naruto!” Ele já estava há vários metros quando ouviu ela chamando seu nome, a cabeça rosa esticada sob o portão de madeira baixo. Ele parou na rua deserta com as mãos nos bolsos e virou para trás, esperando. “Obrigada pelo... jantar!” A voz dela era muito sugestiva. Sakura sorriu com malícia e deu um tchauzinho rápido, correndo para entrar na casa. Naruto fez o trajeto até seu apartamento mais feliz do que nunca.
Notes:
Capítulo atrasado, mas postado, e isso que importa. Se possível, deixem comentários, é bom saber o que estão pensando!
Até semana que vem!
Chapter Text
O barulho das folhas das árvores brincando com o vento fraco que as balançava trazia uma sensação muito familiar para Naruto, que respirou fundo impregnando seus pulmões com o cheiro de terra da floresta de Konoha. O final de novembro também indicava o fim do outono, sua estação preferida. Por isso, o ar que mordia seu rosto era quase gélido, mas as árvores ainda se vestiam de tons quentes convidativos.
As poucas aberturas entre as copas acima de sua cabeça permitiam que pequenos feixes de luz do sol aparecessem através das grandes folhagens farfalhantes. Naruto amava aquele som, amava a sensação das suas sandálias pisando sobre o solo, ainda mais depois de ficar enclausurado em Konoha por quase quatro meses, só tendo feito cinco ou seis missões pequenas fora da vila neste meio tempo — missões de rank-C onde ele acompanhou algumas pessoas de um lugar à outro com Kiba, sem emoção alguma e nem uma luta sequer. Ele nem as considerava aquele tipo de coisa uma “missão”.
Naruto olhou ao redor. Eram quase sete da manhã, o que significava que ele tinha acordado cedo sem ter nada para fazer. Não era algo usual — normalmente ele se levantava bem mais tarde e, depois de almoçar e fazer a digestão, saía para treinar o dia todo.
Ele andava inquieto ultimamente e precisava ir procurar alguma missão, qualquer uma. Por mais que odiasse admitir, a paz tinha seu preço, então mesmo que ainda houvesse demanda por ninjas, isso tinha decaído bastante. Os meses anteriores em que ele teve a oportunidade de fazê-las uma atrás da outra, foi apenas um privilégio que baa-chan tinha dado a ele. Mas assim que a demanda diminuiu novamente, ele foi tendo cada vez mais dificuldades para arrumar atribuições fora da vila.
O fato de Naruto ter ganhado um tanto razoável de dinheiro depois de ter vencido a guerra provavelmente foi o que influenciou Tsunade a dar prioridade para ninjas de outros clãs, porque eles precisavam mais — e Naruto concordava com isso, com certeza, mas ainda assim ele tinha nascido para a ação, e era por isso que ficar ali o incomodava tanto, assim como fazer missões de rank-C onde nada acontecia.
Naruto bufou e se sentou no pé de uma das árvores entre as raízes úmidas. Ele tinha acordado depois de um sonho particularmente perturbador que, graças a Deus, no momento não se lembrava totalmente, mas tinha vagas noções de que era sobre Sasuke fugindo dele.
Não que fosse um sonho inédito — era o tipo de coisa que ele sonhava uma vez ou outra. Mas aquele sonho tinha sido diferente de alguma forma, e ele não sabia porque. Provavelmente era demais para ele, pois seu cérebro apagou a maior parte da lembrança assim que ele se pôs de pé.
Abrindo o zíper da bolsa na lateral de sua coxa, puxou os instrumentos para afiar suas kunais antigas que se misturavam com as novas e estavam quase sem ponta. Ele tinha aproveitado para trazer alguns dos seus presentes de aniversário para treinar, entre eles a ninjato que Neji tinha lhe dado. Naruto não era acostumado a usar espadas, por isso o presente tinha sido perfeito — era uma lâmina menor do que uma katana normal e facilitaria o manuseio.
O vento desarrumou seus cabelos que agora estavam um pouco maiores do que o normal e ele sorriu com o cheiro de folhas orvalhadas que o atingiu de repente, se sobressaindo ao de terra — aquele cheiro só podia ser sentido bem cedo, porque logo o sol levaria com ele as gotículas que pousavam na vegetação e a umidade da floresta.
Era um dos odores que ele mais gostava no mundo e, por mais que não quisesse admitir no momento, era um cheiro que lembrava Sasuke. Ele se recordava vividamente da rotina deles em missões — Sasuke era quem levantava antes dele e Sakura e saía silenciosamente à procura de frutas ou castanhas para incrementar o café da manhã. Naruto era o único que gostava de amoras-silvestres, então Sasuke sempre as colhia quando encontrava.
Assim que ele voltava ao acampamento, ia acordar Naruto com o cheiro de mato e orvalho impregnado nas roupas escuras. Aquele cheiro foi, por anos, a primeira coisa que ele sentia ao abrir os olhos. Portanto, essa memória o atingia todas as vezes que ele acordava muito cedo durante missões e o cheiro vinha até ele.
Naruto sorriu tristemente com a lembrança, engolindo seco e fechando os olhos depois de uma fisgada no peito que o monstrinho ali dentro provocou. Suspirou e colocou de lado mais uma kunai, que fez um barulho metálico quando caiu em cima das outras à esquerda de sua panturrilha.
Já fazia um ano e dois meses que Sasuke tinha partido, mas a dor que Naruto sentia não tinha diminuído em absolutamente nada. Aprender a lidar com a dor é diferente de fazê-la diminuir, e ele só tinha aprendido a conviver com ela. Na verdade, após as duas visitas dele, a sensação era que estava pior, mas ele estava conseguindo lidar.
Em alguns dias ficava insuportável e ele quase, quase juntava as cartas que tinha escrito e enviava todas juntas. Ele escreveu várias durante este ano, mas depois das duas primeiras serem ignoradas, Naruto parou de as enviar.
Depois de duas ou três serem escritas e guardadas, aquelas cartas tinham se tornado uma espécie de diário para ele — Naruto sabia que não as mandaria e que ninguém jamais poderia lê-las, então ali ele derramava toda a dor que tinha em seu coração, como se estivesse realmente falando com o seu melhor amigo, uma das poucas pessoa que o entendia no mundo.
Era algo imaturo de se fazer e, sinceramente, escrevê-las e depois enfiá-las no armário era uma das coisas mais dolorosas para ele, mas aquele foi o único jeito que tinha encontrado para não surtar sobre isso. Algumas delas eram extremamente vergonhosas — cartas que pediam veementemente, quase imploravam para que ele voltasse, porque o buraco no peito de Naruto só aumentava. Cartas que, algumas vezes, tinham marcas de lágrimas ou eram amassadas só para serem alisadas novamente e enfiadas no fundo do seu armário em uma caixa de sapatos velha.
Foram naqueles papéis que, cada vez mais, ele pôde colocar toda a tristeza e solidão que sentia. E eram aqueles mesmos papéis que o machucavam cada vez mais, também. Mas, mesmo assim, ele precisava daquilo — era a forma dele conversar com Sasuke, por mais que fosse através de um monólogo trêmulo que, no fim, era quase impossível de se compreender, tamanha a carga de sentimentos que faziam com que suas mãos ficassem trêmulas e as lágrimas quentes rolassem pinicando seus olhos.
Mas Naruto só ficava triste quando as palavras estavam sendo colocadas no papel, porque em outros momentos, pensar em Sasuke o fazia ferver com a raiva mal reprimida que borbulhava na boca de seu estômago. Na maior parte do tempo não havia tanta tristeza, porque ela era suprimida para dar lugar à ira. Exceto agora, com o cheiro de orvalho pairando sob seu nariz, trazendo memórias que ele estava cansado de pensar sobre e que, cada vez que apareciam, abriam mais um talho dentro dele.
A última kunai foi se juntar às outras e Naruto voltou a guardá-las na bolsa de couro. Ele tombou a cabeça para trás e fechou os olhos, suspirando. Ele estava cansado e a única coisa que o fazia realmente ficar bem era Sakura. Tinha quase certeza que a garota sabia que ele não tinha ficado bem em momento algum, mas ela era gentil o suficiente para não tentar mais falar sobre isso.
O jantar deles tinha acontecido há seis semanas e ele tinha passado por lá algumas vezes para almoçarem juntos ou conversar sobre coisas aleatórias. Apenas para fazê-la dar uma pausa e rir um pouco — coisa que ela fazia bastante perto de Naruto atualmente. Ela tinha se tornado mais sorridente e brincalhona.
Ele não pôde deixar de pensar no que ela tinha dito sobre os sentimentos dela a respeito de Sasuke terem acabado. Ainda era meio surreal, afinal, o amor dela floresceu e permaneceu vivo por anos mesmo depois de tudo que seu ex-colega de time tinha feito. Mas ele evitava pensar muito sobre isso e só podia torcer para ser verdade.
Era mais fácil não tentar entender muito o que tinha acontecido para os sentimentos dela mudarem, porque entrar nesse assunto com ela era dar brechas para falarem sobre o próprio Sasuke e, consequentemente, sobre como Naruto estava. Sakura só estava esperando um momento propício para perguntar sobre isso e cavucar até suas entranhas para descobrir que tudo não passava de uma fachada dolorosamente construída e barricada durante esses meses.
O que importava era: Sakura tinha mudado com ele, aceitava suas investidas (que ainda eram razoavelmente discretas, mas nada invisíveis) e as retribuía sem parecer se sentir estranha sobre isso. Apenas isso bastava. Naruto não tentava sequer entender os sentimentos dela sobre si mesmo, porque pela primeira vez achava assim seria mais fácil.
Ele sabia que tinha mudado muito durante aquele ano — que tinha ficado mais denso, que aquela luz dentro dele estava quase apagada e que lidar com a realidade tinha o deixado simplesmente exausto. E odiava fazer o que estava fazendo agora — se sentar e pensar sobre as coisas. Principalmente, deixar as reflexões sobre Sasuke tomarem o primeiro plano em sua mente. Mas era isso ou finalmente quebrar, e Naruto tinha noção disso.
Era como uma torneira que pingava dentro de sua alma, enchendo lentamente sua consciência. E ele sempre teve o cuidado de esvaziá-la antes que transbordasse, pelo bem dele e das pessoas ao seu redor.
Tinha ficado cada vez mais claro o porquê dele não conseguir assimilar de vez o que tinha acontecido — se ele estava daquele jeito, inconsolável, era porque realmente não havia nada que ele pudesse fazer sobre Sasuke. Aos 13 anos, em sua mente infantil, Naruto tinha criado para si toda uma utopia para o que iria acontecer quando o amigo retornasse. Porque não havia um “se”, ele ia voltar, nem que Naruto precisasse quebrar todos os ossos do corpo dele e o arrastar de volta, como ele já tinha dito uma vez.
Mas ele não tinha considerado as variáveis nesta gama de possibilidades, e aí foi seu erro — alimentou sua ilusão do mundo perfeito com Sasuke até seu amigo finalmente voltar para Konoha. E foi ali que Naruto, de alguma forma, quebrou.
Porque a fantasia que tinha nutrido por anos, de repente foi enjaulada e seria alimentada apenas o suficiente para continuar existindo. O “voltar” dele aconteceu, mas ele não estava ali realmente, e isso levou Naruto a se fragmentar em milhões de pedacinhos que jamais se colariam de volta.
Seu melhor amigo era um ninja de Konoha novamente, tinha aceitado a derrota e decidido ajudar Naruto em sua jornada de fazer um mundo melhor, mas isso não aconteceria ao seu lado. No início, quando ele contou que iria viajar pelo mundo e ajudar Konoha dessa forma, Naruto tinha compreendido bem, mas não tinha realmente assimilado. Até o dia em que o viu partir de verdade.
E ao realmente entender que Sasuke tinha ido embora de novo, ele ruiu. Por mais que Naruto repetisse para si que ele tinha voltado sim, que estava tudo bem, que ele tinha conseguido o que queria, sua alma sangrou.
Se lembra claramente de esperar por Sasuke na floresta, com o intuito de lhe devolver o hitai-ate que Naruto guardou por anos e até o carregou em seu bolso como um símbolo de promessa. Se lembra do sorriso raro que recebeu nos lábios do melhor amigo, do cabelo cor de azeviche mesmo sob o sol ondulando ao redor dos olhos díspares, um preto e o outro roxo místico e dos traços suaves de seu rosto, antes dele se despedir e se virar para ir embora. Lembrava, principalmente, da imagem de Sasuke de costas, partindo sem olhar nenhuma vez para trás, determinado em sua jornada.
Naruto ficou pregado no chão e não abriu a boca — ele não tinha direito de pedir para Sasuke ficar, até porque, sabia que seu melhor amigo jamais mudaria de ideia. O momento em que ele percebeu que Sasuke tinha ido embora, que tinha o abandonado novamente, foi quando ele desapareceu no horizonte. Então os primeiros sinais de amargura surgiram, fazendo seus olhos transbordarem e seu coração apertar. Naruto correu para casa em desespero, porque sabia que não ia conseguir suportar aquilo como da primeira vez.
Ao fechar a porta atrás de si, ele escorregou pela madeira completamente sem ar, dobrando-se. O oxigênio se esvaiu dos pulmões como se ele tivesse levado um soco na boca do estômago, mas tinha uma vaga noção de que talvez não fosse porque ele tinha corrido. O chão gelado em seu rosto foi muito bem vindo quando ele escorregou mais e caiu de lado, enrolando-se em uma bola, e agarrou o próprio peito, que doía com fisgadas intensas. Naruto achou que fosse vomitar, que sua alma ia se desfazer, que sua pele ia se abrir fazendo-o se transformar em uma poça de sangue escuro.
Ele pôde ouvir vagamente a voz distante de Kurama, que dizia “calma, Kit.” como se fosse um mantra; mas naquele momento sua mente estava caótica demais para conseguir se focar naquilo. Pôde sentir sua boca ficando seca a cada lufada de ar que buscava desesperadamente e o descontrole sobre seu corpo, que parecia convulsionar.
Ali estava ele novamente, sozinho, esquecido e desamparado, abandonado por Sasuke mais uma maldita vez. Naruto hiperventilou como se estivesse morrendo afogado e apertou a pele sobre o coração até as unhas deixarem marcas, mesmo com a blusa de algodão entre seus dedos. Ele chorou, gritou, balbuciou e se abraçou como se fosse enlouquecer. Por reflexo, sua outra mão trêmula buscou seu amuleto no bolso, aquele que ele pegava quando se sentia mal, mas Naruto já tinha o devolvido ao seu dono há algum tempo.
Essas sensações infelizmente não eram estranhas a ele — Naruto tinha sentido algo bem parecido quando descobriu que Sasuke tinha sido declarado Nukenin a todos os países e que a própria Folha, seus próprios amigos, iriam matá-lo. Ele tinha caído no meio da neve ao lado de um Kakashi completamente desesperado com seu ataque de pânico, e desmaiou.
Mas não dessa vez. Dessa vez a inconsciência não teve misericórdia dele vindo buscá-lo logo. Ele teve que suportar seu desespero, teve que suportar a sensação de que iria morrer ali, se não de falta de ar, de dor no peito ou da mais pura tristeza que já tinha sentido. Teve que gritar e chorar, tremendo desamparado na esperança de que aquilo faria sua angústia sumir ou diminuir um pouco, mas não adiantou. Nada adiantou.
Em algum momento ele finalmente desmaiou. Ou dormiu, ele nunca soube. Sua consciência ia e voltava, e a única diferença entre acordado ou dormindo eram seus olhos abertos. Seu corpo era feito de alguma substância pesada e ele continuou ali, enrolado como um feto sangrento, com a mente cheia de um tudo e um nada assustador e incoerente que reforçava seu torpor.
Sasuke tinha ido embora e não ia voltar. Naruto não significava nada. O oco em seu peito era como uma erva daninha tomando controle de tudo e se espalhando sobre seu corpo, imobilizando-o, forçando-o a experienciar aquelas sensações como se nunca fossem acabar.
Ele nunca se sentiu tão sozinho, tão perdido, tão insuficiente. A ficha finalmente tinha caído: ele viveu anos para um propósito em vão, por uma pessoa que nunca pertenceu àquele lugar. Não tinha como Sasuke voltar para onde nunca criou raízes. E Naruto era só mais um cara que lutou por ele e ganhou pela insistência. “Amigo” era só um termo vago, uma palavra sem importância.
E o que mais doeu foi notar que, depois de tudo que tinham descoberto — que estiveram um contra o outro por várias vidas, que lutaram por séculos e que suas almas sempre estariam destinadas a andar juntas para evoluírem — tudo aquilo não significava nada. Sasuke tinha sido salvo da Maldição do Ódio e agora estava livre para deixar para trás tudo que o lembrava da provação que passou quando era criança, ou seja, Konoha, e consequentemente Naruto.
Foi Sakura que o encontrou dois dias depois, mas Naruto não sabia quanto tempo tinha se passado. Ela o achou exatamente na mesma posição — deitado de lado, embolado em si, com marcas de lágrimas na cara, mas com um olhar vítreo que indicava que a mente dele não estava lá. Na verdade, ele nem registrou que havia alguém ali, nem a voz dela o chamando em desespero. Ele só teve uma vaga noção de que estava sendo movido, e depois, de estar deitado sobre algo macio e quente. Mais palavras distantes que ele não entendeu e quase não ouviu. A pressão de um corpo ao redor dele, embalando-o devagar só para deixá-lo depois de um tempo.
Voltar para a realidade seria insuportável, porque não podia ser verdade. Não tinha como ser real. Sasuke não podia ter ido embora e o deixado para trás. Eles eram almas irmãs, não eram? Não tinham que ficar juntos? Não tinham que permanecer unidos? Não tinham que estar lá um para o outro? Eles não eram os únicos que podiam se entender realmente?
Não para Sasuke. Naruto só foi sair de seu torpor depois de vários dias, mas ele não sabia quantos e também não queria saber. Sakura tinha chegado e sorrido ao vê-lo de pé, o abraçado comemorando com ele, dito palavras de encorajamento e, nos dias seguintes, ido buscá-lo para andarem pela vila ou treinarem juntos. Ele se sentia a ponto de quebrar de novo a qualquer momento, mas não aconteceu, porque Sakura estava ali, e depois Kiba.
Aos poucos, mesmo ele sentindo toda aquela angústia sufocada em seu ser, ele se tornou forte o suficiente para fingir estar vivendo. Ainda era sufocante e a cada segundo era como se ele precisasse se lembrar de respirar, mas estava conseguindo sobreviver.
Demorou um pouco para ele voltar a ficar cem por cento consciente do mundo e a parar de agir apenas por reflexo, mas Kiba, e principalmente Sakura, estiveram ao seu lado e o ajudaram. Então aos poucos ele estava conseguindo respirar de verdade. Naruto nunca soube quanto tempo levou até finalmente sentir que estava vivo de novo, mas conseguiu. E ninguém nunca tocou nesse assunto.
Ele tentou ser racional e maduro, mas o que estava quebrado dentro dele não deixou. Naruto compreendia que Sasuke não tinha o deixado para trás, que sua reação estava sendo totalmente desproporcional e que não estava abandonado. Ele não era mais uma criança órfã, ele tinha outros amigos, alguns aliás sendo sua família. Mas superar aquele sentimento era cada vez mais impossível.
Então ele escreveu a primeira carta e a enviou, depois a segunda. As que vieram depois, por mais que fossem para Sasuke, não eram destinadas a ele de fato, porque jamais seriam enviadas. E escrevê-las era cutucar o talho sangrento em seu peito com facas afiadas, mas era a única coisa que o fazia ele se sentir em contato com ele, mesmo que não fosse a realidade. Além disso, despejar aquelas emoções e ainda se sentir na presença dele era importante. Aquele momento era o que ele mais gostava e odiava, porque era seu placebo — era óbvio que Naruto não estava falando com o seu melhor amigo e que não estava na presença dele, mas era como se fosse, e aquela tinha sido a única coisa que o restou. Aquela era a única dose que Naruto podia ter da amizade que ele tanto prezava.
Era bem masoquista, sim. E ele tinha vergonha de admitir para si tudo isso que esteve fazendo por meses, seus motivos, e que não tinha ficado bem. Ele suspeitava que nunca ficaria tudo bem, nem que se passassem décadas. E manter o hábito de escrever cartas só reforçava a utopia que ele tinha criado anos atrás — era como se Naruto ignorasse o fato de ter conseguido fazer o que desejou desde criança, como se ignorasse o fato de que ele não precisava mais arrastar Sasuke de volta.
A questão era que não tinha mais de onde arrastá-lo, não tinha mais de quem salvá-lo, não existia mais Maldição do Ódio para Naruto brincar de salvador da pátria, não tinha mais nada de errado. Isso só o deixava pior, porque ele não era assim. Naruto não era o tipo de pessoa obcecada e incoerente, mesquinha e egoísta a ponto de ficar mal com algo que Sasuke escolheu e estava feliz sobre, só porque não era o que o próprio Naruto esperava. Ele deveria ter ficado radiante do seu melhor amigo finalmente estar livre, dele finalmente ter encontrado o próprio caminho...
Mas aparentemente Naruto não mandava no que sentia, então não havia esta opção. Aquelas emoções só foram se instalando, mesmo contra sua vontade. O único avanço que ele tinha conseguido fazer — se é que poderia ser chamado de avanço, e ele duvidava que sim — era que uma parte da tristeza que sentia tinha sido convertida em uma raiva completamente direcionada à Sasuke (exceto quando o amigo estava de fato ali, diante dele). A tristeza ainda existia, mas se camuflou sob a ira da situação, principalmente depois das visitas dele.
Naruto sabia que aquilo era perigoso, porque foi assim que o amigo tinha tomado o caminho errado, ele usou o ódio como válvula de escape da dor de ter o clã inteiro massacrado pelo irmão, e fez isso novamente quando descobriu a história de Itachi. Essa situação fez Naruto o entender mais do que nunca — era muito melhor ter raiva do que sofrer e se afundar. A raiva era ativa e impulsionava, a tristeza não. E também, a raiva em alguns casos vinha em reflexo ao sofrimento, as pessoas nem sempre pediam por ela.
No fim, ficava claro até para ele que a ira era apenas uma desculpa para não sentir a dor real, mas servia ao seu propósito de fazê-lo continuar de pé, então foi aceita. Ele odiaria Sasuke enquanto estivesse longe dele, enquanto estivesse esperando suas visitas esporádicas e enquanto estivesse se sentindo sozinho. E se ele não voltasse, o odiaria para sempre então.
Ainda que Sakura fosse uma excelente amiga e o compreendesse um pouco, ela jamais o entenderia completamente. Naruto e ela nunca teriam a mesma ligação que ele tinha com Sasuke, e desconfiava que ela também sabia disso. Entretanto, depois de tanto tempo, Naruto se perguntou se os laços com seu melhor amigo realmente existiam.
Afinal, sempre foi Naruto que correu atrás dele. Sempre tinha sido Naruto a se aproximar, a se negar a cortar a ligação que tinham, a ir até os confins do inferno por ele, a perder a porra de um braço por ele. Para no fim, ficar para trás.
E nos últimos seis meses, nos quais ele teve poucas missões para se ocupar, Naruto se isolou cada vez mais, mesmo que não fosse de propósito. As duas únicas pessoas que ele via eram Kiba (às vezes) e Sakura, até porque ela era como um curativo para sua alma quebrada e estava realmente conseguindo ajudá-lo.
Mas ela não era Sasuke e, no fim, nem mesmo ele poderia fazer Naruto voltar a ser o que era antes. Porque o jeito que ele ficou, o jeito que ele se sentiu com essa perda... Isso jamais seria apagado e as sequelas disso nunca iriam embora. Ele sinceramente não sabia se podia se sentir leve de novo, como antes, quando tinha seus 12 anos e seu time estava completo. Sasuke era como seu irmão. E de fato ele era seu irmão de alma.
Já eram quase cinco da tarde e Naruto tinha se obrigado a treinar um pouco. A espada lhe caiu bem. Infelizmente, ficar sem nada para fazer era cada vez pior, porque nem os treinos o distraiam mais, sua mente ainda ficava a mil. Ele caminhou devagar sem saber para onde ir, mas não queria voltar para casa, então pensou em ir até a casa de Shikamaru, já que Kiba não estava na vila.
Mudou de caminho, mas parou novamente quando se lembrou que Shika tinha ido para Suna. Parado no meio da praça, Naruto olhou em volta, mas não tinha a menor ideia de onde ir. Depois de alguns segundos, se sentou em um dos bancos que tinha ali, embaixo de uma grande árvore cercada por lajotas. A vila não estava muito movimentada, exceto por alguns idosos e crianças que vagavam pela rua. Ele chacoalhou os pés em ansiedade, porque não tinha o que fazer, não queria mais treinar e estava inquieto.
“Naruto?”
Ele se virou rapidamente e olhou pelo ombro, vendo uma figura vindo até ele contra o sol. Seu coração quase pulou do peito quando viu a maneira que a pessoa se movia e seu estômago apertou, mas quando a figura se aproximou, era apenas Neji. Os ombros de Naruto se soltaram em decepção. Por um segundo, sua maneira de andar, a impossibilidade de ver contra a luz e sua obsessão fizeram Naruto acreditar que aquele era Sasuke. Ele precisava urgentemente de ajuda psicológica.
“Neji.”, ele suspirou, murchando no banco quando o amigo parou há um metro dele. “E ai?”
Naruto jogou a cabeça para trás, fitando as folhas sobre eles. O recém chegado franziu as sobrancelhas com curiosidade ao vê-lo tão desanimado.
“Você está bem?”, Neji indagou receoso, dando um passo em sua direção. Naruto suspirou e se forçou a encará-lo.
“Sim... Só não tenho muito o que fazer hoje. Odeio ficar sem missões, sabe como é.”, ele explicou em tom de desânimo. “E você?”
Neji o observou por um momento, a roupa branca e larga que vestia se movendo com o vento. “Estou bem. Estava indo treinar no campo perto do memorial.”, disse, apoiando o peso do corpo em uma perna descontraidamente.
Depois fitou o céu, semicerrando os olhos claros por causa da luz que caía sobre seus traços delicados. Eles ficaram em silêncio por alguns segundos, até que Neji percebeu a ninjato em seu cinto.
Naruto notou o olhar e sorriu um pouco. “É muito bonita, obrigado pelo presente. Treinei um pouco hoje, mas não sou muito bom com espadas. De qualquer forma, gostei muito dela.”, ele mexeu no cabo da espada distraidamente, endireitando-se no banco.
Neji deu um pequeno sorriso. “Fico feliz que tenha gostado.” Os olhos lilases o escanearam mais um pouco antes dele voltar a falar com incerteza. “Quer ir treinar? Posso te ensinar, se quiser.”, Neji apontou para a própria katana embainhada na cintura.
Naruto ponderou. Por mais que ele tivesse treinado um pouco, não tinha sido nada produtivo — dificilmente destruir árvores com Rasengans podia ser considerado um treino, tampouco cortar galhos com uma espada. Além disso, não havia nada para fazer naquele momento, e Naruto realmente queria aprender a usá-la.
Ele se colocou de pé e bateu as mãos nas coxas. “Claro, vamos lá.”, tentou sorrir, caminhando ao lado dele. Percorreram o caminho em silêncio, mas Naruto notou alguns olhares curiosos lançados de esguelha em sua direção, mostrando a confusão do outro ao vê-lo tão introspectivo e desanimado.
O campo de treinamento estava vazio e o sol já não incomodava mais, encoberto pelas árvores ao redor. Assim que chegaram, Neji tirou sua bolsa de equipamentos da cintura, colocando-a entre as raízes de uma das árvores. Naruto o imitou, ambos ficando apenas com as espadas em mãos. Se dirigiram para o centro da clareira e pararam de frente um para o outro, a grama fazendo cócegas sob seus pés nas aberturas de suas sandálias.
"Bom, antes de tudo, o que você sabe fazer com uma espada?”, sondou Neji. Naruto riu timidamente e coçou a nuca enquanto sentia o rosto esquentar.
“Na verdade, nada. Eu só fiz uns movimentos aleatórios que já vi outras pessoas fazendo.”, ele riu, recebendo um sorriso meio irônico em resposta. Ele nunca tinha percebido que Neji sabia sorrir, porque sempre pareceu muito sério.
“Tudo bem, então vamos começar alongando.”, disse enquanto puxava a própria espada da bainha e a segurava com as duas mãos. “Faça movimentos longos que vão das costas ao peito.”, Neji fez um arco de cento e oitenta graus, levantando os braços e deixando a katana ir para trás de suas costas, depois trazendo a lâmina para frente, tocando o chão diante dele. “Assim você alonga os braços e as costas.”
Naruto fez o mesmo e Neji acenou com a cabeça, indicando que o movimento estava correto. Eles alongaram assim por um tempo.
“Otimo, agora o segundo movimento é quase igual, mas você vai fazê-lo na diagonal, do seu ombro esquerdo até o quadril direito. Assim.”, e deu um golpe diante dele, cortando o ar em um movimento rápido diagonalmente. Naruto o imitou, mas o amigo fez que não com a cabeça. O cabelo castanho escuro dele se movia com o pouco vento que tinha ali.
“O que? O que eu fiz de errado?”, perguntou, fazendo o mesmo movimento mais uma vez.
“Você está dobrando os joelhos.”, apontou com a katana para as pernas de Naruto, que bufou e se endireitou, tentando novamente.
"Assim?”, ele repetiu o ato.
Neji negou novamente e embainhou a própria espada, passando por Naruto e batendo de leve com o cabo da katana nos joelhos dele, fazendo-o se endireitar. Depois parou em suas costas e passou os braços ao redor dos de Naruto, colocando as mãos firmemente por cima das dele na ninjato e arrumando sua postura.
“Você não está fazendo o movimento na diagonal, Naruto.”, avisou o outro perto de seu ouvido com sua voz de barítono, levando a espada até acima da cabeça deles no rumo do ombro esquerdo, depois descendo a lâmina até a altura do quadril direito.
Naruto corou ao sentir a proximidade, mas não sabia exatamente o porquê. O vento bateu ao redor deles novamente e um cheiro familiar de grama molhada junto com algo levemente cítrico chegou ao seu nariz. Ele engoliu seco e fechou os olhos antes de se afastar, fazendo Neji o soltar imediatamente e encará-lo confuso.
“Eu... de repente fiquei meio tonto, desculpe.”, explicou desviando o olhar. Neji ergueu as sobrancelhas, não acreditando na mentira.
“Desculpe, eu devia ter avisado antes de me aproximar tanto. Não quis ser invasivo.”, murmurou com seriedade.
Naruto corou mais uma vez, se sentindo idiota. “Não, você não foi, não é isso! Eu só...”, suspirou, balançando a cabeça como se quisesse se livrar da confusão em sua mente, mesmo sabendo que não era possível. A espada pendia em sua mão esquerda. “Eu só tive um déjà vu, me desculpe. Não foi nada demais.”, ele explicou. “Para ser sincero, não estou me sentindo muito bem hoje. Posso só... te assistir treinar?”, pediu.
Neji o estudou por um momento, os olhos claros afiados passando de um lado para o outro. “Claro.”, assentiu voltando para o meio da clareira com a própria espada em mãos em seus movimentos aristocráticos.
Poucas pessoas se moviam de maneira tão elegante. Na verdade, Naruto conhecia só mais uma pessoa que se movia com tanta graça assim.
Ele foi se sentar sob a árvore onde estavam seus equipamentos, mais desanimado do que nunca. Aquele não tinha sido um dia muito bom, definitivamente. Ele odiava quando acordava daquele jeito, tão afetado que sequer conseguia disfarçar. E era um sentimento muito ambíguo — ao mesmo tempo que não queria ficar sozinho com seus pensamentos, também não queria estar com ninguém. Suspirou e se forçou a prestar atenção em Neji, que tinha terminado de alongar e agora fazia vários movimentos com a espada no ar.
Ele era com certeza muito habilidoso com a katana, e assistir àquele treino fincou pequenas agulhas em seu estômago — a forma com que Neji se movia, de maneira tão suave e primorosa, seus cabelos escuros batendo em suas costas enquanto algumas mechas ondulavam ao redor de seu rosto delicado e sério levou a mente de Naruto até a última luta que teve ao lado de Sasuke, onde o amigo manejava a espada com a mesma maestria.
Chacoalhou a cabeça para dissipar os pensamentos intrusivos e esfregou o rosto com as mãos, irritado, focando no amigo que lutava diante dele. Neji, que às vezes lançava alguns olhares para Naruto, deslizou a espada para a bainha vinte minutos depois e se aproximou, agachando para guardar a katana.
“Naruto, você está bem mesmo? Não precisa ficar aqui se não quiser.”, Naruto se surpreendeu com o tom suave na voz do outro. Neji sempre foi tão sério que não parecia o tipo de pessoa que falava naquela entonação.
“Não, eu estou... Quer dizer...”, ele se embolou tentando explicar. Hoje suas sinapses pareciam inexistentes.
A quantidade de memórias que o próprio Neji evocava deixava Naruto confuso. Era difícil decidir se queria distância dele ou se queria mantê-lo por perto, provavelmente pelos motivos errados. Neji respirou fundo e se levantou, parecendo estar debatendo mentalmente consigo mesmo. Naruto apenas o observava agora, incapaz de explicar qualquer coisa.
“Eu espero que esteja mesmo tudo bem com você, Naruto. Acho que vou terminar meu treino mais cedo hoje. Você parece querer ficar sozinho de qualquer forma, então-”, falou, já começando a se afastar.
“Eu não quero ficar sozinho.”, Naruto respondeu enquanto segurava o pulso do outro sem pensar, ainda sentado no chão. Neji se voltou para ele, que o soltou meio sem graça. “Desculpe.”, Naruto riu sem humor. “Eu só... não estou bem hoje. Em alguns dias meu cérebro parece sentir prazer em me torturar.”, murmurou. Neji deu um pequeno suspiro cansado que o surpreendeu.
“Tudo bem, eu sei como é.”, respondeu ele, sentando-se ao seu lado no pé da árvore e arrumando o elástico que prendia o enorme cabelo em um rabo baixo. “Eu me senti assim quando meu pai morreu, não queria ficar sozinho, mas estar com pessoas me irritava.”
“E como você lidou com isso?”, Naruto perguntou, olhando desgostoso para o céu alaranjado de fim de tarde.
“Não me lembro, acho que só passou eventualmente. Foi há muitos anos.”
Eles permaneceram em silêncio por um tempo, encostados na árvore observando os tons de azul e laranja no céu e as nuvens que caminhavam devagar.
“Eu me sinto culpado quando estou assim, mas não é sempre que me sinto desse jeito. É só que... alguns dias são piores do que outros.” Naruto tinha tirado uma kunai do bolso e a rodava no ar no dedo indicador, distraído.
“Não tem porquê se sentir culpado por isso. Você não controla esse tipo de coisa e tem o direito de não estar bem ou não querer conversar. As pessoas devem entender isso.” Neji não tirou os olhos lilases do horizonte também.
Mais uma vez o silêncio pairou entre eles e Naruto deixou as pálpebras caírem, recostando-se no tronco nodoso da árvore às suas costas. O vento ao redor deles hora ou outra levava o cheiro que tinha sentido em Neji até seu nariz, cutucando o monstrinho em seu peito e o desafiando a apertar suas vísceras. Até nisso eles eram parecidos, e Naruto achou aquilo ridículo. Não era o mesmo cheiro, mas misturado a algum aroma cítrico, havia o de grama e orvalho fresco. Naruto não entendia como alguém podia cheirar mato de uma maneira agradável.
Ele arriscou abrir um olho e viu Neji ainda encarando o céu, pensativo e perscrutador. Naruto se surpreendeu ao ver a expressão preocupada dele — por mais que o visse como um amigo, não sabia se era recíproco, porque Neji sempre preferiu ficar na dele. Na verdade eles tinham conversado algumas vezes na vida, mas nada muito substancial.
Entretanto, Naruto sabia que o outro era grato a ele por ter mudado seu ponto de vista sobre o próprio destino, quando estavam no exame chuunin há anos. Neji disse que devia a própria liberdade a ele e tinha ficado mais do que claro que agora o respeitava.
Naruto sinceramente se sentia honrado por ter conquistado a amizade de alguém tão difícil de acessar. Neji era bem reservado, e quando era mais novo, dificilmente tratava as pessoas como iguais. No início ele tinha sido assim sobre Naruto também, mas depois dele ter ganhado a luta contra Neji e ter feito um discurso para ele, as coisas tinham mudado.
Para ser sincero, ele não se lembrava muito sobre o que tinha dito — alguma coisa sobre as pessoas poderem escolher o próprio caminho porque eram livres, mas não tinha certeza. Ele tinha uma tendência a falar coisas assim quando estava irritado.
Era uma amizade estranha, se parasse para analisar — tinha sido construída de uma forma peculiar e não precisava ser cultivada para se manter. Ambos sabiam que podiam contar um com o outro, ainda que não se sentissem próximos o suficiente para pedirem ajuda para algo. De qualquer forma, eles faziam parte da geração de jovens shinobis de Konoha e eram um grande time junto com Sakura, Ino, Lee, Tenten, Kiba, Shino, Sai, Hinata e Chouji.
Injustamente, Sasuke não fazia parte dessa equação. Lembrar do quanto seu melhor amigo estava afastado não só fisicamente da vila fez seu coração doer. Neji também era reservado e ainda assim fazia parte do grupo. Naruto ignorou o fato de que não era só por isso que Sasuke não estava incluído no que a vila chamava de “os onze de Konoha”.
“Ei, Neji, você tem muitos amigos?”, perguntou por curiosidade.
O outro olhou para ele e franziu as sobrancelhas, pensando. “Bom, acho que tenho alguns. Lee, Tenten e Hinata são os mais próximos de mim. De qualquer forma, considero todos vocês meus amigos, apesar de eu saber que meu jeito afasta as pessoas.”, explicou. “Não tenho tanta facilidade de fazer amigos como você, por exemplo.”
"Acho que eu já não tenho mais tanta facilidade assim, também.”, Naruto riu pelo nariz sem muito humor. “Eu estaria rico se ganhasse uma moeda cada vez que dissessem o quanto eu estou diferente.”
"Bom, as pessoas mudam. O importante é estar bem com quem você se tornou.”, o outro murmurou sabiamente. Ele tinha apoiado o cotovelo no joelho dobrado em frente ao próprio rosto.
“Não tenho certeza de quem eu me tornei, nem se estou feliz com isso. Não mudei intencionalmente.” As íris azuis estavam escuras e sua expressão era séria.
Neji demorou um momento para responder. “Coisas acontecem e nos mudam, mas não podemos deixar tudo nos moldar sempre. Temos que aprender a transformar o mundo também, e a ser resiliente. Você é a pessoa mais adaptável que eu conheço, Naruto, e tem uma força de espírito imensa. Não acho que seja o tipo de pessoa que precise ouvir isso, porque sempre teve um impacto muito forte nas pessoas. Você me ensinou a ser dono do meu caminho, e se você não sabe quem se tornou ou se não está confortável com isso, talvez devesse seguir seu próprio conselho. Lute para retomar o controle sobre si e sobre sua vida. Algumas coisas não valem a pena.”, concluiu.
Aquele tinha sido o maior discurso que já tinha ouvido dele, e Naruto tinha entendido bem as entrelinhas da conversa. Surpreendentemente, ele não se irritou como o que ouviu, como sempre acontecia quando alguém dava a entender algo sobre Sasuke. Era óbvio que Neji entendia pelo menos um pouco do que Naruto estava pensando e o que estava acontecendo. A percepção dele o surpreendeu, sendo que nem mesmo Sakura estava ciente da situação. Sendo que nem ele mesmo entendia.
Naruto suspirou. “Eu estou tentando, mas não é tão simples.”, os olhos azuis brilharam com tristeza genuína e crua. “Está sendo mais forte do que eu. É cansativo, sabe? Me esgota todo dia.”, ele confessou pela primeira vez, finalmente permitindo que pelo menos um pouco daquela dor fosse vista por alguém. O sol tinha acabado de morrer no horizonte, trazendo a noite com ele.
Neji levantou e estendeu a mão para Naruto depois de alguns momentos. “Sinto muito ouvir isso. Espero sinceramente que isso passe logo. Como eu disse, algumas coisas não valem a pena.”, falou suavemente, e Naruto aceitou a ajuda para se pôr de pé. “De qualquer forma, quando estiver de cabeça cheia, mas ainda não quiser ficar sozinho, sabe onde me encontrar. Você com certeza precisa de ajuda com essa espada.”
Naruto acenou com a cabeça e sorriu. Eles não precisaram mais conversar enquanto faziam o caminho de volta.
Notes:
Uma amizade começa a se desenvolver. Eu dificilmente vejo pessoas explorarem o relacionamento entre os dois, até porque Neji está morto no universo canon, mas senti vontade de fazer isso. Muita coisa ainda vai acontecer.
Ok, tenho uma pequena má notícia: a frequência de postagens vai precisar diminuir :(
Eu já tenho muuuuitos (MUITOS!) capítulos prontos, mas esse foi o último que foi betado por enquanto. Como minhas betas, diferente de mim, têm uma vida, uma semana é pouco tempo para elas conseguirem ler e revisar (as duas são incríveis e bem minuciosas, além dos meus capítulos serem longos).
Mas eu JURO que não vou abandonar essa fanfic. É um projeto no qual estou trabalhando desde o ano passado, e pretendo terminar mesmo que ninguém se interesse por ela! Então aos que estão firmes até aqui e estão gostando, fiquem tranquilos quanto à isso e tenham paciência por favor, vai valer a pena. Eu acho, pelo menos.
Ativem as notificações, assim que o sete ficar pronto eu já posto aqui e assim por diante!Se puderem, digam também o que estão achando até agora, ok?
Chapter Text
Foi a batida na porta que fez Naruto abrir os olhos, que foram direto para a mesa de cabeceira. O relógio marcava quase oito horas da manhã... de uma sexta-feira. Suspirou em resignação, pensando seriamente em ignorar, mas poderia ser algo importante.
Desnorteado e irritado, resmungou enquanto se levantava, coçando o braço amassado com as marcas do lençol. Enquanto andava pelo corredor trôpego de sono, seu ombro esbarrava na parede. Naruto estava há poucos passos da porta quando ouviu outra batida persistente que não o fez xingar por pouco. Ele tinha dormido tarde na noite passada, então estava cansado.
Colocou a mão na maçaneta meio enferrujada e deu mais um suspiro, contando até cinco. Depois abriu a porta carrancudo, mas sua expressão se suavizou totalmente ao dar de cara com Sakura.
Ela estava com a roupa do hospital e parecia com pressa, dado ao seu pé que batia ritmado contra o chão, mas seus olhos verdes se arregalaram um pouco ao ver Naruto vestido com nada além de seu short. A saudação dele se fundiu com um bocejo longo que ele não conseguiu suprimir.
Os resultados de seus treinamentos nunca foram tão evidentes para Sakura enquanto ela percorria os olhos pelos ombros largos e bronzeados e barriga suavemente esculpida, parando para dar foco nos ossos proeminentes do quadril e no caminho em “v” que sumia para dentro do elástico do short. Os músculos das coxas dele eram tão definidos quanto o resto de seu corpo.
Sakura preferia homens mais magros e sem muitos músculos. Porém, Naruto tinha ganhado massa apenas o suficiente para ficar um pouco mais largo e atlético nestes últimos meses.
Ele percebeu o interesse da garota e, ao mesmo tempo que se sentiu orgulhoso de seu físico, ruborizou violentamente, coçando a nuca ao sentir-se exposto. Ela desviou o olhar para seu rosto, também vermelha, e o encarou com as bochechas quentes antes de falar.
“Naruto, hã... Tsunade-sama quer ver você. Ela pediu para eu vir te buscar, então vamos rápido porque estou cheia de coisas pra fazer.”, disse se forçando a não olhar para baixo.
“Tsunade? Ela está no hospital?”, ele juntou as sobrancelhas e deu meia volta, deixando a porta aberta para a amiga, que o seguiu.
Ela fez o possível para não reparar na visão dos músculos das costas dele se movendo enquanto ele andava, nem na área abaixo do quadril, mas seus olhos não a obedeceram. Sakura se surpreendeu com o corpo dele, já que normalmente o via com roupas mais largas. E aquele short era o oposto de tudo que vira Naruto vestir, era curto e justo, sem falar do resto, que estava descoberto... Ela olhou para o teto e se censurou com firmeza, porque não era o tipo de garota vulgar que ficava secando homens, normalmente. Com isso em mente, parou no corredor antes do quarto, onde Naruto agora trocava de roupa, para dar um pouco de privacidade a ele e tempo a si mesma para respirar.
“Não, foi para o escritório. Ela tinha passado no hospital e reclamou que precisava falar com você e que tinha que pedir a alguém para te avisar. Então eu me ofereci e vim, precisei checar um paciente aqui por perto de qualquer forma.”, Sakura explicou, encostada na parede de braços cruzados, agradecendo por não ter mais um Naruto quase nu diante dos olhos.
“E porque ela não mandou um pássaro com um aviso?”, ele colocou a calça laranja e seu hitai-ate antes de sair do quarto totalmente vestido, passar por Sakura no corredor e ir para o banheiro escovar os dentes. “Era muito mais fácil.”
“Porque das últimas duas vezes você só apareceu lá depois do almoço .”, a garota revirou os olhos, apesar de Naruto não ter visto isso.
“Eu normalmente durmo de janela fechada, não tenho como saber quando tem um falcão da Hokage me esperando.”, resmungou depois de cuspir e enxaguar sua boca.
“Exatamente.” concluiu Sakura, que então o seguiu para fora quando ele apareceu novamente. A garota parecia mesmo com pressa, seus passos eram mais rápidos que o normal e ela estava um pouco distraída agora.
“Ei, pode voltar para o hospital, não precisa me acompanhar.”, ele deu um sorriso enquanto trancava a porta, mas Sakura pareceu incerta. “É sério, eu juro que estou indo direto pra lá agora. Pode ir trabalhar.” Pela primeira vez ele se inclinou e a beijou no rosto.
A amiga o surpreendeu quando rapidamente passou os braços pela nuca dele em um abraço. Os braços de Naruto contornaram a cintura dela e a levantaram do chão com facilidade, tirando o ar dos pulmões da garota com a surpresa do gesto. Ele colocou outro beijo em seu rosto antes de dar um meio giro e soltá-la do outro lado, sorrindo com a intensidade de mil sóis ao ver o rubor dela.
Ele delicadamente levantou seu queixo com os dedos. “Só não se esforce tanto, você também precisa fazer algumas pausas.”, disse ternamente.
Sakura nunca tinha visto os olhos dele tão claros e translúcidos e a sensação era de que ela tinha se perdido dentro deles. “O-ok.”, respondeu, e seu cérebro custou a se desfocar do homem diante dela. Sakura tentou muito não notar como o nariz de Naruto era levemente quadrado na ponta ou em como o arco do cupido dele era bem desenhado. “Eu... vou fazer isso.”, a resposta era um murmúrio baixo. Os dedos dele não eram nada além de uma pena em sua pele.
“A gente não se vê desde a semana retrasada, posso passar no hospital para te pegar às oito? Podemos ir jantar.”, ele pediu com a voz rouca. Ela fez que sim, corando um pouco, e Naruto afastou a mão. “Tudo bem. Te vejo mais tarde. Bom trabalho.”
Ela estava sinceramente desconcertada e Naruto sorriu torto. Ele finalmente tinha tido uma prova clara de que Sakura estava pelo menos confusa sobre ele depois da forma com que ela o olhou e gaguejou, sem falar do quanto estava vermelha. O homem acenou e saiu correndo em direção à torre da Hokage como um vulto, deixando Sakura para trás perdida em indagações de como Naruto tinha se tornado tão... diferente do que era antes.
Ele pulou alegremente pelos telhados rumo ao maior prédio da vila, o vento gelado da manhã levando embora o resto do sono e fazendo suas maçãs do rosto pinicarem, apesar do sol que brilhava no horizonte. Ele nem se incomodou em usar a porta e passar pela recepção, pulou direto na janela aberta nas costas da mesa de Tsunade, pronto para testar o humor dela logo nas primeiras horas da manhã.
A Hokage nem se incomodou em se virar. “É bom acordar cedo para variar, né, pirralho?”, a velha provocou enquanto ele dava a volta na mesa e parava de frente para ela.
“Eu estaria acordando cedo se tivesse mais coisas para fazer além de algumas missões de rank-C, sabe ?”, Naruto bufou, cruzando os braços e fazendo beicinho. “E eu não sou mais um pirralho!”
“Você sempre vai ser um pirralho.” Os olhos cor de mel se voltaram para ele quando ela ergueu a cabeça da papelada que assinava e sorriu divertida. “E sobre ter coisas para fazer, rank-C foram as únicas que eu pude te dar. De qualquer forma, é quase sobre isso que eu quero falar com você.”, ela colocou a caneta tinteiro no suporte da mesa de mogno nova. Ele se perguntou se havia um estoque daquelas mesas em algum lugar ali para suprir a demanda das que a Hokage quebrava quando se irritava, o que não era raro de acontecer.
“Você vai me dar mais uma missão?” Seus olhos brilharam com a excitação mal contida e ele era todo sorrisos.
Tsunade riu. Ele sempre seria uma criança para ela, principalmente porque às vezes agia como uma. “Bom, mais ou menos. Na verdade, isso depende de você.”, a Hokage cruzou as mãos embaixo do queixo. “Você recebeu uma proposta.”
“Uma proposta? Que tipo de proposta? Se for uma missão, eu quero! Pode ser qualquer uma!”, ele parecia indignado com a possibilidade da mulher sequer cogitar a ideia dele não aceitar alguma atribuição.
“ Gaki! Me ouça até o fim, isso é importante.”, a mulher franziu as sobrancelhas loiras e ficou séria. O garoto, percebendo que realmente era um assunto oficial, esperou, como o bom ninja que tinha sido treinado para ser. “Você recebeu um convite para entrar na Anbu. Não precisa responder agora e pode recusar, se quiser. Lembre-se que a Anbu é especialista em missões principalmente de assassinatos e rank-S onde você fará coisas muito perigosas, mas necessárias. Nossa Anbu atual age de acordo com a União Shinobi, então são missões aceitas em todos os territórios. É uma posição de prestígio, mas perigosa, e é essencial ter um excelente psicológico para lidar com as ordens dadas sem questionar. Você sabe que a Anbu é composta por ninjas de elite e que é preciso um distanciamento emocional muito grande para lidar com o cargo.”, ela não dava indícios em seu rosto do que achava da proposta ou do que achava que Naruto deveria fazer. Não que isso importasse, mas era bom ter uma ideia do que a mulher esperava dele.
“Quem pediu por mim? Quando é o teste de admissão?”, ele perguntou sem vacilar.
“Não importa quem pediu, você foi indicado e a União concordou. Sobre o teste de admissão, as habilidades que você mostrou em combate na guerra são suficientes para a União, principalmente como Ninja Sensor. Se você decidir entrar, será efetivado imediatamente e apresentado à sua equipe.”, ela se recostou na cadeira estofada gasta.
“Eu... não esperava por isso. Realmente não sei o que dizer.”, Naruto respondeu, sentindo um misto de surpresa, receio e animação.
“É por isso que eu disse que você não precisa responder agora. Vá para casa. Pense nisso com cuidado. Não é uma decisão que se toma levianamente.”, Tsunade pegou a caneta do suporte e a voltou para o papel que trabalhava antes. “Dispensado.”
Naruto fez uma pequena reverência para a Hokage antes de sair, dessa vez pela porta, andando lentamente para pensar. Os guardas do lado de fora não pareceram surpresos ao vê-lo, apesar de seus rostos estarem cobertos com máscaras brancas detalhadas em vermelho, máscaras da Anbu.
Ser o guarda do Hokage era uma posição extremamente prestigiada e dada apenas aos melhores. Era sabido que aquele cargo era uma maneira simples de ganhar dinheiro fácil, porque o salário era alto e na maior parte do tempo eles não tinham que fazer nada além de cuidar da Hokage, afinal, dificilmente alguém tentaria algo contra uma Sennin Lendária, ainda mais a líder de uma vila Shinobi. Apesar disso, era uma posição dada apenas para pessoas com um currículo impecável na Anbu e, normalmente, muitos anos de experiência. Naruto se perguntou quanto sangue aqueles guardas tinham nas mãos, e sabia que era muito.
Kakashi estava liderando a Anbu depois que a guerra chegou ao fim. Ele tinha experiência por ter feito parte do esquadrão quando era mais novo e até ter passado um tempo na “Ne”, que não existia mais depois da morte de Danzou. Ainda que os dias de matança a sangue frio de Kakashi tivessem ficado no passado, ele era extremamente inteligente e Naruto tinha certeza que ele era um líder incrível.
E principalmente, também sabia que não tinha as características certas para ingressar na Anbu. Ele não teria capacidade para matar alguém sem antes tentar argumentar ou pelo menos entender porque deveria fazer isso. Sempre buscou pelo menos saber a história de seus inimigos. Tentar fazer as pessoas mudarem de ideia sobre suas ações era a marca registrada de Naruto e ele evitava matar, principalmente depois da guerra.
Ele entendia que existiam necessidades políticas para as missões da Anbu e que aquela também era uma forma de buscar a paz, mesmo que Naruto achasse muito drástica. Mas, ainda assim, eram ações necessárias contra pessoas que ameaçavam desequilibrar a harmonia entre as nações com mortes, raptos, massacres, deserções e afins. Era violência combatida com violência, e ele tinha plena ciência de que, às vezes, aquela era a única forma.
Entretanto, não podia dizer que a ideia de fazer parte do esquadrão de elite de Konoha não era algo que crescia seus olhos. Ele tinha sido convocado diretamente, sem nem precisar passar pelo teste. Aquilo não era para qualquer um e com certeza era uma possibilidade que massageava seu ego. Se imaginou usando todos os equipamentos novos que ganhou de aniversário nas missões. Naruto gostaria muito de ir até Sai, que fez parte da “Ne” ou até mesmo Sakura para conversar sobre isso, mas sabia que devia ser uma informação confidencial.
O esquadrão tinha sofrido algumas alterações depois da guerra e principalmente depois que Kakashi assumiu seu controle, ainda que ele estivesse sob o comando de Tsunade. Naruto não sabia bem o que tinha mudado, afinal, era um esquadrão secreto. Entretanto, ele sabia vagamente que depois de uma reunião entre os Kages, foi decidido que a Anbu atual praticamente se focaria no assassinatos de desertores perigosos e ameaças que os outros ninjas não tiveram sucesso. Os casos mais drásticos.
E ele sabia que, no fim, não servia para isso. Ele não poderia questionar as ordens que recebesse e teria que matar um ser humano. Provavelmente era alguém que merecia morrer, que tinha feito coisas ruins com outras pessoas, mas o sangue nas mãos de Naruto pesaria.
Ele poderia pensar sobre isso por dias, a conclusão ainda seria a mesma — ele não queria o peso de mais vidas sob seus ombros, seja de quem quer que fosse. Não depois de tantas pessoas perdidas na guerra. Não depois do pai de Shika e o de Ino. Naruto não servia para aquele trabalho.
Sem pensar muito mais, deu meia volta e rumou novamente para o escritório de Tsunade. A Hokage ergueu as sobrancelhas ao vê-lo passar novamente pela janela, vinte minutos depois de ter se despedido.
“Baa-chan... Eu já me decidi sobre isso. Acho que não serviria para entrar na Anbu, você sabe disso. Eu não tenho a disciplina necessária e com certeza não conseguiria me manter distante emocionalmente, ou matar alguém sem saber o porquê. É muito para mim, no momento. Agradeço o convite e me sinto honrado, mas vou continuar servindo à União como Shinobi de Konoha, se não for problema.”, Naruto murmurou com os olhos fixos nela. A Hokage deu um sorrisinho e o avaliou.
“Bom, muito bem, então. Passarei adiante sua resposta. Pode ir.”, Tsunade parecia orgulhosa diante da escolha dele, mas sendo a Hokage, ela não podia dar bandeira sobre isso. Entretanto, ela se sentia feliz ao confirmar o que já sabia: que Naruto não tinha endurecido ao ponto de aceitar a proposta de participar de um esquadrão de assassinato, mesmo depois de tudo que passou.
A Hokage fez um gesto para a porta, mas logo precisou se virar para a janela, onde um falcão tinha acabado de dar um grito e pousado, seus olhos amarelo-alaranjados afiados fixos na mulher que abria o compartimento em suas costas e pegava um pequeno pergaminho. Naruto engoliu seco e hesitou — ele conhecia aquele falcão.
“Sasuke.”, ele sussurrou sem sair do lugar, com a garganta repentinamente seca.
A sensação de água gelada descendo rapidamente por suas entranhas o fez se sentir fraco e desamparado. Seu estômago deu uma apertada e sua cabeça rodou um pouco. Havia um oco dentro dele agora. Já fazia quase cinco meses desde a última visita de Sasuke.
Tsunade, que tinha acabado de guardar o pergaminho na gaveta, subiu os olhos para fitar o jovem. “Naruto?”, chamou a Hokage, confusa. “Você disse alguma coisa?”
“S-Sasuke.”, sua voz era um pouco mais forte, apesar de ter falhado momentaneamente. Ele limpou a garganta, mas o incômodo não se dissipou e o ar parecia pesado em seus pulmões. “Eu conheço esse falcão. É do Sasuke.” ele tentou casualmente apontar o queixo para a ave que já alçava voo.
Tsunade franziu o cenho em confusão. “Sim.”, ela declarou sem inflexão na voz.
Os lábios de Naruto pareceram muito secos de repente, e sua língua passou sobre eles. O garoto vacilou um pouco, olhando para os pés e voltando-se para a Hokage. Ele parecia extremamente chateado e isso afetou Tsunade em seu âmago.
“Ele... está bem?”, Naruto perguntou com um nó que não devia estar em sua garganta e o peso que aumentou em seu peito. O ar ao redor dele foi ficando rarefeito e os olhos pareciam secos demais.
Tsunade suspirou e encostou na cadeira, cruzando as mãos no colo e avaliando o menino diante dela. Ela sentiu bem as flutuações alteradas do chakra dele, o que a alarmou, já que Tsunade não era uma Ninja tipo Sensor e não estava utilizando nenhuma técnica para sondar Naruto. Ainda que fosse uma Sennin, ela dificilmente era sensível à flutuações de chakra sem utilizar algum jutsu médico de detecção ou realmente sondar o ambiente ao redor dela.
Imediatamente a cabeça de um dos guardas surgiu na porta, mas ela o dispensou com um aceno da mão. É claro que eles teriam sentido o chakra de Naruto e iriam checá-la, era para isso que eles estavam ali. O menino se voltou para ela, confuso com a intromissão quando o guarda se foi, mas ela não se incomodou de explicar.
A mulher sabia bem o quanto Naruto aguentava suas frustrações sozinho, soterradas na máscara de animação e esperança que ele se forçava a vestir diariamente. E grande parte da dor que ele sentia atualmente era com certeza relacionada à partida do Uchiha. A questão é que Naruto não falava sobre isso, nem mesmo com Sakura ou Kiba. Tsunade sabia que não porque ela os pressionava com perguntas a respeito. O moleque nunca disse uma palavra a eles depois da síncope que teve quando viu o Uchiha ir embora.
E ali estava Naruto, com as mãos levemente trêmulas com o esforço de, talvez, não desabar ou sair quebrando tudo. Tsunade não conseguia entender bem o que Naruto estava emanando, mas com certeza havia muita mágoa ali. Os olhos apreensivos e tempestuosos esperavam uma resposta dela no momento, o que ela achou melhor não adiar.
“Sim, Sasuke está bem.”, ela afirmou, analisando as reações.
Seus olhos de médica bem treinados perceberam a tensão que passou pelo corpo dele quando o nome do amigo foi dito, e nas mãos que se fecharam rigidamente em punhos uma de cada lado dos quadris. Tsunade fez um sinal para a cadeira em frente à mesa, convidando-o a se sentar. Naruto vacilou um pouco, mas caminhou devagar até o assento e se colocou lá. Seu rosto estava ilegível. A Hokage ergueu as sobrancelhas diante do silêncio dele.
“O que?”, ele disse, petulante, como se não estivesse tremendo de nervoso, ansiedade e sabe-se Deus lá mais do que diante da mulher. Ele não gostava do olhar de preocupação que recebia.
“Seu chakra está alterado, garoto. Tem algum problema com a raposa?”, ela perguntou, fingindo ignorância.
“Não, Kurama está bem.”, ele juntou as sobrancelhas em confusão. “Alterado como? Como você sabe?”
“Eu sei porque estou sentindo , está oscilando bastante. O suficiente para eu conseguir captar isso sem ter nenhuma habilidade de percepção de chakra. Se não é a raposa, então qual é o motivo?”
“Não sei, mas não tem nada de errado com Kurama .”, ele respondeu, irritado por Tsunade ser incapaz de entender que Kyuubi tinha um nome. Naruto não entendia a dificuldade de chamar a Bijuu pelo nome que foi dado à ela, mas era melhor do que “raposa-demônio”.
“Você devia passar no hospital, Naruto.”, ela sugeriu, séria, mas ele fez que não e olhou para o lado indignado. Tsunade rosnou de frustração, todo o esforço de não se alterar jogado pela janela, e eram só nove horas da manhã. “Naruto! Você tem uma quantidade massiva de chakra e é um Jinchuuriki, isso não é só sobre você. Não posso negligenciar a situação e te deixar andando por aí com o chakra descontrolado, tenha o mínimo de responsabilidade! Seu dever é proteger a vila, vá ver Sakura agora!”, vociferou a Hokage, irritada, enquanto pegava um pedaço de pergaminho e rabiscava alguma coisa nele, entregando dobrado e selado a Naruto. “Entregue isso diretamente a ela. Você está dispensado.”
“Espere, eu não terminei!”, o garoto elevou o tom. “Onde está Sasuke? O que ele está fazendo? Você tem certeza que ele está bem?”
“ Pirralho! ”, a velha fechou os olhos e pinçou os dedos entre as sobrancelhas, uma pontada de dor de cabeça se instalando ali. Abriu os olhos cor de mel e respirou fundo, fazendo o máximo de esforço para não quebrar nada. Tsunade odiava quando era desafiada ou questionada. “Escute bem. Eu não posso falar sobre as missões que Sasuke faz e você sabe muito bem disso. Ele está bem e eu sei porque recebo relatórios dele regularmente. Qualquer que seja o problema de comunicação que você tem com Sasuke, resolva com ele , eu não quero saber. NÃO!”, ela exclamou, finalmente socando a mesa com um pouco de força demais quando Naruto fez menção de protestar. Ela colocou as mãos na cintura e ergueu o queixo. O menino pareceu a censurar com o olhar, coisa que fazia raramente, mas ela não se deixou abater. “Não me questione, Naruto! Eu sou a Hokage e Sasuke é um ninja de Konoha. Eu não vou divulgar suas missões ou paradeiro por aí só porque você quer. Agora mexa essa bunda imediatamente e vá até Sakura, entregue este papel e faça tudo o que ela disser. Eu fui clara ?”
“Perfeitamente, Hokage-sama.”, Naruto respondeu, fazendo uma reverência com os olhos azuis frios fixos nos dela. A mulher não tomou para si a provocação. O chakra dele se agitava bastante agora.
“Ótimo. Dispensado .”, Tsunade disse perigosamente como se o desafiasse a contradizê-la, mas Naruto apenas deu as costas e saiu a passos largos. Ela suspirou. Naruto com certeza não era mais um pirralho.
As portas duplas do Hospital de Konohagakure se abriram com um estrépito quando Sakura as empurrou e entrou na recepção apinhada de gente. O burburinho na sala parou e algumas cabeças se viraram em sua direção, mas ela não percebeu.
“Onde...?”, a voz dela era alta, mas morreu ao perceber Naruto no balcão, a encarando como se tivesse feito alguma coisa errada. Ela caminhou a passos largos até a recepcionista. “Você não disse...?”
“S-Sakura-sama, você não esperou eu terminar de falar.”, a recepcionista gaguejou, ansiosa.
Sakura ruborizou e olhou de relance para Naruto, depois se desculpou com a funcionária. Ela não tinha nem esperado para saber sobre o que era quando ouviu que Tsunade tinha mandado Naruto para lá. Normalmente, quando isso acontecia, ele não estava bem, então ela só saiu correndo. Ela deu um sorriso amarelo para a recepcionista e o pegou pelo pulso, levando-o até a própria sala. O jovem não disse nada até chegar lá e se sentar na cadeira de madeira clara.
“Sakura-chan-”
“Me desculpe, Naruto.”, ela percebeu o quando ele parecia receoso dela provavelmente lhe dar uma bronca. “Eu achei que você tinha se machucado.”, explicou, enquanto se sentava e o olhava. “O que aconteceu? Está tudo bem?”, os olhos dela examinaram o rosto do amigo ansiosamente.
“Eu não sei, hã... aqui.”
Naruto puxou o pergaminho que Tsunade deu para ele e colocou em cima da mesa. A amiga rapidamente o puxou, quebrou o lacre e analisou o papel atentamente. As sobrancelhas cor-de-rosa se juntaram em dúvida e ela olhou uma vez para Naruto, antes de se voltar para o pergaminho. Ali dizia que Naruto teve uma flutuação intensa de chakra assim que viu o falcão de Sasuke, provavelmente por ansiedade, e que Sakura devia examiná-lo e descobrir o que estava acontecendo.
Aquela era uma reação que não acontecia com todo mundo, mas não era anormal, principalmente porque Naruto tinha muito chakra em seu corpo. E ela não podia deixar de lembrar que o chakra da raposa reagia às emoções mais intensas dele desde criança, afinal, era assim que ele perdia o controle e se transformava, antigamente.
O ninja estava sentado na frente da mesa dela, olhando ao redor do aposento. Ele parecia ansioso e mexia as mãos no colo, como uma criança desamparada. Naruto sinceramente não sabia o que esperar e não fazia ideia do que tinha naquele pergaminho. Tampouco sabia o que diria à Sakura sobre o que aconteceu.
Ele só sabia que ver o pássaro pertencente ao seu melhor amigo e ex-colega de time tinha o feito se sentir mal, como se pudesse desmaiar ou perder totalmente o controle. E que saber que Sasuke estava bem, ao mesmo tempo que o acalmava, o deixava extremamente chateado, porque então não havia motivo algum para ele não responder suas cartas mandadas há meses ou até mesmo não ter enviado uma porcaria de nota de feliz aniversário há sete semanas atrás.
Sasuke estava bem, não o via há pouco mais de cinco meses, ou 19 semanas para ser mais exato, e sequer se importava o suficiente para mandar uma carta dizendo que estava vivo. Enquanto isso, Naruto tinha lutado todo dia por literalmente mais de um ano para não pensar nele desde que o amigo tinha ido embora, o que tinha sido em vão, porque sua cabeça não entendia que ele não estava mais ali e que estava pouco se fodendo para Naruto ou para qualquer coisa existente em Konoha.
Sakura, percebendo-o perdido em pensamentos, deu a volta na mesa e parou, encostando-se nela enquanto estendia as mãos para o rosto dele. Ela girou a cabeça de Naruto lentamente sem parar de fitar seus olhos, depois suspirou. Nenhum reflexo vermelho ali, então provavelmente não era Kyuubi.
Realmente parecia uma reação à ansiedade. Ela se lembrava bem da crise nervosa que Naruto teve no ano passado ao descobrir que Sasuke tinha sido finalmente declarado como Nukenin e, em consequência disso, seria morto por Konoha. Naruto tinha ficado tão perturbado com a ideia de Sasuke morrer que teve um ataque de pânico — taquicardia, tremores, vertigens, sensação de asfixia e, por fim, seu corpo não aguentou o choque e ele desmaiou. O mesmo aconteceu quando Sasuke foi embora novamente.
Puxando-o pelo braço, ela o deitou no sofá de couro que tinha à um canto, depois fixou o próprio chakra nas mãos e passou pelo corpo dele na busca de qualquer coisa errada, mas não havia nada ali no momento. Nenhuma flutuação de energia significativa. Ela se lembrou do motivo que levou à situação e pigarreou para falar.
Seria necessário provocá-lo para que outra oscilação ocorresse e ela pudesse ter certeza do que estava acontecendo. Parecia uma situação óbvia, mas assim como Tsunade, que provavelmente sabia o significado daquilo e ainda assim o encaminhou para o hospital, Sakura não queria ser desleixada. Aquele era Naruto.
“O que aconteceu antes do seu chakra se alterar?”, ela perguntou delicadamente, mas de maneira profissional o suficiente para soar firme. As mãos dela continuavam percorrendo seu corpo, mal o tocando.
Ele respirou fundo antes de falar. “Sakura-chan, eu preciso mesmo falar sobre isso?”, as íris azul-escuras vagaram pelo rosto dela. A amiga arqueou uma sobrancelha, olhando-o com semblante sério, então ele revirou os olhos antes de continuar. “Ok. Bom, eu estava no escritório da Tsunade e o falcão de Sasuke apareceu na janela. Eu fiquei... irritado .”, ele engoliu seco, mas tentou ao máximo não demonstrar seu desconforto e o quanto falar daquilo o abalava.
A médica imediatamente sentiu um desequilíbrio estranho em seu chakra, como se tivesse aumentado bruscamente e em seguida voltado ao normal. Ela continuou falando.
“Entendo. E você consegue descrever o que sentiu?”
Os olhos dele se desviaram do rosto da amiga com a pergunta. Naruto não queria explicar aquilo a ninguém, mas obviamente ele não seria deixado em paz. Aquele idiota nem estava ali e ainda criava problemas para ele. Ótimo . Naruto respirou fundo e se sentou no sofá de frente para Sakura, apesar dos protestos dela.
Ele pegou as duas mãos pequenas entre as dele com cuidado e as encostou no próprio peito, como se estivesse rezando. Ela estava ajoelhada no carpete azul escuro há apenas alguns centímetros e os dedos dela estavam gelados.
“Sakura-chan, por favor, me ouça.”, Naruto pediu, ansioso. Ela podia sentir o coração dele batendo rápido contra a lateral de suas mãos. O amigo parecia muito cansado, novamente um homem exausto diante dela, o que partiu seu coração. “Eu não quero falar sobre isso. Eu não sei se isso é comum de acontecer agora que eu compartilho chakra com Kurama, mas provavelmente esse assunto é o que me deixa assim. Eu não gosto de falar sobre isso, ver aquela merda de pássaro me deixou muito perturbado e eu não sei porque, mas sinceramente não me importo. E não há nada de errado com o meu chakra. Eu não vou enlouquecer e Kurama não vai sair do meu corpo e destruir Konoha. Ele lutou na guerra ao nosso lado, nem você e nem Tsunade precisam se preocupar, eu garanto. Se vocês não me forçarem a falar sobre isso, tudo vai ficar bem. Então por favor, por favor , esqueça essa história. Se alguma coisa parecer errada ou eu me sentir estranho, eu juro que você será a primeira a saber imediatamente, mas essa é a última vez que eu quero falar sobre Sasuke. Essa vai ser a última vez que eu vou falar sobre Sasuke. Eu vou encontrar uma forma de lidar com as coisas do meu jeito, sozinho. Isso não é sobre você ou sobre Tsunade, eu só não consigo lidar com essa história ainda.” ele tencionou o maxilar e respirou fundo.
Sakura sentia os picos de energia de chakra mais fortes agora e ele parecia prestes a desmoronar, seus olhos tão aflitos como nunca estiveram antes. As mãos dele ao redor das dela tremiam um pouco. Tinha sido o maior discurso que ele fez sobre Sasuke desde que o outro tinha deixado Konoha.
Ela se lembrava claramente do que encontrou quando foi procurar Naruto, que tinha sumido por dois dias depois de Sasuke ir embora. A lembrança de vê-lo quase catatônico e completamente não responsivo no chão em frente à porta ainda assombrava seus sonhos às vezes. Ela ficou tão assustada que o levou para a cama e ficou horas sentada, abraçada peito a peito com ele enquanto o embalava como uma criança indefesa e chorava com ele.
Na época, ela evitou o assunto porque Naruto parecia muito mal, e isso se estendeu. Então depois de um mês e meio ele melhorou e voltou a ser o mesmo de sempre, então ela preferiu deixar para lá. Sakura devia ter insistido nele, mas escolheu seguir o caminho mais fácil e não lidar com a dor do amigo, afinal, ela já estava lidando com a própria dor.
Ainda que nem um pouco da mesma forma, Naruto já tinha passado por aquilo uma vez, então ela evitou falar sobre porque sabia que era passageiro. Ele ficaria bem. Ela sabia bem que tinha sido negligente, mas não conseguia lidar com aquilo também.
Era muito mais fácil esperar Naruto trabalhar a coisa toda do jeito dele, como tinha acontecido antes, e depois buscar suporte nele como da primeira vez. E foi isso que ela fez, como uma amiga de merda totalmente egoísta. Ela se apoiou no bom humor e nos cuidados dele quando seu amigo voltou a sorrir, deixando Sasuke para lá e evitando pensar em como era estranho Naruto simplesmente ignorar o ocorrido.
Tinha sido mais simples assim, na época. Menos assustador. E agora a culpa corroía suas entranhas, mas ela merecia aquilo. Ela permitiu que seu melhor amigo sofresse em silêncio e se aproveitou da personalidade bondosa dele para se curar, mesmo não tendo sido intencional. Mas ainda assim era culpa dela. Sakura devia ter estado lá.
“Mas Naruto... Já faz mais de um ano.”, ela piou tristemente. “E eu estou preocupada. Você não acha que já devia ter conseguido-”
“Sakura.”, a voz dele era branda, mas conclusiva. Ela se calou e deixou cair os olhos, porque já tinha entendido que a falta de seu honorífico indicava que ele não a deixaria passar dali. “Eu agradeço a preocupação, mas disse que não vou mais conversar sobre isso. Você não precisa ficar assim, eu estou perfeitamente bem e você tem me ajudado muito. Só prefiro evitar este assunto. Por favor, não se preocupe, ok? Foque nas pessoas que realmente precisam da sua ajuda, não em mim.”
Ele a puxou do chão pelo cotovelo enquanto se levantava, mas antes que Naruto se afastasse, ela o envolveu pela cintura e enterrou a cara no peito dele. O amigo suspirou ao vê-la tão amuada e passou as mãos pelo topo da cabeça rosa. Seus cabelos estavam soltos hoje e o cheiro de morangos o atingiu. Ele não podia pensar em um perfume que combinasse mais com Sakura.
Naruto odiava vê-la chateada por sua culpa e sabia que ela só queria ajudar, mas ele sinceramente estava conseguindo viver na maior parte do tempo. E conseguia lidar com isso melhor do que esperava, contanto que não se aprofundasse nos pensamentos sobre Sasuke. O tópico estava pulsando constantemente em sua cabeça, mas ele tinha se tornado muito bom em evitá-lo.
Além do mais, Sakura estava ali agora. Fazia dois meses que eles tinham saído e ele tinha passado algumas vezes para vê-la rapidamente no hospital, já que a médica estava muito ocupada. Em duas dessas vezes ele até levou almoço e eles comeram juntos.
Mas hoje eles sairiam. E ela estava sendo seu bote salva-vidas. Sakura tinha se tornado muito carinhosa e estava claro para Naruto que a amiga estava dando uma chance dele demonstrar seus sentimentos. E hoje ele teve certeza de que ela não só tinha dado brechas, como definitivamente os retribuía pelo menos um pouco.
Ela olhou para cima e o contemplou como se tentasse entender o que passava pela cabeça de Naruto. Ele sorriu ternamente e, acanhado, deu um beijinho em sua testa. A garota sentiu os lábios quentes pressionando contra sua pele e fechou os olhos, depois suspirou.
Ela com certeza não merecia Naruto, mas faria o possível para ser tão boa quanto ele. Aquele homem merecia o melhor dela. Os dedos ásperos mexiam em seu cabelo, tendo um efeito calmante, e a outra mão dele estava em suas costas. A camisa do amigo cheirava a uma mistura suave de sabão em pó de coco e amaciante. Naruto não queria, mas a soltou depois de alguns segundos. Ela pareceu relutante em deixá-lo se afastar, mas não disse nada.
“Eu vou deixar você trabalhar. Passo aqui à noite, tudo bem?”, ele fez um carinho na bochecha dela, que sorriu e assentiu.
Sakura colocou a mão sobre a dele em seu rosto e entrelaçou seus dedos devagar, o que fez o estômago de Naruto flutuar. Ele sinceramente queria beijá-la ali mesmo, mas se contentou em colocar com muita delicadeza os lábios no losango roxo acima das sobrancelhas dela mais uma vez e se afastar, retirando-se da sala com um aceno.
Notes:
Olha eu aqui de novo! Tenho o prazer de informar que estou de volta! Coisas aconteceram, a vida continuou e eu precisei dar uma desfocada da fanfic por um tempo. Além disso minhas betas andam tão ocupadas que estou eu mesma revisando os capítulos, apesar de não ser o ideal. Não desistam de mim ainda, espero que ainda tenha alguém lendo (o que eu duvido, mas tudo bem, fazer o que hahahaha)
É isso, beijinhos.
Chapter Text
Naruto passou o resto do dia se sentindo estranho e inquieto. Ele tinha ido para casa e, depois de ligar a TV e ficar diante dela por dez minutos, se manter parado tinha se tornado insuportável. Os pensamentos sobre Sasuke estavam sendo extremamente intrusivos e era impossível ignorá-los.
Aparentemente, hoje ele teria que aguentar firme enquanto tudo aquilo que ele tinha gravado em sua cabeça desde seus 13 anos se destacava e o torturava lentamente — Sasuke, Sasuke, Sasuke. Sasuke não estava lá, Sasuke não se importava, Sasuke tinha deixado tudo para trás novamente e com certeza não voltaria, Sasuke, Sasuke.
Ele tentou se distrair lavando a roupa. Quando acabou, ainda era antes das onze horas, então decidiu limpar a casa, lavar a louça e arear as panelas, que nem eram usadas. Ele arrumou os armários (ignorando totalmente a caixa de sapato velha que tinha lá no fundo), aguou as plantas e trocou a roupa de cama.
Naruto limpou como um maníaco, o que era algo totalmente oposto à personalidade dele. Seu apartamento nunca esteve tão limpo e suas roupas estavam organizadas por tipos e cores. Não havia nenhum pote de lamen embaixo da cama e o lixo foi retirado. Ele esfregou os batentes das portas até o verniz brilhar sem a camada de sujeira e gordura.
Eram 16h30 e não havia mais nada para ser feito ali dentro, então ele produziu um clone das sombras e ficou treinando com as novas lâminas de chakra que tinha ganhado de Konohamaru até às seis e meia, momento em que ele finalmente parou, guardou seus equipamentos de luta e foi se arrumar para buscar Sakura.
Aquele era outro motivo para deixá-lo ansioso — agora que tinha ficado subentendido a tentativa de romance entre eles, tecnicamente aquele seria o primeiro encontro que teriam. Não que ele tivesse a convidado para um encontro com todas as letras, mas era isso.
E Naruto não tinha a mínima ideia do que fazer, porque nunca teve um encontro na vida. Ele tinha sim ficado com Harumi e sabia uma coisa ou outra, mas nunca saiu com ela como uma namorada, eles só se encontravam onde ela trabalhava, transavam em algum quarto vago, conversavam na cama e depois ele ia embora, carregando com ele um Jiraiya pra lá de bêbado. Era o tipo de relacionamento fácil, simples e prático.
Mas Sakura não era nada como Harumi, que inclusive preferiu as coisas deste jeito e enxergou o que faziam como um passatempo. Sakura era a garota que ele gostava desde que a viu pendurada em Sasuke no primeiro dia de aula, foi com quem ele conviveu diariamente por anos quando se tornaram colegas de time e quem tinha se tornado sua melhor amiga.
Ele precisava fazer as coisas do jeito certo, e o primeiro passo era levá-la em um encontro inesquecível e romântico. Talvez ele devesse ter cozinhado para ela, mas suas habilidades culinárias eram simplesmente de deixar qualquer um de cabelo em pé. Naruto tinha dinheiro, pelo menos — morar em um apartamento barato e viver de lamen renderam a ele uma poupança bem razoável, principalmente com o dinheiro que ganhou por ter sido “Herói da Guerra” junto com Sakura e Sasuke. Portanto, ele podia levá-la em qualquer lugar, mas não tinha ideia de onde.
Decidiu que a ideia mais inteligente seria deixá-la escolher aonde ir. Depois, talvez a levasse para tomar sorvete — ele sabia o lugar preferido dela, porque foram lá com Ino à tiracolo algumas vezes.
Ele se vestiu com a mesma calça e sapato do dia do seu aniversário, mas colocou a camisa laranja queimado que Sai lhe deu de presente. Aquela era oficialmente sua camisa preferida e com certeza precisava agradecer à Sai quando o visse. Ficava perfeita nele.
Quando chegou no hospital, não se incomodou em passar pela recepção — como já tinha ido algumas vezes ali, as duas recepcionistas do turno da noite sabiam que Naruto estava lá para ver Sakura, então já o conheciam o suficiente para deixá-lo ir direto até a sala dela. Ele respirou fundo uma vez antes de bater na porta de madeira branca. Naruto sempre se enchia de orgulho ao ver a placa preta que dizia “Dra. Haruno” em dourado reluzente pregada ali.
“Um momento!”, a voz abafada de Sakura chegou até Naruto, que parou encostado de braços cruzados na parede em frente.
Algumas pessoas que passavam por ele o olhavam por tempo demais. Naruto se perguntou se tinha alguma coisa de errado com sua roupa ou sua cara, mas ele sabia que não, porque se checou no espelho duas vezes antes de sair de casa.
Sakura abriu a porta enquanto colocava os brincos e os olhos de Naruto se arregalaram ao vê-la totalmente deslumbrante em um vestido preto básico de cetim que tinha uns babados na gola e batia na altura dos joelhos. Os cabelos estavam presos em um coque elegante e ela usava sapatos de salto bordô, que era da mesma cor do seu batom. A amiga se atrapalhou um pouco com o último brinco por causa da bolsa, mas retribuiu o sorriso brilhante que Naruto deu ao vê-la.
Depois de se cumprimentarem acanhados, ele se desencostou da parede e caminhou ao lado dela. Sakura conseguiu pôr seu brinco e agora mexia na bolsa, inquieta, e nos babados da gola alta no pescoço, mas ele não falou nada. Quando passaram pela recepção, Sakura deu um tchauzinho para as duas funcionárias. Ela só parou para olhá-lo realmente quando estavam do lado de fora do prédio.
A amiga parecia nervosa, o que fez Naruto ficar também. Se ela estava toda arrumada e ansiosa, então ela realmente estava com algumas expectativas de não ser um simples jantar. Entretanto, ele tentaria ao máximo parecer calmo para tranquilizá-la. Afinal, aquela era Sakura, sua melhor amiga. Eles não precisavam ficar estranhos um com o outro.
Naruto parou com as mãos nos bolsos das calças jeans e sorriu. Seus olhos eram de um azul-claro cristalino e Sakura percebeu o carinho estampado neles. Os cabelos loiros brilhantes, em conjunto com a cor da camisa que era quase do mesmo tom de sua pele morena acetinada, faziam Naruto quase arder na penumbra como se calor irradiasse dele.
“Você está linda.”, elogiou Naruto com os olhos pregados nela. Sakura agradeceu timidamente sem saber o que fazer. “Então, hum, onde você quer jantar?”, ele perguntou.
“Onde você quiser, Naruto.”, Sakura respondeu.
Ele ergueu uma sobrancelha. “É mesmo? Então vamos de lamen.”, ele provocou em tom de brincadeira.
Ela bufou. “Você realmente sabe como conquistar uma garota.”, os olhos verdes se reviraram e ela riu. “Eu devia saber que o tempo que gastei me arrumando não ia valer a pena.”
“Do que você está falando? Você vai ser a mulher mais bonita no Ichiraku, Sakura-chan! Talvez Teuchi nos dê lamen de graça, como isso não vale a pena?”, o amigo fingiu indignação e depois deu um sorriso torto.
Ela riu mais uma vez. Naruto era incrível o suficiente para conseguir quebrar totalmente o gelo entre eles com brincadeiras idiotas. Com certeza não era uma coisa que ele teria feito antes, quando eram mais novos. Ele teria ficado nervoso demais e provavelmente diria alguma coisa errada que a irritaria ou quebraria totalmente o clima. E talvez realmente teria a levado para comer lamen. Não que ela se importasse muito.
Mas agora ele era um homem, e essa autoconfiança dele era completamente magnética. A forma com que ele, às vezes, sorria meio de lado fazia o coração de Sakura acelerar. Ela só tinha se sentido assim sobre uma pessoa na vida, mas a sensação de leveza que vinha junto era totalmente nova, porque dessa vez era recíproco.
Naruto tinha se tornado alguém diferente do que ela estava acostumada — Sakura jamais imaginaria que ele poderia flertar de maneira tão sutil ou simplesmente fazê-la ter necessidade de chegar mais perto. Este homem diante dela era engraçado, carismático e envolvente, e Sakura estava amando conhecer cada uma dessas novas facetas da personalidade dele.
Nos últimos meses ela tinha esperado ansiosamente pelas vezes em que Naruto a visitaria no hospital. Se não fosse pelo trabalho dela, eles teriam passado o dia todo juntos. O tempo passava muito rápido ao lado de Naruto, e nas vezes que ele foi vê-la, por mais que ficassem mais de uma hora na companhia um do outro enquanto conversavam ou almoçavam, parecia que tinham se passado apenas alguns minutos.
Ela sempre se sentia vazia quando ele ia embora, e em todas as vezes ele que tinha decidido partir, porque Sakura não via o tempo passar. Ficavam ali conversando, brincando, rindo e, às vezes, Naruto se aproximava para um abraço ou um carinho no rosto que infelizmente durava apenas um segundo.
“É bom saber que você só me quer como moeda de troca para conseguir lamen de graça, seu idiota.”, Sakura bateu o ombro nele de brincadeira. Naruto pegou sua mão e passou pelo braço dele para seguirem.
“Na verdade eu realmente preciso de uma ideia de onde podemos ir.”, ele coçou os cabelos da nuca com a mão livre, sem graça. Ele sempre parecia uma criança quando fazia isso.
“Ok, vou quebrar seu galho dessa vez. Conheço um restaurante não muito longe. Eu nunca fui lá, mas o Shika levou a Temari para jantar uma vez e ela gostou muito.”, falou conforme o puxava.
Os dois caminharam rapidamente, com Sakura o guiando ainda com a mão enlaçada na dobra de seu braço. Ela amaldiçoou seus saltos e Naruto quis diminuir o ritmo, mas ela não deixou, porque estava com fome. Ainda assim, demoraram cerca de vinte minutos para chegar ao restaurante por causa dos sapatos dela, mas Naruto sinceramente não se incomodou.
Eles estavam em uma das extremidades da vila, algumas ruas atrás do complexo Uchiha — um dos lugares que ficaram de pé depois do ataque de Pain. A ironia do fato era grande, já que na vila toda, aquele era o único lugar completamente inabitado, mas o que se manteve mais intacto.
Também era irônico porque as pessoas de Konoha odiavam aquele complexo e queriam demoli-lo. Principalmente depois que Sasuke foi embora com Orochimaru, mas Tsunade não permitiu. O bairro Uchiha fazia parte da história de Konoha e a velha Hokage tinha muito respeito por aquela família, ainda mais depois de descobrir como e porque o massacre aconteceu.
Naruto evitava passar lá, porque obviamente o lembrava de Sasuke. Claro que o lugar não era habitado há muito tempo, mas ainda assim, era ali que ficavam os fantasmas do passado tenebroso do seu melhor amigo. O que aconteceu dentro daquelas paredes era a causa de toda a dor de Sasuke e, portanto, o que tinha conduzido seu caminho como Nukenin quando mais jovem.
Então Naruto evitava andar por aqueles lados, afinal, era só mais um lugar que cravava pequenos espinhos em seu peito. Para a sorte dele, não havia muita coisa por ali além do complexo do clã Hyuuga há algumas ruas, então não fazia parte da sua rota diária.
Quando pararam diante do restaurante, ele se perguntou como o lugar tinha se mantido funcionando, dado o local onde estava situado. Não parecia ser muito antigo. Sakura olhou de relance para Naruto, tentando perceber se tinha sido má ideia levá-lo para aqueles lados, mas ele parecia bem.
O lado de fora do estabelecimento era iluminado com pequenos focos de luz que miravam para a parede de painéis de madeira escura, e era com certeza mais sofisticado do que os lugares onde Naruto ia normalmente. Lá dentro, ele percebeu garçons vestindo ternos e gravatas-borboletas servindo as mesas com eficiência.
“Muito extravagante?”, Sakura sondou meio incerta, mas Naruto riu e negou com a cabeça.
“Claro que não. Se eu soubesse desse lugar, com certeza teria te trazido aqui. É perfeito.”, ele tomou coragem e soltou seus braços, pegando a mão da garota.
Sakura sorria para si mesma enquanto Naruto entrava de mãos dadas com ela e falava com o maître em um murmúrio. Ele sorriu para os dois e, com uma pequena reverência, os conduziu até uma mesa de dois lugares à um canto.
Ela ficou vermelha ao perceber que sugerir aquele lugar tinha determinado de vez que estavam em um encontro — a maioria das mesas eram para apenas duas pessoas e a meia-luz fazia tudo ficar muito íntimo. O ambiente era refinado e as toalhas das mesas eram de um vinho profundo que se tornava sóbrio por causa da penumbra. Uma música ambiente muito baixa incrementava a aura de sofisticação.
Naruto agradeceu ao maître e puxou a cadeira para Sakura, depois foi se sentar ao lado dela. Era comum que os acentos ficassem um de frente para o outro, mas ali as cadeiras eram posicionadas diagonalmente na mesa quadrada, o que deixava as pessoas ainda mais próximas.
O dorso da mão dos dois quase se tocavam. Agora que estavam ali de fato, a atmosfera estranha tinha voltado e um silêncio nada confortável pairava entre eles, porque nenhum dos dois sabia o que dizer. Foi Sakura quem falou primeiro.
“E então, como você passou o dia depois que saiu do hospital?”, ela perguntou casualmente, torcendo para não receber nenhuma resposta taxativa de Naruto.
“Bem. Eu estava entediado, então fiz todo o serviço doméstico que provavelmente levaria um mês para eu concluir.”, a risada dele era rouca e baixa. A expressão irônica dela o fez continuar. “É sério! Eu limpei todo o apartamento, lavei minhas roupas e arrumei elas por cores, encerei o chão... Eu nem sabia que madeira podia brilhar tanto.”, ele riu mais alto dessa vez.
“Estou realmente chocada. Eu não sabia nem que você tinha produtos de limpeza em casa.”
A cara de indignação que Naruto fez diante do comentário arrancou uma gargalhada dela. Sakura só parou de rir quando o garçom chegou com dois cardápios encadernados em couro preto e esperou educadamente ao lado da mesa enquanto os dois escolhiam os pedidos. Naruto demorou mais do que o necessário para se decidir, porque tudo parecia incrível. Depois que fizeram os pedidos, o funcionário recolheu os cardápios e os deixou a sós novamente.
Naruto voltou a observar sua acompanhante, que estava olhando os arredores com interesse. Os babados no pescoço de Sakura a deixavam magnífica naquele vestido. Naruto também nunca tinha visto ela de batom escuro, então não tinha percebido antes o quanto sua boca era bem desenhada. O amigo pegou a mão dela em cima da mesa e isso chamou a atenção de Sakura novamente. Naruto tinha o rosto apoiado no punho.
“Você está simplesmente fantástica, sabia disso?”, ele murmurou com a voz grave e sorriu torto, parecendo deslumbrado.
Sakura sentiu seu coração palpitar. Ela se perguntou se ele sabia o quanto aquele sorriso podia ser sedutor e se fazia de propósito para confundí-la. A mão dele estava um pouco mais áspera do que o normal, provavelmente por causa de toda a limpeza que ele tinha feito, mas era tão calmante como sempre.
O toque de Naruto com ela sempre teve a leveza de uma pluma, como se Sakura fosse algo valioso demais para ele tocar com descuido. Muito de vez em quando ele delicadamente deslizava os dedos pela lateral do rosto de Sakura. Era um gesto tão comedido que fazia cócegas em sua bochecha.
E a mão dele sempre se afastava rápido demais. A vontade de abraçá-lo surgia nestes momentos, mas ela só fez isso duas vezes. O sentimento que Naruto despertava nela às vezes a assustava, porque a fazia querer agir e apressar as coisas. E por mais que ele estivesse muito aberto à ela, fazer tudo ir mais rápido com certeza o assustaria. Ela também ficaria perdida depois, então agir com cautela era essencial. Ela não podia se deixar levar.
“Obrigada, Naruto.”, seu sorriso era tímido. “Você também está muito bonito. Essa cor fica ótima em você.”, ela passou os olhos pela roupa dele.
Naruto ficou levemente vermelho com o elogio e começou a desenhar pequenos círculos nas costas da mão dela com o dedão. Eles se perderam nos olhos um do outro momentaneamente. Um minuto depois, Naruto tirou a mão de cima da dela e acariciou o rosto da garota, que sentiu um arrepio correr seu corpo e se inclinou para o gesto.
Debruçando-se inconscientemente sobre a mesa, ele ficou perto o suficiente para que o suave perfume de flores chegasse até seu nariz, prendendo-o em um feitiço.
A pele do rosto dela era macia sob sua palma quando ele ampliou o gesto e envolveu devagar a bochecha de Sakura com a mão. Ela fechou os olhos por um momento e deu um suspiro que o instigou a fechar o espaço entre eles, mas ele se controlou.
Naruto se afastou um pouco quando notou como estavam perto, e gentilmente parou de tocá-la. Entretanto, Sakura entrelaçou os dedos deles em cima da mesa mais uma vez, evitando que se separassem totalmente.
Naruto não sabia em que momento tocá-la tinha se tornado uma coisa natural nestes dois meses que se passaram, como se eles sempre tivessem sido assim. Ao longo daquelas dez semanas o espaço pessoal entre os dois foi ficando cada vez menor, e isso tinha acontecido de maneira tão espontânea que nenhum deles tinha notado.
Era como se Sakura ansiasse por ele — ao menor indício de aproximação, a garota reagia e praticamente pegava o gesto de Naruto no meio do caminho. E ele adorava isso. Adorava ela . Adorava o jeito que Sakura sorria, como o provocava com piadas sobre ele, a forma com que os olhos dela brilhavam quando o viam...
Eles conversaram sobre levianidades enquanto esperavam pelo jantar. Ela contou sobre os avanços que fez no hospital, em sua pesquisa com Ino e reclamou sobre o quanto sentia falta de fazer missões ao lado dele, de Kakashi e de Sai (ela teve o cuidado de não tocar no nome de seu ex-colega de time).
Naruto, por sua vez, falou das missões que tinha feito com os amigos neste meio tempo e após pedir sigilo, não resistiu e falou do convite que tinha recebido para entrar na Anbu. Sakura se maravilhou ao ouvir isso, mas só depois de saber que ele tinha recusado, porque a ideia dele participar de missões perigosas de assassinato a preocupava imensamente.
Os dois comeram devagar, parando para comentar uma coisa ou outra e rir, ou então para roubar comida um do prato do outro. Em dado momento, Naruto, chorando ao tentar controlar o riso, apontou para uma senhora que vestia um macacão verde limão do avesso e tinha a etiqueta pendurada na bunda, o que fez Sakura quase se engasgar com a água.
Eles pediram a sobremesa ali mesmo e Naruto descobriu que amava creme de papaya com o sorvete de baunilha que Sakura tomava, o que fez ela juntar as duas sobremesas na mesma taça, permitindo que eles compartilhassem.
Era como dois amigos jantando casualmente, mas os olhares que eles trocavam e suas mãos entrelaçadas indicavam que já tinha passado disso há um tempo. Sakura reclamou novamente quando Naruto não a deixou gastar com nada e eles discutiram até ele prometer que deixaria ela pagar tudo da próxima vez que saíssem. Isso fez ambos ficarem felizes, porque também era uma forma de falar que haveriam outros encontros. Já eram onze horas quando eles agradeceram ao maître e saíram, pegando o caminho de volta.
“Eu não quero que essa noite acabe.”, Sakura confessou baixinho depois de algum tempo, enquanto caminhavam devagar de braços dados. Eles já tinham passado pelo centro da cidade e estavam há mais ou menos dez minutos da casa dela.
Naruto diminuiu o ritmo até parar e a olhou. “Nem eu...”, ele suspirou. Sakura puxou o outro braço dele para ver as horas no relógio de pulso.
“São onze horas agora e eu estou de folga neste fim de semana. Você tem alguma coisa para fazer amanhã cedo?”, a amiga perguntou. O coração dele acelerou quando percebeu que Sakura estava falando muito sério sobre não querer que a noite acabasse. Um sorriso imenso se formou lentamente no rosto dele e seus olhos azuis brilharam. “O que?”, indagou ela em confusão.
“Nada...”, ele riu baixinho, enquanto chacoalhava a cabeça em êxtase. “Nada. Olha só você...”, ele murmurou, sorrindo de lado.
“O que?”, Sakura repetiu, incisiva, enquanto ruborizava.
Os olhos de Naruto ardiam, agitados em um azul ridiculamente translúcido que fez o sangue dela ferver e bombear mais rápido. E ela nem queria começar a pensar sobre aquela porcaria de sorriso. Tinha que ser de propósito, não era possível. Naruto se inclinou para Sakura e passou as mãos grandes pela cintura dela, puxando-a gentilmente contra ele para um abraço. O corpo de Naruto estava em todo lugar, o queixo dele apoiado em seu ombro.
“Olha só você, fazendo meu coração acelerar desse jeito.”, a voz de Naruto tinha um timbre baixo e rouco, o hálito quente tocando a orelha dela.
Sakura não sabia dizer se o arrepio que ela sentiu foi por causa do que ele tinha dito, pela forma que tinha dito ou pela respiração dele em seu ouvido. Ela nem sequer conseguiu pensar em uma resposta, parecia que seus sentidos estavam entrando em curto-circuito rapidamente.
Ela passou os braços pela nuca do amigo e virou o rosto o suficiente para enfiar a cara no pescoço dele. O perfume que ele usava tinha quase desaparecido, mas parecia patchouli. Era uma fragrância quente e convidativa misturada com o cheiro de pele. Completamente intoxicante.
O arrepio que Naruto provocou foi percebido por ele. O movimento do nariz de Sakura entrando em contato com a pele fina de seu pescoço fez o desejo pinicar por seu corpo junto com a vontade de beijá-la, mas era cedo demais, então ele se separou, afastando-a pelos ombros gentilmente. Sakura ficou desapontada, mas ele fingiu não perceber.
Ele pegou sua mão novamente e os dois voltaram a caminhar rumo à casa da amiga. Sakura parecia perdida em pensamentos. Ela não entendia porque às vezes Naruto fazia isso. Dava sinais de interesse o tempo todo, mas em alguns momentos ele simplesmente se afastava. Como agora, que ele nem tinha respondido à pergunta dela sobre ter algo para fazer no dia seguinte.
Ainda era pouco mais de onze horas e eles eram adultos, não é como se eles tivessem horário para voltar para casa. Eles podiam ir para outro lugar e passar mais tempo juntos, mas ele decidiu sair pela tangente. E logo depois, sussurrou aquilo no ouvido dela. Então, do nada, se afastou.
Às vezes Sakura não sabia o que fazer — era tudo muito confuso para ela também. Era confuso desenvolver tantos sentimentos por Naruto em dois meses e ainda assim sentir que tudo estava indo muito devagar, porque ela queria mais dele. Só que ela sabia racionalmente que as coisas estavam, na verdade, acontecendo rápido. Ainda que tivesse se passado dois meses, eles se viram apenas algumas vezes por pouco mais de uma hora nesse meio tempo. E ela sinceramente ainda não tinha se livrado de Sasuke por completo.
Ela ainda tinha muito medo de magoar Naruto, de perdê-lo se algo desse errado, de estragar tudo... Por isso, ao mesmo tempo que se sentia grata por ele desacelerar as coisas, Sakura ainda assim ficava chateada, porque tinha motivo para estar receosa. Mas Naruto estava esperando pela oportunidade de estar com ela há anos, então não havia porque se afastar assim sabendo que os sentimentos eram recíprocos.
Suas mãos estavam dadas, mas Naruto tinha deixado um espaço maior do que o necessário entre eles — antes, caminhavam ombro a ombro, mas agora estavam distantes, mesmo com as mãos grudadas.
Sakura olhou para Naruto, que parecia distraído em seus pensamentos também. Apesar da atitude descontraída e receptiva, ele também devia estar com medo. Afinal, o amigo tinha sido apaixonado por ela desde sempre. Talvez... Talvez fazê-lo esperar tanto tempo tinha o magoado mais do que ela imaginava, e essa possibilidade fazia seu peito doer — Naruto não merecia isso.
Eles finalmente chegaram na porta da casa dos Haruno, mas Sakura parecia chateada. Naruto se sentiu culpado por ter quebrado o clima entre eles mais cedo, mas a chance do seu corpo o trair naquele momento tinha o apavorado totalmente.
Era muito cedo para beijá-la e ele tinha que se acalmar. Naruto tinha dito para si mesmo que agiria com calma, que faria tudo sem atropelar as coisas. Ele soltou a mão da amiga e respirou fundo, mas foi ela quem falou.
“Naruto...”, o receio dela o preocupou. Ele se aproximou de Sakura um pouco mais, dando-lhe toda a atenção. “Tem alguma coisa errada?”, perguntou a garota.
Ele arregalou os olhos sem saber o que falar. Talvez Sakura estivesse esperando alguma coisa dele, afinal. Ela tinha se arrumado toda para vê-lo hoje e tinha dado todas as deixas do mundo para que ele pudesse fazer o que quisesse.
Os dois tinham brincado, rido, flertado e conversado por horas, tinham se dado as mãos e trocado carinhos, e aqui estava Naruto, a deixando insegura. Ele engoliu seco diante do tom de incerteza de Sakura e suspirou silenciosamente antes de erguer o queixo dela com cuidado.
“Não, não tem nada de errado, Sakura-chan.”, os dedos que correram do queixo dela para a lateral do rosto eram tão carinhosos quando o olhar que ele a reservava. “Meus sentimentos por você nunca mudaram e ficaram ainda mais fortes nestes últimos meses.”, Naruto disse abertamente. Os olhos dela se arregalaram minimamente com a declaração e agora ela praticamente bebia das palavras dele em um estado que oscilava entre choque e transe. O coração dela palpitava. “E é por isso que eu quero fazer tudo do jeito certo. Não quero apressar nada entre nós, sabe? Eu tive paciência por todos esses anos e não vou mudar agora só porque finalmente consegui fazer você me enxergar e reconhecer meus sentimentos. Quero que dê tudo certo entre nós.”, as mãos de Naruto pousaram uma de cada lado do pescoço dela com o peso de uma pena e Sakura ouvia os próprios batimentos no ouvido. O queixo dela se sustentava nos dois dedões dele.
“M-me desculpe... por não ter te visto antes.”, ela respondeu em um sopro triste, mas ele sorriu e ternamente se abaixou para beijar sua testa. Sakura colocou as mãos sobre o peito dele e fechou os olhos, perpetuando o momento. Ela estava tão em paz, agora que compreendeu porque ele hesitava e ouviu sobre como ele se sentia.
“Você não precisa se desculpar. Tudo tem seu tempo, está tudo bem.”, Naruto sussurrou contra o losango roxo da testa dela, depois a soltou para encará-la. “Eu quero te ver amanhã, o que você acha?”
“Eu achei que você não fosse perguntar.”, o sorriso dela era largo e a garota voltou a se inclinar sobre Naruto, encostando a bochecha em seu peito. Ele a abraçou com firmeza e Sakura ouviu o coração dele batendo rápido e forte. “Vou levar algumas coisas para fazer o almoço, ok?”, ela o puxou pela nuca para um beijinho na têmpora. Naruto sorriu, mais para si mesmo do que para ela com a ideia de Sakura cozinhando para ele. Depois a soltou com pesar.
“Ok, te vejo à uma, então. Boa noite.”, ele respondeu.
Os dedos dele percorreram mais uma vez o rosto da garota devagar e ele se afastou. Naruto esperou ela entrar em casa antes de dar tchau e fazer o caminho familiar até seu apartamento com o estômago cheio de borboletas.
Chapter Text
Naruto pulou da cama 12h30, não vendo necessidade alguma de acordar cedo. Afinal, ele tinha limpado o apartamento no dia anterior como nunca tinha feito antes. Uma brisa gélida entrava pela janela que ele raramente deixava aberta durante a madrugada e os raios de sol passavam pela vidraça, lançando fracos feixes de luz no chão de madeira, que brilhava pela primeira vez em muitos anos.
Ainda deitado, ele se espreguiçou e bocejou. A moleza pós sono o tentou a se virar para o lado e voltar a dormir, mas ele sabia que Sakura estaria ali em breve. Por mais que Naruto tivesse ido direto para casa na noite anterior, ele custou a dormir com toda a adrenalina que corria por seu corpo. Ele ainda não acreditava que tivera um encontro com Sakura e que tinha finalmente, finalmente se declarado sem receber em troca um soco ou um olhar de desprezo.
Ele se esticou mais uma vez e sentou no colchão, esfregando os olhos antes de se levantar. A cama foi feita rapidamente e ele separou uma cueca limpa, um short e uma camiseta, carregando tudo para o banheiro enquanto assobiava alegremente.
Naruto tomou banho na água quente, por causa do frio. Ele se vestiu com calma e tentou domar os cabelos, que agora quase caiam em seus olhos. Precisava muito cortá-los logo e fez um lembrete mental de resolver isso depois do final de semana.
Quando passou pelo quarto, o vento gelado que entrou pela janela o fez se arrepiar, então correu e fechou a vidraça com um baque seco. Ele se perguntou se deveria buscar Sakura ao invés de deixá-la andar sozinha neste frio (porque aparentemente ele estar junto com ela iria fazer a temperatura mudar como mágica, claro). Já tinha passado da uma hora, então a amiga provavelmente já teria saído de casa, mas eles podiam se encontrar no meio do caminho.
Enquanto se decidia, ele ouviu uma batida. Sorrindo e andando a passos largos, foi até a cozinha e abriu a porta com entusiasmo. Diante dele, Sakura, em sua blusa de lã branca e cachecol enrolado no pescoço, tinha a ponta do nariz e as bochechas coradas por causa do frio e era a coisa mais linda que ele já tinha visto. O cabelo rosa se lançava em cascatas para o lado por causa do vento e ela segurava várias sacolas.
Naruto correu para tirá-las das mãos enluvadas dela e as pôs na mesa enquanto Sakura fechava a porta atrás de si. Ele se virou e sorriu com a visão da garota, mas ela parecia brava.
“Naruto! Olha o frio que está fazendo e você descalço com essa roupa! Vá colocar um abrigo! Você-”
Naruto tinha um sorriso genuíno agora e a abraçava pela cintura, levantando-a do chão com cuidado. Ela sentiu um frio na barriga com o movimento, mas logo estava em contato com a pele quente dele. Naruto a manteve no ar contra seu corpo e a amiga o abraçou pelo pescoço, meio incomodada por não ter os pés no chão. Entretanto, um segundo depois ele a abaixou gentilmente e sorriu, passando os dedos pela bochecha dela. A garota ficou mais vermelha ainda.
“Você está linda. Senti sua falta.”, ele falou, ruborizando contra a vontade. Os olhos dela brilharam e ela mordeu o lábio timidamente, olhando para os pés.
“Obrigada. Eu também senti sua falta.”, a amiga se voltou para ele novamente. “Agora por favor, vai trocar de roupa e vestir algo mais quente. E não fique descalço, você vai pegar um resfriado. Anda, não estou com vontade de ter que voltar para o hospital hoje, vou organizar as coisas aqui enquanto isso.”, ela sorriu e foi até a mesa, mexendo nas sacolas.
Naruto revirou os olhos para ela, mas sorriu ao ver a garota cuidando dele com tanto zelo. Caminhou pelo corredor com o sorriso que permanecia em seu rosto sem esforço algum. Fazia tempo que não se sentia tão bem assim, tão leve, tão tranquilo, tão...
Ele parou na porta e suas feições caíram, a felicidade simplesmente evaporou e seu estômago embrulhou. O ar se perdeu instantaneamente e ele quase cambaleou. Dentro do quarto, parado diante da porta de correr, Sasuke o esperava em sua capa preta como se estivesse ali desde sempre. Estava exatamente do mesmo jeito que Naruto se lembrava, exceto pelo cabelo um pouco maior e da pele, que tinha perdido a cor e voltara a ser pálida como porcelana. Ele também parecia mais magro. Ainda assim, sua beleza aristocrática não tinha o deixado — Sasuke continuava mais bonito do que nunca na máscara sem expressão que Naruto já estava acostumado, apesar do rosto meio encovado.
Naruto travou a mandíbula e fechou a porta atrás de si em silêncio, sem tirar os olhos dele. Sua pele se arrepiou e ele talvez ficasse preocupado com a aparência magra e pálida de Sasuke se não tivesse ficado tão perturbado e principalmente irritado em vê-lo ali. Era uma evolução — pelo menos ele não estava preso em um torpor com medo de se virar e o homem desaparecer. Na verdade ele teve vontade de socá-lo com toda a força de seus punhos.
Talvez isso significasse que uma parte de sua raiva fosse verdadeira então, e não apenas uma forma de encobrir a dor — que aliás estava ali sim, mas isso só fazia a ira aumentar. Naruto estava bem antes. Ele estava sorrindo e se sentindo feliz. Antes, ele estava em uma bolha de alegria e aconchego por causa de Sakura. Ver Sasuke ali era como ser mergulhado em uma água densa e congelante. Ele nem tinha se lembrado de Sasuke até aquele momento, e era a primeira vez que isso acontecia em um ano e dois malditos meses de merda.
E então no único dia que ele realmente se sentia em paz desde que aquele bastardo dos infernos tinha ido embora, o idiota aparece ali para fazê-lo se lembrar da dor, da raiva e de como Naruto não significava merda nenhuma, ou então ele não teria partido. Ali estava Sasuke de novo, depois de cinco meses sem aparecer , como se ele tivesse o direito de surgir e exigir atenção. Como se Naruto sempre fosse estar disponível para ele brincar quando quisesse, ainda mais no meio de seu encontro com Sakura.
Ele não pôde deixar de pensar no que a amiga sentiria se o visse ali, se seus sentimentos por Sasuke voltariam e ela finalmente perceberia que o que quer que ela e Naruto estivessem tendo, não passava de um delírio e um equívoco. Talvez fosse mais uma coisa que Sasuke estragaria para ele, então, e o pior é que faria isso sem precisar se esforçar, como o resto das coisas que o amigo tinha feito ruir sem ter nem consciência, sem precisar mover um dedo. Como por exemplo, a sanidade e a felicidade de Naruto.
Naruto lhe lançou um olhar duro e não sorriu, os músculos do pescoço se tencionaram quando ele cerrou os dentes e as íris, que antes eram de um tom de azul quente e convidativo, tinham se acinzentado, frio como gelo. Se a recepção tinha deixado Sasuke surpreso, ele não demonstrou nem um pouco.
Seus olhos díspares vagaram pelo aposento, depois por Naruto, mas ele não disse absolutamente nada, como esperado. Fazendo um esforço, o dono da casa desviou o olhar e se agachou diante da cômoda, de costas para o visitante.
“Estou ocupado.”, Naruto disse em uma voz baixa e cortante enquanto remexia em suas roupas de frio sem prestar muita atenção no que fazia.
Ele podia sentir o olhar do outro em suas costas e também o suco gástrico se acumulando nas paredes de seu estômago por causa da raiva, assim como as lágrimas que queimaram seus olhos e ameaçaram cair. Ele não olhou para Sasuke quando pescou uma blusa e uma calça de abrigo, saindo para o banheiro com passos firmes para se trocar.
Tinha certeza que o visitante não estaria mais lá quando ele voltasse, e foi exatamente o que aconteceu. Naruto tentou ignorar a decepção em seu peito quando viu seu quarto vazio. Um amargor subiu para sua boca enquanto ele dobrava a roupa que tinha vestido anteriormente e guardava na gaveta.
Era óbvio que não iria acontecer, mas Naruto esperava que Sasuke pelo menos dissesse alguma coisa ou até argumentasse, perguntasse o que ele estava fazendo de tão importante. Ou que pelo menos não tivesse ido mesmo embora. Mas claro que se um dia qualquer uma dessas coisas ocorresse, ele precisaria matar Sasuke imediatamente, porque não seria ele ali.
Naruto respirou fundo e passou os dedos pelo cabelo loiro, jogando-o para trás antes de procurar seus chinelos no armário ao lado da cama. Fingiu não ver a caixa de sapatos cheia de cartas ali dentro e fechou as portas do guarda-roupa com mais força do que o necessário antes de calçar os chinelos e voltar pelo corredor, cabisbaixo e com o monstrinho no peito protestando com toda a força de seu ser.
Sakura estava de costas para ele, lavando alguns legumes na pia baixa enquanto cantarolava para si. Aquela mulher era o suficiente para ele ser feliz, sim. Ele não precisava de Sasuke e não fazia questão da amizade dele. Ele não importava. Com um nó na garganta, Naruto caminhou lentamente até ela a abraçou, afundando o nariz nos cabelos cor-de-rosa jogados sobre o ombro e fazendo-a tremer com o contato. O cheiro floral conhecido o acalmou.
Sakura virou o rosto devagar e viu os olhos azuis perturbadoramente tristes de Naruto a encarando de lado, veementes. Ela rapidamente fechou a torneira e deixou os legumes, depois secou as mãos para se virar de frente para Naruto, que a abraçou propriamente então. Ela estava muito confusa, porque há nem dez minutos o homem diante dela estava praticamente brilhando de bom humor e felicidade.
“Naruto? O que aconteceu?”, ela sussurrou receosa, sem saber o que fazer.
Mas Naruto, encurvado, com o rosto enfiado entre os fios que caiam pelo pescoço dela, só negou com a cabeça em um gesto infantil que indicava que ele não queria falar sobre aquilo. Sakura engoliu seco e o puxou para mais perto, acariciando a cabeça dele com cuidado. O amigo a apertou mais um pouco e a respiração dele pareceu falhar minimamente. As mãos tremiam de leve.
Ela não fazia a menor ideia do que o tinha feito ficar daquele jeito, mas não aguentava ver Naruto tão triste, era algo que realmente fazia seu coração doer. A garota o soltou, mas ele não se moveu. A sensação que ele tinha era que se ele se mexesse, desabaria de vez em lágrimas.
“Ei, venha. Eu não consigo te abraçar assim, você é mais alto do que eu.”, ela disse em um tom leve e hesitante antes de puxá-lo até o sofá e o sentar.
Os olhos do amigo estavam levemente avermelhados, como se Naruto estivesse fazendo força para não chorar. Ele abaixou a cabeça, tentando esconder o rosto, mas Sakura permaneceu em pé diante dele e voltou a abraçá-lo.
Com o ouvido diretamente sobre o coração dela, ele fechou os olhos, deixando-se acalmar pelo som do sangue sendo bombeado. Ele sabia que a amiga não estava entendendo nada e ficou muito grato por ela não tentar forçá-lo a explicar. Se fosse antes, talvez ela o obrigasse a dizer alguma coisa, mas ultimamente ela parecia respeitar muito seus silêncios cada vez mais frequentes.
Os dedos finos e longos da garota mexeram nos cabelos loiros devagar e ele expirou lentamente com o carinho. Os batimentos dela aumentaram e ele a apertou mais um pouco, carente de contato físico. As mãos dele estavam espalmadas em suas omoplatas, segurando-a, e depois de algum tempo, pararam de tremer.
Por mais que tivesse se esforçado para que não acontecesse, uma ou duas lágrimas escaparam dos olhos azuis, mas seu rosto estava encoberto e Sakura não captou isso. Era tudo muito injusto. Ele tinha certeza que se não fosse por Sakura ali, ele teria ido com Sasuke, como o cachorrinho idiota que era. Ninguém em sã consciência aceitaria o que Naruto estava aceitando do melhor amigo — o silêncio, as visitas esporádicas sem uma explicação para os longos meses de sumiço, o pouco caso e a falta de respostas das duas cartas mandadas.
Naruto enfiou mais o rosto no peito dela e o cheiro de perfume de flores e naftalina impregnado em sua blusa de lã branca o embalou. Ela ficou ali, em pé entre os joelhos dele, brincando com seus cabelos loiros pelo que pareceram horas, mas ela não se importou.
Naruto agora passava as mãos pelas costas dela e parecia mais calmo. Ele conseguia respirar direito novamente e o nó em seu peito se desmanchou, varrido pelos dedos que acariciavam sua cabeça com ternura. Seus músculos estavam menos tensos e as lágrimas tinham secado.
Naruto suspirou, dessa vez em resignação, antes de soltar Sakura. Ela não queria se afastar, mas ainda assim se moveu um pouco para encará-lo nos olhos. Estavam novamente calmos e límpidos, e ele sorriu timidamente.
Hesitante, Sakura colocou as duas mãos sobre as marcas de bigodes nas bochechas morenas e se aproximou, beijando a testa de Naruto. Ele fechou os olhos e engoliu seco, o coração se acelerando com a necessidade de trazê-la para mais perto de novo, mas ele se controlou e, depois de um segundo, ela deu um passo para trás.
“Você... não quer falar sobre isso?”, perguntou a amiga em uma voz hesitante.
Naruto suspirou e fechou os olhos, cabisbaixo. “Me desculpe, eu só... Tem coisas que eu só... ”, o amigo sussurrou, mas ela apenas sorriu tristemente e continuou passando os dedos sobre as bochechas dele.
“Tudo bem, talvez outra hora. Venha, vamos fazer nosso almoço.”, Sakura falou, puxando-o pela mão. Ele devolveu o sorriso triste e se colocou de pé, indo para a pia com ela.
A garota deu instruções para ele enquanto fazia a parte dela. Naruto lavou e picou vegetais e legumes, cortou o frango em cubinhos como Sakura pediu e separou os temperos. Depois, se sentou, observando-a cozinhar. Ela explicou tudo que fazia e Naruto a ouviu com muita atenção, afinal, era uma excelente oportunidade para aprender a cozinhar alguma coisa. Ela respondeu todas as perguntas dele com paciência.
Sakura era muito habilidosa na cozinha desde mais nova, exceto na vez em que ela resolveu fazer pílulas de comida para ajudar Naruto no treino dele. Aquelas eram as piores que ele já tinha provado e ele a lembrou disso, rindo e desviando do pano que Sakura jogou nele com a provocação.
Quando a comida ficou pronta, ele pôs a mesa com a louça que quase não era usada. Por ser uma superfície pequena, tiveram que se servir direto no fogão antes de se sentarem para comer. Sakura tinha feito um frango todo colorido muito saboroso e levemente apimentado que ele amou, tamagoyaki e bolinhos de arroz. Comeram com calma e em um silêncio agradável que preferiram não quebrar.
Naruto estava bem mais calmo e a aura de paz e aconchego que Sakura trouxe para ele e para a casa era maravilhosa. Era a primeira vez que alguém além dele cozinhava em seu apartamento e Naruto imaginou que aquela devia ser a sensação de ter alguém te esperando em casa no fim do dia, algo que ele nunca teve com ninguém. Era uma sensação incrível, quase como se ele nunca tivesse ficado solitário.
Imaginou que, se um dia ele se casasse (e ele se esforçou muito para não pensar em Sakura como sua esposa, porque isso seria pular umas cinquenta etapas do que estava acontecendo entre eles), Naruto idealizou que sua rotina seria exatamente assim. Sua esposa o esperaria para prepararem o jantar juntos (talvez até com a ajuda extra de alguma criança de cabelos loiros e olhos azuis como os dele), eles comeriam enquanto conversavam sobre o dia que tiveram e depois se juntariam no sofá para ver TV e tomar chocolate quente antes de dormir.
Nos fins de semana, teriam o costume de chamar os amigos para almoçar e passariam a tarde conversando e vendo os filhos todos brincando uns com os outros no quintal enorme que ele teria no fundo da casa. Imaginou os filhos de Shika e Temari, Ino e Sai, Chouji e a garota com quem ele estava saindo, cujo nome Naruto não se lembrava correndo na grama e preenchendo a tarde com as risadas infantis...
Mas então suas entranhas se apertaram ao surgir a imagem de Sasuke na mesa com eles, conversando com Kiba e Neji enquanto sorria levemente. Uma garotinha de cabelos e olhos negros como pixe corria até ele, animada com o Jutsu que tinha acabado de aprender. Sasuke se viraria para Naruto do outro lado da mesa com um olhar superior e um sorriso sarcástico, porque com certeza eles ainda seriam rivais, mas principalmente pais orgulhosos, por isso viveriam em uma competição eterna, medindo as conquistas dos filhos sempre que podiam.
Naruto fechou os olhos e chacoalhou a cabeça de leve, fazendo Sakura erguer uma sobrancelha. Ele tinha estado olhando para o prato vazio por quase cinco minutos inteiros sem piscar. O homem suspirou e se levantou sem falar nada, tirando a mesa com cuidado enquanto Sakura guardava a comida na geladeira de Naruto. Depois ela se colocou ao lado dele em um acordo silencioso enquanto enxugava a louça que o outro lavava. Ele guardou tudo em seus devidos lugares com a ajuda de Sakura e então finalmente se virou para a garota, sem saber muito o que fazer agora.
“Então, hã... Você quer ver um filme?”, ele perguntou. Sakura olhou além do corredor para a televisão que estava no canto do quarto de Naruto, bem à vista dela, e ergueu uma sobrancelha para ele, divertida. “Não! Eu ia... trazer a TV para a cá, não foi o que eu quis dizer!”, disse o amigo em desespero ao perceber o que tinha insinuado sem querer. Ele tocou a nuca e seu rosto esquentou.
Sakura riu e ele ficou mais vermelho ainda. O apartamento era bem pequeno e Sakura já estava acostumada àquele lugar, porque vinha pegá-lo para missões desde que Sasuke tinha ido embora com Orochimaru.
Há alguns anos, ele tinha conseguido comprar um sofá de dois lugares que colocou no canto da cozinha, bem de frente para a mesa, porque não havia espaço. A televisão não cabia ali nem se empurrassem os móveis. Ele tinha ficado irritado porque não pensou direito no espaço disponível antes de comprá-lo, mas não via motivo para mudar para um lugar maior.
“Não seja idiota, você sabe que não tem como trazer a TV pra cá, Naruto.”, a amiga riu de novo com a expressão mortificada dele. Ela sabia que ele não tinha falado com segundas intenções. “E outra coisa, a gente acampou junto por anos. Venha logo.”
Sakura pegou a mão dele e o puxou para o quarto, sentando-se na cama depois de soltá-lo. Naruto, ainda sem graça, abriu a última gaveta da cômoda ao lado da televisão e tirou uma caixa cheia de filmes de lá, levando até a cama para a amiga escolher. A maioria dos filmes eram de ação, mas tinha algumas animações ali também e mais ao fundo ela achou uma comédia romântica. Sakura se virou para ele.
“Bom, você sabe que eu odeio filmes de ação e que prefiro a morte do que assistir desenho animado, então vamos ver esse filme água com açúcar. Não pense que estou usando isso pra dar em cima de você, ouviu?”, ela brincou e sorriu torto antes de piscar para ele.
Naruto, pêgo de surpresa, só conseguiu erguer as sobrancelhas para ela, que respondeu com uma risada bem humorada enquanto devolvia a caixa. Ele voltou os filmes para o lugar e, enquanto ela colocava a fita escolhida, ele pegou seus dois travesseiros e os apoiou na parede onde a cama pequena ficava encostada.
Naruto se acomodou na esquerda e puxou o edredom sobre as pernas que ficaram para fora, feliz em constatar que seu arranjo era bem confortável. Depois de Sakura aumentar o volume, ela se sentou ao seu lado e colocou a coberta no colo também.
Alguns minutos mais tarde, a garota olhou para o lado e viu um Naruto completamente rígido sentado ao lado dela. Ele estava tomando cuidado para não ficar muito perto e parecia desconfortável. O olhar deles se cruzaram e o amigo rapidamente desviou de volta para a televisão, meio em pânico. Sakura deu um muxoxo e Naruto a fitou pelo canto do olho mais uma vez. Ela deu um soco de leve no braço dele.
“Ai! Ei! Eu achei que você tinha dito que não ia mais me bater!”, ele exclamou indignado, passando a mão sobre o local. “O que eu fiz de errado agora?”, o olhar dele era bravo, mas o beicinho indicava que Naruto não estava irritado de verdade.
“Você está aí, sendo todo estranho!”, ela respondeu, empurrando ele para o lado. Naruto tombou por não ter nada para se segurar e deu um cutucão na perna dela com o pé antes de conseguir se sentar novamente.
“Eu não estou sendo estranho...”, ele murmurou emburrado como uma criança de cinco anos. “Só não sei muito o que fazer.”, ele disse mais baixinho ainda enquanto encolhia os ombros, e Sakura se surpreendeu por ter conseguido escutar o sussurro.
A garota rolou os olhos em impaciência, então puxou o braço dele até conseguir incliná-lo o suficiente para poder dar um beijinho em sua bochecha. O homem virou uma pimenta com esse gesto — na verdade, o único motivo dele estar se sentindo estranho era que a vontade de envolvê-la e juntar seus lábios era imensa.
Sugerir que eles vissem aquele filme idiota tinha sido a pior coisa do mundo, porque por mais que eles nem estivessem encostados, Naruto podia sentir o calor emanando dela e subindo por sua própria pele, como se o próprio sol o banhasse. Sakura franziu o cenho, parecendo confusa com o quão vermelho o amigo tinha ficado diante da aproximação e do beijo no rosto que ela deu.
“Ei, você... Quer fazer outra coisa? Quer tentar colocar a TV na cozinha? Não quero que você fique desconfortável assim, sou só eu, Naruto...”, Sakura argumentou, se afastando ao vê-lo tão inseguro.
Naruto engoliu seco e olhou para ela, sentindo-se culpado. Ele tinha ido tão bem até agora, e quando finalmente conseguiu passar um tempo com ela em um lugar mais privado, estava amarelando daquele jeito como se fosse um idiota.
Ela tinha razão, era só Sakura , sua amiga antes de tudo, a pessoa que esteve com ele por todos esses anos, que o conhecia melhor do que a maioria das pessoas e que, por um presente do destino, estava retribuindo seus sentimentos. Naruto suspirou em descontentamento com ele mesmo e tentou relaxar.
“Não, tudo bem, eu... desculpe. Eu sou só um idiota, fiquei com medo de você se sentir estranha comigo e acabei...”, ele olhou para o teto, irritado com a incapacidade de terminar uma frase coerentemente. “Enfim, deixa pra lá, só... hã... vem aqui comigo...”, ele gaguejou.
Naruto se encostou e abriu os braços para ela. Sakura se aproximou timidamente e apoiou parte das costas no tórax dele, aconchegando-se, e a mão de Naruto buscou a dela em cima da coberta para entrelaçarem os dedos. O coração de Sakura transbordou quando sentiu ele se ajeitar mais e abraçar sua cintura com a mão que passava por trás das costas dela.
Naruto sorriu e apoiou o nariz nos cabelos rosa, inalando a doçura do shampoo que Sakura usava e finalmente prestando atenção no filme. As piadas eram manjadas e o romance era sem sal, mas ele não se importou, porque tinha Sakura em seus braços. Ele assistiria o pior filme do mundo se fosse para estar assim com ela.
A respiração do homem fazia cócegas no topo da cabeça dela, assim como os dedos na palma de sua mão pequena, a quentura do aperto daquele corpo a embalando devagar. Ela nunca iria se acostumar com o quanto o toque de Naruto era suave, ninguém nunca tinha sido tão delicado com ela. Sakura podia sentir às suas costas o peito dele descendo e subindo calmamente no ritmo da respiração e os dedos dele se ajeitando na curva de sua cintura.
Ela deitou a cabeça para trás no ombro largo e não percebeu quando seus olhos se fecharam. Naruto não perdeu o movimento, alcançando-a para dar um beijinho em sua têmpora com a necessidade de se aproximar ao vê-la tão relaxada em seus braços. Ela relaxou os ombros e se inclinou um pouco para ele.
O batimento de Naruto pareceu ficar mais denso em suas veias quando ele viu Sakura tombando um pouco o rosto e chegando mais perto, como se o induzisse a continuar. O hálito dele brincou com a pele da amiga e ela respirou fundo, relaxando mais. Preso no momento, ele pousou os lábios um pouco acima da bochecha corada, e o ar quente do nariz dele fez mais cócegas na lateral da maçã do rosto de Sakura, os braços dele a puxando para mais perto com firmeza.
O pequeno suspiro que ela deu fez o corpo de Naruto reagir de uma maneira estranha, muito parecido com o que acontecia quando ele esteve com Harumi. Ele engoliu em seco, sentindo-se errado e, principalmente, desrespeitoso. Saindo de seu transe, ele piscou para a tela e se endireitou, afrouxando o braço ao redor do corpo de Sakura e voltando a olhar para o filme.
A garota quase deu um muxoxo de desgosto ao perceber Naruto se afastando, mas se conteve. Ela sinceramente odiava com todas as forças quando ele fazia aquilo. Sim, ela tinha dito para si mesma que preferia que tudo acontecessem devagar e ela realmente não estava tentando acelerar a situação, mas desde o dia anterior ela se sentia completamente perdida nele quando Naruto chegava muito perto.
Ela se voltou para a televisão distraída em pensamentos e pôde sentir os olhos do amigo sobre ela, observando-a. Naruto suspirou pesadamente. Ele não sabia bem o que fazer, sinceramente não sabia como se portar, se devia tentar beijá-la, se devia primeiro conversar sobre isso, se devia fingir que nada estava acontecendo...
Em alguns momentos ele tinha a sensação de que Sakura queria que ele desse mais um passo dentro do quase-relacionamento deles, mas sua inexperiência o impedia de ter certeza. Afinal, ele só teve uma vivência anterior para tomar como base, e antes, quando ele estava com Harumi, ela sempre que o beijava, sempre era ela que iniciava as coisas. Naruto só tinha tomado a iniciativa de tudo na última vez que se viram, e só porque sabia estava tudo bem sobre isso, já que se ele não o fizesse, ela o faria.
Esse era um dos momentos em que ele lamentava não ter pais, porque se Kushina ou Minato estivessem ali, Naruto poderia conversar sobre isso com qualquer um deles. Provavelmente sua mãe lhe explicaria como identificar o momento certo de beijar alguém e seu pai lhe diria quando percebeu que poderia fazer isso. E com certeza eles também teriam dito para Naruto ser completamente respeitoso com Sakura, coisa que ele estava tentando fazer a todo momento.
Então talvez o certo fosse não fazer nada por um tempo, provavelmente o correto era aguardar até... até Sakura se irritar de esperar e dar um soco nele ou desistir porque ele estava sendo lento demais. Naruto olhou de relance para a garota, que parecia absorta no filme e tinha uma leve irritação estampada na cara.
Havia um ruguinha entre as sobrancelhas dela e um pequeno beicinho na boca pequena. A amiga pareceu ruborizar um pouco enquanto ele a olhava, mas não havia indício de que tinha sido por causa dele. Naruto fez um leve carinho na mão que tinha entrelaçada à dele e Sakura se virou para o amigo com aqueles olhos absurdamente verdes.
Os dois se encararam por um momento, Naruto ficando quase roxo de vergonha. Sakura pareceu mastigar a língua, como se estivesse de fato meio irritada, mas não disse nada e logo se voltou para o filme novamente.
“Sakura-chan...”, Naruto murmurou, sem saber o que dizer.
A menina olhou para cima, encarando-o. “Por que você me chama assim?”, ela perguntou de repente, curiosa. Ela percebeu o outro confuso, então reformulou. “Porque você não me chama só de Sakura? Quer dizer, antes eu até entendia, mas agora...”, ela olhou para as mãos dadas e depois de volta para ele.
Naruto deu um sorrisinho e encolheu os ombros, voltando a acariciar a mão dela inconscientemente. “Eu não sei, acho que costume. Te incomoda?”, as sobrancelhas se juntaram.
“Não, é só que me dá a impressão que tem uma barreira entre nós, entende? E eu não quero que ela exista, quero que você possa falar e fazer tudo que sinta vontade .”, houve uma leve inflexão nas últimas palavras, como se ela estivesse dando alguma dica, mas Naruto não tinha muita certeza disso.
“Hã, ok...”, respondeu ele, sem entender as implicações. Sakura suspirou sem esconder muito seu desapontamento, e isso Naruto percebeu. “Ei, eu...”, ele mordeu o lábio e isso prendeu os olhos dela por um segundo. “Eu por acaso estou te deixando irritada?”
“Não. Não, é só que... às vezes eu te sinto meio distante, só isso.”, ela esperou com os olhos nele.
Naruto pareceu surpreso com a resposta. “Distante? Como assim?”
“Não sei, às vezes tenho a impressão que você está se segurando perto de mim.”, ela deu um muxoxo. “Como eu disse, preferia que não existisse nenhuma barreira entre a gente, que você fizesse as coisas que tem vontade sem precisar pensar muito sobre isso.”, ela falou mais abertamente.
Naruto se perguntou se ela queria dizer aquilo realmente e se ela tinha noção de que as coisas que ele gostaria de fazer iam além de abraçá-la e segurar mãos. Ele nunca pensou que ficaria se sentindo assim quando conseguisse entrar em um romance com Sakura — que se sentiria tão inseguro sobre beijá-la, por mais que ambos fossem adultos . Talvez Sakura não percebesse que Naruto não era mais uma criança.
Ou talvez ela também não era mais uma criança e ele realmente estava pensando além da conta, o que era muito mais provável. De qualquer forma, ele precisava ter certeza do que podia fazer ou não, porque em nenhuma circunstância queria estragar as coisas. Entretanto, ele sabia que podia tentar cavar um pouco — se a garota entendesse o que ele queria dizer e estivesse tudo bem para ela, Naruto sabia que Sakura deixaria ele perceber, como tinha sido com tudo entre eles até agora.
“Eu não quis dar essa impressão. É só que você não tem ideia do quanto tudo isso é desesperador pra mim.”, ele deu uma risada sem graça e voltou os olhos para os dedos entrelaçados. “Às vezes eu... fico com medo de fazer alguma coisa, você se irritar e eu estragar tudo igual sempre fiz.” Outra risada sem graça. “Então das coisas que eu gostaria, eu nunca sei qual eu posso fazer realmente.”, ele juntou os lábios e olhou para Sakura com expressão culpada, esperando uma bronca.
Entretanto, Sakura sorriu compreensivamente. “Naruto... Eu sei que sempre te afastei muito e eu sei que por isso você ainda tem um pouco de medo de mim, mas eu não sou mais assim com você há meses. Eu... realmente gosto muito de você.”, ela enrubesceu violentamente diante do que tinha finalmente dito. “E com certeza grande parte das coisas que você gostaria de fazer são completamente razoáveis e até recíprocas. Não temos mais doze anos.”, ela concluiu, ficando mais vermelha ainda.
Naruto piscou, meio atônito. Ali estava a bandeira que ele queria, quase esfregada em sua cara por Sakura. Eles não tinham mais doze anos e provavelmente grande parte das coisas que ele gostaria de fazer eram recíprocas . Mais claro impossível. Sakura o observava, aparentando estar incerta, mas Naruto tinha entendido bem.
Então porque ele simplesmente não conseguia fazer nada? Ele não sabia. O coração de Naruto palpitava bastante em seu peito e ele ficou tão vermelho quanto ela, voltando-se para a TV e fazendo Sakura ficar mais confusa ainda. A amiga observou o rosto dele por alguns segundos antes de se ajeitar lentamente e voltar a ver o filme também. Eles não falaram mais nada até o final.
Naruto se espreguiçou quando o filme acabou — como eles não queriam se despedir, resolveram colocar um segundo assim que terminou o primeiro, e Sakura escolheu um dos filmes de ação preferidos de Naruto. Entretanto, ele não conseguiu prestar atenção em momento algum, porque estava totalmente focado nela desde o que ela tinha dito há algumas horas. Estava até mais sensível a ela, analisando cada vez que a amiga respirava mais fundo ou se movia um pouco. Talvez a libido dele estivesse acumulada.
Tinha sido uma tortura lenta e horrível. Ela tinha se movido cada vez para mais perto, aconchegando-se em seu peito, seus cabelos eram como uma brisa em seu pescoço e às vezes ela lançava olhares por trás do ombro para observá-lo por alguns segundos, só para deitar a cabeça nele novamente e brincar com seus dedos, fazendo cócegas em sua mão e enviando pequenos arrepios pela coluna de Naruto.
Então, depois de muito tempo, a música animada que indicava o término do filme tocou e ela se desencostou dele. Naruto, que tinha ficado rígido durante todo o tempo depois da conversa, se colocou de pé e esticou os músculos doloridos. Estava bem mais frio agora e passava das oito horas.
A garota se arrastou até a beirada da cama e arrumou o cachecol com os olhos de Naruto sobre ela. Sakura estava um pouco chateada por ele não ter sequer respondido ao que ela tinha falado anteriormente, mas sabia que era por pura hesitação e vergonha. Sakura não sabia nem se ele já tinha beijado alguém na vida, apesar de achar impossível um homem de 18 anos nunca ter ficado com nenhuma garota. Ela ficou de pé e foi até Naruto, que tirava a fita da televisão e a guardava.
“Ei, eu vou embora. Está ficando bem frio.” avisou. Naruto fez que sim e a seguiu para a cozinha, onde ele tirou os chinelos e colocou um sapato fechado, depois pegou um casaco de pele marrom que tinha pendurado no suporte ao lado da porta e colocou em Sakura. Ele ajeitou o cachecol no pescoço dela e puxou o capuz, cobrindo os cabelos da amiga.
“Ok, vamos.”, ele disse, abrindo a porta da frente. Sakura ergueu as sobrancelhas, sem entender. Naruto revirou os olhos. “Você acha mesmo que eu vou deixar você andar sozinha por aí, ainda mais nesse frio?”, ele perguntou como se fosse óbvio.
Ela sorriu um pouco enquanto colocava as luvas que tinha deixado em cima do balcão da cozinha. “Naruto, eu sou uma excelente Kunoichi, eu posso-”
“Eu sei disso, não conheço nenhum ser humano em Konoha que seria doido o suficiente para entrar no seu caminho, Sakura.”, ele respondeu, divertido. Ela percebeu que, pela primeira vez, ele a chamava apenas pelo nome sem o intuito de impor algum limite entre eles. “Mas vou te levar mesmo assim. Vamos.”, ele segurou a porta para ela passar.
Eles saíram e imediatamente Naruto pegou a mão dela, trazendo-a para perto enquanto andavam rápido por causa do vento. Depois de um tempo, ele passou o braço por cima dos ombros de Sakura protetoramente e ajeitou o capuz dela. O casaco que a garota usava cheirava a Naruto, aquele cheiro levemente seco de patchouli com pele quente. Era um aroma que ela não tinha percebido até alguns meses atrás, mas que agora era sinônimo de paz — era o cheiro da calma dele, do carinho que ele tinha, de felicidade.
Ele percebeu Sakura cheirando sutilmente seu casaco e sorrir para si, o que fez o coração dele perder o ritmo por um momento. Deus, como ele era apaixonado por aquela mulher, como ela o fazia se sentir nas nuvens, longe de todo o caos que ele viveu por tantos meses. Ainda era meio irreal tê-la ali ao seu lado, acessível, finalmente focada nele.
Mas foi quando eles chegaram diante da casa dela que perceberam o quanto sentiriam a falta um do outro. Naruto parecia incerto sobre deixá-la e Sakura sinceramente não queria que ele se fosse. Ele sorriu para a garota e ela retribuiu o sorriso, fazendo menção de tirar o casaco, mas Naruto fez que não e a abraçou. Ela se agarrou nas costas da blusa de frio dele como que para impedi-lo de sair dali.
“Obrigada.”, ela agradeceu, olhando para cima, para os olhos azuis cobalto.
Naruto sorriu brilhantemente. “Eu que tenho que agradecer.”, respondeu ele, abaixando-se para pousar um beijinho no losango da testa dela.
A amiga se apertou mais contra ele. “Não quero entrar. Vamos voltar para a sua casa.”, a risada dela tilintou suavemente.
Ele sorriu de volta, satisfeito. “Ok, vamos.”, ele respondeu, mas nenhum dos dois se mexeu.
Ele a abraçou mais forte e se abaixou um pouco para pousar o nariz do ombro de Sakura, gravando o cheiro dela misturado ao dele e sorrindo para si. Eles permaneceram assim por um momento até Naruto soltá-la contrafeito.
Ele deu um passo para trás e o vento congelante bateu contra o seu rosto. “Entre, está frio. Outro dia eu pego o casaco.”
Seus dedos gelados estavam no rosto de Sakura. Era o tipo de toque com o qual ele já estava acostumado e, por isso, queria mais. Entretanto, a coragem não veio. Irritado consigo mesmo, Naruto apenas se aproximou e deu um beijinho no alto da maçã do rosto dela, mas quando foi se afastar, Sakura segurou seu moletom e o puxou para baixo mais uma vez, pousando os lábios frios quase no canto da boca de Naruto, que sentiu como se a alma tivesse saído do corpo por um momento.
Ele se endireitou com as batidas do coração descompassado nos ouvidos e fitou a amiga, que tinha um olhar muito sério e determinado, como se demandasse que ele agisse imediatamente. Suas íris, mesmo na rua mal iluminada, eram de um verde-água límpido que brilhavam com expectativa, e ela tinha as pupilas tão dilatadas que Naruto tinha a impressão de mergulhar até sua alma.
Hesitando por um instante, levou a mão trêmula até o queixo dela, levantando-o com suavidade enquanto a olhava com um pouco de receio, mas a boca rosada se abriu minimamente e Naruto passou o dedão sobre o lábio inferior dela devagar, sentindo a maciez daquela pele enquanto o hálito quente batia em seu polegar.
A maneira que Sakura encarou sua boca, como se a desejasse mais do que qualquer coisa, o fez respirar fundo antes de se inclinar, devagar. Os lábios cor-de-rosa se abriram mais, esperando por ele enquanto ela deixava cair as pálpebras.
A observou enquanto fechava o espaço entre eles com expectativa, e o suspiro baixo que ela deu contra seu dedo fez Naruto se arrepiar inteiro antes de tirá-lo do caminho e deslizar a própria boca sobre a dela calmamente, sentindo a textura, sua temperatura fria e o hálito morno que pinicava seu lábio inferior com suavidade.
De repente, Naruto soltou o ar que não percebeu que estava preso e agarrou a nuca dela com firmeza, misturando-se nos cabelos rosados e aproximando seus rostos, inclinando a cabeça dela até estar toda jogada para trás e a beijando com vigor. Sakura suspirou e os dedos dela se enfiaram nos fios loiros calmamente, fazendo o braço livre de Naruto circular a cintura estreita e a apertar contra ele em sua necessidade de senti-la o mais perto possível.
Quando sua língua buscou a abertura da boca dela, Sakura rapidamente deu passagem, imitando o gesto, e Naruto grunhiu perdendo o ar enquanto abria mais a boca e a explorava mais. Ele desceu as duas mãos para os quadris dela, apertando quando Sakura tomou as rédeas do beijo e o aprofundou, as mãos pequenas agora agarrando os cabelos dele e o puxando como se pudessem ficar ainda mais próximos.
Suas línguas se enrolaram, fazendo seus gostos e seus cheiros se mesclarem entre eles, movendo-se em sincronia enquanto sentiam seus corpos reagiram um ao outro pela primeira vez, e era mais do que bom, era sensacional . Se antes estiveram inseguros para quando aquele momento chegasse, a óbvia química e tensão que havia entre eles tinha sanado toda e qualquer dúvida, e Naruto sinceramente poderia passar o resto da vida a beijando.
Naruto reprimiu um gemido ao senti-la ficar nas pontas dos pés para alcançá-lo melhor, e uma das mãos dela deslizou por seu pescoço com tanta leveza que ele precisou puxar o ar pelo nariz com um silvo de necessidade quando seu corpo se incendiou. Ele só podia torcer para Sakura não notar a meia ereção que tinha provocado, mas o corpo deles estavam tão colados que Naruto duvidava. Ele respirou fundo e lentamente diminuiu o beijo, afastando seus corpos e levando uma mão para o queixo dela com carinho.
Sakura estava tão corada quanto ele e sua boca estava levemente inchada. Ele se xingou mentalmente por beijá-la ali no meio da rua, em frente a casa dela, mas não se arrependeu nem um pouco. Ela também não parecia estar arrependida, e além disso não havia ninguém ali para vê-los.
Naruto sorriu e pousou um selinho em seus lábios, acariciando a ponta do queixo dela com suavidade. “Você é... totalmente incrível.”, ele sussurrou, fazendo-a corar e dar o maior sorriso que ele já tinha visto. Eles se olharam por um momento, querendo prolongar o dia incrível que tiveram. Ele se afastou depois de alguns minutos, dando a deixa. “Bom, hã... boa noite então. Entre, eu vou esperar você fechar a porta. Durma bem, Sakura.” ele soprou e lhe deu outro selinho antes de se afastar de vez.
Sakura parecia incapaz de formar qualquer frase, então apenas assentiu e andou devagar até o portão, parando para observá-lo mais uma vez antes de fechá-lo. Subiu as escadas e se deteu na porta de madeira de vitral colorido, lançando outro olhar sobre o ombro. Depois, finalmente entrou, fechando a porta suavemente atrás de si.
Chapter Text
Eram quinze para as seis da manhã quando Naruto chegou ao portão principal com sua mochila e seus equipamentos. A neve já tinha se acumulado no chão e ele deixava pegadas por onde passava. Pequenos flocos caíam no cabelo loiro, que ele bagunçou com a mão displicentemente enquanto caminhava.
Neji já estava ali, quase se mesclando com a paisagem por causa de suas roupas típicas do clã Hyuuga — camisa de mangas longas e largas e calças compridas, ambas brancas, apesar de haver uma espécie de avental azul marinho com fendas cobrindo-o da cintura aos joelhos. Os longos cabelos castanho-escuros estavam presos em um rabo baixo e algumas mechas se moviam sobre os olhos lilases ao redor de seu rosto conforme o vento gélido soprava.
A neve já tinha coberto o topo da cabeça e os ombros largos dele. Naruto correu com um pequeno sorriso assim que o viu, mas Neji parecia meio mal humorado.
“Você está atrasado. Onde está Kakashi?”, o amigo perguntou assim que Naruto estava perto o suficiente.
Naruto parou ao lado dele mexendo na alça da mochila, confuso com a recepção. Depois riu ao entender. “É verdade, Kakashi-sensei disse para estarmos aqui às cinco. Imagino que você chegou até um pouco antes.”, falou. Neji assentiu com irritação e Naruto fez força para não rir enquanto explicava. “Ele sempre se atrasa. Quando ele disse que sairíamos às cinco, eu sabia que ele não chegaria antes das seis. Me desculpe, eu esqueci que você não sabia disso.”
“Normalmente, pelo menos quando as pessoas saem em missão, elas seguem os horários.”, Neji ergueu uma sobrancelha fina e bateu as mãos nos próprios ombros para dissipar a neve, irritado.
“Quando temos alguma missão ele atrasa menos do que quando nos treinava há uns anos. Ele marcava às seis e aparecia às nove.”, riu Naruto, se lembrando daquela época. Neji soltou o ar pela boca, fazendo uma névoa pairar diante dele por causa da baixa temperatura. “Não se preocupe, ele deve chegar logo. Vamos esperar ali embaixo das árvores, pelo menos assim você não fica coberto de neve.”, ele apontou para fora do portão.
Neji suspirou e pegou as coisas dele, que estavam encostadas em seus pés, depois seguiu Naruto, que cumprimentou os guardas ao passar pela guarita. Pararam embaixo de uma das grandes árvores que tinha ali.
O vento que vinha da floresta era bem menos convidativo, mas pelo menos estavam abrigados da neve. Neji encostou no tronco quase congelado e cruzou os braços elegantemente, mas Naruto se abaixou nas mesmas raízes que tinha se sentado há dois meses.
Eles esperaram em silêncio, Neji com uma irritação contida e Naruto conformado, pois os horários próprios de Kakashi não era algo inédito. Ele estava animado, mesmo sabendo que ficaria fora pelo por pelo menos duas semanas. Sasuke poderia aparecer nesse meio tempo, mas Naruto duvidava — por mais que não houvesse um padrão em suas visitas, havia pelo menos três meses entre elas, e fazia apenas dois que Sasuke tinha aparecido em sua casa, no dia de seu encontro com Sakura.
Naruto só tinha visto ela três vezes nesse meio tempo também, e muito rapidamente — a demanda por ninjas estava aumentando novamente e, por isso, o hospital não ficava mais tão vazio. Sakura só teve tempo de almoçar com ele em dias específicos, e ainda assim ela precisou remarcar algumas vezes. Mas ele não se importava, porque apesar de tudo, via que a garota estava feliz, ainda que esgotada.
E agora ele estaria fora por semanas. Naruto tinha mandado uma nota no dia anterior para o hospital avisando-a sobre a missão, e recebeu um “Ok! Boa sorte!” com alguns coraçõezinhos em resposta. Ele tinha guardado o bilhete na gaveta da mesa de cabeceira cuidadosamente. Era incrível como palavras escritas tinham o poder de mudar o humor dele tão rapidamente — ele sangrava por dentro quando via as cartas que escrevia para Sasuke, mas o bilhete de Sakura tinha acalentado seu coração e o fez sorrir como um idiota por algumas horas.
Neji desencostou da árvore e colocou a mochila compacta no ombro enquanto olhava em direção ao portão. Naruto viu uma mancha preta com cabelos prateados se aproximando e colocou-se de pé ao lado do amigo, ajeitando a própria bagagem também. Kakashi caminhava calmamente até eles como se não estivesse mais de uma hora atrasado, e não havia dúvidas do sorriso que tinha sob a máscara, a considerar as pequenas rugas nos cantos de seus olhos.
“Yo! Bom dia, prontos para mais uma viagem?”, saudou o Joonin. Neji apenas assentiu secamente, mas Naruto bufou.
“Kakashi-sensei, já passa das seis! Neji está te esperando desde antes das cinco horas, será que nem assim você honra seus compromissos?”, ralhou o jovem, chacoalhando os braços comicamente. Neji deu um leve sorriso com a cena, relaxando.
“Ei, hã, havia uma senhora-”, começou Kakashi em tom de quem tentava enrolar, mas Naruto fez cara feia.
“AH! Lá vai você com as suas mentiras! As mesmas desculpas há anos!”, ele revirou os olhos e puxou Kakashi e Neji, agora mais calmo, pelos braços. “Vamos embora logo, temos dois dias de viagem pela frente, anda.”
Kakashi, que parecia de muito bom humor, riu mais um pouco enquanto eles começavam a caminhar. Neji também tinha perdido sua expressão mal humorada. Por causa da neve, eles decidiram ir por terra ao invés de pularem pelas árvores — ninguém os seguia no momento, e as pegadas logo desapareceriam.
Aquela era uma missão de espionagem e, por isso, ficariam um tempo fora. Algumas pessoas estavam desaparecendo na Vila da Grama há algumas semanas e eles deveriam investigar e recolher o máximo de informações possíveis sem serem notados e sem se envolverem em nada.
Tsunade tinha pedido um relatório a cada dois dias, senão mandaria uma equipe atrás deles. Ela enviaria instruções sobre o que fazer depois que eles recolhessem informações o suficiente. Era uma excelente equipe de espionagem — Naruto tinha seu modo Sennin e era capaz de captar qualquer tipo de chakra, Neji tinha seu Byakugan e Kakashi, mesmo que tivesse perdido seu Sharingan, ainda era um Shinobi brilhante e podia invocar seus cães ninjas.
Eles demoraram cerca de dois dias até chegarem na Vila da Grama, onde se instalaram em uma pequena pousada decrépita cuja a proprietária era uma senhora gentil que falava pelos cotovelos, o que tinha facilitado a coleta de algumas informações sobre o local e das pessoas que viviam ali. Assim que se estabeleceram, Neji se sentou na escrivaninha ao lado da cama e se pôs a escrever um relatório sobre a viagem e as poucas coisas que tinha aprendido com a velhota. Kakashi, que tinha sumido assim que pegaram a chave do quarto, reapareceu depois de vinte minutos com várias pastas nos braços e as espalhou sobre a cama do meio.
“Fui falar com o Kusakage. Aqui estão as fichas das pessoas desaparecidas até agora e todas as informações que podemos ter sobre elas, inclusive as últimas pessoas com quem falaram e quando foram dadas por desaparecidas.”, Kakashi fez um gesto amplo para as pastas abertas na cama.
Os outros dois se aproximaram para analisar e Naruto engoliu seco. Havia um padrão — eram todos homens de cabelos e olhos negros, porte magro atlético e cerca de um metro e oitenta. E eram, em grande maioria, viajantes que estavam ficando na vila, portanto não havia como saberem com certeza o momento em que tinham desaparecido.
Era uma vila pequena com pousadas simplórias que não mantinham uma relação de quando os hóspedes entravam ou saíam, portanto, só se davam por desaparecidos depois de vários dias, quando a hospedagem vencia e ninguém se apresentava para pagar ou renovar estadia. Claro, podiam ser apenas pessoas dando pequenos golpes por aí, mas era muita coincidência o fato de todos terem aparência física semelhantes.
“Bom, por que não fazemos um henge com essas características e-”
“Porque você ouviu o que Tsunade disse, não devemos nos envolver. Temos que coletar informações sem sermos percebidos, e ser capturado de propósito com certeza não é o que ela gostaria que fizéssemos, Naruto.”, replicou Kakashi prontamente, já sabendo o que passava na mente do antigo aluno.
“Não há muito com o que trabalhar. Pelo que eu percebi, as pessoas são levadas esporadicamente. Dos onze homens, nove são turistas. Os outros dois tinham se estabelecido na cidade como moradores há alguns meses. Não sabemos como os sequestradores conseguem as informações sobre os visitantes.”, apontou Neji, passando os olhos pelos papéis, depois franziu as sobrancelhas. “Na verdade, acho que podemos supor. Quando entramos na vila, eles pegaram nossos dados. Imagino que lá tenha alguma descrição para podermos ser identificados fisicamente, e talvez o sequestrador tenha acesso a isso de alguma forma, ou sendo um dos guardas ou conseguindo se infiltrar de algum jeito.”
“Sim, mas também podemos estar lidando com um grupo grande que tenha espiões pela cidade, dessa forma eles não precisariam de nada além dos olhos para verem pessoas com o padrão que devem pegar. Não precisariam de papéis ou descrições em documentos.”, Naruto disse, coçando a cabeça.
Os outros dois concordaram em silêncio. Kakashi empilhou as pastas jogadas na cama.
“Estamos sem nem saber como, mas temos que começar de algum lugar. Talvez devêssemos cruzar os dados que temos sobre os viajantes da vila, quando chegaram, onde ficaram hospedados, coisas assim. Deve ter algo que não estamos vendo.”, sugeriu Kakashi, puxando um pergaminho e uma caneta.
Já fazia dez dias que eles estavam em Kusagakure e ainda não tinham feito muito progresso — mais nenhuma pessoa tinha sido levada neste meio tempo e ninguém na cidade tinha informações relevantes. Eles tentaram passar pelos hotéis e ver se existiam hóspedes com aquelas características, mas como a cidade estava em alerta, não tiveram nenhuma resposta e quase arriscaram serem notados.
Naruto tentou usar seu modo Sennin e sondar a cidade em busca de alguma grande concentração de chakra e Neji usou seu Byakugan para buscar possíveis túneis subterrâneos ou qualquer coisa suspeita, mas nada deu resultados também. Depois de dias vigiando a cidade, eles descobriram um hóspede com as características físicas das vítimas sequestradas e agora seguiam o homem dia e noite em turnos.
O horário de vigia de Naruto tinha começado meia noite e já fazia três horas que ele estava encarapitado no telhado do prédio em frente ao hotel carcomido onde o homem se hospedava. Felizmente era um edifício alto, então ele não precisava se ocultar tão perfeitamente, estando livre para se sentar na borda do prédio e observar a janela apagada de onde o cara agora dormia. Segundo Kakashi, o viajante tinha apagado as luzes às dez e meia, como das outras vezes.
A neve tinha parado de cair há algum tempo, mas o vento cortante não cessou e estava realmente muito frio. O inverno tinha finalmente chegado, e Naruto estava de luvas e botas de couro, ou não conseguiria ficar no topo do prédio até o fim de seu turno.
Vigiar pessoas à noite era uma das coisas que Naruto mais odiava fazer, pois sua mente rolava solta nestes momentos. Desde que eles tinham começado a espionar a possível vítima, Naruto não parava de pensar em Sasuke — uma das coisas que o fez ficar incomodado naquela missão era que o padrão de pessoas raptadas tinha o mesmo tipo físico do seu melhor amigo, e isso não só fazia Naruto se lembrar dele como também o fazia se perguntar se Sasuke não estaria entre as pessoas raptadas.
Claro que era praticamente uma ofensa pensar que ele seria pego por alguém, mesmo que fosse um grupo de pessoas. E também, Naruto sabia que Sasuke estava viajando pelo mundo e não era idiota de se hospedar em algum lugar em cidades. Ele era inteligente e provavelmente acampava longe das estradas principais.
Mas a melancolia que Naruto sentia naquele lugar, fazendo aquela missão em específico era aterrorizante e, depois de tantos dias pensando em Sasuke, ele tinha a sensação constante — ou a esperança ilusória — de que seu amigo estava ali, e que eles iam se esbarrar em algum momento. Então dia após dia ele tinha ficado em estado de alerta não só pelo cara que espionavam, mas também pela possibilidade irreal de encontrar seu melhor amigo de novo.
Naruto tinha se arrependido da forma com que tratou Sasuke em sua última visita. Ele ainda estava com raiva, mas a culpa agora corroia suas entranhas sempre que se lembrava dele, ou seja, todo momento de cada maldito dia. Ele devia ter sido pelo menos mais receptivo, ou ter falado as coisas de maneira diferente, mas decidiu mandar Sasuke embora com meio olhar de desprezo e duas palavras ditas secamente. Não que Sasuke tivesse se importado, de qualquer forma. Naruto sabia que já não tinha mais tanto peso assim na vida dele.
“Naruto.”
Um murmúrio chegou até ele, e sabia que era Neji, pois tinha sentido seu chakra há vários minutos rumando para lá. Naruto estava sentado na borda do prédio com o braço apoiado no joelho esquerdo levantado. O outro pé se pendurava para fora da borda de concreto. Naruto olhou por cima do ombro e deu um pequeno sorriso antes de voltar a fitar a janela de seu alvo. Neji sentou ao lado dele.
“Pensei que seu horário começava às cinco.”, Naruto murmurou sem desviar o olhar da pousada.
Neji deu uma risada fraca pelo nariz. “Sim, mas eu não conseguia dormir, então resolvi vir aqui e fazer companhia. A menos que você prefira ficar sozinho.”, ele respondeu cautelosamente.
“Nah, tudo bem. Porque eu não iria te querer aqui? É bom ter companhia, o cara está dormindo e ele nunca acordou nenhuma vez de madrugada.”, Naruto virou um pouco o rosto e sorriu por cima do braço estendido.
O amigo encolheu os ombros. “Bom, eu não faço de propósito, mas notei que tem algo te incomodando ultimamente e, por isso, talvez você preferisse ficar sozinho com seus pensamentos.”, Neji lhe deu um olhar sério.
Naruto bufou sem muito humor. “A última coisa que eu quero é ser deixado sozinho com os meus pensamentos, não se preocupe.”
Neji ergueu uma sobrancelha, mas não disse nada diante dessa declaração, apenas enfiou a mão na roupa preta e tirou um sanduíche, entregando para Naruto, que o pegou, confuso.
“Te trouxe algo para comer.”, o amigo disse o óbvio, pegando outro sanduíche e tirando-o da embalagem plástica.
Naruto murmurou um obrigado e fez o mesmo. Eles comeram em silêncio, ambos encarando a janela fechada. Tinha começado a nevar novamente agora, os flocos sendo levados pelo vento de um lado para o outro. Eles ficaram um bom tempo em silêncio, a lua mudando seu curso no céu devagar.
“Sakura disse que eu estou muito quieto de uns meses para cá.”, contou Naruto, meio sem humor, depois de muito tempo só ouvindo o barulho do vento. Ele estava só puxando assunto.
Neji o avaliou um momento. “E você acha que é verdade?”, o amigo o observava, curioso.
Ele deu os ombros. “Acho que sim. Mas não foi de agora, já faz um tempo.”, confessou. Naruto não olhava na direção do amigo.
“Há cerca de um ano e...”, Neji olhou para cima, pensando. ”...quatro meses?”, as íris lilases tinham um brilho de compreensão quando se voltaram para seu rosto.
Naruto arregalou os olhos para ele, depois relaxou e deu um suspiro cansado, assentindo. “Sim. Um ano e quatro meses. Faz um ano e quatro meses.”, concluiu, mexendo no plástico do sanduíche no bolso do casaco ninja que Sakura lhe deu de aniversário. “Você é muito perceptivo, sabe?”, ele comentou, e Neji abaixou a cabeça.
“Sim, eu sei. Não faço de propósito, eu só... presto atenção nas pessoas e nas coisas à minha volta. É algo automático. Faço o possível para não me meter ou ser inconveniente, então espero que não seja o caso.”, murmurou Neji, e Naruto negou com a cabeça.
“Não, tudo bem, eu não me importo. Acho que você é a única pessoa com quem eu não me importaria de falar sobre o Sasuke. Não entendo bem porquê, mas é isso. De qualquer forma, ninguém nunca prestou muita atenção em mim. É legal saber que eu tenho um amigo que percebe quando tem algo me incomodando, além de Sakura.”, Naruto confessou, finalmente abaixando a perna e as chacoalhando-as juntas no ar.
“Bem, não é difícil saber quando tem alguma coisa te incomodando, afinal, você sempre é sorridente e bem humorado. Kakashi também deve ter notado. Qualquer um que te conheça notaria.”, Neji parecia levemente divertido.
Naruto deu uma risada baixa e curta, ficando em silêncio por um momento.
“Você já... teve um laço assim com alguém? Igual eu tenho com Sasuke?”, os olhos dele agora estavam na rua, lá embaixo, e ele parecia hesitante. Como sempre, doía falar o nome dele, mas, naquele momento, Naruto não se importou. O amigo o observou alguns segundos e suspirou.
“Acredito que não. Mas consigo imaginar como você se sente. Sei que não é fácil.”
Ele voltou os olhos leitosos para o mesmo ponto que Naruto encarava. O chão da rua estava coberto de neve fofa, e a luz dos postes faziam círculos de luz alaranjados no branco imaculado. Tudo estava em silêncio, como se o mundo todo estivesse dormindo. Os cabelos de Neji, mesmo que amarrados, voavam em suas costas. As mãos e pés de Naruto estavam gelados sob a bota e a luva. Ele olhou na direção do outro, que o fitou de volta.
“Eu sinto a falta dele todo dia. Sei que você acha que eu devia seguir em frente, mas não consigo. Era para ele estar aqui com a gente agora. Ele é praticamente um especialista em ocultação de chakra, um dos poucos que eu mesmo não consigo detectar.”, Naruto voltou o olhar para cima, cujas estrelas brilhavam sobre eles no céu escuro. “A Sakura tem me ajudado a esquecer essa história um pouco, mas acho que... bem, só estou substituindo uma coisa pela outra. E assim que ela vai embora, meu cérebro volta a me torturar.”
“Por isso que você não quer ser deixado sozinho com seus pensamentos. Entendo. É... difícil. Quando meu pai morreu, eu fiquei assim também. Pensava nele dia e noite, o tempo todo. Sentia falta dele, tinha raiva por ele não estar ali. Acho que o sentimento é parecido, mesmo não sendo a mesma circunstância.”, Neji contou.
Naruto olhou de volta para ele com curiosidade. “E quando você conseguiu seguir em frente? Quando aceitou que ele tinha partido e não voltaria?”, a voz dele agora era ansiosa, como se esperasse uma fórmula mágica para sua própria dor cessar. Doía.
Neji sorriu em solidariedade, depois balançou a cabeça. “Eu... não acho que isso tenha acontecido.”, murmurou, olhando no fundo dos olhos de Naruto.
Então era isso, aquela talvez era a maior prova de que Naruto jamais conseguiria seguir em frente. Não era a morte de um pai ou uma mãe (coisas com as quais, aliás, ele convivia desde que nasceu), mas aquele era seu luto, e era tão real quanto — o luto pelo melhor amigo que ele nunca mais pôde ter com ele e foi embora há anos, pela amizade que nunca poderia ser vivida porque estavam distantes, pelo seu eu mais novo por não poder retornar e por quem ele era atualmente, já que não conseguiria seguir em frente.
Naruto se sentiu completamente oco, pela primeira vez o monstrinho dentro de seu peito não estava ali. Aquele vazio era exatamente o mesmo que ele sentiu nos dias depois que Sasuke tinha ido embora, e era quase bem vindo, porque doía, mas talvez em breve ele não sentisse mais nada, como aconteceu naquela época.
Seus olhos azuis marejaram e ele tentou respirar fundo, os olhos de Neji estavam fixos nos dele e Naruto não conseguia desviar o olhar. O amigo calmamente se aproximou um pouco e, hesitante, fez menção de tocar seu ombro.
Ele o olhou lacrimejante e abraçou o homem, enterrando a cara em seu ombro. Neji, surpreso com a franqueza nos sentimentos que ele demonstrava e principalmente com o abraço repentino, o envolveu cautelosamente meio de lado e murmurou palavras de consolo para Naruto, mas sabia que ele precisava chorar. E realmente precisava — havia tantas lágrimas sufocadas ali, porque ele tentava ser forte, tentava se manter em pé, caminhando em frente, sorrindo e ajudando pessoas, ignorando as coisas ruins, mas ele estava realmente cansado .
Não estava tudo bem, ele tinha perdido Sasuke, tinha perdido sua adolescência atrás dele, tinha se tornado dependente emocionalmente daquela amizade que nem estava mais ali e não havia como se curar, como trazê-lo de volta, como voltar no tempo... E Sakura, por mais que fosse uma garota incrível por quem ele estivesse apaixonado, em partes também era mais uma coisa para ele depender.
Naruto não funcionava direito longe dela, e aquilo não era saudável. Ele precisava voltar a ser como quando era criança, onde ele estava acostumado a viver sozinho e a não esperar nada de ninguém. Mas isso já não era possível, porque ele já tinha conhecido Sasuke, já tinha conhecido Sakura, já sabia como era não estar sozinho e aquilo era algo que mudava as pessoas permanentemente.
Então, por um mínimo segundo, Naruto sentiu um pequeno rastro de chakra conhecido, um que ele não sentia há muito tempo, porque o portador dele o ocultava sempre que se viam, talvez de forma automática. Era um chakra denso e poderoso, mas que acalmava seu corpo, porque era algo com o qual ele trabalhava em sinergia sempre que sentia.
Seu coração se acelerou e ele se colocou de pé em um átimo, surpreendendo Neji. Olhou em volta, alucinado, mas não viu nada além da escuridão da aldeia e da neve. O rastro sumiu assim que apareceu, instantaneamente.
O amigo o imitou e também se colocou de pé, buscando ao redor, alerta, Byakugan ativado, pronto para agir. Naruto suspirou. Ele com certeza precisava de ajuda com a sua obsessão, aquilo não era normal.
“Desculpe, tive a impressão que... hã, não foi nada.”, disse Naruto, desolado, enquanto passava a mão no rosto. Ele se virou para Neji, que via as horas no relógio de pulso e relaxou um pouco, mas ele ainda parecia meio desconfiado.
“Bom, meu turno de vigia começa em breve. Vá e descanse, Naruto.”, Neji colocou uma mão no ombro do amigo, ambos de pé. “E não se preocupe, tenho certeza que você conseguirá seguir em frente. Você tem pessoas ao seu lado para te ajudar.”
Os dias que se seguiram foram praticamente iguais aos outros, exceto que Naruto agora ficava totalmente alerta para o caso de sentir aquele chakra novamente. Ele queria que tivesse sido real e em parte achava que tinha sido, mas sabia que era só sua mente lhe pregando peças e se agarrando a esperanças vãs.
Kakashi mal era visto, porque dia e noite saia para seguir rastros e testar teorias enquanto Neji e Naruto se dividiam para vigiar o homem. Ele tinha uma rotina muito fixa e chata, o que era favorável. Sempre saia da pousada cedo, passava no mercado e ia até a casa de um casal de idosos, que provavelmente eram parentes. Passava o dia lá e quando dava oito horas, se despedia. Ia até um bar que ficava na esquina de onde estava hospedado, bebia uma ou outra coisa com os mesmos caras que sempre estavam lá quando o homem chegava, e ia para a pousada, dormindo às dez e meia.
Naruto já tinha relaxado há um tempo, afinal, já ia fazer uma semana e meia que eles estavam de olho no homem e nada tinha acontecido. Ele acabou convencendo os outros da ideia deles usaram um clone de Naruto algumas vezes, não havendo necessidade alguma de ambos ficarem se esgueirando na neve congelante por 12 horas cada um (já que Kakashi estava atrás de outras coisas que, até então, não deram resultado também).
Neji tinha se encarregado de fazer os relatórios para Tsunade, porque Naruto odiava fazer aquilo e não era nada bom nessa parte. O amigo estava escrevendo um nesse momento enquanto o próprio Naruto esquentava a água para fazer o almoço.
Na verdade, para Neji fazer o almoço. Ele tinha insistido que viver de lanches e lamen instantâneo não era saudável para nenhum dos três, portanto, ele e Kakashi revezavam para fazer comida, já que Naruto não sabia nada de culinária, mesmo depois de morar sozinho desde criança.
Eles tinham alugado um pequeno casebre por um preço muito acessível há um tempo, porque era mais próximo de onde o homem estava hospedado e, assim, poderiam ter mais espaço, sem falar da possibilidade de fazerem a própria comida. A casinha ficava há cerca de duzentos metros da pousada em que o cara ficava e era afastada das ruas principais, quase escondida — motivo pelo qual o valor do aluguel tinha sido a preço de banana. Era perfeito, principalmente porque já fazia quase vinte dias que estavam na vila, e uns cinco que tinham saído do hotel.
“Naruto, você pode dissipar seu clone para termos uma atualização? Já vou incluir no relatório de hoje o que temos até agora.”, pediu Neji, apoiando-se para trás na cadeira para falar olhando para ele.
Naruto, diante do fogão, fez que sim com a cabeça e logo fez outro clone, mandando-o para onde estava o primeiro, que fez desaparecer assim que chegou lá. Naruto sentiu as memórias do kage bunshin voltar para seu corpo no mesmo momento, como um baque ao qual já estava acostumado.
"Ai! Merda!”, suas mãos se balançaram no ar quando ele esbarrou no cabo da panela e a água quente caiu sobre elas.
Neji correu para abrir a torneira da pia, puxando as mãos de Naruto para debaixo da água quase congelada por alguns segundos antes de as enxugar com o pano em cima do balcão cuidadosamente.
“Naruto, aconteceu alguma coisa?”, Neji perguntou, enquanto o conduzia para o sofá carcomido, ainda com as mãos dele enroladas no pano. “O que você viu?”
“Nada, o cara tá bem, nada novo. Eu só me distrai, desculpe.”, falou Naruto, meio desorientado.
Seu clone, na verdade, tinha sentido mais uma vez o chakra conhecido por menos de um segundo, e isso tinha o deixado alarmado. Talvez não fosse coisa da cabeça dele, talvez Sasuke estivesse realmente por perto... Mas se fosse isso mesmo, Tsunade saberia e não teria enviado eles ali, afinal, já teria alguém investigando. A menos que Sasuke tivesse sido capturado, mas ela teria contado isso à eles, não teria? Ou a Hokage teria guardado essa informação para si porque sabia que Naruto não iria ser nada sutil se soubesse que isso aconteceu? Eram tantas perguntas sem respostas que Naruto só voltou para a realidade quando sentiu Neji, ajoelhado diante dele, passando algo em suas mãos queimadas.
“Ei, não, não se preocupe, Kurama vai curar isso em um dia ou menos.”, ele disse.
Neji lhe lançou um olhar severo e continuou seu tratamento, depois enfaixou suas mãos com cuidado antes de se levantar. Kakashi chegou logo em seguida, olhando os dois com uma interrogação no rosto. Ele parecia cansado enquanto tirava o casaco úmido de neve e pendurava no cabideiro ao lado da porta.
“Ele esbarrou na panela de água quente.”, Neji apontou para o fogão, explicando, antes de ir até lá e colocar mais água para ferver. “Você descobriu alguma coisa?”
Kakashi suspirou e fez que não, depois lançou um olhar analítico para o ex-aluno sentado no sofá, observando-o com cuidado. O mais velho foi até ele, descansando ao seu lado, e Naruto se viu sob um olhar curioso. Neji já tinha limpado a bagunça que Naruto fez e começado a fazer a comida, deixando a conclusão do relatório para mais tarde.
“O que está acontecendo, Naruto?”, a voz de Kakashi era baixa e suave.
O outro desviou os olhos. “Nada, só fiquei distraído. Sempre fui meio desastrado, você sabe.”, ele encarava o chão.
Kakashi não gostou da expressão no rosto dele. “Naruto, é difícil ajudar quando você não me diz o que está acontecendo. Achei que Sakura estava exagerando quando disse que você andava estranho. Posso não ser mais seu sensei, mas ainda me preocupo com você. O que tem de errado?”
Naruto encarou os olhos escuros do mais velho com seriedade antes de responder. “Tem alguma coisa acontecendo sobre essa missão que vocês não me contaram?” ele indagou de repente.
Kakashi pareceu genuinamente confuso. “Alguma coisa que não te contamos? Como o que, por exemplo?”, as sobrancelhas dele se juntaram, os olhos passando pelos de Naruto, buscando entender.
O outro deu um suspiro e relaxou, vendo que Kakashi estava sendo sincero. “Nada, eu só...”, Naruto umedeceu os lábios, desviando o olhar em seguida. “Você tem sentido algum chakra conhecido por perto? Mesmo que por só um segundo, quase como se estivesse imaginando?”
"Chakra? De quem?”, o outro agora estava espantado. Naruto percebeu que estava soando como um esquizofrênico e não gostou disso. Ele se moveu inquieto no sofá, que rangeu.
“De ninguém, deixa pra lá. Acho que eu estou só preocupado. É difícil um time como o nosso não ter ideia do que está acontecendo depois de tantos dias.”, desviou Naruto, recostando-se no sofá.
Kakashi não pareceu convencido. “Sim, mas acontece. Eles estão sendo muito cuidadosos. Talvez até saibam que estamos aqui, já que ninguém sumiu desde que chegamos.”, Kakashi coçou o queixo. “Mas eu quero saber o que está acontecendo com você, Naruto. Estamos todos preocupados, Sakura principalmente.” Ele tinha uma expressão de compreensão no rosto.
O outro desviou o olhar novamente ao ouvir o nome de Sakura. “Vocês todos acham que eu estou enlouquecendo.”, ele afirmou, taciturno. “E eu sei bem o que passa na cabeça das pessoas, o que provavelmente passa na cabeça de Sakura e na sua.”
“Nenhum de nós acha que você está louco, Naruto. Ninguém aqui está julgando a forma com que você está lidando sobre... isso.” Kakashi balançou a cabeça com veemência. “Mas o jeito que você se fecha deixa todo mundo alarmado. Sakura-"
“Eu não quero saber o que vocês têm conversado sobre mim. Achei que pelo menos ela entendia, mas vejo que não. E vocês insistem em tentar me fazer falar sobre isso, em me cercar e pressionar.”, Naruto falava mais baixo agora, olhando para o chão irritado, os cotovelos apoiados nos joelhos. Ele viu Kakashi arregalando os olhos pela visão periférica, depois fechar a cara e esfriar os olhos.
“Ninguém 'conversa sobre você', me admira que você esteja distorcendo as coisas desse jeito, Naruto. Sakura apenas comenta que você está diferente e distante, só isso. Não precisa achar que estamos armando um complô. Ninguém está tentando te obrigar a falar, estamos só tentando te ajudar a lidar com a perda do-"
“Eu não perdi o Sasuke!”, Naruto se levantou repentinamente, falando alto. Suas mãos machucadas e enfaixadas estavam em punhos ao lado do corpo, as bandagens apertando a pele que ardia. Neji olhou para trás alarmado, observando. Kakashi estava chocado com a explosão. Os olhos de Naruto lacrimejaram de raiva e frustração e ele tremia. “Eu não perdi o Sasuke! Eu não sou uma criança que precisa ser cuidada e eu não o perdi !”
Kakashi se levantou também, o observando sem nenhuma expressão no rosto. Neji ainda não sabia o que fazer.
“Se não sente que o perdeu, porque está reagindo assim?”, a voz de Kakashi era firme. Naruto não sabia se o que fazia seu corpo tremer era raiva ou tristeza. O homem tinha tocado na ferida cirurgicamente.
“Kakashi.”, Neji falou com firmeza, parando ao lado de Naruto e colocando a mão no ombro do amigo. Incrivelmente, isso o acalmou um pouco. Kakashi passou os olhos pelo rosto de Neji, depois pelo de Naruto, e suspirou se dando por vencido.
“Você não precisa nos ver como inimigos, Naruto. Só estamos preocupados e queremos o seu bem. Só queremos te ajudar, mas se com isso estamos te deixando pior, talvez estejamos fazendo da maneira errada. Eu só quero que você saiba que eu estou aqui, quando precisar.”, disse Kakashi com veemência, antes de se encaminhar para o fogão e continuar a fazer o almoço no lugar de Neji.
Naruto suspirou e se virou para o amigo, cujos olhos estavam atentos. Mais do que depressa ele o colocou sentado, puxando do bolso a pomada para passar nas mãos machucadas novamente. Naruto agradeceu. O outro não disse nada enquanto desfazia a bandagens para refazê-las em seguida e ele se sentiu grato por isso. Neji sabia o que falar e quando falar, o que era ótimo. Por mais que a amizade deles ainda estivesse sendo construída, ele era uma das poucas pessoas que andava sabendo lidar com Naruto em qualquer circunstância.
Seu afeto por ele tinha evoluído muito neste meio tempo em que trabalharam juntos, e isso fez ele se perguntar por que não tinham se tornado mais próximos antes. Era o tipo de amizade que Naruto gostava — o outro era quieto e perspicaz. Por mais que Neji ainda fosse uma pessoa diferente de Sasuke, essas características faziam a amizade deles lembrar um pouco como era quando ele e Sasuke estavam um na presença do outro antes.
Era fácil, tranquilo, natural. Neji o entendia o suficiente e sempre sabia quando lhe dar espaço. Talvez uma parte do apego que Naruto tinha por ele acontecesse porque ele o lembrava Sasuke às vezes, mas isso não importava, porque era apenas uma pequena parte. Ele era legal e a amizade deles era algo que o deixava feliz.
Nos últimos dias eles tinham se conhecido melhor, falado de suas vidas, passado tempo juntos. Neji não ficava tentando fazê-lo falar sobre Sasuke, e por saber como ele se sentia sobre isso, Naruto não via necessidade de fingir estar bem ou feliz. Ele podia ser ele mesmo e Neji não o forçaria a falar a respeito, inclusive até o ajudaria a se sentir melhor.
E ele estava magoado com Sakura agora — por mais que fosse por preocupação, não gostava de saber que a amiga estava falando com Kakashi sobre ele. Qual era o problema dela com essa história, afinal? Ele sempre falava com a garota sobre como se sentia sobre tudo, exceto isso. E o único dia que tinha demonstrado alguma tristeza ou frustração foi no dia que deram o primeiro e único beijo deles. Naruto nem tinha dito que era sobre Sasuke, aliás.
Ele era muito compreensivo e paciente, mas isso começava a irritá-lo. Será que não havia nada sobre o qual as outras pessoas não gostassem de falar? Por que elas agiam como se Naruto fosse o único no mundo que fizesse isso? Kakashi não gostava de falar sobre o pai, mas ele não via ninguém tentando o obrigar a fazer isso.
Sim, ele tinha mudado, ele estava diferente, mas Naruto tinha o direito disso, não estava machucando ninguém. Não era como se ele tivesse decidido matar gatinhos em água fervente ou jogar pessoas de cima de prédios, pelo amor de Deus. Não havia um pingo de necessidade em nada disso sobre ele. Isso o irritava e o chateava, porque era como se todos estivessem dizendo que ele só era ele mesmo se estivesse bem e feliz.
Bom, mas e se Naruto fosse assim agora? E se ele quisesse ser assim, qual era o problema? Na verdade ele não queria ser assim, mas era essa a pessoa que ele tinha se tornado. Se estava tudo bem para ele, porque não estava para as outras pessoas? Ele até fingia estar totalmente bem com elas, fingia ser o mesmo de antes, e nem assim ele tinha paz.
Neji tinha voltado para o relatório e Kakashi terminava o almoço, então Naruto se deitou no sofá com as mãos sob o estômago. Elas latejavam, mas logo estariam curadas. Ele levantou para comer depois de vinte minutos junto com os outros dois em silêncio e depois disse que ia vigiar no lugar do próprio clone, saindo de cena ainda irritado.
“Ei.”, cumprimentou Naruto quando chegou na casa. Kakashi não estava lá.
Neji levantou a cabeça do sofá e sorriu. Os longos cabelos dele escorregaram em cascata, quase tocando o chão de madeira empoeirado como uma cortina escura e brilhante. Naruto corou sem saber exatamente o porquê.
“Ei. Está melhor?”, o amigo preocupou-se, passando os olhos translúcidos pelo outro como se o sondasse.
“Er, sim, eu acho.”, ele deu os ombros. “Ainda estou um pouco irritado, quer dizer...”
“Quis dizer das queimaduras.”, Neji sorriu ironicamente. As bochechas de Naruto ficaram cor de rosa. “Não precisamos falar sobre Kakashi se você não quiser.”, explicou, levantando-se enquanto ajeitava a blusa branca.
Naruto sorriu como se estivesse se desculpando enquanto se aproximava do sofá, sentando-se no braço do móvel. Neji se espreguiçou e se recostou ali novamente, com as mãos cruzadas atrás da cabeça. Naruto nunca tinha o visto ser tão... descontraído perto de alguém. Saber que conseguia deixar Neji confortável o fez sorrir.
“Não olhei as queimaduras ainda, mas pararam de arder. Já devem ter melhorado.”, respondeu Naruto enquanto tentava puxar uma faixa com dificuldade por ambas as mãos estarem enfaixadas.
Neji se ajeitou e no segundo seguinte já tinha as mãos do outro entre as dele, desfazendo as bandagens com cuidado. O toque dele era leve e ele parecia estar acostumado com aquilo. Como se tivesse lido a mente de Naruto, o amigo voltou a falar.
“No nosso clã, os integrantes da família secundária aprendem primeiros socorros e algumas técnicas de recuperação de chakra, já que temos o Byakugan e nosso dever é proteger os membros da família principal. Não somos como um ninja médico, mas temos capacidade para auxiliar em algumas emergências. Na verdade é algo que todo clã devia aprender e passar para os filhos, não apenas o básico.”, ele agora virava as mãos de Naruto entre as dele, franzindo a testa com surpresa. “Você não estava brincando quando disse que se curava rápido. Kurama deve ser bom. Mas ainda não está cem por cento, talvez daqui algumas horas.”, ele sorriu. Foi uma das primeiras vezes que Naruto ouviu alguém chamar a raposa pelo nome dela tão naturalmente.
“Sim, ele é demais. Se não fosse por Kurama, eu não estaria aqui.”, murmurou Naruto com um sorriso tímido, torcendo para a raposa não ouvir aquilo. Ele tendia a ficar um pouco convencido quando Naruto falava essas coisas.
As pessoas normalmente não gostavam de ouvir ele elogiar a Kyuubi. Por mais que a raposa tivesse sido essencial para a vitória na guerra, o trauma que viveram com a destruição da vila no dia em que Naruto nasceu ainda não tinha sido superado, mesmo descobrindo que Kurama estava sendo controlado na ocasião.
“Eu vi como é a interação de vocês na guerra. Vocês parecem ser bem próximos.”
“Nós somos. Não foi um caminho fácil até nos tornarmos amigos, mas finalmente nos entendemos. Ele é meio convencido e cabeça dura, mas nos damos muito bem.”, os olhos de oceano brilharam com afeto.
Neji deu uma risada baixa e balançou a cabeça devagar. “Fico feliz de você ter alguém com quem contar. Sem ele, nenhum de nós estaríamos aqui hoje, também.”, concluiu.
Naruto arregalou os olhos e seu coração palpitou um pouco. Por mais que procurasse ignorar, o fato das pessoas não gostarem de Kurama e ainda a tratarem como um demônio deixava Naruto extremamente chateado. Ele devia a própria vida à raposa e tinha um relacionamento muito especial com ela. Doía saber que ele era apenas suportado pela vila. Abaixou a cabeça e olhou para o próprio colo, tocado.
“Eu... não sabia que alguém pensava desse jeito. Significa muito pra mim.”, os olhos azuis se voltaram novamente para o amigo, só para se desviarem para baixo novamente. “Sabe, quando eu for Hokage, pretendo fazer as pessoas entenderem o que aconteceu de verdade. Quero fazer um marco em homenagem a ele. Ninguém entende e eu sei que as pessoas só a aceitam um pouco porque sabem que ele foi importante na guerra, mas Kurama merecia mais reconhecimento.”, sussurrou.
Neji colocou a mão no joelho dele e apertou em cumplicidade. “Sim, eu entendo. Como eu disse, fico feliz de saber que você conseguiu construir algo assim. Não sei da história toda, mas imagino o quanto foi difícil para você sofrer tanto por algo que nem entendia e depois superar a ponto de formarem uma amizade. Você tem um coração muito puro, Naruto. É difícil achar alguém assim, por isso vou continuar lutando ao seu lado. Você vai se tornar um excelente Hokage.”, o amigo apertou seu joelho mais uma vez antes de se colocar de pé.
As mãos de Naruto já estavam enfaixadas novamente. Ele teve vontade de dar um abraço no amigo, mas se conteve. O que ele ouviu de Neji o deixou extremamente sentimental e significou muito, Naruto nunca soube que alguém tinha essa opinião sobre a raposa e sobre o relacionamento dos dois.
“Hã, obrigado. Você sempre me surpreende. Se dissesse alguma dessas coisas pra maioria das pessoas, elas com certeza te achariam tão estranho quanto eu, sabe?”, ele riu, levantando-se e coçando a nuca.
Neji, que mexia no armário procurando por comida, olhou por cima do ombro, divertido. “Olha, não costumo me gabar, mas acho que sou mais sensato do que a maioria das pessoas. E eu com certeza iria até você se precisasse de opinião sobre algo, além da Hinata. Talvez nós dois sejamos apenas dois homens conscientes em um mundo de pessoas insensatas.”, refletiu o amigo em um tom irônico.
Naruto deu uma gargalhada. “Não sabia desse lado narcisista do seu ego, Hyuuga. Tem mais alguma coisa que você faça melhor do que os outros?”, provocou ele, encostando-se no balcão.
Neji o olhou com uma sobrancelha levantada. “Na verdade, sim . Eu faço a maioria das coisas melhor do que as outras pessoas. Não é narcisismo, isso é um fato.”, ele respondeu com um sorriso malicioso.
Naruto não sabia se ele estava falando sério ou não, mas chutava que sim. Apesar do amigo ser reservado e normalmente não se gabar desse tipo de coisa hoje em dia, o Neji criança e adolescente tinha sido realmente orgulhoso e um pé no saco. E com certeza fazia a maioria das coisas melhor do que os outros.
Quando eram crianças, Neji e Sasuke eram muito parecidos no quesito personalidade. Era tão bizarro que muitas pessoas esperavam uma oportunidade de vê-los lutando um contra o outro, porque ambos eram impecáveis em suas técnicas, orgulhosos e se achavam os melhores. Infelizmente, aquela luta nunca aconteceu.
Agora ali estava o traço que Neji tinha amenizado conforme sua maturidade se desenvolvia. Ele tinha se tornado um homem mais tranquilo, menos cheio de si e um pouco mais gentil com quem era próximo, mas Naruto sabia que a visão que ele tinha de si mesmo e de suas habilidades estavam apenas escondidas sob a polidez que adquiriu na vida adulta.
E fazia tempo que ele não se parecia tanto com Sasuke. Ouvir aquilo e ver aquele sorriso malicioso provocava uma sensação de nostalgia que rasgava o peito de Naruto e ardia como sal esfregado na ferida.
Seu coração quase não aguentou a familiaridade da situação com a falta que ele sentia do seu melhor amigo. Ele daria qualquer coisa para vê-lo ali agora.
Naruto engoliu seco, sem saber o que falar enquanto tentava se recuperar do golpe. Fazia anos que ele não se sentia de fato na presença de Sasuke — isso porque, mesmo que o idiota o visitasse, eles não interagiram. Não parecia real quando estiveram juntos, era como uma miragem, uma cena que acontecia dentro da cabeça de Naruto. E doía mais ainda perceber que tinha sido um Neji agindo como Sasuke que tinha produzido aquele sentimento de normalidade, porque nem mesmo o próprio melhor amigo fazia isso mais.
Eles estavam tão distantes que Naruto percebeu que já não o reconhecia. Talvez fosse por isso que as duas vezes que esteve com Sasuke não tinha suprido nada da falta que ele sentia — o homem diante dele nem se parecia mais com a pessoa que ele conhecia. Lutava como ele, tinha o rosto dele mas já não era mais ele.
O que fazia total sentido, já que havia se passado tanto tempo. Nem Naruto era mais o mesmo, conforme Sakura e Kakashi gostavam de lembrar, porque Sasuke seria? Se o próprio Naruto, que tinha estado na mesma vila, levando a mesma vida de antes com as mesmas pessoas por perto, tinha mudado, Sasuke também.
Afinal, ele estava indo a lugares diferentes e conhecendo pessoas diferentes o tempo todo em sua viagem. E antes disso, ele esteve convivendo com Orochimaru, Kabuto e seus experimentos malucos. Provavelmente a pessoa que Naruto conhecia já não existia há anos.
Até porque, eles não passaram tempo suficiente juntos depois da guerra para entenderem onde estavam ou quem eram agora — assim que Sasuke voltou para Konoha, ele ficou preso em isolamento por um mês. Naruto se lembrava muito bem da situação.
Da camisa de força e da venda que colocaram no amigo, e também da cela escura e úmida onde o jogaram. E ele também se lembra do desespero que sentiu ao saber que não poderia visitar Sasuke, ao descobrir que seu melhor amigo ficaria preso ali sem ver nem falar com ninguém por semanas.
Naruto tinha dado muito trabalho para Tsunade na época e a Hokage então se viu obrigada a permitir que o jovem visitasse o amigo uma vez na semana por quinze minutos, mas com uma condição — nessas ocasiões, eles não poderiam conversar. Além da venda e da camisa de contenção, Sasuke estaria com protetores auriculares e ambos estariam sob um jutsu de silêncio. Afinal, a ideia da prisão era Sasuke pagar pelo que fez, e ter uma visita amigável de Naruto não ia de acordo com a proposta.
Provavelmente ela achou que ele não concordaria, afinal, não havia como se comunicarem de forma alguma assim. Mas Naruto aceitou, porque sabia que era o máximo que conseguiria ali.
E ele se lembra do horror que tinha sido entrar na cela e ver o melhor amigo daquele jeito, embolado em uma camisa de força da cabeça aos tornozelos como se estivesse em um casulo. Além disso, ele tinha certeza que ninguém tinha explicado nada daquilo para Sasuke, pois nenhuma comunicação com ele era permitida.
Provavelmente eles tinham apenas entrado, enfiado os protetores auriculares nele e acionado o jutsu. E Sasuke, pelo visto, sem saber do que se tratava, apenas aceitou tudo sem se opor. Perceber aquilo tinha produzido um nó em sua garganta.
Então ele entrou na cela escura, cuja única luz extremamente fraca da sala vinha através das pequenas grades no alto da porta de ferro. O quarto cheirava a sujeira, decomposição e umidade.
Ele se sentou na cama dura ao lado do amigo e o abraçou de mau jeito por causa da posição, o que fez Sasuke dar um pequeno pulo que Naruto jamais teria notado se não estivesse o tocando sobre a camisa de força que cheirava a mofo e suor. Tinha sido um abraço tímido no começo, mas assim que Sasuke relaxou um pouco, Naruto o apertou mais contra ele.
Nas próximas semanas, aquilo foi se tornando cada vez mais natural. Naruto nunca soube se tinha sido reconhecido ou se Sasuke apenas se sentia sozinho o suficiente para aceitar aquele tipo de toque, mas isso realmente não importava, porque pelo menos seu amigo estava ali.
Na terceira visita o outro tinha inclinado o próprio corpo na direção dele e encostado a testa em seu ombro. Na quarta, ele discretamente se apertou mais contra Naruto, como se pedisse que o abraçasse mais forte. Afinal, já fazia quatro semanas que ele não interagia com pessoas, não via o rosto delas e não escutava nada de ninguém. Naruto com certeza já teria enlouquecido em seu lugar.
Na quinta e última visita, Sasuke parecia ansioso por qualquer contato. A respiração dele desregulou quando sentiu o toque do outro e praticamente se jogou em cima de Naruto. Seu peito ardeu vendo aquilo e então ele puxou as pernas de Sasuke, embaladas em tecido, sobre as suas, abraçando-o peito a peito com força e acariciando seu cabelo oleoso e suas costas, seus braços. O amigo enfiou a cabeça na curva de seu pescoço, coisa que nunca tinha feito antes, e tremia levemente.
Vê-lo sofrer daquele jeito o quebrava de dentro para fora. Naquele dia, Naruto chorou abraçado a Sasuke como um bote salva vidas. Por mais que tivesse feito tudo que fez, aquele homem não merecia aquilo. Aquela dor era como se fosse dele, e se aquela não fosse a última semana do amigo ali, Naruto com certeza teria quebrado a torre da Hokage a socos caso Tsunade não concordasse em soltá-lo.
Quando Sasuke saiu, eles nunca conversaram sobre o ocorrido. E o amigo foi embora no dia seguinte dispensando a prótese que a Hokage tinha oferecido, ou seja, eles não falaram sobre nada.
E ver Neji agindo como seu melhor amigo tinha desencadeado essa enxurrada de sentimentos e memórias que com certeza eram demais para ele. Naruto respirou fundo e forçou um sorriso amarelo, depois deu uma desculpa e foi para seu quarto, deixando Neji confuso. Ele não conversou com ninguém até o dia seguinte.
Chapter Text
Kakashi não tocou mais naquele assunto pelo resto da viagem e eles voltaram ao normal depois de alguns dias. Naruto tinha muito respeito por ele e gostava muito do seu sensei (ele não era mais seu mentor no papel, mas para Naruto, ele sempre seria seu sensei), então não quis ficar naquele clima estranho por muito mais tempo.
Foi só no vigésimo primeiro dia que Tsunade decidiu que eles deveriam voltar para Konoha — não tinham conseguido nada até então, não aconteceu mais nenhum rapto e havia a hipótese de saberem que estavam ali, o que não só os botava em risco, como também indicava que as pessoas não agiriam enquanto isso.
Arrumaram as coisas com pressa de ir embora logo enquanto Kakashi tinha ido devolver as chaves ao proprietário. Neji e Naruto estavam irritados por não terem sucesso na missão, apesar de Kakashi insistir que não era culpa de ninguém. Os dois não gostavam do fracasso e Naruto odiava saber que ficou longe de sua vila totalmente à toa.
O grupo decidiu sair logo que o sol aparecesse, e assim que o terceiro integrante voltou, Kakashi, Neji e um Naruto sonolento saíram de Kusagakure. Ele não tinha conseguido dormir absolutamente nada nas duas noites anteriores porque assim que se deitava, tinha uma sensação estranha que não sabia como definir.
Era como se algo estivesse esperando por ele, como se alguém o olhasse de longe. Ele sabia que não estavam sendo vigiados, mas por precaução, ativou o modo Sennin para ter certeza, e não havia nada de diferente em nenhum dos dias. Era uma impressão que nunca teve antes e não conseguia explicar, mas que o manteve desperto a noite toda, até de manhã.
Então agora ele estava esgotado. Os outros dois notaram isso, então diminuíram o ritmo para Naruto, já que não podiam parar. O ruim de viajar durante o inverno é que quando a noite caía, o frio era demais, o que os forçava a parar e acampar. Além disso, escurecia mais cedo do que o normal naquela época do ano.
Portanto, se eles se detivessem agora, perderiam tempo de viagem. Naruto estava tão cansado que não percebeu que avançavam mais devagar do que normalmente. Pararam para comer pílulas de comida quando o sol fraco apontou meio dia, mas não caiu nada bem no estômago de Naruto.
A viagem ia de mal a pior e eles quiseram fazê-lo descansar, mas o jovem não deixou. A neve caia profusamente e o vento era congelante, então eles deviam continuar. Os dedos deles estavam dormentes e Naruto tremia um pouco com a temperatura e o mal estar enquanto pulavam pelas árvores, para os pés não congelarem na neve que tinha no chão.
Foi só quando o sol desceu no horizonte que o cansaço venceu o corpo de Naruto e ele tropeçou em sua rota, caindo semi-consciente em direção ao chão. Prontamente Neji o pegou no ar, como se estivesse o observando esse tempo todo. Naruto grunhiu, mas o outro apenas o colocou montado em suas costas.
“Não se preocupe, logo vamos montar acampamento.”, murmurou ele ajeitando mais o corpo do colega de equipe, que não protestou.
Naruto passou os braços pelo pescoço de Neji e apoiou o queixo em seu ombro, a cabeça encostada nele molemente. Ele adormeceu na mesma hora, o que fez Neji dar um pequeno sorriso para si mesmo antes de voltarem a se mover. Agora que pulavam mais rapidamente, o vento parecia mais forte, mas nenhum deles se importou. O acampamento foi montado cerca de uma hora depois, no momento em que a neve ameaçava piorar. Neji colocou Naruto na barraca que dividiam, cobrindo-o com uma manta grossa antes de sair.
“Já volto, vi um coelho das neves aqui perto.”, disse ele para Kakashi, que franziu a testa. Ele tinha acabado de montar a própria barraca ao lado.
"Ainda temos algumas pílulas de comida na bagagem.”
“Não, Naruto precisa comer alguma coisa e nós também. Pode fazer uma fogueira? Não vou demorar.”, pediu Neji, ativando novamente seu Byakugan.
“Tudo bem.”, ele suspirou. “Não sabia que você era tão protetor com ele.”, comentou em seguida erguendo uma sobrancelha, mas recebeu apenas um olhar irritado em resposta.
Neji voltou vinte minutos depois com três coelhos. Kakashi atiçava a pequena fogueira com um galho e já tinha montado um espeto improvisado para colocarem a caça. A neve tinha parado de cair e o vento tinha diminuído, apesar do frio congelante e do manto branco que batia acima do calcanhar. Os grilos cantavam na floresta escura e o fogo já tinha derretido uma pequena parte da neve no chão ao redor deles.
Naruto acordou com um leve toque no braço e o cheiro de carne fez seu estômago roncar imediatamente. Neji estendeu o espeto com coelho assado para ele. A fogueira lá fora já tinha sido apagada e Kakashi, sonolento, tinha se recolhido em sua própria barraca. Enquanto Naruto comia, Neji ajeitou o próprio saco de dormir e fechou o zíper da tenda, deitando-se em seguida.
“Está se sentindo um pouco melhor?”, ele perguntou, encarando-o no escuro.
“Sim, só estou cansado agora, mas não estou mais passando mal. Obrigada pela comida e... por me carregar.”, a risada de Naruto era baixa e suave. Ele terminou de comer e colocou o espeto de lado, ajeitando-se sob a coberta.
Neji tinha um pequeno sorriso torto nos lábios grossos. “Não se preocupe com isso, eu só não queria precisar te carregar amanhã também.”, declarou em tom de brincadeira.
Naruto riu e levantou o braço, dando um pequeno soco no ombro do outro. “É bom saber que ainda existem amizades sinceras.”, ele resmungou com ironia.
O amigo riu baixinho, um som que Naruto ouviu raríssimas vezes. “Não sei do que você está falando, eu até cacei pra você. Quando chegarmos em Konoha você vai me estar me devendo o almoço.”
“Tudo bem, mas vamos aonde eu escolher.”, a resposta veio com um bocejo.
"Combinado. Agora durma, vamos levantar assim que o sol nascer. Boa noite, Naruto.”, disse Neji suavemente antes de se virar de costas.
"Boa noite, Neji. Obrigado.”, soprou Naruto, adormecendo logo em seguida.
Assim que eles chegaram em Konoha — com meio dia de atraso — Naruto correu para casa, desabando na cama. Estava exausto física e mentalmente e só acordou um dia e meio depois, com alguém o cutucando firmemente. Naruto abriu os olhos confuso, só para ver uma figura de cabelos rosa-claros diante dele.
“Naruto! Eu estou batendo na porta há dez minutos e você não atende! Você deixou sua casa destrancada! Eu acabei de falar com Kakashi e ele me disse que vocês voltaram anteontem, mas que não tinha te visto desde então. Teuchi disse que você também não tinha ido lá. Você está bem? Está passando mal? O que aconteceu?”, Sakura falou, exasperada e ansiosa enquanto colocava a mão fria na testa dele para sentir sua temperatura.
Naruto resmungou algo ininteligível, demorando alguns segundos para se situar e entender o que a garota tinha dito. Ele sorriu estupidamente ao vê-la e se sentou na cama enquanto bocejava.
“Sakura-chan!”, disse Naruto, espreguiçando com os braços para cima.
Ela franziu a testa, confusa. “'Sakura-chan'? Você bateu a cabeça, Naruto?”, a garota perguntou seriamente.
“Não, desculpe. Velhos hábitos...”, ele sorriu e coçou a nuca. Ela pareceu relaxar diante da resposta dele. “E me desculpe não ter te avisado que voltei, eu estava tão cansado que só cheguei e dormi.”, ele corou percebendo que estava sujo e provavelmente cheirava mal.
A amiga fez menção de abraçá-lo, mas ele se levantou e se afastou, quebrando seu sorriso. “Naruto?”, ela deu um passo para trás, incerta.
Ele levantou as mãos diante dele em um gesto apologético. “Desculpe, é que eu ainda não me lavei. Você pode esperar? Eu só vou-"
“E de certo eu nunca vi você sujo depois de uma missão, afinal não estivemos no mesmo time por anos, não é mesmo? Não seja idiota!”, ralhou a amiga, indo até ele e o puxando para um abraço. Ele ficou vermelho ao perceber que ela cheirava a flores, como sempre, mas passou os braços pela cintura dela. “Eu senti tanto sua falta.”, ela murmurou contra o tecido em seu ombro, apertando-o mais.
“Eu também senti sua falta.”, Naruto respondeu, sentindo-se culpado. Ele não tinha pensado muito nela naquele meio tempo e também não escreveu nenhuma vez, apesar de Sakura não parecer se importar. Naruto culpava Sasuke incoerentemente, porque se não tivesse tão focado no amigo, não teria imaginado sentir o chakra dele e esse não teria sido seu foco o tempo todo. Ele a soltou. “Eu vou só tomar um banho e já volto. Me dá dez minutos.”
Naruto caminhou a passos largos para o banheiro e fechou a porta, entrando no chuveiro e agradecendo pela água quente derramando em sua pele. Lavou o cabelo e saiu quinze minutos depois, enxugando-se rapidamente. Então notou que não tinha levado nenhuma roupa para o banheiro. Resignado, o homem prendeu a toalha na cintura e andou pelo corredor, colocando a cabeça para dentro do quarto onde Sakura estava sentada na cama amarrotada.
“Eu esqueci de pegar roupa.”, ele corou e ela assentiu, desviando o olhar discretamente.
Ele entrou e remexeu na cômoda perto da porta, pegando roupas de frio e uma cueca. Quando olhou de volta para Sakura, ela o fitava sem piscar com os olhos verdes levemente arregalados. Naruto ficou surpreso por ver que a amiga claramente aprovava seu físico. Nunca na vida ele pensou que receberia aquele tipo de olhar de Sakura. O sorriso torto dele apareceu e ela finalmente piscou, o rosto ganhando um tom escarlate brilhante.
Naruto não tinha se secado muito bem e seus cabelos loiros estavam molhados, alguns fios caindo em seus olhos ridiculamente azuis, e a pele morena parecia uma seda sobre os músculos bem definidos. Os olhos dela seguiram uma gota de água que pingou de uma mecha e caiu em seu ombro largo, se detendo por um momento em sua clavícula, descendo pelo peito, passando por cada elevação suave do abdômen e morrendo no caminho que desaparecia na toalha vermelha em seus quadris. Sakura parecia surpresa e hipnotizada.
Naruto fingiu não perceber nada para não deixá-la sem graça e saiu do quarto sem dar um pio, indo se vestir no banheiro — talvez ela realmente o achasse atraente agora, e Naruto sorriu para si. Não era todo dia que ele recebia aquele olhar de desejo mal reprimido, principalmente de Sakura, que o olhava como uma gosma em seu sapato quando eram crianças.
Ele escovou os dentes, afastou os cabelos dos olhos com um pente e colocou a roupa suja no cesto, saindo do banheiro e caminhando descalço até o quarto. Sakura parecia sem graça, evitando o olhar dele e voltando a ruborizar. O homem se sentou ao lado dela displicentemente e sorriu de lado.
“Ei, desculpe. Eu devia ter avisado que eu estava só de toalha antes de entrar.”, Naruto se desculpou sem se sentir nem um pouco arrependido, mas achou que era o certo a se fazer. A auto estima dele estava nas nuvens.
“Naruto, é seu quarto. Desculpe, eu só fiquei... surpresa.”, falou baixinho, ainda olhando para o próprio colo.
Ele deu uma risada pelo nariz e sorriu mais um pouco, inclinando-se para a garota. “Eu nunca achei que você fosse olhar pra mim assim algum dia.”, confessou suavemente. Sakura levantou o olhar no mesmo instante, parecendo exasperada. “Assim como? Não te olhei de jeito nenhum! Eu-”
Então Naruto fechou os olhos e capturou a boca dela em um beijo de tirar o fôlego enquanto torcia para não levar um soco, mas os lábios de Sakura já correspondiam avidamente, a língua procurando pela de Naruto como se ela estivesse apenas esperando uma oportunidade para fazer isso. Ele sorriu no beijo com a receptividade de Sakura e seria mentira se ele dissesse que não teve vontade de fazer isso assim que viu o olhar de cobiça dela em seu corpo há alguns minutos.
Suas línguas dançaram juntas e ela agarrou sua nuca e a frente de seu moletom, puxando-o enquanto se deitava na cama sem quebrar o beijo, o que pegou Naruto desprevenido e por reflexo ele apoiou o próprio peso nos cotovelos, um de cada lado da cabeça dela enquanto tomava o cuidado de deitar o resto do corpo longe de Sakura. A garota deu um grunhido fofo quando o tronco dele pousou no dela, e colocou uma mecha do cabelo dele atrás da orelha, fazendo-o se arrepiar com o toque suave em meio ao beijo.
Ele tinha beijado Sakura pela primeira e única vez há mais de dois meses, isso porque logo em seguida ela tinha ficado muito ocupada com o hospital, aquele sendo o único lugar onde eles se viam algumas vezes por pouco mais de meia hora, e em seguida veio a missão que tirou Naruto da vila por quase um mês. Não que ele não tivesse ficado com vontade de beijá-la enquanto almoçavam juntos na sala dela, mas jamais faria isso no hospital.
E no meio tempo em que esteve em missão, estava muito focado na situação e nas alucinações com o chakra de Sasuke para pensar em Sakura por muito tempo. Então talvez aquela fosse a forma que ele tinha encontrado para se redimir consigo mesmo e com ela — principalmente depois de ver a expressão dos olhos dela sobre seu corpo.
Uma das mãos de Sakura subiram por sua nuca para encontrarem caminho pelos cabelos cor de ouro e a outra massageava suas costas com calma. Naruto suspirou com o toque e diminuiu o ritmo do beijo só para mordiscar a boca dela sem pressa e depois sugar seu lábio macio.
A língua da garota deslizou na boca de Naruto para reivindicá-lo de volta e ele apenas a obedeceu com um ronronar, enquanto sentia as mãos delicadas vagarem desordenadamente por suas costas, parando antes da bunda e subindo novamente só para correrem por suas laterais vagarosamente, fazendo-o se arrepiar das cabeça aos pés.
Parecia surreal o fato de que a garota embaixo dele na cama era Sakura, por quem ele foi apaixonado por tanto tempo, assim como a forma que ela o explorava apaixonadamente, como se sempre tivesse querido aquilo. E ela era tão, tão linda e tão quente de um jeito que Naruto jamais imaginou — Sakura não hesitava em pedir por ele naquele momento, com firmeza nas mãos enquanto o beijava com determinação, como se já fizessem aquilo há anos.
Ele estava tentando manter seu desejo sob controle, por mais que os dedos de Sakura produzissem uma eletricidade em sua pele, e os lábios dela, molhados e cálidos se moldassem tão perfeitamente com os seus, e a respiração dela, que ficava cada vez mais rarefeita estivesse no mesmo ritmo da dele, e que os pequenos ruídos que se abafavam contra a língua dele fossem tão sensuais.
Então Naruto sentiu as mãos pequenas descendo por suas costelas e Sakura abriu mais a boca, quase o engolindo, mas foi quando os dedos finos e frios passaram por sua cintura que o corpo dele pareceu entrar em um estado de alerta. A garota continuou descendo experimentalmente, e quando achou a beirada de sua blusa na altura dos quadris, os dedos frios se enfiaram sob o tecido, tocando-o pele a pele e apertando sua carne, o que o fez gemer na boca dela com a poça de calor que se instalou em seu estômago.
Foi naquele momento que seu bom senso se esvaiu — ele tirou o peso dos cotovelos e se deixou cair contra ela, afundando-a no colchão e embolando as mãos nos cabelos rosas jogados pela cama, macios como nuvens em suas mãos ásperas. Foi a vez de Sakura gemer baixinho, enviando uma onda de excitação para entre as pernas dele, mas felizmente sua ereção estava presa na cama.
Naruto explorou a boca dela com mais vontade e ela apertou novamente seu quadril, subindo um pouco mais para perto da cintura, a pele fria das mãos dela provocando a sua, que estava quente demais, e ele gemeu mais uma vez, incapaz de abafar seus sons de desejo pela garota.
Mordeu novamente o lábio inferior dela, lambeu, sugou e o provou ardentemente antes de descer para o queixo, deixando uma trilha de beijos molhados pela mandíbula e indo se instalar atrás da orelha dela. A pele ali estava quente e cheirava enlouquecedoramente bem, era o cheiro de Sakura que sobressaia ao perfume e ele não sabia explicar com o que parecia, mas sua língua precisou sentir o gosto dela e seus dentes mordiscaram devagar a pele sensível, a fazendo ofegar e o apertar mais.
“N-Naruto...”, a voz trêmula de desejo chamando por seu nome fez seu cérebro derreter por um momento.
“Hmm?”, murmurou ele com a voz rouca em seu ouvido, e Naruto sentiu o tremor que chacoalhou o corpo dela.
Sakura, incapaz de responder, apenas deu um pequeno empurrão nos quadris dele, que apesar do estado de êxtase, se afastou no mesmo instante, puxando um travesseiro para o colo e ocultando a evidente cabana que tinha ali. Os dois hiperventilavam um pouco e ela se colocou sentada alguns segundos depois.
Naruto coçou a nuca, vermelho. “Desculpe...”, ele murmurou, mas ela apenas sorriu e encarou o travesseiro no colo dele.
"Bom, eu vou deixar você se acalmar.”, disse em um tom levemente irônico.
Naruto rolou os olhos para cima, ainda que ruborizasse um pouco. “Ei, foi você quem ficou babando quando me viu de toalha!”, Naruto apontou um dedo em sua direção, indignado.
Ela corou de leve, mas deu um soco fraco em seu ombro de brincadeira. “Cala boca, eu não babei quando vi você de toalha!”, a garota protestou, rindo. “Só estava checando o material.”, a resposta dela o surpreendeu e ele arregalou os olhos, chocado.
“Meu Deus, você precisa urgentemente se afastar da Ino!”, ele riu alto e ela também.
"Bom, se você acha tão ruim assim, vou começar a andar com a Hinata.” A provocação surtiu efeito e Naruto deixou cair seu sorriso. Hinata era a garota mais imaculada e tímida que ele já tinha visto.
“Não! Não escute nada do que eu digo, eu sou idiota.”, ele a puxou para mais um beijo, agora mais suave, mas o estômago dele roncou em seguida, o que fez Sakura achar graça e se afastar.
"Bom, se você já tiver se acalmado, podemos ir comer.”, os olhos verdes pousaram sobre o travesseiro que ainda estava no colo dele e o sorriso divertido dela voltou. “Eu trouxe almoço para nós dois.”
“Hã, me dê mais cinco minutos.”, ele murmurou meio sem graça, desviando os olhos.
A risada dela tilintou. “Ok, vou arrumar as coisas na mesa, então.”, Sakura avisou. Ela deu um beijinho no rosto dele e saiu do quarto como se flutuasse.
Naruto suspirou e se jogou para trás na cama, notando que o perfume floral da amiga tinha ficado ali. Ela sempre usava perfumes de flores ou frutas, o que era condizente com sua aparência meiga até ela dar o primeiro soco.
Naruto nunca imaginou que Sakura, com quem ele conviveu por anos, podia ser tão... leve na presença dele. Era claro que até então, ela tinha sido mais discreta talvez por decoro ou falta de intimidade nesse aspecto, mas descobrir esse novo lado dela tinha sido sensacional. Ela era tão quente que ele poderia morrer. Aliás, se isso acontecesse agora, Naruto provavelmente não se importaria, exceto pela perda da chance de beijá-la novamente.
Quando ele chegou na cozinha, Sakura já tinha arrumado a mesa com duas tigelas de lamen — ele sabia que eram do seu lugar preferido pelo cheiro. A mulher já estava sentada apenas o esperando, a vasilha dela bem menor que a dele. Naruto sorriu e se acomodou diante dela antes de começarem a comer em silêncio.
“Então, como foi a missão?”, ela perguntou depois de um tempo.
Naruto fez um beicinho. “Fiquei quase um mês com a bunda congelando à toa. Não descobrimos nada.”, resmungou. Ele se lembrou que Sakura não sabia sobre o que era a missão diante da expressão confusa da garota, então explicou brevemente a situação para ela.
“Naruto, eu sei que isso é basicamente impossível, mas você acha que... Sasuke pode ter sido pego? Quero dizer, faz mais de um ano que não temos notícias dele direito. Será que ele tem mandado relatórios para Tsunade-sama regularmente? Eu sei que você não gosta de falar sobre isso, mas-"
“Sasuke está bem.”, ele soltou sem querer, mais duramente do que deveria. Sakura pareceu confusa e ele se esqueceu que ela não sabia das visitas dele, então rapidamente continuou. “Se baa-chan achasse que ele tivesse sido pego, provavelmente não teria me enviado, e também iria comunicar a equipe.”
“Hum, acho que você tem razão...”, Sakura assentiu brevemente e voltou a comer, para a felicidade de Naruto.
Então ele se lembrou da briga que teve com Kakashi.
“Sabe, Kakashi-sensei deu a entender que você estava preocupada comigo sobre Sasuke.”, ele se forçou a parecer casual e a não cuspir o nome do amigo quando o disse. Ela ficou vermelha e ele continuou. “Mas não há nada para se preocupar. Sinto muito se te deixo assim.”
“Não há nada para se desculpar, eu só fico me perguntando como você está lidando com isso.”, a amiga murmurou para a tigela.
Ele negou com a cabeça. “Eu já lidei com isso, Sakura. Sasuke foi embora há mais de um ano.”, o peito dele ardeu ao dizer essas palavras, mas ele precisava acalmar Sakura de uma vez por todas, então ignorou a sensação de sufocamento que se alojou em sua traquéia. “E eu não sei porque vocês não entendem isso. Não falo sobre Sasuke porque não há o que dizer. Ele decidiu o caminho dele e eu estou feliz que ele tenha se encontrado fora de Konoha. Não é porque ele foi embora que ele não pertença à vila. Está tudo bem.”, mentiu enquanto levava mais lamen à boca como pretexto para fugir dos olhos dela.
Sakura pareceu se encolher antes de falar. “Mas Naruto, você parece tão diferente. Na maior parte do tempo eu consigo ver você novamente, mas em alguns momentos parece que você está... mal. Como se você estivesse... fingindo estar bem, e isso aconteceu depois que ele foi embora. Também não consigo deixar de pensar em como te encontrei depois que ele-”, a garota se calou, ressentida e incerta com o olhar que Naruto lhe lançou ao vê-la se voltar para esse tópico em específico.
Ele percebeu a mágoa nela, mas não recuou. “Eu sabia que você ia falar disso em algum momento, mas preferia que você não fizesse isso. Eu acho que tinha o direito de ficar mal naquele momento e não vejo porque aquilo foi tão fora do que você imaginou que aconteceria. Somos adultos, Sakura, e eu não tive que segurar tudo com um sorriso no rosto como da última vez. Só lidei com as coisas de uma forma diferente. Pareceu diferente.”, ele tentou fazer a voz dele se acalmar diante das feições culpadas da amiga, que parecia à beira das lágrimas, mas ele não conseguiu. “E eu não entendo porque te choca o fato de eu não ser mais feliz o tempo todo. Você também não me parece feliz sempre, e eu sei que isso é o normal. Tenho várias coisas para pensar e me preocupar, não passo o dia todo pensando em Sasuke ou sentindo falta dele, porque todos nós seguimos em frente. Eu estou evoluindo como Shinobi, Sasuke está em na viagem dele e você se voltou para o hospital. Somos todos adultos com responsabilidades, e eu ia me sentir muito mais calmo se você não se preocupasse tanto comigo à toa.”
Naruto conseguiu amansar o tom de voz no final, erguendo o braço sobre a mesa para acariciar a bochecha de Sakura, que ainda estava à beira das lágrimas. Mais da metade do que ele tinha dito era mentira, mas além de estar cansado dos olhos de Sakura e Kakashi metodicamente colocados sobre ele, Naruto estava mesmo preocupado com a energia que Sakura gastava cuidando dele nesse aspecto.
A garota deixou os ombros cair e abaixou os olhos para a mesa, mas no segundo seguinte se levantou e se aproximou, puxando as pernas dele e se sentando em seu colo de lado, os braços ao seu redor e o rosto enterrado em seu pescoço. Naruto a ouviu fungando e a abraçou também, meio alarmado.
“E-Eu não quero que fique bravo comigo, Naruto.”, ela chorou. “Eu só estou preocupada com você, não consigo evitar. Me d-desculpe.”
“Shh, está tudo bem, Sakura. Eu não estou com raiva, só não quero que gaste seu tempo se preocupando comigo. Você já faz demais por mim.”, ele respondeu com sinceridade, apertando-a mais e acariciando sua cabeça.
Ela fungou mais um pouco. “Eu não consigo evitar, Naruto. Eu... gosto tanto de você. Fiquei tão preocupada quando você saiu em missão por tantos dias, não sabia se tinha acontecido alguma coisa... Estava esperando o momento que você ia chegar machucado no hospital e eu teria que curar você, porque você é sempre descuidado e impulsivo, agindo como um idiota igual quando fazíamos missões juntos...”, ela deu um soquinho em suas costas largas ainda com o rosto escondido e a voz abafada. Ele riu um pouco e a afastou para pegar seu rosto entre as mãos. O nariz da garota estava vermelho e seus olhos verdes pareciam mais claros pelas lágrimas.
“Ei, eu sou um idiota, mas posso me cuidar.”, Naruto respondeu brandamente. “E eu não vou me machucar lá fora, eu tenho que voltar pra vila, não tenho? Ainda mais agora que eu tenho a Kunoichi mais bonita de Konoha me esperando.”, Sakura corou e sorriu torto, mas levantou uma sobrancelha em ironia. “É verdade! Eu ainda não acredito que posso abraçar você e te beijar, que posso sair em encontros e tudo mais...”
Ele sorriu para Sakura com os olhos azuis brilhantes como topázios e ela o beijou suavemente por um momento, antes de sair do colo dele e recolher suas tigelas, colocando-as na pia e abrindo a torneira. Naruto a ajudou a secar a louça e guardar, depois decidiram colocar um filme — que não foi assistido, pois beijar Sakura era o novo passatempo preferido dele, então Naruto se viu incapaz de tirar as mãos de cima dela.
Eles se beijaram até ele decidir que estava duro demais para continuar, então se deitou com ela, sendo a conchinha menor (dessa forma Sakura não teria o pau dele cutucando sua bunda descaradamente) e adormeceu enquanto os dedos longos e finos da garota acariciavam seus cabelos com delicadeza.
Quando Naruto acordou, horas depois, o apartamento e o quarto estavam totalmente escuros, o filme tinha acabado e Sakura respirava suavemente em sua nuca, ainda abraçada ao redor de sua cintura. Ele suspirou, totalmente confortável, leve e feliz. Pensou em acordá-la, mas fazia tempo que não se sentia tão em paz, então preferiu apenas se ajeitar um pouco mais no calor dela e ouvir a respiração lenta em suas costas.
Se há uns anos alguém dissesse que Naruto estaria dormindo nos braços de Sakura em sua própria cama algum dia, com certeza teria chamado a pessoa no mínimo de louca de pedra. Ainda parecia um sonho tudo que ela tinha confessado na cozinha mais cedo. E a forma com que ela cuidava dele e o quanto se importava com ele, também.
Naruto se sentiu culpado por não ter mandado uma carta sequer nos mais de vinte dias em que ficou fora — por mais que Sakura não tivesse o cobrado sobre isso, teria sido o certo. Ela não precisava de mais preocupações na cabeça dela além das próprias responsabilidades e das coisas do hospital.
“Naruto?”, o murmurar suave dela chegou ao seu ouvido quando a garota acordou. Ele rapidamente se virou de frente para ela e a beijou com delicadeza, recebendo um suspiro satisfeito como resposta antes de se afastar. Ele não precisava ficar duro de novo, ainda mais com o corpo de Sakura colado ao dele, então se sentou, acariciando a lateral do rosto dela. A luz da rua entrava pela vidraça fechada e ele viu Sakura fechando os olhos e se inclinando para o carinho como um gato. Ele não sabia que horas ela tinha chegado ali, mas o relógio de cabeceira marcava oito horas.
“Ei.”, ele saudou e se abaixou, pousando os lábios sobre a têmpora dela.
“Hmm...”, Sakura grunhiu baixinho, depois suspirou e se colocou sentada, esfregando os olhos. “Eu preciso ir embora.”, declarou depois de olhar o relógio.
“Tudo bem, um minuto.”, ele se colocou de pé e sorriu, depois foi até o banheiro e escovou os dentes, lavou o rosto e arrumou os cabelos. Sakura estava na cozinha e as luzes estavam acesas quando ele foi até lá. “Ok, vamos.”
Ela abriu a boca pensando em protestar, mas só suspirou antes de arrumar no pescoço o chale que ela tinha deixado dobrado sobre o sofá. Saíram para o vento forte e cortante depois de ambos pegarem seus casacos, e eles caminhavam muito próximos com as mãos dadas.
Naruto vez ou outra puxava o braço da garota para dar beijinhos sobre os nós dos dedos dela, o que a fazia sorrir toda vez. Sakura parecia deslumbrada pelos olhos do homem, não desviando o olhar por mais de alguns momentos. O braço dele estava colocado ao redor do ombro estreito e a outra mão, a protética, tinha os dedos entrelaçados com os dela carinhosamente.
Quando pararam diante do portão dela, Sakura o puxou para beijá-lo profundamente, o que quase o fez pegá-la no colo e a carregar para a casa dele de novo. Ele parecia chocado quando a garota o soltou, e ela estava pendurada no pescoço dele como se sua vida dependesse disso. Ela lhe deu um beijo no rosto antes de lhe abraçar com força.
“Foi ótimo te ver hoje, Naruto. A gente podia ver mais um filme amanhã.”, ela murmurou contra a orelha dele, e o arrepio que isso gerou não passou despercebido pela mulher.
"C-claro, você pode ir quando quiser.”, Naruto murmurou com timidez, e ela deu um beijinho no canto da boca dele antes de se afastar mordendo o lábio.
Naruto acenou com um sorriso antes dela fechar a porta, e foi para casa a passos lentos, sentindo um vazio no peito por estar longe de Sakura. Naruto só entendeu o que ela quis dizer sobre “assistir outro filme no dia seguinte” enquanto tirava os próprios sapatos na entrada de sua cozinha. Ele foi para a cama sorrindo de orelha a orelha, muito ciente da sorte que tinha.
Chapter 12
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
“Sabe, eu não achei que você fosse realmente me pagar um almoço.”, disse Neji com uma pitada de humor na voz, depois de fechar o portão atrás de si e começar a caminhar ao lado de Naruto, que riu e colocou as mãos cruzadas atrás da cabeça enquanto andava.
“Ei, você sabe que eu nunca volto atrás na minha palavra, esse é meu nindō ! E também, eu preciso de um colega de treino.”, ele olhou para a própria espada pendurada na cintura.
Neji sorriu minimamente. “Ou seja, você só quer que eu te ensine a usar a espada e por isso está me subornando com comida. Eu não sou o Chouji.”, ele avisou, fazendo Naruto rir um pouco.
“Vamos, não seja tão mau, vou te levar pra comer churrasco por minha conta!”, exclamou, e dessa vez o amigo realmente sorriu em resposta.
“Você tem sorte de eu ter me atrasado para comer hoje, seus horários são estranhos.”, Neji jogou para trás o cabelo longo, que hoje estava solto. Tinha parado de nevar há algumas semanas, mas a temperatura do início da primavera ainda era meio baixa.
“Eu acho que...”, Naruto consultou o relógio de pulso e fez uma careta. “Duas e meia é um horário ótimo pra almoçar. Ok, talvez não seja, mas você mesmo disse que não comeu!”
“Eu não comi porque prolonguei meu treino com a Hinata, não porque almoço em horários absurdos.”, contestou o homem, e Naruto revirou os olhos antes de entrar no restaurante.
O local, como esperado, estava vazio, e o proprietário lançou um olhar de desculpas para eles enquanto limpava uma das mesas. “Desculpe, eu ia virar a placa agora, já encerrei por hoje.”, disse, fazendo Naruto murchar.
Eles saíram silenciosamente para a rua e ele deu um sorriso amarelo para Neji, que o encarou com a usual expressão irônica. “Err, fica pra próxima, então?”, Naruto coçou a nuca, e o estômago dele roncou.
Neji balançou a cabeça para os pés em resignação, mas parecia divertido. “Aah, você é realmente um desastre . Acho que você só come lamen porque é o único lugar que fica aberto o dia todo. Vamos lá logo e depois eu preciso passar em casa para pegar minha espada.”, Neji começou a andar, e Naruto sorriu enquanto o acompanhava, satisfeito pelo outro não desistir dele tão fácil.
Ele tinha decidido não levar Neji no Ichiraku porque não imaginava nenhum integrante do clã Hyuuga comendo lamen, muito menos Neji. Naruto sorriu para Teuchi assim que entrou com o amigo em suas canelas e recebeu o mesmo sorriso em resposta.
“Naruto, bom te ver! Fique à vontade!”, saudou o dono, e Naruto se sentou no banquinho em frente ao balcão, seu lugar preferido, por mais que o local tivesse se expandido depois do massacre de Pain.
“Ei Teuchi, vou querer o de sempre, mas pode colocar tudo extra e fazer um duplo, estou morto de fome!”, Naruto exclamou em animação. Neji parecia meio perdido ali, então Naruto o ajudou a escolher algo. Ficaram em silêncio por um momento enquanto esperavam, mas o amigo felizmente quebrou a quietude entre eles.
“Então, como você está?”, Neji perguntou sinceramente, olhando nos olhos de Naruto com uma intensidade que o surpreendeu.
Naruto se mexeu incomodado no banco e suspirou, deixando o sorriso morrer. “Eu, hã... estou bem.”, houve uma tentativa de um outro sorriso apaziguador da parte dele, mas Neji não sorriu de volta. Ao invés disso, escaneou Naruto com a mesma intensidade, mas não disse mais nada e Naruto sentiu necessidade de preencher o silêncio. “E você, como está? O que tem feito?”
“Estou bem, também. Não tenho feito nada demais, mas Kurenai veio falar comigo sobre a possibilidade de eu pegar uma equipe para treinar.”
“Tipo, treinar, treinar ? Tipo virar o sensei deles? Virar um joonin?”, Naruto arregalou os olhos e Neji sorriu suavemente.
“Sim. Mas não sei se eu gosto da ideia, não sou muito paciente para ensinar pré-adolescentes.”
“Nossa, você ia ser um professor incrível com o seu nível de habilidade! E ia se tornar um joonin!”, falou animado enquanto quase quicava no banco vermelho.
Neji lhe reservou um olhar petulante e divertido. “Sim, eu sei. Mas ainda quero aprimorar minhas habilidades e estou começando a treinar Hanabi, o que faz mais sentido pra mim, já que temos o mesmo kekkei genkai. Meu tio me pediu esse favor pessoalmente, então mesmo que eu quisesse, não poderia dizer não.”
“Entendo. Eu treino o Konohamaru às vezes, ele aprendeu o Rasengan com a minha ajuda.”, Naruto contou, sorrindo orgulhoso com a lembrança. “E também me convidaram para entrar na Anbu, mas eu recusei.”
“É uma honra muito grande ser convidado para a um cargo na Anbu, ainda mais sendo um genin.”, Neji ergueu as sobrancelhas. “Por que não aceitou?”
"Acho que não é meu perfil, sei lá. Eu não conseguiria matar pessoas a sangue frio assim e não me vejo no esquadrão, sabe? Prefiro ser só um ninja de Konoha.”, Ele sorriu para Teuchi, que colocou uma vasilha diante de cada um, e Neji quebrou seus hashis para comer.
Eles almoçaram devagar enquanto conversavam sobre uma coisa ou outra, Naruto repetindo seu prato quatro vezes enquanto o amigo o observava meio chocado. Já era quase cinco horas quando ele pagou a comida de ambos e levantou, espreguiçando-se e bocejando. Caminharam devagar até a Mansão Hyuuga e Naruto se encostou no portão segurando a barriga agora cheia de ramen.
"Cara, estou tão cheio!”, ele exclamou, e o outro ergueu uma sobrancelha em ironia.
“É óbvio, você comeu cinco tigelas grandes duplas , me admira que você consiga sequer andar.”, Neji respondeu com certa impaciência.
“Eu devia ter pensado no nosso treino antes de comer tanto. Se importa da gente dar um tempo? Eu vou acabar vomitando em você se eu me mexer muito.”, Naruto riu e Neji pareceu achar graça do comentário, considerando a pequena curva em seus lábios.
“Ok, vamos dar um tempo. Você, hã...”, ele olhou para a própria casa, depois de volta para Naruto, meio incerto. “Você quer entrar?”, indagou. Naruto nunca tinha entrado no complexo Hyuuga e sempre teve curiosidade de conhecer o local. Ele assentiu, mas hesitou um momento. Neji percebeu e interpretou corretamente. “Não se preocupe, Hinata não está aqui agora.”, disse em um tom de riso.
“Ah, ok.”, ele respondeu meio sem graça. “N-não entenda mal, eu gosto muito da Hinata... Mas depois que ela... Você sabe, se declarou para mim, eu não sei muito como ficar perto dela, não quero deixar ela chateada ou fazer ela se sentir mal, ou algo assim...”, Naruto explicou, coçando a nuca.
“Eu sei, tudo bem.”, Neji falou e abriu o alto portão de madeira escura, depois fez um sinal educado para o ele passar.
A casa diante de Naruto era gigantesca e impecável, como se tivesse sido construída naquele mesmo dia com suas paredes brancas imaculadas e grama aparada. O amigo caminhou na frente e abriu a porta de entrada. Naruto pediu licença antes de segui-lo e retirar os sapatos, colocando-os no suporte de vime que tinha ali.
Neji fez o mesmo e foi até a escada na lateral da grande sala com Naruto atrás dele. O andar de cima dava para um longo corredor com o mesmo piso de madeira escura do andar abaixo e uma grande janela trazia a luz do fim da tarde para dentro da casa. Havia uma fileira de portas ali e Neji entrou na que ficava mais próximo da janela, no fim do corredor.
“Este é meu quarto.”, anunciou, virando-se para ele.
Naruto arregalou os olhos quando entrou no cômodo — era imenso. Havia duas poltronas em frente a porta com uma mesinha, como uma salinha de recepção, e atrás delas, uma porta de correr. À direita, ficava uma enorme cama de casal com lençóis de seda cinza claro e creme, e diante dela, um rack com uma televisão em cima.
Nas prateleiras do móvel tinha uma exibição de leques desenhados à mão ou bordados minuciosamente. Naruto tinha certeza que eram antigos e que provavelmente valiam uma fortuna. Ao lado da cama havia uma janela enorme e um banco embutido sob ela, com uma estante de livros de carvalho escuro que ocupava metade da parede à esquerda.
“Uau!”, Naruto exclamou, maravilhado.
Neji esperou o convidado contemplar tudo e sorriu quando finalmente ele se virou com brilho nos olhos. O dono da casa riu baixinho quando Naruto foi até seu rack e se abaixou para ver os leques. Neji parou ao lado dele.
“Estes leques foram passados de geração à geração na família, assim como a maioria das antiguidades na casa. Este aqui foi bordado a mão e tem um século.”, ele apontou para um leque vermelho com detalhes em vinho. “Este foi pintado pela minha tataravó, há quase 150 anos. É feito de um papel especial que só era encontrado em um vilarejo ao sul de Suna que hoje já foi destruído. E este veio do país do Ferro, tem mais de 2 séculos.”, ele indicou um leque de seda azul marinho com acabamento em rendas da mesma cor.
“São lindos.”, respondeu Naruto sinceramente, sentindo-se acanhado diante da imponência da casa e, agora, do amigo, por mais que não fosse de propósito.
Neji agradeceu e foi até a porta. “Vou pegar algo para tomarmos, o que você quer?”, perguntou o anfitrião educadamente. Mais uma vez, o homem parecia um príncipe em sua postura impecável e tom de voz baixo e polido.
“Vou tomar o que você tomar.”, disse Naruto, passando a mão nos cabelos da nuca timidamente pelo que pareceu ser a décima vez.
Neji sorriu, divertido. “Bom, normalmente eu tomo vinho. Como sei que você não bebe-”
“Pode ser, não tem problema.”, Naruto riu, parecendo deslocado.
Neji ergueu uma sobrancelha, ainda achando graça. “Tudo bem. Eu já volto, fique à vontade. Pode se sentar onde quiser, não precisa ser tão formal perto de mim, Naruto. Eu te vi comer seis potes de lamen há quinze minutos.”, ele respondeu com um sorriso irônico antes de sair e fechar a porta.
Naruto sorriu para si, passou os olhos novamente pelo cômodo e foi até a grande estante de livros, passando os dedos por cada um deles enquanto lia os títulos. Vários deles eram sobre chakras, transformações de chakras e pontos de chakras, o que fazia sentido, já que estava na casa da família que lutava com técnicas de Punho Gentil e tinha o Byakugan. Pareciam antigos, como os leques. Ele pegou um dos maiores deles e abriu. As páginas eram amarelas e grossas. Haviam vários desenhos detalhados do corpo humano e de seus pontos de energia. Era o livro mais bonito que ele já tinha visto na vida.
Se sentou no banco embutido sob a janela e continuou folheando-o, observando as gravuras feitas minuciosamente e o desenho das letras rebuscadas e elegantes. Os títulos eram grafados em letras douradas e haviam desenhos ao redor delas. Tinha várias fitas de veludo carmesim para marcar as páginas e a lombada era entalhada em padrões tão complexos quanto o conteúdo do livro.
Neji voltou para o quarto com o vinho enfiado em um balde de gelo e duas taças, mas também trazia uma garrafa de água. Ele colocou tudo na mesinha em frente às poltronas e a levantou, carregando-a para perto de Naruto antes de se sentar diante dele na cama.
O visitante levantou os olhos e fechou o livro com cuidado. “Desculpe, eu achei bonito e fiquei curioso.”, murmurou enquanto se levantava e o colocava no lugar.
“Não precisa se desculpar. Ali, pegue aquele menorzinho à esquerda, na segunda prateleira. O verde.”, Neji pediu. Naruto ficou na ponta dos pés para alcançá-lo, depois levou até lá e sentou ao seu lado para ver. “Este é um livro de histórias produzido no País da Pedra, meu pai lia para mim quando eu era mais novo. As gravuras são todas em ouro. É o meu preferido.”, Neji contou, virando as folhas devagar para que Naruto pudesse visualizá-las.
Os olhos azuis brilharam como pedras preciosas e ele sorriu abertamente, como uma criança. Neji passou o livro para o colo dele e Naruto continuou folheando, parando em algumas páginas para passar o dedo delicadamente sobre os desenhos dourados e até ler um pedaço das histórias.
Ele nunca tinha gostado de livros — na verdade os odiava quando era mais novo e agora, mais velho, ainda não morria de amores por eles. Mas aqueles livros eram incríveis. Eram relíquias inestimáveis e maravilhosas que o deixavam boquiaberto diante de tanta beleza e detalhes. Neji lhe mostrou mais três livros, um deles em uma língua que ele nem conhecia, mas que tinha desenhos de dragões coloridos nas páginas centrais e na lombada.
Quando o passatempo foi posto de lado, Neji tirou o vinho do balde e serviu uma taça. “Como você me disse no seu aniversário que não gostava de beber, apesar de você estar completamente bêbado na ocasião,”, ele começou e esboçou um sorriso de dentes perfeitos. “eu escolhi um vinho branco suave, mas se você não quiser, trouxe água. Não sei como cabe mais alguma coisa no seu estômago, aliás.”
Naruto, em resposta, pegou a própria taça para ser servido, depois tomou um gole com o outro observando sua reação. Naruto sorriu. Nunca tinha provado um vinho daqueles — era suave, doce e fazia cócegas agradáveis em sua garganta. Com certeza devia custar caro. Tinha um leve aroma frutado, mas ele não sabia distinguir do que.
“Se eu tivesse tomado isso antes, com certeza Kiba não teria tido tanta dificuldade comigo naquele dia e não tinha me dado aquela coisa maldita.”, Naruto brincou antes de tomar o resto da taça em um gole.
Neji arqueou uma sobrancelha e encheu a taça do amigo mais uma vez antes de falar. “Realmente é um bom vinho, mas você devia ir devagar. Além de você não ter costume, pode subir rápido, e eu achei que você fosse querer treinar mais tarde.”, Neji respondeu, dando uma bicada na taça própria e a colocando na mesa novamente.
“Nah, tudo bem, não é como se eu fosse ficar ruim com duas taças de vinho. Qualquer coisa, Sakura está no hospital. Se bem que é melhor ela não me ver se eu ficar bêbado, talvez ela fique brava.”, Naruto fez uma careta. “E nós vamos treinar mais tarde.”
“Hm, certo. E sim, Sakura é bem protetora sobre você, ela e Tsunade-sama são parecidas até nisso.”, Neji murmurou.
Naruto fez outra careta. “Nem me fale. Infelizmente ela também ficou igual no quesito ‘ força monstruosa’ . Ainda bem que ela parou de se irritar tanto comigo e me bater, senão acho que eu já não teria mais o nariz no centro do rosto.” A risada dele era contagiante.
“É, eu me lembro de quando vocês eram mais novos, ela te batia bem mais do que depois que vocês cresceram, mas você azucrinava Sakura bastante. E você era uma criança irritante, eu mesmo queria te bater no pouco tempo que eu tive que ficar por perto.”, Neji provocou e sua leve risada cantada encheu os ouvidos do outro.
Naruto riu novamente. “Ei, você começou a ir com a minha cara depois da surra que eu te dei no exame chuunin.”, Naruto respondeu orgulhoso, e Neji ergueu uma sobrancelha, ignorando o comentário. “E Sakura só me batia porque eu dava em cima dela e não era em mim que ela estava interessada, na época.”, contou Naruto.
“Eu me lembro, a dinâmica de você e Sasuke era engraçada, pareciam se odiar e estavam sempre brigando. Sakura sempre tentava separar vocês, e vivia te batendo. Aliás, mesmo se odiando o tempo todo, o trabalho em equipe de vocês dois era muito bom. Sakura sempre sobrava um pouco nesse quesito.”, Neji lembrou.
Naruto sorriu, servindo-se novamente enquanto lembrava dos vários momentos que tinha acontecido exatamente aquilo. “É verdade. Mas esse era o jeito que a gente usava pra se comunicar, e ele era muito irritante. Nossa convivência não era fácil, mas nós discutíamos exatamente porque era assim que a gente se entendia. Sakura nunca compreendeu isso, então sempre entrava no meio, mas... no fim, só estávamos sendo amigos.”, explicou Naruto tristemente. Neji apenas tomou mais um gole de vinho e esperou. “Acho que o único que via realmente o que significavam aquelas brigas era Kakashi, tanto que ele nunca falou sobre. E como você disse, nosso trabalho em equipe era bom, porque nós dois sabíamos bem como o outro pensava. Normalmente, a gente nem precisava explicar a linha de raciocínio um para o outro, só para a Sakura. Ela sempre ficou chateada de ver como éramos próximos, mas não tinha nada a ver com ela, só... era assim e pronto. Sempre foi assim.”, Naruto deu os ombros, desanimado, e o peso permanente em seu peito se intensificou.
“Sim. Vocês eram uma boa dupla. Mesmo na guerra, depois de anos sem se ver, vocês lutaram impecavelmente um ao lado do outro. Foi algo incrível de assistir.”, Neji elogiou.
Naruto deu um suspiro cansado. Falar de Sasuke era sangrar, mas ele estava cansado de estancar a ferida. “É. Kakashi também disse isso. Disse que a gente conseguir lutar com tanta sincronia depois de tanto tempo foi algo que o surpreendeu. Eu senti falta daquilo. Na hora pareceu tão natural... Sempre tinha sido daquele jeito, sabe?”, ele tinha um olhar triste, mas um pequeno sorriso estava ali.
Naruto não percebeu quando começou a falar sobre Sasuke até então. Neji tinha dito o nome dele em algum momento? Perguntou algo sobre isso? Naruto não sabia, mas realmente não estava se importando de falar a respeito com Neji. Eles tinham se tornado muito amigos na missão que fizeram juntos e Naruto confiava nele.
E também... A semelhança de Neji com Sasuke facilitava a conversa, mesmo que eles não fossem idênticos. Neji era sério e perceptivo, mas de um jeito diferente — Sasuke jamais teria toda aquela leveza, ele era seco e agressivo.
“Eu percebi. A combinação dos golpes foi muito precisa. Vocês se complementam e se leem muito bem.”, Neji sorriu compreensivamente.
Naruto encarou a taça. “Pra ser sincero, não sei como você fez isso. Você é bom.”, Naruto riu sem muito humor. “Eu sempre evito falar sobre Sasuke.”, suspirou, triste.
Neji franziu as sobrancelhas. “Não precisamos falar sobre isso, meu intuito não era te induzir a nada.”, Neji disse sinceramente antes de mudar de assunto de vez. “Então, fiquei sabendo que Sakura está tendo dificuldades para encontrar-”
“Eu acho que... tudo bem falar sobre isso.”, murmurou Naruto, terminando de beber e colocando a taça na mesa com delicadeza. “Se você... quiser ouvir.”, concluiu incerto.
“Claro.”, Neji estava sério e Naruto jogou o tronco para trás, descansando o corpo na cama macia e fechando os olhos. As pernas dele ainda estavam pendendo na beirada. O outro, à cerca de meio metro na cama imensa, se deitou de lado, apoiando-se no cotovelo com a mão segurando o rosto em uma posição relaxada.
“Já faz mais de um ano que ele foi embora, mas você já sabe disso.”, Naruto olhou para o amigo, que fez que sim com a cabeça. “É. Quase um ano e meio. Já era para eu ter me acostumado, superado essa história... Mas cá estou eu. Para ser sincero, eu não sei porque estou te contando isso, normalmente é tão... difícil falar sobre Sasuke. Mas sei lá, eu confio em você, sabe Neji?”
“Como eu disse, você é meu amigo, não vou trair sua confiança. Mas não precisa falar sobre isso se não quiser.”, o outro murmurou, encarando os olhos azuis turbulentos e tristes.
“Sim, eu sei. Obrigado.”, ele deu um suspiro “Acho que talvez eu esteja enlouquecendo, sabe? Até Sakura está bem sobre isso e já se acostumou. E ela amou ele tanto... Mas pra mim é como se tudo tivesse acontecido ontem. Nunca fiquei bem de verdade.”, ele contou com pesar e raiva. “Nunca assimilei o que aconteceu, e com o tempo, acho que só... fui piorando.”, confessou em um sussurro.
“Não compare a ligação entre vocês com os sentimentos que Sakura tinha por ele, é muito diferente. Vocês viveram como irmãos, a ligação de vocês sempre foi mais forte. Além disso, todos sabemos, e acredito que Sakura também saiba, que Sasuke nunca retribuiu os sentimentos dela, mas retribuía seus sentimentos de amizade. Cada pessoa tem seu jeito de lidar com a dor, e o que para ela foi superável, para você ainda não é. Além disso, se culpar por ficar mal não te ajuda seguir em frente.”, contestou Neji sério.
Naruto ficou em silêncio um tempo, assimilando o que tinha ouvido.
“Suponho que sim. Eu às vezes tenho muita raiva . Eu sei que não devia, Sasuke está bem, está lá na viagem dele, lutando por Konoha e correndo atrás de crescimento pessoal, redenção, ou sei lá o que... E ele merece isso, sabe? Eu sei que a vila toda ainda vê ele como um traidor, mas ele sofreu demais, a história é muito mais profunda do que todo mundo pensa. E ele é o meu melhor amigo, eu devia ficar feliz por ele poder seguir em frente, mas eu sinto raiva. Deus, eu sou péssimo por isso e egoísta. Eu não quero ser assim, mas não consigo controlar, Neji! Era para ele ter voltado! Era para ele ter ido naquela missão com a gente! Era para ele estar aqui! ”, Naruto nem mesmo tentou impedir as lágrimas de indignação e tristeza que escorreram por suas têmporas e se afundaram nos cabelos loiros.
“Eu penso que, no seu lugar, é normal ter raiva. Todo mundo da vila achou que ele ficaria em Konoha quando voltasse. Se nós ficamos surpresos com o que ele decidiu, imagino você. Quer dizer, você lutou por ele durante anos... É claro que iria querer seu melhor amigo ao seu lado. Nesse caso, eu ficaria muito surpreso se você não estivesse decepcionado e pelo menos um pouco irritado. Mas não acho que isso vá contra você se sentir feliz por ele, é só que nesse momento, sua raiva parece maior.”, Neji ponderou com os olhos lilases sobre o rosto do amigo, que suspirou.
Eles ficaram um tempo em silêncio até Naruto decidir quebrá-lo. “Neji... Você acha que ele vai voltar?”, murmurou como uma criança.
“Eu... não sei, Naruto. Acho que se alguém pode responder isso além dele mesmo, essa pessoa é você.”, o jovem o observou compreensivamente.
Naruto olhou para a janela, que refletia o céu agora escuro, e depois para o relógio em cima da mesa de cabeceira, então se sentou. O amigo fez o mesmo.
“Eu acho que ele nunca mais vai voltar. Ele odeia essa vila por inúmeros motivos, não vejo isso acontecendo. Infelizmente, não sei se consigo superar a ausência dele também.”, Naruto passou a mão pelas têmporas para enxugar as lágrimas.
Neji parecia triste por ele. “Então você precisa focar em outras coisas, ou então nunca vai ficar bem. E você merece ser feliz e fazer suas próprias escolhas. Foi o que você me ensinou na nossa primeira luta, e é o que eu digo para você agora, você é um bom homem e foi um bom amigo para ele, mas se Sasuke não vai voltar, então você precisa deixá-lo ir. Precisa aceitar que o caminho de vocês não está mais na mesma estrada, e precisa decidir para onde quer ir, ao invés de ficar parado no meio do caminho esperando ele retornar. Você já está nisso há um ano e meio e só te fez mal. Tem que se esforçar para conseguir ir para lugares novos, Naruto, para controlar sua vida. E ‘ esperar’ é passar o controle para outra pessoa. Além disso, como já te falei, algumas coisas simplesmente param de valer a pena, principalmente se o seu esforço vai contra o desejo dele.”, murmurou Neji solenemente.
Naruto concordou devagar, pensando no que o amigo tinha dito antes de se pôr de pé. “Eu... vou pensar sobre tudo isso. Você está certo, obrigada por me ouvir e... entender. Por não me julgar ou me achar um obsessivo louco.”, ele riu, sem graça. “E obrigada pelos conselhos, você devia pensar em trabalhar na clínica de saúde mental quando tudo estiver pronto.”, dessa vez a risada foi mais autêntica. “Bom, vamos treinar? Ou você já desistiu?”, ele olhou para o relógio de cabeceira que marcava quase sete horas.
"'Desistir' é uma palavra que não faz parte do meu dicionário, que fique claro.”, respondeu Neji, com o sorriso irônico que Naruto já sabia de cor.
Naruto partiu para cima com um soco bem calculado carregado com toda a raiva que sentia naquele momento, porém o outro desviou a cabeça facilmente e contra-atacou, tentando acertar o punho no estômago de Naruto, só alcançando o ar. Naruto se abaixou e passou uma rasteira, que foi evitada, e um cotovelo acertou sua mandíbula de lado.
O rosnado que reverberou em sua garganta foi automático, e ele investiu com uma série de socos e mudanças de base que o homem evitou como se estivesse apenas no meio de uma dança graciosa, o único antebraço defendendo perfeitamente contra as duas mãos de Naruto e os pés se movimentando com graça e agilidade.
É claro que a raiva dificultava sua concentração neste caso, mas cada passo em falso e soco evadido apenas fazia o borbulhar de desgosto esquentar em seu sangue. Ele tentou conversar para reparar a forma com que tinha o mandado embora da última vez, mas a usual falta de respostas satisfatórias que não passavam de grunhidos monossilábicos fez a raiva de Naruto se reafirmar. Sasuke era um idiota e aquilo não mudaria. Talvez fosse mais esperto ele seguir em frente.
Naruto deu um grito, voando com um pé na direção do rosto do homem à sua frente e o braço dele subiu para defender, mas o chute que Naruto deu lateralmente em seguida pegou Sasuke desprevenido e o acertou na têmpora, desorientando-o o suficiente para Naruto mirar outro pé no peito dele e o fazer voar para o chão de terra.
Ele sabia que estava sendo bem mais agressivo do que o normal — Sasuke, aliás, estava lutando casualmente como sempre — mas ele não podia evitar. Naruto tinha se arrependido da forma com que o tratou da última vez e esperou para ver que não tinha motivo para isso nesta próxima visita, mas o idiota só o fez ter mais certeza que Sasuke era só aquilo mesmo — um idiota .
Um idiota cuja última aparição tinha sido há quatro meses e que nunca abria a boca para falar nada de nada, merda nenhuma. Não tinha nem sentido ele visitar se era para ser assim, aliás. Naruto merecia pelo menos um pouco de consideração daquele bastardo de merda, mas aparentemente aquela palavra não fazia parte do vocabulário do “ Grande Último Uchiha Vivo”, oh, não.
Naruto montou em cima dos quadris de Sasuke e desferiu uma porção de golpes contra o homem, acertando vários, apesar da agilidade do amigo. Não havia Sharingan que conseguisse prever todos os movimentos de Naruto, cuja velocidade ultrapassou a do próprio Relâmpago Amarelo de Konoha, seu pai.
Sasuke, aparentemente percebendo que o nível de seu sparring não condizia com o espírito de seu rival, rapidamente torceu o corpo e rolou por cima dele, desvencilhando-se e se levantando enquanto puxava sua kusanagi. O rosto antes estoicamente em branco se torcia em concentração agora, a testa franzida e os olhos atentos perscrutadores.
Naruto puxou uma kunai e partiu para cima, o som metálico de lâmina contra lâmina ecoando ao redor deles. A espada impediu a kunai de cortar o rosto de seu dono e Sasuke enfiou o pé do abdômen de Naruto, que engasgou e voou em uma árvore. Sem perder tempo, a espada se fincou na madeira onde antes estivera sua cabeça loira, mas quando Naruto se abaixou, o joelho de seu adversário acertou sua cara em cheio.
O gosto de sangue encheu sua boca e Naruto se enfureceu, acertando a costela de Sasuke com força exagerada. O homem bufou e saltou para trás, deixando a espada espetada na árvore e puxando a própria kunai antes de investir novamente contra Naruto como um raio, a raiva estampada em seu belo rosto de traços aristocráticos, o olho roxo mais assustador do que nunca.
As armas colidiram e faiscaram diante dos olhos de ambos, que se encaravam intensamente sem desviarem, o ônix frio contra as íris de topázio de Naruto como se enxergasse sua alma estilhaçada. Eles se encararam por um segundo — tempo demais para o padrão de luta vertiginosamente rápido deles — e Naruto estreitou os olhos antes de rosnar mais uma vez e dar impulso para trás, afastando-se e abaixando-se em posição de defesa.
Eles rodaram pela clareira lentamente, um espelhando os gestos do outro antes que Sasuke saltasse e enfiasse a kunai até a metade no antebraço que Naruto usou para defender. Seu rival deu um sorrisinho de canto arrogante quando ouviu seu chiar de dor, e isso o irritou até a raiz dos cabelos. Naruto arrancou a arma do braço, que se manchou de vermelho gotejante, e a jogou para o lado enquanto encarava Sasuke, que estava parado o observando com desprezo e insolência como se essa fosse sua forma de dizer que ele estava intacto, enquanto Naruto sangrava na boca e no braço.
“Porra, você é mesmo um merdinha , Sasuke.”, murmurou, antes de usar toda sua velocidade ao investir novamente contra o homem.
Sasuke não era páreo contra um Naruto enfurecido que passou dezesseis meses com uma bomba relógio no peito, e recebeu toda a carga de golpes do adversário que se movia freneticamente em átimos de segundos, socos, chutes, cotoveladas e joelhadas sendo diferidas rigorosamente contra seu corpo de alabastro sem ele conseguir se situar totalmente do que acontecia. O antebraço de Naruto ardia, mas ele não se importou, e seu sangue manchava a roupa preta e o rosto do adversário conforme escorria para o punho. Sasuke conseguiu sacar outra kunai com a única mão que tinha, mas era difícil atacar e defender com o mesmo braço.
Depois de vários minutos, os dois estavam machucados e manchados com o sangue de ambos, arfando exaustos. Sasuke tinha um corte no lábio para combinar com o de Naruto e uma porção de hematomas pelo braço que surgia do sobretudo.
O suor frio que escorria pela pele morena fazia seus cortes novos arderem e os dois se encararam, Naruto com ira não contida e Sasuke com um desprezo que reduziria o melhor dos homens a uma massa chorosa, mas não o que estava diante dele. Naruto bufou em seu humor assassino, abriu a boca para falar algo e fechou, hesitou, fechou a cara e foi até a árvore onde ele tinha deixado seu casaco ninja.
“Tô indo embora, tenho coisas pra fazer.”, anunciou Naruto secamente, enquanto dava as costas para o outro e se afastava sem nem se dar ao trabalho de olhar para trás.
Eram três e meia da tarde, o que significava que eles tinham treinado por pouco mais de duas horas, dessa vez. Naruto não se importou, porque ele estava realmente farto do comportamento de Sasuke e de sua aura indecifrável de inflexibilidade. Ele não era a porra de um leitor de mentes e a falta de comunicação tinha chegado ao limite, aquilo era ridículo. Era como tentar conversar com uma porta, uma porta arrogante que ele sinceramente queria quebrar com murros até só existirem farpas.
Sentiu o estômago revirar e queimar com o suco gástrico acumulado, o indício de uma gastrite que finalmente se desenvolveu de vez há algum tempo. Seu antebraço esquerdo, o real, ardia com o corte profundo. O sangue ainda escorria pelo punho, deixando uma trilha vermelha no chão, mas ele não se preocupou muito, porque com suas habilidades de cura o ferimento provavelmente não passaria de uma cicatriz em alguns dias.
Naruto caminhou de cara feia pelas ruas que estavam quase vazias, provavelmente por causa da temperatura atual, e resmungava baixinho de vez em quando. Estava chegando na porta de seu apartamento quando ouviu um grito de horror e o som de passos rápidos, e então Sakura estava em cima dele escandalizada.
“NARUTO! O que... O QUE ACONTECEU? Precisamos ir para o hospital, você está pingando sangue ! E está todo machucado !”, ela exasperou-se enquanto o puxava pelo braço protético não machucado, mas ele não se moveu.
“Sakura, se acalme, não foi nada demais! É só um corte, Kurama vai fechar isso logo!”, exclamou, mas ela puxou o braço dele para olhar, o que foi pior.
“UM CORTE? EU CONSIGO VER SEU MÚSCULO !”, ela definitivamente estava muito brava. “VOCÊ PRECISA DE PONTOS, SEU IDIOTA, ISSO ESTÁ MUITO FUNDO! ANDA!”
Naruto engoliu seco diante do acesso de fúria da garota e achou que ela fosse arrancar seu outro braço pela forma com que as unhas dela cravaram na carne de seu bíceps enquanto o puxava em um aperto de aço. Ele abriu a boca para protestar novamente, mas se calou diante do olhar furioso, começando a andar.
“Não é nada.”, murmurou depois de alguns minutos com um beicinho, apesar de sentir o corte latejando.
Ela estreitou os olhos verdes para ele. “O que aconteceu?”, perguntou, séria.
Ele engoliu seco, tentando pensar em uma mentira. “E-Eu estava lutando contra meus clones e, bom, um deles... exagerou. Não foi nada.”, sorriu amarelo, torcendo para ser convincente em sua cara de vergonha.
Os olhos verdes perscrutadores se afinaram em descrença. “Um clone. Um clone fez isso.”, Sakura repetiu, e ele umedeceu os lábios.
“Ei, eu não tenho culpa, meus clones são tão imprevisíveis quanto eu!”, Naruto respondeu.
Ela reduziu os olhos, irritada. “Se você não quer me dizer o que aconteceu, ótimo , mas não insulte minha inteligência, Naruto.”, sibilou.
Sakura ainda estava visivelmente brava, mas não disse mais nada enquanto entravam no hospital. Ela mandou a recepcionista registrar Naruto e não esperou para puxá-lo pelas portas duplas, levando-o até a própria sala e o sentando no sofá de couro antes de sair novamente.
Naruto esperou inquieto e ela voltou alguns momentos depois, empurrando um carrinho de metal com materiais de sutura e alguns medicamentos. Aparentemente ela mesma iria costurá-lo, e ele sabia que aquela era só uma das várias formas que Sakura usava para zelar por ele, já que ela poderia pedir isso para qualquer enfermeira ali.
Naruto não prestou muita atenção no que ela estava fazendo e nem nas pequenas fisgadas de agulha em sua pele meio anestesiada, seus olhos focaram no rosto da garota e se suavizaram ao ver a preocupação escondida sob a expressão carrancuda.
“Ei, não se preocupe, isso não vai acontecer de novo. Vou tomar mais cuidado, sinto muito.”, ele sussurrou. O olhar dela não se desviou de seu trabalho e a mulher não disse nada, fechando a cara mais ainda. “Não fique brava, eu não consigo ver você ficar assim comigo, eu já quase perdi meu braço , é muita dor para eu suportar...”, choramingou e deu um suspiro dramático no momento em que ela cortou o fio.
Sakura revirou os olhos, mas sua expressão era bem mais suave e tinha a sugestão de um sorrisinho quando ela passou uma pomada sobre o ferimento e começou a fazer um curativo. Ela limpou os outros ferimentos, inclusive o que tinha em seu lábio, e ficou de pé quando terminou, entregando um tubo e algumas pílulas.
“Esses analgésicos são para caso você sentir dor, mas não exagere. E você precisa passar essa pomada duas vezes ao dia. Você me ouviu?”, Sakura tinha as sobrancelhas franzidas enquanto o encarava de cima com os braços cruzados, uma pose que com certeza tinha conseguido no tempo em que foi pupila de baa-chan. Ele assentiu obedientemente com os olhos azuis brilhando. “Ótimo. E pare de fazer coisas estúpidas, você não é mais uma criança!”, ralhou.
Naruto fez outro beicinho e abraçou a cintura dela, trazendo-a para mais perto e encostando a cabeça em sua barriga. “Eu não sei se vou conseguir me lembrar de tudo isso, acho que vou precisar de uma enfermeira para ficar de olho em mim.”, a voz dele era um muxoxo manhoso e ela suspirou pesadamente, mas riu enquanto acariciava os cabelos loiros.
“Você é um idiota, sabia? Nem queria vir até aqui e agora diz que precisa de uma enfermeira.”, respondeu.
Ele olhou para cima com os olhos cintilantes de um cachorrinho. “Você tem razão.”, Naruto suspirou. “Talvez se eu ficar de toalha em casa, apareça uma médica para cuidar- Ai !” O tapa que levou na cabeça foi mais forte do que ele imaginava.
"Cala a boca e esquece isso, já faz mais de um mês que aconteceu! Você é um pervertido, não é a toa que foi treinado pelo Jiraiya!”, Sakura respondeu, indignada.
“Ei, não fui eu que-"
“Eu NÃO estava babando!”, ela rosnou, acertando outro tapa na cabeça de Naruto.
Notes:
Eu só quero deixar avisado que o próximo capítulo será um SMUT/NSFW e eu estou animadíssima pra postar! É ISSO, ATÉ A PRÓXIMA HAHAHAHA
Chapter 13
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
O corpo de Sakura era manteiga derretida nas mãos de Naruto, que percorreu a barriga dela com a língua, parando para explorar seu umbigo.
“Naruto...” ela sussurrou, mas não para impedi-lo. Ele sabia que já tinham intimidade o suficiente para continuar, principalmente depois de como as coisas evoluíram no mês que se passou.
As mãos dela apertaram mais seus cabelos dourados e ele enfiou os dedos na calça da garota, brincando com a borda enquanto usava sua boca para deixar alguns chupões na cintura dela em meio aos beijos molhados. Ela estava ofegante na cama dele, bagunçada, e quando os dedos dele abriram o botão da calça para expor uma calcinha rosa, ela levantou um pouco os quadris, pronta para ser despida.
Naruto, ajoelhado em frente a cama, se levantou para encarar a bela obra de arte que tinha em seus lençóis. A lingerie da cor dos cabelos cor de rosa indicava que Sakura provavelmente tinha colocado alguma expectativa naquela noite, e ele ia fazer de tudo para não decepcioná-la.
Os lábios de Sakura, levemente abertos e inchados, eram quase obscenos, seus cabelos estavam desarrumados e os olhos verdes brilhavam, semicerrados e desfocados de luxúria. Aquela cena fez seu pau latejar na cueca, mas o foco da noite ia ser totalmente colocado em Sakura e seu belo par de coxas, abertas para ele sob a luz da lua que entrava pela vidraça.
“Deus, como você é gostosa .”, ele murmurou com devoção e ela sorriu, levantando as costas da cama e desabotoando o sutiã antes de jogá-lo para o lado. Naruto arfou ao ver os mamilos duros sobre os seios firmes apontando para ele, e Sakura mordeu o lábio parecendo insegura, sem ter ideia de como aquilo era incrivelmente sexy. “Ah, Sakura, você está tentando me matar.” ele mais gemeu do que falou, antes de ir em direção à garota dos seus sonhos.
As mãos dela se agarraram aos músculos de suas costas nuas quando ela sentiu a boca quente de Naruto em seu pescoço, a língua descendo pelo ombro enquanto os dedos fortes apertavam sua cintura. Os lábios quentes dele desciam lentamente por sua pele, e a textura da língua dele deslizando por sua clavícula a fez tremer, as pernas se abrindo mais, convidando-o fazer mais do que quisesse.
Ele parou para observar os pequenos seios por mais um segundo, eretos e convidativos, e finalmente enrolou a língua quente em um deles, sugando de leve enquanto estimulava o outro com a ponta dos dedos devagar. Sakura se arqueou em seus lábios e gemeu mais uma vez em um som que poderia facilmente enlouquecer qualquer homem, e as pernas dela se fecharam em sua cintura.
A mão livre de Naruto deslizou por seu joelho com suavidade até a lateral da coxa, tomando nas mãos a curva perfeita da polpa de sua bunda e apertando enquanto mordiscava o pequeno botão duro que sugava com delicadeza, segurando-o entre os dentes e deixando sua língua percorrer sua ponta com calma. Ele sabia que estava fazendo alguma coisa certa pela forma que a garota soltou uma exclamação e suspirou, desmanchando embaixo dele.
Quando a boca de Naruto passou ansiosamente para o outro peito, as pernas ao seu redor amoleceram, e ele aproveitou a deixa para percorrer novamente os lábios pelo resto do corpo dela, descendo para o umbigo enquanto a ouvia arfar a cada beijo molhado que deixou no caminho antes de se ajoelhar novamente no chão de madeira.
Naruto checou sua amante mais uma vez e sorriu ao ver as mãos que agarravam os lençóis em ansiedade. Sakura abriu os olhos e o observou, parecendo satisfeita com a visão do homem de cabelos loiros espetados para todos os lados entre suas coxas, os olhos translúcidos queimando na pouca luz do quarto e os ombros fortes nus, os músculos rolando sob a pele morena quando ele colocou as duas mãos sobre os joelhos dela e abriu mais suas pernas.
Ele não desviou o olhar do dela enquanto pousava beijos lentos na parte interna de sua coxa, arrastando os dedos suavemente pela outra. Naruto quase se engasgou ao ver Sakura brincar com os próprios mamilos, jogando a cabeça para trás e arfando de desejo. Os quadris largos se moveram por reflexo, levantando um pouco da cama enquanto a respiração e a boca dele desciam até sua virilha torturantemente devagar.
Ele não estava com nenhuma pressa, deleitando-se com a visão das reações de Sakura sob seus toques. Aquele corpo, tão feminino e suave, melhor do que ele teria imaginado em seus sonhos mais loucos, tinha tomado seus pensamentos por anos a fio, a cada momento de devaneio e a cada vez que se tocava. Mas sua imaginação jamais faria jus ao que estava diante dele agora, e ele estava tão excitado que sentia sua ereção latejar sob o tecido da boxer, sensível a qualquer estímulo.
Apesar disso, ele não fez nada para si, mas foi incapaz de negar sua necessidade de deslizar a língua pela virilha dela brincando com o elástico do tecido com os dentes, e ele precisou segurar a garota na cama, porque Sakura parecia tão necessitada por contato quanto ele enquanto rolava os quadris para frente, suspirando.
Conforme sua boca descia, ele podia perceber o quanto a pele dela ficava mais quente ali, e quando ele chegou na metade do caminho, ainda na borda de sua calcinha, ela choramingou para ele de frustração.
"Ahh, Naruto... Naruto!”, ela arfou, contorcendo-se na cama e agarrando os lençóis.
Ele parou o que estava fazendo e umedeceu os lábios enquanto puxava a última peça de roupa do corpo que pedia por ele. O fato da garota estar depilada fez ele perceber que Sakura também estava aguardando por aquela noite. As mãos de Naruto tremeram em antecipação nos quadris dela e, sem se desviar do que fazia antes, ele voltou a explorar a pele fina com a ponta da língua, apesar de saber que Sakura aguardava por ele.
Sua boca caminhou devagar ao redor do seu objetivo final e ele sentiu o calor inundar seu corpo quando viu a lubrificação vazando dela. Sem pensar em mais nada, deslizou a língua pelos lábios de Sakura, acariciando as coxas que caíram em seus ombros fortes quando ela deu um gemido alto que fez as pernas dele tremerem. Ele nunca imaginou que Sakura poderia produzir um som tão pornográfico, e ele poderia gozar só ouvindo aquilo.
O gosto dela era levemente salgado, e ele afundou mais a cara nela, subindo com a língua ciente do lugar que deveria procurar. Seus cabelos eram puxados enquanto ele a explorava, e por mais que a mulher continuasse suspirando vez ou outra, ele sabia que Sakura estava apenas esperando que ele encontrasse o lugar correto. Ela torceu os quadris na boca dele timidamente tentando guiá-lo e Naruto mudou o ângulo da cabeça, jogando-a um pouco para trás enquanto erguia os ombros, elevando o corpo dela.
“Oh, Deus!”, ela exclamou de repente, puxando os cabelos dele para mais perto, as unhas raspando em seu couro cabeludo e Naruto a trouxe mais contra si pela cintura com firmeza.
Sem soltá-la, ele rapidamente desceu a boxer e pegou sua ereção com uma mão, acariciando-se devagar e gemendo enquanto satisfazia Sakura, que estava derretendo em sua língua. O interior dela era tão quente que ardia, as mãos dela agarravam seus cabelos e os lençóis da cama com força e os sons que ela emitia o deixava fora de si, desesperado para ver como seria quando ela gozasse. Ele estava tão perto de terminar, mas diminuiu o ritmo para acompanhá-la, aumentando a velocidade da língua dentro dela e mudando os movimentos experimentalmente, o que pareceu dar muito certo.
Ele nunca tinha visto nada mais lindo e o corpo dele estava em êxtase enquanto ouvia os lamentos de Sakura. Naruto estava quase enlouquecendo quando sentiu os músculos das pernas ao redor do seu pescoço se tensionando, e ele focou os olhos nela para assistir a cena que esperava tão ardentemente. A boca dela se abriu sem emitir nenhum ruído por um momento e ela se arqueou devagar na cama puxando os lençóis para si antes de soltar um gemido fino e estremecido que o fez chegar em seu limite junto com ela.
Naruto lambeu tudo de Sakura enquanto as últimas ondas de seu orgasmo relaxavam o corpo dele, que estava a ponto de explodir há semanas. A garota tirou as pernas de seus ombros e fechou os olhos, buscando ar enquanto Naruto limpava a mão nos lençóis de qualquer jeito e voltava a cueca para o lugar. Ele subiu no colchão e se arrastou ao lado dela, puxando-a para um abraço carinhoso enquanto a beijava suavemente. O suspiro satisfeito e o sorriso que Sakura deu foi tudo que ele precisou ver antes de puxar a coberta sobre eles e a envolver, depositando um beijinho em seu ombro e se aconchegando com cuidado para não dormir sobre o antebraço enfaixado.
Ele acordou com os lábios de Sakura em seu ombro, subindo devagar pela coluna de seu pescoço e indo mordiscar sua orelha carinhosamente, a respiração aquecida em seu ouvido e as mãos finas que vagavam com suavidade por sua barriga fazendo o corpo recém acordado de Naruto despertar do melhor jeito no calor de sua cama. Os olhos dele se abriram e eram de um azul cristalino e brilhante que ela nunca se cansaria de admirar, porque pertenciam ao homem mais incrível que ela conhecia.
Sakura deu alguns beijos na curva do pescoço moreno e o cheiro de Naruto, uma mistura de patchouli e almíscar de suor, fez a pele dela se arrepiar com a lembrança da noite passada. Ela ainda estava nua, mas não se importava — depois da forma com que ele a olhou na noite anterior, com tanto carinho e devoção, ela sabia que não precisava ter vergonha. Os dedos ásperos dele subiram devagar por sua cintura até parar na lateral do seu peito, e seu núcleo começou a entrar em combustão lentamente.
Sakura queria poder ficar ali pelo resto da vida, sentindo Naruto ronronar e sorrir com tanta sinceridade para ela, os belos lábios grossos traçando uma curva suave com a plenitude que ela também sentia. Os dedos dele acariciavam suas costas e o toque era tão leve que ela sentiu um pouco de cócegas, o que a fez sorrir de volta e suspirar. Ele era tão bonito, e Sakura não sabia como não tinha percebido isso antes. O nariz meio quadrado, a boca grossa, os olhos que destacavam contra a pele dourada e os músculos bem torneados e firmes eram a melhor visão do mundo.
Ela estava sinceramente fissurada na largura e na força daqueles ombros, os tendões e a clavícula saltando hora ou outra conforme ele se movia, e na barriga suavemente esculpida. Sakura tocou o nariz dele e desceu, recebendo um beijinho nos dedos quando deslizou a mão pela boca dele. A expressão nas íris azuis era tão sincera que fez seu coração acelerar momentaneamente.
"Bom dia, linda.”, ele murmurou com a voz grossa de sono e ela se derreteu, censurando-se por parecer uma idiota, mas assim que sentiu o carinho em sua bochecha ela não se importou muito.
"Bom dia, Naruto.”, Sakura soprou para ele, que gemeu frustrado e fez um beicinho fofo antes de enterrar o nariz no pescoço dela, depositando beijos quentes na pele lisa.
“Um dia eu vou fazer você admitir que me acha pelo menos um pouco bonito.”, Naruto sussurrou em seu ombro, e ela mordeu o lábio sem ele ver.
Ela não resistiu à necessidade de abraçá-lo pela cintura e aproximar seus corpos. Sakura podia sentir a meia ereção dele em sua coxa, apesar dele tentar disfarçá-la se afastando um pouco, mas ela o impediu e voltou a morder sua orelha.
“Eu não disse que não te acho bonito.”, respondeu baixinho no ouvido dele, surpreendendo-se com a mão que apertou sua bunda. Ela amava aquelas mãos fortes sobre ela, explorando e provocando despretensiosamente, como se o toque de Naruto não a fizesse arder e pedir por mais dele.
“Também nunca disse que me achava bonito.”, uma corrente elétrica de desejo se concentrou em seu baixo-ventre quando ela viu seu sorriso torto preferido, e era incrivelmente erótico naquele momento, na opinião dela. Sakura se inclinou no intuito de beijá-lo, mas Naruto se afastou e tirou a mão da bunda dela. “E-Eu acabei de acordar. Preciso escovar os dentes.”
Um rubor adorável se espalhou pelas bochechas morenas, mas Sakura sinceramente não estava se importando com nada disso. Ela nunca tinha sido tocada daquele jeito como ontem e queria mais, precisava que Naruto sentisse tanta necessidade daquilo quanto ela, porque não era justo. Engoliu sua vergonha e sentiu ele ficando tenso quando uma perna dela se encaixou entre as dele. A garota o envolveu, sentindo sob os dedos os músculos fortes das costas e suspirou contra a mandíbula tensionada, mordendo de leve perto do queixo.
“Naruto...”, ela chamou em um suspiro, e as coxas dele retesaram ao redor da dela, o pomo de Adão subindo e descendo com a engolida em seco que ele deu.
“Sim?”, sua voz tremeu quase imperceptivelmente, mas as mãos foram em direção ao quadril dela por reflexo e a puxaram para perto com suavidade, os seios se apertando contra ele e as pernas se embolando enquanto ele prendia a respiração contra a bochecha dela.
A garota deu mais uma mordiscada na mandíbula antes de falar. “Eu ia odiar que você se levantasse agora, hm?”
Ele tremeu com o tom de voz manso de Sakura e encaixou os dedões nos ossos do quadril largo, espalmando as duas mãos sobre a bunda firme da garota e apertando enquanto soltava o ar em um silvo baixo. Ela sorriu no pescoço dele com a vitória e deu um pequeno gemido provocativo, testando o que receberia em troca. Imediatamente Naruto aumentou o aperto nas polpas de sua bunda e juntou suas pélvis com uma firmeza que a acendeu por completo.
Sakura sentiu a dureza de Naruto cutucando-a na virilha e ele fechou os olhos, jogando a cabeça um pouco para trás quando ela continuou explorando o pescoço dele com a língua, o que o fez grunhir de leve e a apertar mais forte. O gosto dele era picante e salgado em sua boca por causa do suor, mas ela não se importou nenhum pouco e, na verdade, isso a excitou ainda mais. A ereção dele deslizou pelo início de sua coxa quando ele moveu o quadril novamente por instinto, tão duro e necessitado, e uma das mãos dele subiu para um de seus seios, rolando o dedão contra seu mamilo firme devagar e ganhando um gemido em resposta.
Sakura afastou um pouco seus quadris para deslizar as mãos por cima da cueca dele, principalmente pela ponta já molhada com o pré-semen de Naruto, e ele arquejou, raspando os dentes pela clavícula dela enquanto estimulava seus dois seios agora. Ele apoiou um pé na cama com a perna dobrada, dando mais acesso a ela e se esfregando contra sua mão, a boca não deixava o pescoço da garota e logo Naruto começou a fazer pequenas marcas pela clavícula e ombros dela, como se a reivindicasse como sua posse.
Ela parou de esfregá-lo para puxar sua cueca para baixo, torcendo para ele não notar o rubor em seu rosto agora que ela o tinha nas mãos, mas Naruto não parou de devorar seu pescoço e tudo que conseguia alcançar com os dedos. Ela o bombeou, meio incerta, e ele começou a mover os quadris contra sua mão, a ajudando a estabelecer um ritmo. Ele suspirou e gemeu na orelha dela, o que levou Sakura a aumentar um pouco a velocidade.
Uma mão dele desceu pelas curvas dela e agarraram sua bunda com determinação, e o respirar arfante em seu ouvido ficou mais forte quando ele sentiu uma língua percorrer seu lóbulo. A mão dele desceu mais e se enfiou entre as pernas dela, e isso fez a respiração de Sakura se perder.
“Hmm, você está tão molhada...”, ele sussurrou estremecidamente enquanto ainda estimulava seus mamilos. O comentário a fez corar, mas também enviou chamas vivas pelo corpo dela, porque por algum motivo, ouvir ele dizer aquilo daquele jeito tinha sido muito sensual.
Ele a fez se deitar virada para cima e abriu as pernas dela gentilmente, enquanto ficava de lado e se apoiava no cotovelo, e a mão dele desceu até entre suas pernas, o dedo médio entrando para brincar em seu interior devagar. Sakura suspirou e gemeu, voltando a acariciar Naruto em um ritmo lento, e ele desceu o rosto para beijá-la apaixonadamente enquanto grunhia de vez em quando. O beijo foi ficando cada vez mais desleixado conforme eles se estimulavam, e logo Naruto começou a dar indícios de que estava chegando no limite.
“Sakura... Sakura... devagar, senão... ahh , eu...”, a voz rouca gemendo seu nome a fez arder, e ele tinha deixado a cabeça cair no ombro dela e a mordiscava vez ou outra entre suspiros. Sem se importar com nada, ela aumentou a velocidade e a pressão, e Naruto engasgou, investindo os quadris para frente, a mão agora parada entre as pernas dela. “Porra... Deus... Ooh, Deus ...”
A respiração dele engatou e Naruto enfiou a cara atrás da orelha dela, respirando fundo para sentir seu cheiro porque sabia que era mais forte ali, e a combinação das mãos ao redor dele, torcendo e apertando, e do cheiro de flores misturado com o da pele de Sakura o fez gozar intensamente sobre o próprio estômago. Naruto deu gemidos altos e longos que pareciam uma lamúria e desabou no travesseiro com o coração desenfreado enquanto buscava ar.
Ele puxou Sakura para um beijo lento enquanto se acalmava, e ela correspondeu avidamente. Depois de alguns minutos, ele pegou a própria blusa no chão e se limpou, então puxou a garota para a beirada da cama, enganchando as pernas dela nos ombros.
“Não, eu ainda não tomei banho, eu- ahh ...”, ela parou de falar no momento em que Naruto enfiou a língua nela, quente e macia, movendo-se devagar, o que se provou ser melhor do que quando ele ia rápido, principalmente porque ela já estava sensível.
Ela agarrou os cabelos dele e colocou o braço sobre os olhos fechados, arfando enquanto Naruto fazia tudo cada vez mais lentamente. Uma sensação de formigamento se espalhou do ventre para as extremidades do corpo dela e as ondas fortes do orgasmo a atingiram enquanto ela repetia o nome dele, e depois de alguns momentos sentindo o corpo desmanchar, pinicar e queimar, ela relaxou, dando um toquinho na cabeça dele para indicar que podia parar. Naruto se sentou no chão e deitou a cabeça na cama, olhando para ela com pálpebras pesadas enquanto acariciava sua perna. Sakura suspirou satisfeita e finalmente abriu os olhos verdes para ele.
“Esse foi o melhor final de semana que eu já tive.”, ele murmurou sorrindo.
“Também acho.”, ela respondeu apaixonadamente.
Mais ou menos na metade do verão, como esperado, o calor chegou ao seu ápice em Konoha, e apesar de amar o sol, aquela amostra de inferno não era o que Naruto tinha como “ideal”. Ele tinha começado a treinar com Neji, mas o calor os fez abandonar os treinos até o amigo convidá-lo para praticarem no dojo do complexo Hyuuga — o que ele fazia de bom grado, porque Neji era talentoso, e o local, arejado o suficiente para não morrerem.
Ele até treinou com Hinata algumas vezes, e estabeleceram uma amizade confortável, ela já não ficava mais tão vermelha perto dele e também não gaguejava. Ele desconfiava que Hinata tinha ficado sabendo sobre ele e Sakura, por mais que eles não divulgassem aos quatro ventos que estavam juntos.
Aliás, ele mesmo não contou para ninguém, e não tinha conversado com Sakura sobre se assumirem ou não, nem decidiram nada a respeito de explicitar o relacionamento deles, mas sinceramente aquilo não importava muito — preferia não pressionar a garota e também não se importava nem um pouco dela contar sobre eles. O próprio Naruto não fazia um folheto e saia distribuindo por aí porque não sabia o que Sakura preferia, e ele achava aquele assunto desconfortável de abordar.
Apesar disso, o que quer que tivessem, já vinha acontecendo há quase oito meses, um tempo considerável. Ele só teve certeza que Hinata sabia porque a garota perguntou como Sakura estava um dia, e o sorriso dela deixou isso claro. Naruto se sentiu mal, mas percebeu que Hinata estava sinceramente feliz por ambos, porque ela era esse tipo de pessoa incrível.
Então agora a garota também treinava com ele às vezes no dojo, quando tinha tempo. Neji e ele praticavam sparring ou luta com espadas pelo menos quatro vezes na semana durante duas horas, porque os treinos eram muito intensos. Às vezes, o amigo o convidava para ficar mais um pouco, então eles tomavam vinho, conversavam e Neji mostrava alguma relíquia na casa que poderia interessar Naruto, o que ele sempre achava legal.
Entretanto, o mês de julho sempre foi um mês de tristeza para ele, principalmente naquele dia em específico. Era uma quarta-feira e ele não saiu para treinar. De fato, a única coisa que ele fez foi escrever uma longa carta que acabou guardada junto com as outras dezenas que tinha em seu armário, chafurdadas em dor.
Aquela em específico tinha sido bem dolorosa de escrever, e também continha mais raiva que as outras, porque Naruto estava sinceramente cansado. Fazia quatro meses que ele não via Sasuke agora, e ele estava conseguindo lidar um pouco melhor com isso, por incrível que parecesse. Ele já não pensava em Sasuke o tempo todo se estivesse realmente focado em outras atividades, e Neji o ajudava muito nisso — lhe oferecia a oportunidade de treinar arduamente até não poder mover os músculos e era uma companhia familiar, com uma personalidade familiar e comentário irônicos que ele sentiu falta por muito tempo, apesar de ainda não terem a pitada de sarcasmo ideal.
Naquele dia, Sakura o convidou para sair, mas Naruto preferiu dar uma desculpa e ficar sozinho lambendo suas feridas. Além disso, ninguém era obrigado a lidar com o que ele intimamente chamava de “ mau humor do dia 23 ” já há alguns anos.
Seu estômago roncou, mas Naruto preferiu ignorá-lo e virar para o outro lado da cama. A casa estava escura e silenciosa, e aquele era um dos poucos dias que preferia assim. É verdade que se sentia um pouco menos mal depois de ter passado sua carga emocional para o papel, mas ainda doía. Ele cogitou parar de se afundar em autopiedade e sair de casa, mas realmente estava deprimido demais para isso.
Se lembrou de Jiraiya lhe dizendo que o lugar onde alguém ainda pensa em você, é aquilo que se pode chamar de lar, é o lugar para onde as pessoas devem voltar. Então Naruto foi em uma missão onde havia possibilidade de encontrar Sasuke só com o intuito de dizer a ele que Konoha era o lugar para onde ele poderia voltar, porque os pensamentos de Naruto sempre tentariam alcançá-lo.
E isso era um problema, já que Sasuke não queria aquele lar. E Naruto estava tão farto de pensar nisso, de ter que lidar com os próprios sentimentos de solidão e abandono infundados... Ele soltou o ar lentamente e se deitou de barriga para cima, fitando as luzes que entravam da rua e refletiam em parte do teto encardido, mas então a campainha tocou, estridente, e ele se sentou, limpando as lágrimas que escaparam sem permissão.
Naruto se levantou devagar e caminhou lentamente pelo corredor escuro sentindo a parede com a ponta dos dedos para se situar, abrindo a porta assim que houve o segundo barulho da campainha infeliz. Diante dele estavam Shika, Kiba e Neji, o que deixou Naruto surpreso, já que nunca tinha visto Neji interagir muito com eles.
Kiba gritou animadamente e foi entrando com os outros dois enquanto acendia as luzes. “E aí, cara? Viemos te ver, trouxe meu vídeo-game, Shika comprou algumas bebidas e Neji... bom, Neji está aqui.”, falou Kiba dando os ombros, colocando duas caixas de pizza em cima da mesa da cozinha apertada enquanto Shikamaru colocava as bebidas no freezer.
Neji fez uma careta irritada para as costas de Kiba antes de se aproximar de Naruto e estender uma sacola. “Te trouxe lamen. Espero ter escolhido o certo, é o mesmo que você pediu quando fomos almoçar.”, o amigo deu um sorriso suave que Naruto retribuiu tristemente. Neji deu um passo para mais perto e o observou atentamente antes de falar em um murmúrio. “Ei, eu espero que não tenha problema a gente ter vindo até aqui, Shikamaru apareceu no meu portão com o Kiba a tiracolo e me convidou, mas...”
“Nah, tudo bem. Acho que aparecer aqui nesse dia vai começar a ser uma tradição, aparentemente.”, Naruto respondeu com um muxoxo colocando o lamen na mesa, mas Neji pareceu confuso. “Hã, eles não te explicaram porque vieram aqui?”
“Na verdade, não. Shikamaru só disse que você não estava chateado e por isso eles iam te ver. Perguntou se eu queria vir, porque sabia que a gente estava mais próximo...”, as sobrancelhas finas de Neji se juntaram e seus olhos claros eram receosos.
Naruto suspirou, cansado. “Entendi.”, ele desviou o olhar, decidindo que não queria explicar. “Bom, eu vou... colocar a mesa no quarto, normalmente a gente fica lá.”, disse em um murmúrio baixo, e agradeceu mentalmente o fato de Neji não perguntar mais nada.
Hoje era o último dia que Naruto gostaria de ter que explicar qualquer coisa a alguém, ainda mais sobre o que a data atual significava. Também não queria fingir estar bem, nem forçar sorrisos e nem ter que se esforçar para manter uma conversa, e por isso tinha preferido ficar sozinho e poupar Sakura. Seus amigos lidaram com isso no ano passado e aparentemente fariam o mesmo hoje.
Apesar de ser um dia que preferisse passar sozinho, Naruto se sentia muito agradecido pela companhia — no ano passado, os amigos apenas amenizaram sua aura de dor, mas respeitaram seu humor e mantiveram as coisas em um nível razoável o suficiente para que Naruto se sentisse apenas aparado em sua tristeza. E esse ano devia acontecer o mesmo.
Naruto levou a pequena mesa de centro até em frente a cama e sentou, encostando-se nela e esperando. Ele podia ouvir os amigos sussurrando algo na cozinha e imaginou que Shika devia estar explicando à Neji o que tudo aquilo significava, o que fez Naruto se sentir um idiota.
Afinal, era só um dia qualquer, e não era como se Naruto tivesse feito festas de aniversário para Sasuke no tempo em que estiverem no mesmo time, ou como se ele sequer lembrasse do aniversário de Sasuke sem a ajuda de Sakura na época, porque ela sempre comprava um presente. Mas depois que ele tinha ido embora, Naruto se lembrava bem, porque Sakura ficava deprimida, e ele também, por consequência. Então Naruto aprendeu o dia e já não precisava de ajuda para lembrar, o que era pior ainda.
E no ano passado, aquela data tinha sido o real inferno, mesmo Naruto não entendendo exatamente por quê. Aparentemente seus amigos já esperavam algum tipo de reação negativa da parte dele, já que o visitaram com uma intervenção montada. Ele se perguntou se Sakura tinha se lembrado que dia era hoje, mas sabia que sim. Pelo menos ela não teria que vê-lo desse jeito, e ele torcia para que ela não o imaginasse seu estado atual, porque com certeza a garota voltaria a se preocupar.
“Escutem, não contem à Sakura como eu estou hoje, não quero ela preocupada. Vocês podem ficar, mas só se prometerem que isso fica entre a gente.”, Naruto pediu assim que os amigos entraram no quarto com as coisas, e eles assentiram solenemente.
Não foi preciso dizer mais nada — Kiba conectou o vídeo-game na televisão antiga e Shika colocou as pizzas na mesa. Neji se aproximou e entregou uma garrafa de vinho para Naruto.
“Te trouxe uma garrafa do vinho que você tomou semana retrasada em casa, aquele que você disse que lembrava suco de uva. Não sei se você quer beber hoje, mas é seu, se quiser.”, murmurou baixinho.
Shika e Kiba os chamaram para jogar, mas ambos dispensaram. Naruto abriu o vinho e tomou uma golada direto do bico, passando para Neji, que negou e pegou um pedaço de pizza. A única luz no quarto vinha da televisão, e o único barulho era do jogo e de Shikamaru e Kiba, que bebiam cerveja e brigavam entre si. Naruto puxou algumas almofadas que Kiba roubou do sofá e se deitou no chão enquanto assistia o jogo e bebia.
Neji, sentado de pernas cruzadas ao seu lado, tomava água e observava o jogo também, às vezes parando para comer e passando para Naruto alguns pedacinhos da pizza que ele tinha cortado em quadrados e espetado em palitos de dente. Naruto os aceitava silenciosamente e bebia direto da garrafa vez ou outra, enquanto assistia os outros dois discutindo por causa do vídeo-game e ouvia o som dos ninjas lutando na tela.
“Porra, Shikamaru, você tá roubando!”, Kiba exclamou, soltando o controle depois de quase duas horas, fazendo o outro lhe lançar um olhar de tédio muito característico.
“Você é muito ruim, nem parece que joga essa merda o tempo todo.”, respondeu Shika, levantando e indo até a mesa de centro. Os dois se sentaram no chão lado a lado e começaram a comer, ainda debatendo.
Nessa altura, Naruto já tinha tomado toda a garrafa de vinho, passado para a cerveja enquanto fazia careta a cada gole, e tinha o olhar fixo na parede, sem interagir. Às vezes ele aceitava um ou outro pedaço de pizza passado por Neji, que o observava cautelosamente.
“É por isso que eu odeio jogar com você!”, exclamou Kiba de boca cheia.
“Você odeia jogar comigo porque eu sou melhor e sempre ganho.”, Shika rebateu, revirando os olhos.
Kiba deu um soco no braço dele e se virou para Naruto como se implorasse. “Narutoooo, joga uma comigo, eu juro que deixo você pegar o ninja vermelho.”, pediu Kiba, mas Naruto só o ignorou e deu outro gole na cerveja, fazendo careta.
Os dois pararam de discutir por um momento e observaram Naruto beber, chocados, depois lançaram um olhar para a garrafa de vinho vazia atrás dele, e depois olharam para Neji, que não disse nada.
Shikamaru hesitou. “Hã, e então, Naruto, como vai a Sakura?”, ele tentou puxar assunto.
O amigo virou a cabeça para o lado na almofada e o focalizou. “Ela está bem. Pelo menos estava, quando vi ela na semana passada. Hoje ela deve estar deprimida.”, respondeu sem inflexão na voz, os olhos azuis meio mortos. Mesmo com a cabeça leve e confusa, ainda era difícil falar sobre aquilo, apesar do álcool ter amenizado sua raiva e sua dor. Talvez devesse beber mais vezes.
“Vocês têm se visto muito? Ino apareceu com um boato doido de que vocês estavam saindo.”, Kiba disse, rindo.
“É, nós estamos. Faz um tempo.”, respondeu Naruto distraidamente.
Kiba engasgou com a pizza e Shika precisou dar tapas nas costas dele por isso. “Porra, esse não é o tipo de coisa que seus amigos deviam saber? Você tá atrás dela faz quanto tempo, um século?”, Kiba perguntou indignado.
Naruto deu os ombros e voltou a encarar o nada, colocando de lado a quinta lata de cerveja vazia.
"Cara, eles tão juntos há meses .”, Shikamaru falou.
“Quê? E você sabia ? Porque você sabe e eu não?”
“Sakura me disse um dia que precisei ir no hospital.” contou Shika.
“E você, porque não parece chocado?”, Kiba encarou Neji, que ergueu uma sobrancelha.
“Eu também já sabia.”, ele respondeu, tomando um gole de água.
"Até você sabia? Mas que caralhos, eu achei que a gente era amigo, Naruto!”, Kiba choramingou, mas não recebeu atenção, o que o fez trocar olhares preocupados com os outros dois.
“Então, e como vocês estão? Quer dizer, você esperou por isso durante anos.”, perguntou Shika tentando fazer Naruto reagir, o que pareceu dar certo, pois ele os encarou, sorriu debilmente e se sentou com dificuldade, escorando-se na cama atrás dele para responder.
“Ela é incrível... A gente não se vê muito por causa do hospital e das minhas missões, mas ela sempre vem aqui quando tem uma folga, sabe?”, a voz dele era arrastada e sua fala era lenta pela bebida. “Eu nunca pensei que ela ia olhar pra mim algum dia, Shika, porque você sabe, aquele teme idiota foi melhor do que eu até nisso, Sakura-chan só tinha olhos pra ele, só falava dele, tudo era ' Sas’ke, Sas’ke, Sas’ke ' e então ele foi embora e não deu mais as caras aqui por um tempo. Ela fica preocupada comigo sobre isso, mas, ei, eu tô vivo, não tô? Não é porque aquele teme de merda não se importa com nada além dele que eu vou ficar mal pra sempre! Mas... mas dói pra caralho ainda, Shika, dói todo dia... e hoje é o aniversário dele. Eu odeio esse dia mais do que qualquer coisa!”, ele deu longos goles na lata e um pouco do líquido escorreu por seu queixo. Ninguém ousou interromper. “E eu estou cansado dele, cansado pra caralho, ele nunca fala nada e só luta, um dia quero quebrar a cara dele e trazer a bunda dele de volta para Konoha de vez!”, Naruto tombou de lado na almofada que estava deitado e tentou se levantar novamente, mas logo parou de se debater e começou a roncar.
Os outros três se olharam atônitos diante de tanta informação desconexa e Shikamaru suspirou, levantando-se depois de olhar o relógio de cabeceira, começando a juntar as latas na sacola vazia.
"Bom, vamos embora, já está tarde. Kiba, me ajude a juntar o lixo e não esqueça o vídeo-game.”, murmurou Shikamaru, amarrando a sacola e juntando guardanapos nas caixas de pizza vazias.
Neji as pegou e carregou para fora, levando as sacolas de latas que Kiba o passou em seguida. Quando voltou para o apartamento, os dois já tinham arrumado tudo.
“Vocês acham que alguém devia ficar-”, começou Kiba.
“Eu fico. Vou cuidar dele.”, Neji falou prontamente, encarando-os.
“Se você quiser, eu posso ficar.”, ofereceu Kiba, mas o outro negou com a cabeça e segurou a porta para eles, que saíram e agradeceram antes de Neji trancá-la e voltar para o quarto. Ao chegar lá, Naruto tentava se colocar de pé, e Neji correu para ajudá-lo, levantando-o enquanto passava os braços por baixo das axilas dele.
“N-Neji, não, eu...” , protestou Naruto tentando se afastar, mas o amigo apenas o segurou com mais força. “Eu acho que vou vomitar.” ele murmurou, com os dentes cerrados, mas logo em seguida despejou o conteúdo do estômago sobre o próprio peito e o de Neji, que parou um segundo, juntou os lábios e suspirou em resignação.
“Ok, agora precisamos tomar banho.”, ele falou, carregando Naruto rumo ao banheiro.
“ Juntos ?”, exasperou-se o outro, e o amigo lhe lançou um olhar irônico enquanto acendia as luzes do banheiro.
“Não se preocupe, não tenho pretensão nenhuma de te ver pelado, Naruto.”, respondeu Neji, rindo. “Agora faça o favor de esvaziar seu estômago aí antes de entrar no chuveiro, e enquanto isso eu vou tomar banho.”
Naruto foi deixado no chão ao lado da privada, onde ele se inclinou para a louça e vomitou, infeliz e completamente zonzo. Neji se despia de costas em frente ao chuveiro, e Naruto, em meio à sua confusão por bebida, ficou levemente chocado ao ver o corpo do outro, magro e tonificado, e a bunda redonda. A pele dele era pálida e lisa, os cabelos longos que deslizaram da blusa que foi jogada para o lado eram brilhantes e sedosos, e ele se viu preso no movimento dos fios que batiam nos quadris ossudos. Neji puxou os cabelos para cima e fez um coque desajeitado no topo da cabeça, depois olhou para Naruto, que parecia congelado na cena.
“Se você não fechar a boca, vou achar que está gostando da vista.”, provocou Neji, surpreendendo-o.
Ele sorriu torto e ergueu uma sobrancelha. “Se eu não tivesse saindo com a Sakura, com certeza cogitaria dar em cima de você.”, Naruto respondeu brincando, antes de ter um acesso de vômito e precisar enfiar a cara na privada.
Neji riu e começou a tomar banho, fechando o chuveiro depois de quinze minutos. Naruto já tinha parado de vomitar, e agora cochilava só de cueca com a cabeça encostada na parede, a roupa suja enfiada na máquina de lavar junto com a do outro. Neji estava só de cueca também quando cutucou Naruto, que acordou com um pulo.
“Sua vez. Posso pegar uma roupa emprestada?”, o amigo corou, o que Naruto nunca tinha visto acontecer antes.
"Claro, fique à vontade.”, balbuciou ele, levantando-se do chão com a ajuda do outro, que então saiu e fechou a porta.
Naruto ligou o chuveiro e encostou na parede, se lavando com dificuldade por causa da tontura. Seu corpo parecia pesado demais para sua cabeça leve, e isso não facilitava seu equilíbrio. Ele fechou o chuveiro, se enrolou na toalha e foi para o quarto, onde Neji estava sentado vestindo uma de suas roupas, que estavam compridas por ele ser menor do que Naruto. O amigo se levantou assim que ele entrou, e Naruto percebeu que a meleca que tinha respingado no chão já tinha desaparecido.
“Você está bem?”, Neji preocupou-se.
“Sim, só estou muito zonzo, mas estou bem, não se preocupe. Eu só vim pegar uma roupa, vou ficar com o sofá.”, Naruto falou, mas Neji fechou a cara.
“Não seja idiota, é sua casa, e além disso, não estou aqui para criar problemas, só quero ter certeza que você não vai se afogar no próprio vômito ou algo assim.”, ralhou ele, fazendo Naruto rir e cambalear, sendo segurado automaticamente.
“Não tem como eu não ser idiota, acho que eu bebi demais. Você devia ir pra casa, não é justo você dormir naquele sofá velho e empoeirado. Imagina o que seu tio diria ao ver um Hyuuga dormindo ali, ainda mais com a cama gigante que você tem!”, ele riu e deu outra cambaleada.
Neji rolou os olhos. “Naruto, só... vai dormir. Eu vou estar no sofá, qualquer coisa me chame, meu sono é bem leve. Boa noite.”, o amigo deu um pequeno sorriso e saiu, fechando a porta do quarto atrás de si.
Naruto suspirou e deixou a toalha cair, indo até a cômoda e colocando apenas uma cueca antes de apagar a luz e tropeçar até a cama. Ele queria agradecer Neji por ficar com ele, mas seu sono chegou logo em seguida. Foi a primeira vez em anos que ele dormiu como uma pedra no dia vinte e três de julho.
Notes:
E esse foi o primeiro Smut/NSFW da fic! Espero que tenham gostado. Eu curto bastante o envolvimento e a química que Sakura e Naruto desenvolveram durante a história, então estou razoavelmente satisfeita com esse capítulo.
Também gosto bastante de como a amizade entre Neji e Naruto está se consolidando de vez. Essa era uma dupla que eu achei que queria dificuldade em escrever, mas felizmente não e'o caso. Bom, é isso até a próxima!
Chapter Text
A segunda semana de setembro chegou colorindo as árvores com os tons quentes e queimados do outono e amenizando um pouco o calor intenso que fazia em Konoha. Naruto tinha voltado de Suna há alguns dias, onde tinha passado duas semanas em missão e uma na companhia de Gaara com permissão de baa-chan. As pequenas férias não fizeram nenhum milagre em Naruto, mas o ajudaram a espairecer um pouco.
Entretanto, Gaara era um amigo muito perceptivo, e depois de alguns dias, já tinha entendido o estado em que Naruto se encontrava e porque sem precisar cavar muito, o que era de certa forma um alívio e um tormento — ao mesmo tempo que não havia necessidade de falar sobre sua angústia, o olhar de compreensão que Gaara lhe lançou ao perceber o que estava acontecendo não tinha ajudado em nada.
Naruto tentou ignorar a indulgência nos olhos verde-azulados, mas a intensidade deles já tinha o capturado e se afundado em seu âmago. Felizmente o homem não disse nada sobre a situação e respeitou a mudança de assunto repentina, além de não ter tentado falar sobre Sasuke novamente. Mas o suprimento extra dos doces preferidos de Naruto colocado em sua bagagem no último dia tinha deixado muito claro o quanto Gaara se compadecia da dor dele e o quanto a entendia também.
Fazia seis meses que Naruto não sabia de Sasuke agora, e sua ira e mágoa tinham crescido bastante, porque era metade de um ano inteiro. Já fazia quase dois anos que ele tinha ido embora, o que rendeu quatro visitas silenciosas onde, em uma delas, Naruto o dispensou sem nem pensar duas vezes, e a última, havia lhe causado um talho profundo no antebraço que durou algum tempo para curar completamente.
Mesmo assim, Naruto tinha se culpado de passar três semanas fora, porque havia a chance de ter perdido a visita do idiota. Assim, a viagem de volta, que deveria durar três dias, foi feita em pouco mais de um. Entretanto, sua pressa foi totalmente à toa, porque Sasuke não apareceu até o final da semana, o que ainda assim se provava um timing muito bom.
Naquele dia, Naruto estava muito inquieto — o que não era nenhuma novidade, porque ele tinha estado assim nos últimos dois meses, sendo exatamente esse o motivo da sua semana de férias em Suna (apesar de não ter adiantado muita coisa, pois sua inquietação tinha voltado com força total assim que ele colocou os pés em casa). Ele tinha acordado tarde, comido uma maçã farinhenta que achou no fundo da gaveta de frutas praticamente vazia e se arrastado até o topo do monumento Hokage, porque não tinha nada para fazer e não queria ver ninguém.
Ultimamente, nem Sakura conseguia animá-lo totalmente, e os horários deles sempre se desencontravam, o que levava Naruto a focar em seus treinamentos com Neji e com Lee, que às vezes se juntava a eles. Mesmo assim, treinar já não era totalmente eficaz em tirar a adrenalina de seu corpo e impedir sua mente de vagar para onde não devia. Ele sinceramente tinha pensado em pedir ajuda para baa-chan, porque já tinha chegado à conclusão de que aquela fixação não era natural, mas sua vergonha e orgulho o impediram; afinal, sabia que a situação toda era muito absurda. Além disso, se ele parasse para analisar, aquilo já vinha acontecendo desde seus 13 anos, então estava longe de ser algo realmente inédito.
Estava deitado na cabeça de pedra que retratava seu pai quando, pela primeira vez em quase dois anos, ele sentiu a assinatura de chakra muito familiar se aproximando rapidamente, e aquilo enviou ondas de raiva e dor pelo seu corpo. Apesar disso, ele não abriu os olhos e nem se levantou. Se Sasuke tinha permitido que ele sentisse seu chakra depois de tantas visitas, é porque queria sua atenção, então não lhe daria este gostinho. Naruto sentiu Sasuke parando há alguns metros, e ele só se deu o trabalho de tombar a cabeça mais para trás e abrir os olhos azuis depois de algum tempo.
Sasuke estava ali em uma roupa que Naruto nunca tinha visto na vida e lhe dava um ar ainda mais singular — usava um poncho marrom claro esfarrapado sobre calças cinza, e uma faixa azul marinho foi enrolada várias vezes em torno de sua testa, achatando o cabelo preto-azulado espetado. A cor tinha voltado à sua pele e ele parecia saudável. Assim que Naruto o fitou, o homem ergueu uma sobrancelha, uma das poucas expressões que ele tinha visto no rosto do amigo em todo esse tempo, e então fez um gesto com a cabeça antes de praticamente desaparecer no ar.
Naruto suspirou e bagunçou os cabelos loiros antes de se levantar borbulhando de raiva e correr atrás do chakra rumo ao campo de treinamento, como sempre. Ele atacou Sasuke assim que colocou os pés lá, dando uma série de golpes e chutes que o outro defendeu com maestria antes de contra-atacar com a espada em punho, quase acertando o estômago de Naruto.
Ele desviou deslizando para trás e mirou uma porção de socos e uma rasteira que o homem pulou antes de chutar sua costela e receber um golpe no ombro com a kunai que Naruto empunhava. Sasuke fez uma carranca mínima e partiu para cima dele, manuseando a kusanagi em arcos e passando uma rasteira em Naruto assim que ele se distraiu com os movimentos, mas ele deu impulso para trás e conseguiu se equilibrar, dando dois mortais para trás e colocando-se de pé fazendo cara feia. Nesse ponto, ele já via vermelho de raiva e queria esfregar a cara de Sasuke no cascalho quente.
“Vamos conversar!”, chiou Naruto, com fúria estampada na voz. Sasuke piscou uma vez em sua expressão imperturbável de absoluto nada e se endireitou, guardando a espada sob o poncho estranho e aproximando-se um pouco. “Diz alguma coisa, mas que merda, Sasuke!”, exclamou Naruto, andando em direção a ele.
Sasuke suspirou. “Naruto...”, sua voz baixa e profunda flutuou pelo espaço entre eles.
“Ah, então você sabe falar, bom saber! Que merda é essa? Você aparece aqui de vez em quando, olha pra minha cara como se eu tivesse que adivinhar o que passa nessa sua cabeça fodida, me carrega pra cá, luta comigo, porque claro que é a coisa mais óbvia a se fazer, e não abre a porra da boca nenhuma vez, que merda é essa?”, as narinas de Naruto se dilataram com a cólera e o ar parecia escasso por causa da breve luta e, principalmente, de sua explosão — que aliás estava sendo muito comedida porque Naruto não queria se humilhar mais do que o necessário para o bastardo.
“O que você quer que eu diga?”, Sasuke perguntou como se o censurasse, o que deixou Naruto ainda mais irritado. O único braço do amigo estava enganchado no quadril por baixo do poncho casualmente, como se estivesse apenas debatendo sobre o tempo.
“Como assim 'o que você quer que eu diga'? Diz qualquer coisa, conversa, igual uma pessoa normal, porra! Você some por dois anos pelo mundo e não tem merda nenhuma pra me contar? Até quando você vai ficar sem falar nada? Quantas visitas você pretende fazer nesse silêncio? Você acha que é o suficiente você aparecer aqui igual um idiota, lutar comigo e depois sumir de novo?”, Naruto gritou, indignado, deixando uma ínfima parte de sua frustração vazar.
“Se você não quer que eu venha, é só falar.”, respondeu Sasuke em um volume normal, sem inflexão na voz.
“Então não vem, caralho! Pode ter certeza que dá na mesma, já que você prefere mastigar a própria língua do que falar alguma coisa! Aliás, por que você vem? Por que sequer se dá o trabalho?”, ele deu alguns passos para trás, encarando Sasuke como se pudesse atear fogo nele.
Sasuke demorou alguns segundos para responder. “Eu não sei, Naruto.”, murmurou, e a falta de expressão no rosto e no tom dele fazia o peito de Naruto arder em chamas de ódio e angústia. Ele não podia pelo menos fingir se importar, o inútil idiota?
“Oh, que atencioso da sua parte. Bom, se você carrega sua bunda até a minha varanda sem saber por que, então não tem sentido você vir.”, Naruto tinha os olhos azuis turbulentos fixos nos de Sasuke, que apenas o encarava sem esboçar reação ou se mover. Naruto chegou a se perguntar se realmente tinha dito alguma coisa, ou se o bastardo estava surdo.
Eles ficaram se olhando por alguns segundos sem desviar, os olhos de Sasuke intensos e indecifráveis, e então, quebrando sua máscara de estoicidade, ele ergueu uma sobrancelha em uma mistura de surpresa e escárnio. Sem desviar os olhos negros, assentiu brevemente ao comando de Naruto, deu um passo para trás e se virou, indo embora sem dizer mais nada.
“Naruto!”
A casa tremeu com as batidas na porta da frente e as janelas chacoalharam, mas ele não se moveu, preferindo virar para o lado na cama e voltar a fechar os olhos. Entretanto, mesmo com nada além do silêncio como resposta, houve outro soco na porta e seu nome foi novamente chamado.
“Eu juro que se você não abrir essa porta agora, eu vou quebrar ela em três!”, a voz ameaçadora de Sakura voltou a ecoar pelo corredor e Naruto deu um suspiro lento, pedindo paciência aos deuses.
“Tô indo.”, ele cuspiu, jogando o edredom para o lado e passando as mãos no rosto antes de se levantar de cara feia. Não que estivesse cedo — eram três e meia da tarde.
Ele cambaleou pela casa e assim que abriu a porta, deu de cara com uma Sakura possessa e irada, que parecia prestes a demolir o prédio todo.
“O que é?”, ele resmungou, e ela pareceu inflar enquanto entrava sem convite e batia a porta atrás de si.
“Eu acabei de saber através da Hokage que você ingressou na Anbu, é isso que é! Eu não sei se estou mais puta com a notícia em si ou com o fato de ter sabido através dela! Você enlouqueceu de vez?”, a mulher fechou os punhos pequenos e poderosos nas laterais do corpo e esperou, respirando fundo.
Naruto, cuja dor de cabeça latejava em seu crânio, apenas encostou o ombro nu na parede e cruzou os braços antes de responder. “Eu ia te contar assim que te visse, Sakura.”, a declaração veio em um tom curto e baixo.
Sakura não ficou feliz com a resposta e marchou em direção ao homem, que não se intimidou. “Esse é o menor dos problemas! Você está louco, por acaso? Há quase um ano você negou o convite e agora, do nada, resolve que-"
“Um ano foi há muito tempo, as coisas mudam. Eu cansei de ficar em Konoha aceitando missões de rank-B sem nenhuma ação. Eu quero evoluir.”, ele se deixou explicar brevemente com esta meia verdade. Preferia não comentar com ninguém o resto dos motivos que o tinham levado a mudar de ideia sobre a Anbu.
“Então por que não se torna um joonin? Por que precisa entrar em um esquadrão de assassinatos onde você pode morrer em missão?”, ela gritou escandalizada, jogando os braços para o ar. Ele suspirou e olhou para o teto. “Você... Você está estranho há algum tempo e agora parece que piorou, Naruto! O que está acontecendo? Por que não me diz qual é o problema? Por que você sempre me afasta? Estamos juntos há oito meses e parece que você me conta ainda menos coisas do que antes, o que eu preciso fazer pra conseguir te entender?”, o tom dela era veemente.
Naruto engoliu seco e encarou os olhos verdes-esmeralda aflitos. A última coisa que ele queria era magoar Sakura, mas aquilo não dizia respeito a ela — a briga que tinha se dado entre ele e Sasuke e as consequências daquilo em Naruto dizia respeito apenas e unicamente a ele, e ponto final. Não tinha nada a ver com a confiança que ele tinha em Sakura, nem com o relacionamento que tinham construído naquele tempo.
E a verdade é que nem ele mesmo entendia o que sentia sobre tudo aquilo, mas sabia que estava devastado e destroçado. Ele e Sasuke tiveram sua cota de brigas ao longo daqueles anos, chegando ao ponto de perderem um braço e quase perderem a vida — eles discutiram toda vez que se encontraram enquanto ele ainda era discípulo de Orochimaru, eles lutaram, Sasuke tentou matá-lo e quase conseguiu mais de uma vez, e ainda assim, eles nunca cortaram laços totalmente.
Mas dessa vez era diferente, porque Naruto tinha dito que ele não precisava mais visitá-lo, e aquele era o único contato que eles tinham atualmente, além da possibilidade de, talvez, falarem por cartas. E Naruto se recusava a enviar um pedido de desculpas para o bastardo, porque estava cansado de se humilhar e de impedir sozinho que aquela amizade desmoronasse.
Além disso, a conexão deles parecia inexistente — há um tempo Naruto tinha percebido que já não conseguia ver o que tinha na mente de Sasuke enquanto lutavam, o que o levava a crer que aquele tipo de conexão só acontecia quando as pessoas envolvidas tinham um laço muito forte e se permitiam deixar desvendar. Perceber isso fez Naruto se reduzir a um nada e sofrer infinitamente.
Porque então era daquele jeito que acabaria. Uma amizade precisa do empenho de duas partes para funcionar, e Sasuke não precisava de ninguém e nem de Konoha. Ele tinha partido e provado isso muito bem. Ele já não tinha família, não tinha uma casa e não tinha raízes, ou seja, Sasuke era completamente livre no mundo, nada o prendia ali, nenhum tipo de laço, e ele estava seguindo em frente com a vida dele.
E aquela dor seria o combustível de Naruto para seguir em frente também, então ele decidiu aceitar a proposta da União e entrar na Anbu. Tsunade tinha tentado fazê-lo mudar de ideia, mas como Hokage, ela não podia deixar os sentimentos pessoais dela interferirem, sendo obrigada a passar a notícia aos outros Kages e deixar Naruto entrar no esquadrão, ainda que extremamente contrariada.
Naruto precisava focar em outra coisa agora. Precisava sair da vila, conhecer pessoas, ver coisas novas, investir em sua carreira de Shinobi e servir para algo, porque ficar no quarto choramingando a perda da amizade de Sasuke não era algo que ele pretendia fazer. E ele iria fazer tudo que lhe fosse pedido como Anbu, Sakura e Tsunade querendo ou não.
Era isso ou ficar se destruindo por uma história que se arrastou por anos e claramente não iria terminar da maneira que Naruto lutou para que ocorresse, porque ele não podia escolher por Sasuke. O outro tinha o direito de ir em frente com a vida, talvez mudar de vila, virar um nômade vagando por ai vestindo um poncho esquisito, ou a merda que fosse.
E Naruto precisava descobrir coisas novas, fazer coisas novas, deixar a sensação da adrenalina em seu corpo lavar sua dor para ele voltar a respirar longe daquela dependência emocional estranha. Sua amizade com Sasuke estava definitivamente desfeita e não era por causa da briga — aquilo já estava acontecendo diante dos olhos de Naruto há dois anos ou mais, e ele apenas preferiu ignorar e se apegar aos pequenos fios que os seguravam juntos.
Mas agora estava definitivamente acabada, e era o que ele precisava — da ausência de Sasuke e dos fantasmas de suas visitas aleatórias que apenas faziam Naruto criar falsas esperanças de que um dia ele voltaria para Konoha, para o Time Sete (que, aliás, já não existia desde o final da guerra, quando Sakura começou a trabalhar de vez no hospital).
“Sakura, isso não tem nada a ver com a gente, você sabe disso...”, ele argumentou, desencostando-se da parede e indo em direção à ela, mas a mulher se distanciou com um olhar duro e acusatório.
“Eu fingi não ver todas as coisas que você pediu, Naruto. Fingi não ver você murchar diante dos meus olhos no início, fingi não perceber o quanto você estava mal, o quanto tudo que aconteceu te afetou profundamente, eu ignorei tudo que eu podia. Depois que ficamos juntos você pareceu melhorar e tudo estava indo bem, mas de uns meses pra cá... as coisas estão ficando estranhas novamente, e agora... isso. Eu... já não te reconheço mais. Eu preciso de alguma coisa, preciso entender o que está acontecendo, porque já não sei o que fazer.”, ela tinha lágrimas nos olhos agora e parecia extremamente machucada. Naruto olhou para os pés, mas não tentou se aproximar novamente. “Você não é o tipo de cara que vai pra Anbu, não é o tipo de cara que se tranca em casa taciturno, ou que perde o contato com os amigos. Essa é pessoa que você queria se tornar?”
Ter coisas jogadas em sua cara desse jeito o desnorteou, mas mais do que isso, o fez se sentir invadido. Naruto tinha um olhar cansado quando olhou para Sakura, como se estivesse carregando um peso de vinte toneladas nas costas. Fazia tempo que ele não se sentia tão desamparado e perdido, e ela se sentia da mesma forma, ambos sabiam. O homem deu alguns passos para Sakura e ela o abraçou forte, segurando-o com firmeza como se dissesse que o pegaria sempre que ele precisasse.
E Naruto desabou. Ele escondeu o rosto no pescoço dela, em meio àquele perfume floral reconfortante e chorou, apertando-a tanto que Sakura perdeu o ar. Mas ela não se importou com isso, ela o segurou de volta com o mesmo aperto e deixou algumas lágrimas escaparem também, porque não sabia o que estava acontecendo e nem o que fazer para ajudá-lo, e ela o amava tanto — como seu melhor amigo, como o homem incrível que era, e como amante.
Eles escorregaram juntos para o chão da cozinha e ela embalou o homem maior do que ela como se segurasse uma criança grande demais, os soluços e sons de pura tristeza e desespero se fincando em sua carne de um jeito que jamais a deixaria, porque ela nunca tinha visto Naruto, seu Naruto, chorar assim. As mãos grandes e ásperas dele a apertavam como se estivesse se impedindo de afogar e os dedos espremiam sua pele de tempos em tempos, como que para testar que ela ainda estava ali, e sim, ela estava, porque Sakura jamais sairia do lado dele.
E a dor de Naruto era tão, tão grande... O buraco em seu peito, aquele que foi tapado com toda e qualquer coisa que coube durante esse tempo, tinha finalmente desmoronado e tornado a se abrir, não sobrando mais nada para preenchê-lo, porque aquela era a dor de sua alma, de seu ser. Era o que ele mais temia se concretizando, porque Sasuke era sua família na falta de seus pais. Ele era seu melhor amigo, seu irmão de alma, era quem o compreendia, e aquilo já não importava mais, porque a distância entre eles finalmente tinha sido maior do que tudo, depois de tanto tempo.
Ao mesmo tempo que não parecia real, era real até demais, e doía perceber que a cisão entre eles era completamente previsível e compreensível em sua cabeça, como se, no fundo, ele apenas estivesse esperando isso acontecer porque hora ou outra, ia. Seria inocência dele pensar que o que causou aquilo tinha sido a briga ou as coisas que ele disse, e Naruto sabia bem disso. Será que Sasuke também tinha percebido o quanto eles se distanciaram? Ele tinha esperado por aquilo também? Ele... tinha deixado aquilo acontecer?
Naruto precisava dar um fim em tudo aquilo que sentia. Ele definitivamente precisava seguir em frente.
Sai, escondido entre os galhos da imensa árvore na frente do casebre decrépito, fez um sinal imperceptível com a mão para Yamato, que assentiu em meio aos arbustos há pouco mais de dez metros e passou a mensagem silenciosa adiante antes de esgueirar-se para a extrema direita, parando na esquina da casa em frente a pequena janela de vidro quebrado e devolvendo outro sinal. Sai se moveu rapidamente, descendo da árvore como um vulto e parando encostado ao lado da única porta da casa.
Ele a abriu com a habilidade do bom ninja que era em um silêncio sepulcral, mas então uma kunai passou raspando diante de seu nariz e ele desapareceu em um átimo, entrando na cabana. Houve sons de metal contra metal e alguns grunhidos, mas Yamato não se moveu, porque sabia que seu momento chegaria só se chamassem atenção demais.
Dentro da cabana, Sai lutava com uma garotinha que devia ter uns treze anos, mas claramente era habilidosa em seu taijutsu. Outra se juntou a ela, e esta tinha pelo menos dez anos. Ele defendeu e atacou enquanto olhava em volta, tentando assimilar seus arredores e descobrir onde estava seu alvo, mas o garoto não entrou na briga. Ao invés disso, ele abriu a janela dos fundos e pulou para fora, e Sai foi impedido pelas duas de segui-lo.
O golpe da faca que rasgou sua jugular como se fosse manteiga veio tão rápido que o garoto sequer sentiu. Enquanto seu corpo sucumbia devagar para a grama, caindo de joelhos, um som abafado e gorgolejante saiu de sua traquéia exposta quando ele tentou gritar com toda a força de seus pulmões. O sangue espirrou na máscara de raposa de seu agressor, que estava há centímetros.
Quando o corpo finalmente caiu com nada além de um farfalhar na grama, o homem diante dele se levantou, dando sinal para Yamato, que deu um assobio suave que poderia facilmente ser confundido com o cantar de um pássaro. No segundo seguinte, dois ruídos similares vieram da cabana, onde Sai desacordou as duas garotas antes de sair pela porta da frente e dar a volta na casa para ver o corpo.
O outro homem, cujos cabelos loiros ondulavam no vento suave da madrugada, apenas tirou sua máscara e a limpou na calça, o vermelho manchando o cinza, e os olhos azuis de aço desviaram seu olhar duro do menino que jazia a seus pés para Sai, que assentiu em reconhecimento. Naruto passou a mão pelas mechas que emolduravam seu rosto sem expressão, jogando o cabelo agora mais longo que o normal para trás antes de voltar a máscara para o lugar.
“Precisamos do corpo?”, ele perguntou monotonamente.
“Não, mas acho que não precisamos deixar essa lembrança para as irmãs.”, respondeu Sai, puxando um tecido do bolso e pressionando o corte para que o sangue não escorresse tanto.
Ele puxou um rolo de pergaminho grande das costas e selou o corpo ainda quente, que desapareceu com um “puf”. Naruto e ele caminharam de volta para Yamato, que assentiu.
“Bom trabalho.”, parabenizou o capitão, como sempre fazia no fim de todas as missões.
Naruto agradeceu com um sussurro e o seguiu para irem embora. Faltavam apenas alguns dias para novembro acabar, e aquela era a última missão que eles fariam antes de Tsunade se aposentar e passar seu posto de Hokage para Kakashi, o que aconteceria no dia primeiro. O ex-sensei, sendo um homem muito realista, não estava animado, mas tinha aceitado o cargo de bom grado.
Com isso, Naruto tinha sido chamado até a casa de Kakashi, que sugeriu que ele saísse do posto que esteve ocupando na Anbu há um mês e meio e começasse a estudar para se tornar um joonin e, assim, ter um time próprio para ensinar. Tentador, mas trabalhoso, então Naruto negou educadamente — para que aquilo ocorresse, ele precisaria estudar muitas teorias, ler vários livros, ter aulas com Iruka, e ele odiava tudo aquilo, odiava ler e ter que decorar coisas que ele nunca precisou para se tornar o ninja que era atualmente.
E para ser sincero, ele estava se dando bem como Anbu, se acostumou rápido com tudo aquilo — claro, sua primeira missão tinha sido horrível, apesar dele só ter assistido seus colegas de equipe fazerem o “trabalho sujo” enquanto ele dava cobertura, mas mais ou menos na sexta missão, Naruto aprendeu a se desligar das coisas e não se afetar tanto, algo que Sai tinha dito ser possível e ele não acreditou.
Mas sim, era. Em algum ponto, colocar sua máscara tinha se tornado o interruptor onde ele deixava sua identidade Anbu vir à tona, e por mais que ele nunca fosse admitir, era bom dar vazão a uma parte de si que simplesmente não precisava sentir nada, só agir. Ali, Naruto tinha aprendido a ter paciência e a analisar as coisas de outra forma.
E por mais que só fizesse um mês e meio que ele estivesse no esquadrão, Naruto tinha se tornado um bom Anbu, ao contrário do que ele e os outros tinha imaginado. A grande quantidade de missões que chegavam, além de permitir que ele se aprimorasse, também atingiram seu objetivo principal, que era fazer Naruto focar em outras coisas.
Ele realmente, pela primeira vez em dois anos, não pensava mais em Sasuke, o que levava Naruto a crer que finalmente tinha superado aquela história. O monstrinho em seu peito parecia ter desaparecido, e ele se sentia livre. Por um mês e meio ele saiu em missões uma atrás da outra e, apesar do trabalho nada agradável que precisava empenhar, ele nunca se sentiu tão útil e livre — livre de suas esperanças infundadas, de seus pensamentos obsessivos, de todos os sentimentos de tristeza, abandono e incerteza, de toda a espera que já não era necessária, e, por fim, de Sasuke.
Naruto e Sakura até entraram no consenso de simplesmente ignorar a escolha dele, e ele sempre ia vê-la no hospital quando voltava para a vila, o que sempre a fazia sorrir. Apesar de sua personalidade forte, Sakura era muito carinhosa, e a falta que eles sentiam um do outro por causa de seus trabalhos só os fazia aproveitar ainda mais o pouco tempo que tinham juntos.
Depois de anos de trabalho duro e empenho, preparativos e expectativas, ela finalmente tinha se tornado a fundadora e diretora da Clínica Infantil de Assistência Médica Mental do Hospital de Konoha, o que a fez ficar exultante, além de deixar Naruto e principalmente Tsunade muito orgulhosos. Então eles estavam bem. Ele estava bem.
Quer dizer, Naruto tinha começado a ter alguns sonhos sangrentos que o faziam acordar gritando no meio da noite pelo menos três vezes na semana, e alguns deles tinham Sasuke sendo assassinado por ele sem querer, o sangue quente escorrendo por suas mãos, o que sempre fazia Naruto acordar encharcado de suor e lágrimas em completo desespero. Sai e Yamato, os únicos que sabiam disso (menos sobre a parte de Sasuke), presenciaram aquela cena algumas vezes, mas sempre tiveram a delicadeza de não falar sobre.
Mas tirando isso, tudo estava indo muito bem. Sim, Naruto estava melhor do que podia esperar, e isso era o suficiente para ele.
Naruto se virou um pouco para checar seu reflexo e sorriu para si, feliz com sua aparência. A parte que mais o agradava era seu cabelo, que ele vinha deixando crescer há meses e agora estavam jogados displicentemente para trás, mas alguns fios insistiam em cair lateralmente em seus olhos e, para ele, essa era a parte que o deixava quase charmoso. Sakura parecia aprovar bastante também, e isso era o suficiente — ela até o elogiou, dizendo que Naruto estava realmente muito bonito depois dela ter passado os dedos pelas mechas dele e os deixado do mesmo jeito que estavam agora. Ele então manteve o penteado, porque concordava com Sakura — ele parecia bem daquele jeito.
Pescando o relógio de pulso que ele usava casualmente e o colocando, suspirou e se dirigiu para a porta de seu apartamento, guardando no bolso da calça jeans o sapinho que sempre o acompanhava. A brisa fresca da tarde nublada o saudou quando ele saiu, trancou a porta e começou a caminhar lentamente rumo à torre Hokage. Muitas pessoas faziam o mesmo caminho, e várias delas o cumprimentaram quando o viram — sua popularidade tinha aumentado bastante, mesmo ele não entendendo muito bem o por quê.
Quando estava mais ou menos no meio do caminho, percebeu que devia ter ido um pouco mais cedo, porque a multidão que estava diante do prédio era imensa, como esperado. Naruto ralhou consigo mesmo em um murmúrio e começou a costurar entre as pessoas, pedindo licença e tomando cuidado para não pisar no pé de ninguém enquanto olhava ao redor procurando alguém conhecido.
“Naruto, aqui!”, chamou Shikamaru, quando ele se aproximou da entrada da torre. Ele parou para o amigo alcançá-lo e sorriu. “A gente ‘tava te esperando, por que demorou tanto?” perguntou retoricamente, já o puxando pelo braço rumo ao prédio.
Naruto o seguiu, confuso, porque não sabia que pessoas estavam esperando por ele, afinal, hoje era a nomeação de Kakashi e Naruto não tinha nada a ver com isso. Caminharam até uma das salas do local e logo que Sakura o viu, lhe deu um cascudo bem dado. Na sala estavam ela, Kiba, Neji, Tenten, Chouji, Shino, Hinata, Lee, Ino e agora, Shika e ele.
“Você está atrasado, Naruto! Quase perde a cerimônia, estamos começando em exatos cinco minutos!”, ela exclamou irritada.
“Ai! Atrasado pra quê? Ninguém me avisou nada!”, ele passava a mão em cima do galo que se formava em sua cabeça.
Sakura ergueu as sobrancelhas finas. “Como não te avisaram nada? Kakashi-sensei e Tsunade-sama fizeram questão de colocar a gente e o resto do pessoal lá em cima para assistir! Vamos, anda!”
Para a surpresa dele, Sakura, corando, pegou sua mão e puxou a fila junto com Shika, e todos os outros a seguiram enquanto conversavam entre si em um burburinho. Eles subiram as escadas velhas até o topo do prédio vermelho e ali tinham várias cadeiras dispostas lado a lado, de frente para a sacada que dava para a multidão. Kakashi e Tsunade estavam há um canto, longe da vista das pessoas lá embaixo enquanto conversavam com os três velhos do conselho.
Os cinco se viraram para eles quando os viram chegar e Kakashi sorriu. Tsunade usava a capa e o chapéu de Hokage, enquanto seu sucessor vestia as roupas pretas e básicas de sempre. A mulher acenou para todos se sentarem, e foi o que fizeram, assim como o conselho, que ficou no outro extremo da área em acentos mais luxuosos e confortáveis. Eles olharam Naruto da cabeça aos pés por um momento antes de prestarem atenção em Tsunade e Kakashi, o que fez o sangue dele ferver — ele odiava o conselho depois de descobrir sobre a história de Itachi, e sabia que o sentimento era recíproco.
A Hokage foi sozinha até a sacada e a multidão lá fora lentamente foi se acalmando e fazendo silêncio. Naruto via só as costas dela no momento e Kakashi, ainda escondido das pessoas, vestiu sua capa de Sexto Hokage. Naruto não pôde deixar de perceber que havia um remendo no kanji superior, aquele que indicava o “Sexto”, e isso o fez rir para si — provavelmente a capa não tinha ficado pronta a tempo e tiveram que improvisar.
“Começaremos a cerimônia de nomeação do Rokudaime Hokage, o Sexto. A anfitriã desta cerimônia serei eu, Tsunade Senju, a Godaime Hokage. Obrigada pela presença de todos!”, ela fez uma pausa. “Então chamo aqui o homem que será nosso Rokudaime Hokage de hoje em diante!” O homem de cabelos prateados se adiantou e foi para o lado dela, e eles se posicionaram de frente um para o outro, o que os fez virar de lado para a sacada e permitiu que todos ali vissem ambos de perfil. “Kakashi Hatake!”
A multidão o ovacionou e o conselho bateu palmas, o que fez os outros ali seguirem o exemplo. Naruto sorriu, feliz por Kakashi enquanto se imaginava ali em alguns anos, sendo aceito pelo povo de Konoha de uma vez por todas, jurando protegê-los. Sakura apertou sua mão quando eles pararam de aplaudir e Naruto olhou para ela, que sorriu. Ele sabia que ela pensava o mesmo pela forma que os olhos verdes-esmeralda brilharam, e se sentiu muito grato por ter ao seu lado alguém que o apoiava e acreditava tanto nele.
“Obrigado.”, Kakashi disse à Tsunade. As pessoas gritaram e aplaudiram mais lá embaixo, e Tsunade passou o chapéu a ele com um sorriso. Todos aplaudiram novamente e a mulher saiu de cena, deixando o novo Hokage se virar para o povo e acenar brevemente. “Obrigado. Espero seguir com o trabalho incrível da nossa Godaime e fazer Konoha prosperar da melhor maneira possível, muito obrigado.”, repetiu ele, agora para as pessoas de Konoha que o viam lá debaixo.
Ele fez uma pequena reverência e se afastou. As pessoas ainda faziam um alvoroço, que começou a se dissipar quando a cerimônia acabou. Tsunade tirou a própria capa, dobrando-a cuidadosamente no braço. Kakashi foi em direção onde eles estavam sentados, tirando o chapéu e o segurando nas mãos. Sorrindo, Naruto levantou e foi até ele, deixando Sakura conversando com Lee.
“Parabéns!”, ele falou, dando tapinhas no ombro do antigo sensei, que agradeceu com um aceno de cabeça.
“Daqui alguns anos, eu espero estar passando este chapéu para você, Naruto.”, respondeu Kakashi com um sorriso suave.
“Espero que sim.”, os olhos azuis brilharam com a menção de seu sonho se realizando.
“E se puder, preciso falar com você amanhã. Passe no escritório em qualquer horário e vamos conversar.”, pediu o homem. Naruto hesitou e abriu a boca, mas Kakashi o cortou com um sorriso divertido. “Não é sobre você sair da Anbu, pode ficar tranquilo. Na verdade é bem o oposto, mas conversaremos direito quando eu te ver. Agora vou para casa, aproveitar o último dia que eu tenho para dormir à tarde.”
Naruto ergueu as sobrancelhas, mas riu e assentiu, voltando para perto de Sakura, que agora conversava com Lee, Shika e Neji. Ela sorriu para ele assim que o viu ao seu lado e pegou a mão dele novamente, entrelaçando seus dedos, o que fez uma coloração rosada tingir a bochecha de ambos. Lee viu suas mãos juntas e seu queixo caiu.
“Oh, então você me venceu na luta pelo coração de Sakura-chan, Naruto!”, disse o amigo, emocionado, enquanto os olhos negros brilhavam e ele levantava o polegar em aprovação. Sakura fez uma cara de incredulidade, mas Lee não viu a reação dela. “Meus parabéns, foi uma luta justa e espero que você a faça muito feliz!”
“O-obrigada, sobrancelhudo!”
Ele coçou a nuca com a mão livre, rindo um pouco, mas logo Sakura e ele se despediram das pessoas, recebendo exclamações de aprovação e surpresa dos que não sabiam do “novo” relacionamento deles, e saíram da sacada, descendo a escada ainda de mãos dadas. Naruto estava exultante por finalmente poder exibir Sakura por aí, porque ela era linda e incrível e todos deviam saber que estavam juntos.
“Você tem que ir para o hospital agora?”, ele perguntou enquanto rumavam para a porta de saída do prédio, andando pelos corredores vazios.
“Sim, sinto muito. Mas se você estiver livre, eu tenho uma folga no domingo.”, ela sorriu, e ele mordeu o lábio inferior, parando de andar com ela quando estavam quase diante da saída.
“Não sei se vou estar em missão ou não...”, ele começou apologético, e ela suspirou, dando um beijinho no rosto dele.
“Tudo bem, qualquer coisa você sabe onde me encontrar. Vou indo.”
Sakura deu um meio sorriso e se virou para ir, mas antes que pudesse dar um passo, Naruto a puxou de volta pela cintura e roubou um beijo dela, que suspirou satisfeita em seus lábios enquanto mexia nos cabelos loiros.
“Queria que a gente pudesse passar o dia junto, ando com tanta saudade de você.”, ele murmurou sugestivamente contra a boca dela, e sentiu Sakura sorrir.
Eles não tinham chance de ficar sozinhos direito há meses por causa da carga horária dela e agora, dele, o que fazia a tensão sexual entre os dois ser tão grande que poderia ser cortada com uma faca, quando se viram nas últimas vezes. Há algumas semanas, em meio ao desespero dos dois, eles fizeram algumas coisas na sala dela na hora do almoço depois de trancarem a porta, mas ainda não tinham chegado até onde Naruto gostaria, apesar de não saber o que Sakura pensava sobre aquilo ou se sentia vontade de ir até o fim. Afinal, estavam juntos há um ano agora, mas ele realmente não tinha coragem de falar sobre sexo com ela.
“Eu também sinto sua falta, Naruto... E eu ando tão cansada que você não faz ideia. Mesmo com Tsunade-sama me dando bronca sobre isso, eu folgo uma vez no mês, primeiro porque eu precisava concluir o projeto da clínica, e mais ainda agora, que ela está finalmente pronta. Estou trabalhando dobrado, mas ‘tá valendo tanto a pena!”, a mulher suspirou, sem soltá-lo, ainda acariciando suas mechas. Os olhos dela se voltaram para os dele. “Mas eu juro que vou arrumar um tempo quando você estiver na vila, porque quero muito ficar com você. E você ‘tá tão lindo com esse cabelo...”, ela mordeu o lábio e ele apertou sua cintura, aproximando seus corpos mais ainda. As sobrancelhas dela se ergueram, divertidas. “Ora, ora, senhor Uzumaki, acho que você devia se acalmar! Você não quer que ninguém te veja nesse estado, né?”, ela sussurrou, cutucando a ereção dele com a coxa e ele corou, afastando-a.
“Eu não tenho culpa, é um lance que eu não controlo, ok?”, ele falou com um biquinho, e ela riu antes de dar um beijinho no rosto vermelho dele.
“Eu sei, eu sei. Se acalme, logo eu vou arrumar tempo e aí... a gente pode ficar junto. Depois me avise sobre o fim de semana, preciso ir.”, Sakura deu uma piscadinha e saiu da torre. Mesmo sem ela ali, Naruto só conseguiu se acalmar dez minutos depois, voltando para casa em um misto de expectativa e decepção.
Chapter 15
Notes:
Aviso: Este capítulo contém uma cena de tortura. Antes da cena se iniciar, eu coloquei um aviso entre parênteses e em letras maiúsculas, e também indiquei quanto ela acaba, caso alguém prefira pular.
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
A floresta estava em um silêncio assustadoramente anormal — nenhum animal fazia um ruído, nenhum grilo cantava, nenhum arbusto farfalhava com o vento. Era de madrugada e a luz também era inexistente, o que fazia os sentidos de Naruto trabalharem ainda mais. Nem seu Modo Sennin tinha captado qualquer forma de vida humana por ali, o que indicava duas possibilidades: ou realmente todos haviam desaparecido, ou alguma coisa muito estranha estava acontecendo.
Os cabelos de sua nuca se arrepiaram de repente e um pequeno barulho o fez se virar, mas era apenas um coelho se esgueirando pelas folhagens esparsas. Naruto xingou Kakashi mentalmente por ter o enfiado naquilo e tornou a se agachar no topo da árvore em um galho de grossura duvidosa para seu peso.
“Tome muito cuidado e não se separem.”, disse Kakashi para o trio, passando o pergaminho para Yamato, que o guardou no bolso. “Se algo suspeito acontecer, me mandem uma mensagem o mais rápido possível. Essa missão é muito importante.”
Naruto desceu com cuidado da árvore e quando pousou no chão reproduziu os selos de mão que ele sabia de cor, o que fez um pequeno sapinho azul surgir diante dele na grama. Ele puxou um pergaminho do bolso lateral e escreveu suas coordenadas.
“Preciso que entregue para Kakashi o mais rápido possível.”, ele sussurrou, colocando o pequeno quadrado de papel dobrado na língua que o sapo o ofereceu antes de começar a pular e desaparecer de vista na escuridão da floresta.
Naruto tornou a subir na árvore e acionou seu Modo Sennin novamente, mas ainda não havia nada. Ele suspirou e mordeu o lábio, tentando não entrar em desespero — estava sozinho ali completamente do nada, não sabia o que tinha acontecido, não sabia o que fazer e sequer conseguia pensar.
E se alguém fizesse algo com Sai? Com Yamato? O que ele devia fazer agora, como seria a melhor forma de proceder? Deveria sair procurando a esmo? Isso o tiraria do local onde tinham se separado, e aí, talvez não se encontrassem mais. Entretanto, ele não podia ficar ali parado, os colegas de time podiam estar em perigo naquele momento.
Ele ficou em pé no topo do pinheiro em que se encontrava e não viu nada além de escuridão, não ouviu nada além do silêncio sepulcral e do som de seu coração batendo em suas costelas, forte e constante. Desceu novamente para o chão e começou a andar, torcendo para seu Modo Sennin captar alguma coisa, qualquer coisa — um chakra, um som, um rastro...
As árvores pareciam idênticas e a grama sob seus pés era a única coisa que quebrava o silêncio. Conforme andava, seus sentidos se aguçavam para qualquer informação extra, sua atenção completamente focada em qualquer coisa que pudesse acontecer, mas não houve absolutamente nada. Depois de cerca de uma hora andando pela floresta, decidiu voltar ao local onde tinha se dado conta de que estava sozinho, e seu Modo Sennin não tinha captado coisa alguma — nada além da presença dos pequenos animais da floresta, nenhuma assinatura de chakra conhecida ou não.
Ao chegar lá, desativou o Modo Sábio e se agachou na raiz da árvore, tentando pensar em qualquer possibilidade, mas seu cérebro parecia encharcado de um grande vazio de desespero, e a única coisa que ele conseguia pensar era “e se algo acontecesse com eles?”. De repente, um som surgiu em suas costas, e antes que Naruto pudesse cogitar olhar para trás, se viu sugado de uma forma estranha, como se um gancho o puxasse pelo umbigo com força e seu corpo fosse engolido.
Sua cabeça rodou e tudo ficou escuro, seus sentidos se embaralharam com a sensação mais bizarra que já tinha sentido na vida, e depois, no segundo seguinte, sentiu seu corpo caindo em algo duro e frio. Suas mãos e pernas foram presas em um átimo enquanto ele era erguido do chão, e quando conseguiu se estabilizar o suficiente para abrir as pálpebras e olhar ao redor, se viu em uma masmorra de pedra suja e mal iluminada, a não ser por algumas tochas presas em suportes.
Ele estava no meio da sala, e correntes saíam do teto e do chão para prendê-lo no ar. Rapidamente ele sentiu uma dor lancinante na dobra de seu braço, e ao olhar para o lado, pôde ver uma agulha em sua pele, onde alguém injetava algo em suas veias. Em meio à dor e à sua visão ficando turva, seu corpo ficou irresponsível e ele subiu o olhar, dando de cara com uma mulher de cabelos muito negros e olhos verdes contornados fortemente com lápis de olho. O olhar dela lembrava o de uma cobra. Ele gritou de surpresa e dor quando ela rapidamente passou um fio de chakra que retirou a prótese do braço de Naruto dolorosamente ao mesmo tempo em que cauterizava a ferida, e apertou o grilhão no coto que restou. O naco de pele sensível formigou e ardeu com a pressão.
“Não queremos que você escape, não é?”, ela disse em uma voz baixa de seda conforme o prendia com mais grilhões, enquanto o corpo dele ficava cada vez mais dormente.
Naruto tentou puxar seus membros mais uma vez, mas eles não responderam, e seu cérebro parecia ficar cada vez mais lento. Sentiu a mulher enfiar a mão por baixo de sua jaqueta Anbu e tirá-la com um rasgo, jogando longe. Ela apalpou seu abdômen nu colando eletrodos ali e depois se afastou.
“Quem...?”, ele balbuciou com dificuldade tombando a cabeça para frente sem força para sustentá-la, mas a mulher não respondeu nada.
Era como se estivesse flutuando em um lugar escuro e difuso, como se seu corpo estivesse afundado em águas negras. Então houve mais ruídos, outra picada, e foi o completo oposto. As águas que o afogavam se transformaram em chamas, que ardiam dentro de suas veias sem piedade de queimar o que quer que encontrasse, dilacerando-o de dentro para fora. Ele trancou o maxilar, mas a dor ficava cada vez mais insuportável, tirando seu ar. As barras de ferro que machucavam seus braços e pés o impediram de se dobrar, e então ele gritou, seu estômago se apertando em ânsia com a agonia. Em meio à confusão, sentiu um aperto em seu rosto, e ele abriu os olhos que não se lembrava de ter fechado.
“Onde está Sasuke Uchiha?”, perguntou a mulher, que apertava seu maxilar o forçando a encará-la.
Medo. Foi o que ele sentiu assim que ouviu aquele nome. Ela estava atrás de Sasuke. Eles queriam machucar Sasuke. E então, alívio — se estavam atrás dele, então não o tinham. Sasuke está seguro. Foi a única coisa que sua mente perturbada conseguiu raciocinar, e ele agradeceu por não fazer ideia de onde Sasuke estava — não que ele fosse entregá-lo de alguma forma, mas saber que seu cérebro não continha aquela informação o acalmou, pois não havia formas no mundo de alguém descobrir nem se entrassem em sua mente. Naruto cuspiu na cara da mulher, ainda sentindo o fogo consumindo seu corpo, e ela rosnou, fincando as unhas compridas pintadas de preto em suas bochechas antes de soltá-lo. A cabeça dele balançou molemente para frente.
“Descobrir que você estava por perto foi uma sorte grande, Naruto Uzumaki.”, disse ela, e sua voz de seda continha um sorriso. “Nunca imaginei que teria tanta sorte assim, e felizmente foi tão fácil capturar seus amigos, quando eu soube exatamente onde estavam...”
“Onde eles estão?”, ele grunhiu, ainda olhando para o chão sem poder mover nada além da boca. “O que você fez com eles?”
“Oh, eles não estão aqui, obviamente. Eu não ia ser burra o suficiente de colocar vocês três no mesmo lugar. Estão muito bem escondidos, longe daqui. E quanto mais você cooperar, menos eles vão sofrer.”, ela levantou a cabeça dele novamente, e aqueles olhos verdes perigosos o encararam. “Então me diga onde está Sasuke, e talvez eu possa cogitar a possibilidade de ter misericórdia deles e de você.”
“Eu não sei onde ele ‘tá, e se você acha que eu contaria se soubesse, com certeza não me conhece.”, sussurrou com dificuldade em meio às labaredas que queimavam em suas veias.
Ela fechou a cara, os olhos se apertando em raiva, e por um segundo, ela o lembrou Orochimaru em seus dias de loucura, o que fez um arrepio se instalar em sua espinha. Se ela era tão lunática quanto Orochimaru era naquele tempo, Naruto precisava dar um jeito de sair dali o mais rápido possível. Ele tentou chamar Kurama, mas a raposa não respondia, e isso o preocupou.
“Você vê, eu apliquei em você um dos venenos mais potentes que eu tenho aqui. Claro, há piores, mas vamos ver o quanto você aguenta. E eu conheço você muito bem, Naruto. O melhor amigo de Sasuke, e sei que vocês fariam tudo um pelo outro, não é a coisa mais linda, a amizade? Obviamente, a última coisa que eu quero é que ele saiba onde você está. Por mais que seja impossível ele nos encontrar, eu não sou uma mulher de correr riscos.”, ela ronronou, apertando as bochechas do homem. “Afinal, não fui descoberta em dois anos, não é? Nem você e Kakashi tiveram a capacidade de me encontrar.”
“Então é você que...”
“Oh, é claro que sim, é claro que sou eu, achei que seus neurônios funcionassem mais rápido. Eu estou atrás de Sasuke há anos, mas ele é uma cobrinha ardilosa, não é? Nunca para em lugar nenhum, nunca se expõe, nunca me dá nenhuma oportunidade. Mas agora eu tenho você, meu querido, e isso foi uma sorte grande. Quem diria que eu teria a oportunidade de te pegar? Não era pra você ser um pouco mais esperto? Como Kakashi mandou logo você nesta missão? Que descuidado...” Os dedos longos dela acariciaram o rosto de Naruto.
“Como você fez isso? Que merda foi aquela?” ele rosnou, encarando-a do jeito que podia.
Ela deu uma risadinha. “Você acha que eu vou explicar pra você como funciona alguma coisa aqui? O quão idiota você pensa que eu sou, moleque?” ela ergueu uma sobrancelha com ironia e um sorriso torto no rosto.
A luz da masmorra deixava a visão ainda mais macabra, tudo ali era escuro, meio amarelado e monocromático. Não havia uma janela sequer, e era tão abafado que gotas de suor já escorriam por seu torso descoberto.
Felizmente sua dor estava diminuindo um pouco, e ele podia raciocinar melhor. Ele estava em uma masmorra, talvez embaixo da terra, o que era o mais provável. Não havia nada ali no cômodo, e a porta nas costas da mulher era de ferro sólido, o que dificultava as coisas caso conseguisse se soltar. Kurama ainda não respondia, e só aquele fato já o desesperava por completo. Ele podia sentir seu chakra diminuindo drasticamente consforme os segundos se passavam, o que era totalmente estranho.
Além disso, a mera possibilidade de estarem injetando venenos em Yamato e Sai fazia seu estômago embrulhar, porque eles não tinham uma besta com cauda para salvá-los da morte, e por isso ele precisava urgentemente retomar o controle sobre o próprio corpo e fugir dali. Houve um bipe de máquina perto dele, e a mulher olhou para o lado, sorrindo no que parecia ser uma surpresa agradável.
“Ora, seu organismo é bem rápido, Naruto! Vamos ver o que eu posso fazer agora, então.” Ela o soltou e se afastou para o lado, e ele percebeu que conseguia mover a cabeça minimamente, então foi o que fez.
A mulher foi até uma prateleira de metal na parede à direita dele e mexeu nos infinitos frascos separados por cor, escolhendo dois e colocando os líquidos em uma seringa de metal. O coração de Naruto acelerou e a máquina ao lado dele apitou mais uma vez. Ele tentou olhar para trás, mas não conseguiu ver nada. Chutava que alguma máquina de hospital estava checando seus sinais vitais ou algo assim, porque ela tinha colado vários eletrodos em seu abdômen momentos antes.
Tentou dar mais um puxão nos grilhões que o prendiam, mas não se mexeram. A sensação de estar parado no ar, completamente esticado e sem apoio nenhum era agonizante. Houve o barulho de vidro tilintando e a mulher começou a andar em direção a ele novamente. Apesar da luz estranha e bruxuleante, Naruto percebeu que ela usava roupas brancas de médica.
“Aparentemente a raposa dentro de você te impede de morrer, Naruto, não é fascinante? Eu nunca fiz experimentos em um Jinchuuriki antes, então acho que vamos descobrir muitas coisas novas juntos! Vão ser duas tacadas de uma vez, porque vou descobrir onde seu amiguinho está e ainda, de quebra, vou descobrir como você funciona.”, ela sorriu, e ele notou que a mulher usava um batom cor de vinho detestável. Ela parou diante dele e levantou a seringa diante de si, o que fez Naruto se contorcer e grunhir, os olhos azuis fixos nas mãos finas.
A agulha se aproximou de seu braço lentamente, mas a porta atrás dela se abriu devagar com um som estridente e um homem entrou. Ele usava óculos redondos que lembravam os de Kabuto, mas tinha o cabelo preto como o dela e oleoso, as mechas longas grudadas nas bochechas macilentas emoldurando um sorriso macabro. A mulher deu um meio olhar para trás e sorriu minimamente antes de enfiar a agulha em Naruto e fazer o corpo dele sucumbir sem força mais uma vez.
“Midori-sama, eu já fiz a realocação dos guardas e aumentei a segurança no perímetro.”, a voz dele era baixa e suave.
“Obrigada, Kenta. Mande Shin ficar de guarda fora da sala, só por precaução. Ninguém mais entra aqui além de mim. E leve essa prótese para a minha sala.”, ela comandou e apontou para o chão, seus passos ecoando novamente na sala enquanto ela se afastava de Naruto, voltando para o canto da sala à direita dele.
A porta se abriu e fechou com um baque sólido quando Kenta se retirou, e houve mais sons de frascos tilintando, mais passos e o bipe da máquina. Midori voltou a se aproximar e quando ela falou, o sorriso sádico em sua voz era inconfundível.
“Muito bem, Jinchuuriki, vou soltar sua língua. Vamos ver até onde você aguenta.”
(AVISO DE GATILHO: TORTURA)
A dor acordou Naruto pelo que pareceu ser a milionésima vez, e esta vinha da corrente elétrica que passava por seu corpo descoberto, chacoalhando seus membros dormentes. A droga que o impedia de se mover agora circulava em seu sangue sem cessar através de uma agulha fincada em seu braço esquerdo, que estava quebrado — assim como sua mão, pernas e algumas costelas.
A dor irradiava por seu corpo e ele tinha um olho inchado, além de estar coberto de cortes e hematomas. Doía respirar. Cada vez que tentava se mover, sua coluna dava uma fisgada intensa e havia sangue seco em cada centímetro de sua pele.
“Onde ele está, Naruto?”, Midori, parada atrás de um painel há alguns metros diante dele perguntou novamente, enquanto o corpo de Naruto convulsionava com as ondas de choques elétricos vindos dos fios que estavam pregados nele, sua boca escorrendo saliva que espumava enquanto os olhos rolavam nas órbitas fundas. Ela abaixou a alavanca onde a mão descansava e os choques elétricos pararam. Ele puxou o ar como se estivesse se afogando, e suas costelas arderam com o movimento.
Midori foi até onde ele estava e levantou sua cabeça pelos cabelos compridos, o que fez sua coluna dar outra fisgada, e ele grunhiu com a dor. “Eu posso continuar fazendo isso por mais semanas se for preciso, Naruto. Se você acha que em algum momento a morte vai ter misericórdia de você, está muito enganado, eu não vou deixá-lo morrer. Conheço muitas formas de fazer pessoas sofrerem sem precisar matá-las, você não sabe com quem está lidando e eu estou começando a perder a paciência.”
A sala fedia com o resto dos dejetos e urina que Naruto foi obrigado a fazer em si mesmo, mas ela não parecia se incomodar com aquilo. Era difícil saber há quanto tempo estava ali, mas pareciam décadas — ele tinha sido alimentado apenas uma vez e a boca dele estava rachada e seca, sua garganta clamando por água, mas ele já não percebia mais isso, porque sinceramente estava em um estado débil, sua mente parecia funcionar em flashes de consciência que vinham na maioria das vezes quando a dor incessante piorava.
Ele se perguntou se conseguiria sair dali em algum momento, mas achava pouco provável — não conseguiria se mover nem sem a droga em suas veias, porque tudo estava quebrado e Kurama claramente não estava conseguindo curá-lo, além de não responder aos chamados de Naruto. Claro, ele era um ninja, por isso sabia lidar com a dor. Mas não aquele nível de dor, a ponto de fazê-lo gritar até ficar rouco, gritar até perder a consciência só para ser reanimado e começar tudo de novo.
Neste ponto, já não conseguia manter os olhos abertos, então seus ouvidos eram as únicas coisas que indicavam minimamente o que estava acontecendo na sala, e neste ponto, já sabia premeditar o que aconteceria apenas com os sons, o que tornava tudo pior. Midori deu uma risada pelo nariz e caminhou para a direita de Naruto, o barulho de seus saltos fazendo um “toc-toc-toc” no chão de pedra, e apenas aquele movimento fez o corpo dele começar a tremer violentamente.
Sabia o que viria a seguir — a mulher parou de caminhar e ele sabia que ela tinha chegado até a estante de metal, de onde veio o som de vidro tilintando minimamente. Silêncio. O barulho dos frascos caindo no fundo da lixeira de lata, o “tec-tec” das unhas dela batendo na seringa para tirar o ar. Então ela recomeçou a andar, se aproximando lentamente de Naruto, que sentiu a adrenalina e o pavor queimarem em suas veias junto com a droga que o impedia de se mover. No momento em que ela parou de andar, a bile subiu para sua boca, e ele vomitou de puro medo sem ter nada no estômago, enquanto seus músculos doloridos retesavam em ansiedade.
“Isso mesmo, Naruto, você sabe o que vem a seguir, não sabe? Tem certeza que não quer me contar onde ele está? Não quer responder nenhuma das minhas perguntas sobre Konoha? Eu poderia te dar um pouco de água.” A voz dela era macia. Naruto arfou e seu abdômen doeu, mas ele não respondeu. “Pois bem.”, ela concluiu asperamente.
Ele sentiu mais dor quando o veneno passou por sua pele para entrar em organismo, queimando suas veias como se estraçalhasse seus pontos de chakra com lava, a maior dor que ele já tinha sentido na vida inteira, e só aumentava, como se seus órgãos estivessem se rasgando lentamente todos ao mesmo tempo. Ele ouviu o eco de seus gritos alucinados ricocheteando nas paredes e no interior de seu próprio crânio como se sua cabeça pudesse rachar ao meio. Seu corpo começou a convulsionar e ele se dobrou involuntariamente, apenas forçando as algemas de ferro a separarem seus ossos já fraturados e a fincar na carne sensível de seu coto.
A dor levou a urina a escorrer por suas pernas nuas, por cima dos cortes, enquanto ele gritava nomes de forma incoerente — gritava por Sasuke, Sakura, Kurama, pela morte, ou qualquer coisa que fizesse aquilo parar, mas nada veio. O som dos saltos sobre o piso foi encoberto pelos berros angustiados de Naruto, então ele não estava preparado quando as tiras de couro atingiram suas coxas, rasgando sua pele já em carne viva, expondo mais pele, mais sangue, mais músculos em filetes.
Midori andou para trás dele e também o chicoteou nas costas, as pedras pesadas e pontudas presas na extremidade de cada tira de couro furando e dilacerando suas costas já abertas, a parte de trás de sua bunda e coxas, fazendo o sangue quente descer e pingar para o chão de pedra escura. O barulho do couro cortando o ar se juntava aos clamores do homem, e ele gritou até sua garganta arder e sua voz se perder e engasgar, alheio às próprias lágrimas quentes que escorriam pelas bochechas sujas antes de desmaiar novamente.
(FIM DA CENA DE TORTURA)
O som distante de vidro quebrando e metal se chocando foi o que o acordou, mas Naruto, em seu estado de inércia, sequer processou aquilo. Longe, gritos ecoaram, e parecia que alguém chamava seu nome, mas ainda assim Naruto não abriu os olhos — tudo estava nublado em seu cérebro dormente, até mesmo a dor que irradiava por seu corpo e suas feridas abertas que pingavam sangue, escorrendo por suas pernas e costas junto com o suor.
Sua mente estava confusa há algum tempo, mas ele não sabia quanto, porque o conceito de “tempo” naquela câmara de torturas não existia. Ele sequer conseguia pensar — a única coisa que sabia é que estava protegendo Sasuke. Naruto sequer se lembrava se sabia ou não onde ele estava, mas em sua mente debilitada, estar ali significava protegê-lo. Estar ali significava que Sasuke estava em outro lugar, e saber isso já era o suficiente. Ele ficaria ali então, se precisasse, protegendo ele, Sakura, a vila e os amigos. Naruto não se importava.
Ali, Naruto disse para si várias vezes que eles não eram mais amigos e que estava bem sem ele, mas Sasuke sempre seria seu irmão de alma, sua família, por isso sempre o protegeria. Até porque, até então, ele ainda era um ninja de Konoha, um companheiro, e provavelmente faria o mesmo se fosse ao contrário por questão de dever.
Claro que esse raciocínio só aconteceu nos primeiros momentos, enquanto ele ainda estava minimamente são e consciente, porque em pouco tempo Naruto se transformou em um grande contêiner de dor, vazio, confusão e desesperança, mas estava firme em seu silêncio. A vagabunda tentou tirar qualquer tipo de informação dele — sobre a vila, sobre Tsunade, sobre os amigos, sobre o próprio Naruto, mas ele se manteve quieto, e continuaria assim. Ele protegeria a todos, e protegeria Kurama.
O barulho de gritos distantes aumentava, e em sua névoa de confusão, se lembrou de uma missão aleatória que participou com seu Time há muitos anos, quando ainda era completo. O sonho parecia bem vívido em sua mente, o suficiente para mantê-lo longe da realidade e da dor, então ele se agarrou à lembrança. Havia bastante pancadaria em sua memória, homens gritando, depois uma mulher, e o som da terra se movendo, o som de um leão... Metal se amassando, batendo no chão, mais vidro, o leão novamente, a mulher falando algo e rindo como uma lunática... E então silêncio. Passos ansiosos, murmúrios, mais passos. Pareciam duas pessoas, estava mais próximo. O corpo de Naruto se contraiu em desespero, e ele começou a tremer.
“Devagar, não sabemos como ele está.”, houve um sussurro, e mãos suaves tocaram seu pulso e tiraram a agulha de sua veia, o que fez sua pele arder. “Ele está tremendo. Naruto, está tudo bem, vamos te tirar daqui.”
“Espera, vou fazer uma maca, vamos tentar movê-lo o mínimo possível.”, disse outra voz. “Pronto, solte ele. Cuidado Sai, abaixa o braço dele devagar. Vai doer.” O aperto em um de seus pulsos se foi, e no momento em que seu braço foi movido, um berro escapou de seus lábios e ele se encolheu, o que fez suas costas e costelas fisgarem.
“Eu sei, desculpe, Naruto. Vai com calma.”, disse a primeira voz, dessa vez mais alto, e Naruto a reconheceu.
“S-Sai?”, sussurrou, mas sua voz quebrou. Seus músculos ardiam e formigavam enquanto seu braço era abaixado.
“Sim, sou eu e Yamato. Se acalme, vamos sair daqui logo.”, ele respondeu, ajudando Naruto.
“Kurama, ele não me responde... Cadê aquela mulher? Quanto tempo faz...?”, indagou com dificuldade, ainda sem sequer conseguir abrir os olhos.
Yamato respondeu, mas não imediatamente. “Se você está vivo, a raposa ainda está aí. Tenho certeza que Tsunade vai conseguir te ajudar quando chegarmos lá.”, murmurou o capitão.
“Quanto tempo...?”, repetiu Naruto. Sua cabeça estava começando a pesar novamente, mas ele lutou para ficar acordado, apesar da dor.
Ele ouviu Yamato suspirar. “Só... vamos sair daqui, agora.”, o capitão pediu. Ele parecia exausto.
Naruto podia sentir o ar batendo nos talhos sangrentos em suas coxas, braços e costas os fazendo arder, e sua coluna irradiava dor para o resto do corpo conforme era movido.
Depois de algum tempo, conseguiram deitá-lo em uma maca feita por Yamato, e a pressão do próprio corpo sobre as feridas expostas nas costas o fez trancar o maxilar. Naruto abriu os olhos vagamente, olhando para os companheiros de time. Sai estava com alguns hematomas roxos nos braços e tinha um pequeno corte na bochecha, mas parecia bem.
Yamato estava um pouco pior, e tinha um rasgo que ia do ombro direito até o peito esquerdo cortando sua roupa manchada de sangue seco, mas não parecia aberto, nem muito profundo. Os dois tinham enrolado Naruto em um lençol encardido que acharam na sala, porque ele era o único descoberto ali, e tomaram cuidado para não se moverem muito conforme subiam as escadas do local enquanto o carregavam. Ele não se deu nem o trabalho de manter os olhos abertos, só queria sair dali o mais rápido possível.
Quando Naruto ouviu Yamato abrir uma porta de ferro maciço e sentiu uma leve brisa no rosto, ele abriu os olhos minimamente, e viu que tinha saído no meio de uma floresta. Era dia, e a luz do Sol que atingiu os olhos azuis queimou um pouco suas retinas acostumadas com a semi-escuridão, então Naruto deixou cair as pálpebras novamente.
“Descansa, não vamos deixar nada acontecer com você. Vamos descobrir onde estamos e te levar o mais rápido possível para Tsunade-sama. Vai ficar tudo bem.”, falou Sai suavemente. Naruto não precisou ouvir duas vezes — ele estava lutando com a inconsciência desde que foi colocado na maca, então ele se deixou afundar nela, tranquilo por saber que tinha seus amigos ali para protegê-lo.
Notes:
Este é o final deste arco. O próximo arco é focado em Sasuke - pela primeira vez aparecerão narrativas do ponto do vista dele, e assim poderemos entender o que acontece "do outro lado" da história. Foi doloroso e complexo escrever as coisas através dos olhos de Sasuke, mas acredito que também foi o que ajudou minha escrita a melhorar um pouco. Espero de verdade que gostem!
Chapter Text
A kusanagi cortou o ar gélido da noite enquanto Sasuke se esquivava do ataque do ninja, cujos longos cabelos castanhos dançavam ao redor de seu rosto encapuzado. O homem saltou para trás de qualquer jeito no último segundo, mas a espada cortou sua clavícula descoberta. Apesar do nível de seu chakra estar baixo, Sasuke ativou seu sharingan, o que o permitiu enxergar melhor na escuridão e, assim, rapidamente saltar e dar o golpe final em seu adversário. O corpo do homem escorregou lentamente, e ele ainda estava tentando entender o que tinha acontecido quando a luz de seus olhos se apagou para seu corpo sem vida cair no chão de terra.
Cansado, Sasuke tirou a lâmina do peito do homem e, enquanto levava a espada de volta para a bainha, desviou dos corpos caídos ao seu redor sem se preocupar em dar um fim a eles. Sua única mão correu pela costela dolorida e ele fechou a cara para as fisgadas que recebia a cada passo. Possivelmente estava quebrada, mas não era algo para se preocupar no momento.
O suspiro que deu foi pesado enquanto continuava caminhando rumo a uma clareira que encontrou antes dos homens decidirem parar de segui-lo e atacar. Estavam vigiando Sasuke há alguns dias e ele estava bem ciente daquilo, mas preferiu não agir e esperar para ver.
A luta foi até razoável — rendeu um chute bem colocado em sua costela, mas pelo menos foi uma briga que valeu a pena, coisa rara hoje em dia. Normalmente, a única pessoa que lutava suficientemente bem para entretê-lo era Naruto, mas o idiota estava fazendo birra e, por isso, decidiu que não queria mais as visitas de Sasuke. Sabia que era só uma questão de tempo até receber alguma carta dele. Afinal, já tinham se passado dois meses desde a “briga” — não que tivesse sido uma briga de fato, porque Naruto simplesmente brigou sozinho, Sasuke não teve nada a ver com aquilo.
O problema de Naruto era se apegar demais às coisas pequenas e aos próprios sentimentos. Ele poderia — e deveria — ser mais racional neste aspecto, e então as coisas seriam mais fáceis. Mas nada com ele era fácil, Naruto nunca foi fácil, nunca foi uma pessoa simples de lidar. Não que o próprio Sasuke fosse um poço de descomplicação, mas pelo menos ele tentava ao máximo não se deixar levar por sentimentos que não o levariam a lugar algum, e as coisas davam mais certo assim.
Caminhou mancando levemente por causa da dor em sua lateral esquerda e, ao chegar à clareira escondida entre as árvores, montou uma pequena tenda com um pedaço de lona e alguma madeira que pegou ao redor. Então invocou algumas cobras para vigiar o perímetro em silêncio apesar da reserva de chakra.
Sasuke puxou a manta gasta que usava de cama nestes últimos dois anos e deitou ao relento, tendo apenas parte de seu tronco protegido pela tenda. Cansado, com fome e com sua reserva de chakra quase no zero, ele milagrosamente adormeceu no mesmo instante.
Entretanto, momentos depois, um falcão gritou na madrugada, acordando-o, e ele se sentou na coberta no instante em que a ave pousou ao seu lado. Ele franziu as sobrancelhas, achando estranho lhe enviarem o falcão mais rápido de Konoha naquela hora. Imediatamente alerta, abriu a bolsa nas costas do bicho o mais rápido possível, ignorando a costela machucada que latejava ainda mais depois de ficar contra o chão de terra.
Quebrou o lacre de segurança máxima com um selo de uma mão e abriu o pergaminho, ativando seu Sharingan para conseguir ler no escuro. Nem tinha chegado no meio da carta quando se levantou em um átimo, chutando o suporte da pequena tenda conforme terminava de ler. Seu coração batia descompassado no peito e a raiva fez um gosto amargo subir para sua língua enquanto guardava a carta no bolso interno do sobretudo preto.
Sasuke arrumou as coisas de qualquer jeito, fechando a cara para o tremor que alcançou sua única mão. Lutou para se manter racional naquele momento, mesmo sabendo que não era possível. Guardou as coisas, ajeitou a katana de forma automática e, mesmo com sua reserva de chakra ainda baixa e a dor que o afligia, saiu correndo o mais rápido que podia.
A porta se abriu subitamente, e o cheiro de desinfetante atingiu seu nariz assim que ele entrou no quarto, um borrão negro no meio do cômodo branco mal iluminado. A cabeça de Sakura e Tsunade se levantaram em surpresa com a intromissão. Entretanto, os olhos de Sasuke foram direto para Naruto, cuja cabeça estava virada para o lado oposto, provavelmente dormindo. A pouca luz que vinha da janela fracamente e o abajur perto da porta eram as únicas fontes de luz no quarto silencioso.
Ainda assim, a visão que ele teve fez o ar parar em sua traquéia — vestido na bata do hospital, a parte visível dos braços e pernas de Naruto estavam cobertas de ataduras ensanguentadas, além de estar sem a prótese no braço direito. Ele também tinha emagrecido muito e perdido parte da massa de músculos que conquistara nos últimos dois anos.
“Sasuke? Como...?”, murmurou Sakura, chocada, mas ele não colocou os olhos nela.
“Eu o chamei. Precisamos dele para entender por que a raposa não responde Naruto. Sakura, por favor, vá avisar Kakashi que ele está aqui, ele ainda está no escritório. Aproveite para descansar depois disso, você precisa dormir um pouco.”, pediu Tsunade.
O homem de cabelos negros se adiantou, caminhando em direção à maca em sua aura de dominação, e a ex-colega de time juntou os lábios, observando-o com receio antes de se inclinar para Naruto, beijar-lhe a têmpora gentilmente — o que surpreendeu Sasuke —, e sair.
“Como ele está?”, perguntou Sasuke firmemente com raiva contida, como se censurasse a antiga Hokage.
A mulher ergueu uma sobrancelha, mas suspirou. “Não está bem. Há uma grande quantidade de venenos diferentes e desconhecidos na corrente sanguínea dele e os cortes são profundos, além de estarem infeccionados. Havia algum tipo de substância venenosa nos instrumentos que foram usados também, e isso impede que eles se fechem totalmente. Os ossos do braço, mão, pernas e abdômen estão fraturados e trincados, e há uma lesão na coluna. Algumas das substâncias devem estar impedindo meu jutsu médico de funcionar, porque não consigo consertar os ossos, músculos ou pele. Há também algumas marcas de queimadura pelo corpo, e a grande quantidade de machucados expostos me impede de imobilizar os ossos quebrados, então estamos tentando movê-lo o mínimo possível. Ele está sob medicamentos para dor, e chegou aqui desidratado e desnutrido, provavelmente não foi muito alimentado nas duas semanas que ficou preso. Apesar de tudo isso, não acho que corra risco de morte, senão os venenos já teriam o matado lá mesmo. Estamos tentando descobrir quais são as substâncias para criar antídotos, porque o corpo não está expelindo, mas são venenos complexos e eu mesma nunca vi a maioria deles. Além disso, o rim e fígado estão sobrecarregados, o que é perigoso. Meu palpite é que a raposa foi afetada de alguma forma por uma das substâncias ou está dando o próprio chakra para manter Naruto vivo, mas é difícil saber, e por isso te chamei.”, respondeu a médica de forma profissional. Sasuke juntou os lábios, tentando assimilar tudo que ouviu.
Ele passou as mãos pelos cabelos de azeviche e olhou para o teto. A culpa de Naruto estar daquele jeito era de Sasuke, e isso fazia seu estômago borbulhar — ele tinha o conhecimento de que vários grupos estavam atrás dele, e Sasuke até se deixou capturar por alguns para acabar com os esquemas, mas era difícil saber qual grupo era qual, quantos eram, ou o que queriam exatamente. A maioria estava atrás de seus olhos.
Ainda assim, Sasuke tinha avisado Tsunade e Kakashi sobre eles, e os dois tiveram que enviar logo Naruto para investigar, com o argumento de que ele era um dos melhores ninjas sensores que tinham ali — não que Sasuke duvidasse das habilidades dele, mas tinha sido idiota enviá-lo sabendo que caso ele fosse capturado, seria usado para descobrir o paradeiro de Sasuke, como foi o que provavelmente aconteceu. Portanto, ele também culpava Kakashi por aquilo.
Naruto poderia estar morto, e então o sangue dele estaria na mão de ambos. Como se Sasuke pudesse se dar o direito de tirar mais alguma coisa do idiota teimoso. Não que devesse algo a Naruto — o amigo tinha feito tudo que fez porque quis, Sasuke nunca lhe pediu para perder anos da própria vida correndo atrás dele, apesar de ser grato por isso e ter consciência de que não estaria ali se não fosse por Naruto.
E sabia bem o quanto o homem estava irritado e até magoado com ele por ter ido embora, mas Naruto sabia que Sasuke precisava fazer aquilo, sabia que ele não ia ficar ali. Ainda assim, Sasuke fez visitas esporádicas ao idiota, mesmo que não dissesse nada, mas não havia o que dizer. Sasuke não podia contar de suas missões e nem de seu paradeiro, e eles nunca precisaram trocar conversa fiada antes, coisa que, aliás, ele se recusava a fazer com qualquer um. Naruto devia saber bem disso.
Além disso, queria evitar qualquer chance de Naruto lhe fazer perguntas, porque não saberia como respondê-las. Não queria precisar justificar as coisas que fez no passado ou correr o risco de discutir, o que provavelmente aconteceria.
Afinal, eles não conversaram antes de Sasuke sair da vila de vez, e Naruto provavelmente tinha muita coisa entalada — coisas que soltaria aos poucos e provavelmente iriam irritar Sasuke. Ele estava apenas tentando evitar um confronto inevitável e o mais inteligente era nem colocar os pés naquele lugar.
Ainda assim, o amigo foi ficando cada vez mais irritado, e isso Sasuke não entendia. Ele vinha visitá-lo mesmo assim, não vinha? E sim, eles apenas treinavam, mas Naruto claramente esperava que eles tomassem chá e fofocassem como um casal de velhas, ou a merda que fosse.
E então, o idiota o mandou não voltar mais. Bem, foi o que Sasuke fez, porque realmente não fazia diferença. Se Naruto não queria mais vê-lo, tudo bem, estava em seu direito de querer espaço. Fim. Sasuke reprimiu um suspiro e deu mais alguns passos até parar ao lado da maca.
Tsunade, vestida em seus robes verdes, se adiantou. “Você pode ver o que aconteceu com a raposa?”
“Eu preciso olhar nos olhos dele.”, explicou.
A médica do outro lado da maca e com acesso ao rosto de Naruto observou o paciente por um momento, torcendo os lábios. “Muito bem. Vou deixar vocês conversarem. Se comportem.”, respondeu ela depois de alguns segundos, mas ele ignorou o comentário enquanto a mulher saía da sala e fechava a porta suavemente.
Sasuke colocou os olhos sobre a nuca de Naruto e esperou, pois pelo que Tsunade tinha dito, ele estava acordado. Porém, o homem só virou a cabeça em sua direção depois de alguns segundos, e seus olhos azuis o perfuraram acusadoramente.
“Anda logo com isso.”, murmurou Naruto.
Ele ergueu uma sobrancelha preta diante da hostilidade do outro, mas ativou os Sharingans e mergulhou nos olhos azuis acinzentados, uma cor opaca e fria perto do que Sasuke se lembrava e estava acostumado. Ao entrar na mente de Naruto, se viu em um local bem diferente do que da última vez — a sala estava muito mais escura, e a água no chão parecia ter diminuído, formando apenas uma fina camada espelhada no breu infinito.
Sasuke caminhou a esmo e, depois de algum tempo, notou um brilho fraco alaranjado em algum ponto à sua esquerda. Cautelosamente, foi em direção à luz difusa, e ao se aproximar, viu a raposa deitada no chão com os olhos fechados.
Sasuke o chamou, mas ele não acordou, e estava claramente exausto, magro e fraco. Apesar disso, respirava. Então Sasuke voltou para o próprio corpo e se viu novamente parado diante do olhar dolorido de Naruto.
“Você não conseguiu ir até ele?”, indagou Sasuke colocando a mão na grade da maca, o que fez o outro encarar seu aperto momentaneamente.
“Não. O que aconteceu?”, perguntou, juntando as sobrancelhas loiras. Seu olho esquerdo estava levemente inchado e havia um corte em seu lábio.
“Ele está desacordado, por isso não te respondeu. Parece fraco e cansado.”, falou, e Naruto torceu o lábio em preocupação, depois se mexeu um pouco e grunhiu, soltando um silvo de ar. Sasuke deu a volta na cama e se sentou na cadeira que ficava na cabeceira, o que fez Naruto o seguir com o olhar e fechar a cara novamente.
“O que você tá fazendo?” A voz dele era rouca e baixa, apesar da raiva em seu rosto machucado. Sasuke o encarou sem expressão e não respondeu, porque parecia muito óbvio. Naruto comprimiu os olhos claros que faiscavam turbulentos em um misto de sentimentos que ele não conseguiu identificar prontamente. “Eu quero ficar sozinho.”
“Você parece uma criança mimada.”, censurou Sasuke irritadiço, e o outro arregalou os olhos antes de explodir.
“Eu pareço uma criança mimada? Sua sorte é que eu não posso me mover, porque nunca tive tanta vontade de quebrar a sua cara! Você não pode só me deixar em paz?” O tom dele era mais alto agora.
Sasuke deu um pequeno sorriso irônico, não estando nada feliz com aquela recepção. Não que ele esperasse flores ao colocar os pés na vila, mas aquilo era um pouco demais — ele tinha vindo de longe, estava cansado e machucado e, ainda assim, se importava o suficiente para ficar por perto. O mínimo que devia receber era uma recepção não hostil, mas Naruto era muito denso para isso, obviamente.
“Eu sinceramente não entendo como você funciona. Você me persegue por anos, fica puto porque eu não fiquei em Konoha, e agora que eu estou aqui, quer que eu vá embora?”, provocou já se arrependendo das palavras que saíam de sua boca, porque o outro parecia realmente chateado e decidido a afastá-lo.
“Pois é, é isso- AI!” Mal Naruto se desencostou da cama em seu ataque de ira e Sasuke já estava em pé com as mãos em seus ombros, colocando-o de volta com cuidado, o que fez um choque percorrer o corpo de ambos.
“Você não devia se mexer, sua coluna está lesionada, baka.”, murmurou Sasuke com os olhos nele, e podia jurar ter visto uma expressão de pura tristeza passar momentaneamente pelas feições de Naruto, que virou a cara para o outro lado antes de falar.
“Faça a merda que quiser, como sempre, Sasuke, mas não põe a mão em mim. E não me chama de baka.”, ele respondeu em um sussurro sombrio.
Sasuke tirou as mãos dele e deu um passo para trás, surpreso demais para dizer qualquer coisa antes de se sentar novamente na cadeira creme estofada. Sabia que Naruto estava chateado com ele, mas não via necessidade para tanto. Afinal, ele tinha vindo visitá-lo, e definitivamente não precisava ter feito isso nenhuma vez.
Mas claro, Naruto tinha ficado irritado até com isso, e este fato, além de ser incompreensível, também indicava o quanto o homem tinha mudado — isso estava claro não só através dos cabelos loiros compridos, mas na forma com que reagiu à Sasuke ao longo destes dois anos. Aquilo tinha ficado realmente evidente na vez em que Naruto o mandou embora sem nem olhar em sua direção, e aquilo tinha o deixado realmente irritado.
Obviamente, ao longo destes dois anos, Sasuke tinha mudado também. Ele era menos agressivo e lidava um pouco melhor com as coisas, tinha evoluído. Mas agora, percebia que isso tinha sido só longe de Konoha e de Naruto, porque naquele momento, seu antigo eu estava tão próximo que ele se perguntou se realmente tinha se passado tanto tempo assim.
Naruto o tirava do sério com o jeito que lidava com as coisas, de forma tão irracional e, principalmente, emocional. Como da penúltima vez que se viram, quando o amigo lutou de forma bem mais agressiva que o normal — claro que aquilo não teve uma boa repercussão na personalidade de Sasuke, que rapidamente se viu reagindo de uma forma não muito amigável e enfiando uma kunai com toda a força no antebraço do outro.
Isso porque Naruto, aparentemente, tinha o dom de despertar o pior de Sasuke em alguns momentos, principalmente naqueles onde o homem deixava seus sentimentos de mágoa virem à tona. Não que aquilo afetasse Sasuke, porque ele não se sentia culpado por nada. Não tinha culpa das expectativas que Naruto havia criado, se tinha entendido que Sasuke na verdade iria ficar naquela vila odiosa, ou se só esperava que as coisas fossem mudar, mas sabia que não tinha responsabilidade sobre nada daquilo.
Ainda assim, agora que ele estava ali, Naruto estava o afastando novamente. De fato, depois de um ano fora, em algum momento Sasuke tinha chegado à conclusão que uma das coisas que o fez ir embora assim que saiu da prisão, foi a impossibilidade de lidar com as expectativas de Naruto sobre ele.
E claro, a incapacidade de lidar com a necessidade de descobrimento do que significava a nova amizade dos dois, porque tinha consciência de que ambos eram pessoas diferentes do que quando eram crianças e que muitas coisas tinham mudado, mesmo Naruto provavelmente não se dando conta disso.
E o peso das expectativas do outro eram insuportáveis. Claro que Sasuke não tinha sintetizado tudo isso logo de cara, mas viajar sozinho tinha lhe permitido entender várias coisas sobre as quais não se dava o trabalho de analisar. O fato é que, lidar com Naruto era algo que ele não estava preparado para fazer, e talvez nunca estivesse — porque sabia bem o quanto tudo que aconteceu tinha afetado o outro profundamente.
Não sabia exatamente como Naruto tinha sido afetado, mas via bem sua mágoa e sua ira, e sabia que não cabia ao próprio Sasuke ajudar o outro a resolver aquilo tudo. Ele jamais seria a solução dos problemas de Naruto, e era isso que o outro não enxergava. Afinal, foi o próprio Sasuke que tinha causado tudo aquilo, por mais que não tivesse controle sobre a decisão de Naruto de se envolver tanto com a história toda.
Além disso, seria mentira dizer que, neste momento, não estava tentado a deixá-lo nas mãos de Tsunade e Sakura e ir embora novamente, mas sabia que não conseguiria lidar com isso, porque não confiava em nenhuma das duas. Aliás, não confiava em ninguém ali para cuidar do idiota, apesar de saber que aquilo não tinha racionalidade alguma.
O fato é que Sasuke iria embora só depois que Naruto estivesse curado, e então nunca mais voltaria ali, porque sabia que o outro estava melhor sem ele, e que estava conseguindo sentir em frente. E Naruto merecia seguir em frente, assim como ele mesmo tinha feito.
Então entendia bem a reação do homem, entendia o quanto sua presença o machucava, e a última coisa que ele queria era deixar Naruto pior. Pensando nisso, Sasuke se recostou na cadeira e fechou os olhos, tentando dormir pelo menos um pouco antes de amanhecer.
Ele acordou assim que os primeiros raios de sol entraram pela grande janela ao seu lado, o que o fez se levantar e fechar as cortinas silenciosamente antes de dar uma olhada em Naruto. Ele roncava baixinho e parecia meio inquieto em seu sono, o que fez Sasuke se perguntar se ele estava sonhando com as duas semanas que passou sendo torturado. Infelizmente, Sasuke tinha muita experiência com sonhos perturbadores, por mais que odiasse admitir.
O painel de sinais vitais parecia estável, então logo voltou para seu lugar na cadeira desconfortável, chiando um pouco para a fisgada na costela. Mesmo a cortina impedindo o sol de entrar, o abajur ainda estava aceso, e a luz amarelada dava um ar aconchegante ao quarto monocromático, permitindo-o que adormecesse novamente. Sasuke abriu novamente os olhos horas depois, assim que a porta se abriu, e ele deu de cara com Sakura, que parecia surpresa de vê-lo ali.
Entretanto, o olhar dela correu para Naruto em seguida, e ela se aproximou da cama para checar o painel e atualizar o prontuário que estava enganchado no pé da maca. Ela só se virou para Sasuke depois de rabiscar alguma coisa ali e colocar a prancheta no lugar.
“Não sabia que você tinha dormido aqui.”, sussurrou, e seus olhos verdes pareciam cansados. Sasuke apenas a encarou em resposta, e ela suspirou. “Você pretende ficar até quando?”
“Não sei.”, respondeu Sasuke. Ela nem tinha aberto a boca direito e já estava o irritando, com toda a conversa fiada e necessidade de tirar satisfações.
Diante dele, ela apoiou a mão no quadril displicentemente, e seu cabelo quase longo escorregou para as costas. “Vocês chegaram a conversar?”, Sakura indagou. Contrafeito, Sasuke negou com a cabeça e desviou o olhar tentando desencorajá-la a continuar com a sequência de perguntas inúteis, mas ela com certeza não pegou a dica. “Você está bem?”
“Sakura, se você tem algo para me dizer, fale de uma vez.”, ele disse em voz baixa, e a garota fechou a cara, algo inédito, porque antigamente sua reação teria sido bem diferente.
“Muito bem, vou dizer. Você devia voltar para sua viagem o mais rápido possível, não quero ver Naruto mal. Aliás, eu acho que não seria bom você estar aqui no quarto quando ele acordar, isso só vai criar falsas esperanças.” Seu tom de voz era suave, mas suas feições eram sérias.
Agora ele estava definitivamente irritado — quem era ela para decidir o que ele devia ou não fazer? Sasuke não precisava dar satisfação de sua vida para Sakura, e sinceramente não se importava com nada do que ela achava ser bom ou não.
Além disso, a atitude dela era ridícula — Naruto não era uma criança e sabia muito bem que Sasuke não ia ficar ali por muito tempo. Fingindo não ouvir o escrutínio, decidiu que a mulher não era digna de qualquer resposta no momento. Logo ela foi se sentar na cadeira que tinha aos pés da cama de Naruto, há bons dois metros de Sasuke.
“Sakura?”, procurou Naruto em sua voz rouca de sono cerca de quinze minutos depois. Ele virou a cabeça para a direita e deu de cara com Sasuke, o que fez o amigo arregalar os olhos claros minimamente antes de fechar a cara. No mesmo segundo Sakura se levantou e a atenção do outro se voltou para ela.
“Bom dia, Naruto. Tudo bem? Está com dor?”, ela se aproximou e acariciou os cabelos loiros dele, e Sasuke ergueu uma sobrancelha para a cena.
As coisas pareciam... diferentes entre os dois, o que o deixou sinceramente intrigado. Sakura entrelaçou a mão na dele e Naruto sorriu como um perfeito idiota. A sensação de estar sobrando ali fez Sasuke, irritado, apertar os olhos para as costas da mulher, apesar de nenhum dos dois ter visto isso.
“Tô bem, só com um pouco de dor nas costas. É difícil dormir sem poder me mexer. Quando vou poder ir embora? Baa-chan descobriu alguma coisa nova?”, ele indagou, e ela deu um suspiro, passando os dedos pela têmpora dele carinhosamente.
Sasuke assistia a situação sinceramente surpreso, porque nunca imaginou o dia em que Sakura iria tratar Naruto daquele jeito. Analisando tudo, agora ficava claro que a mulher não estava mais apaixonada por Sasuke, o que o deixou muito aliviado, porque ele nunca tinha olhado para ela daquele jeito. O que o levava à outra percepção do que estava acontecendo ali — provavelmente os dois ex-colegas de time estavam explorando algum tipo de relacionamento além da amizade.
Ou então, Sakura estava usando Naruto para não ficar sozinha, porque finalmente tinha entendido que Sasuke não queria nada com ela, e esta ideia fez seu maxilar se tencionar de raiva e indignação. Mas, sinceramente, não era possível que Sakura fosse tão baixa assim, afinal, a mulher parecia diferente até mesmo com ele.
“Ainda estamos tentando separar as substâncias que estão no seu sangue e descobrir o que são cada uma. Além disso, você não pode ficar sozinho, e eu não tenho como deixar o hospital.”, Sakura explicou pacientemente.
Naruto bufou e fez um biquinho. “Eu odeio ficar aqui, você sabe disso. Mais alguns dias nessa cama sem fazer nada e eu vou pirar, será que você não pode tentar falar com ela? Por favor, Sakura...”, ele pediu, fazendo-a se mover desconfortavelmente.
“Naruto, não tem jeito, você sabe. Mas nós vamos descobrir uma forma de te fazer melhorar, e se você precisar de alguma coisa é só me dizer.”, argumentou ainda com as mãos nele.
Sasuke não estava gostando da sensação de estar sendo completamente ignorado, por mais que não quisesse admitir. Afinal, ele estava ali, e tinha dormido lá só para ter certeza que o idiota não ia engasgar com a própria saliva e morrer no meio da noite ou algo assim, o que demonstrava muita consideração. Se fosse sobre outra pessoa, jamais faria aquilo, e Naruto sabia muito bem.
Ainda assim, estava sendo completamente ignorado. Como se Naruto realmente preferisse que ele não estivesse ali, o que qualquer pessoa sabia que não era verdade, Sasuke não era idiota. Sabia que Naruto estava apenas tentando puni-lo — de uma forma muito imatura e ineficiente — por ter ido embora.
E essa era uma das maneiras completamente irracionais que o amigo escolhia para reagir às coisas, como uma criança mimada fazendo birra. Sasuke sinceramente não tinha muita paciência para aquilo, e preferia não entrar naquele jogo, porque não valia a pena.
Havia várias formas de Naruto lidar com as situações, e às vezes parecia que ele se orgulhava de escolher as piores delas. Neste caso em específico, poderia apenas entender o quanto estava sendo imaturo e aceitar a situação, porque a viagem de Sasuke não era sobre Naruto, era sobre si mesmo tentando descobrir quem tinha se tornado e sobre expiar seus pecados — o que o outro tornava muito difícil de fazer em alguns momentos, porque Sasuke tinha vontade de socá-lo.
Houve uma leve batida na porta e Tsunade entrou carregando um carrinho de metal com várias bandagens, medicamentos e pomadas. Naruto desviou o olhar para ela enquanto a velha deixava o carrinho ao lado da cama, e Sakura limpou a garganta quando a ex-hokage abriu as cortinas e deixou a luz da manhã entrar no quarto sem cor.
“Eu, hm, preciso ir, desculpe. Volto mais tarde, quando acabar meu turno lá pelas oito, ok?”, disse a garota, plantando um beijinho na testa do homem e saindo sem se despedir de Sasuke. “Bom dia, Tsunade-sama. Se precisar de mim, estarei no escritório.”, avisou, e Tsunade assentiu para ela antes de parar ao lado de Naruto.
“Vim trocar suas ataduras, gaki.”, informou ela, e Naruto assentiu brevemente, suspirando. Tsunade então se virou para Sasuke. “Uchiha, enquanto isso, me atualize a respeito da raposa.”
“Kurama.”, corrigiu Naruto, e a médica o ignorou.
“Ele está bem fraco e parece muito cansado. Tentei acordá-lo, mas não adiantou. Apesar disso, parece estar só se recuperando. Provavelmente sua dedução sobre ele ter sido afetado pelos venenos que injetaram em Naruto está correta.”, explicou.
Tsunade assentiu enquanto desenrolava as faixas do paciente, que tinha uma expressão de dor no rosto e apertava o maxilar. “Na verdade, não acho que ele tenha sido afetado, mas acredito que esteja gastando toda a energia e o próprio chakra para manter Naruto vivo. Qualquer pessoa que tivesse sido bombardeada com dezenas de venenos diferentes com certeza não teria ficado viva. Não podemos esquecer que o organismo não está conseguindo expelir a maioria deles e, até agora, eu só consegui separar e identificar três substâncias. Nunca vi nada desse jeito, e sou especialista em venenos.”
Se ver Naruto com as ataduras ensanguentadas tinham deixado Sasuke meio perturbado, poder analisar suas feridas de perto fez seu sangue ferver — era bem pior do que tinha imaginado. Havia talhos de carne filetadas profundamente nos braços e pernas, e eles começaram a sangrar assim que o curativo foi retirado, como se tivessem sido feitos há poucos minutos.
Chocado, Sasuke se levantou e se aproximou, e Naruto o observou em meio às expressões de dor sem dizer nada. Tsunade não se incomodou, apenas continuou fazendo seu trabalho com cuidado para não movê-lo muito.
Ela limpou todos os cortes com um líquido que cheirava estranho, e o outro fechou os olhos, claramente fazendo força para não gritar. A expressão de Sasuke mudou ao ver o sofrimento dele, e quando Naruto abriu os olhos novamente, os olhares dos dois se cruzaram por um segundo. Foi o suficiente para Sasuke ver o misto de sentimentos ali, e ele tentou afastar a sensação de culpa que se instalou em seu peito.
Naruto parecia... exausto. Física e emocionalmente. Parecia triste, perdido, confuso e muito, muito cansado. Sasuke desviou os olhos novamente para os cortes e agora Tsunade os fechava com seu jutsu médico antes de passar pomada em cada um, mas eles abriam novamente em seguida. Depois de um tempo, Naruto estava novamente com os membros enfaixados, e então ela pediu para ele levantar a bata do hospital, o que o fez ficar vermelho e encarar Sasuke, que então se afastou, pronto para deixar a sala.
“Espere, me ajude aqui um minuto. Preciso virar Naruto de lado para ver as costas dele, mas não posso deixar ele colocar peso em cima do corpo.”, ela disse, e Sasuke hesitou antes de voltar e encarar Naruto, que estava de cara feia novamente. A única roupa dele além da bata era a cueca laranja. “Eu preciso que você apoie ele aqui, na articulação da axila. Com cuidado.”, pediu a mulher.
Sasuke, desacostumado com contato físico e, portanto, muito desconfortável, se inclinou para Naruto e enfiou sua única mão embaixo do braço bom dele, impedindo que ele tombasse para a cama. O esforço e o peso do corpo do outro fizeram sua própria costela machucada protestar, mas ele não disse nada e não o soltou. O amigo, por sua vez, chiou assim que ela começou a limpar os cortes das costas, e estes eram bem mais profundos.
Prendendo a respiração pela visão, pela situação e pela própria dor na lateral do corpo, Sasuke sentiu o ar preso na traqueia, e só conseguiu respirar com facilidade alguns minutos depois, quando Tsunade terminou de fazer o curativo e deitou o outro novamente.
Neste ponto, Naruto respirava com dificuldade também, e parecia muito cansado. Sasuke o soltou com cuidado e fez uma careta com a pinçada intensa de dor que percorreu seu corpo antes de decidir se sentar novamente. A mulher fez o mesmo procedimento na parte frontal do tórax de Naruto, que parecia prestes a desmaiar de exaustão agora, e quando terminou, encarou Sasuke.
“Levante, Uchiha.”, ela comandou, mas Sasuke apenas fechou a cara para ela.
A médica esperou, e ele então se colocou de pé com um revirar de olhos. Ela se aproximou e apalpou sua lateral, o que o fez soltar o ar dolorosamente e trancar o maxilar com um grunhido de dor. Ele podia ver Naruto o observando por sua visão periférica, mas não se virou para ele.
“Porque não me disse ontem que estava machucado?”, ralhou Tsunade. “Tire o sobretudo e a blusa, vou dar uma olhada nisso.”
“Não precisa, estou bem.”, contestou, mas a velha fez cara feia e o encarou rigidamente.
Mais uma vez, ele revirou os olhos antes de desabotoar o sobretudo e deixá-lo cair aos seus pés, depois abriu o zíper da blusa preta que usava e a jogou para trás. A ex-hokage colocou a mão sobre o local e luz verde e morna começou a fluir de sua palma, fazendo a dor diminuir gradualmente enquanto seu osso se regenerava. Ele fez um aceno duro com a cabeça em agradecimento quando ela acabou e se virou para colocar sua blusa novamente.
Naruto o encarava com atenção, e tinha o olhar fixo no coto de seu braço, o que o deixou incomodado, porque sabia que Naruto se culpava por aquilo mesmo não sendo realmente culpa dele. Sasuke pegou o sobretudo no chão com rapidez e o abotoou novamente, sentando-se mais uma vez na cadeira ao lado da cama.
“Bom, mais tarde, eu ou Shizune voltamos para trocar os curativos novamente. Se você precisar de alguma coisa, aperte esse botão ao lado da cama e alguém virá até aqui. Descanse, gaki.”, Tsunade deu um sorrisinho, e o outro murmurou um obrigado antes dela deixar o carrinho no canto da sala e sair a passos firmes.
“Você devia ir dormir.”, falou Naruto em voz baixa depois de um tempo, e quando Sasuke olhou na direção do amigo, ele tinha o rosto virado para o outro lado.
“Eu já dormi.”, respondeu Sasuke calmamente, e o outro bufou. “Você devia ir dormir, parece que vai desmaiar a qualquer segundo.”
“O que aconteceu com a sua costela?”, ele indagou fracamente, e pelo tom, dava para imaginar a carranca dele.
Sasuke deu um pequeno sorriso. “Quebrei em uma luta com uns homens ontem à noite.”, explicou. Naruto não respondeu, apenas virou o rosto para ele novamente e o encarou diretamente dentro dos olhos — ou do olho, já que sua franja cobria seu Rinnegan.
Naruto parecia estar em uma guerra interna entre dizer alguma coisa e se manter em silêncio, e dava para ver isso pelos olhos azul-acinzentados que o fitavam com intensidade em um misto de determinação e hesitação. No fim, o silêncio venceu, e ele virou o rosto para o outro lado novamente, adormecendo no minuto seguinte.
Chapter Text
“Sasuke, você não pode ficar no hospital vinte e quatro horas por dia. Precisa comer e dormir direito.”, explicou Kakashi, recostado em sua cadeira. Sakura lançou um olhar de esguelha para o ex-colega de time, mas ele ignorou, o que fez o Hokage continuar. “E Sakura, por mais que você e Sasuke tenham coisas que precisam ser discutidas entre si, você poderia ser um pouco mais receptiva. Ele está aqui para nos ajudar com Naruto e também está preocupado com ele. E eu não deveria precisar estar aqui dando este sermão como se vocês ainda fossem meus alunos adolescentes.”
A garota juntou os lábios finos e olhou para o chão, envergonhada, enquanto Kakashi suspirava.
Sasuke não se deixou abater pelo comentário do mais velho. “Eu não tenho problema nenhum com Sakura, ela na verdade não faz diferença.”, disse ele. A mulher olhou para ele, chocada e enraivecida, e Kakashi suspirou e passou as mãos no rosto enquanto Sasuke se voltava para a garota ao lado. “Se você tem algum problema comigo aqui, lide com isso sozinha.”, concluiu secamente.
“Eu não tenho problemas com você estar aqui por estar, Sasuke, só acho que sua presença afeta Naruto mais do que você imagina, e estes últimos dois anos foram muito difíceis para ele. Você não esteve aqui para saber, mas ele não ficou-”
“Naruto não é uma criança, sabe que eu vou embora assim que ele estiver melhor. E isso não diz respeito a você.”, respondeu Sasuke secamente, sem olhar para ela.
“Ah, mas diz! Porque eu que precisei cuidar dele e ver como ele estava enquanto você-”
“Parem vocês dois, discutam isso em outro lugar em outro momento. Sakura, pode voltar para o hospital. Sasuke, precisamos resolver algumas coisas.”, Kakashi apoiou os cotovelos na mesa de mogno e Sakura, vermelha, murmurou desculpas e saiu. O Hokage então continuou quando a porta se fechou. “Sasuke, você pretende ficar em Konoha por quanto tempo?”
“Tsunade pediu para eu monitorar a raposa, então preciso ficar até ela acordar.”, ele colocou a mão no quadril e encarou Kakashi com petulância como se o outro fosse contestá-lo, mas o homem deu um pequeno sorriso enigmático que Sasuke não apreciou tampouco.
“Tudo bem. Acho que posso ser sincero, então. Você está naquele quarto com Naruto há quase uma semana, e não é uma figura difícil de identificar. Então, claro, algumas enfermeiras provavelmente comentaram por aí e o Conselho ficou sabendo sobre sua presença, o que não deixou nenhum deles feliz. Tive que fazer uma reunião hoje cedo e colocar panos quentes na situação, mas eles foram completamente irredutíveis sobre você ficar próximo das pessoas, à vista desse jeito o tempo todo, quebrando as regras do hospital. Isso dificultou minha posição, porque por mais que eu entenda tudo isso e sinceramente me sinta até mais seguro sobre Naruto em ter você aqui, não posso simplesmente deixar você acampar naquele quarto da UTI assim. Precisamos arrumar um local afastado para você ficar, e foi o máximo que eu consegui do Conselho, porque para eles, você não devia estar aqui. Eles ainda acreditam que você seja uma ameaça. Quanto menos atenção nós chamarmos para você, melhor. Além disso, infelizmente vou precisar colocar alguns Anbus para te vigiar.” Os olhos negros dele eram sérios e Kakashi parecia muito contrariado com a situação.
Não era novidade alguma o fato do Conselho não gostar de Sasuke — ele sabia que tinha sido perdoado por Konoha e pelos outros Kages apenas por causa de Naruto e pelos esforços de Tsunade, que foi totalmente contra o Conselho de velhos. Por mais que isso nunca tivesse sido dito, Sasuke era inteligente o suficiente para deduzir que uma das coisas que levou o Conselho a relevar a situação, é que Sasuke não pretendia ficar na vila, e ao mesmo tempo estaria lá fora prestando serviços perigosos no nome de Konoha.
Agora que ele estava aqui, a situação era outra. Ele sabia que era apenas uma questão de tempo até começarem a pressioná-lo como um fugitivo de segurança máxima. Ou colocá-lo de volta em uma cela.
Para a sorte de Kakashi, Sasuke já tinha pensado na possibilidade disso acontecer e encontrado uma forma de resolver parte do problema. Entretanto, não era uma situação que o agradava nenhum pouco, apesar dele saber que, uma hora ou outra, teria que lidar com seus demônios.
“Estou ciente disso tudo e tenho um pedido a fazer.”, disse Sasuke, se aproximando da mesa. Kakashi se ajeitou na cadeira de couro e o encarou com seriedade, então ele continuou. “Quero ficar no meu Complexo.”
Kakashi arregalou os olhos lentamente, chocado. Ainda fitando Sasuke, ele se recostou novamente na cadeira, que rangeu.
“Você quer voltar para sua antiga casa? Por quê?”, ele fez a pergunta completamente assombrado.
Sasuke suspirou. “Porque provavelmente meu pai, como líder do clã, tinha documentos sobre o Sharingan, e eu quero estudá-los. Eu ia precisar voltar lá de qualquer forma em algum momento para procurá-los, e já que preciso ficar fora da vista, acho que não há local melhor.” A resposta de Sasuke veio firme, e ele encarou Kakashi, esperando seu veredicto.
O homem passou os dedos pelos cabelos claros e apoiou o queixo nas mãos, observando o ex-aluno diante dele por alguns minutos enquanto pensava. “Bom, acho que podemos fazer isso, sim. Mas Sasuke, você tem certeza?”
“Sim. Depois que eu sair de Konoha novamente, você pode fazer o que quiser com o Distrito. Destruir, ou abrir para as pessoas morarem, não me interessa. Não pretendo voltar aqui de novo.”, admitiu ele, e o Hokage assentiu, melancólico.
Sasuke se esforçou para manter sua expressão em branco. Ele realmente odiava aquela vila, aquela não era sua casa há muito tempo, e a única coisa que o manteve visitando Konoha durante estes dois anos tinha sido Naruto, para ser sincero. Agora que o amigo tinha decidido que suas visitas não eram mais bem vindas, não havia motivo algum para ele botar os pés ali, o que era um alívio.
Ele gostava bastante de sua vida como nômade, e não pretendia largá-la — Sasuke já tinha aceitado e ficado bem com o fato de que ele nunca estaria acompanhado e jamais criaria raízes, e gostava da ideia. A solidão, no fim, era algo que não o incomodava e, aliás, ele até preferia. Pessoas eram difíceis de lidar e ele não sentia necessidade alguma de ter uma bela casa e uma família.
Além disso, depois de dois anos vagando sozinho, ter a constante presença de alguém ao seu lado era algo que o irritava e saturava. Tinha sido uma tortura passar seis dias naquele hospital, onde as pessoas entravam de hora em hora para checar Naruto, que, inclusive, estava ignorando completamente a presença de Sasuke, o que era um alívio por ele não precisar interagir e discutir coisas que jamais seriam resolvidas.
“Tudo bem, como você quiser. Bom, como você quer fazer isso? Posso enviar um grupo para limpar as coisas por lá, se preferir.”, ofereceu Kakashi, mas Sasuke negou com a cabeça.
“Não, prefiro não ter ninguém lá.”
“Certo. Você precisa de alguma coisa? Konoha te deve muito, Sasuke. Por mais que o Conselho não concorde com isso, essa sempre será sua casa, e você sempre será bem vindo aqui, no que depender de mim. Por isso, não precisa se enfiar no Complexo e nunca mais sair de lá, eu lido com o Conselho sobre isso.”
“Não vejo necessidade de sair se não for para fazer compras. Só me faça o favor de manter os Anbus longe da minha vista.”, avisou Sasuke.
Kakashi assentiu, estudando-o. “Bom, se precisar de algo, sabe onde me encontrar.”, o Hokage respondeu depois de alguns segundos com um aceno, antes de voltar se voltar para a papelada sobre a mesa, e Sasuke se virou para sair, fechando a porta atrás de si.
O portão de madeira carcomido se abriu com um rangido sôfrego quando ele o empurrou, e um pedaço da parede esfarelou e caiu no chão de terra. Ele respirou fundo e engoliu seco, tentando bloquear as imagens de como era ali antigamente — a entrada bem cuidada, a cortina roxa emoldurando o portão sempre aberto. Agora, as paredes estavam descascadas e prontas para desmoronar a qualquer segundo, um lembrete do tempo e da selvageria que sempre pairou sobre aquele lugar.
Um passo de cada vez, ele entrou no local, dando de cara com uma cidade morta. O visual era completamente acinzentado e pobre, vazio, como se até mesmo os fantasmas tivessem decidido abandonar suas casas. Não havia um barulho, um movimento, e mesmo o sol fraco de final de outono que jogava seus raios sobre o Distrito não conseguiu trazer qualquer cor ao lugar.
Lentamente, avançou pelo caminho que conhecia de cor, passando por lembranças dolorosas que desgarravam das casas decrépitas para se afundar em sua mente. A rua de terra levantava poeira conforme seus passos incertos tocavam o chão, e suas memórias mudaram. Agora, ao invés de retratarem o que aquele lugar tinha sido em seu auge, os flashes em sua mente eram de pessoas caídas, ensanguentadas, e de kunais espetadas nas paredes, despertando horror em seu coração que agora batia mais rápido.
Conforme se aprofundava no Complexo Uchiha, as casas ficavam mais conservadas, provavelmente por estarem mais distantes do ataque que dizimou quase toda vila. Sasuke respirou fundo tentando afastar as lembranças, mas a visão dos corpos o perseguiu até ele parar diante da casa que foi seu lar por anos, o único lugar onde se lembrava de ter sido verdadeiramente feliz. A fachada de madeira ainda estava intacta, e ele prendeu a respiração quando fez a porta deslizar com dificuldade, sentindo um ar fresco sair da casa para lhe saudar como se tivesse aberto uma tumba.
Provavelmente nenhuma daquelas casas foi aberta desde o massacre, se ele fosse olhar por aí. Sasuke entrou no hall empoeirado e escuro e olhou em volta. A fina camada de poeira deixava tudo opaco, mas as coisas estavam exatamente onde ele se lembrava, intocadas, como se nada tivesse mudado.
Ignorando o nó que se formava em sua garganta, deu mais alguns passos para dentro depois de fechar a porta atrás de si, e ativou seu Sharingan. Ele olhou para o lado e havia um armário alto com um vaso, cuja planta já tinha secado há muito tempo. Ao abri-lo, viu os sapatos de seu pai e sua mãe guardados como se os esperassem por todos estes anos, e aquela percepção era mórbida e vazia demais para Sasuke. Ele lançou um olhar à sala na esquerda do hall de entrada.
Os sofás ainda tinham suas mantas, os portas-retratos aguardavam sob a mesa de centro, a cristaleira continha taças e vinhos, e o móvel diante do sofá maior servia de apoio para a televisão, tudo coberto pela camada de poeira fina que conseguiu se infiltrar na casa completamente fechada. Sasuke não entrou na sala, ele caminhou para frente e foi para a porta ao lado da escada em passos abafados.
Ao abri-la, deu de cara com o corredor, e ali não havia sujeira; o piso de madeira estava brilhante, como se sua mãe tivesse o encerado no dia anterior. Ele foi para a porta que ficava na esquerda, entrando na cozinha, e tudo estava exatamente como ele se lembrava — a mesa de madeira baixa, os armários, fogão e geladeira e o móvel ao lado contendo o microondas e a torradeira.
Andar por aquela antiga casa fazia Sasuke se sentir novamente com sete anos. Era como se ele tivesse apenas levantado para beber seu copo de água no meio da noite. Tudo estava arrumado como sempre e ele tinha certeza que o restante da casa também estaria do mesmo jeito, afinal, sua mãe sempre foi uma dona de casa muito caprichosa e organizada.
De fato, a poeira era a única coisa que acusava o fato da casa não ter sido limpa recentemente. Não havia louça no escorredor, e tudo estava fora da tomada — provavelmente as pessoas que vieram pegar os corpos de seus pais limparam qualquer vestígio de sangue e desligaram tudo antes de sair, sabendo que ninguém nunca mais voltaria ali.
Sinceramente, Sasuke pensou que, ao chegar, tudo teria sido roubado. Porém, o medo dos fantasmas que assombravam o Complexo ainda era demais até para os ladrões da vila. Afinal, aquele era um lugar amaldiçoado. Sasuke abriu as grandes janelas que tinham ali e o sol banhou o lugar antes dele passar para o cômodo seguinte, a sala de jantar que eles não utilizavam porque sempre comiam na cozinha.
Neste cômodo tinha uma mesa redonda com cadeiras estofadas e dois armários que ele não se atreveu a vasculhar; apenas abriu mais uma janela, bem como a do corredor. O escritório diante da sala de jantar também estava intocado, nenhum papel solto sobre a mesa, nenhum livro fora do lugar, e ele deixou a luz entrar ali também.
Ele voltou pelo corredor, ignorando todas as fotos nas paredes e foi até a sala, finalmente abrindo a fileira de janelas altas. Os raios de sol entraram e coloriram o lugar, pousando fracamente nos móveis do cômodo, fazendo a atmosfera mudar.
Agora a maioria das portas e janelas do primeiro andar estavam abertas, e aquela visão gerava um sentimento estranho em Sasuke — era como se, depois de muitos anos, o tempo voltasse a correr ali dentro, como se sua mãe fosse lhe chamar a qualquer momento para ajudar com o jantar, ou seu pai fosse atravessar o corredor para ir ao escritório.
Ver a casa daquele jeito, mais viva, fincou um espinho de tristeza e nostalgia no peito de Sasuke, que respirou fundo e engoliu o nó que se prendeu em sua garganta, se forçando a continuar. Ele decidiu que checaria apenas os quartos principais, não pretendia andar pela casa toda agora.
Parou no pé da escada e respirou fundo, sabendo que agora viria a pior parte. Seus pés subiram os degraus hesitantes, o sharingan brilhando no escuro novamente, e ele ignorou a porta imediatamente à esquerda da escada, indo para seu antigo quarto.
A porta abriu com o mesmo rangido baixo de sempre e ele parou por um momento para observar, como se estivesse apreciando um quadro macabro. A poeira ali era quase imperceptível. Sua cama estava feita, o edredom de um azul cobalto sem um amassado, e ele finalmente cruzou a soleira, olhando em volta sem tocar em nada. O abajur estava exatamente no meio do criado mudo, e havia algumas kunais dispostas ali, provavelmente porque sua mãe tinha as encontrado jogadas pelo quarto e as enfileirado para ele resolver onde as guardaria quando chegasse da Academia naquele último dia que a viu.
Ao lado, havia uma estante de livros cheia de gibis e alguns volumes de contos infantis que ele nunca leu, porque sempre estava treinando para se tornar um ninja tão bom quanto seu irmão. Fotografias emolduradas descansavam nas repartições, e ele sentiu o nariz pinicar ao ver uma foto dele nas costas do irmão, ambos sorridentes.
A versão criança dele estava exultante, provavelmente porque tinha finalmente conseguido passar um tempo com seu irmão mais velho que sempre estava tão ocupado. Ele se agarrava aos ombros de Itachi com uma mão e, com a outra, acenava para quem quer que tivesse tirado a foto, provavelmente sua mãe.
Ao lado, havia retrato deles todos na sala — seus pais estavam lado a lado em pé, Itachi à direita do pai e a mãe, sorridente, abraçava os ombros de Sasuke, que estava diante dela. Ele devia ter uns seis anos ali. Todos estavam genuinamente felizes, e pareciam orgulhosos da bela família que tinham, o brasão Uchiha estampado nas roupas pretas deles.
Sasuke afastou a água dos olhos e continuou andando pelo quarto. Havia alguns bonequinhos em cima da estante na parede, e abaixo dela, uma escrivaninha que ele deveria usar para fazer seus deveres, mas ele normalmente se sentava na cozinha para ter a companhia de sua mãe. Ela sempre dizia que Sasuke devia fazer suas tarefas no quarto, mas ele adorava vê-la andando pela casa cantarolando enquanto limpava, e sabia que ela também gostava de sua companhia.
Ao lado da porta ficava o armário, e quando ele o abriu, todas as roupas estavam dobradas e arrumadas cuidadosamente. Todas tinham o símbolo de seu clã nas costas ou nas mangas. Em uma das repartições tinham vários bonequinhos de ninjas que ele não se lembrava de possuir, sentados lado a lado.
Ele fechou o guarda-roupa com cuidado e foi até a janela acima da cama, a abrindo com alguma dificuldade antes de sair, fechando a porta atrás de si. Ele abriu a janela deste corredor também e foi para o quarto dos pais, que ficava de frente para o dele.
Não havia nenhuma memória daquele cômodo, porque Sasuke quase nunca entrava lá. O lugar também estava impecável — uma enorme cama de casal ficava de frente para a porta, coberta com um edredom marrom claro e várias almofadas.
As duas mesas de cabeceira tinham um abajur bojudo e à esquerda da porta ficava um enorme tapete diante de uma cômoda. Havia uma escova de cabelos ali, um frasco de perfume e um vaso com flores secas, cuja maioria das pétalas tinha caído sobre a madeira escura. Ao lado ficava um espelho de pés adornado e, diante dele, uma poltrona marrom-avermelhada. Uma enorme estante de livros estava encostada na parede da direita, antes da porta que dava para o banheiro da suite. O vento do fim de outono correu para dentro quando Sasuke arejou o quarto antes de sair e, pela posição do Sol, devia ser perto das cinco horas da tarde agora.
Ele deu uma olhada no banheiro ao lado da escada e no quarto de visitas mais próximo, que não tinha nada além de uma cama de solteiro, uma mesa de cabeceira com abajur, um tapete e uma poltrona verde musgo, para então parar no corredor diante da porta que ele tinha ignorado até então. Respirando fundo pelo que pareceu ser a milésima vez, ele levou a mão trêmula até a maçaneta, entrando no quarto de Itachi.
Diferente do resto da casa, as coisas ali não estavam todas no lugar, e com pesar, ele percebeu que seu irmão provavelmente estava se preparando lá antes de sair para assassinar o clã inteiro e os próprios pais. A visão de Itachi com os Mangekyou Sharingans ativados o assombrou, mas aquela cena esteve colada em suas retinas desde seus sete anos, o acompanhando sempre, então já não era mais tão perturbadora.
A cama encostada na parede da esquerda sob a janela tinha os lençóis amassados. Havia uma capa preta jogada em cima da cadeira estofada que ficava no pé da cama feita, e um estojo de kunais vazio estava sobre a escrivaninha, ao lado de um porta-lápis com algumas canetas. Uma das portas do guarda-roupa estava entreaberta, e ele preferiu não a checar. Para cada canto desarrumado que Sasuke olhava, ele podia ver o fantasma de seu irmão se preparando para o massacre que faria, e o ar parecia mais difícil de alcançar agora.
Passando a mão pelos cabelos negros, caminhou até a última janela da casa, mas quando a abriu, diferente dos outros cômodos, os raios de sol não trouxeram nenhum alívio para o quarto, que para Sasuke parecia uma cena grotesca de pesar e morte.
Eram muitas memórias, muitas histórias que ele nunca saberia, muita coisa que ele jamais iria entender — que ele nunca iria, na verdade, aceitar. Porque ele poderia ter tido uma família.
Ele poderia ter tido uma infância e uma vida normal, poderia ter tido seus pais com ele e seu irmão poderia estar ali agora, naquele exato momento. Ele não teria vivido para vingança, deixado o ódio o tomar por completo, ele não teria machucado pessoas em busca de poder, machucado Naruto, Sakura e Kakashi. Sasuke poderia ter sido feliz.
Ele se sentou na cama macia, deixando as lágrimas escorrerem finalmente por suas maçãs do rosto duras, se rendendo à grande dor que sentiu desde sempre. Então notou uma moldura de fotografia virada para baixo na mesa de cabeceira, e a colocou de pé. Ali tinha uma foto de Itachi criança segurando nos braços um bebezinho de cabelos muito negros, e o olhar em seu rosto era de puro carinho. Provavelmente ele não sabia que a foto iria ser tirada, porque olhava para o embrulho como se o ninasse distraído.
Aquele era o mesmo olhar que ele recebeu da última vez que viu Itachi, quando se despediu dele na guerra — o olhar de aceitação incondicional, de orgulho e de amor, porque ele já não tinha duvidas de que seu irmão tinha lhe amado muito e sofrido demais. Aquele era Itachi Uchiha em sua forma real, compassivo e amoroso.
Não que Sasuke soubesse muito disso por experiência própria, porque a convivência com o seu irmão lhe foi roubada pelo Conselho. Era por isso que os odiava, porque aquelas pessoas se viram no direito de roubar sua família, de usar Itachi em seu jogo torto que poderia ter sido resolvido de outra forma e, ainda, julgar Sasuke por reagir a própria história que só conseguiu entender há alguns anos.
Ele limpou os olhos e encarou o teto, tentando colocar a cabeça no lugar. Não havia nada que pudesse consertar o que já aconteceu, nenhum arrependimento traria sua família de volta.
Sua raiva também não consertou nada, e ele precisava ser racional sobre as coisas, focar no aqui e no agora. E agora, ele só tinha que procurar os documentos de seu pai e aprender a viver ali por um tempo sem pensar no assassinato deles, na falta da presença de sua família ou nos fantasmas de seu clã.
Foi uma noite difícil — ele tinha decidido dormir no pequeno quarto de visitas que ficava diante do de Itachi, porque sinceramente não conseguiria dormir em nenhuma das outras camas. Sasuke se lembrava muito bem de onde as coisas ficavam, então ali ele trocou a roupa de cama, varreu e limpou o cômodo antes de se deitar para ter um sono mais agitado do que o normal. Sasuke nunca dormiu bem de fato, e estava acostumado com isso. Ele tinha uma insônia incansável já há alguns anos, então só apagava por algumas horas a cada três ou quatro dias até seus sonhos o acordarem.
Apesar de ter pesadelos desde seus sete anos e eles serem praticamente os mesmos de sempre — o sangue, a morte, os olhos de Itachi e, às vezes, flashes de sua luta com o irmão, que terminava com Sasuke o matando —, eles ainda produziam a mesma reação de puro desespero.
Por alguns segundos, quase toda noite, ele acordava com o coração martelando nos ouvidos e os próprios berros ecoando em sua mente. Pelo menos, com o tempo, ele não acordava mais gritando. Isso porque, na maioria das vezes, acordava praticamente paralisado de terror, mas pelo menos era silencioso.
Entretanto, aquela noite tinha sido diferente. Depois de passar cinco dias dormindo muito mal por causa daquela cadeira de hospital maldita, ele tinha praticamente desmaiado assim que se encontrou deitado em uma cama. E dessa vez Sasuke acordou gritando; o suor empapava suas roupas, seu coração parecia prestes a pular pela boca, o som ensurdecedor dos seus batimentos em seus ouvidos, e o grito na noite, que se misturou à lembrança dos próprios berros do seu eu criança ao ver os pais mortos.
E acordar naquela casa tinha sido a pior parte, porque ali estavam suas memórias, ali estavam seus traumas e seus medos. Os músculos protestavam com a tensão e ele não se moveu quando abriu os olhos, apenas ficou encarando o teto até amanhecer e ele poder levantar.
Quando os primeiros raios de sol vieram, Sasuke caminhou pela casa e foi até o banheiro, pegando um sabonete velho na gaveta da pia para tomar um banho — descobrir que o lugar tinha água o deixou muito surpreso. Ele não se importou de se enxugar com uma toalha provavelmente empoeirada que pescou no armário, e colocou a mesma roupa, ciente de que precisava ir comprar roupas novas, produtos de limpeza e mantimentos.
Foi até a cozinha e colocou todos os eletrodomésticos nas tomadas se perguntando se funcionariam e, para sua surpresa, a maioria sim. Sasuke então abriu a geladeira, que não tinha dado sinal de vida. Apesar de estar vazia, um cheiro fétido e forte saiu de lá por ficar fechada tantos anos. Os cômodos principais da casa precisavam ser limpos; entretanto, não tinha produtos de limpeza ali, apenas vassouras, panos, rodos e coisas assim, porque obviamente tudo que havia na casa estava vencido e ele jogou fora.
O local parecia um pouco menos triste com os raios de sol que entravam pelas janelas que tinha deixado abertas, mas as fotos que ficavam sob as superfícies só traziam lembranças, as quais ele ignorou. Sasuke trocou seu sobretudo simples por um com capuz que sempre tinha na bagagem, e agradeceu internamente o tempo fresco que fazia no momento.
Era bem cedo, então provavelmente os comércios estariam menos cheios. A primeira coisa que fez foi comprar roupas — todas simples, pretas e básicas, mas infelizmente elas ficariam sem o brasão de sua família. Claro, ele poderia ter pegado roupas no armário de Itachi, mas aquilo sim seria demais para lidar. Depois, passou em uma loja para comprar produtos de limpeza e alguns panos de chão. No mercado, decidiu levar apenas itens não perecíveis.
Sasuke voltou para a casa — ele teve o cuidado de não pensar naquele lugar como sua casa — e guardou tudo, se preparando para a limpeza que precisaria fazer. Antes, colocou de molho algumas toalhas e panos de prato e a roupa que usava também, trocando para um short e camiseta sem mangas. Jogou fora toda a comida que tinha nos armários, varreu, tirou pó, passou pano e lavou alguma louça que ele poderia vir a usar.
As coisas ali estavam arrumadas e limpas perto das duas horas, momento em que Sasuke encostou no balcão da pia para comer algumas castanhas e cereais que tinha comprado. Um vento fresco entrava pela janela e ele logo colocou as coisas no varal e trocou de roupa novamente, vestindo a capa que tinha pendurado ao lado da porta principal.
Já cansado depois de toda a limpeza e de mais uma noite mal dormida, atravessou a cidade e foi até o escritório de Kakashi, a quem pediu para mandar alguém religar a energia da casa e verificar o reservatório de água. Por fim, se desvencilhou das perguntas e da preocupação dele e saiu de lá, indo para o hospital.
Ele cruzou o saguão de entrada e foi até o balcão, se registrando com a funcionária loira que tinha ali. Ela deu uma segunda olhada meio alarmada quando Sasuke disse o nome dele, mas logo se recompôs e o pediu para assinar, informando o número do quarto de Naruto que ele já sabia. O capuz só foi jogado para trás quando estava no corredor vazio da UTI, e então ele entrou no último quarto do corredor em silêncio.
Naruto estava acordado — claramente cansado, mas acordado. E por um mínimo segundo, provavelmente sem querer, Naruto deixou transparecer a felicidade e o alívio em vê-lo ali. Os grandes olhos se arregalaram, brilhantes, e Sasuke pôde ver claramente a cor acinzentada daquelas íris se abrirem em um azul-claro cristalino e quente que ele conhecia muito bem, fazendo seu estômago revirar por um momento com a suavidade e a familiaridade da cor. Naruto quase levantou o tronco da cama, mas provavelmente alguma fisgada de dor o fez voltar para o lugar, e a sombra de um sorriso brincou no canto dos lábios dele.
Mas no segundo seguinte, ele viu a máscara de indiferença se formar novamente, a mesma máscara que Naruto teve o cuidado de manter ao longo dos cinco dias que ele tinha passado ali. O rosto ficou sem expressão mais uma vez e ele desviou o olhar para frente, fixo na parede diante da cama. Sasuke suspirou para si mesmo enquanto caminhava até a cadeira que ele odiava, afundando lá.
“Como você está?”, perguntou, e Naruto lhe lançou um olhar turbulento que beirava à perturbação, deixando Sasuke meio confuso. Nos dias anteriores, ele parecia apenas irritado e magoado, até meio apático, mas agora milhares de coisas passaram por ali, misturadas em um redemoinho de emoções raro de se ver na maioria das pessoas.
“Bem.”, respondeu em um murmúrio seco, se voltando para o próprio colo.
Quando criança, e até nas poucas vezes que eles se encontraram durante a deserção de Sasuke, Naruto era uma pessoa muito fácil de ler. Não havia mistério sobre o que ele pensava ou sentia, porque seus olhos, suas expressões, e seus gestos entregavam absolutamente tudo, como um livro aberto escrito em letras garrafais. E Sasuke nunca tinha dado crédito ao quanto aquilo facilitou a comunicação deles e o entendimento que conseguia ter sobre quem Naruto era e o que ele buscava no momento.
Sasuke sempre tinha sido o contrário — havia poucas pessoas que captavam um pouco do que ele sentia, senão apenas uma, e essa pessoa era Naruto. Isso porque Sasuke era muito mais sutil sobre as coisas, menos intenso, e normalmente preferia usar a voz da razão. Obviamente ele sentia coisas, mas não daquela forma, ao ponto de atropelar tudo. Sasuke tinha total controle sobre seus sentimentos na maior parte do tempo, e dificilmente deixava suas emoções levarem a melhor sobre si.
Porque ele sabia bem que sentimentos atrapalhavam. Por exemplo, se Naruto não tivesse se deixado levar tanto, não teria ficado tão chateado e criado tantas expectativas. Mas agora uma coisa muito estranha estava acontecendo, algo com a qual Sasuke não estava acostumado — Naruto nunca dizia nada.
Ele não brigava, não reclamava, não conversava e não olhava para ele por mais de alguns segundos. Na maioria das vezes que seus olhares se cruzaram, o outro estava vestido em uma máscara de frieza que Sasuke reconheceria se olhasse no espelho, e talvez não visse aquilo como um problema se não tivesse percebido que de fato era apenas uma máscara.
Sasuke não fingia nada, ele era daquele jeito, sentia as coisas daquela forma. Naruto não, Naruto era uma bagunça emocional e, às vezes, deixava transparecer dentro de seus olhos a mistura de coisas que agora estava reprimindo, só para depois voltar ao seu olhar desinteressado e frio.
Aquilo não o incomodava, até porque, a última coisa que queria era discutir a raiva de Naruto, a indignação que o outro sentia por ele ter saído dali e o que o homem pensava ou queria de Sasuke, porque sinceramente nada iria mudar.
Ele jamais ficaria na vila só porque Naruto não concordava com isso. Por mais que odiasse admitir, na época, Sasuke nunca teria feito o que o outro fez por ele, jamais teria passado anos atrás de um colega de equipe a ponto de quase morrer por isso.
Sabia que, mesmo com raiva, Naruto provavelmente ainda faria qualquer coisa por ele. Sasuke também faria muita coisa pelo outro, mas tinha seus limites e não via problema nisso. Não voltaria para a vila só porque Naruto estava irritado, ninguém valia mais do que sua liberdade. Nem mesmo Naruto.
O homem grunhiu baixinho e fez uma expressão de dor, tentando se mover um pouco. Ao longo dos dias, Sasuke o assistiu ficando cada vez mais cansado, e qualquer movimento que ele fazia, qualquer esforço, o deixava completamente exausto. Compreensível, considerando que estava ali há cinco dias sem dormir direito, com venenos circulando por seu corpo, ossos quebrados e a coluna lesionada. De fato, era para ele estar morto, e pensar isso fez o punho de Sasuke se fechar sobre o joelho.
O fato é que hoje Naruto parecia especialmente abatido — os cabelos loiros oleosos estavam jogados para trás e a pele parecia mais pálida que o normal, sem falar das olheiras profundas. Sasuke se levantou e foi até ele, que não esboçou reação.
“Você está com dor. Devia chamar a enfermeira para aumentar a dose dos remédios, quando for assim.”, afirmou, e Naruto fez cara feia.
“Tô bem.”, murmurou ao mesmo tempo em que o estômago deu um ronco. As bochechas dele se tingiram de rosa e a carranca aumentou, mas Sasuke já apertava o botão que tinha ao lado da cama. “O que você tá fazendo?”
Sasuke não respondeu, apenas deu a volta na maca e saiu do quarto, esperando alguém aparecer no corredor. Alguns minutos depois, uma enfermeira de cabelos roxos veio até ele com um sorriso prestativo nos lábios finos.
“Naruto está com fome.”, informou Sasuke antes dela perguntar qualquer coisa, e a mulher franziu as sobrancelhas, confusa.
“Já mandaram comida para este quarto, ele não quis comer. Agora vai precisar esperar o jantar às oito.”, explicou ela, e Sasuke fechou a cara, não respondendo e indo rumo ao saguão novamente.
Claro que o idiota iria fazer birra em algum momento e dificultar as coisas, porque senão não seria Naruto, não é mesmo? Saiu para a rua carrancudo, colocando novamente seu capuz e caminhando para a direita, subindo alguns quarteirões. Era vinte para as três da tarde e ele torcia para ter qualquer restaurante aberto. Para sorte de Naruto, o Ichiraku estava funcionando.
“Boa tarde, meu jovem. O que vai ser hoje?”, perguntou o homem atrás do balcão em uma animação nada convidativa quando Sasuke entrou.
“Faça para viagem o que o Naruto sempre pede, por favor.”, resmungou ele, franzindo o nariz com o cheiro forte de tempero e carne.
O homem assentiu, curioso, e Sasuke se sentou, olhando ao redor. Havia algumas pessoas ali, entre elas um dos seus ex-colegas de sala que ele não se lembrava do nome, mas era o cara estranho dos insetos, e Ino, a mulher irritante que competia Sasuke com Sakura durante a infância, como se qualquer uma das duas tivessem chance com ele. Lançando um olhar para fora, algumas pessoas passavam pelas ruas. Em sua grande maioria, idosos.
Sasuke nunca gostou daquela vila e daquelas pessoas, tudo naquele lugar sempre o irritava. Para ele, todos aqueles moradores eram culpados de algo, principalmente da negligência com ele e com Naruto, que sofreu bem mais na mão daquela gente.
A vila era manchada com sangue inocente, e se estavam vivos hoje, era por causa de um garoto que eles maltrataram por anos e de Itachi. Eles eram todos hipócritas oportunistas, e só aceitavam Naruto agora porque ele tinha se sacrificado pela vila uma quantidade ridícula de vezes.
Olhando para baixo, checou o relógio, vendo que já tinha se passado vinte minutos. Ele não esperava que fosse demorar tanto, e ainda tinha coisas para fazer na casa — o intuito era ficar no hospital por cerca de meia hora e voltar para o Complexo. Além disso, estava realmente exausto.
O lamen ficou pronto depois de algum tempo, e Sasuke pegou o embrulho com rapidez antes de pagar e sair a passos largos de volta para o hospital, que estava um pouco mais cheio do que antes. Sabendo que não poderia levar comida de fora para lá, ele discretamente entrou pela porta dupla, torcendo para não precisar usar um genjutsu só para passar despercebido.
Sasuke chegou ao quarto e entrou, abaixando o capuz. Naruto fingiu não percebê-lo, mas ele deu a volta na cama e colocou o embrulho sobre a mesa de cabeceira. O outro ergueu uma sobrancelha para o pacote, mas não disse nada, e Sasuke abriu a caixa de lamen antes de quebrar os hashis com a ajuda dos dentes.
Em seguida, puxou a mesa de apoio até ficar bem perto do rosto de Naruto e colocou a comida ali. Sasuke mergulhou os pauzinhos para pegar lamen e levar até diante do homem, que o encarou contrafeito por alguns segundos antes de abrir a boca de mau grado e começar a comer. Nenhum dos dois conversou, o único som do quarto era o de mastigação.
Quando Naruto terminou, Sasuke limpou a boca dele, que parecia extremamente indignado e irritado com a situação e tinha as bochechas vermelhas.
“Eu volto amanhã.”, murmurou enquanto arrumava os travesseiros nas costas de Naruto, que depois de horas o ignorando, lhe deu um olhar de esguelha que Sasuke conseguiu interpretar como curiosidade. “Estou procurando alguns documentos na casa dos meus pais, e como preciso monitorar a raposa, estou ficando lá. Ainda preciso terminar de limpar as coisas.”, explicou, sabendo que Naruto não iria perguntar por ser orgulhoso demais. Ele não entendia tampouco por que tinha sentido a necessidade de explicar aquilo.
Naquele momento o amigo pareceu esquecer da raiva que sentia, porque o encarou. “Você tá dormindo na sua casa antiga?”, indagou Naruto, e ele assentiu, o que fez o outro arregalar os olhos por um momento, antes de suavizar o olhar. “Você... está bem?”, murmurou baixinho.
O tom suave pareceu penetrar em sua pele por um segundo e afundar em seu estômago. “Sim.”, disse Sasuke simplesmente, não esboçando nenhuma expressão apesar da repentina pressão que sentiu no peito. “Eu volto amanhã.”, repetiu então, dando as costas e arrumando o capuz antes de sair do quarto.
Chapter Text
Naruto acordou assim que ouviu a porta se abrir, saindo de seu sono leve. Ele estava exausto de todas as formas possíveis — não dormia direito, seu corpo tinha formigamentos por ficar dias e dias na mesma posição, a comida era ruim e as enfermeiras não o deixavam em paz, porque ele precisava ser checado, alimentado e limpo. Fazia duas semanas que estava nesse inferno, e ele nunca esteve tão mal humorado e irritado em toda sua vida.
Claro, no começo ele era charmoso com todas as cuidadoras e recebia cada visita de seus amigos de bom grado, mas depois de duas semanas definhando naquela maca, Naruto apenas respondia o que lhe era perguntado e fazia o que lhe era dito. Sakura sempre vinha vê-lo antes de ir para casa, e todo dia ele pedia para ir embora. Mas não havia essa possibilidade, porque conforme a mulher o lembrava diariamente com toda a paciência do mundo, ele não podia se mover e precisava ser cuidado, então obviamente não podia ficar sozinho.
As faixas que cobriam os cortes tinham sido retiradas no dia anterior, porque eles já não sangravam mais. Ainda assim, ardiam bastante e às vezes coçavam, o que o fazia se mexer e receber fisgadas de dores intensas como protesto, principalmente de sua coluna. Kurama ainda não tinha acordado e o laboratório só tinha conseguido identificar sete venenos, para os quais eles não podiam fazer um antídoto sem saber quais eram os outros por causa de possíveis reações.
Mas de longe, o pior era as visitas de Sasuke, porque elas sim doíam pra caralho. E Naruto estava completamente exausto emocionalmente, exausto de se forçar a manter distância, de precisar se fechar para não sofrer quando ele fosse embora, e era difícil demais porque o idiota realmente parecia preocupado de sua maneira torta. Naruto sabia que o homem não tinha necessidade de checar Kurama diariamente, mas ali estava ele, dia após dia.
E ele sinceramente odiava aquilo, odiava o jeito que Sasuke às vezes conversava como se nada tivesse acontecido. Na primeira semana Sasuke tinha passado literalmente cinco dias inteiros ali, saindo apenas por algumas horas para comer e cuidar das próprias coisas. Naruto, que permaneceu praticamente acordado o tempo inteiro por causa daquela cama horrível, só tinha o visto dormir duas ou três vezes por algumas horas para acordar com qualquer ruído.
Nenhum dos dois conversava, e isso facilitava um pouco a situação — Sasuke não era de jogar papo fora, e assim era mais fácil ignorar a presença dele. Além disso, na última semana, ele vinha visitá-lo em horários esporádicos por pouco mais de meia hora a cada dia, o que deveria ter sido um alívio para Naruto. Mas não era.
Agora, ficava esperando o momento em que Sasuke passaria por aquela maldita porta, e cada vez que ela se abria, seu coração disparava no peito. Sua ansiedade chegava a fazê-lo passar mal — porque, de alguma forma, sabia que nunca mais veria Sasuke depois que ele fosse embora dessa vez. E essa ideia era completamente insuportável, ao mesmo tempo em que era libertadora.
Assim, ali estava o idiota novamente, entrando no quarto com seu silêncio pesado e encarando Naruto com aqueles olhos profundos e afiados. E mais uma vez seu coração desenfreava no peito, porque houve a possibilidade de vê-lo mais uma vez.
Preso naquela maca por duas semanas em silêncio fez Naruto finalmente admitir que tinha alguma coisa muito errada com ele — só não entendia o que. O fato é que a falta de sono parecia evidenciar isso, porque se sentia prestes a explodir na cara de Sasuke com emoções que não conseguia entender sozinho. Ele só queria gritar com o idiota, mas não sabia nem o que queria dizer.
Sasuke, como nos outros dias, contornou a cama e foi se sentar na cadeira estofada cor de creme, e Naruto teve o cuidado de não encarar os olhos que sabia estarem o observando atentamente.
“Como você está?”, perguntou Sasuke em sua voz grossa e baixa, encarando os cortes e hematomas expostos.
Aquele tom poderia soar seco para algumas pessoas, mas Naruto sabia que, na verdade, tinha sido muito suave. Fechando os olhos momentaneamente, lutou com o que quer que estivesse preso em sua garganta e respirou fundo uma vez, tentando se estabilizar.
“Bem.”, respondeu sem tirar os olhos da parede branca à sua frente.
Aquele era o diálogo deles diariamente. E então Sasuke ficaria ali por meia hora sentado, olhando o nada ou observando Naruto, e depois se levantaria para ir embora, informando que voltaria no dia seguinte. Tudo se repetiria da próxima vez, e no hiato de tempo entre Sasuke ir embora e voltar, Naruto ficaria ansioso, com um embrulho constante no estômago e, novamente, esperando. Porque era isso que Sasuke provocava nele, a espera constante até ela não ser mais necessária, quando ele deixaria a vila para sempre.
“Você não parece bem.”, observou o imbecil, e Naruto lançou um meio-olhar irritado para sua direita.
“É óbvio que eu não tô bem, eu não durmo há duas semanas, não consigo comer direito, não posso me mexer e a única coisa que eu faço desde que entrei por aquela porta é ficar encarando o teto. Além disso, toda vez que eu faço qualquer esforço, parece que vou desmaiar, e faz duas semanas que eu tô sendo limpo com panos úmidos. Eu não consigo nem me limpar sozinho, que merda você esperava?”, lançou acidamente, buscando ar por ter se exaltado. Nem falar conseguia mais, tamanho o desgaste de seu corpo. Naruto esperava silêncio ou algum grunhido em resposta, mas para sua surpresa, ouviu algo que não ouvia há anos — a risada baixa e soprada de Sasuke, que fez seu peito vibrar erraticamente e suas bochechas ganharem cor. Aquilo sim o irritou, então ele finalmente virou o rosto e encarou o bastardo. “Vai se ferrar, Sasuke.”
“Acho que eu nunca te vi tão mal humorado.”, ele ainda tinha um meio sorriso e Naruto se pegou totalmente hipnotizado pelos lábios finos do homem. Mesmo assim, os olhos ainda brilhavam com um humor ácido e desnecessário.
Naruto pigarreou para voltar a si e olhou para frente mais uma vez, irritado com o idiota e consigo mesmo. Suas pernas estavam dormentes de ficar na mesma posição e sua garganta arranhava. “Faz alguma merda de útil e me dá água.”, resmungou, tentando desviar a própria atenção para outra coisa.
Sasuke se levantou e foi até o móvel da esquerda, pegando a jarra de água e enchendo um copo com canudo que deixaram ali, depois indo até Naruto ainda com o resquício de um sorriso sarcástico. Ele bebeu toda a água e Sasuke colocou o copo na mesa de cabeceira branca ao seu lado.
“Você comeu?”, perguntou o outro em um tom casual quando voltou para a cadeira.
Ele parecia de bom humor hoje, uma coisa rara, e esse simples fato tornava a presença de Sasuke ainda mais magnética. Era como se aquele humor misterioso e desconhecido estivesse aos poucos se aprofundando nas fendas da existência de Naruto, intoxicando-o e o puxando para longe de si mesmo só para confundí-lo. Ele assentiu duramente diante da pergunta de Sasuke, sem conseguir encará-lo ou verbalizar qualquer coisa.
Então a porta se abriu e Neji colocou a cabeça para dentro antes de entrar e fechar a porta novamente. Naruto suspirou aliviado pela interferência e abriu um sorriso, porque precisava dissipar a névoa estranha em sua mente e fazia alguns dias que não via o amigo. Da última vez que ele veio, trouxe um livro que Naruto tinha começado antes de tudo aquilo e leu para ele, o que o distraiu um pouco da dor e do tédio.
“Sasuke.”, saudou o homem brevemente antes de sorrir para Naruto e mudar de tom. “Ei, estava em casa sem nada para fazer e decidir vir ler para você.”
“Sério? Que ótimo, tô tão entediado aqui que mais um pouco vou roer meu próprio braço.”, ele fez uma careta. Naruto viu Sasuke se levantando em sua visão periférica e se concentrou em não olhar para o lado, mas o homem parecia mais carrancudo que antes.
“Sim. Na verdade trouxe um novo também, se você quiser.”, respondeu Neji, tirando dois livros da capa, um preto e um vermelho.
Sasuke andou em direção à porta e quando estava de costas para os dois, Naruto arriscou dar uma olhada. O homem caminhou a passos largos até a saída, hesitou por um momento e saiu sem dizer nada, sem se despedir, sem dizer que voltaria. Naruto engoliu seco e tentou ignorar sua traqueia se fechando momentaneamente, mudando o foco para Neji.
Neji fechou o livro e encarou Naruto, que bocejou e piscou devagar; sua cabeça doía. Passava das oito e meia da noite, e Sakura tinha aberto uma exceção no horário de visitas para o amigo, porque sabia que Naruto precisava se distrair.
“Bem, vou te deixar dormir.”, avisou Neji, se levantando elegantemente.
“Eu não consigo dormir, pode ficar, se quiser. Pelo menos eu tenho companhia.”, respondeu com um leve sorriso que Neji devolveu antes de se sentar novamente, descansando as mãos no colo.
Naruto sempre ficava surpreso com a postura do amigo, porque mesmo em situações casuais ele conseguia agir como um lorde. Hoje ele vestia roupas largas que eram do exato tom de seus olhos, um lilás quase branco, e os cabelos estavam soltos.
Além disso, era uma das primeiras vezes que ele o via sem o hitai-ate, e a marca verde de seu clã brilhava em sua testa, lhe dando um ar ainda mais celestial. Parecia um anjo.
Naruto não se envergonhava nem um pouco de admitir para si mesmo quando via um homem bonito, e Neji era um deles, só perdendo para... Sasuke, que tinha um tipo de beleza totalmente diferente. Lembrar do idiota o fez ralhar consigo mesmo, porque não queria pensar nele.
Como se lesse seus pensamentos, Neji se endireitou ainda mais e lhe deu um sorrisinho enigmático. Naruto o conhecia bem o suficiente para saber que as próximas coisas que ele diria seriam provocativas de alguma forma.
“E então, como está indo sua convivência com o Lorde Corvo?”, indagou. Naruto ergueu as sobrancelhas e Neji alargou o sorriso. “Sasuke.”, explicou.
Ele riu um pouco do apelido do outro antes de responder. “Para ser sincero, não tem muita convivência, mal conversamos. Ele só tá aqui pra monitorar Kurama.”, Naruto disse, e a expressão de Neji era levemente irônica.
“Entendo. E como está sendo ter ele por perto? Sakura disse que ele te visita todo dia, e parecia bem irritada sobre isso.”, contou, colocando uma mecha de cabelo castanho-escuro atrás da orelha e se inclinando para frente enquanto apoiava o rosto angelical no punho.
Na verdade, ter Sasuke ali estava sendo preocupante exatamente por causa de Sakura — quando o viu ali, ficou com medo da mulher mudar de ideia sobre o relacionamento deles ou ficar balançada novamente, mas pelo visto isso não tinha acontecido. Pelo que Naruto pôde notar, ela estava sendo bem seca e distante com Sasuke, o que era, de certa forma, reconfortante, ainda que um pouco intrigante.
Ele entendia, sabia que ela não queria vê-lo mal novamente e, por isso, não aprovava a presença dele. Por mais que não admitisse para si mesmo, aquela atitude incomodava Naruto porque, no fundo, tinha medo de Sasuke parar de visitá-lo por causa disso.
Observou o amigo, que ainda tinha um sorriso de canto, mas seus olhos translúcidos entregaram que estava mesmo preocupado. Neji era a única pessoa que sabia realmente como Naruto se sentia sobre essa história com Sasuke, o único com quem ele realmente não se importava de conversar sobre isso e de se abrir verdadeiramente, porque sabia que não seria julgado. Sakura nunca conseguiria ficar tranquila sabendo da verdade como Neji sabia.
Naruto suspirou. “Bom, eu estou... levando, eu acho. Tento não me deixar levar tanto e ficar o mais distante possível. De alguma forma eu sei que quando ele for embora, dessa vez não vai voltar, e eu não vou mudar de ideia sobre a minha decisão. Eu estava vivendo minha vida e tinha deixado isso de lado, e é o que eu pretendo fazer quando tudo acabar.”, contou em um murmúrio fraco.
O sorriso do outro tinha desaparecido e ele parecia pensativo enquanto fitava Naruto como se lesse sua alma. “Entendo. E como você acha que ele está sobre isso?”
Naruto piscou, confuso e perdido em pensamentos. Nunca tinha parado para analisar os possíveis sentimentos de Sasuke.
“Normal, eu acho. Sei que ele se importa de certa forma, mas nunca foi do mesmo jeito que eu, hoje sei que estava bem longe disso. Acho que ele prefere assim também, porque senão teria dito alguma coisa.”, ele umedeceu os lábios e engoliu seco, sentindo um aperto no coração ao se dar conta desse fato. “Pra ser sincero eu meio que sinto que... sei lá, que a coisa toda sempre foi meio unilateral. É como se nada tivesse mudado pra ele, como se a gente nunca tivesse sido tão próximo desde o início ou algo assim. Não sei o que pensar, às vezes ele parece se importar, mas às vezes... Às vezes é como se ele só se sentisse no dever porque eu o ajudei e não desisti dele, sabe?”, murmurou Naruto, e sentiu uma lágrima intrusa escorrer por sua têmpora.
Neji agora estava realmente sério e parecia conseguir captar tudo que ele sentia, como sempre tinha sido desde que os dois conversaram no pé da árvore do campo de treinamento. O amigo se levantou e enxugou a água dos olhos dele em silêncio em um ato de companheirismo, e ele se sentiu totalmente amparado naquele momento.
Neji era realmente um dos seus melhores amigos, e uma das poucas pessoas para quem ele não tinha vergonha de chorar, ainda mais sobre Sasuke. Jamais teria dito isso tudo para Sakura ou chorado diante dela por causa do idiota, porque sabia que ela não iria entender — ia ficar preocupada com ele e irritada com Sasuke, e diria que Naruto precisava ser forte. Bem, ele estava cansado de ter que ser forte, e às vezes só queria ser aceito em um momento de fraqueza, como Neji fazia agora enquanto afastava suas lágrimas com um olhar de solenidade.
Naruto olhou para a janela, e as estrelas piscavam fracamente lá fora junto a luzes que bruxuleavam vindo da rua. Ele juntou as sobrancelhas, estranhando — não se lembrava das luzes da cidade serem desse jeito, tão... coloridas.
“O que está acontecendo?”, perguntou, e Neji olhou para trás, parando um segundo para entender o que ele queria dizer. O amigo se aproximou da janela, de costas para Naruto.
“São fogos, deve ter algum festival na cidade.”, disse enquanto fechava as cortinas; depois virou para Naruto. “Eu tenho que ir agora, venho te visitar no fim de semana, e aí lemos mais. Boa noite, Naruto.”, Neji se despediu, atravessando o quarto.
“Tá bom. Obrigada pela leitura e pela visita.”, agradeceu ele sorridente, e o outro saiu.
Naruto olhou para o lado e notou que o amigo tinha esquecido os dois livros ali na mesa de cabeceira. O barulho dos fogos lá fora foi ficando mais intenso, e a algazarra de vozes também. Como era dezembro e faltavam algumas semanas para o natal, provavelmente Kakashi tinha decidido fazer um festival para animar os ânimos da vila.
Naruto adorava festivais e adorava o Natal, então estar preso àquela cama o irritou ainda mais, porque queria estar lá fora. Afinal, era uma sexta-feira, e se não fosse por isso, muito provavelmente estaria festejando com Sakura. Talvez depois ela fosse dormir na casa dele e então os dois dariam o último passo no relacionamento deles...
As pessoas gritando e os fogos foram ficando mais altos. Talvez fosse um desfile, afinal. Naruto engoliu seco e apurou os ouvidos, ficando tenso — agora que ele percebia, não havia música nenhuma. Os músculos de seu corpo ficaram duros, sua respiração acelerou e ele apertou o botão ao lado da cama para chamar a enfermeira.
Houve um barulho muito alto lá fora, um grito de dor e um som que fez seus músculos congelarem — alguém gritou seu nome, alto e claro, completamente desesperado em uma voz masculina que ele conhecia muito bem. No momento seguinte um homem deslizou por sua janela sem dificuldade. Ele usava robes negros e seu rosto estava escondido sob um capuz, mas ele era enorme e emanava um chakra poderoso.
O corpo de Naruto se moveu para frente por reflexo, a dor queimando, mas no momento seguinte Sasuke estava ali também, suado e enérgico. Seu braço esquerdo antes inexistente agora era roxo e fantasmagórico, e Naruto percebeu que aquele era o Susanoo de Sasuke. O cabelo já não cobria mais o Rinnegan, que parecia ainda mais violeta na penumbra da sala.
Ele se jogou contra o intruso e ativou seu Chidori, mas o raio pareceu atravessar o homem como se ele fosse apenas uma miragem. Naruto tentou se sentar, mas soltou uma exclamação de dor e sentiu seu corpo perder a força, exausto e machucado. O amigo olhou para ele por reflexo, e no segundo seguinte, o sangue escorreu pela roupa preta de Sasuke e pingou no chão quando o intruso fincou uma espécie de faca luminosa na altura do rim, e a lâmina atravessou o corpo de Sasuke até emergir do outro lado, em seu abdômen.
Tudo aconteceu bem rápido. Naruto gritou o nome dele e pulou da cama em desespero, caindo no chão dolorosamente, e Sasuke ergueu a mão verdadeira em sua direção, como se tentasse alcançá-lo. Seu rosto se contorcia em fúria apesar do ferimento que tinha sofrido. Naruto então teve a impressão de estar sendo puxado rapidamente para baixo, sua cabeça rodou e sua visão escureceu, os sons sumiram e ele desmaiou.
Um pequeno fragmento de sua consciência voltou quando sentiu seu corpo sendo virado de barriga para cima no chão com dificuldade. Confuso e sentindo que iria desmaiar novamente a qualquer momento, gritou por Kurama em sua mente mesmo sabendo que não teria resposta. O único som que ouvia era seu coração batendo descompassado em seus ouvidos e sua respiração quase inexistente. Tudo estava muito escuro.
Mas Naruto precisava fazer alguma coisa, precisava acordar e ajudar Sasuke, ele tinha sido ferido por sua causa e se não recebesse atendimento médico rápido, com certeza não ficaria bem. Não havia possibilidade alguma de um rim ou o intestino não terem sido atingidos.
Sua mente protestou contra seu corpo praticamente inerte e ele perdeu o ar enquanto tentava se mover, sentindo lágrimas se formarem em seus olhos. Konoha estava sendo atacada e ele não podia fazer nada, Sasuke se machucou para protegê-lo e provavelmente seus amigos estavam lutando, Sakura... Ele tentou respirar sentindo o estômago se revirar e os olhos queimarem, a frustração e o cansaço mental o atingindo totalmente na escuridão, porque ele deveria estar ajudando as pessoas. Já era para estar curado e bem, lutando por seu povo, por sua vila. Sua consciência era confusa, porque estava fraco e exausto, não tinha nenhuma condição de fazer qualquer esforço...
Houve um estrépito atrás dele, mas Naruto não tinha forças para se mover e lutava para manter sua consciência. Precisava pedir ajuda, enviar alguém até Sasuke. Naruto não sabia mais onde estava, não sabia o que tinha acontecido e não fazia ideia de quem tinha o movido ou feito barulhos ali por perto.
Sua mente foi ficando mais obscura e perdida conforme seu cérebro tentava sucumbir de volta à escuridão, e ele lutava contra. Tinha que ajudar Sasuke. Sasuke ia morrer. Sasuke...
O som e o vibrar de passos pesados se aproximavam em suas costas, e ele ouviu um grunhido e um respirar difícil quando alguém se abaixou em suas costas. Mãos suaves o alcançaram e ele foi levantado do chão com dificuldade, seus olhos se recusando a abrir enquanto ouvia o chiar da respiração de quem o levava e o som de um coração, forte e rápido em seu ouvido.
Naruto murmurou qualquer coisa que conseguiu, mas não pareceu ser ouvido. A cada passo que davam com ele, seus cortes e músculos protestavam; tentou se mexer, mas seu corpo não respondia. Precisava ficar acordado, precisava avisar sobre Sasuke ou lutar contra a pessoa que o carregava.
Novamente tentou falar, mesmo não sabendo o que sua boca dizia porque mal conseguia raciocinar, mas o desespero ainda estava ali. Ele sabia que era um homem que o levava pela massa de seu corpo e braços. Ele tinha que avisar sobre Sasuke. Tentou novamente, e só recebeu um “Shh” em resposta, o que o desesperou mais ainda. Sasuke podia estar morto agora e quem o carregava talvez fosse o inimigo...
Sentiu vagamente o vento em seu rosto e o aperto ao redor de seu corpo se intensificar, o que causou algumas fisgadas de dor, mas seu estado o impediu de dar qualquer sinal a respeito disso. A cada solavanco com os pulos que davam com ele, seus ossos e músculos protestavam e a dor o empurrava mais para a inconsciência contra a qual lutava desesperadamente.
Havia agora apenas o som vago do vento batendo em seus ouvidos e o barulho da algazarra ao longe, distanciando-se cada vez mais até desaparecer. Houve uma pausa quando seu corpo foi ajeitado de maneira incômoda e algo deslizou antes de começarem a caminhar agora. Então eles pararam de andar e Naruto sentiu seu corpo ser colocado sobre algo macio. Deus, que a vila ficasse bem, seus amigos, Sakura e Sasuke...
O homem arrumou seus braços e pernas devagar e Naruto sentiu o corpo dele perto do seu, enquanto algo macio e mais alto era colocado atrás de seu tronco e seus cabelos eram afastados do rosto. Naquele momento o suor e sujeira chegaram até o nariz de Naruto, mas no fundo de tudo isso ele podia sentir o cheiro de grama e orvalho, o cheiro das folhas verdes borrifadas com água fresca, e ele apertou sua única mão em torno do braço que arrumava seus travesseiros como se sua vida dependesse disso, finalmente caindo na inconsciência.
Tudo ainda estava quieto e escuro quando Naruto acordou novamente. Seu corpo doía bastante, mas ele estava deitado em uma cama muito macia e confortável. Grunhindo, tentou se levantar, mas ouviu um farfalhar à sua direita e sentiu uma mão fria em sua testa.
“Q-quem...?”, tentou perguntar, mas sua voz rouca falhou.
“Sou eu. Volte a dormir.”, disse o homem afastando a mão, e Naruto arregalou os olhos, sentindo o coração se acelerar.
“Sasuke? Sasuke? É você? Você tá bem?”, ele se mexeu mais uma vez, e o outro colocou suavemente a mão em seu peito para impedi-lo, o que cumpriu seu propósito.
“Sim, estou bem. Volte a-”
“Eu não vou voltar a dormir, porra! O que aconteceu? O que tá acontecendo? Cadê a Sakura? A vila...”, ele indagou, e ouviu Sasuke suspirar pesadamente.
“Sakura está bem, está no hospital ajudando a cuidar das pessoas. Não houve mortes, só vários moradores feridos, alguns mais graves, mas vão ficar bem.”, relatou a contragosto, mas Naruto não se deu por satisfeito.
“O que foi aquilo? E o que aconteceu com você? Eu vi você ser esfaqueado e depois...”
“Um grupo grande de Nukenins atacou a vila e queriam te pegar, a notícia sobre você não estar bem deve ter se espalhado de algum jeito, apesar de Kakashi ter tentado ao máximo encobrir.”, Sasuke cedeu. Os olhos de Naruto se acostumaram com a falta de luz e agora ele podia ver o contorno fraco do amigo sentado em uma poltrona ao lado da cama.
“E você?”
“Já disse que tô bem, você não vai parar de fazer perguntas?”, irritou-se, mas continuou falando. “O cara me acertou, você desmaiou e eu lutei com ele. Nesse ponto os outros já tinham sido capturados ou fugido, então peguei você, te trouxe para cá e coloquei na cama, você estava queimando de febre. Sakura e Tsunade apareceram um tempo depois para checar você e me curaram, fim. Está tudo bem, acabou.”, Sasuke contou.
Naruto assimilou tudo que ouviu e se virou para ele no escuro. “Onde estamos?”, perguntou então, agora mais calmo.
Sasuke demorou mais do que o normal para responder. “Na casa dos meus pais. Agora pelo amor de Deus, vai dormir, ou eu vou precisar matar sua namorada amanhã se ela vir que você não descansou e tentar colocar a culpa em mim.”, avisou Sasuke com irritação, e Naruto agradeceu por estar no escuro, pois corou violentamente sem saber por quê. Sasuke soprou uma risada sarcástica pelo nariz.
“O que foi?”, indagou Naruto em um tom seco, voltando a tratar o outro como nos outros dias agora que sabia que ele estava bem e viveria.
“Quando você finalmente consegue o que quer, fica vermelho ao ouvir que ela é sua namorada?”, Sasuke disse com a sombra de um sorriso irônico na voz.
Naruto juntou as sobrancelhas e se perguntou como o outro tinha visto isso no escuro, entendendo um momento depois. Maldito Sharingan.
“Eu vou dormir.”, avisou então, fechando a cara e ignorando o que o outro tinha dito. Sasuke não respondeu e ele adormeceu alguns minutos depois, exausto por passar quase três semanas sem pregar os olhos.
“... ir embora, é a melhor coisa que você faz, se quer saber. Ele não vai ficar aqui.”, era a voz de uma mulher ao longe, e ela parecia irritada.
“Se você continuar se metendo na minha vida-”, disse acidamente o homem, a voz dos dois abafadas pela porta fechada, mas eles pareciam levemente exaltados.
“Eu não estou me metendo na sua vida, estou cuidando do Naruto, e a melhor coisa para ele é ficar longe de você, ele não precisa...”
“Eu pedi para ele ficar, a raposa tem que ser monitorada, é assim que saberemos se ele está piorando, se mantendo estável ou melhorando, Sasuke disse que ela vinha emagrecendo ainda mais e por isso vamos deixar ele aqui, Sakura. O corpo dele está sob muito estresse.”, intrometeu-se uma terceira pessoa, uma mulher, e este tinha a voz mais forte e grossa.
Naruto agora estava totalmente acordado e tinha entendido o teor da conversa, mas não gostou nada da parte em que Sakura mandava Sasuke embora — não porque queria ele ali, claro, mas porque precisava saber como Kurama estava.
“Tsunade-sama, você não pode estar seriamente pensando em deixar Sasuke perto de Naruto depois de ver como ele ficou! Sasuke tem que ir embora, eu não-”, ele continuou ouvindo, e aquilo foi fazendo o coração de Naruto bater mais rápido.
“Sakura.”, disse outro homem, e essa voz era mais rouca e suave. “Sasuke é o único que pode protegê-lo. Se não fosse por ele, Naruto estaria morto, e você sabe disso.”
“Naruto não vai concordar com isso!”, argumentou Sakura.
“Isso é uma ordem minha, não é uma escolha. Naruto vai ficar aqui, Sasuke vai cuidar dele. Não vamos dizer a ninguém que ele ainda está em Konoha e vamos espalhar um boato de que foi transferido para outra vila por causa do ataque. Aqui ele vai ficar mais confortável e protegido, eu e Tsunade decidimos assim e vocês três vão seguir minhas ordens.”, avisou o segundo homem perigosamente, e ele chutou que aquele era Kakashi. O silêncio reinou por alguns instantes e Naruto assimilou o que tinha ouvido até então, meio em choque.
“Olhe bem quem vocês estão colocando para cuidar dele. Vocês entendem que se vão escondê-lo, não vamos poder enviar pessoas do hospital até aqui? Sasuke agora tem habilidades de enfermagem? Ele nem gosta de cuidar de pessoas, pelo amor de Deus! Está aqui por obrigação, não porque se importa, você não me engana!”, Sakura exclamou de repente. “E eu juro que se acontecer-”
“Não me ameace, Sakura.”, veio o tom gélido e cortante de Sasuke, e Naruto ficou tenso. “E essa é a última vez que você aponta o dedo na minha cara, não se esqueça com quem está falando.” A voz dele agora era forte e intimidadora, e Naruto podia imaginar Sakura hesitando.
“Sakura, por favor, pare de dificultar as coisas, essa não é você.”, intrometeu-se Kakashi. “Já está tudo resolvido. Tsunade vai voltar amanhã para ensinar o resto dos procedimentos necessários para ele. Sasuke, não se esqueça de dar para ele a comida que Tsunade trouxe. Aliás, eu vi pelo relatório dos Anbus que você está sem geladeira, então providenciei uma para você, Shizune vai trazer amanhã quando vier com as compras.”
“Como é-”, começou Sasuke, completamente indignado.
“Eles têm a obrigação de relatar absolutamente tudo que você faz, é essa a função deles, sinto muito. De qualquer forma, alguns medicamentos precisam de refrigeração, segundo Tsunade.”, respondeu Kakashi. Naruto não sabia que Sasuke estava sendo vigiado, mas também não ficou surpreso com a informação.
“Muito bem, vamos embora. Sakura, vamos, precisamos alinhar mais algumas coisas.”, falou Tsunade, e o som de passos ecoou pela casa, depois o barulho de uma porta sendo deslizada e fechada.
Naruto engoliu seco — o pior pesadelo dele estava acontecendo. Ele não podia ficar morando ali com Sasuke, Sakura estava certa. Ele tinha que manter distância dele, e ela tinha razão em outra coisa: ele estava fazendo tudo aquilo por pura obrigação, o outro não era do tipo que cuidava de pessoas de bom grado, Naruto sabia disso bem.
A simples ideia de Sasuke cozinhando para ele, dando remédios... Deus, tem que ter outra alternativa. A porta se abriu e Sasuke entrou silenciosamente no quarto escuro, o que fez Naruto estreitar os olhos para luz que veio do corredor.
“Desde quando está acordado?”, indagou ele, e Naruto desviou o olhar da silhueta de cabelos espetados.
“Já sei que você vai ser minha babá, se é o que quer saber.”, Naruto respondeu amargamente. “Que horas são?”
“Quatro da tarde. Você está dormindo há dois dias.”, informou Sasuke, acendendo a luz do abajur. “Vai voltar a dormir?”
Agora que a luz estava acesa, ele olhou em volta e percebeu que estava em uma grande cama de casal, e havia uma cômoda à sua frente, uma poltrona e um espelho. O abajur aceso ficava do outro lado da cama, mas havia um à sua direita sobre a mesa de cabeceira idêntica. Ele estava deitado sobre várias almofadas fofas, e sinceramente nunca esteve tão confortável na vida.
“Não.”, respondeu simplesmente, sem olhar para o outro.
“Vou arrumar seus remédios, você deve estar com dor.”, avisou Sasuke, saindo do quarto e deixando a porta aberta.
De fato estava, provavelmente porque ficou quase dois dias sem tomar nada. Seus ferimentos ardiam bastante e seu braço e pernas latejavam. Ele mataria para tomar um banho, pois fazia três semanas que era limpo apenas com toalhas úmidas.
Pensando nisso, Naruto arregalou os olhos — será que Sasuke era quem iria limpá-lo a partir de agora? Oh, Deus, não! Ele sinceramente preferia a morte mil vezes. Naruto ouviu os passos leves do outro no corredor e logo ele entrou, segurando uma jarra de água e um copo com canudo. Naruto piscou duas vezes, encarando a cena. Alguma coisa estava errada ali...
“Porque você tem dois braços?”, perguntou chocado quando o outro colocou as coisas em cima da mesa de apoio.
“Tsunade me fez pegar minha prótese enquanto você estiver aqui.”, resmungou, servindo a água e pegando um frasco de remédios na primeira gaveta.
Naruto abriu a boca para receber o comprimido e bebeu a água que lhe foi oferecida sem olhar para Sasuke, que colocou o copo em cima da mesa quando acabou.
Ele foi até a porta à esquerda e entrou lá, deixando-a aberta, e era um banheiro azulejado em tons de creme. Ele lavou as mãos antes de dar a volta na cama novamente e abrir a gaveta de novo, tirando uma pomada de lá e encarando Naruto sem expressão alguma.
“Eu prefiro a minha morte.”, avisou Naruto sem fitá-lo, enquanto sentia os músculos ficarem tensos.
O homem suspirou, irritado. “Claro, porque o meu sonho com certeza é passar pomada em você. Nenhum de nós dois estamos fazendo coisas que gostaríamos, Naruto, então será que você pode ser apenas um pouco menos irritante e cooperar? Eu também não queria nada disso.”, grunhiu Sasuke.
Por mais que Naruto soubesse que o outro estava fazendo tudo aquilo obrigado, ouvir a confirmação disso era doloroso, porque se fosse ao contrário... Se fosse ao contrário, ele faria tudo aquilo de bom grado, mesmo com raiva. Naruto suspirou internamente, abraçando o grande pesar que sentia e finalmente admitindo para si mesmo que Sasuke sempre seria seu melhor amigo em sua cabeça, e isso doía.
Ele se deu por vencido, engolindo a bola de dor que se alojou em sua traqueia, e ela caiu pesada em seu estômago como um bloco de gelo. Naruto fechou os olhos, como se dissesse ao outro para fazer o que quisesse, e o homem respirou fundo antes de começar.
Sasuke iniciou aplicando pequenas gotas da pomada em seus braços e pernas, e elas começaram a esquentar e arder como sempre, o que o fez grunhir. O toque dele era surpreendentemente leve e havia uma diferença mínima de temperatura entre suas peles.
Naruto manteve os olhos fechados, como se estivesse fingindo de morto para não lidar com aquela situação estranha e invasiva para os dois — tinha quase certeza que essa era a primeira vez que Sasuke tocava em alguém por tanto tempo. E também notou que era a primeira vez que suas peles se encostavam por tanto tempo sem haver por trás disso uma briga ou provocação.
Tentou não dar lado para a sensação estranha que nasceu dentro de si e nem reconhecer o quanto aquele contato estava o afetando; o quanto seu corpo buscou assimilar a pele de Sasuke contra a sua, a surpreendente delicadeza das mãos longas em seus machucados e a sensação do choque que o atingia a cada movimento que recebia.
A atividade demorou mais do quando estava no hospital, mas também era bem menos dolorosa, porque Sasuke provavelmente estava incerto sobre aquilo tanto quanto ele. Depois de terminar os braços e pernas, ele cuidadosamente levantou a bata de Naruto — que ainda de olhos fechados ruborizou muito — e também cuidou dos machucados na frente de seu tronco.
“Vou te virar de costas.”, informou Sasuke baixinho antes de afastar o travesseiro e as almofadas das costas de Naruto e abaixar a parte da frente da bata de hospital.
As mãos finas e frias pousaram em seu braço e em seu quadril, rolando-o devagar pela cama. O peso momentâneo em cima de seu braço o fez respirar fundo, mas ele logo estava de costas.
Sasuke levantou sua roupa mais uma vez para fazer o mesmo trabalho e, depois de alguns minutos, voltou Naruto para o lugar em cima das almofadas fofas e altas. Ele sentiu o peso da cama sumir e ouviu os passos do outro indo até o banheiro da suíte mais uma vez, lavando as mãos antes de sair do quarto sem falar nada.
Apurou os ouvidos e ouviu os passos do outro indo cada vez mais longe, o que foi um alívio. Naruto nunca foi do tipo que tinha problema com pessoas o tocando — na verdade, ele era bem tranquilo sobre isso, mas não naquele caso.
Naquele caso ele só queria sumir e ignorar o quando se sentia sobrecarregado agora. O monstrinho em seu peito nunca tinha ido embora, afinal, e ele afiava as unhas impiedosamente em suas entranhas agora, como se Naruto não tivesse feito progresso nenhum superando a amizade que ele queria.
Aquilo o deixava com raiva, porque parecia que tudo tinha sido em vão — ele tinha entrado na Anbu, feito amizade com Neji, começado a namorar com Sakura... E nada daquilo chegava perto de sanar a dor que ele sentia. Naruto via isso agora, tendo Sasuke por perto, porque ao mesmo tempo em que era uma aflição sem tamanho, novamente era um alívio. Era o que ele queria, seu melhor amigo estava ali, e por mais que estivesse cuidando dele por obrigação, sabia que se importava um pouco — caso contrário, Sasuke não teria aceitado nada daquilo e já teria ido embora.
Talvez devesse aceitar isso de bom grado, porque era a última chance de passar um tempo com Sasuke antes... dele ir embora de vez, porque não se importava com nada — nem com Konoha, nem com Naruto, nem com ninguém. A ira o encheu novamente, e isso trouxe um gosto amargo em sua língua.
Não podia se deixar levar, não é possível que conseguia ser tão idiota assim. Naruto sinceramente não entendia o que era essa obsessão sobre Sasuke, porque o bastardo lhe deu mais motivos para pular fora do que qualquer outra coisa, e ainda assim ele insistiu no outro, porque se fosse ao contrário, gostaria que fizessem isso também. Mas a verdade dolorosa é que Sasuke nunca teria feito tudo aquilo por ele, e essa constatação fez o ar em seus pulmões pesarem.
Tinha que continuar lutando para seguir em frente e não podia deixar Sasuke chegar até ele dessa forma. Aquela era só mais uma provação que o bastardo o faria passar, e Naruto aguentava, porque passou por muitas outras durante anos.
Ouviu os passos leves do homem em sua direção de novo e abriu os olhos. Sasuke carregava uma bandeja de madeira com apoio, e o cheiro que encheu o quarto fez sua barriga roncar baixinho. O outro ajustou as pernas da bandeja ao redor de seus quadris até ela estar bem próxima de Naruto e colocou um pano em seu peito.
Ele manteve os olhos no prato, que continha bolinhos de arroz, legumes e peixe no vapor. Sasuke pegou os hashis e lhe deu comida pacientemente, ambos em silêncio; depois lhe deu água e o limpou com cuidado, levando as coisas de volta, exceto a bandeja. Alguns minutos depois, voltou com uma bacia pequena de água, uma escova de dentes e creme dental. Sasuke escovou seus dentes devagar, lhe deu água mais uma vez para bochechar e secou sua boca, tirando agora a bandeja da frente dele e levando o resto das coisas para o banheiro. Então o outro atravessou o quarto e hesitou diante da porta, de costas.
“Quer que eu apague a luz do abajur e abra a janela?”, indagou sem se virar.
“Não.”, respondeu Naruto em uma voz abafada, encarando as costas dele e o cabelo preto arrepiado.
“Se precisar de alguma coisa estou no quarto ao lado, consigo te ouvir se me chamar.”, Sasuke avisou, antes de sair e fechar a porta atrás de si.
Sabendo que ficaria sozinho, ele juntou os lábios e respirou fundo, tentando assimilar toda a situação. Há dois anos, Sasuke tinha ido embora de Konoha mais uma vez, o que deixou Naruto completamente arrasado.
Depois de seis meses fora, ele começou a visitá-lo esporadicamente, e a falta de Sasuke continuou o afetando até não conseguir pensar em mais nada. Então houve uma briga e ele mandou o idiota não voltar.
Naruto entrou para Anbu e finalmente estava conseguindo deixar isso para trás, pois sabia que não o veria mais e que aquele ciclo podia ser encerrado. Ele se sentiu melhor, não pensava mais em Sasuke e tudo ia bem, até o dia que uma louca o capturou para descobrir onde o idiota estava.
Ela o torturou por mais ou menos duas semanas, e quando foi levado de volta para a vila, Sasuke apareceu para descobrir porque Kurama não respondia. Naruto ficou no hospital por três semanas sem dormir e na primeira, Sasuke nem saiu de seu quarto, mas depois foi morar no Complexo Uchiha e começou a visitá-lo todo dia, religiosamente.
Então a vila sofreu um ataque e o bastardo o salvou, além de levar uma facada por sua culpa — o que não era tão ruim assim, já que o próprio Naruto tinha sido torturado por causa dele. Então Tsunade e Kakashi decidem que era uma excelente ideia colocar o idiota para cuidar dele.
Aquilo era um pesadelo, e ele se viu preso em um redemoinho de dores antigas com as quais conviveu durante anos e achava que tinha as superado. Ele se tornou Anbu para se sentir livre, para poder fazer várias missões longe de Konoha porque não queria se prender mais ao passado e agora estava ali, morando com Sasuke. O pior era saber que aquela era a última chance que tinha de conviver com ele, mas nada disso importava, porque o outro iria embora para sempre quando tudo terminasse.
E se Naruto se deixasse levar, teria que superar de novo a amizade que provavelmente nunca foi real, e ele não tinha certeza se conseguia fazer isso mais uma vez — não que tivesse superado de maneira satisfatória da primeira vez, agora que analisava a situação.
Estava realmente confuso, porque mesmo com todo o pesar, ele se sentia... feliz. Sasuke estava ali ao seu lado como Naruto queria, por mais que fosse a última vez. E nada disso significava coisa alguma para o bastardo, e aquilo era o que mais o chateava — o próprio Sasuke tinha dito isso há algumas horas, estava fazendo tudo por obrigação, nenhum dos dois queria aquilo.
Exceto que, no fundo, Naruto queria. Aquela era a amostra da amizade que ele poderia ter, só para depois ser arrancada dele mais uma vez. O fato é que estava cansado de ser sempre quem o obriga a ficar. Ele obrigou Sasuke a voltar, obrigou Sasuke a quebrar a Maldição do Ódio, e obrigou Sasuke a aceitar sua amizade, sendo que nenhum laço no mundo pode ser feito através da obrigação.
E por isso nunca deu certo — ele aceitou a parte de Naruto, mas nunca teve a intenção de colocar uma parte de si na amizade deles, por isso... Por isso Naruto estava ali sozinho, mendigando sua atenção por anos. Não duvidava que o outro se sentisse grato, mas realmente nunca deu indícios de que Naruto devesse ter expectativas sobre ele. E aquilo gritava em seu peito, porque ele tinha criado expectativas enormes, criado sua utopia com a presença de Sasuke em sua vida, e tudo isso tinha sido construído sozinho.
Naruto tentou suprimir a umidade que se formou em sua pálpebra inferior, mas as lágrimas escorreram por suas bochechas em linhas contínuas de dor. Ele seria obrigado a ser forte, porque era isso ou se afundar novamente.
Chapter Text
Morar com Naruto estava se tornando cada vez mais difícil — ao invés do silêncio entre eles facilitar as coisas, na verdade estava irritando Sasuke. E não só isso, porque o idiota também lhe lançava olhares de esguelha de puro rancor, como se nada do que ele estivesse fazendo fosse o suficiente. Quatro dias tinham se passado desde a conversa com Kakashi, Tsunade e Sakura, e Naruto estava se tornando cada vez mais taciturno, o que combinava bem mais com Sasuke, não com ele.
Pelo menos a raposa estava melhorando — parecia menos fraca e menos magra, o que era um pequeno alívio, apesar de ainda não ter acordado. Naruto também estava menos fraco e o apetite dele estava melhor.
Mas Sasuke não compreendia porque o homem estava tão irritado. Não tinha como ser apenas porque ele ia embora, aquilo era... mesquinho demais. Ele perguntou mais cedo se Naruto precisava de alguma coisa e ele secamente disse que queria usar as próprias roupas ao invés da bata de hospital. Potencialmente problemático, mas nada que não pudessem contornar, então agora estava no apartamento do idiota.
Ele cruzou a soleira da porta e tudo estava como ele se lembrava — a casa pequena e simples, as coisas meio puídas, o de sempre. Estava até razoavelmente arrumado e não cheirava estranho, o que já era alguma coisa. Sasuke caminhou pelo corredor e lançou um olhar para dentro do cesto de roupa que Naruto tinha citado, pescando tudo que tinha ali e colocando em uma sacola — um short preto, uma camiseta branca sem mangas, uma cueca que ele não se atreveu a tocar demais e uma blusa verde musgo.
Então entrou no quarto e olhou ao redor. As paredes eram meio manchadas, mas a cama estava feita e parecia limpa, e o guarda-roupa ao lado dela estava entreaberto. Foi até lá e viu fileiras de camisas coloridas de botão, as quais não deu importância, mas embaixo delas tinham mais camisetas de algodão dobradas. Ele selecionou todas as que não tinham mangas, portanto seriam mais fáceis de vestir em Naruto, e estava fechando o guarda-roupa quando pensou ter visto seu nome em algum lugar.
Sasuke parou no meio do ato e abriu a porta novamente, checando. Dentro de uma caixa de sapatos muito velha tinha uma quantidade enorme de envelopes de cartas sem lacre, e todas elas tinham seu nome rabiscado na frente. Ele hesitou por um momento e franziu o cenho, confuso, mas então sua curiosidade falou mais alto — as cartas estavam endereçadas a ele e obviamente nunca foram enviadas, mas ainda assim eram para ele. Sasuke juntou os lábios por um segundo e pescou a que estava em cima da pilha sem tirar a caixa do lugar.
Tirou o grande papel dobrado de dentro do envelope e o abriu, vendo uma profusão de garranchos que ele conhecia bem dos relatórios antigos que entregavam quando faziam parte do time 7. A letra era caótica, como se Naruto tivesse escrito com pressa, e tinha algumas manchas, como se algumas gotas de água tivessem caído ali. Talvez o idiota tivesse com algum copo por perto — o que não seria novidade, porque ele sempre tinha sido descuidado.
Teme, dizia a enorme carta, hoje é seu aniversário, então parabéns, apesar de você nunca ter se lembrado do meu. Espero que sua viagem esteja valendo a pena e você esteja encontrando a merda da redenção que você buscava.
Eu vou muito bem, obrigado por perguntar. Sakura me chamou para sair hoje, mas decidi ficar em casa em comemoração ao seu dia. Poderia ser um dia que você está aqui com a gente, comemorando do seu jeito introspectivo e irritante, mas você decidiu ir embora e fingir que não deixou nada para trás.
Talvez eu devesse te mandar um presente de aniversário, mas com certeza você não daria a menor importância, não é? Acho que o melhor presente que eu te dei, foi te deixar em paz como você queria.
Eu nunca vou entender porque você nunca teve a capacidade de olhar para o lado e me ver como um amigo. Nunca vou entender o pouco caso que você tem comigo, com Sakura, com Kakashi e com a vila, que bem ou mal, foi sua casa.
Jiraiya uma vez me disse que “o lugar onde alguém ainda pensa em você é aquilo que se pode chamar de lar, e é o lugar para onde devemos voltar”. Bem, eu estou sendo a porra da sua casa há anos e ainda assim você decidiu ir embora. Eu sei que já disse isso um milhão de vezes nas outras cartas que escrevi e nunca vou te enviar, mas eu sempre tentei ser o suficiente. Eu poderia ter ajudado você em sua vingança, poderia ter te oferecido minha amizade se você quisesse, mas ainda assim você não teve a capacidade de olhar para o lado e entender.
Sei que você me acha um idiota e que seguiu com a sua vida, mas eu não consigo fazer isso, e eu tentei. Eu nunca vou poder explicar para as pessoas a merda que você fez eu ficar quando foi embora (da primeira vez e principalmente na última). Eu não preciso te dizer isso de novo, porque já falei nas outras cartas idiotas que eu te escrevo, mas hoje eu sei que provavelmente nunca vou seguir em frente.
E o mais engraçado é que eu nunca vou saber por que! Afinal, você é um teme de merda, mas para mim aquilo tudo que fez parte da nossa amizade significou muito, você sempre foi como um irmão para mim. E eu me sinto vazio.
Antes eu tinha um motivo para me manter em movimento, porque precisava te trazer de volta. Mas agora você já voltou e não precisa mais de mim, e eu fiquei aqui, parado no tempo esperando o dia em que você vai sentir falta de Konoha, mesmo sabendo que este dia nunca vai chegar.
Eu sei, você está bem sozinho, nunca pediu para um moleque irritante de cabelos loiros ficar atrás de você, mas infelizmente o destino colocou a gente junto, afinal, você é minha alma irmã, nossa jornada não é de hoje. Mas, assim como das outras vezes, vamos seguir separados por sua causa, por sua falta de interesse, porque você é um idiota.
Sim, eu sei o que essa carta parece, mas eu só queria meu melhor amigo de volta. Eu lutei para isso, lutei por você, fiz tudo que eu podia, e ainda assim não consigo fazer você me aceitar, nem em sua jornada maldita de ódio e nem em sua redenção.
Acontece que você nunca expiou seus pecados sobre mim, e sei que esse nunca foi seu interesse. Mesmo que meu perdão não te importe, eu não sei se conseguiria te perdoar algum dia. Eu tentei ficar feliz por você e estou, mas não consigo deixar de me sentir completamente só.
Nunca tive pais, nunca tive ninguém, você foi meu irmão e uma das primeiras pessoas que reconheceu meu valor. E na verdade, você era a única coisa que esteve ali realmente junto com Sakura e Kakashi. Eu nunca precisei dizer como eu me sentia e nem você, porque nossa dor era similar, éramos dois órfãos em busca de aprovação por aí.
Ainda assim, depois de tudo, você me deixou para trás. Eu sei que é ridículo o que estou escrevendo, mas esse é o único lugar onde eu posso dizer o que eu sinto de verdade, porque sei que ninguém nunca vai saber. E a verdade é que eu me sinto completamente abandonado e sozinho. Sakura é ótima, mas nunca vai entender.
Há dois anos, quando você foi embora, eu achei que ia enlouquecer. Foi só naquele dia que eu entendi que você não ia voltar, e isso me quebrou. Bom, eu tentei ficar bem, mas nunca consegui, e hoje é seu aniversário. Eu gostaria que você quisesse passar seu dia comigo, mas isso é completamente impensável.
De qualquer forma, eu entendi tudo errado sobre você, pelo visto. E pra poder conviver com essa dor, acho que criei uma versão irreal sua na minha mente para chamar de amigo. Hoje eu sei que você nunca vai ser a pessoa que eu pensei, e que o destino que sempre tentou nos manter juntos vai falhar até o fim, porque você nunca quis minha amizade, nem minha companhia.
Você nasceu para ficar sozinho por puro capricho seu, e por isso machuca pessoas pelo caminho, como fez comigo. Mesmo assim, espero que você esteja bem e que um dia encontre alguma amizade sincera que você queira por perto, é muito triste ficar sozinho, e eu sei disso por sua causa.
Sasuke demorou mais que o normal para entender o último parágrafo, porque várias manchas tinham borrado a tinta. Ele ficou ali parado, tentando respirar e principalmente lidar com o que tinha visto. Sua mão tremia e estava gelada. A carta foi dobrada novamente e guardada exatamente do jeito que estava antes na caixa, então ele se sentou na cama de Naruto e soltou o ar. Seu estômago estava embrulhado e seu corpo parecia estar em um terremoto.
Foram poucas as vezes que ele se sentiu tão instável assim, tão... atingido. Ele tentou engolir o nó na garganta, mas ele pareceu subir mais ainda e seus olhos pinicaram. Então era isso, Naruto realmente pensava que Sasuke não se importava com ele, o que estava longe de ser verdade.
Claro que ele nunca foi do tipo de demonstrar coisas e falar sobre sentimentos, mas ainda assim Sasuke achava que o outro entendia, que via o que a amizade deles significava. Tudo fazia total sentido agora, o jeito que Naruto estava o tratando, a forma com que o olhava em alguns momentos... E Sasuke sinceramente não fazia ideia de como lidar com aquela avalanche de emoções que estavam na carta.
Ele sabia que tinha importância para Naruto, óbvio, mas não dessa forma, tão intensamente. Sasuke olhou para os próprios pés e passou as mãos pelos cabelos, transtornado. Sakura tinha razão de ficar daquele jeito, por mais que odiasse admitir. Ele mesmo, no lugar dela, provavelmente teria reagido até pior.
Mas nada do que tinha feito foi de propósito, Naruto nunca disse nenhuma dessas coisas durante suas visitas. Sasuke sabia que o outro tinha ficado mal de vê-lo partir, mas não sabia que tinha sido nesse nível. Analisando agora, ficava claro que sua presença ali atrapalhava a evolução do homem e o impedia de tentar seguir em frente.
A melhor coisa que poderia fazer realmente era ir embora e deixar Naruto em paz. Mas isto era o certo? Afinal, lhe foi dada uma missão, e sua obrigação agora era cuidar dele e verificar mudanças em Kurama.
De qualquer forma, estava claro que Naruto não tinha superado aquilo, e Sasuke entendia; aquelas palavras cravaram fundo em sua alma, principalmente na última parte, porque era verdade — ele ficava sozinho por puro capricho e machucava pessoas, mas nunca foi de propósito, pelo menos não nos últimos anos. Ele só queria viver em paz; antes, estava ocupado demais pensando em Itachi e em sua vingança. Depois que a conseguiu, preferiu manter distância de tudo, porque nunca teve interesse nas pessoas.
Exceto em seu antigo time, e principalmente Naruto. Até Sakura tinha sido importante, por mais que ela o irritasse, e ele respeitava muito Kakashi e se sentia agradecido por tudo que o ex-sensei tinha lhe ensinado. Além disso, por mais que nunca tivesse pedido para Naruto criar expectativas, Sasuke se importava com o quanto o outro estava mal ao vê-las quebradas.
Sua respiração falhou quando tentou respirar fundo, e ele juntou os lábios finos, tentando fazer a água de frustração em seus olhos não escorrerem. Ele não sabia o que fazer, porque iria embora em breve, nada mudaria esse fato, isso era parte de sua jornada.
Pela primeira vez, cogitou falar sobre a situação deles, mas Naruto jamais poderia saber que ele tinha lido a carta. E Sasuke nunca imaginou o quanto o fato de eles serem “almas irmãs” pesava na mente de Naruto, porque nunca tinha pensado sobre isso. Sasuke não ligava para esse papo de “vidas passadas” e “destino”, mas sabia que aquilo era um fato. E talvez devesse levar isso um pouco mais em consideração se era tão importante para ele.
Ou talvez só devesse se afastar e nunca mais colocar os pés ali, pelo bem do outro, apesar de ter ficado muito claro que isso só piorou tudo. Sasuke apertou a sacola nas mãos e se levantou, fechando as portas do fatídico armário — ele não conseguiria ler mais nenhuma daquelas cartas nem se tivesse permissão, porque era muito para lidar.
Sasuke juntou mais roupas e cuecas antes de sair da casa e voltar seu capuz para o lugar, caminhando rapidamente pelas ruas. Podia sentir os Anbus há vários metros, e ficou feliz de constatar que três dos cinco que o vigiavam tinham ficado na casa, provavelmente para olhar por Naruto. Era o início do inverno, então o sol estava bem fraco, não anulando o vento gelado que corria.
Quando chegou na casa era perto da hora do almoço, então aproveitou a chance de evitar Naruto por algumas horas enquanto fazia a comida. Olhou no cronograma montado por Sakura (ele revirou os olhos quando a garota o entregou há alguns dias) e viu que hoje o homem deveria comer onigiri e misoshiru com algas e brotos de feijão.
Suspirando, colocou a água para ferver em uma panela funda e puxou a tábua para cortar os legumes — felizmente eram coisas fáceis de cozinhar e não levariam muito tempo. Ele tinha acabado de colocar o arroz na panela quando a campainha tocou. Sasuke nem se lembrava que tinha campainha.
Franzindo a testa em confusão, caminhou até a porta e a abriu, erguendo uma sobrancelha para Neji. Ele apenas encarou o visitante, esperando.
“Sakura disse que Naruto está aqui, vim vê-lo.”, explicou.
Sasuke fechou a cara. Agora, além de Sakura aparecer quase todo dia ali, o Hyuuga também iria, ótimo. Avaliou o homem diante dele e, depois de alguns segundos, se afastou de mau grado para dar passagem. O visitante entrou e deixou os sapatos no canto direito da porta antes de se virar para Sasuke, que tinha acabado de fechar a porta.
“Ele está no último quarto à direita.”, cedeu antes que Neji perguntasse, apontando o queixo para a escada. Dando um aceno com a cabeça em resposta, o homem subiu.
Sasuke voltou para a cozinha e continuou fazendo as coisas carrancudo, aproveitando para pensar na situação em que se encontrava. Talvez fosse mais inteligente para si se afastar o máximo possível, e com certeza seria bem mais fácil; entretanto, escolher isso só endossaria o que Naruto disse na carta — ele ficava sozinho por capricho próprio, e por isso machucava pessoas. Por isso, machucava Naruto.
Grunhiu em frustração enquanto juntava os legumes na água e adicionava as ervas. Era exatamente por esse tipo de coisa que ele não gostava de conviver com pessoas. Elas eram complicadas, exigiam coisas dele e o forçavam a tomar decisões com base em variáveis que não vinham de si mesmo. E ele nunca foi bom nisso — nunca quis se preocupar com isso.
Sasuke nunca quis formar laços com ninguém porque era muito mais simples ser o tipo de pessoa que não precisa se preocupar com outras. Não era preciso levar em conta o sentimento dos outros para tomar decisões e não era forçado a pensar de maneira coletiva. Ser o tipo individualista era muito mais prático, mais fácil e muito menos doloroso para ele e para quem estivesse ao redor, porque assim ninguém criaria expectativas vãs.
Seus laços com Naruto foram mantidos por insistência do outro, porque Sasuke tentou de tudo para fazê-lo desistir de vir atrás dele na época. Foi Naruto que fez tudo, que permaneceu ali, que foi atrás dele para arrastá-lo de volta, que decidiu quase morrer para quebrar sua Maldição do Ódio... E Sasuke era grato sim, mas não tinha pedido por isso.
E no fim, acabou aceitando a amizade dele, o ajudou a salvar o mundo e voltou para Konoha para cumprir sua pena. E ainda assim, o amigo esteve ali. Aquela lembrança foi algo que ele nunca pensou sobre e nem conversou com Naruto a respeito, mas se lembra bem dele ir visitá-lo de tempos em tempos naquela cela.
Ele se lembrava muito bem daquele mês que passou em isolamento — não podia ver, ouvir e fazer nada, como se tivesse sido simplesmente jogado para fora do mundo. Sasuke era alimentado sem saber por quem, puxado às vezes para ir ao banheiro e não sabia que horas eram, quanto tempo tinha se passado ou quando ia sair dali.
Ele sempre foi do tipo calado e introspectivo, mas aquela ausência de sentidos ao longo do tempo foi ficando cada vez mais opressora e enlouquecedora — não havia noção de tempo ali, e parecia que tinham se passado anos. Sasuke nunca pensou que fosse ficar tão perturbado. Ficou amarrado naquela camisa de força e às vezes dormia, mas seus sonhos eram aterrorizantes como sempre.
Então, um dia, sentiu alguém tocar seu ombro, e era a primeira vez que sentia qualquer coisa externa. Em seguida, um corpo o envolveu, e por mais que não gostasse de contato físico, não foi totalmente contra — porque sabia bem quem estava ali, era muito óbvio, principalmente pelo cheiro do shampoo de camomila que ele conhecia desde a infância. Naruto o abraçou por algum tempo e em algum momento o soltou e foi embora.
O que se pareceram dias depois, ele voltou, e repetiu o que fez antes. Sasuke não sabia por que ele estava ali, mas provavelmente Naruto não tinha dado descanso para Tsunade e fez a Hokage concordar com aquilo, porque não era algo usual.
Na última vez que o amigo veio, Sasuke já estava à beira da loucura. Precisava sair dali, ver alguma coisa, ouvir alguma coisa, e sua mente já estava confusa, como se não soubesse exatamente o que era real. Naquele ponto, entendeu porque aquele tipo de punição era dada.
No começo não pareceu nada demais, mas depois de um tempo sua mente só vagava, e em alguns momentos ele chegava a se perguntar se sua existência era real, porque já não havia nenhum estímulo para oferecer qualquer certeza. Ele era uma mera confusão flutuante no escuro e no silêncio, como se estivesse vagando em um infinito sem cor.
Então Naruto voltou, e Sasuke ruborizou de lembrar o quanto se afogou na presença dele, o quanto se deixou sentir o outro, porque aquela era a única coisa no momento que o impedia de se perder novamente no vazio da escuridão opressora. Ele se jogou em cima de Naruto, que o envolveu com força e encaixou seus corpos, colocando as pernas de Sasuke, embaladas, em cima das dele. A necessidade de contato o impediu de se afastar; pelo contrário — ele precisava desesperadamente daquilo.
Se lembrava claramente de sentir a temperatura quente em seu nariz quando enterrou o rosto na curva do pescoço de Naruto, e dos dedos que acariciavam seus cabelos negros com cuidado. Do cheiro de sabonete e shampoo de camomila que o outro exalava, além de alguma fragrância fraca, talvez sândalo ou patchouli que ele nunca tinha percebido misturado ao almíscar da pele masculina. Da firmeza dos braços ao redor de seu corpo, fortes, quentes e sólidos.
Além disso, mesmo estando impossibilitado de ouvir qualquer coisa, tinha quase certeza que Naruto estava chorando, pela forma com que o peito dele subia e descia descompassadamente e pela força que o segurava e às vezes amassava seus cabelos. O suor escorria pela própria têmpora por estar completamente vedado naquela camisa de força, mas o outro não parecia se importar, pois continuou abraçado a ele como se a própria vida dependesse disso. E depois foi embora.
Quando Sasuke saiu, tratou de ignorar aqueles momentos constrangedores de fraqueza e intimidade, porque eram demais — e ainda era, mas infelizmente não tinha controle sobre as lembranças que seu cérebro pescava dentro de sua cabeça. Com o rosto pegando fogo e uma carranca, tratou de focar no prato que montava para Naruto na bandeja móvel.
Ao checar o relógio, viu que era quase uma hora, então subiu com a comida. A porta do quarto estava aberta e enquanto Sasuke se aproximava, dava para ouvir a risada de Naruto, genuinamente feliz.
Aquele era um som que ele não ouvia há muito tempo e fez seus órgãos vibrarem. Parou na porta e viu que a janela não estava mais fechada. Neji estava sentado na poltrona ao lado da cama e sorria um pouco também, como se os dois tivessem compartilhado alguma piada há alguns segundos; a vibe do quarto estava totalmente diferente e os olhos de Naruto brilhavam.
Entretanto, assim que viu Sasuke parado na porta, Naruto parou de rir e fechou a cara. Suprimindo um suspiro pesado, ele juntou os lábios minimamente e caminhou até lá se sentindo estranho, um intruso. A bandeja foi colocada diante de Naruto e, ignorando o visitante indesejado, pegou os hashis.
“Pode deixar, eu faço isso.”, disse Neji sério.
Sasuke mastigou a própria língua e olhou para Naruto, que pela primeira vez em dias encarou seus olhos friamente para assentir. Aquele gesto o irritou profundamente. Ele tencionou o maxilar e soltou os hashis em cima da bandeja com um olhar faiscante para Naruto antes de virar as costas para sair, descendo as escadas.
Entrando no escritório de seu pai, foi se sentar na escrivaninha, que agora estava cheia de papéis. No tempo que não estava cuidando do idiota e limpando a casa como uma empregada, ele estava procurando os documentos sobre os olhos que possuía, mas não tinha encontrado nada até então.
Pegando mais um papel da pilha, começou a ler, rangendo os dentes. Estava há dias cuidando do imbecil como um bibelô, tudo conforme os comandos de Tsunade e as exigências absurdas de Sakura, que iam desde um cronograma de refeições com horários específicos até a qualidade dos alimentos e temperatura de resfriamento de pomadas variadas. Sasuke fazia tudo que lhe era pedido sem reclamar — colocava Naruto na cadeira de rodas diariamente e levava perto da janela para tomar sol, checava a temperatura da água e da comida, ele passava pomada no infeliz duas vezes por dia sem contestar, pelo amor de Deus! E também massageava as pernas e braços dele para estimular a circulação!
Mas ainda assim, Naruto se via no direito de dispensá-lo assim que encontrou qualquer babaca para fazer algo em seu lugar. Sim, ele tinha lido a maldita carta e sim, tinha entendido porque o homem estava fazendo isso, mas não ia concordar enquanto era humilhado de tal forma. Ele jamais teria feito qualquer uma dessas coisas por outra pessoa, e todo ser humano na face da Terra sabia disso.
Mas claro, Naruto se via no direito de fazê-lo pagar por ir embora viver a própria vida. Como se Sasuke devesse alguma coisa a ele, a essa vila de merda, a qualquer um. Ele não podia simplesmente aceitar as coisas como são? Não podia só tentar ser como era antes, um idiota feliz que estava sempre sorrindo irritantemente, falando sobre a utopia louca da cabeça dele e do futuro que queria construir como Hokage ou o caralho que fosse?
Sasuke estava sem dormir direito desde que Naruto tinha ido morar lá, há seis dias, porque tinha medo de não ouvi-lo chamar. E foi no quarto dia que descobriu que Naruto, como esperado, tinha pesadelos. Não era novidade — dificilmente um ninja tinha um sono tranquilo, pois cada um deles sofreu algum trauma. Ele descobriu isso porque ouviu Naruto chamar seu nome.
Se lembra de chegar no quarto e vê-lo grunhir clamando por Sasuke novamente, angustiado, enquanto balbuciava coisas ininteligíveis. Ele não sabia se tinha ou não a ver com a captura que sofreu, e não ficou ali para descobrir, porque a culpa o invadiu assim que viu a cena, o desespero no rosto do outro enquanto falava seu nome e choramingava.
Agora que tinha lido a carta, percebia que, talvez, tivesse a ver com sua partida ou algo assim, o que o deixava mais irritado ainda. Se ele se sentia tão mal quando Sasuke não estava por perto, porque só não o tratava bem agora, como qualquer pessoa normal faria? Por que Naruto tinha que ser essa bagunça emocional?
Inquieto e irritado por não conseguir nem prestar atenção no que estava lendo, subiu e foi para o quarto de hóspedes, tentando ignorar o burburinho de conversa animada entre o idiota e o Hyuuga irritante. Furioso, disse a si mesmo que se Naruto precisasse de alguma coisa, podia muito bem pedir para o novo amigo dele, para quem ele ria e fazia festa como um filhote de cachorro idiota. Sasuke então fechou a porta e as janelas, se deitando para tentar dormir em paz.
Ele acordou com uma batida suave na porta. Suspirando, se levantou e passou a mão pelos cabelos, indo até lá e abrindo-a. Neji estava ali, parado no corredor em sua cara de completo nada, e Sasuke imaginou como seria bom quebrar o nariz reto dele.
“Estou indo embora.”, avisou, e Sasuke mais que depressa saiu do quarto e desceu as escadas com o outro atrás de si, parando para abrir a porta principal e a fechando assim que Neji cruzou a soleira.
Eram sete e meia da noite segundo o relógio da sala, e ele subiu a escada irritado, indo escovar os dentes e tomar um banho antes de cuidar do idiota ingrato. Apesar da noite fria, Sasuke lavou os cabelos, trocando para uma calça de abrigo e uma blusa antes de caminhar até a suíte.
Naruto estava cochilando, então Sasuke desceu para comer, afinal, estava sem se alimentar desde o dia anterior. Depois de lavar a louça e tirar a roupa de Naruto da máquina, estendendo-as com a força do ódio, pegou a pomada da geladeira e subiu novamente, entrando no quarto onde o outro ainda dormia.
“Acorda, tá na hora do seu remédio.”, disse secamente, e Naruto grunhiu abrindo os olhos azuis e encarando o teto, nunca Sasuke, que trancou o maxilar e se aproximou colérico.
Pegou uma grande quantidade de pomada na mão e passou nos braços e pernas de Naruto, que sibilou e resmungou mais do que o normal. Depois, levantou a bata e fez o mesmo com o tronco, antes de virá-lo de costas e terminar. Ele tinha feito tudo bem mais rápido que o normal e com menos cuidado, o que fez Naruto ficar de cara feia. Sasuke então pescou o remédio para dor na gaveta e puxou o copo de água parada da cabeceira — normalmente ele pegava água fresca, mas não hoje.
Naruto engoliu o remédio com a água e Sasuke pegou a pomada para levar embora, apagando a luz sem perguntar e deixando para trás a bandeja que sempre tirava da cama. Mal fechou a porta atrás de si quando ouviu o resmungo baixo de Naruto o xingando. Possesso, a abriu novamente com estrépito e entrou, acendendo a luz do quarto e encarando-o com raiva.
“Do que foi que você me chamou?”, sibilou, e o outro apenas manteve os olhos fechados e a carranca. Sasuke bufou. “Dobe.”, resmungou, virando-se novamente para apagar a luz.
“Não se atreva a me chamar desse jeito, Sasuke!”, berrou ele de repente, e Sasuke deu meia volta para encará-lo.
Naruto parecia extremamente perturbado — seu peito subia e descia, pela primeira vez, Sasuke conseguiu entender um pouco das emoções que passavam pelos olhos azul-escuros: tristeza, frustração, e principalmente mágoa, tudo isso encoberto sob a raiva que ele lutava para demonstrar. Estreitando os olhos, andou em direção à Naruto, que finalmente o encarava.
“Qual é a merda do seu problema, Naruto?”, cuspiu.
“Meu problema? Meu? Você que ficou puto só porque Neji me deu comida hoje! O que é, ficou surpreso de eu não depender de você pra tudo?”
“Você depende de mim pra tudo, se ainda não percebeu! Você não consegue nem beber água sozinho!”, exclamou Sasuke, jogando baixo enquanto dava um sorriso de escárnio.
“Eu não preciso de você, Sasuke! Posso voltar para o hospital se eu quiser, e posso me cuidar!”, gritou ele, levantando o tronco da cama e fazendo uma careta.
Sasuke não se importou, e deu mais passos em sua direção com as sobrancelhas levantadas. “Cala a boca, você não consegue nem levantar da merda da cama! Se não fosse por mim, você estaria morto naquele dia, e sabe muito bem disso!”, Sasuke respondeu, fechando os punhos.
Naruto mostrou os dentes em irritação. “Eu consigo me virar muito bem sem você, idiota. Estou fazendo isso há anos e nunca precisei de você!”, bradou, agora sentado.
Sasuke sentiu o coração batendo forte em seu peito e a raiva se instalar instensamente pela mentira descabida e tentativa de superioridade de Naruto. “Oh, é mesmo? Então por que ficou vindo atrás de mim, caralho? Por que não consegue me deixar em paz, por que não teve a capacidade de me deixar viver minha vida? Você acha que eu não sei como você ficou quando eu fui embora dessa vila? Acha que eu sou idiota? Eu sei de tudo, Naruto! Eu sei o quanto você se sente sozinho e vazio porque eu não estou aqui, de como se sente abandonado! Então não vem com essa merda de ‘eu nunca precisei de você’, porque nós dois sabemos a verdade, você nunca conseguiu superar o fato de eu ter ido embora!”, lançou maldosamente, e se arrependeu no mesmo instante.
Os olhos de Naruto se arregalaram ouvindo aquilo, e havia tanta dor ali que Sasuke deixou os ombros caírem e ficou o encarando, como se não fosse ele que tivesse dito aquilo tudo. Viu o maxilar do outro tencionar e os olhos ficarem duros enquanto as lágrimas se formavam e escorriam pelas bochechas.
Quando as íris azuis se desviaram para baixo, Sasuke engoliu seco. Naruto ficou em silêncio pelo que pareceu ser um século, e quando falou, sua voz era tão quebrada e dolorida que ele quase se socou.
“Sai daqui, só... Só me deixa em paz.”, sussurrou, mas Sasuke não se mexeu, então Naruto continuou falando no mesmo tom baixo de cansaço e decepção. “Você não sabe de merda nenhuma, se soubesse mesmo, nunca teria dito essas coisas. Ou então você realmente é uma pessoa muito diferente do que eu imaginei, Sasuke. Deu pra ver que passar dois anos fora buscando redenção fez muito por você, parabéns.” Naruto se deitou novamente e fechou os olhos enquanto as lágrimas continuavam manchando suas bochechas.
O ar de seus pulmões parecia quase inexistente e suas mãos tremiam. Sasuke abriu a boca, mas não sabia o que dizer. Ficou ali, encarando Naruto, que ainda estava em silêncio, e depois de alguns momentos se virou e saiu, apagando a luz e fechando a porta. Se arrastou até o quarto e deitou na cama em posição fetal, sentindo o estômago revirar. Seu corpo todo vibrava com a adrenalina que agora abaixava, e ele soltou o ar em um bufo, tentando respirar por vários minutos.
Ele sinceramente não sabia qual era seu problema, não entendia porque Naruto o tirava do sério desse jeito, a ponto de dizer e fazer coisas sem pensar. Sasuke não queria ser essa pessoa, Naruto estava certo — ele tinha saído em sua viagem de expiação para se tornar alguém melhor, e ali estava agora, machucando-o ainda mais. Naruto, que nunca desistiu dele, que quase morreu por suas próprias mãos e ainda assim se manteve firme...
Foi então que ouviu um soluço de partir o coração vindo do outro quarto, e um respirar difícil, e isso o fez fechar os olhos para a angústia que o engolfou. A única coisa que Naruto queria dele era sua amizade, sua presença, e ele estava sendo como antes — um completo idiota que não pensa em ninguém, que não se importa com pessoas... O que adiantava ajudar vilas e vilas, fazer missões para promover a paz, se ele mesmo estava machucando a única pessoa que lutou por ele até o fim? Até mesmo Sakura, que dizia amá-lo na época, desistiu dele em algum momento.
Sasuke se levantou e caminhou hesitante, parando diante da porta da suíte. Os soluços abafados continuavam, e ele se obrigou a seguir em frente. Não queria mais ser essa pessoa, Naruto não merecia passar por isso, ele tinha sofrido por sua causa, sido torturado por culpa dele...
Sua mão trêmula pousou na maçaneta por um segundo e ele tentou respirar fundo, mas o ar ainda estava preso em sua garganta. Sasuke abriu a porta e a deixou aberta, indo até o lado desocupado da cama e acendendo o abajur. Naruto não abriu os olhos — continuou do jeito que estava, buscando o ar e tremendo, as lágrimas escorrendo enquanto tentava se conter.
“Naruto...”, murmurou.
Ele negou com a cabeça, espremendo mais ainda os olhos. “V-vai embora, Sasuke. Amanhã eu vou voltar para o hospital e você pode fazer a merda que quiser, só me deixa em p-paz.”, disse, e Sasuke abriu a boca, tentando fazer algum som sair.
Precisava se desculpar, mas era tão difícil e não se lembrava de ter feito isso alguma vez na vida. Ele não era do tipo que pedia perdão para as pessoas.
“Porque você nunca me disse como se sentia? Porque precisa dificultar tudo?”, balbuciou em um tom levemente irritado, e Naruto não respondeu. “Em nenhuma das vezes que eu vim aqui você disse que estava mal.”
“E FARIA ALGUMA DIFERENÇA?”, Naruto cuspiu, abrindo os olhos e o encarando acusadoramente. “Você ia fazer o que sobre isso, me diz?”
“Eu poderia vir te ver mais vezes.”, respondeu.
“Ah, pelo amor de Deus, Sasuke, você nunca se importou.”
“É óbvio que eu me importo! Você acha que eu estaria aqui agora se não me importasse?”
“Se você realmente se importasse, não teria dito aquelas coisas, seu idiota de merda!”, cuspiu, desencostando-se da cama. Sasuke engoliu seco. “Você quer saber como eu me sinto? Bom, eu vou te falar. Tudo tá uma merda, beleza? Você tem razão em tudo que disse e eu não consigo entender porque eu nunca tive a mesma importância pra você! E eu tô cansado. Se não fosse por você, eu ia estar bem, eu não estaria nessa cama agora, não teria precisado passar dois anos me sentindo tão... tão... insuficiente, tão irrelevante e um completo imbecil! Eu conseguiria ser feliz, ter mais amigos, não ia ter uma merda de um buraco no meu peito que nada faz desaparecer! E quando eu penso que tô conseguindo, quando penso que... Porra, eu tinha entrado pra Anbu, eu era bom no que eu fazia, eu estava bem, estava livre de você, e agora... agora eu tô aqui por sua culpa! E aí você vem me falar que eu devia ter dito como me sentia, como se você realmente fosse fazer alguma coisa sobre! Em todas as visitas você nem abria a boca, você acha que isso é o suficiente, que é uma amizade? A gente nem se conhece mais, Sasuke, eu não sei quem é você. Eu mudei e você mudou, nós claramente não somos mais amigos e eu não sei nem se fomos algum dia!”
“É claro que fomos, você está louco?”, ele jogou as mãos para o alto em frustração.
“Não, eu fui seu amigo, é diferente. Sempre fui eu que lutei, sempre eu, você nunca foi meu amigo, Sasuke, você não entende?”, Naruto respondeu, e aquilo o fez dar um passo para trás, chocado.
“Eu... Eu só...”, gaguejou.
“Você não quer ter laços com ninguém, eu já entendi, agora chega. Será que você pode por favor me deixar em paz? Eu só quero dormir.”, ele pediu, e sua voz falhou um pouco.
“Mas... Você ainda não jantou.”, foi seu argumento, se sentindo estúpido. Aquele nem parecia mais ele, porque tinha ido ali para se desculpar e estava enrolando e dando desculpas esfarrapadas como uma garotinha.
Naruto franziu as sobrancelhas, incrédulo. “Você acha que eu quero comer agora? Aliás, acha que eu quero que você me faça mais algum favor? A única coisa que você vai fazer é pedir para Sakura me transferir para o hospital amanhã cedo. Eu cansei, e ver a pessoa que você se tornou hoje foi ótimo, porque eu sinceramente quero distância.”, Naruto avisou com os olhos escuros cheios de mágoa.
“Eu não sou...”, tentou falar, mas as palavras pareciam presas em sua garganta, então tentou novamente. “Naruto, eu... não quero... isso.”, murmurou com dificuldade.
O outro o avaliou por um momento, e parecia tão exausto e esgotado, tão frágil. “E o que você quer, então?”, soprou ele, como se não tivesse mais forças para discutir.
Aquela pergunta o pegou de surpresa, porque Sasuke sinceramente não sabia o que queria. Ele não ia ficar em Konoha e sentia que o melhor a se fazer era deixar aquela história toda para lá. Não queria o bem estar de Naruto sobre as próprias costas, e sinceramente, gostaria de voltar no tempo, antes do momento em que tinha lido aquela maldita carta. Mas mais do que tudo isso, queria vê-lo bem.
“Eu só quero que a gente esqueça tudo que foi dito hoje.”, explicou. “E que... que as coisas voltem ao normal.”
“Esse é seu jeito de pedir desculpas? Você acha que as coisas só vão... se apagar assim?”, indagou.
Sasuke juntou os lábios. “Não, não acho. Mas não quero que você volte para o hospital, e não quero que você pense que é... insignificante.”, deu um suspiro, passando as mãos pelos cabelos.
Naruto não expressava nada além de esgotamento e resignação, como se não esperasse mais nada dele. Os olhos azul-escuros o investigaram com apatia e ele ergueu minimamente as sobrancelhas, antes de fechar os olhos injetados pelo choro e tentar se ajeitar. Sasuke deu a volta na cama e arrumou o travesseiro em suas costas, incerto, mas Naruto não o afastou, tampouco abriu os olhos novamente.
“Quer que eu deixe a luz acesa?”, perguntou em um murmúrio, e o outro negou com a cabeça em resposta, então Sasuke desligou o abajur e saiu, fechando a porta com cuidado. Ele nunca viu a segunda onda de lágrimas silenciosas que desceram pelas bochechas de Naruto.
Chapter 20
Notes:
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Chapter Text
Naruto infelizmente estava acostumado a dor — física, mental e emocional —, e ela chegou ao seu ápice de aflição há dois anos. A verdade é que parecia que não ia passar e, principalmente, não poderia piorar, porque para ele, não ter a chance de ter seu melhor amigo ao seu lado era uma das piores coisas que podiam acontecer depois de tudo que passou para recuperá-lo.
Mas e quando você descobre que a pessoa pela qual você lutou durante anos já não existe mais? E quando uma das pessoas que você mais quer por perto te quebra por dentro, de novo e de novo, porque na verdade você nunca teve tanta importância assim para ela?
Se em algum momento alguém dissesse para Naruto que Sasuke poderia o machucar ainda mais, muito pior do que antes, ele nunca teria acreditado, porque jamais imaginou que poderia se sentir tão mal, tão desolado, tão miserável. Ele tentava respirar devagar e em silêncio, porque a última coisa que queria era que Sasuke soubesse o quão mal ele estava, mas o ar nunca pareceu ser tão insuficiente. Sua vontade era se encolher em uma bola e simplesmente desaparecer, mas seu corpo ferido o impossibilitava de sequer levantar.
Naruto sentiu a ânsia de vômito começar a se formar enquanto abafava seus soluços, e olhou para cima, tentando respirar fundo mais uma vez. Ele já nem sabia nomear as coisas que sentia, porque era uma profusão de dor e solidão que o fazia querer berrar, gritar e soluçar — a pessoa por quem ele lutou durante anos, por quem ele esperou, por quem chorou e sofreu, não existia mais.
Seu melhor amigo, o garoto de cabelos espetados e olhar mal humorado que se jogou na frente de agulhas mortais para protegê-lo tinha se perdido em algum ponto e dado lugar a uma pessoa que Naruto tinha visto em Sasuke há uns anos, mas preferiu atribuir aquilo tudo ao mau momento que o amigo vivia. Entretanto, em meio à sua jornada com Orochimaru, à morte do irmão e à descoberta da história de seu clã, Sasuke tinha deixado o resto de seu lado inocente sucumbir, destruindo qualquer resquício de leveza ali.
Realmente parecia tarde demais, e o que mais doía, era ver o rosto de quem poderia ser seu melhor amigo em uma pessoa tão fria e egoísta como aquele Sasuke, com quem ele convivia agora. Não era justo, e Naruto sentiu raiva, como se o homem que dormisse no quarto ao lado tivesse assassinado uma das pessoas mais importantes de sua vida.
Passou a mão trêmula pelos olhos com dificuldade apesar das fisgadas no braço e acalmou a mente, tentando adormecer em meio à confusão mental de dor e tristeza. Seu Sasuke, seu melhor amigo, talvez nunca tivesse existido. Talvez tudo tivesse sido criado por sua mente de criança solitária que, por estar abandonada e sozinha, se agarrou ao primeiro que teve oportunidade, enxergando coisas onde não havia. Ele era apenas um órfão, e Sasuke, seu Sasuke tinha sido apenas uma projeção, onde ele enxergava o que queria e jamais seria o suficiente, porque seu melhor amigo não existia.
Naruto, no fim, nunca tinha sido compreendido por alguém cuja dor era similar, porque eles, na verdade, não tinham nada em comum — Sasuke só o aturou por todos esses anos, e agora estava ali porque Naruto o obrigou a devê-lo a vida quando o salvou.
Ele não era seu amigo, era seu prisioneiro, uma pessoa que nunca teve o mínimo interesse nele e, na verdade, o odiava e só queria poder ir embora. Sasuke nunca existiu, e Naruto era só um idiota com problemas de abandono tentando se encontrar em outra pessoa, uma pessoa que facilmente o deixaria para morrer se pudesse, só para se ver livre.
De fato, se dependesse de Sasuke, Naruto teria ficado naquela câmara de tortura e o outro poderia ter até mesmo assisti-lo ser torturado; até talvez ajudado um pouco, pegando o chicote da mão daquela mulher e feito Naruto se transformar em uma massa de dor e sangue no chão, um corpo sem vida apunhalado pela pessoa que mais importava, por quem ele lutou e a quem protegeu sempre que podia...
“Naruto, acorda, se acalme.”, ele ouviu a voz aflita no escuro, e sentiu o peso de uma mão em seu ombro.
Abrindo os olhos, se viu na cama onde tinha adormecido, tremendo loucamente, chorando e suando; apesar da luz do corredor ser a única coisa que iluminava o quarto, podia ver Sasuke encarando-o preocupado com os olhos intensos, como se realmente se importasse, e por um segundo aquele parecia o olhar do seu melhor amigo.
Angustiado, seu corpo se lançou por reflexo para frente e Sasuke o pegou, completamente surpreso. Apesar da dor e dos protestos de seu braço, Naruto agarrou as costas da camiseta dele com a única mão que possuía e abandonou todo o desdém que sentia, todo o orgulho, quebrando completamente em lágrimas com a lembrança viva do sonho horrível ainda latejando em sua mente.
Apesar de odiar a sensação de se expor de um jeito tão incapacitante, a única coisa que conseguia fazer realmente era chorar em um silêncio sofrido. Sasuke, vacilante, fechou os braços ao redor das costas dele em um abraço também trêmulo, e Naruto escondeu o rosto em seu ombro, tremendo da cabeça aos pés e soluçando enquanto o apertava contra si.
Dava para sentir o coração dele batendo forte onde a testa de Naruto se apoiava, bem na lateral do pescoço pálido, e aquilo só o fez tremer ainda mais. Sasuke pousou devagar a mão em sua cabeça como que para mantê-lo lá e se ajeitou um pouco, deitando as costas de Naruto de volta nas almofadas sem o soltar, o que o deixou surpreso; ele sabia que Sasuke odiava contato físico mais do que qualquer coisa no mundo.
Naruto continuou soluçando em seu pescoço e se agarrando à sua camiseta enquanto sentia o cheiro de sabonete e sabão em pó, porque sabia que aquele era o único momento que veria seu melhor amigo — a partir do momento que Sasuke se afastasse, ele voltaria a ser o homem duro e frio de sempre, e isso o fez ficar ainda mais ansioso. Seu melhor amigo estava ali agora, naquele momento, e ele tinha sentido tanto a falta dele.
“Shh, está tudo bem, eu estou aqui.”, sussurrou o homem como se realmente lesse seus pensamentos, e isso o fez engolir seco.
Naruto nunca se sentiu tão frágil na vida, tão desamparado, como se ele fosse uma criança novamente. O homem então fez menção de se afastar, e isso fez seu coração disparar e seus músculos protestarem. “Naruto, se acalme, você não pode fazer força. Eu vou... ficar aqui com você, respire.”
Sasuke então segurou seu único pulso e o afastou devagar, olhando dentro de seus olhos como que para provar que não ia sair correndo. Engolindo seco, Naruto obedeceu, então foi empurrado delicadamente para a cama e ajeitado ali antes do outro se colocar de pé em um movimento rápido.
“M-mas...”, exclamou Naruto em seu desespero, e Sasuke o fitou em seu semblante de pura preocupação, como se esperasse que ele fosse se desmanchar. Talvez ele fosse, mesmo.
“Eu já volto, se acalme.”, o tom dele era suave, e Naruto assentiu, ainda sentindo os músculos tremendo de leve pela perda do calor.
Sasuke caminhou até a porta e passou por ela, sumindo de vista, e isso fez sua mão instável e já dolorida apertar o cobertor. Seu coração pareceu parar por um segundo e seus olhos encheram de lágrimas, porque sabia que Sasuke não ia voltar, ele nunca voltava. A luz do corredor se apagou, e sua respiração falhou ao mesmo tempo em que as lágrimas se formavam e seu peito começava a doer. Ele deu um soluço seco enquanto vibrava descontroladamente e no segundo seguinte a silhueta de seu melhor amigo apareceu na porta, andando até ele a passos rápidos.
“Eu só fui apagar a luz, o que está acontecendo? Do que você precisa?”, sussurrou Sasuke, encarando-o entre a preocupação e o desespero. Nunca tinha o visto ser tão sensível com alguém antes.
Naruto sabia as duas respostas, mas não podia explicar aquilo — primeiro, porque seu ataque de ansiedade não deixava no momento e, segundo, porque não ia admitir o que estava acontecendo. Ele não podia dizer para Sasuke que a mistura da briga, dos sonhos, e do medo do outro deixá-lo novamente o fez ter uma crise, e que a única coisa que Naruto queria era seu melhor amigo perto. Admitir isso era humilhante demais.
O homem passou as mãos pelos cabelos cor de piche meio desnorteado, e isso fez seu olho roxo que sempre estava tampado pela franja aparecer, belo e exótico. Então, deu a volta na cama, arrumando o travesseiro do outro lado antes de se deitar, o que deixou Naruto atônito — quando Sasuke disse que ficaria ali, não imaginou que ele ia aceitar dividir a mesma cama. Ele sentiu o próprio corpo relaxar um pouco e virou o rosto para continuar encarando-o, como se o homem fosse virar pó e desaparecer no ar.
Mesmo na penumbra do quarto Naruto conseguia vê-lo bem — ver o olho muito negro que faiscava o examinando, os cabelos da nuca espetados para cima no travesseiro, o nariz reto e estreito, as maçãs do rosto duras, o maxilar anguloso e a boca fina, levemente torcida para baixo.
De repente sentiu uma necessidade imensa de levar os dedos trêmulos até lá e tocá-lo, só para ter certeza que ele estava ali e não era uma miragem. Mesmo assim, não se moveu, porque sabia que não seria bem recebido e não queria afugentá-lo, então Naruto só continuou sorvendo da presença dele.
O amigo o observou de volta e ergueu uma sobrancelha fina depois de alguns segundos, soltando o ar meio resignado. Ele deve ter visto alguma coisa em sua expressão, porque então fechou as pálpebras por um momento como se rezasse e juntou os lábios antes de voltar a encará-lo com ainda mais intensidade. O estômago de Naruto revirava.
Aproximando-se, ele o segurou sentado enquanto tirava as almofadas de suas costas e ajeitava o travesseiro fofo, deitando-o novamente. A mão dele era mais fria que o normal na pele quente e suada de Naruto, que ainda não tinha desviado o olhar, ansioso e vidrado. Tinha medo do outro desaparecer se ele piscasse, não queria perdê-lo de vista.
Sasuke o ajeitou deitado na cama com delicadeza, e olhou dentro de seus olhos sombriamente. “Eu juro que se um dia alguém souber disso, eu mato você, usuratonkachi.”, ele murmurou carrancudo, aproximando o próprio travesseiro e passando um braço por cima de seu estômago, com cuidado para não ficar sobre nenhuma costela.
O coração de Naruto quase parou e seu cérebro chegou a sinceramente formigar em seu crânio quando sentiu o peso do braço do outro sobre seu abdômen, real e concreto. Ele captou o uso do apelido e isso fez seu estômago se apertar, mas o toque de pele contra pele fez seu corpo finalmente se soltar aos poucos, como se tudo tivesse sido resolvido. Fitou os olhos escuros e turbulentos no escuro por um momento antes de fechar as próprias pálpebras e dar um suspiro cansado. O calor do corpo de Sasuke lhe dando certeza de que o amigo estava de fato ali o fez dormir rapidamente, e ele não teve mais nenhum sonho naquela noite.
O som estridente da campainha foi o que fez os olhos azul-claros se abrirem. Imediatamente ele se lembrou do que tinha acontecido na noite anterior, e isso fez um rubor subir por seu pescoço. Naruto olhou para a esquerda. Sasuke não estava ali, o que era ao mesmo tempo um alívio e um desespero, e aquela parte da cama estava arrumada.
Engoliu seco, não sabendo bem como interagir com ele depois do que tinha acontecido. Perguntou-se sobre o que o outro pensava a respeito do que tinha acontecido na noite anterior, mas sua linha de raciocínio foi cortada quando a porta de mogno se abriu devagar e Sakura entrou. Os cabelos cor de algodão doce escorregavam pelos ombros estreitos, batendo na altura do peito. Atrás dela vinha Sasuke, vestindo calças de moletom e uma camiseta branca simples. A presença dele fez Naruto ficar vermelho novamente e seu estômago dar cambalhotas. Ainda assim, seus olhos claros foram direto para os dele, e podia jurar ter visto a ínfima sombra de um sorriso se formar nos lábios finos, o que o fez sorrir abertamente de volta.
“Naruto, bom dia!”, Sakura exclamou, indo até ele para abraçá-lo.
Atrás dela, Sasuke carregava a bandeja com a bacia de água que usava para escovar seus dentes antes e depois de cada refeição; Naruto nunca teve gengivas tão saudáveis na vida. A garota o colocou sentado e já começava a puxar as almofadas para suas costas quando Sasuke pigarrou.
“Sakura, se você quer ficar aqui, sente-se ali e não me atrapalhe.”
Ela o ignorou e terminou de ajeitar Naruto em cima das almofadas antes de lançar um olhar irritado para o anfitrião. “Eu não estou atrapalhando, estou te ajudando!”, exclamou, indo se sentar na poltrona de braços cruzados e com uma carranca.
Sasuke tinha acabado de deslizar para a direita de Naruto e aberto as grandes janelas. “Não preciso de ajuda com isso.”, respondeu simplesmente, colocando agora a bandeja com a bacia diante de Naruto, que o olhava diretamente nos olhos desde que ele tinha entrado na sala, uma coisa que não aconteceu muitas vezes no tempo que Sasuke esteve em Konoha.
Sem pressa, pegou a escova de dentes laranja com creme dental e Naruto abriu a boca para o outro começar. Ele parecia menos denso e seco hoje, seus olhos de ônix tinham mais suavidade, e ele parecia até fazer as coisas com mais cuidado e mais calma do que o normal. Seus dentes foram escovados e Sasuke levou um copo com água até sua boca, para Naruto bochechar e cuspir na bacia antes de ser seco com uma toalha limpa. O leve roçar distraído dos dedos finos em seu queixo fez seu peito queimar estranhamente.
Naruto deu um pequeno sorriso tímido em agradecimento e milagrosamente recebeu um menor ainda em resposta, algo inédito na história do mundo. Isso fez as bochechas de Naruto ganharem uma coloração rosada discreta novamente e seus olhos claros descerem para gravar o segundo sorriso sem tons de ironia que recebeu de Sasuke na vida. Não sabia dizer porque se sentia tão afetado pela presença dele e nem porque suas tripas pareciam flutuar.
Sakura encarava a cena atônita, as íris verdes indo e voltando do rosto dos dois enquanto juntava as sobrancelhas em incredulidade. A boca dela estava entreaberta em descrença, como se ela assistisse a coisa mais louca do mundo — porque sem dúvida alguma, era. Os dois sequer pareciam perceber que ela estava ali — como acontecia antes, quando faziam parte do time 7.
Sasuke se levantou da beirada da cama e encarou a mulher com desinteresse, o que contrastou bastante com a postura de simpatia anterior. “Já que você está aqui, porque não dá um banho nele ao invés de só limpá-lo com panos úmidos?”, sugeriu, e ela ergueu as sobrancelhas.
“D-Desculpe?”, enunciou confusa.
“Tem a banheira ali, já deixei tudo arrumado.”, ele apontou o queixo para a porta do outro lado da cama. “Faça isso antes de eu terminar de preparar o café.”, concluiu.
Naruto observava a cena em silêncio e Sasuke pegou a cadeira de rodas ao lado da estante de livros, trazendo-a até diante da cama antes de se aproximar e se abaixar sobre ele, passando uma mão por baixo de seu joelho e outra sob suas costas.
“Vamos, Dobe.”, Sasuke murmurou perto de seu ouvido lhe causando um arrepio, antes de levantá-lo com cuidado e depositá-lo na cadeira de rodas sem dificuldade. Como sempre, o cheiro de sabonete e sabão em pó encheu seus pulmões, e ele sentiu falta do cheiro de mato que estava acostumado a relacionar ao homem. Naruto chiou um pouco por causa das costas, mas já estava melhor do que há quase um mês.
Sasuke maneou a cadeira até diante da banheira embutida, travando-a novamente para tirá-lo de lá. Novamente, ele foi levantado com cuidado e colocado no box devagar, ainda em sua bata de hospital — ela ainda era usada em dias que Naruto acordava com mais dor que o normal. Sakura veio até eles.
“Quando você terminar, coloque a cueca nele e me chame.”, instruiu, saindo com a cadeira e fechando a porta.
Sakura mordeu o lábio inferior e deu um meio sorriso para Naruto antes de se abaixar e ajudá-lo a tirar a bata e a cueca. Ele revirou os olhos e ela riu, abrindo a torneira para a tina encher.
“Ei, vai doer um pouco por causa do sabão, mas aguente firme, ok? Estava mesmo na hora de você tomar um banho, de qualquer forma. E então, tudo bem?”, ela indagou enquanto passava a bucha macia nele com delicadeza por causa dos cortes.
Ele comprimiu os olhos pela dor. “Sim, só discutimos um pouco ontem.”, soltou distraído, e ela ergueu a cabeça.
“Sério? Por que, o que ele fez?”, questionou.
Naruto respirou fundo, sentindo os cortes arderem. “Ah, nada demais, só me irritou. Está tudo bem.”, ele respondeu vagamente.
Não tinha pretensão alguma de dar mais motivos para Sakura querer que Sasuke fosse embora, ainda mais agora que tudo parecia totalmente diferente. Fazia tempo que não se sentia tão leve, o que era estranho, considerando a briga que ele e Sasuke tiveram e as coisas que tinham sido ditas.
Mas isso tinha ficado em segundo plano perto do que aconteceu em seguida, porque aquilo tudo pareceu servir apenas para seu melhor amigo vir à tona, e isso era o suficiente. A briga, a mágoa e todas as coisas ruins foram obras do outro Sasuke, não deste, que cuidava dele e se preocupava.
Não queria brigar com ele agora que tudo parecia razoavelmente bem, só queria esquecer toda a dor e as coisas ruins que ouviu, então as soterrou no fundo da mente com alguma dificuldade. Era mais fácil assim, e talvez fosse o que faltava para tudo ficar bem de maneira definitiva. Sasuke nem parecia ele naquela manhã, tinha até dado um quase-sorriso, estava sendo tão cuidadoso...
“Vocês conversaram?”, perguntou Sakura, tirando-o de seus devaneios. Ela agora esfregava seus cabelos com o shampoo.
“Hã, mais ou menos. Não muito.”
Ela murmurou um “Hum” em resposta e continuou o lavando, depois o ajudou a se enxaguar antes de puxar a tampa do ralo para escoar a água.
A garota o colocou sentado na beirada da banheira com dificuldade e o virou de frente para si, enxugando-o devagar enquanto ele olhava para qualquer lugar, menos para ela. Uma coisa era ficar pelado perto dela quando estava em seu máximo vigor, outra era ficar despido daquela forma moribunda. Na semana que Naruto passou ali, ela que o ajudou a fazer qualquer coisa que envolvia ficar sem roupa, mas toda vez era tão humilhante quanto a primeira, por mais que ela o lembrasse que era uma médica, então não se importava com aquilo.
A única coisa que ele nunca aceitou ninguém fazer era limpá-lo quando ia ao banheiro. Ele expulsou cada enfermeira que tentou ajudá-lo no hospital, e ao se mudar para a casa de Sasuke, só se deixava ser levado com a cadeira até seu destino e depois de volta para a cama. Sakura colocou a boxer nele e tinha acabado de começar a secar seu cabelo com a toalha quando houve uma batida na porta.
“Pode entrar, você consegue colocar ele na cama?”, ela perguntou. A porta se abriu e Sasuke adentrou o cômodo, observando a cena com as mãos na cadeira de rodas.
Sakura saiu para dar espaço e ele foi até Naruto, novamente o colocando ali e o levando para a cama, que tinha sido trocada. Murmurou um obrigado e Sasuke encarou seus olhos com intensidade antes de sacar a pomada e começar a passá-la cuidadosamente. A cada grunhido que Naruto proferia, ele conseguia ser mais suave. Quando terminou, Sasuke o vestiu com um short e uma blusa sem mangas que ele não se lembrava de ter, e secou seu longo cabelo, que agora batia quase em seus ombros.
Em nenhum momento Naruto tirou os olhos de cima do rosto dele, apesar de Sasuke não ter notado isso por estar focado em suas tarefas. Terminou de secar os cabelos cor de ouro e os penteou com os próprios dedos longos e finos de forma distraída, jogando-os para o lado e finalmente fitando Naruto, que estava em transe com a sensação do toque entre suas mechas deslizando por seu couro cabeludo como uma carícia. Mais uma vez seu rosto esquentou e ele olhou para longe de Sasuke, porque agora a troca de olhares era demais para lidar.
Sakura, novamente sentada na cadeira, observava tudo com curiosidade, como se analisasse a interação de espécimes raros.
“Agora que você não fede a gambá morto, vou te dar seu café.”, disse Sasuke com uma sobrancelha levantada e um sorriso irônico enquanto colocava a bandeja diante dele.
Naruto fez uma careta ao se dar conta do quanto o idiota estava o abalando. “Cala a boca, baka.”
O amigo bufou em resposta e começou a alimentá-lo, parando para limpar sua boca ou lhe dar água.
Ele estava quase acabando quando Sakura se levantou. “Ei, preciso ir embora, te vejo amanhã. Sasuke, não precisa me levar até a porta.”, ela falou, e Naruto acenou com a cabeça para ela ao mesmo tempo em que o outro resmungou uma despedida sem olhar para trás. Sasuke então terminou de dar comida a ele e escovou seus dentes novamente.
“Bom, qualquer coisa vou estar lá embaixo no escritório.”, avisou sem olhar para Naruto agora, dirigindo-se para a saída.
“Fazendo o que?”, Naruto perguntou de repente.
Sasuke levantou a cabeça surpreso, provavelmente porque ele nunca puxava conversa. “Procurando uns documentos.”, informou, enganchando as duas mãos nos quadris desleixadamente.
“Sobre o que?”
“Sharingan.”, foi a resposta dura antes de ele dar as costas e sair, deixando a porta aberta.
Naruto franziu as sobrancelhas e fechou a cara. Há alguns minutos o homem estava sendo minimamente afetivo, e agora agia como se estivesse irritado e quisesse ficar sozinho. A ansiedade voltou a invadi-lo, e ele se viu encarando o corredor, perdido. E se Sasuke voltasse a ser o idiota frio de antes? A mínima menção dessa possibilidade fez seu coração disparar.
“Sasuke.”, ele chamou, sentindo uma leve ânsia de vômito se instalar na boca do estômago.
O outro apareceu novamente na porta e esperou, fitando-o. Naruto abriu a boca e a fechou, sentindo os olhos secos. Não era possível que ele ia ter outro ataque de ansiedade por absolutamente nada, aquilo era ridículo! Ele abriu a boca e a fechou mais uma vez, e Sasuke entrou, indo até lá devagar, com os olhos negros confusos e cautelosos.
“O que é?”, perguntou, e Naruto só ficou o encarando. De alguma forma, Sasuke pareceu notar que ele estava ansioso, então se sentou na cama ao seu lado, fazendo o corpo de Naruto querer se inclinar para frente inconscientemente. “Dobe-”
“Não me chame assim.”, pediu ele de repente.
Não sabia por que, mas ouvir Sasuke o chamando como há anos atrás, como tinha acontecido na noite anterior, e mais cedo ao colocá-lo na cadeira de rodas, abria um talho dentro em seu peito. Era doloroso porque, ao mesmo tempo em que queria aquela naturalidade de novo, via que as coisas nunca mais seriam como antes, mesmo com o amigo tentando consertar tudo agora, ou seja lá qual fosse o motivo dele estar sendo um pouco atencioso.
Sasuke juntou os lábios antes de falar novamente. Seu olhar parecia menos suave, mais parecido com o Sasuke frio de antes e isso fez seu corpo ser envolto em uma névoa gelada e desconfortável. “Você precisa de alguma coisa?”
Naruto criou coragem e fez que não com a cabeça, então o homem se levantou e saiu sem olhar para trás. E foi ali que Naruto sentiu que as coisas tinham voltado à merda que era antes, porque tudo entre eles era instável e, por mais que eles fingissem que sim, já não se conheciam mais, não sabiam como reagir um ao outro.
Muita coisa tinha mudado, e a pequena parte de si que se forçava a ignorar tudo que tinha ouvido na noite anterior, perdeu o cabo de guerra contra a outra, que estava martelando aquilo insistentemente desde que acordou. E talvez fosse melhor desse jeito.
"É impressão minha ou você está ignorando ele?”, investigou Neji em um murmurar depois que Sasuke saiu com a bandeja e fechou a porta novamente.
Naruto deu os ombros. “Não tenho nada para falar com ele.”, explicou simplesmente, e o amigo ergueu as sobrancelhas em descrença.
As coisas de fato pareciam bem piores do que antes — Naruto sequer respondia Sasuke e não olhava em sua direção. O outro, por sua vez, também não perguntava mais nada e só fazia as coisas de maneira profissional, como se realmente fosse um enfermeiro qualificado cuidando de um paciente. Era melhor assim.
Fazia dois dias que isso estava acontecendo, e o fato é que Naruto estava cansado daquela situação em que se encontrava — estava há quase um mês naquela cama e pouca coisa tinha mudado: os cortes estavam quase fechados, os ossos ainda incomodavam, mas grande parte já tinha calcificado, e Kurama parecia menos fraco; entretanto, Naruto ainda estava sem força alguma, seu organismo não expelia os venenos e o laboratório tinha identificado até agora 15 substâncias, ainda sem possibilidade de se fazer um antídoto.
Tsunade chutava que existiam pelo menos 30 venenos circulando pelo corpo de Naruto, e seguia dizendo que era um milagre ele estar vivo. Seu rim e fígado ainda estavam meio debilitados, e sua dieta tinha sido modificada novamente por causa disso.
Mas o que mais o deixava chateado era que dali a dois dias era o Natal, e ele estaria preso naquela casa com o idiota e pior, naquela cama, sem poder sair, sem ir ao festival que tinha todo ano... Ele normalmente passava essa época sozinho, mas no ano anterior tinha ido para a casa de Kiba. Este ano ele talvez tivesse passado com Sakura e sido apresentado aos pais dela formalmente.
“Naruto, você está bem?”, indagou Neji, fazendo-o se virar.
“Hã, sim, desculpe. Ando meio distraído, o que você falou?”
“Perguntei por que o clima entre vocês está tão pesado, aconteceu alguma coisa?”, perguntou. Ele já tinha intimidade o suficiente para isso, e Naruto sinceramente não se importava de contar as coisas, porque Neji sempre o ajudava de alguma forma.
“Sim...”, suspirou, fechando os olhos por um momento. “É meio que uma longa história.”, avisou.
Neji cruzou as pernas elegantemente em sua pose da realeza e sorriu. “Eu tenho tempo.”
Naruto sorriu de volta e revirou os olhos. Depois contou tudo que tinha acontecido — sobre a briga, sobre o sonho, sobre Sasuke ter dormido na cama com ele, a forma com que o amigo o tratou no dia seguinte, e o que tinha acontecido para tudo voltar ao “normal”.
Contou, inclusive, que nos dois dias que se seguiram, ele tinha sonhado com várias coisas similares sobre Sasuke e acordado gritando. O outro tinha ido até lá para tranquilizá-lo da primeira vez, mas a recepção de Naruto não tinha sido boa, então ele nem se deu ao trabalho de ir ao quarto na segunda noite.
Neji ouviu tudo em silêncio, erguendo as sobrancelhas e esboçando algumas reações. Quando Naruto terminou de falar, o outro apenas apoiou a cabeça no punho e pareceu analisar todas as informações.
“Naruto, acho que devia se perguntar o que você quer, porque esse clima entre vocês está claramente te deixando estressado. A história de vocês vem se arrastando há anos, e você precisa decidir se quer deixar ele para trás ou não. Sasuke também parece bem perdido apesar do jeito que lida com as coisas, mas acho que está simplesmente reagindo ao que você faz. Afinal, ambos sabemos que ele não é do tipo que se comove com crises de ansiedade, muito menos que fica por perto dando apoio emocional, ainda que de um jeito meio... afetuoso. Resumindo, acredito que o poder de decisão sobre a amizade de vocês esteja nas suas mãos. Só não espere que ele vá ficar aqui. Mas pelo que o Uchiha disse, ele estaria disposto a te visitar mais vezes, e isso é um milagre visto que ele nunca fez nada para ninguém além de si mesmo e parece uma pedra de gelo sem empatia.”
Naruto deu um muxoxo. “Eu só quero sair dessa merda de cama! É horrível depender de alguém com quem você está irritado. Queria poder curtir meu Natal, ir ao festival com Sakura, montar uma árvore, a coisa toda, sabe? Se não fosse por esse idiota, eu não estaria preso aqui.”
Neji suspirou. “Porque você não fala com Tsunade? Às vezes ela deixa você ir ao festival, pelo menos.”
“Já tentei, ela insiste em dizer que não quer arriscar me colocar no frio e me deixar sentado por muito tempo por causa da minha coluna. Eu nem sinto mais tanta dor! E, além disso, eu sou um milagre da medicina, não é? Eu tô vivo até agora, não vou morrer por causa de neve!”, ele jogou a mão e o coto para o alto, fazendo uma careta com o incômodo no braço.
Neji fez uma expressão de ironia e Naruto bufou.
“Não adianta você ficar assim, Naruto, Tsunade-sama está cuidando de você.”
“Mas eu não quero mais ser cuidado... Eu daria qualquer coisa pra poder tomar aquela amarula de novo, só pra esquecer isso tudo e não lembrar nada no dia seguinte. E você tem noção do que é a minha namorada cuidar de mim no estado em que estou? Eu acho que ela já nem olha mais pra mim, parecemos amigos...”, resmungou, jogando a cabeça para trás em frustração enquanto Neji ria um pouco.
“Talvez você devesse cortar o cabelo.”, sugeriu ironicamente, achando graça.
Naruto fez um biquinho. “O que tem de errado com o meu cabelo? Você era a última pessoa que deveria estar falando isso, Pocahontas! E Sakura disse que tinha gostado. Eu gosto!”, retrucou, fazendo Neji dar uma risada alta, algo bem raro, e ele se pegou sorrindo de volta.
“Bom, eu ia adorar ficar aqui ouvindo você falar do quanto se acha bonito, mas são quase oito horas e eu preciso ir embora.”, ele se levantou, jogando os próprios cabelos longos para trás.
Naruto suspirou. “Ok...”
“Não se preocupe, eu volto dia 26, apesar das caras que eu recebo do anfitrião. Acho que ele não gosta muito de ter pessoas na casa dele, estou realmente surpreso.”, disse em tom de ironia.
Naruto bufou. “E do que ele gosta?”, resmungou com uma carranca enquanto Neji ia até a porta. “Tchau, obrigado pela visita. Se você me deixar aqui sozinho depois do Natal...”
“Não vou te deixar sozinho e ainda vou ler para você. Boa noite Naruto.”, saudou ele, saindo e fechando a porta.
Naruto suspirou — seu karma estava mais pesado que o normal. Ele sinceramente só queria um lamen, e nunca quis tanto dar um soco em Sasuke. Estava entediado, cansado, irritado, e a única coisa que podia fazer ali era dormir, dormir e dormir, além de olhar para a cara do idiota. Estava há tempos sem treinar, sua pele tinha perdido o brilho e seu cabelo realmente estava parecendo um ninho de pássaros. E ele culpava apenas uma pessoa por isso.
O dia 24 de dezembro chegou mais rápido ainda para Naruto, que acordou espumando de raiva naquele dia. Ele podia sentir o clima de Natal na cidade — as lojas estariam apinhadas de gente, tudo estaria decorado, as pessoas animadas, e o cheiro de comida encheria Konoha, com todos preparando a ceia da noite.
Naruto fechou a cara quando Sasuke abriu a janela (este era seu modo de acordá-lo agora) e saiu para buscar a bacia, fazer tudo que sempre fazia e sumir até o momento em que precisaria cuidar dele novamente. Mais apático do que o normal, ele apenas aceitou tudo sem resmungar. Sasuke deu almoço para ele, escovou seus dentes e saiu. Agora, ele voltaria só às dez da noite para cuidar de seus cortes, então Naruto se contentou em olhar pela janela, vendo apenas o céu fechado. O silêncio do Complexo era inabalável, e todos os dias eram os mesmos ali, por ser localizado na extremidade da vila. Ele se sentia mais isolado do que o normal naquele lugar, e isso o fazia sofrer em desânimo.
Eram três da tarde quando Sakura entrou com um sorriso, algo que o deixou surpreso, porque ela não tinha dito nada sobre estar de folga. A mulher vestia um sobretudo bege e um cachecol vinho, o que a deixava muito bonita. Ele sorriu quando a viu, ignorando a presença de Sasuke, que veio logo atrás dela.
Enquanto Sakura se sentava na cadeira sem dizer nada, o que era estranho, o outro se aproximou taciturno e trocou sua roupa para um agasalho preto bem quente. Eles não se encararam em momento algum. Depois, Sasuke penteou seus cabelos, para então o pegar no colo como tinha feito algumas vezes e descer a escada com sem dificuldade, colocando-o na cadeira de rodas no hall. Naruto, surpreso, olhou para Sakura. Ela vinha atrás deles descendo as escadas e sorriu.
“Vou te levar no festival, Naruto.”, explicou a garota com um brilho no olhar.
Naruto abriu um sorriso enorme. “Sério? Mas... e Baa-chan?”
Sakura surpreendentemente lançou um olhar quase imperceptível para Sasuke e depois de volta para ele. “Não se preocupe com isso, já resolvemos tudo. Vamos?”
Os olhos azuis brilharam e ele sorriu, iluminando o hall de entrada como o próprio sol, apesar do frio cortante lá fora. “Claro! Eu nem acredito que vou poder ver a vila, isso é demais! Obrigado, linda.”, agradeceu, e Sakura ruborizou um pouco, devolvendo o sorriso. Sasuke já tinha sumido de vista, o que era bom.
A garota empurrou a cadeira e saiu fechando a porta, fazendo o caminho para o centro de Konoha e deixando um rastro na neve baixa. Ela parecia animada também, e o humor de Naruto estava exultante.
“Você vai adorar o festival esse ano, tem uma árvore maior do que da outra vez e bem mais luzes. Além disso, tem uma barraca de yakitori e uma de gyoza, são coisas que você pode comer!”, ela contou animadamente.
Ele sorriu de orelha à orelha. “Ah, eu nem acredito que pude sair daquele quarto e ver pessoas, que vou passar um tempo com você...”, divagou, e Sakura riu baixinho.
A vila estava realmente bem decorada naquele ano — apesar de estar cedo e as luzes não estarem acesas, havia vários enfeites pelas ruas, nas lojas e nas árvores. Conforme eles iam chegando ao memorial, onde o festival acontecia, as pessoas o viam e o cumprimentavam animadamente, o que ele respondia com um sorriso de tirar o fôlego.
Naruto sorriu para a área quando chegaram ao memorial, porque estava realmente incrível. O imenso pinheiro no centro de tudo estava decorado com laços, bolas e enfeites em tons de vinho e dourado, e a fina camada de gelo sobre tudo dava um ar ainda mais incrível. Ele olhou em volta e não viu nenhuma pessoa que conhecia, mas o local estava razoavelmente cheio. Uma música suave instrumental saía dos alto falantes montados de cada lado da grande área.
Sakura parou para Naruto apreciar a visão e ele olhou por cima do ombro para ela, feliz. A garota abraçou seus ombros com cuidado e pousou um beijinho em sua têmpora antes de levá-lo para um canto e fixá-lo na extremidade de uma das mesas de piqueniques que tinha ali, o que o permitiu ficar vendo o movimento. Ela se sentou no banco da mesa em sua diagonal e pegou sua mão, que repousava sobre a coxa.
“Sakura, olha, ali tem uma barraca de pastéis!”, apontou com o queixo, entusiasmado.
Ela riu. “Sim, eu vi, mas infelizmente você não pode comer frituras.”, respondeu ela com um sorriso apologético.
Ele deu um muxoxo antes de voltar a olhar ao redor, onde crianças brincavam e pessoas conversavam e riam. “Estranho eu não encontrar ninguém aqui. Será que estão todos em missão?”, ele especulou, virando-se novamente para Sakura. “Todo ano eu encontrava Chouji aqui, ou Lee e Hinata.”
“Hum, não sei, Naruto. Talvez eles ainda não tenham vindo, são só quatro horas agora.”, ela olhou para o relógio de pulso, distraída. “Ei, você quer que eu busque alguma coisa para você comer?”, ofereceu.
Naruto assentiu. “Sim, pegue tudo que eu puder comer, por favor! E eu espero que um pastel de legumes esteja incluído nisso.”, ele deu uma piscadela para Sakura, que riu e se levantou.
“Não está, mas posso te abrir uma exceção para alguma gyoza diferente que eu encontrar lá.”, ela disse, abaixando-se para dar um beijinho no rosto dele e o fazendo sorrir mais ainda.
“Ei, me leva com você, quero dar uma olhada por ai!”, pediu Naruto, e a garota então puxou a cadeira de rodas com ela.
Ele estava feliz de poder sair da casa e se afastar da presença taciturna de Sasuke. O momento em que ele foi minimamente gentil com Naruto parecia fruto de sua imaginação, o que o deixou muito chateado e deprimido. Se Sasuke não fosse um idiota, ele poderia estar ali, em sua constante cara feia que afastaria as pessoas, reclamando que o fizeram sair e ver seres humanos sem necessidade.
Suspirou. Ele era muito difícil de lidar e tinha se tornado ainda mais uma incógnita, um teorema que Naruto já não conseguia mais entender. A afetividade que ele tinha demonstrado depois da briga fez mais mal do que bem, porque o fez sentir falta daquilo e se perguntar se Sasuke agora tinha capacidade de demonstrar o mínimo de cuidado com pessoas, algo que ele não tinha muito, antes. Ele nunca foi do tipo falante, e tudo que expressava, era através de algumas ações seguidas de algum comentário sarcástico.
Mas naquele dia, Sasuke se deitou ao lado dele e o abraçou, o que provava que o homem ainda tinha alguma capacidade de ler Naruto, porque percebeu que era isso que ele precisava. Por fim, o sentimento era de que era o único perdido ali, como se Sasuke estivesse no controle de tudo e ele não, diferente do que Neji tinha dito. Não conseguia lê-lo ou entender porque ele mudava de atitude tão repentinamente.
Sakura sorriu para ele enquanto voltavam para a mesa depois de horas — diferente do que tinham combinado, Naruto decidiu que gostaria de vê-la jogando nas barracas do festival, já que ele mesmo não podia fazer isso. Ela tinha tirado pontos máximos nas provas de força, obviamente, e foi muito bem nos jogos de mira. Ele se divertiu vendo Sakura se irritar para quebrar os doces com uma agulha e na pescaria, recebendo alguns xingamentos de presente por isso, apesar dela rir com ele.
Então ela finalmente passou pelas barracas de comida e comprou a maioria das coisas que ele queria (e podia) comer, indo se sentar novamente em uma das mesas de piquenique. Naruto ficou decepcionado ao perceber que Sasuke era melhor em lhe alimentar, porque o homem já sabia o que ele queria sem precisar pedir, por mais que odiasse admitir. O sol já descia no horizonte quando eles terminaram suas refeições.
A mulher então checou o relógio, olhando para o céu cujas estrelas brilhavam lindamente. O vento tinha se tornado mais cortante e as luzes da cidade foram acesas repentinamente, iluminando todo o caminho ao redor e a grande árvore de Natal, o que fez Naruto sorrir enquanto tinha sua única mão segura entre as dela.
“Ei, obrigado por hoje. Eu ia acabar passando o natal sem ninguém esse ano, sentado naquela cama, então... Obrigado.”, ele murmurou. Sakura lhe deu um olhar enigmático que ele não entendeu. Ela parecia pensativa. “O que foi, Sakura? Tem alguma coisa errada?”
A mulher suspirou e deu um sorriso cansado que não chegou aos seus olhos. “Não, está tudo bem. Só estou pensando no que você disse. O que aconteceu com vocês dois?”, ela indagou, sem precisar especificar quem era ele.
Foi a vez de Naruto soltar o ar. “O que você quer dizer?”
“Naruto.”, ela proferiu em tom de reprovação. “Vamos, chega de fingir que eu sou idiota. Num dia vocês mal conversam, no outro ele te trata como um bibelô, e no dia seguinte você para de sequer reconhecer a presença dele. O que está acontecendo?”
Ele desviou o olhar para o colo por um momento antes de decidir falar. “Eu... não sei, Sakura. Não acho que você seja idiota, só... é tão difícil falar sobre Sasuke, é constrangedor, entende?”, ele levantou os olhos para as estrelas, e a mulher continuou em silêncio. Naruto suspirou e a encarou finalmente, então. “Olha, é o seguinte: eu sei que você nunca se deixou enganar sobre eu ficar bem a respeito dessa história, e você estava certa em tudo que disse, por mais que eu odeie admitir. Mas... Mas acho que preciso admitir pra poder seguir em frente de verdade, então vou fazer isso agora. Eu... tenho refletido muito durante esses dois anos e não entendo mais o papel dele na minha vida, não entendo o lugar que ele ocupa e porque é tão difícil seguir em frente, sabe? Sasuke me deixa... confuso. Em uma hora eu me sinto tão mal sem ele por perto e em outras eu só quero enfiar um Rasengan bem fundo na bunda dele e mandar ele sumir. Acontece que... bem, eu não sei se você sabe disso, mas ele me visitava ao longo desses dois anos.”, confessou.
Sakura arregalou os olhos na penumbra do início da noite. “Ele vinha até Konoha te ver? Quando? Eu não sabia disso.”
Apesar dela não parecer irritada, ele tinha uma expressão culpada agora. “Ele veio algumas vezes... umas cinco, talvez. A primeira visita dele foi seis meses depois que ele partiu. Ele vinha a cada vários meses, e nunca dizia nada, a gente só treinava. Eu comecei a ficar ansioso quando saia da vila, porque não sabia quando ele ia aparecer de novo, mas sempre que eu estava aqui, eu tinha a sensação de estar...”, seus olhos vagaram ao redor, procurando uma palavra menos constrangedora, mas não precisou.
“Esperando.”, completou Sakura, e ele a observou, surpreso. “Eu me sentia assim também, não se esqueça dos sentimentos que eu tinha por Sasuke, Naruto. Eu costumava sonhar que ele voltava para a vila depois de finalmente vingar o clã, então vivia esperando. Sei bem qual é a sensação.”
Naruto assentiu e continuou. “Sim, é isso. E eu pensava nisso todo dia, como sempre foi por vários anos, mas saber que ele estava bem e não precisava mais da gente me pirou, não sei. Em uma das visitas dele, foi quando fiz aquele corte no braço. E depois disso, na última vez que veio, a gente discutiu. Eu perguntei porquê ele vinha se não dizia nada nunca e Sasuke não soube me responder. Aquilo me deixou tão triste... Então eu disse que não precisava mais vir e entrei pra Anbu, porque sentia que precisava de movimento, precisava sair daqui um pouco e mudar minha vida. Era o final de um ciclo.”
Ela o observava atentamente e seus olhos verdes eram realmente piedosos, o que o incomodou. Naruto não precisava que ninguém sentisse dó dele.
“Foi isso, então. Eu sabia que algo tinha acontecido pra você decidir aceitar aquela proposta. Você estava tão estranho que eu tive medo de estar te perdendo. Eu nunca entendia o que estava acontecendo.”
“Sim, me desculpe. Quando eu vi que ele realmente não voltaria, decidi seguir em frente, mas não sabia como começar. De qualquer jeito, entrar pra Anbu foi bom, eu estava bem, estava me encontrando novamente, sabe? Acredito que em poucos meses eu teria conseguido voltar ‘ao normal’ e conseguido entender o que fazer e pra onde ir, mas então fui capturado. Antes disso eu tinha entendido que Sasuke nunca foi realmente meu amigo, que eu só o obriguei a ‘fazer o que era certo’ o perseguindo. Ele nunca veio atrás de mim realmente e nunca demonstrou se importar muito, então eu estava conformado com o fato de não sermos amigos. Mas quando aquela mulher me pegou e começou a perguntar sobre ele, eu senti tanto medo, Sakura. Depois de tanto tempo, eu ainda teria morrido por Sasuke lá, e não teria entregado ele nem se soubesse onde ele estava. Eu teria morrido pra proteger a vila e Tsunade-baa-chan mas, principalmente, teria morrido para proteger Sasuke. Eu prefiro morrer do que colocá-lo em perigo.”, disse tristemente com a voz fraca.
Sakura tinha lágrimas nos olhos verdes agora, segurando-se na borda de suas pálpebras para não derramarem. Naruto apertou de leve a mão dela e a garota limpou a garganta, ainda prestando atenção no que ele dizia.
“Quando eu voltei e vi ele ali... Eu não sei, eu tive muita raiva. Eu tinha muita raiva de toda forma, mas ele me deixou realmente puto quando voltou, porque... bem, ele me confunde e eu nunca sei qual é a dele, agora menos ainda. Eu senti tanta falta dele nesse meio tempo, que quando vi ele ali, não consegui lidar, porque tinha que continuar seguindo em frente, não podia me deixar levar pelos meus sentimentos e achismos de que ele se importava comigo. Então num dia, depois de eu ter me mudado para a casa dele, Sasuke se irritou com uma coisa e começamos a discutir, eu disse que não precisava dele e isso o deixou com raiva, então ele falou algumas coisas. Coisas pesadas. Disse que sabia como eu tinha ficado sem ele, como eu me senti vazio e sozinho, e perguntou porque eu fui atrás por anos se não precisava dele aqui. Disse que sabia a bagunça que eu tinha ficado, e aquilo me deixou realmente muito mal. Eu vi que ele não tinha mesmo mudado, porque se Sasuke sabia a bagunça que me deixou e ainda assim tinha coragem de falar essas coisas na minha cara, ele realmente não se importava comigo. Como eu disse, eu o forcei a me aceitar indo atrás dele por todo esse tempo, e isso ficou claro naquele momento, porque ele disse aquelas coisas ciente de que iam me machucar. Essa era a intenção dele. E semanas antes, eu teria morrido para protegê-lo. Fui tão idiota.”
“Naruto...”, Sakura tinha a mão livre sobre a boca e as lágrimas finalmente desceram por seu rosto bonito. Ela as limpou discretamente.
Ele continuou. Era como se tivesse aberto uma válvula que nunca mais poderia ser fechada. “Sim. Bem, naquela noite eu passei mal. Tive uns pesadelos. Quer dizer, eu sempre sonhei com ele indo embora, ou com a nossa luta no Vale, com a mão dele enfiada no meu peito com o Chidori... mas esse sonho foi diferente, e eu acordei realmente perturbado e no meio de uma crise de pânico ou algo assim. Na hora, ele que foi me acordar e parecia tão preocupado que eu... não sei, eu só vi meu melhor amigo por baixo daquele homem frio. Ele me acalmou, foi muito... gentil, e conseguiu entender o que eu precisava no momento sem eu abrir a minha boca. Foi uma das poucas vezes que eu me senti conectado com ele, e aquilo me acalmou, como se toda a dor que ele me causou fosse só um passado distante, porque era meu melhor amigo ali, entende? No dia seguinte Sasuke começou a me tratar diferente, com mais cuidado. Na verdade eu acho que foi coisa da minha cabeça, mas foi como eu me senti...”
“Foi o dia que eu te dei banho, não é?”, a garota perguntou, limpando as lágrimas e fungando. Naruto fez que sim. “Não foi coisa da sua cabeça. Eu vi vocês, e fiquei chocada. Vocês pareciam... Não sei, realmente conectados, e eu fiquei confusa, porque até então vocês mal conversavam. Mas não foi coisa da sua cabeça. O que aconteceu para isso mudar, então? Porque você voltou a ignorá-lo?”
Naruto ruborizou por um momento e desviou o olhar. “Bem, ele... me chamou de ‘dobe’ como fazia antes, e eu meio que reagi mal. E-eu sei que é idiota, mas ouvir ele me chamar assim doeu tanto, porque era estranho, e isso fez eu perceber que as coisas jamais seriam as mesmas novamente, então eu disse pra ele não me chamar mais assim, e acho que ali a coisa toda meio que desabou de novo. Já estava tudo instável de qualquer forma. Eu estava tentando esquecer tudo que ele tinha dito na briga, mas não tenho como ignorar. Então voltei a ficar com raiva porque ele voltou a ser o mesmo idiota de antes, e paramos de nos falar. Sasuke... Ele não se importa muito, apesar das coisas legais que às vezes consegue fazer. Acho que nenhuma delas anula as coisas ruins que disse ou a decisão de ter ido embora sem olhar pra trás. E sempre que estou perto dele, preciso me lembrar de que ele nunca foi meu amigo, de que não temos esse vínculo. De que ele só está ali cumprindo uma obrigação, porque Kakashi determinou assim.”
Sakura parecia meio chocada agora, e claramente estava pensando em tudo que ouviu. “Naruto...” ela murmurou depois de algum tempo. “Eu fiz de tudo pra te afastar de Sasuke quando ele voltou, mas ainda assim... Não acredito nem por um segundo que ele não se importe. Eu acho que você está muito ferido e com razão, mas isso te faz distorcer as coisas. Sasuke jamais faria por outra pessoa tudo que faz por você, nem por obrigação.”
Naruto sentiu o coração apertar ao ouvir isso e seu nariz pinicou, mas ele não se deixou desabar. “Eu não sei, Sakura... As pessoas ficam falando isso, mas eu realmente não consigo ver.”
“Bem, eu acho que só você não consegue, porque está claro para todos a amizade de vocês. Eu sei que é doloroso, mas... você estar mal e machucado pelas decisões dele não apaga o vínculo que vocês tiveram e ainda têm, por pior que seja atualmente. Isso é algo que, apesar de te machucar, existe e existiu, você querendo ou não. Mas eu sei que ele se importa do jeito dele. A gente conversou pouco e na maioria das vezes ele é só o mesmo idiota metido de sempre, mas em alguns momentos eu consigo ver que ele mudou para o bem. E ele se importa muito com você, acho que só... prefere manter distância porque sabe que assim é mais fácil, não sei. Mas eu consigo falar com facilidade que ele realmente faz coisas por você que com certeza não faria por ninguém. E por incrível que pareça, eu tenho certeza que Sasuke jamais te entregaria. Ele também teria morrido para te proteger, apesar de eu odiar admitir isso. Posso não querê-lo aqui por saber o quanto isso te afeta, mas confio nele para te proteger em qualquer sentido. Ele mudou, e ele se importa.”, concluiu em um sorriso meio triste. Ela parecia... magoada, por mais que isso não fizesse sentido.
Naruto engoliu seco e foi como se uma bigorna caísse em seu estômago. “Como você sabe?”
Sakura se levantou e foi até as costas dele, começando a empurrar a cadeira de volta. “Eu só sei, Naruto. Vamos embora, já são quase oito horas. Ainda tem mais uma surpresa para você.”
Notes:
Sobre Naruto chamar Neji de "Pocahontas": eu sei que provavelmente eles nem sabem quem é Pocahontas, mas a história é minha e eu decidi que o Neji se parece com a Pocahontas, então apenas aceitem hahahahahahahahahahaha
Chapter 21
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Eles ficaram em silêncio por todo o tempo que levaram para voltar para o Complexo Uchiha. Sakura parecia mais perdida em pensamentos que o normal, nem reparando quando Naruto olhava por cima do ombro para checar o porquê do silêncio. Conforme chegavam mais perto da única casa acesa no fim do Distrito escuro, o estômago de Naruto foi ficando mais e mais apertado.
Ele não queria voltar para lá e ser confundido novamente por seu ex-companheiro de time, ainda mais depois do que Sakura tinha dito. Ele nunca se sentiu tão perdido antes. Quando pararam diante da porta, Sakura tocou a campainha — algo estranho, porque provavelmente a casa estava aberta — e esperou uns momentos.
Houve alguma movimentação e era provavelmente Sasuke descendo para colocá-los pra dentro, mas isso demorou mais do que o necessário. A porta então foi deslizada e Naruto teve o cuidado de não olhar na direção do outro enquanto Sakura entrava com ele, mas tudo tinha mudado por causa da conversa anterior. Mais uma vez ele sentia a presença de Sasuke pesando sobre si novamente.
Assim que adentrou o hall, sentiu um cheiro delicioso de comida no ar, e não o tipo que ele podia comer, provavelmente. Sakura, então, se dirigiu com ele para a sala, cuja luz estava apagada. Isso era estranho, porque Naruto não costumava ir ali. De fato, a única vez que tinha visto a parte de baixo da antiga casa dos Uchiha tinha sido naquele mesmo dia, porque ele nem saia do quarto. A mulher colocou a cadeira de frente para a entrada da sala e acendeu a luz.
Era um lugar muito bonito — tinha dois sofás fofos na cor mostarda, uma mesa de centro, uma televisão em cima de um móvel e um grande tapete todo desenhado, além de uma cristaleira e o que pareceu ser um aparador, mas os olhos de Naruto não chegavam ali. Entretanto, o que o surpreendeu é que, além do lugar estar impecavelmente limpo, havia uma enorme árvore de natal montada no canto da sala, cheia de presentes embaixo, e uma decoração na mesa de centro e em cada uma das enormes janelas, todas emolduradas com coisinhas de natal e guirlandas.
No momento em que Naruto abriu a boca para perguntar, houve uma explosão e pessoas surgiram de todos os lados gritando “Feliz Natal!”. Ali estavam todos os seus amigos e, inclusive, Kakashi.
Ele encarou as pessoas que riam e então sorriu, pasmo. Sasuke aparentemente tinha aceitado fazer uma ceia de natal com todos os seus amigos, e isso era muito, muito, muito fora do leque de coisas que ele diria que o outro faria, ainda mais ali, na antiga casa de seus pais, o santuário da morte de seu clã.
Algo gelado caiu em seu estômago, uma mistura de felicidade com uma pontada de culpa, porque sabia que aquilo não estaria acontecendo se Sasuke não tivesse realmente concordado com a situação. E isso era impensável, porque o ex-colega de time não gostava de nenhum dos amigos de Naruto, odiava qualquer festa no mundo e, acima de tudo, odiava se sentir invadido.
Sakura o levou para perto do sofá enquanto as pessoas começavam a conversar e Sasuke surgiu diante dele vestindo sua capa preta de viagem, o que significava que ele tinha saído ou ia sair. Ele se inclinou sobre Naruto e o levantou no colo. Imediatamente, sentiu o cheiro impregnado em Sasuke — de mato com neve e de um leve almíscar de suor, bem parecido com o cheiro em suas lembranças, e isso trouxe antigas memórias felizes que aqueceram seu peito dolorosamente.
Virou o rosto para o lado e encarou Sasuke pela primeira vez em dias, mas o outro não olhava em seus olhos, então não percebeu. No momento em que o homem se virou para o sofá e ia se abaixando, Naruto passou a mão delicadamente pelos ombros dele, que por um segundo parou no meio do caminho e hesitou minimamente.
Sentiu Sasuke o apertar um pouco mais contra ele naquele ínfimo segundo antes de delicadamente colocá-lo no sofá fofo e extremamente confortável. Naruto demorou um pouco mais do que o necessário para soltá-lo, e enquanto o homem se colocava de pé, seus olhares se travaram, o azul no negro, intensos e carregados de várias coisas não ditas.
Por mais que tudo tivesse durado cerca de um segundo, quando Sasuke se virou e saiu com a cadeira de rodas rumo à escada, o corpo e a mente de Naruto pareciam saturados por tudo que veio dele, a intensidade de sua existência. Sakura tinha visto o olhar entre os dois, então o observava de esguelha enquanto as pessoas se juntavam para cumprimentá-lo.
Agora que estava sentado, podia ver o grande aparador encostado a um canto, cheio de pratos coloridos de Natal, todos decorados. Depois de algum tempo, quando os convidados se dispersaram das conversas casuais com Naruto e cumprimentos, Sakura se sentou ao lado dele, ainda esgueirando de uma forma estranha. O homem estava muito feliz, mas procurava Sasuke que não tinha voltado ainda.
“Feliz Natal, Naruto.”, ela murmurou com um sorrisinho contido.
“Feliz Natal, Sakura.”, sorriu, enquanto observava as pessoas comendo, conversando e bebendo. “Ei, hã... Como...?”
Sakura o observou por um momento. “Bem, acho que Kakashi propôs a festa, pelo que entendi, e de alguma forma convenceram Sasuke, mas não sei de muita coisa.”
Naruto assentiu e tornou a olhar discretamente na direção da escada, se desapontando ao ver o hall vazio. Sakura, então, depois de um tempo em silêncio, disse que precisava falar com Ino e se levantou sem esperar resposta.
Naruto olhou em volta outra vez e captou Neji, que vinha até ele parecendo um verdadeiro anjo — vestia roupas largas em um verde-água suave com detalhes mais escuros que contrastavam perfeitamente com seus cabelos negros soltos. A marca na testa parecia brilhar, um pouco mais escura que suas vestes, e os olhos estavam ainda mais lilases contra todo o verde. Ele veio silenciosamente enquanto segurava uma taça fina e se sentou ao seu lado com elegância.
“Às vezes, acho que você se esquece que eu sou um homem, pelo jeito que me olha.”, ele ironizou em um murmúrio.
Naruto deu os ombros. “Bem, eu não tenho vergonha de admitir quando vejo um cara bonito.”, respondeu com um sorriso torto.
Neji curvou os lábios grossos para cima levemente e Naruto seguiu o movimento de maneira inconsciente. “Com essa, são duas vezes que você dá em cima de mim. Acho que você precisa mesmo passar mais tempo com Sakura.”
Naruto riu e lançou outro olhar para a escada. Agora que notava, uma música instrumental suave tocava de fundo, vindo de um som no canto da porta que aparentemente dava para o jardim.
“Hoje eu contei a ela sobre o que acontece entre mim e Sasuke.”, murmurou depois de um tempo quieto.
Neji ergueu as sobrancelhas, dando uma bicada na taça. “Hm, e o que ela disse?”
“Que ele se importava comigo mais do que eu penso, e que eu estou distorcendo as coisas por estar machucado.”
“Não sabia que Sakura podia ser tão perspicaz. Acho que concordo com ela.”, respondeu.
“Bem, eu não tenho como negar isso depois de chegar aqui e ter uma festa de natal pra mim... Mas não sei o que isso significa pra mim e Sasuke, entende? E depois que eu contei o que aconteceu para Sakura, ela pareceu tão pensativa e chateada, sei lá.”, os olhos azuis estavam angustiados.
“Talvez ela esteja assimilando ainda, é bastante informação. Além disso, você escondeu tudo isso por dois anos, acho que ela tem motivo para estar chateada.”, expôs Neji.
Naruto concordou com a cabeça, pesaroso. “Você tá certo. Espero que ela não fique com raiva de mim por muito tempo. Está tudo tão confuso ultimamente, eu me sinto uma bagunça, a conversa com ela teve um resultado que eu não esperava... E essa festa realmente me pegou de surpresa, nunca imaginei que Sasuke fosse concordar com algo assim aqui. Não é nada do feitio dele.”, seu suspiro foi mais profundo do que o normal.
“Essa era a ideia, imagino, por isso se chama ‘festa surpresa’.”, Neji comentou distraído, fazendo Naruto revirar os olhos com isso.
Ele deu outra olhada para o pé da escada, a quinta ou sexta vez que checava em meia hora, inquieto. Não sabia onde estava Sasuke. Queria vê-lo para entender que pé estavam, como ele deveria se portar, mas o outro era introspectivo demais para participar da festa, provavelmente. Ou pensava que Naruto não o queria ali, o que teria sido verdade se fosse antes da conversa com Sakura.
“Ei, você quer que eu te ajude a comer?”, ofereceu Neji, e Naruto assentiu humildemente. Recebeu em troca um pequeno sorriso e Neji se levantou, indo para a mesa cheia de comida.
A festa ia bem — Tenten e Lee conversavam com Shino e Hinata no outro sofá, Chouji, Shika, Kakashi e Kiba riam perto da janela observados por Sai, que permanecia em silêncio, e Ino e Sakura cochichavam a um canto, parecendo absortas e sérias em uma longa conversa. Sakura lançou um olhar na direção dele e desviou rapidamente, voltando a falar com Ino.
Ele se sentiu mal. Realmente tinha guardado aquilo tudo por tempo demais, e Sakura tinha o direito de estar chateada, mas esperava que passasse logo. Lançou outro olhar para o pé da escada e suspirou, mas Neji então sentou ao lado dele com um prato feito.
“Não sabia o que você queria, mas peguei peru. Você pode comer peru?”, indagou juntando as sobrancelhas.
Naruto deu os ombros. “Eu sei lá, mas considerando que eu posso comer outros tipos de carne, imagino que sim.”
“Bom, se você morrer, vou deixar claro que a culpa é sua.”, murmurou, levando comida até sua boca.
O peru estava excelente, suculento e suave, o que fez ele se perguntar quem tinha feito todos os pratos. Comeu devagar enquanto conversava uma coisa ou outra com Neji e observava Sakura de longe, ao mesmo tempo em que procurava Sasuke na escada, mesmo já tendo se conformado que ele não iria descer. O fato encheu seu coração de mágoa de si mesmo e alívio ao mesmo tempo, por não precisar lidar com a presença dele.
Tinha terminado de comer há pouco mais de uma hora e conversava com Kakashi e Kiba quando viu Sasuke se aproximar em um movimento discreto, por mais que as pessoas na festa parassem de conversar um pouco e lançassem olhares de esguelha para o homem, o que incomodou Naruto profundamente. Sasuke não pareceu perceber ou se importar, apenas parou diante dos três, encarando Kakashi.
“Preciso dar os remédios dele.”, disse sem inflexão na voz e na expressão, e o Hokage assentiu com o que pareceu ser um sorrisinho sob a máscara. Kiba apenas deu os ombros e se recostou no sofá.
Sasuke, que agora vestia as roupas casuais de ficar em casa, abaixou para pegá-lo, o que fez seu coração bater mais rápido no peito e o ar se prender em sua garganta. Naruto passou os braços pelos ombros dele novamente e, enquanto era carregado no estilo “noiva” pela escada, Naruto se deixou inclinar um pouco sobre o ombro de Sasuke, e agora ele cheirava novamente à limpeza, o que o decepcionou um pouco. Ainda assim, o perfume do sabonete de Sasuke pareceu encher sua cabeça e seu corpo, envolvendo-o profundamente em algo que não conseguia descrever.
Ao entrarem no quarto, foi colocado sob a cama trocada, mas não soltou o amigo tão rápido dessa vez, e quando o fez, pôde sentir as mãos dele deslizando por seu braço e pelo coto enquanto se afastava — um gesto normal para qualquer um e provavelmente para Sasuke, mas Naruto se sentiu quase acariciado e isso fez sua pele formigar intensamente.
Encarou-o por um momento, mas os olhos de obsidiana estavam ilegíveis, apesar de não se desviarem dos seus. Ele deslizou a camiseta de Naruto para cima sem quebrar contato visual e o tempo gelado fez sua pele se arrepiar, enquanto era despido e deixado apenas de cueca.
Sasuke pegou o tubo de creme e colocou um tanto na mão — agora que seus cortes estavam mais cicatrizados, ele não sentia mais dor, o que permitia o outro passar a pomada de uma vez.
“Ei, porque você não desceu?”, piou Naruto humildemente, enquanto sentia a pele aquecida do outro deslizar pela sua com calma e cuidado.
Sasuke deu os ombros, subindo o olhar para fitá-lo. “Não gosto de festas e não tenho assunto com ninguém ali.”
“Você podia ter ficado comigo.”, respondeu enquanto suas bochechas pegavam fogo. Mais uma vez ele tentava suprimir as emoções intensas que o encostar de suas peles provocava.
Sasuke levantou o canto da boca discretamente em um sorriso quase imperceptível e educado, mas apenas isso fez Naruto ruborizar ainda mais e sua saliva ficou presa na garganta. O homem terminou de passar o creme em suas coxas, arrepiadas por causa do frio, e o encarou brevemente, incerto.
“Vou te virar.”, soprou em sua voz de barítono.
Naruto assentiu e soltou o ar que não sabia que prendia. Sasuke tocou seu ombro e seu quadril com a leveza de uma pluma e o tremor que subiu por sua espinha não teve como ser disfarçado enquanto era virado de costas.
“Está com frio?”, indagou Sasuke, parecendo preocupado.
Naruto fez que sim, pois estava todo arrepiado e era um dia de neve, querendo ou não, apesar de não estar frio no quarto. As mãos subiram por suas costas gentilmente, de baixo para cima e de dentro para fora na massagem lenta que Sasuke lhe dava todos os dias por causa de seus músculos, e uma pressão diferente se alojou em seu estômago. Sentiu os ombros se soltarem e encarou Sasuke de lado com olhos pesados. O homem retribuiu o olhar com um que ele não entendia bem, mas era intenso como o inferno enquanto massageava agora seus braços, e Naruto deixou escapar um suspiro suave.
Quando Sasuke passou para as pernas, Naruto sentiu os músculos retesarem e outro arrepio chacoalhou sua espinha, os pelos de seu corpo todos se eriçando, e Sasuke fingiu não ver.
Quando terminou o tratamento em suas pernas, Naruto o parou, sentindo-se estranho e afetado. “Sasuke, espera. Eu... Eu preciso que você chame a Sakura. Agora.”, pediu Naruto de repente, o que fez o homem parecer confuso.
“Eu estou aqui.”, murmurou a mulher encostada na porta como se estivesse observando desde sempre, o que fez os dois se assustarem — um verdadeiro milagre, porque dificilmente Sasuke era pego de surpresa.
Naruto, ainda de costas, olhou para um Sasuke levemente confuso, que saiu a passos largos e fechou a porta. Sakura se aproximou e ela parecia incerta, o que a fez ficar apenas esperando em silêncio.
Ele deu um sorriso sem graça. “Prefiro que você coloque roupa em mim... acho que a falta que eu sinto de você está fazendo meu corpo se rebelar em momentos estranhos.”, ele juntou os lábios, sentindo-se envergonhado.
Sakura respirou fundo, encarando-o nos olhos como se buscasse algo ali, e o virou. Ele corou com a ereção que exibia na cueca, e a mulher apenas começou a vesti-lo de maneira profissional, ignorando sua barraca. Naruto estava extremamente vermelho e Sakura tinha uma expressão severa enquanto terminava, o que o deixou mais confuso ainda e chateado. Queria dizer algo, mas tinha medo de deixá-la ainda mais nervosa.
“Vou chamar Sasuke para te levar novamente lá para baixo.”, ela avisou.
Naruto deu um suspiro. "É muita falta de educação se eu ficar aqui? Eu estou tão cansado...”, ele fez um beicinho.
“Não, todos vão entender, você ainda precisa descansar. Não se preocupe.”, Sakura passou a mão por seus cabelos como se o estudasse, mas pareceu bem decepcionada logo em seguida. “Boa noite, Naruto.”
“Boa noite, linda.”, ele tentou sorrir e fez um biquinho, buscando um pequeno beijo depois de tanto tempo.
Isso claramente a perturbou por um momento, e um olhar quase confuso passou por seu rosto antes dela se inclinar e lhe dar um selinho bem casto. Ela fez um carinho em seu rosto antes de se virar e sair, deixando a porta agora aberta no processo. Sasuke esperava ali, ainda parecendo um pouco confuso apesar da expressão estoica que estava acostumado a apresentar.
Se aproximou devagar, fitando-o de maneira distante. “Quer que eu apague a luz?”, murmurou.
Naruto o encarou por um momento, abrindo a boca e desistindo do que ia dizer. Para variar, Sasuke o confundia e o fazia mudar de ideia vinte e cinco vezes em um segundo. “Sim, por favor.”, sussurrou, então, quando seu cérebro escolheu o que fazer.
A luz do abajur foi desligada, deixando o quarto totalmente no escuro exceto pela luz que vinha do corredor, e no momento em que o amigo estava quase perto da porta, Naruto deixou escapar o que gostaria de ter dito antes.
“Fique aqui comigo.”, ele sussurrou baixinho, quase torcendo para que Sasuke não tivesse ouvido, mas soube que sim quando ele parou no meio do caminho e se virou na penumbra que a luz do corredor criava perto da porta.
De repente o único olho visível se ancorou em Naruto, vivo e turbulento antes dele fechar a porta devagar atrás de si, deixando o cômodo totalmente escuro. Seu coração parecia bater na garganta, e mesmo não vendo, sabia que estava sendo avaliado. Ouviu os passos leves do homem indo para sua esquerda e sentiu o peso na cama, um remexer, e então tudo ficou em silêncio. Acostumando-se com a falta de luz, Naruto tornou a virar o rosto para fitar Sasuke, que já o observava.
“Quer que eu tire as almofadas?”, ofereceu, e Naruto fez que sim.
Sasuke se sentou e fez o mesmo com ele, que se manteve aparado sem necessidade contra o peito do homem como se pudesse desequilibrar e cair a qualquer momento. O calor de Sasuke era sentido através dos tecidos das roupas, e suas respirações estavam sincronizadas. O cabelo negro fez cócegas em seu rosto e cheirava à uma mistura do seu shampoo de camomila com o sabonete do outro, algo impossível de descrever. O homem tirou as almofadas para o lado e em seguida o deitou, ajeitando-o antes de voltar para o lugar. A única coisa que indicava que Sasuke estava ali era o peso na cama, e isso não parecia ser o suficiente, então Naruto começou a falar.
“Eu preciso agradecer Kakashi depois.”, murmurou, virando o rosto para vê-lo.
O homem tinha os braços cruzados atrás da cabeça e os olhos fechados; mesmo no escuro dava para ver seus cílios grossos descansando sob as maçãs do rosto. “Por?”
“Pela ideia da festa.”, explicou, torcendo para Sasuke abrir os olhos e ele ser capaz de avaliá-lo de alguma forma.
“Hum.”, foi a resposta que recebeu.
Eles ficaram em silêncio por um tempo até Naruto quebrá-lo novamente. “Sasuke, eu... sinto muito.”
Sasuke virou o rosto magro e finalmente abriu os olhos parecendo levemente irritado, o que o fez se perguntar o que tinha dito de errado. “Sente muito? Pelo que?”
“Pela briga, por ter te ignorado esses dias do nada, e... por ter ficado com raiva de você ir embora. Eu sei que é importante pra você.”, explicou. Sasuke levantou o tronco da cama, apoiando-se num braço para se virar de frente para Naruto, que sentiu o próprio corpo se curvar minimamente para ele em resposta.
“Você não tem que me pedir desculpas por nada, Naruto.”, ele disse duramente. O tom o confundiu. Não entendia porque Sasuke estava irritado, estava só tentando se desculpar. Mas aparentemente, nada com o idiota era fácil. Sasuke continuou falando. “você é a última pessoa que deveria me pedir desculpas. Não fez nada de errado.”, concluiu.
Os olhares se perdiam um no outro. “Você também não.”, respondeu Naruto seriamente, ouvindo o próprio coração batendo nos ouvidos.
Sasuke negou lentamente com a cabeça. “Isso não é verdade. E não é como você se sente, também.”, a voz dele era um pouco menos dura. O amigo colocou a própria franja atrás da orelha, e o peso e a beleza do Rinnegan fez o pulso de Naruto acelerar mais ainda. Sasuke ficou em silêncio por um momento, analisando-o. “Eu sei o que eu fiz, e sei o que falei, mas nunca quis te fazer mal. Eu já fiz você passar por coisas o suficiente.”, concluiu asperamente. Isso o fez entender que a raiva que o outro simulava era contra si mesmo, não contra ele.
“Sasuke, tudo que passei fui eu que escolhi. Eu que sempre te forcei a me aceitar, e sinto muito por isso. Você não me deve nada e não é obrigado a me ver como um amigo.”, explanou com pesar.
Sasuke negou com a cabeça. “Eu nunca fui obrigado a te aceitar e sou grato por não ter desistido de mim. Você nunca foi um peso. Eu achei que você soubesse disso.”, murmurou solenemente. Os olhos implacáveis o encaravam profundamente.
Ouvir isso fez o peito de Naruto se apertar e aquecer. “As coisas mudaram e minha percepção talvez tenha se perdido. Acho que eu me perdi quando você foi embora.”, disse com a voz quebrada diante daquelas íris escuras e infinitas. “Mas eu entendo sua jornada, entendo seus motivos, eu só... estou sendo egoísta.”, a unidade finalmente se formou em seus olhos desceu por suas têmporas, misturando-se nos fios dourados.
Sasuke suspirou pesaroso e fechou os olhos por um momento, afetado. “É muito difícil estar nessa vila. Nessa casa. Eu tenho meus pecados para pagar com você também, mas são muitos, e eu não sei como agir, não sei o que fazer. Não sei o que é o certo.”, confessou rigidamente em volume mínimo. Estava claro o quanto era difícil para ele vocalizar como se sentia sobre as coisas.
De fato, essa foi uma das raras vezes que viu Sasuke ser tão aberto, e Naruto engoliu seco. Sentia falta disso, apesar de nunca ter sido algo comum. Era o tipo de situação que sempre quis, ver Sasuke ali, exposto, de guarda baixa, vulnerável. O tipo de coisa que os aproximava de forma extrema, que provava e validava a conexão que tinham.
“Sasuke...”, murmurou, levantando o braço lentamente e levando a mão em direção ao rosto dele, que não se afastou e observou seu ato com curiosidade. As pontas dos dedos ásperos de Naruto tocaram a maçã do rosto pontuda e a bochecha magra, e o contato enviou pequenas correntes elétricas por seu corpo debilitado. O homem suspirou enquanto olhava para baixo, e Naruto se deixou observar novamente os cílios escuros, a pequena ruguinha entre as sobrancelhas pretas e o desenho dos lábios pálidos que formava um arco perfeitamente simétrico. Uma pequena mecha de franja escorregou para as bochechas dele e Naruto suprimiu o estranho desejo de colocá-la de volta atrás da orelha de Sasuke delicadamente. “Eu só...”
Houve uma batida na porta e foi como se eles estivessem em um feitiço que se quebrava, como um balde de gelo sendo jogado sobre os dois. Naruto rapidamente afastou a mão do rosto de Sasuke, recebendo uma fisgada enquanto se deitava, e o amigo se levantou, indo até a porta e abrindo-a um pouco. Houve um murmurar baixo de conversa por um momento e Sasuke se virou então para ele.
“Eu preciso arrumar as coisas lá embaixo. Tente dormir um pouco.”, ele disse.
“Você vai voltar aqui?”, Naruto perguntou, sentindo o rosto esquentar.
Sasuke pareceu vacilar um pouco. “Sim. Claro.”, respondeu, saindo e fechando a porta novamente.
Naruto respirou fundo e fechou os olhos, tentando reter a quantidade de pensamentos e sensações que passavam por ele. Tudo era muito ambíguo, e ele não sabia lidar. Ao mesmo tempo em que sentia que conhecia este Sasuke, sabia que era só uma questão de tempo até ele voltar a ser distante e frio.
Ao mesmo tempo em que sentia que Sasuke tinha sim pecados para pagar com ele, a ideia dele se sentir assim o deixava mal. Não sabia se Sasuke, no fim, se punia ou não sobre as coisas que fez.
Em alguns momentos ele era um amigo, e em outros, um estranho. E em alguns momentos sua proximidade chegava a ser opressora para a mente e o corpo de Naruto.
Entretanto, Sakura parecia certa sobre Sasuke se importar. O homem parecia realmente arrependido por tê-lo magoado, o que já era alguma coisa. Talvez só precisasse de tempo para as coisas entrarem nos eixos. Afinal, foram anos separados, por isso precisavam entender a nova dinâmica da possível amizade deles, apesar de ambos estarem muito arredios.
Por um momento, se perguntou se teria alguma chance de Sasuke mudar de ideia e ficar algum tempo ali, quando Naruto melhorasse. A ideia de se curar era estranha, porque sabia que a partir do momento em que Kurama acordasse, Sasuke iria embora. Isso o aterrorizou porque, talvez, essa fosse a única chance que teriam de conviver por um tempo e reconstruírem a amizade deles.
Houve uma batida na porta e a cabeça de Tsunade surgiu na luz do corredor. Naruto deu um sorriso para ela, porque não a via há um tempo. Todas as informações estavam sendo passadas para Sakura, que servia de ponte entre as partes.
“Baa-chan!”, ele exclamou, e a mulher acendeu a luz, entrando no quarto. Ela usava um vestido vinho que combinava com o batom, e o cabelo loiro-claro estava preso para trás.
Ela sorriu ao sentar-se na cama ao lado dele. “Feliz Natal, Naruto. Me atrasei no hospital e quando cheguei você já tinha subido. Só vim te cumprimentar. Como você está?”
Ele fez um beicinho. “Bem, mas entediado. De resto, tudo vai bem, Sakura e Sasuke estão cuidando de mim.”
Tsunade deu uma risada baixa. “Sim, estão. Você nem tem ideia, porque não sabe de metade dos problemas que eu arrumei trazendo o Uchiha de volta. Sakura e ele parecem dois idiotas brigando por você, pirralho, e quase deixaram eu e Kakashi loucos. Você dá muito trabalho, gaki.”, a risada forte dela ecoou no quarto e Naruto a acompanhou.
“Não sabia disso, só ouvi uma briga deles. Mas estou grato pelos dois, sei que Sakura tem várias coisas na nova clínica para cuidar e ainda assim não deixa de me visitar quase todo dia.”
“Sim. Bem, eu te trouxe um presente de Natal e deixei junto com os outros embaixo da árvore, mas tenho outro e quis te dar a notícia pessoalmente.”, os olhos cor de mel brilhavam e ela parecia animada.
“O que? O que foi, você descobriu um antídoto?”, perguntou ele, sorrindo e entrando no estado de espírito.
Tsunade deu outra risada. “Não, mas é quase isso. Descobrimos uma coisa no relatório de Sasuke sobre o dia da invasão. Ele foi perfurado no rim por uma faca de rituais que brilhava em vermelho.”
Naruto franziu as sobrancelhas. “Sim, eu vi. O que isso tem a ver?”
“Fizemos exames para descobrir se tinha algum problema com ele, mas não apontou nada, e eu fiquei surpresa, porque aquela faca obviamente tinha algum jutsu ou substância nela. De qualquer forma, ele estava bem e não tinha nada no sangue.”
Ele ergueu uma sobrancelha, meio carrancudo. “Seu presente de Natal é me dizer que Sasuke não vai morrer depois de um mês, é sério?”
Ela fechou a cara. “É claro que não, garoto. Não seja precipitado e me deixe continuar! Enfim, eu fiquei curiosa sobre isso e fiz mais alguns testes, fiz mais exames com a amostra que eu tinha e acho que, talvez, Sasuke seja a chave para o seu problema.”
Naruto ficou confuso e Tsunade suspirou por sua lentidão. “Moleque! Sasuke absorveu Orochimaru quando o matou, e ele era imune a venenos. Orochimaru fez várias experiências sobre regeneração de chakra. E quando Sasuke o absorveu, mesmo que Orochimaru tenha sido retirado de seu organismo depois, provavelmente ele ganhou algumas dessas habilidades e ficou com elas. Descobri que o sangue dele tem substâncias que o torna resistente aos venenos que testei até agora. Vou prosseguir com os testes e se tudo der certo, vamos descobrir um jeito de te curar com isso!”, exclamou a velha.
A boca de Naruto caiu. “Sasuke é imune a venenos?”
“Ele é resistente a venenos, você não ouve as coisas, Naruto?”, a mulher revirou os olhos e se levantou. “Enfim, queria contar isso a você. E outra coisa, parece que os ossos do seu braço estão se calcificando bem. Você sente dores?”
“Hum, só se eu me movo muito rápido ou faço muita força. Na maior parte das vezes é só um desconforto. Ei, e meus cortes estão bem melhores!”, ele disse, parecendo uma criança feliz no dia do Natal, o que de certa forma, era.
“Exato, você está melhorando, o que significa que não precisa mais manter os braços parados o tempo todo, então Sasuke e Sakura vão começar a fazer fisioterapia em você a partir de amanhã.”, Tsunade avisou, indo em direção à porta. “É isso, gaki, feliz Natal. Estou indo embora, sou a última aqui e você precisa descansar. Boa noite.”
“Boa noite, baa-chan. Obrigado pelo presente e pelas notícias.”, Naruto sorriu para ela, que o estudou por um momento antes de apagar a luz e sair, fechando a porta.
Ele então, sabendo que podia finalmente se mover, levou a mão até o interruptor do abajur ao seu lado e o acendeu, voltando a encarar o teto. Sentia-se muito bem — foi o primeiro Natal que ele passou com todos os amigos, e era uma ceia para ele, algo que as pessoas fizeram para vê-lo feliz depois de passar um mês de cama. Ainda não acreditava que Sasuke tinha concordado com aquilo, parecia surreal, e o homem estava agora arrumando a bagunça da festa. Naruto esperava que os amigos ou pelo menos Sakura estivessem o ajudando nisso.
Já tinha adormecido quando ouviu a maçaneta se mover. O homem entrou, parecendo cansado, e o observou momentaneamente antes de ir para o outro lado da cama e se colocar embaixo das cobertas com as mãos cruzadas sob a cabeça e os olhos fechados.
Naruto mordiscou uma pelinha do lábio, observando-o, mas ele não o encarou de volta. “Todos já foram? Sakura?”, perguntou.
Sasuke abriu os olhos, dois poços brilhantes e misteriosos na meia-luz do quarto, um negro e outro roxo. “Sim. Ela saiu quando terminou de me ajudar a limpar as coisas.”
Ele olhou para o lado e viu que o relógio de cabeceira marcava uma e meia da manhã, depois tornou a fitar Sasuke. “Desculpe não poder ajudar.”, deu um sorriso tímido.
Sasuke deu os ombros. Naruto umidificou os lábios secos e o amigo suspirou discretamente, levantando-se e saindo enquanto deixava a porta aberta atrás de si. A casa toda já tinha sido apagada, e Naruto se perguntou se tinha dito algo errado e se Sasuke ia voltar, novamente mordiscando uma pelinha seca da boca. Estava quase desistindo e apagando a luz, chateado, quando ouviu passos no corredor.
Ele apareceu na porta segurando a jarra de água, que colocou sobre a cômoda, e o copo com canudo. Depois, andou até Naruto e o ajudou a se sentar, segurando o copo com água diante dele, o que o fez corar um pouco. Ele estava com sede, mas teve vergonha de dizer porque Sasuke parecia cansado.
Naruto bebeu a água com os olhos pregados no amigo, que era novamente uma incógnita em questão de expressão facial, e se deixou ser colocado novamente deitado e ajeitado. Sasuke pousou o copo ao lado da jarra na cômoda e voltou para seu lado da cama, deitando-se novamente também.
“Obrigado por hoje.”, murmurou Naruto então, tombando a cabeça para encará-lo.
“Eu não fiz nada.”, respondeu Sasuke, com olhos perscrutadores.
Naruto se ajeitou na cama, incomodado. “Você fez uma festa de Natal pra mim, Sasuke.”
“Kakashi fez uma festa de Natal para você, não eu.”, defendeu-se o outro, tornando a encarar o teto.
Naruto sorriu. “Bem, você concordou em fazê-la aqui de qualquer forma, e sei que isso não foi uma escolha fácil, então eu agradeço.”
Sasuke voltou a observá-lo e, depois de alguns momentos, ergueu minimamente os cantos da boca no que ele entendeu ser um minúsculo sorriso. Naruto estendeu a mão e apagou a luz do abajur, deixando-os no escuro.
Dormiu logo em seguida, exausto, mas foi acordado horas depois com o outro o chamando. Naruto abriu os olhos, ainda sentindo os reflexos de seus sonhos — seu cérebro tinha escolhido a luta entre eles no Vale no Fim, e instantes antes, estava sentindo a mão de Sasuke perpassando seu peito e atravessando seu pulmão dolorosamente. Perturbado, engoliu seco e fitou o homem no escuro, que estava a centímetros dele, meio sentado enquanto esperava Naruto se acalmar. Um dos braços pálidos estava passado por cima de seu tronco e segurava seu pulso delicadamente, como que para impedi-lo de se mover muito e sentir dor ou se machucar.
“Desculpe, eu só...”, murmurou Naruto, buscando ar entrecortadamente sem terminar a frase.
Sasuke apenas balançou a cabeça como forma de dizer que não tinha problema e assim que fez menção de se afastar, a mão de Naruto já tinha se fechado sobre o braço dele, impedindo-o. O homem parou por um momento e o olhou, mas Naruto teve o cuidado de fechar os olhos e fingir que não era nada demais, ainda segurando-o. Então, depois de alguns segundos onde os dois ficaram tensos, Sasuke finalmente ajeitou o próprio travesseiro e deixou o próprio braço cair sobre o estômago dele, que relaxou.
Com o som calmante da respiração em seu ouvido, o peso do braço sob seu estômago e o calor do corpo dele contra a lateral do seu, Naruto conseguiu adormecer novamente, dessa vez sem mais sonhos.
Notes:
Houve um clima ali, heim? Ah, eu amo escrever essas cenas, impossível não deixar a mente vagar hahahahaha espero que tenham gostado do momento entre eles, foi pequeno, mas intenso. Até a próxima!
Chapter 22
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Quando Sasuke deu indícios de uma meia-consciência, estava confuso e perdido. Ele tinha dormido apenas algum tempo durante aquela semana, como sempre, e por mais que tivesse conseguido dormir horas depois de acalmar Naruto de seu sonho, provavelmente foi pouco. Entretanto, o que o confundiu foi que aquela era uma das raras vezes que ele se via quase saindo de seu sono naturalmente, sem pesadelos para jogá-lo bruscamente na realidade.
Ainda de olhos fechados, perdido em sua semiconsciência, ele se ajeitou mais contra a fonte de calor que abraçava e sentiu algo escovar delicadamente seu nariz e suas bochechas, como penas que o beijavam. Sentia um pouco de frio, então seus pés buscaram algo para envolvê-los, e ele se enterrou completamente na quentura que tinha ao seu lado sob o braço, o que fez as penas que roçavam seu nariz tomarem completamente seu rosto.
Um suave aroma de chá chegou até ele, e isso o acalmou, porque era um cheiro que ele gostava e lhe lembrava o aconchego, como quando ele estava doente e sua mãe cuidava dele. Sasuke enfiou o nariz nas penas que aqueciam seu rosto e, junto com isso, veio um cheiro que ele não conseguia definir com nada além de quente, de pele quente. Isso se infiltrou por seus poros o tomando por completo, e ele respirou fundo para poder sentir mais daquilo.
“S’ke”, grasnou algo perto de seu rosto, como se chamassem seu nome desleixadamente.
Isso o incomodou, porque ele queria apenas continuar dormindo, fazia tempo que não se sentia tão bem. Se ajeitou novamente, envolvendo com mais firmeza o travesseiro que abraçava enquanto tragava mais uma vez o cheiro que sentia.
“S’ke”, chamaram mais uma vez em uma voz rouca de sono que ele já tinha ouvido em algum lugar e que era irritante, apesar de não lembrar porque achava isso.
Só foi realmente puxado para a realidade de vez quando sentiu o calor em seus braços se mover, e Sasuke grunhiu contrafeito quando as penas se afastaram e uma massa quente cobriu parte de seu rosto. “S’ke, a porta...”, disse a voz mais perto de seu ouvido do que nunca.
Seus olhos se abriram de repente e ele percebeu que estava agarrado à Naruto, que ainda estava meio embalado em seu sono, dormindo de barriga para cima. Parte de sua própria cara estava sob a bochecha dele, provavelmente porque o homem tinha virado o rosto em sua direção para acordá-lo. Sasuke o apertava contra si, e uma das pernas de Naruto estava sobre as dele.
Os olhos díspares se arregalaram e ele sentiu o rubor se espalhar por todo seu rosto, pescoço e provavelmente corpo, mas Naruto não parecia se importar em estarem constrangedoramente abraçados desse jeito, ou sequer percebeu.
“Sas’ke, a porta.”, repetiu molemente sem abrir os olhos, apenas se ajeitando mais contra ele. Sasuke percebeu que o cheiro em que se afogava momentos antes vinha de Naruto e seu shampoo idiota, seu nariz estava enfiado na nuca dele.
A campainha tocou e Sasuke o soltou mortificado, afastando-se com o maior cuidado do mundo para não acordá-lo de vez — ele sinceramente morreria se o idiota percebesse como estavam ou fizesse algum comentário sobre isso. Ou assassinaria ele.
Praguejando Naruto em sua mente, ele saiu da cama, vestindo as pantufas. Apesar de estar de abrigo, o choque entre as temperaturas era enorme, estava bem frio. Saiu do quarto e fechou a porta silenciosamente, seguindo pelo corredor e descendo as escadas enquanto espremia os olhos para a luz do hall.
Ele suspirou e abriu a porta, dando de cara com Sakura, que estava claramente impaciente. “Estou aqui parada há quase dez minutos, o que você estava fazendo?”, ela resmungou, entrando.
“Dormindo.”, grasnou carrancudo, coçando os olhos.
Ela fez um barulho que estava entre uma bufada e uma risada. “Percebe-se, sua cara está toda amassada.”
Sasuke tinha uma expressão ainda mais irritada. “O que você quer, não é muito cedo para você vir encher o saco?”
Ela ergueu uma sobrancelha rosa. “Sasuke, são quase dez horas.”, respondeu incrédula.
O homem franziu a testa enquanto Sakura passava por ele e subia as escadas. Ele ficou parado um momento registrando o que ela tinha dito antes de seguir atrás da garota. Andaram pelo corredor em silêncio e ela abriu a porta do quarto de Naruto, que ainda estava adormecido e se mexeu assim que ouviu a fechadura. Sasuke já abria a janela, deixando a luz acinzentada da manhã de neve entrar.
“Sas’ke.”, Naruto resmungou para seu desprazer, tateando a cama antes de se remexer e abrir os olhos azuis-celestes.
Nunca tinha visto suas íris tão claras, e a cor se destacava na pele levemente morena. Ruborizado pela segunda vez em dez minutos, ele passou por Sakura e foi até a cama, pegando as almofadas que tinha colocado no chão na noite anterior. Ajudou Naruto a se sentar e as ajeitou nas costas dele, fugindo de seu olhar pela primeira vez. Ele não precisava ficar ainda mais vermelho e, na verdade, queria dar um tapa na cabeça do idiota, porque foi culpa dele se Sasuke acordou agarrado a alguém de forma tão constrangedora. Jamais pensaria em dormir na mesma cama que Naruto ou qualquer outra pessoa em outras circunstâncias.
O idiota, que não parecia ter processado a presença de Sakura ali, segurou seu braço enquanto Sasuke se afastava. “Ei, tá tudo bem?”, perguntou preocupado.
Seu rosto atingiu um novo tom de rosa e finalmente seus olhos o encararam. “Sim.”, resmungou.
Sakura, sentada na cadeira um pouco afastada da cama no rumo de Naruto, pigarrou um momento depois, e os dois olharam para ela. Sasuke se desvencilhou o mais delicadamente do aperto em seu braço e foi para o banheiro da suíte pegar a bandeja e a bacia que deixava ali, demorando o máximo que pôde.
Quando voltou, o clima no quarto parecia estranho — Sakura analisava Naruto atentamente e ele encarava o colo, meio chateado. Os dois se viraram para Sasuke quando ele voltou, como se agradecessem por poderem se focar em outra coisa que não fosse um no outro.
Indo até a cama, colocou a bandeja e bacia ali como sempre, iniciando o ritual de limpeza. Sentia os olhos de Sakura de forma incômoda sobre os dois e principalmente sobre ele, e de alguma forma isso o afetou. Tentou tocar em Naruto o mínimo possível e fazer tudo com rapidez, só para escapar do quarto com a desculpa de fazer o café, e foi o que ele fez, cinco minutos depois. Qualquer que fosse o problema entre os namoradinhos, Sasuke não queria saber, e precisava urgentemente manter distância de Naruto depois do que tinha acontecido.
Sakura parecia mais distante do que o normal naquela manhã, e também o analisava nitidamente. Naruto se mexeu inquieto e desviou o olhar, como se tivesse feito alguma coisa de errado.
“Sakura, me desculpe.”, ele pediu, olhando para o colo. Ele a ouviu se ajeitando na cadeira.
“Porque está pedindo desculpas?” A voz dela parecia levemente aborrecida, mas surpresa.
Naruto voltou a encará-la. “Porque eu sei que você está brava comigo. Eu sinto muito não ter sido sincero com você por tanto tempo sobre as visitas dele, mas-”
“Naruto, eu não estou chateada com isso.”, ela disse.
Ele franziu a testa, confuso. “Não? Então o que eu fiz?”
A garota suspirou lentamente. “Você realmente não fez nada, eu só... estou pensando em algumas coisas e isso está dando um nó na minha cabeça. Mas você não fez nada de errado, eu-”, ela parou de repente, olhando para além dele. O rosto dela se desmanchou como se ela tivesse visto um fantasma, e a cor pareceu sumir de sua pele já pálida. Então ela se recompôs. “Naruto... Vocês dormiram na mesma cama?”, perguntou, agora com uma expressão totalmente neutra e sem nenhuma inflexão na voz.
Naruto olhou para o lado, vendo as cobertas bagunçadas e o travesseiro e colchão com sinais óbvios de uso. A saliva parou em sua garganta e ele se sentiu em pânico. Virando-se de volta para ela, abriu a boca lentamente e corou. “Não é isso, quer dizer, eu só... tive um pesadelo e... Sasuke acabou ficando aqui.”, gaguejou em uma meia-verdade.
Tinham sim dormido na mesma cama, mas ele não podia dizer para Sakura que tinha pedido para Sasuke ficar ali com ele. Nem que o impediu de se afastar quando foi segurado. E muito menos que acordou agarrado à Sasuke, que tinha o rosto enfiado abaixo de sua orelha enquanto o puxava cada vez mais contra si com as pernas embaixo das suas, e que isso não tinha incomodado Naruto nem um pouco, porque ele nunca tinha dormido tão bem na vida. Era constrangedor demais.
Sakura desviou o olhar e o pensamento mais louco do universo inteiro passou pela mente dele, por mais que não fizesse sentido, afinal, era Sasuke, e ele era um homem. Não que ele tivesse problema com isso, mas não era sua vibe, o máximo que Naruto fazia era admitir quando via caras bonitos, mas não se sentia atraído por eles. Além disso, os únicos três homens de quem ele pensava isso eram Neji, Kakashi e Sasuke, mas isso era uma opinião universal.
E de qualquer forma, se ele tivesse interesse em homens, jamais veria Sasuke assim. Eles eram amigos e rivais, tomaram banho juntos em riachos quando saíram em missões e dividiram a mesma barraca quando eram crianças. Sem falar que Sasuke era praticamente um assexual ou algo assim. Mas pensando nas reações da garota agora e em como tudo tinha mudado desde a conversa do dia anterior, Naruto cogitou essa ideia louca e absurda, porque era a única explicação.
“Sakura, você está com ciúmes?”, ele piou, pasmo. A garota ergueu a cabeça, surpresa, e ele se arrependeu de ter dito aquilo, mas manteve o olhar.
“Não, Naruto, não é isso, eu só...”, ela vagou os olhos verdes pelo quarto como se procurasse palavras. “Só estou tentando entender as coisas.” A resposta dela não era nada convincente.
“Sakura, eu gostaria que você me dissesse o que está acontecendo. Eu não quero te ver assim comigo se é algo que eu posso resolver.”, concluiu.
A garota mordeu os lábios e olhou para o colo em uma expressão séria, como se juntasse várias informações ao mesmo tempo e tentasse sintetizá-las. “E se você não puder resolver?”, ela levantou o olhar, veemente, antes de se pôr de pé devagar e ir até a cama, sentando-se.
Naruto estendeu a mão e colocou na bochecha dela. “Seja lá o que for, eu vou dar um jeito. Eu sei que estou distante e que não temos mais chance de sermos um casal realmente, e isso me incomoda, mas eu estou melhorando e logo...”
“Naruto.”, ela o cortou, olhando dentro de sua alma. “Está tudo bem. Nós não temos controle sobre tudo.”, ela colocou a mão sobre a dele em seu rosto.
Confuso, ele juntou as sobrancelhas. “O que você quer dizer com isso? Espera... O que você sente por mim... mudou de alguma forma?”
Seu coração se esmagou e ele se sentiu perdido. Via o quanto tinham se distanciado, mas não achou que o relacionamento deles fosse se abalar dessa forma por isso. Sakura não parecia ser essa pessoa, mas algo estava errado e ele tinha quase certeza que tinha a ver com Sasuke, porque foi depois da conversa que tiveram no dia anterior que ela tinha mudado, e a forma com que ela olhou para a cama ao notar que ambos os lados estavam desfeitos...
Aquilo parecia um pesadelo, porque ela sabia a dificuldade que estava tendo ao conviver com Sasuke, sabia o quando o idiota o magoava e pesava em sua vida, mas ainda assim ficava... o que? Com ciúmes? Com inveja da ligação que eles tiveram, sendo que foi ela mesma que confundiu Naruto mais ainda depois daquela conversa? Era sabido que, quando mais nova, ela tinha raiva de Naruto por ele e Sasuke serem amigos, porque era o lugar que Sakura queria ocupar.
Mais tarde, ela se sentia excluída por eles, fora da equação, o que era mentira — por mais que ele e Sasuke tivessem um laço forte, ela também era amiga deles. Além disso, aquilo tudo ficou no passado; o convívio com o amigo era totalmente instável, num momento tudo estava bem e, de repente, tudo desmoronava. Sasuke e Naruto eram agora dois homens adultos tentando descobrir o que fazer um sobre o outro, não eram crianças com laços de amizade intactos.
“Não é isso, se acalme.”, ela colocou as mãos em seus ombros.
Sua única mão tremia no rosto dela. Não podia perder Sakura por um motivo idiota, eles eram ótimos juntos e ela era sua melhor amiga, a garota por quem ele sempre foi apaixonado, e ele precisava consertar o que quer que estivesse acontecendo ali.
“É por causa de Sasuke.”, ele murmurou determinado.
A garota juntou os lábios. “Naruto, por favor... Eu não ia falar sobre isso, eu preciso só... entender algumas coisas. É sobre mim, não sobre você. E não tem nada a ver com ele.”, a voz dela tremeu.
“Sakura, por favor, seja sincera comigo, não faça isso. Por favor.”, ele a puxou pela nuca e encostou suas testas, fechando os olhos. “Eu quero resolver isso e ficar bem com você. Por favor.”, sussurrou.
Ele ouviu um soluço mínimo vindo dela e juntou suas bocas devagar, o que ela não foi contra. Mãos pequenas vagaram por seus ombros enquanto os lábios se moviam timidamente, e o beijo tinha o gosto das lágrimas dela e da pasta de menta de Naruto. Ela parecia chorar ainda mais enquanto mexia em seus longos cabelos loiros. Parecia estar carregando um peso terrível, e isso fez a língua dele a buscar com mais determinação, ainda que não entendesse.
Sakura de repente aprofundou o beijo, e com isso Naruto soube o quanto ela sentiu sua falta, o quanto estava chateada e confusa, mas, acima de tudo, teve certeza do sentimento entre eles, e era real, bonito e doce. Seus dedos acariciavam a bochecha dela enquanto as línguas deslizavam com a necessidade óbvia de afeto e ela apertava seus cabelos, como se Naruto pretendesse sair correndo dali. Seu único braço então passou pela cintura da mulher e ele a trouxe para si, juntando seus troncos apesar da posição complicada e da leve fisgada em sua coluna e em seu antebraço.
Os dois se beijaram por alguns minutos, e havia muitos sentimentos ali, por mais que não entendessem todos eles. Alguns eram amargos. Naruto não podia perder Sakura, não podia ficar sem seu cheiro doce de flores, sem suas mãos delicadas, seus sorrisos brilhantes e seu toque curativo. Eles foram se acalmando depois de algum tempo e o beijo se transformou em algo lento e carinhoso, suave, e Naruto mordiscou de leve o lábio dela antes de se afastar para observá-la.
“Eu faria qualquer coisa por você, Sakura.” Naruto disse, o que fez os olhos dela marejarem novamente.
A garota se enfiou no pescoço dele, fungando. “Eu sei, Naruto.”, ela murmurou.
Ele passou o braço pelos ombros estreitos e pousou beijinhos em seu rosto. “Vai ficar tudo bem, eu prometo. Eu vou voltar a ser um bom namorado.”
Ela soluçou e apertou o tecido em suas costas. Ficaram assim algum tempo até ela se afastar e olhá-lo. “Não é com você, eu só estou tentando entender algo, e isso me deixa confusa, porque às vezes parece tão real e em outros momentos, só uma loucura da minha cabeça, entende? Mas eu vou descobrir o que está acontecendo logo e... e vai ficar tudo bem. Eu só estou muito focada nisso, e talvez por esse motivo esteja estranha, mas vai dar tudo certo. Mas não tem nada a ver com você.”, explicou tristemente.
Naruto suspirou e pegou a mão dela. “Eu espero que você descubra logo o que quer que seja, e você sabe que pode contar comigo para qualquer coisa, não sabe?”
Sakura engoliu seco visivelmente. “Sim, eu sei. Só preciso de algum tempo.”, murmurou, limpando o rosto marcado com trilhas de lágrimas.
Ele se ajeitou na cama, voltando a pegar a mão dela. Ficaram conversando sobre aleatoriedades e Sakura contou sobre o trabalho na clínica, seus planos para lá e os problemas que enfrentava na gestão, mas estava segura de que iria resolver tudo em breve. Além disso, ela fez fisioterapia no braço e punho de Naruto, ajudando-o a dobrá-los, coisa que ele fez poucas vezes no mês por causa das fraturas. Ele teve alguma dificuldade e doeu um pouco, mas nada demais. Ela explicou que em alguns dias os movimentos dele voltariam ao normal.
Sasuke bateu na porta depois de algum tempo e esperou, o que era algo novo — ele não costumava bater. Naruto disse para ele entrar, e o homem abriu a porta enquanto equilibrava a bandeja com destreza.
Sakura foi se sentar na cadeira estofada de antes e Sasuke ajeitou as coisas diante de Naruto. “Sakura, você já fez a fisioterapia?”, perguntou sem olhar para ela, ao que a mulher respondeu positivamente.
O amigo então começou a alimentá-lo como sempre. Entretanto, os olhos pareciam fugir dos dele, por mais que Naruto não parasse de encará-lo, e ele imaginou que fosse por causa da forma que acordaram.
Sasuke, por fim, limpou sua boca e lhe entregou o copo pela primeira vez, e sem canudo. Tinha apenas um pouco de água ali. “Tsunade disse para você tentar beber água sozinho.”, falou.
Naruto achou aquilo idiota e revirou os olhos, mas percebeu que era um pouco mais difícil do que parecia, porque alguns segundos depois seu braço e sua mão começaram a perder a força e tremer. Ele fez um esforço para sua mão ficar firme, mas não adiantou. No segundo em que o copo ia cair, Sasuke colocou a própria mão sobre a dele e o ajudou a segurá-lo. Naruto lhe lançou um olhar de agradecimento (e esse foi um dos primeiros que eles trocavam no dia), e bebeu.
Sasuke novamente escovou seus dentes e então o deitou para passar a pomada. Sem saber exatamente por que, Naruto se sentiu tímido de Sakura ficar ali assistindo isso acontecer, mas não disse nada. O amigo massageou seus braços, estimulando os músculos com cuidado para não apertar nenhum machucado que estivesse dolorido. Sasuke sabia exatamente quais deles tinha que evitar.
Felizmente, dessa vez seu corpo não agiu de nenhuma maneira estranha, e quando ele foi passado para a cadeira de rodas e colocado diante da janela para pegar o sol fraco, Sakura finalmente se despediu e saiu com Sasuke, deixando Naruto sozinho. Ela parecia pensativa mais uma vez, e novamente distante, o que fez Naruto passar o dia introspectivo e apático.
Sasuke também o evitou o máximo que pôde, aparecendo só para lhe dar comida sem dizer nada. Ele nunca desejou tanto a visita de Neji como naquele dia, mas isso também não aconteceu.
Às nove da noite, como sempre, Sasuke abriu a porta com os remédios em mãos para passar em Naruto, que ficou cada vez mais ansioso conforme a noite caía. Eles não tinham trocado nem meia dúzia de palavras no dia, e sendo a pessoa expansiva que era, ficar sozinho em silêncio o deprimia profundamente e abria espaço para vários pensamentos torturantes — agora não só sobre Sasuke, mas também sobre Sakura. Enquanto seu braço era massageado e seus olhares ignorados, Naruto estava prestes a ter uma síncope de ansiedade.
“Sasuke, fale comigo.”, pediu.
O outro levantou a cabeça devagar. “Sobre?”, indagou, sem expressão.
Naruto deu um muxoxo. “Sobre qualquer coisa. Você me ignorou o dia todo e mal olhou na minha cara por causa de uma idiotice, eu não aguento mais ficar nesse quarto, sozinho e em silêncio!”, reclamou indignado. “E eu quero meu braço de volta!”
“Eu não estou te ignorando por causa de idiotice nenhuma. E Tsunade já disse que seu corpo provavelmente rejeitaria a prótese e ela precisa esperar você estar limpo dos venenos para fazer outra.”, respondeu em um murmúrio.
Naruto bufou. “'Estar limpo'. Falar assim faz parecer que eu sou um viciado em drogas, isso é bizarro.”, resmungou, e o outro não respondeu, apenas o virou de costas devagar e voltou a massageá-lo. “Sasuke, para de me ignorar, eu que devia estar com raiva de você!”
“Já disse que não estou te ignorando. E porque você teria raiva de mim? Eu não entendo como sua cabeça funciona, num dia você me odeia, no outro diz que eu não te devo nada, e no próximo fala que devia estar com raiva de mim.”, argumentou.
Naruto juntou as sobrancelhas. “Eu também não entendo sua cabeça, se você quer saber! Você fica se esgueirando pela casa em silêncio parecendo um corvo rabugento com cabelo de bunda de pato e nunca abre a porra da boca se não falarem com você!”, foi sua resposta exasperada, ainda de cara feia.
Quando olhou para Sasuke, ele parecia divertido, e isso fez Naruto sorrir. Depois de algum tempo, o amigo terminou de fazer tudo e escovou seus dentes para poder lhe dar o jantar.
“Não tem sentido nenhum escovar meus dentes antes de comer se você também escova depois que eu como.”, disse Naruto enquanto o outro levava a bacia para o banheiro.
“Se chama higiene básica, não basta você tomar banho a cada dois dias?”, disse o outro do banheiro.
“Eu tomo banho a cada dois dias porque dependo de Sakura! E escovar os dentes antes e depois de comer não é higiene, é obsessão por limpeza.”
Sasuke não disse nada, apenas saiu do banheiro e foi embora, provavelmente para pegar a comida. Ele olhou para o teto, cuja textura já tinha decorado, e contou os minutos, voltando ao desânimo inicial. Tinha se passado quase dez minutos quando o outro voltou de mãos vazias, e Naruto estava quase cochilando de tédio. Sasuke foi até ele e o pegou no colo, o que o fez erguer as sobrancelhas e perguntar o que ele estava fazendo.
“Você reclamou de ficar no quarto.”, respondeu simplesmente, como se ele fosse conseguir tirar alguma conclusão com isso enquanto passava o braço por cima dos ombros do homem sem necessidade, sentindo suas peles se encostarem diretamente.
Desceram e entraram na porta que ficava no pé da escada de madeira clara, passando por um corredor meio estreito para se carregar alguém daquele jeito, mas Sasuke foi cuidadoso. O único som na casa eram os passos abafados que ecoavam no silêncio absoluto do Complexo abandonado.
Sasuke, então, entrou com ele na cozinha e o colocou sentado em uma confortável poltrona verde musgo diante de uma mesa redonda. Havia só uma cadeira estofada ao lado e Naruto se perguntou porque as outras não estavam ali. De frente para a mesa, Sasuke foi até o fogão antigo e puxou um prato fundo do escorredor na bancada ao lado, depois o encheu com algum caldo que parecia de legumes e colocou de frente para Naruto, junto com um copo de água.
Sentando-se na cadeira ao lado, se encostou para esperar enquanto observava Naruto comer e olhar ao redor. A cozinha estava impecável, o fogão antigo não tinha uma mancha e a geladeira era nova. O chão estava claramente encerado e havia apenas um prato no escorredor e alguns talheres. Era um lugar muito aconchegante e dava para ver que Sasuke tinha se empenhado para tornar a casa habitável.
Devia ser horrível voltar a morar em um lugar que claramente traziam tantas memórias e saudade — Naruto jamais conseguiria fazer o que Sasuke estava fazendo, e era em parte por ele. Estava realmente machucado se tinha chegado à conclusão de que ele não se importava e não o via como um amigo. Poucas pessoas fariam aquele tipo de coisa por alguém, ainda mais o homem diante dele.
Abaixou os olhos para Sasuke, que tinha o rosto nos nós dos dedos despretensiosamente enquanto lhe auxiliava às vezes, e o observou na luz branca do cômodo, prestando atenção em seu rosto. O cabelo com o mesmo corte arrepiado atrás, mas com uma franja lateral tampando o Rinnegan. O olho, tão escuro que não se via pupila, era emoldurado por cílios grossos. As sobrancelhas eram bem desenhadas, e o nariz era fino e reto, cuja delicadeza contrastava com as maçãs do rosto angulosas, maxilar afiado e a boca afinada.
Sasuke ergueu as sobrancelhas para seu escrutínio e Naruto corou, desviando os olhos. Quando terminou de ajudá-lo, o amigo pegou o outro prato do escorredor e se sentou para jantar enquanto ele esperava.
“Você vai deixar aqui arrumado para ficar quando visitar Konoha?”, Naruto puxou assunto.
Sasuke manteve os olhos no prato. “Não, eu disse para Kakashi fazer o que quiser com o Distrito quando eu for embora.”, murmurou.
Ele juntou os lábios por um segundo. “E onde você vai ficar quando vier?”
O amigo suspirou e levantou os olhos, encarando-o por um momento. “Quando eu vinha, ia embora no mesmo dia.”, explicou categoricamente, voltando a comer.
Naruto não perdeu o uso de verbos no passado, e a calma que sentia foi abalada bruscamente por essas palavras. “Quando vinha?”, murmurou com o coração se acelerando. Se o outro estava ali agora e estava tudo bem com eles, porque falava no passado?
Seu estômago se revirou um pouco com a apreensão. Ali estava, o momento em que tudo provavelmente pararia de dar certo — sua ansiedade tinha motivo, afinal. Naruto tinha razão de ficar sempre esperando algo ruim acontecer, ele sabia que tinha. De repente, ele se viu prender a respiração para esperar a resposta.
Sasuke levou a colher à boca, tomou o caldo e a pousou no prato devagar. Depois levantou a cabeça e o fitou. “Eu não tenho porque voltar aqui, Naruto.”, disse ele, voltando-se para a comida.
A frase veio lentamente pelo ar, batendo em seus ouvidos como um eco, e no momento em que seu cérebro sintetizou o sentido daquele pequeno aglomerado de palavras, Naruto sentiu seu fôlego se perder e sua garganta fechar enquanto seu sangue gelou nas veias, tudo em câmera lenta. A única coisa que ele conseguia pensar era que Sasuke ia deixar ele para trás novamente, mas eles estavam bem, não estavam? Não estavam? Eles tinham conversado, ele estava dando outra chance para o amigo e ainda assim ele seria quebrado de novo, como se sua existência só valesse para Sasuke enquanto estivesse machucado, porque depois, ele estaria livre e não olharia para trás. Ele ia embora e não voltaria, dessa vez.
“O-o que?”, sussurrou com o último fio de oxigênio que tinha. Sua cabeça girou e sua mão tremeu em seu colo. Ele podia sentir seu coração explodindo na caixa torácica.
Sasuke voltou a encará-lo sem expressão, mas no próximo segundo parecia genuinamente surpreso. “Naruto, você disse para eu não vir!”, exclamou, atordoado.
Ele tentou respirar e não conseguiu. Seus pensamentos eram caóticos. “Mas você disse...”,
“Eu sei, mas você não falou nada sobre isso e parou de falar comigo em seguida, então eu achei...”, Sasuke parou de falar e ficou o encarando por um momento. “Naruto, qual é o seu problema?”, exclamou, parecendo meio em desespero.
Era como se seu corpo estivesse preso na terra em meio a uma avalanche, soterrado com o peso de sua tristeza, da solidão, da irrelevância que ele tinha na vida das pessoas com as quais ele se importava — primeiro Sakura, se afastando cada vez mais, e agora Sasuke, de novo, mais uma vez, e para sempre... Seu estômago embrulhou e ele sentiu uma fisgada no peito, provavelmente seu monstrinho o dilacerando de dentro para fora. Sua garganta se fechou mais ainda e ele tentou buscar ar, que não veio, e ele podia sentir seu diafragma pulando estranhamente.
Sasuke, chocado, se levantou da cadeira e afastou a poltrona de Naruto da mesa, parando diante dele meio encurvado. “Naruto, o que está acontecendo? Porque você está assim de novo?”, ele perguntou meio duramente.
Naruto buscou oxigênio em meio à sua visão embaçada e esticou o braço trêmulo para frente, encontrando o tecido da camiseta dele, o qual puxou para si desesperadamente. Naruto se agarrou ao pescoço de Sasuke com toda sua força porque ele não podia ir embora, ele não podia fazer isso de novo, não depois de tudo que Naruto fez para trazê-lo de volta, não de forma definitiva...
Sasuke pareceu ponderar algo, mas estava claro que não fazia ideia de como agir. Então, Naruto foi levantado da cadeira com firmeza e carregado mais uma vez, os passos abafados do outro se misturando a algum chiado incessante e hiperventilante em seu ouvido.
“Naruto, você está me sufocando, se acalme.”, ele ouviu em meio ao embaçamento nos olhos, mas não entendeu o que isso queria dizer. Seu coração parecia descontrolado e o ar não entrava em seus pulmões.
Sasuke finalmente o colocou novamente na cama, mas Naruto não o soltou, apenas continuou tremendo descontroladamente e buscando ar, seu peito pulando e convulsionando em movimentos curtos e desesperados. O amigo então, sem outra alternativa, se ajeitou e o aceitou. Naruto enfiou o rosto no pescoço pálido e sentiu as mãos passando por suas costas, incertas, acalmando-o e o contendo.
Ele só falou algum tempo depois. “Naruto, eu só disse que não voltaria porque você me falou para não voltar. O único motivo pelo qual eu vinha para Konoha era para te visitar.”, explicou meio exasperado. “E você age cada hora de um jeito, então eu pensei que você fosse manter isso, até porque, quando eu disse que viria te ver mais vezes, você se irritou.”, falou, mas Naruto não encontrou capacidade para responder.
Se Sakura aparecesse ali naquele momento, com certeza teria um derrame — Naruto estava deitado ao lado dele, agarrado em seu pescoço e com a cara enterrada em sua jugular enquanto tinha as costas acariciadas de forma hesitante.
Naruto se acalmou depois de vários minutos, e seus músculos e sua cabeça latejavam por causa da tensão. Sasuke ainda o segurava com cuidado, e ele não queria sair dali, onde o cheiro tranquilizante de sabonete o embalava junto com o de seu shampoo de camomila e o corpo quente o aquecia, mantendo-o firme na certeza de que o outro não tinha ido embora ainda.
Mais uma vez, Sasuke só falou algum tempo depois. “O que é isso? Por que isso acontece?”, indagou em um tom surpreendentemente suave.
Naruto demorou um tempo para responder, e não levantou a cabeça ao fazê-lo. “Eu... acho que é algum tipo de ataque de pânico ou ansiedade. Sinto muito.” falou em um murmúrio, se sentindo um idiota.
“Desde quando isso acontece?”, perguntou, agora com as mãos paradas em suas costas. Naruto gostava da sensação, era quase um abraço.
“Não sei, não é sempre, eu...”, ele parou por um momento, percebendo um padrão. Então suspirou. “Hã... aconteceu pela primeira vez quando descobri que Konoha queria te matar. A segunda foi quando você saiu na viagem. Outra no dia em que brigamos.”, contou hesitante. Seus olhos azuis não ousavam encará-lo.
O pomo de Adão de Sasuke oscilou quando ele engoliu com dificuldade, o que provava que tinha entendido. Mas ele não disse nada, apenas se afastou e ajeitou Naruto, colocando as almofadas na cadeira e o cobrindo. Apagou a luz do abajur e foi em direção à porta.
“Sasuke.”, sussurrou Naruto, derrotado, sem forças nem para fingir indiferença.
“Eu só preciso arrumar a cozinha. Já volto.”, respondeu sem se virar, o que o acalmou imensamente, ainda que ruborizasse um pouco.
Naruto se sentiu fraco e fora de si. Ele não era do tipo que chorava por tudo e tinha crises nervosas, ele não era tão frágil. Nunca foi. Mas hoje os dois tinham compreendido que Sasuke era a causa disso, e mais nada nem ninguém. Não entendia em que ponto o outro começou a ter tanto controle sobre ele, mas o fato é que tinha, e os dois odiavam isso. Sasuke o quebrou e aquilo era a consequência, o que fazia Naruto se sentir humilhado. O amigo não ficava assim por causa dele, nunca ficou, e não era justo que as coisas acontecessem dessa maneira.
Ele tinha que dar um jeito de se consertar, de voltar a ser auto suficiente, animado e feliz, ao invés dessa bagunça de desespero em que ele se transformava quando Sasuke disparava gatilhos que nem eles entendiam direito. Isso era ridículo.
Ele era só um cara que mal conviveu com Naruto realmente, como é que as coisas tinham se transformado nisso? Ele tinha uma namorada incrível, uma carreira Shinobi e Anbu pela frente, amigos, ele era o menino da profecia, e ainda assim, ficava nesse estado por causa de Sasuke.
Sonolento, ele foi caindo na inconsciência enquanto chegava à conclusão de que precisava sim acabar com isso. Não ia mais pedir para Sasuke dormir na mesma cama que ele, não ia ficar tentando consertar a amizade deles e criando esperanças, e ia dizer que no momento em que o outro fosse embora, não precisava mais voltar, mesmo. Não porque ele estava com raiva ou porque Sasuke era um amigo de merda (embora realmente fosse), mas porque Naruto precisava lutar por si mesmo e cortar essa dependência, e essa era a única forma. Ele precisava se libertar.
Na beira da inconsciência, ouviu a porta do quarto abrir e fechar suavemente e o som abafado dos pés de Sasuke sobre as pantufas brancas na madeira, aproximando-se sem pressa. A cama afundou ao seu lado e as cobertas trepidaram quando o outro se deitou e se ajeitou. Naruto abriu a boca molemente por causa do sono para mandar Sasuke embora, mas então sentiu o braço do outro cair sobre seu estômago e o corpo frio se aconchegar perfeitamente contra o seu com cuidado, e isso lhe acalmou tanto que a única coisa que ele fez foi se ajeitar mais perto e aceitar com um suspiro o sono agora tranquilo com o qual lutava.
Notes:
Mais um capítulo!
Galera, infelizmente estou com pouco tempo para postar a fic, mas mesmo que eu demore, eu ainda posto (eu juro!). Entretanto, estou tendo dificuldades para escrevê-la.
Ainda existem vários capítulos escritos, mas não foi terminada ainda, e eu VOU terminá-la com certeza, mas não ando conseguindo escrever. Comecei essa fanfic em um período muito ruim da minha vida, final de um relacionamento de quase sete anos onde eu estava me sentindo totalmente sozinha e abandonada - daí vem o "angst" da fic e minha inspiração para escrever. Nunca achei que fosse ficar triste por não estar me sentindo tão triste como antes hahahahhaha.
Porém, agora estou razoavelmente bem nesse sentido, encontrei um homem maravilhoso com quem quero passar o resto da minha vida, estamos completamente apaixonados, por isso "o combustível" que me movia acabou se dissipando. Isso me faz ter dificuldade para entrar novamente na "vibe" da história, ainda que eu tenha relido ela várias e várias vezes na tentativa de sentir isso tudo novamente.
Ainda assim, volto a frisar que vou, com toda a certeza do mundo, terminá-la. Eu amo essa fanfic, amo esse casal e amo escrever, preciso apenas encontrar a inspiração novamente. Por isso, peço toda a paciência que puderem.É isso, vou continuar postando os capítulos que tenho (acredito que tenham mais 10 capítulos escritos), ainda que de forma não assídua, e vou me organizar para terminá-la. Agradeço muito a paciência e o apoio, não desistam de mim!
Chapter Text
Sakura desceu a rua do hospital e foi direto para o fim da vila. Precisava voltar o mais rápido possível, porque hoje ela e sua equipe veriam os novos contratados da clínica. Ela suprimiu um grande bocejo e esfregou os olhos antes de ajeitar melhor o cachecol no pescoço. Vinha dormindo mal desde que tinha acontecido a captura de Naruto, o que além de a deixar preocupada, fez com que aumentasse sua carga horária no hospital para ajudar Tsunade na análise do sangue dele.
E depois veio Sasuke. Sinceramente, ela teve medo quando o viu ali — primeiro, porque tinha receio de descobrir que não tinha o superado assim que colocasse os olhos nele, apesar de seu profundo amor por Naruto. Segundo, porque não queria ver seu namorado mal com a volta do melhor amigo que não ficaria ali. Para sua felicidade, a única coisa que sentiu quando viu Sasuke, foi o mais profundo desprezo, por tudo que tinha feito ela e Naruto passar.
Entretanto, dava para ver na cara do seu namorado o quanto ele estava afetado com o suposto melhor amigo ali. Quando Sakura descobriu que Sasuke ficaria em Konoha para monitorar Kurama, ela quase quebrou a torre Hokage e jogou Kakashi e Tsunade pela janela junto com qualquer um que ousasse entrar em seu caminho. Aquilo era um absurdo, principalmente depois das longas conversas que teve com ambos a respeito das inúmeras consequências que a partida de Sasuke causou em Naruto — da primeira e da segunda vez.
Depois de tudo que tinha acontecido na vida dele — a morte dos pais, de Sarutobi que era seu mentor, do desprezo da vila, o fato de ser um jinchuuriki, da quase morte de Kakashi no ataque de Pain, da deserção do melhor amigo com um homem que tentou matá-los, da morte de Jiraiya, entre outras coisas — foi ficando cada vez mais claro a sensação de abandono e desamparo que pairava sobre Naruto, por mais que ele tentasse seguir em frente.
Entretanto, a saída de Sasuke em sua viagem de expiação tinha servido de gatilho para inúmeras coisas na vida dele. Quando Sakura viu o estado em que ele se encontrava no dia que foi visitá-lo, porque o garoto tinha sumido da face da terra, realmente se desesperou. De algum jeito, sabia que aquilo era só o começo.
E foi de fato o que aconteceu. Naruto parecia bem depois de alguns meses, eles acabaram ficando juntos, e quanto mais tempo passavam na companhia um do outro, mais Sakura via o quanto Naruto tinha se perdido, o quanto estava quebrado por ter sido deixado para trás por alguém que importava tanto.
Tsunade e Kakashi conversavam bastante com ela sobre Naruto, porque todos tinham medo do momento em que o homem quebraria de vez por causa de Sasuke e da falta que sentia dele. De fato, a obsessão de Naruto com o melhor amigo foi ficando meio patológica, por mais que todos ignorassem. E esse fato chegou ao ápice assim que Sasuke colocou os pés para fora de Konoha pela segunda vez.
Quando ele voltou, Sakura fez de tudo para mandar Sasuke embora, porque Naruto já tinha entrado para a Anbu em um momento de loucura, e era óbvio que a presença do amigo ali por algum tempo, só para depois deixá-lo mais uma vez, iria fazer seu namorado ter uma síncope final. Mas tinha como piorar, ela só não sabia.
Naruto foi morar com Sasuke. Sinceramente, se ela não matou alguém naquele momento, nunca mais mataria. Ela visitava Naruto quase todo dia, e as coisas eram estranhas. Sasuke não parecia muito afetado pela presença dele ali, mas ao mesmo tempo, em alguns momentos, fazia algumas coisas realmente doces, e Sakura ficou intrigada.
Mesmo Naruto o ignorando, o homem fez tudo que podia por ele sem reclamar — aceitou a prótese, as condições do conselho, as aulas para aprender a cuidar do outro corretamente, e até o cronograma de alimentação rigoroso e específico que Sakura montou. Se ela não tivesse analisado isso tudo de uma forma mais macro, nunca teria percebido o quanto Sasuke realmente se importava, porque tudo era feito de maneira inexpressiva, como um robô cuidando de uma pessoa. Ele não falava nada, só fazia tudo e aceitava o desprezo constante contra ele. Isso a deixou muito surpresa.
Mesmo assim, depois de algum tempo, as coisas deram uma amenizada — provavelmente porque Naruto viu Sasuke se machucar diante dele no dia da invasão. Aliás, mesmo nessa circunstância, Sasuke foi impecável ao protegê-lo. Quase sem chakra e machucado, conseguiu matar o invasor e avisar Tsunade, pegando Naruto e o levando para o complexo, mesmo com o rim perfurado.
Sakura se lembrava bem do rastro de sangue que tinha do hall até o quarto quando foi para lá, e de ver os dois homens na cama lado a lado desacordados, com Naruto agarrado ao braço de um Sasuke totalmente pálido por hemorragia. Ali ela entendeu que o ex-colega de time se importava com Naruto mais do que qualquer coisa, e isso a acalmou um pouco, ainda que a intrigasse a forma com que isso era demonstrado (ou melhor, não demonstrado).
Ao longo do tempo em que eles moravam juntos, Sakura foi captando várias coisas — principalmente a forma que o namorado olhava às vezes para o melhor amigo e rival. Eram momentos raros onde Naruto esquecia de vestir sua armadura anti-Sasuke e o olhava de forma tão miserável e desamparada que ela tinha vontade de quebrar o ex-colega de time por ser tão pouco empático.
Porém, um dia, ela chegou ali e algo tinha mudado. Naruto estava agindo estranho perto do outro — parecia extremamente pedinte da atenção de Sasuke e, quando a recebia, seus olhos brilhavam, cresciam, e ele corava. Ela imediatamente se viu ali, porque Sakura agia exatamente assim com Sasuke quando eram crianças. E também viu o próprio Naruto reagindo a ela da mesma forma, no início.
Se não soubesse dos sentimentos do namorado sobre ela, e que Naruto nunca demonstrou interesse por homens, diria facilmente que ele estava apaixonado por Sasuke, mas sabia que não era o caso — não podia ser. Porque eles estavam juntos agora, e Naruto era apaixonado por ela. Era por Sakura que ele era tocado e quem ele desejava, e ela sinceramente o amava de uma forma que nunca imaginou amar alguém. Ele era a melhor coisa do mundo, a melhor pessoa, o mais bonito e engraçado, o mais incrível, e era o namorado perfeito.
Mas naquele dia, Naruto parecia hipnotizado e maravilhado pelo homem, como se a simples existência dele na sala apagasse a do resto do mundo. E o próprio Sasuke estava sendo extremamente cuidadoso e até gentil, algo impensável. Eles sustentavam o olhar um do outro em uma aura poderosa e estranha, como se gravitacionassem entre si, Sasuke fazendo pequenas coisas desnecessárias e imperceptíveis, mas que Sakura captou.
Se isso não a magoasse tanto, teria sido a coisa mais doce de se ver, como se fossem dois idiotas apaixonados que não percebem os próprios sentimentos. E Naruto nunca tinha olhado com aquela intensidade para ela. Não daquele jeito.
Do nada, no dia seguinte as coisas entre os dois voltaram ao “normal”. Naruto o ignorava e Sasuke o tratava com a indiferença usual, tudo porque o namorado foi chamado por um apelido de infância. Ela acharia engraçado se não visse tanta dor e mágoa nos olhos claros dele, como se ser chamado daquele jeito o fizesse se sentir... traído.
Isso durou até o dia do Natal, momento em que Kakashi sugeriu fazer uma festa surpresa para Naruto celebrar com os amigos na casa de Sasuke. Sakura riu, porque sabia que o dono da casa jamais concordaria com aquilo, mas Kakashi a surpreendeu dizendo que já tinha conversado com ele e tudo estava ajeitado, ela só precisava levar Naruto no festival à tarde para tudo ser arrumado.
Mas foi naquele dia que a sementinha da incerteza sobre o que Naruto e Sasuke realmente sentiam um pelo outro floresceu, ao ouvir o namorado contando tudo que tinha acontecido naqueles dois anos. Que Sasuke o visitava, que ele se sentia em uma constante espera, abandonado, perdido... Algumas coisas não precisaram nem ser ditas, porque ela viu os próprios sentimentos que teve por Sasuke serem descritos ali, viu a angústia de Naruto, a mágoa e a dor, viu a raiva de Sasuke pelo outro ter dito que não precisava dele. Aquela história toda, o peso que ela tinha e como Naruto a contava, a forma com que dizia as coisas, a fez se perguntar se realmente era só uma amizade. Ou até se os dois tinham consciência do rumo que tudo estava tomando.
Naquele ponto, ela já não estava mais tentando ignorar tudo para não se machucar — precisava descobrir se aquilo era algo de sua cabeça ou não, porque se fosse verdade, Naruto não percebia os próprios sentimentos, e muito menos Sasuke. Se fosse verdade, nenhum dos três jamais seriam felizes. Naruto nunca deixaria o outro de lado, ela nunca conseguiria ficar com essa dúvida e Sasuke com certeza ficaria sozinho para sempre.
Por mais que doesse em Sakura, ela tinha sido sincera com Naruto sobre o que pensava — que ele estava magoado demais para conseguir ver as coisas como eram, porque Sasuke claramente se importava com ele. E ela percebeu o medo nos olhos de Naruto por receio de se machucar, a felicidade por saber que Sasuke tinha sido gentil naquele dia e por ter ouvido que os laços entre eles tinham sido reais e validados por alguém de fora. Ela viu cada sentimento ali, porque conhecia bem Naruto. E viu a estranha adoração soterrada sob tudo isso, mas estava lá.
Decidida a descobrir mais coisas, ela também analisou cada olhar e movimento do namorado com Sasuke — os toques, as trocas de olhares, a forma com que ele procurava o melhor amigo o tempo todo na festa, os quase-sorrisos. Então foi falar sobre isso com Ino, sua melhor amiga, uma mulher sincera e tão perceptiva quanto ela.
O que mais desesperou Sakura foi a outra não ter descartado a possibilidade daquilo ser real, e ter dito que vários amigos pensavam o mesmo quando eram mais novos, apesar de nunca terem falado. Como último recurso, Sakura conversou com Shikamaru, que também achava que Naruto tinha sentido algo além de amizade por Sasuke em algum ponto, mas frisou não poder afirmar isso atualmente, afinal, nem via como era a interação entre os dois agora.
Então ela subiu atrás dos dois quando viu o namorado ser carregado para ser medicado, e eles estavam tão absortos em si mesmos que sequer a notaram ali. Os dois ninjas nível Kage estavam tão focados no que acontecia entre eles que ela não foi percebida, a maior loucura que ela já tinha presenciado. E aquilo sim foi horrível de assistir — Sasuke o tocava com suavidade, os olhares não se deixavam e Naruto se arrepiava com cada toque dele, as pupilas dilatadas, o corpo sensível a tudo como se estivesse bebendo da existência de Sasuke e dos toques que recebia, do contato entre as peles deles e dos olhares que não se despregavam. E ela, que estava literalmente de frente para a cama, parada na porta, não tinha sido vista. Por nenhum dos dois.
Até que o namorado, do nada, pediu por ela. Sasuke saiu e quando ela se aproximou de Naruto, descobriu que ele estava duro. Ele não tinha ficado assim nem com ela lhe dando banho dias antes. Seu namorado, o homem que ela amava e com quem sonhava em se casar, a pessoa que a tocou com devoção e desejo. O estômago dela se embrulhou com isso, porque já sabia desde sempre que não tinha como competir com Sasuke no quesito amizade, e agora, se fosse o caso...
Voltando ao presente, Sakura adentrou o portão do Complexo Uchiha e fez o mesmo caminho que fazia quase diariamente, lembrando então do que tinha descoberto no dia anterior — Sasuke e Naruto tinham dormido na mesma cama. Seu namorado, inclusive, chamou por ele antes de acordar, e as coisas continuaram estranhas porque Sasuke parecia tentar fugir dele, fazia as coisas de maneira afetada e Sakura se sentiu uma intrusa. Por um segundo, ela até se perguntou se eles teriam se beijado ou algo do tipo, mas sabia que não podia ter sido. Não podia.
Naruto então tentou falar com ela, foi carinhoso, pediu desculpas por estar distante e a beijou com tanto carinho que, por um momento, ela pensou em deixar tudo isso para trás e fingir que as coisas que viu não passavam de uma ilusão. Porque podia muito bem ser. E mesmo se não fosse, era dolorido demais deixar Naruto. Ela o amava tanto, e se Sakura não dissesse nada, ele jamais iria perceber os próprios sentimentos sobre Sasuke e vice versa. Ela podia fazer ele feliz, ela fazia ele feliz. Ela estava lá sempre, Sasuke iria embora em breve.
Quando contou tudo isso para Ino e Shika, foi aos prantos. E sua parte que queria fugir da realidade argumentou veementemente com eles, mas os dois não deixaram ela prosseguir com seu mundo dos sonhos — não era justo com nenhum dos três, e Naruto claramente nunca conseguiria superá-lo se fosse verdade, ninguém nunca poderia ocupar aquele lugar, nem mesmo ela.
E sinceramente, Sakura jamais conseguiria conviver consigo mesma sabendo que tinha sido tão egoísta a ponto de fazer isso com uma pessoa que dizia amar. Porque não, ela não tinha dúvida alguma do sentimento que nutria por Naruto. A única coisa que queria na vida era vê-lo verdadeiramente feliz, como ela ficava perto dele, por mais que isso significasse se magoar.
Entretanto, Sakura não tinha provas conclusivas sobre aquilo. Ela de alguma forma sabia aquilo e tinha visto algumas coisas, mas não era nada substancial, como o próprio Shikamaru a lembrou, dizendo para ela tomar cuidado e não destruir um bom relacionamento com base em achismos e meia dúzia de evidências pela metade, e ela concordava. Até porque, grande parte dela implorava para que tudo isso fosse mentira, um mal entendido idiota.
Por isso, Sakura pediu para Shika ir visitar Naruto com ela naquele dia e analisar as coisas que via — eles deveriam se encontrar na frente da casa de Sasuke sete e meia. Ele tinha tentado não concordar e arrumou vários pretextos, mas ela insistiu fervorosamente, disse que ele era uma das poucas pessoas a quem podia recorrer e que Sasuke iria aceitar ali. A garota checou o relógio e apertou o passo, vendo que estava atrasada cinco minutos.
Ao chegar lá, ele esperava sentado na entrada e reprimia um bocejo. Ela respirou fundo e Shikamaru se levantou sem dizer nada, tocando a campainha com a cara de tédio usual. As mãos de Sakura tremiam, e ela não tinha certeza se era por causa do frio. Depois de esperar alguns minutos e tocar a campainha três vezes, ele abriu a porta.
“O que está fazendo?”, ela sussurrou meio escandalizada.
Shikamaru revirou os olhos. “Você queria saber se eles estão dormindo na mesma cama, não queria? Já que ninguém atende, vamos descobrir.”
Sakura foi na frente e sinalizou silenciosamente um degrau da escada que rangia para ambos pularem. Suas mãos estavam suando frio e o coração quase pulava pela garganta. Como os bons ninjas que eram, chegaram diante da suíte e Shika abriu a porta sem fazer barulho.
A verdade é que Sakura não estava preparada para ver aquilo nem em um milhão de anos — na meia luz do quarto, eles estavam literalmente de conchinha. Naruto estava deitado em cima do próprio coto e seu braço bom pousava sobre o peito de Sasuke, rodeando-o. O rosto dele se enfiava nos cabelos da nuca do outro, e a coberta meio chutada permitia que eles vissem as pernas emboladas e as pelves encaixadas.
Sakura estava pronta para ter um treco, mas Deus ainda não estava satisfeito — naquele mesmo momento, como se estivessem apenas esperando a plateia chegar, Naruto respirou fundo na nuca de Sasuke e se virou de barriga para cima, desencostando-se dele e exibindo um enorme volume em suas calças de moletom. Também em seu sono, Sasuke pareceu sentir falta da aproximação, porque buscou e puxou o braço de Naruto de volta para si.
O namorado de Sakura, então, voltou à posição original, fazendo uma pequena moagem contra a bunda do melhor amigo e soltando um ruído suave que lembrava muito um gemido suspirado com o qual Sakura estava bem familiarizada, os dois se ajeitando para ficar ainda mais próximos como se isso fosse realmente possível. Ela sentiu o ar parar em sua traquéia e seu sangue congelar nas veias. Com certeza estava tendo um derrame, porque aquilo era...
O mais bizarro, além disso, era o fato de que os dois eram os melhores ninjas de Konoha e estavam com a guarda tão baixa, tão relaxados dormindo na presença um do outro, que nem perceberam a invasão. Era ainda mais impensável no caso de Sasuke, que sempre tinha sido o mais consciente dos três e era o aprendiz de Orochimaru. Se fosse um inimigo, provavelmente ambos estariam mortos agora.
Como no dia do Natal, quando ela foi totalmente ignorada pela percepção deles estando parada na porta. Porque em alguns momentos, apesar das brigas entre os dois, alguma coisa clicava entre eles e aquela simbiose louca acontecia de uma forma que não existia mais ninguém no mundo. Não adiantava mais ignorar este fato.
A memória do dia anterior então, fez mais sentido ainda — Sasuke tinha dormido junto com Naruto e, por isso, só acordou quando ouviu Sakura na porta da casa, quase dez horas da manhã. Claramente aquela situação não era isolada, então.
E com certeza esse nível de relaxamento que eles, dois ninjas em nível Kage, apresentavam ao dormirem juntos, não era só porque confiavam um no outro, porque Sasuke nunca, jamais abaixava a guarda dele. O jeito que se tocavam, que às vezes se olhavam, aquela cena em específico — os dois dormindo entrelaçados — e todo o resto, eram provas suficientes para Sakura chegar à conclusão óbvia e dolorosa de que nada daquilo era um delírio. Os dois imbecis provavelmente eram os únicos que não enxergavam o quanto tinham se envolvido durante aqueles meses.
Shikamaru deve ter pensado a mesma coisa, porque rapidamente fechou a porta em silêncio e puxou a mulher atônita para fora da casa pelo braço. Ele parou no degrau de entrada encarando Sakura, que sequer piscava.
As lágrimas encheram seus olhos verdes e correram pelas bochechas pálidas, parando um segundo no queixo antes de caírem no chão de terra. Ela sentia a respiração presa na garganta e Shikamaru colocou a mão em seu ombro, sem saber o que falar. Suas pernas vacilaram e o amigo a segurou, puxando-a em um meio abraço que ela não retribuiu por estar entorpecida demais. Uma coisa era suspeitar de algo, mas ver...
Aquele era seu Naruto, o homem que ela amava, que tinha a beijado no dia anterior, que com certeza faria de tudo por ela, que tinha a tocado, que ela confiava mais do que tudo, e que era apaixonado por Sasuke provavelmente há anos e ela não viu.
Seu Naruto, que tinha os olhos mais lindos do mundo, o sorriso torto que ela amava e o coração puro que era dela. O homem que tinha as mãos mais suaves, o toque mais doce e a voz mais bonita, por quem ela se apaixonou depois de tanto tempo. Com quem queria discutir o futuro e fazer planos, com quem queria ter lindos filhos de narizes quadradinhos como o dele, futuros shinobis brilhantes e fortes...
Shika a sentou no degrau de madeira da fachada e ela soluçou por alguns minutos com o rosto nas mãos pequenas. Era como se o mundo tivesse parado e a única coisa que existisse fosse aquele pesadelo perverso.
“Sakura, você precisa ir para casa.”, disse Shikamaru preocupado. “Não pode ir para o hospital desse jeito.”
“Ele... Ele estava... Eu...”, balbuciou, transtornada.
“Sim, eu sei. Vamos, não podemos ficar aqui. Vou te levar pra Ino.”, ele falou, levantando-a delicadamente pelo cotovelo e a guiando pelo caminho que ela nem registrava, nem enxergava.
Shikamaru a amparou e demorou cerca de vinte minutos até chegar na porta da floricultura com a mulher que estava completamente em choque e fora de órbita. A amiga saiu de trás do balcão imediatamente e, assim que a viu, não precisou de mais explicações. Sakura foi passada de uma mão para a outra e mal percebia a conversa dos dois.
“Era verdade?”, Ino indagou com uma expressão de pena e incredulidade.
Shikamaru olhou para o céu com as mãos nos bolsos e suspirou pesadamente enquanto cerrava as pálpebras para a claridade. “Sim. Cuide dela. Vou avisar no hospital que ela não poderá ir por uns dias.”, disse com pesar antes de sair a passos lentos e ombros curvados.
Ino puxou a amiga gentilmente pela escada e pediu para a mãe cuidar da loja, levando Sakura para o quarto e a sentando em sua cama antes de se ajoelhar diante dela. A garota tinha um olhar vidrado e perplexo, fitando o nada como se apenas seu corpo estivesse ali.
Ino a observou com pena por um momento antes de a puxar para um abraço firme. Ela estava gelada. “Pronto, pode chorar. Eu estou aqui, vai ficar tudo bem.”
Ao ouvir isso, Sakura deu um suspiro quebrado antes de se agarrar às roupas de Ino e se afundar no ombro dela, soluçando descontroladamente enquanto tremia. Sakura chorou até de noite, até ficar fraca, até perder a voz, até seus olhos arderem inchados, até sua cabeça rodar entrar em um torpor que a tirava do mundo, como se seu corpo fraco estivesse flutuando no espaço desgovernadamente, e ela agradeceu por isso, porque era melhor do que a dor.
Ino não a soltou em nenhum momento.
Os olhos azuis-claros se abriram sonolentos no quarto escuro e Naruto imediatamente sentiu o cheiro de seu shampoo. Ele tinha os lábios e o nariz encostados na nuca quente de Sasuke e sua mão estava pousada na barriga dele, pele contra pele sob o tecido da blusa de frio larga, e dava para sentir cada elevação de seu abdômen magro e tonificado, o que fez o corpo de Naruto se aquecer um pouco mais e se tensionar. Uma de suas pernas estava entre as dele e seus corpos se moldavam com perfeição.
Se Sasuke acordasse agora, com certeza o mataria. Se afastou cuidadosamente, descolando-se e tirando a mão da barriga do amigo, que se mexeu. Naruto prendeu a respiração e rezou aos céus, mas o homem apenas resmungou incoerentemente e pegou sua mão de volta, colocando-a junto da dele sob o próprio peito e o forçando a se encaixar novamente. Engolindo seco, sentiu o outro suspirar pesadamente e ajeitar a própria bunda em sua pelve, o que fez Naruto soltar um suspiro trêmulo de surpresa, porque estava duro como o inferno.
Seu pulso se acelerou e ele respirou fundo buscando o ar, mas o cheiro de sabonete, camomila e suor picante do outro entrou em seus pulmões, o que fez sua cabeça rodar. Sasuke estava muito quente sob o tecido dos abrigos que usava, e seus dedos finos e longos se mesclavam levemente aos de Naruto sob o próprio coração, o braço pálido por cima do seu.
Estranhamente, acordar daquele jeito não era o problema — o problema era seu pau totalmente duro encaixado entre as polpas da bunda de Sasuke e a pouca inclinação que o próprio corpo tinha de se afastar dali. Estava tão quente e confortável, tudo estava silencioso e ele conseguia sentir o coração do outro batendo sob a palma da mão e o respirar suave, como uma cantiga de ninar ritmada emanando para seu corpo e o trazendo para mais perto como um ímã.
A curva acentuada de um quadril magro e bem definido aparecia sob a beirada da blusa. Por um milésimo de segundo, Naruto se perguntou como seria enganchar os dedos ali e apertar o pequeno monte de carne firme que se evidenciava, mas bloqueou o pensamento no mesmo instante.
Deus, ele precisava sair dali, porque tinha certeza que a cota de vezes que Sasuke aceitaria acordar abraçado a ele se resumia a uma só. Além disso, essa posição era bem mais constrangedora. E ele não ia nem comentar da dureza que exibia nas cuecas — um lance completamente fisiológico, mas que com certeza o outro não entenderia. Naruto mais uma vez tentou sair, deslizando o próprio braço para longe do aperto dele e se virando de barriga para cima antes que Sasuke sentisse sua falta e o puxasse de volta.
A falta do corpo quente lhe rendeu um calafrio, então puxou a coberta sobre si. Olhou distraidamente para o relógio em cima da mesa de cabeceira e se assustou ao ver que passava das dez. Eles tinham dormido muito, o que era uma surpresa. Sasuke não era do tipo que acordava tarde.
Naruto então criou coragem e, disfarçando a própria ereção (que sem dúvida alguma era só o efeito de passar tanto tempo longe de Sakura e a impossibilidade de se aliviar sozinho por mais de um mês) sob a coberta, ele cutucou o outro nas costelas delicadamente.
“Sasuke, acorda, já são mais de dez horas.”, murmurou.
O amigo grunhiu e se mexeu, sentando-se logo em seguida sem olhar para trás e jogando os braços para o ar com um bocejo. A blusa de frio levantada permitiu que Naruto visse parte das costas magras, e havia vários cortes em sua pele de alabastro. Sem pensar muito no que fazia, Naruto esticou a mão por cima da cama e tocou uma delas, o que fez Sasuke se assustar um pouco e olhar para trás em um arrepio. Seu cabelo escuro estava todo bagunçado de uma maneira meio fofa.
“O que são essas marcas?”, perguntou Naruto.
Sasuke rapidamente abaixou a blusa e se afastou de seu toque. “São dos meus treinos com Kabuto e Orochimaru.”, respondeu de maneira abafada.
Ele se levantou e foi até a janela, abrindo-a. Um vento forte e gélido entrou no quarto e Naruto grunhiu, enfiando-se novamente sob as cobertas. Sasuke se espreguiçou mais uma vez antes de sair do quarto. Cerca de uma hora depois a campainha tocou, e felizmente Naruto já tinha escovado os dentes (sozinho, o que era uma vitória) e comido.
Seu coração bateu forte no peito, porque queria ver Sakura depois da conversa no dia anterior em que ela saiu mais taciturna do que nunca. Entretanto, quem entrou no quarto minutos mais tarde não foi ela, e sim Tsunade.
"Bom dia Naruto. Infelizmente todas as minhas enfermeiras estavam com carga horária lotada e eu também estou ocupada hoje, então não tenho muito tempo, vamos acabar com isso logo.”, disse a velha, enérgica.
Apesar de todas as perguntas que Naruto fez enquanto era levado para a banheira, nenhuma resposta substancial foi dada, o que o deixava indignado. Sakura o visitava praticamente todo dia. Ver a ex-Hokage ali para fazer as coisas no lugar dela o fez ter uma sensação horrível de que tinha algo muito errado, principalmente depois da namorada começar a agir estranho.
“Já disse, ela está de folga por uns dias, gaki. Agora me deixe fazer o meu trabalho, eu já vi a minhoca que você tem entre as pernas mil vezes!”, reclamou a velha, lutando com ele para tirar sua cueca e vencendo.
“Ela sempre vem mesmo de folga, tem alguma coisa acontecendo e você não quer me falar! Eu juro que vou até a casa dela a pé se você não me disser, bruxa velha!”, ameaçou Naruto enquanto Tsunade enchia a banheira com ele dentro.
Ela bufou. “Já disse que não sei de nada, moleque. E eu quero ver você passar pelo Uchiha para mancar pela cidade.”, a risada forte dela ecoou em seus ouvidos.
“Eu consigo muito bem vencer Sasuke!”, ele exclamou.
Foi a vez do outro dar uma risada alta e irônica do quarto através da porta fechada. “Você não me vence nem se fizer mil clones.”, provocou.
"Cala boca, teme!”, berrou Naruto, espalhando água.
Tsunade lhe lançou um olhar assassino. “Se você me molhar, eu juro que coloco talas em você.”
Isso o fez emburrar e ficar quieto enquanto seu cabelo começava a ser esfregado. Ele olhou para a ex-Hokage depois de um tempo. “Ela andava estranha há uns dias comigo, eu sei que aconteceu alguma coisa, baa-chan.”
Ela suspirou. “Se aconteceu, eu não estou sabendo de nada, Naruto. Eu só fui avisada que ela ia ficar de folga por alguns dias, e como Sakura só trabalha, não vi problema nenhum. Provavelmente só está esgotada, estava esperando o momento que aquela garota ia pifar de tanto trabalhar. Mas não se preocupe, eu sei que Ino está com ela. Dê alguns dias e ela vai aparecer, deixe-a descansar.”, instruiu a mulher sem se deixar abalar.
Naruto fez um biquinho. “Se você souber de algo, vai me contar?”
Tsunade se aborreceu. “Tá bom moleque, agora pare de me azucrinar e abaixe pra enxaguar o cabelo, anda.”
Depois que foi limpo, vestido, medicado e feito fisioterapia (ele já conseguia andar alguns metros sem suas pernas tremerem muito), o colocaram perto da janela, como acontecia sempre. Sasuke trocava a roupa de cama em silêncio e Tsunade já tinha saído.
“O que você acha que aconteceu com Sakura?”, Naruto indagou de repente. Sasuke só ergueu os ombros, o que o fez suspirar em resposta. “Ela estava estranha comigo há uns dias.”, comentou.
“Sakura é estranha, você que nunca viu isso.”, respondeu ele enquanto ajeitava as almofadas na cama.
Naruto franziu o cenho para si. “É sério, ela estava chateada ontem...”
Sasuke arqueou uma sobrancelha. “Hn.”, foi a resposta genial que veio dele.
“Ei, será que você não pode tentar manter uma conversa?”, Naruto resmungou, girando uma das rodas da cadeira com o único braço para ficar de frente para ele.
“Tsc. Eu estou fazendo isso, usuratonkachi, mas não tenho nada para dizer sobre sua namorada.” Sasuke foi até a cômoda e começou a dobrar as roupas de cama lavadas para guardar.
O comentário fez Naruto ficar levemente vermelho. “O que eu devia fazer?”, insistiu.
O outro deu um suspiro sem levantar a cabeça. “Você realmente espera que eu saiba como você deve lidar com Sakura?”
“Você é a única pessoa com quem eu posso falar no momento, não é?”, os olhos claros se reviraram.
“Eu não sou a melhor pessoa para você perguntar qualquer uma dessas coisas. Não sei lidar com mulheres.”, respondeu Sasuke, evasivo.
Naruto pensou por um momento. “Você conviveu com Karin.”, argumentou.
“Karin e eu conversávamos sobre táticas de time e estratégias, nunca falei com ela sobre outras coisas.”, Sasuke explicou, empurrando a primeira gaveta e abrindo a segunda.
“Ela parecia se importar muito com você.”, observou, tirando um fiapo da calça.
Sasuke fez uma careta. “Tsc. Ela era pior do que Sakura, ficava me encurralando para ficar sozinha comigo mesmo eu nunca demonstrando interesse.”
Naruto ergueu as sobrancelhas, surpreso. “Não sabia disso.”, ele deu uma risadinha. Então continuou avaliando Sasuke, que percebeu e o encarou.
“O que?”
Naruto hesitou. “Bem... Você já... você sabe... com alguém?”, perguntou, fazendo gestos estranhos com as mãos.
O amigo voltou a dobrar as roupas em silêncio. “Sim.”, respondeu contrafeito depois de um momento.
Naruto arregalou os olhos. “Sério? Quando?”
Os lábios finos se comprimiram enquanto ele colocava mais coisas na gaveta. “A primeira vez foi na época em que estava com Orochimaru.”, disse a contragosto.
“Você já namorou alguém? Estou chocado.”, brincou.
Sasuke o fitou sem muita paciência. “Eu não namorei, foi só uma coisa que aconteceu em uma noite. Na verdade, eu não estava interessado.”
Naruto percebeu que ele estava levemente vermelho. Aquilo tinha sido mesmo uma surpresa — Sasuke nunca demonstrou o mínimo de interesse em pessoas nem para estar perto delas, quem dirá para sexo. E Naruto não entendia como ele tinha ficado com alguém sem ter interesse na pessoa. Era confuso, Sasuke não parecia o tipo de cara que pagava prostitutas, por exemplo. Ou que tinha alguma vontade de fazer sexo com alguém. Queria perguntar mais, mas achava que ele não ia responder nada além dali.
“A primeira vez que fiquei com alguém, foi na viagem com Jiraiya. Conheci uma garota que trabalhava no local que ele frequentava, ficamos amigos e uma coisa levou à outra. Passei algum tempo na vila, então nos víamos bastante.”, contou, olhando esperançoso para o amigo na expectativa dele também compartilhar.
Sasuke viu a cara dele e revirou os olhos. “Você não vai me deixar em paz, não é? Está bem. Eu tinha dezesseis e estava totalmente focado em ir atrás do meu irmão, então não tinha interesse em nada além disso. Orochimaru era estranhamente... obcecado em mim, então notou que tinham algumas coisas acontecendo.”, disse, e Naruto o observou curioso. Sasuke tinha as bochechas e as orelhas cor de rosa, o que era hilário. “Meu corpo estava mudando e eu estava muito tenso, isso atrapalhava meus treinos e ele me disse que só ia piorar por causa da puberdade, então enviou uma... pessoa para o meu quarto em uma noite. Foi isso, agora chega de me fazer perguntas estranhas.”, concluiu meio exasperado sem tirar os olhos do que fazia.
Naruto riu um pouco e ignorou a última parte. “Ela era bonita?”, perguntou.
Sasuke fez uma cara estranha. “Era... razoável. Não sei, não liguei muito. Só queria que Orochimaru parasse de me encher o saco e que aquilo passasse.”
“E deu certo? Quer dizer, você conseguiu voltar a treinar bem?”, ele suprimiu um sorrisinho.
“Sim, consegui, agora pare de me perguntar essas coisas!”, resmungou Sasuke, mais corado do que nunca.
Naruto deu uma gargalhada. “Ah, qual é, nós já somos adultos, teme! E você não pode me julgar de ficar curioso, você fugiu de cada menina que era apaixonada por você na Academia!”
Sasuke fez mais uma cara estranha. “Mulheres são complicadas, só isso. Bem, vou terminar de procurar aqueles documentos. Estou no fim da biblioteca e ainda não encontrei nada, estou começando a achar que está no dojô.”, ele pareceu frustrado.
“Ué, então por que não procura lá?”
O amigo parou por um momento e desviou o olhar no que pareceu ser uma tentativa de descontração. “Eu ainda não entrei lá.”, explicou brevemente.
Naruto juntou as sobrancelhas. “Porque não?”
Sasuke suspirou. “Foi onde meus pais morreram.”, respondeu sem entonação.
Naruto franziu a testa. “Sinto muito.”, ele ponderou por uns segundos. “Você parece querer muito esses documentos. Se você quiser, eu... posso entrar com você.”, ofereceu timidamente.
A cabeça do outro se levantou e felizmente ele não parecia aborrecido. Na verdade, seu olhar era quase suave antes dele voltar a encarar o outro lado. “Hm, vou... manter isso em mente.”, resmungou antes de sair do quarto.
Chapter 24
Notes:
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Chapter Text
Foi no final da primeira semana de janeiro que Naruto finalmente começou a se recuperar — Tsunade e a equipe médica trabalharam duro e, depois de alguns testes sem resultados, conseguiram sintetizar um soro a partir da amostra do sangue de Sasuke e mais algumas substâncias. Após alguns dias em observação e análises, foi notado que alguns venenos estavam, aos poucos, sendo eliminados de sua corrente sanguínea, o que significava que a amostragem tinha dado certo e ela poderia ser finalmente aplicada em maior dosagem em Naruto.
Uma semana depois, seu sangue estava quase limpo — o suficiente para Kurama acordar, recuperar o chakra que estava gastando para manter Naruto vivo e iniciar seu processo de cura, depois de xingar até sua quinta geração por ter se deixado capturar como um idiota e literalmente quase morrer. Aquilo era ótimo, mas ele não conseguiu comemorar tanto quanto gostaria.
Afinal, essa era a única coisa que estava dando certo no momento. Sakura não tinha aparecido até agora e, em breve, Sasuke terminaria de procurar os documentos que precisava e iria embora. Naruto tentava não pensar sobre isso, porque as coisas entre eles tinham evoluído bastante.
O outro ainda era fechado e silencioso, mas conversava sempre que qualquer assunto era puxado e parecia com um humor menos irritadiço que o normal. Agora eles faziam mais coisas juntos — sempre desciam para comer na cozinha e, às vezes, Naruto fazia companhia enquanto Sasuke estava no escritório vasculhando entre os papéis. E eles tinham entrado num consenso de continuar a dormir na mesma cama, apesar de isso nunca ter sido discutido ou mencionado.
Todas as noites ele se deitava distante de Naruto, ainda que ao seu lado, e colocava o braço sobre seu estômago assim que o via agitado no meio da noite. Em alguns dias, era Sasuke que tinha algum pesadelo, e então era o outro que se aproximava e o abraçava, levando-o para um sono tranquilo. Tinha ficado claro que seu amigo sempre dormia bem quando estava ao seu lado, o que fez Naruto se sentir lisonjeado, porque sabia que ele tinha algum tipo de insônia quando era criança e que claramente isso tinha piorado, de acordo com o que percebeu enquanto estavam no hospital.
Infelizmente, Naruto estava precisando cada vez mais da presença de Sasuke, agora que estava ansioso e confuso sobre o que estaria acontecendo entre ele e Sakura. E isso era perigoso, porque em breve o homem iria embora e ambos sabiam disso. Aquela era outra coisa que não era mencionada, e Naruto evitava ao máximo lembrar disso, porque sempre que o fazia, apresentava uma tendência de implicar com ele mais que o normal e uma forte inclinação a voltar a ignorá-lo.
Por fim, Naruto não estava mais de cama há uma semana e seus ossos já tinham sido curados por Kurama e Tsunade, agora que seu jutsu médico podia finalmente ter resultado em seu corpo. Ele ainda estava com Sasuke, entretanto.
Aquilo não tinha sido discutido entre os dois também, e eles apenas deixaram como as coisas estavam. A amizade e convivência deles agora era cheia de coisas não ditas e adiadas, porque sabiam que era melhor assim e nenhum deles queria perturbar a paz instaurada, por mais que soubessem que era provavelmente momentânea.
De qualquer forma, apesar das mil coisas reprimidas no peito de Naruto, estava feliz em poder conviver com o melhor amigo diariamente como se o resto do mundo, os problemas e o futuro não existissem. Ter finalmente o que queria desde sempre fazia sua dor e qualquer outra coisa ficar em segundo plano e, apesar das várias diferenças entre os dois, a simples presença do outro ali era muito reconfortante. Era muito doméstica e quase natural.
Naquele instante, por exemplo, Naruto estava cortando legumes para o jantar, com alguma dificuldade por causa do único braço, quando a campainha tocou. Recebeu um olhar significativo de Sasuke — que estava muito engraçado em suas pantufas brancas e com o cabelo meio desgrenhado — e, sabendo que era o único que recebia visitas, deixou a faca sobre a tábua e foi atender a porta.
Parada ali em um casaco longo preto estava Sakura, totalmente séria. Uma aura estranha emanava dela e de seus olhos anormalmente duros. O estômago de Naruto se embrulhou no segundo em que a viu, e sua voz foi incapaz de sair naquele momento, então apenas ficou ali parado, encarando a mulher como se visse um mau agouro.
"Boa noite, Naruto. Posso entrar?”, ela perguntou formalmente olhando no fundo de seus olhos.
Um arrepio o atingiu e ele tentou engolir. Sua mão tremeu na porta. “Claro.”, respondeu, limpando a garganta e se afastando para dar passagem. Apesar de ter esperado aquele momento por semanas inteiras, agora que tinha chegado, percebeu que não estava preparado.
Sakura atravessou o portal e olhou ao redor, depois se virou para Naruto que fechava a porta. “Se importa da gente conversar?”
Algo gelado e denso pareceu escorrer por seu corpo e sua garganta se fechou. Tentando agir o mais normalmente possível, o homem deu seu sorriso afetado. “Sim, vamos subir. Pode ir na frente, vou só avisar o Sasuke, eu estava ajudando ele a picar as coisas para o jantar, já que eu mesmo não sei cozinhar quase nada...”, tagarelou em uma voz aguda que não parecia sua.
Sakura assentiu ainda sem expressão e começou a subir as escadas devagar. Naruto respirou fundo e foi até a cozinha, onde Sasuke terminava de cortar as coisas e as jogava na água fervente. Ele olhou para trás assim que o ouviu se aproximar.
“Você parece meio verde, dobe.”, comentou distraidamente sem parar o que fazia.
Naruto olhou para os próprios pés e depois de volta para ele. “Eu, hã, vou estar lá em cima, Sakura quer conversar comigo. Você pode fazer o jantar sozinho?”, indagou.
O outro o encarou por um segundo sem mudar de expressão. “Oh, como eu faço todos os dias? Claro.”, respondeu erguendo os cantos da boca em um mínimo sorriso irônico antes de se voltar para o fogão.
Naruto não teve capacidade nem de apreciar uma das brincadeiras que Sasuke fazia com ele. Entorpecido e desesperado, fingindo não entender o porquê da sensação horrível que o atingiu assim que colocou os olhos na então namorada, subiu os degraus da escada devagar, como um prisioneiro indo para a cadeira elétrica. Nunca quis tanto carregar o melhor amigo junto, porque realmente não tinha nervos para encarar Sakura. Tentou acalmar sua respiração, mas não foi possível, e seu coração batia alto em seus tímpanos conforme ele andava pelo corredor e ia até a suíte.
Sakura o esperava na cadeira que sempre se sentava, virada de frente para a cama e a certa distância, com as pernas juntas e mãos sobre o colo em uma atitude fechada. Tudo nela gritava restrição, como se ele já não fosse mais tão bem vindo assim. Se controlando para não sair correndo, foi se sentar na cama com os músculos tensos e o estômago agitado.
Sakura puxou o ar lentamente e o encarou por um momento, decidida. Infelizmente ele já sabia o que viria a seguir no segundo em que ela abriu a boca.
“Naruto, eu não acho que estamos dando certo, sinto muito.”, anunciou Sakura com determinação. O fato dela olhar diretamente dentro dos olhos dele não deixava margem para qualquer incerteza.
Ele olhou para os próprios pés, atordoado, mas não surpreso. De alguma forma, tinha o pressentimento de que aquilo ia acontecer assim que a garota foi embora da última vez, o que não impedia seu coração de se quebrar em milhões de pedaços agora. Saber de algo e aceitar aquilo eram coisas completamente diferentes, e ele tinha esperado estar errado.
Naruto não conseguiu olhar para ela. “Por que?”, ele perguntou em um murmúrio rouco e derrotado.
“Porque eu preciso disso. Não está funcionando pra mim, me desculpe.”, foi a resposta dela.
Outra fincada em seu peito. Por mais que pressentisse aquilo acontecendo, não estava nem um pouco preparado. Naruto finalmente conseguiu levantar a cabeça e a fitar, o que pareceu fazer Sakura hesitar por um segundo. Ele se sentia vazio e entorpecido de repente, como se todo seu nervosismo tivesse saído flutuando e carregado seus órgãos junto, restando apenas sua casca pregada na cama.
“Sakura, o que aconteceu? Porque você não conversou comigo, porque sumiu?”, ele perguntou como se implorasse.
A mulher torceu as mãos no colo inconscientemente e umedeceu os lábios cor de rosa. “Eu precisava colocar a cabeça no lugar e entender o que eu estava sentindo sobre você.”, Sakura respondeu, mas sua voz tremeu no final. Mesmo assim, ela parecia determinada no que queria, e irredutível.
“Sakura...”, Naruto sussurrou, e os olhos verdes dela eram indecifráveis. “Por favor, não faça isso com a gente.” Ignorando os sinais que ela dava, o homem se levantou e aproximou-se, se abaixando diante dela e a fitando desolado. A mulher desviou o olhar pela primeira vez, e ele pegou a mão pequena e trêmula. “Sakura, olhe pra mim e me diga o que está acontecendo, por favor.”
“Eu já disse o que está acontecendo.”, ela respondeu para o chão de madeira.
Aquilo não batia. A certeza dela e seu discurso pareciam ensaiados, porque sua voz e suas mãos tremiam. Ele não era um gênio, mas conhecia Sakura e sabia quando alguma coisa estava errada. A garota estava olhando para o chão à sua direita.
“Eu só preciso que você seja sincera comigo, você nunca me deu nenhuma chance de consertar o que quer que fosse! Sakura, por favor, vamos resolver isso de uma vez, por favor. Eu não aguento mais te ver assim comigo, eu preciso saber o que eu fiz de errado pra poder consertar! É porque eu estava distante? Eu estou fora da cama há uma semana, nós podemos voltar ao normal agora! E-eu só não fui te procurar porque achei melhor te dar espaço...”, argumentou veemente apertando os dedos dela. De repente, ele viu seus olhos verdes levemente marejados. “Sakura, olhe pra mim, por favor.”, sussurrou, sentindo o peito apertado.
As mãos delicadas tremeram e ela tornou a encará-lo com as íris implacáveis. “Naruto, porque você precisa dificultar as coisas? Eu já te expliquei-"
“Você não explicou nada!”, o homem se colocou de pé diante dela em um átimo, repentinamente indignado, o que a fez pular um pouco com o susto. “Você está mentindo pra mim e não está me dando nenhuma chance de entender ou te fazer mudar de ideia! Sou apaixonado por você desde criança, estamos juntos há um ano e eu sempre tentei fazer o melhor pra nós, sempre tentei te fazer feliz, e do nada você muda de ideia sobre a gente? Eu tenho o direito de saber pelo menos a verdade, Sakura, isso não é justo!”, Naruto exasperou-se, encarando a mulher que tinha se voltado novamente para o próprio colo.
Ela demorou alguns segundos para fitá-lo e agora parecia cansada. “Eu não tenho mais nada pra te dizer, me desculpe. As coisas só tomaram um rumo diferente, não estamos mais na mesma página.”
“Você não está mais na mesma página, eu ainda estou aqui.”, sua voz falhou e ele voltou a se ajoelhar diante dela, abraçando-a pela cintura e deitando a cabeça em suas pernas. A garota não o afastou. “Eu ainda estou aqui e eu te amo, você não acredita em mim? Você... realmente não me ama mais?”, ele tinha os olhos fechados e a bochecha apoiada na perna dela.
As mãos que o acalentaram nos últimos meses alcançaram seus cabelos loiros e ele sentiu vontade de chorar. De alguma forma ele sabia que os sentimentos de Sakura não tinham mudado, mas que nenhum argumento a faria recuar em sua decisão.
Havia alguma coisa acontecendo e ele não tinha poder algum sobre nada. Estava com raiva pela mulher ter decidido o que quer que fosse, sozinha, e apenas o comunicado brevemente, poupando explicações; e estava com raiva de si mesmo, por não ter notado nada antes da última conversa deles.
“Naruto, você é meu melhor amigo, sabe que eu sempre vou te amar.”, a voz dela era abafada.
Aquela resposta o irritou e o atingiu profundamente. Ele levantou o rosto do colo dela e a fitou com firmeza, levando a mão até sua bochecha delicada. Deu para sentir as pernas de Sakura tremendo, e os olhos dela estavam grudados nos dele. “Você entendeu o que eu quis dizer. Seja sincera, você não está mais apaixonada por mim?” As narinas dela se dilataram e o rosto foi puxado de sua mão quando seu olhar se desviou mais uma vez. “Sakura?”, ele cobrou incisivamente.
“Não.”, respondeu determinada, mas não olhava para ele e parecia prestes a chorar apesar da expressão séria.
Ouvir aquilo doeu. Aquela era a mulher que ele amava, que ele queria ao seu lado, a mulher que esteve com ele em todos os seus momentos difíceis.
Naruto se inclinou para a garota com o coração em frangalhos, sentindo os olhos acumularem lágrimas e a traquéia obstruída. “Eu não acredito em você.”, ele murmurou com a voz entrecortada, encostando a testa na têmpora dela e fechando os olhos enquanto as lágrimas desciam em cascata por suas bochechas.
Sakura não o afastou e ele levou a mão para sua nuca, a mantendo ali. O perfume floral encheu seu nariz e a respiração rápida dela era perceptível em seu ouvido. Ele não precisava ver para saber que a garota também tinha os olhos fechados e chorava silenciosamente, o que confundia Naruto. Suas intuição dizia uma coisa e os sinais dela eram todos contraditórios, como se Sakura estivesse sendo obrigada a terminar com ele, o que não fazia sentido algum.
Ele tocou os lábios em seu rosto e recebeu um soluço abafado em resposta. “Do que você precisa? O que você precisa de mim?”, ele indagou amargamente, passando os dedos pela bochecha dela e sentindo a textura aveludada que conhecia de cor.
Ele conhecia Sakura inteira de cor e a recíproca também era verdadeira. Ele conhecia seus olhos, seu corpo, seu coração, seu cheiro, tinha aprendido a lê-la quase completamente e confiava nela tanto quanto confiava em Neji. Sabia que ela não era o tipo de pessoa que o magoaria de propósito, que o deixaria sem uma explicação plausível ou sem tentar resolver as coisas antes. Ele a conhecia.
Naruto sorveu mais uma vez do perfume de flores e tocou os lábios na pele dela novamente, sentindo as lágrimas da mulher salgarem sua língua enquanto rumava para o canto de seus lábios. Eles se amavam. Estavam verdadeiramente apaixonados, não havia nenhum motivo para se separarem assim.
“Eu preciso que você pare.”, respondeu a mulher baixinho, colocando as mãos sobre o peito dele e o empurrando de leve. “Por favor, pare.”, sussurrou.
Engolindo em seco e indo contra toda suas vontades, Naruto se afastou. Ele jamais faria alguma coisa contra a vontade de Sakura. Os olhos azuis se abriram veementes e travaram nos dela. Aquilo parecia um pesadelo e ele se sentia totalmente errado, mesmo sem saber o que tinha feito.
“Sakura, eu não quero te forçar a nada. Eu te amo e quero você comigo, mas não posso e não vou te forçar a me aceitar. Só quero que você pense bem no que está fazendo, nós podemos consertar seja lá o que for, eu...”, argumentou.
Ela imediatamente começou a negar com a cabeça e se levantou de repente, o que fez Naruto se afastar e a imitar. “Eu só quero que você respeite minha decisão, por favor. Você é meu melhor amigo e espero que as coisas possam continuar assim no futuro, mas agora eu preciso me afastar. E eu preciso que você respeite minha decisão.”, ela passou as costas das mãos pequenas pelo rosto, limpando as lágrimas enquanto dava alguns passos para trás.
Naruto sentiu o estômago embrulhado se agitar ainda mais e olhou para os próprios pés. Ele não queria desistir de Sakura, mas não podia ignorar o tom veemente dela e muito menos seu pedido. Por mais que doesse aceitar, estava muito claro que a mulher não voltaria atrás em sua decisão, mesmo ele não entendendo por quê.
"É isso que você quer? Que eu te deixe em paz, que eu desista da gente?”, murmurou derrotado, também limpando as lágrimas do rosto enquanto a estudava.
Sakura fez uma expressão de dor momentaneamente e mais água escorreu dos olhos verdes. Seus belos lábios tremiam. “Sim, Naruto, é isso que eu quero. Sinto muito.”, ela sussurrou, cimentando a conversa. “Eu vou embora agora. Espero que ainda possamos continuar sendo amigos quando isso passar. Fique bem.”
Naruto a assistiu passar pela porta e a ouviu caminhar pelo corredor lentamente, seguido pelo som dos passos na escada. Foi só quando ouviu o barulho da porta de entrada deslizando que ele se permitiu cair na cama e enterrar o rosto no travesseiro, desabando de vez. Sakura tinha ido embora e aquele fato tinha sido dolorosamente registrado em seu coração. Era mais uma ferida para arder em seu peito.
_________
Era tudo, tudo culpa de Sasuke, ele tinha certeza, só não entendia por quê. Sakura ficou estranha depois da conversa no Natal, depois que percebeu que eles tinham dormido na mesma cama, depois de vê-los juntos. O que não fazia sentido nenhum, porque eles nem eram mais tão próximos assim e a amizade deles continuava sendo quebradiça como uma camada de gelo fino.
De qualquer forma, ainda que não fosse culpa de Sasuke diretamente, era mais uma coisa que ele tinha estragado. Toda a raiva reprimida de Naruto veio à tona, porque o outro sempre conseguia estragar algo para ele. Primeiro foi embora, tentou o matar, o machucou de várias formas possíveis, machucou seus amigos e sua vila. Se foi novamente, voltou e estragou as coisas que ele tinha com Sakura só para ir embora de novo.
Naruto tinha quase certeza que o que quer que tivesse feito a ex-namorada — e doía muito denominá-la assim — terminar com ele, tinha a ver com Sasuke. Talvez fosse mesmo mais inteligente ele desistir do idiota e pronto, talvez assim as coisas começariam a dar certo.
Foi com essa linha de raciocínio que ele decidiu voltar para a própria casa três dias depois, tendo ficado esse tempo todo enfiado no quarto sem olhar na cara de Sasuke. Eles nem mesmo tinham dormido na mesma cama neste meio tempo, porque Naruto trancou a porta e ficou lá, remoendo as coisas e lambendo suas feridas.
O homem tinha o chamado para comer, mas desistiu na segunda refeição que ele deixou de comparecer. O humor de Naruto passava de totalmente depressivo para completamente puto com o mundo mil vezes no dia, e Sasuke já não aparecia mais, porque era inteligente o suficiente para perceber que não era bem vindo.
Aquilo também o irritou — o idiota nunca insistia em nada, porque era um egocêntrico. Agora mesmo, parecia que Naruto morava sozinho, porque o outro só deixava a comida pronta no fogão e vagava silenciosamente pela casa. Além disso, os pesadelos de Naruto naqueles dias o impediram de dormir e o perturbaram mais do que o normal, porque agora contavam com a presença de Sakura neles, ainda que, no fim, ela fosse embora.
Então foi só três dias depois da conversa com a mulher que ele saiu do quarto e desceu as escadas parando diante de Sasuke, que almoçava sentado na mesa em seu ridículo abrigo azul escuro. O único olho visível se despregou do prato de comida e ele encarou Naruto sem expressão alguma, como se apenas esperasse o que quer que fosse.
“Eu vou voltar para o meu apartamento.”, avisou com a única mão em um punho tão apertado que os nós de seus dedos estavam brancos e as unhas se fincavam em sua palma.
Sasuke o avaliou de cima embaixo estoicamente, como se decidisse se ele valia a pena. “Ok. Tem comida na panela.”, respondeu sem emoção alguma, voltando-se para o prato e prosseguindo em seu almoço calmamente.
A pressão de Naruto subiu de imediato, porque o imbecil sequer tinha se importado com o que ele disse, como se falassem de qualquer coisa banal. Ele deu alguns passos para mais perto da mesa sentindo o sangue ferver. “Ok? É só isso que você tem pra me dizer?”, gritou.
De repente, o outro voltou o olho negro para Naruto perigosamente irritado. “Sim. O que quer que tenha acontecido entre você e Sakura, não é problema meu, e eu não sou obrigado a lidar com as suas merdas emocionais, Naruto. Estou cansado das suas mudanças de humor.”, lançou em um murmúrio intimidador.
“Você tem a ver sim! Sakura terminou comigo por sua culpa!”, sua única mão socou a mesa.
Os olhos de Sasuke se reduziram a fendas de raiva quando seu queixo se ergueu em um ar superior, e sua voz aumentou para se igualar aos desaforos de Naruto. “Minha culpa? Que merda eu tenho a ver com isso?”, ele se colocou de pé e apoiou as mãos na mesa, os cabelos negros ondulando ao redor do rosto pálido.
“Sim, sua culpa! Se você não estivesse aqui, meu relacionamento não teria se desgastado! Se ela terminou comigo, foi porque você apareceu e tomou toda minha energia em tentar entender nossa amizade ou o que quer que essa merda signifique!”, berrou enfurecido. Seu peito subia e descia enquanto buscava ar pela adrenalina. Ele estava querendo arrumar uma desculpa para explodir desde que Sakura saiu por aquela porta.
Os punhos do outro também socaram a mesa, que rangeu, e seu Sharingan se ativou com a raiva, assustador e rodopiante. “Como é que é? Eu não tenho culpa se você foi um namorado de merda ou se colocou sua atenção em mim, eu nunca pedi pra você fazer nada, idiota! Se eu vim pra cá, foi porque você fez o favor de ser capturado e precisavam de alguém pra te monitorar, eu tinha outros planos!”, Sasuke berrou de volta com as feições esculpidas em ira.
Ouvir aquilo fez Naruto dar a volta na mesa redonda em um átimo, mas o outro estufou o peito e se endireitou como se o desafiasse a tocar nele, e Naruto então agarrou a gola de sua blusa. Apesar disso, Sasuke só lhe lançou um olhar assassino pintado em vermelho por causa de seu dojutsu.
“Se eu fui capturado foi por sua causa, seu bastardo de merda. Eu estou cansado de você estragar tudo pra mim, você é tão egoísta e não se importa com ninguém!”, acusou indignado com o rosto a centímetros do de Sasuke.
O outro homem agarrou seu pulso e o forçou a soltá-lo enquanto o encarava intensamente, como se cogitasse queimá-lo vivo. “Eu estou relevando as suas merdas há semanas, Naruto. Estou de saco cheio das suas mudanças de atitude repentinas e de tentar me adequar a elas. Existe um limite de vezes que você pode começar a me desprezar de um dia para o outro sem motivo. Não te devo porra nenhuma e pra mim já deu. Não sei se você considera isso,”, ele fez um sinal que indicava os dois, “uma amizade ou não, mas acabou. Eu não tenho culpa das suas expectativas e eu acho que você criou mesmo uma versão minha na sua cabeça pra chamar de amigo, porque você espera de mim uma merda que não existe! Se você quer ir embora, então me faça esse favor. Você estava certo, eu nunca servi pra ser seu amigo e sou egoísta, eu escolhi ficar sozinho, feliz? E não devia nunca ter tentado me aproximar, você fala de mim, mas não percebe o quanto se tornou insuportável, instável e intransigente. Agora vê se me deixa em paz, ou eu vou arrancar seu outro braço.”, exclamou, passando por ele enquanto seus ombros colidiam. Naruto pôde ouvir os passos pesados na escada e a batida forte da porta no andar de cima.
Ficou parado na cozinha ouvindo a própria respiração no silêncio que se seguiu, assimilando o que tinha acabado de ouvir. Até porque, algumas daquelas palavras pareciam estranhamente familiares — “e eu acho que você criou mesmo uma versão minha na sua cabeça pra chamar de amigo”. Era muito específico.
Novamente algo o atingiu, porque se lembrou de onde as conhecia — ele tinha escrito aquilo meses antes, no aniversário de Sasuke. Era uma das cartas que ele mantinha na caixa no armário, mas não tinha como Sasuke saber disso, provavelmente era só uma coincidência. Afinal, ele nunca tinha ido até sua casa, e se tivesse, com certeza não teria aberto seus armários e muito menos lido suas cartas. Era só uma coincidência.
Agora, pensando, Naruto se lembrou das coisas que Sasuke tinha dito no dia em que brigaram — que sabia o quanto ele se sentia sozinho, abandonado e perdido. Não tinha como ele saber daquilo, porque a única pessoa que tinha esse conhecimento era Neji, que jamais contaria para alguém. E ele tinha quase certeza que também escreveu isso na carta, porque dizia isso em todas elas.
Naruto juntou as sobrancelhas e se encostou na mesa, pensando como Sasuke sabia tudo aquilo se nunca tinha ido até seu apartamento. Passou a mão distraidamente pela gola da camiseta laranja preferida que usava para ficar em casa e parou, olhando para baixo. Seu cérebro parecia querer juntar algumas coisas à força, porque de repente se sentiu sobrecarregado com informações que não conseguia distinguir.
Os olhos azuis se arregalaram — Sasuke tinha ido até sua casa no dia da briga, porque Naruto pediu para usar as próprias roupas. Então ele tinha aberto seu guarda roupa, obrigatoriamente. E talvez tivesse visto as cartas endereçadas e lido elas. Naruto arregalou os olhos, puxando o ar que lhe era escasso mais uma vez e sentindo a cabeça girar. Sasuke não podia ter feito isso, ele não podia saber, não tinha porque ler as cartas...
De repente a atitude de Sasuke começou a fazer sentido — ele se tornou um pouco mais complacente a partir daquele dia, e Naruto pensou que tinha sido por causa da discussão dos dois, mas talvez fosse porque ele sabia mais do que deveria. Talvez fosse porque leu sua carta e viu o quanto Naruto estava quebrado e miserável. Sua respiração ficou mais rápida ainda: ele tinha se humilhado tanto naquela carta que era ridículo. E agora Sasuke tinha lido e sabia.
Desencostando-se da mesa, ele olhou ao redor sem realmente ver. Ele tinha que sair dali imediatamente e nunca mais conversar com aquele cara na vida, estava farto e aquilo tinha mesmo passado dos limites.
Naruto se sentiu extremamente traído e invadido, humilhado. O filho da puta sabia e ainda tinha usado tudo que leu contra ele nas duas vezes que ficou com raiva, sem se importar com nada.
Sasuke sabia de tudo e, ainda assim, usou isso para machucá-lo deliberadamente. O gosto amargo subiu para sua língua e seu estômago se contorceu, produto de sua gastrite que às vezes dava as caras. Ele tinha que dar o fora dali.
Lançou-se frenético para a porta da frente sem realmente enxergar as coisas, sabendo que o bastardo não viria atrás dele depois do que tinha dito, e era melhor assim. Eles não se veriam mais, provavelmente.
Se impedindo de pensar muito sobre isso, Naruto saiu transtornado para as ruas vazias do complexo tentando respirar e falhando, enquanto amaldiçoava sua crise por aparecer naquele momento. Sua cabeça estava girando e ele caminhou a passos largos e rápidos pela estrada de terra, sentindo a própria respiração queimando na traquéia conforme puxava o ar.
Os olhos já lacrimejavam e ele tentava se impedir de desabar, porque precisava ir embora. Precisava deixar Sasuke para trás. Precisava ir para longe.
Precisava de Sakura.
A concepção de que um dos seus únicos portos seguros tinha sido arrancados violentamente o atingiu enquanto ele passava pelo portão do Complexo de forma errática. As lágrimas com as quais lutava impediam sua visão de focar direito no caminho que seguia, e o zumbido incessante no ouvido o faziam caminhar baratinado em sua confusão mental.
Ele desceu a rua freneticamente como um borrão, agradecendo por estar em uma área pouco movimentada. Aquele era um pesadelo ainda maior do que apenas ter sido deixado por Sakura; Naruto nunca se sentiu tão sozinho e patético, nunca quis tanto sair de Konoha e começar de novo em outro lugar, com outro nome e outra vida, mas ele era conhecido demais para isso agora que tinha vencido uma guerra.
Ele andou sem ver realmente o caminho que fazia, tentando sair da vista de qualquer pessoa que pudesse notá-lo. Então era oficial, o time sete tinha se desfeito de vez. Sakura não estava mais ali para ele e Sasuke era um cara estranho que o consumia e o confundia, o magoava e estava louco para dar o fora. Naruto estava sozinho e tinha perdido a namorada, o melhor amigo e toda a esperança que se forçou a ter por anos. Ele era um estranho para si mesmo e para os outros, não se reconhecia mais e isso era o pior de tudo.
“Naruto? O que aconteceu?”, indagou uma voz conhecida.
Ele olhou em volta e percebeu que tinha ido até um dos campos de treinamento em seu caminhar confuso, e que, inclusive, tinha passado por Neji e sequer notado.
Naruto chacoalhou a cabeça com as lágrimas ainda queimando seus olhos azuis turbulentos e encarou o amigo, que tinha acabado de ir até ele e colocado a mão em seu ombro, firmando-o. Neji o guiou até uma árvore próxima e se sentou com ele ali, observando enquanto Naruto tentava respirar.
“Vocês brigaram de novo?”, chutou, e Naruto concordou com a cabeça, ainda puxando o ar. “Ok, você precisa se acalmar.”
Neji se aproximou e colocou a mão em seu ombro novamente, puxando-o em um abraço que Naruto percebeu imediatamente que precisava. Ele se curvou sobre o amigo e enterrou a cabeça em seu ombro, aceitando ser envolvido enquanto deixava a água dos olhos correr livremente no tecido das roupas claras dele.
O aperto ao redor de seu corpo o fez desabar e Naruto finalmente soltou em forma de lágrimas tudo que estava segurando desde a conversa com Sakura há semanas atrás, todo o medo, a dor, a confusão e a tristeza. Neji só o soltou algum tempo depois, quando ele finalmente parou de soluçar e conseguiu respirar direito. Os olhos lilases o observaram enquanto ele se ajeitava contra a árvore e se preparava para falar.
Naruto suspirou e encarou Neji, cansado. “Sakura terminou comigo anteontem e hoje eu discuti com Sasuke.”, resumiu.
O homem ergueu as sobrancelhas em choque. “Sakura terminou? Por quê?”, ele cruzou as pernas e se endireitou com a preocupação estampada no rosto.
“Eu não sei. Ela disse que não estávamos na mesma página e que não estava dando certo. Eu tenho quase certeza que tem alguma coisa a ver aquele idiota, porque ela ficou estranha depois do Natal, quando conversamos sobre ele no festival. E no dia seguinte ela percebeu que nós dormimos na mesma cama...”, analisou.
As sobrancelhas de Neji se juntaram. “Ok, mas qual você acha que foi a linha de raciocínio dela nisso tudo?”
Ele coçou o queixo, cabisbaixo. “Não sei, mas acho que ela estava com ciúmes. Era o que parecia. Mas isso é ridículo, quer dizer, eu e Sasuke somos dois estranhos um para o outro. Mas eu sei que foi por causa dele.”
“Você acha que... ela ainda tem sentimentos por ele?”, perguntou receoso.
Naruto negou com a cabeça lentamente. “Não, não acho que seja isso. Olha, eu não sei explicar porque acho isso, é só um sentimento que eu tenho, entende? É mais no sentido dela ter visto alguma coisa entre mim e ele que a incomodou, talvez tenha se sentido excluída, não sei. Mas é surreal demais pra ser isso. Eu e Sasuke passamos mais tempo brigados do que bem pra Sakura pensar alguma loucura desse tipo.”
Neji fez uma cara estranha e desviou o olhar. “Entendi. E ela não quis dizer o que aconteceu. O que Sakura falou, então?”
“Ela pediu pra eu respeitar a escolha dela e deixar isso pra lá. Foi muito estranho. Ela parecia tão afetada, como se fosse um texto ensaiado. Parecia que estava sendo obrigada a terminar comigo, mas estava tão decidida sobre isso. E ela não me deu explicação nenhuma, só disse isso e depois foi embora. Foi uma merda. Eu perguntei o que tinha feito de errado e pedi uma chance de consertar, mas ela não quis ouvir. Eu só queria entender o que aconteceu.”, contou, encarando o chão tristemente.
Neji suspirou e se recostou na árvore encarando o horizonte. “E foi por isso que você brigou com Sasuke? Porque acha que tem a ver com ele?”
Naruto corou de leve. “Bem, sim. Mais ou menos. Eu disse que ia voltar pro meu apartamento e começamos a discutir.”
O amigo tombou a cabeça para fitá-lo. “Ele não queria que você fosse embora?”
“Ele não se importou, na verdade. No fim da briga disse que era pra eu ir mesmo. Que era um favor que eu fazia a ele. Bastardo de merda.”, resmungou, antes de ficar alguns minutos em silêncio. Neji esperou, então ele continuou. “Nós brigamos porque eu disse que era culpa dele de Sakura ter terminado comigo. Ele ficou muito irritado. Respondeu que não tinha culpa de eu ter sido um namorado de merda e se eu gastei minha energia com ele, porque não pediu por isso. E falou que eu tinha me tornado instável e intransigente, que ele estava de saco cheio de lidar com as minhas mudanças de humor e atitude. Eu tenho mudanças de humor e de atitude?”, as sobrancelhas loiras se franziram e seus olhares se encontraram.
Neji tinha a sugestão de um sorriso no rosto, agora. “Sobre ele, sim. Sasuke te afeta de uma forma que nunca vi ninguém fazer. Talvez tenha sido isso que Sakura viu. Sinto te informar mas, mesmo brigados, a simbiose de vocês é muito palpável. Dá pra ver o quanto você é reativo a ele mesmo sem querer. O quanto tudo que tem a ver com ele te desestabiliza completamente.”
As bochechas de Naruto ficaram escarlate e ele abaixou a cabeça. “Não sabia disso.”, murmurou.
Neji riu baixinho. Eles voltaram a contemplar o silêncio por vários minutos enquanto Naruto colocava a cabeça no lugar e assimilava as coisas. O outro não o forçou a voltar para a Terra, apenas lançava alguns olhares de esguelha às vezes e só disse alguma coisa muito tempo depois.
“Bem, o que vai fazer agora, então? Pretende mesmo voltar para sua casa?”
Naruto ponderou. “Sim. Acho que é o melhor a se fazer. Não tem porque ficar lá depois do que aconteceu e, além disso, eu estou curado. Só estou esperando minha prótese de volta. O que você acha?”, se virou para o amigo.
Neji o avaliou por um momento. “Concordo, mas antes, talvez você devesse tentar conversar com Sasuke sem se exaltar. Afinal, você saiu sem pegar nenhuma das suas coisas, então vai precisar voltar de qualquer jeito. Só tente ficar calmo, Naruto. As coisas só se acumularam.”, disse antes de se colocar de pé e estender a mão para ele.
Naruto aceitou a ajuda e bateu a mão na bunda para dissipar a sujeira. “Você está certo.”, afirmou com um muxoxo.
Por mais que não tivesse contado sobre a questão da carta — aquele era um assunto privado e humilhante demais para ser exposto para qualquer ser humano —, Neji tinha captado bem a situação e o ajudado bastante. Além disso, Naruto preferia ignorar a história da carta e fingir que nunca existiu.
O sorriso presunçoso de Neji apareceu. “Mas é claro, eu sempre estou certo.”, riu.
Ele fez uma careta. “Você é metido demais, nem sei por que converso com você.”, resmungou com um revirar de olhos.
“Porque eu estou sempre certo, é claro. Quem vai te dar uma direção certa na vida se eu não estiver por aqui?”
Naruto riu pelo nariz e ergueu as sobrancelhas, divertido. “Realmente, não sei o que seria de mim sem você, Pocahontas.”, debochou.
O outro fechou a cara. “Eu não te dei um soco da última vez que me chamou assim porque seria chutar cachorro morto, mas da próxima vez não vou ser muito compreensivo.”
Ele riu. “Eu teria chutado sua bunda mesmo naquele tempo e você sabe disso!”, exclamou, e Neji revirou os olhos lilases. Naruto se aproximou e olhou para os próprios pés. “Bom, hã, obrigado. Eu precisava mesmo desabafar sobre isso tudo.”
Neji assentiu distraidamente. “Eu sei. Sinto muito não estar sendo presente ultimamente. Mas agora que você vai estar na sua casa, vou aparecer mais vezes. E você pode me visitar quando quiser também, sabe disso.”, respondeu.
Naruto deu um sorriso triste. “Sim. Espero que você esteja falando sério sobre me visitar, vou ficar esperando.”, avisou. “Bem, vou pegar minhas coisas e tentar conversar com o imbecil. A gente se vê, obrigado.”, agradeceu, apertando de leve o braço dele.
Neji sorriu suavemente e acenou enquanto se afastavam um do outro. Naruto se sentia mais calmo agora, e fez seu caminho de volta com a mão no bolso da bermuda cinza clara. Já devia passar das quatro horas pela posição do sol, e o vento frio beijou seu rosto calmamente enquanto ele andava.
Conversar com Neji sempre o acalmava e sempre rendia boas conclusões em Naruto, porque o amigo era muito objetivo e prático em seus apontamentos, e conduzia a conversa de uma forma que fazia Naruto se organizar enquanto falava. Ele sempre se sentia mais leve quando passavam algum tempo juntos.
Além disso, Neji tinha aberto seus olhos para um possível ponto de vista de Sakura, ainda que errôneo, porque mesmo que ele fosse reativo a Sasuke, o convívio deles ainda era muito conturbado para que qualquer amizade se consertasse por muito tempo, ali. Até porque, agora o próprio Sasuke tinha decidido se afastar. No fim, Naruto dizia a si mesmo que Sasuke era seu melhor amigo apenas pela familiaridade do título, porque eles sequer podiam se chamar de amigos agora.
Naruto respirou fundo ao chegar diante do complexo e caminhou devagar pela estrada de terra batida até parar na porta da casa que passou as últimas semanas. Tomando a coragem que precisava, ele entrou e apurou os ouvidos, mas estava tudo muito silencioso como sempre.
Procurou por Sasuke nos cômodos do andar debaixo e subiu as escadas decidido quando viu que o homem não estava ali, então resolveu arrumar suas coisas. Se encaminhou para o quarto onde dormiu por todos esses dias e pegou as sacolas no canto da cômoda, as quais ainda tinham algumas roupas dobradas. Abriu as gavetas e tirou tudo que o pertencia de lá, colocando de volta nas sacolas plásticas.
Dez minutos depois, ele parou diante da porta do quarto que Sasuke dormia e bateu, não recebendo nenhuma resposta. Suspirando, ele bateu mais uma vez.
“Sasuke, preciso falar com você.”, disse contrariado.
Houve um resmungo mau humorado do outro lado e Naruto então considerou isso uma permissão para abrir a porta e entrar. O quarto era bem menor e contava apenas com uma cama, uma mesa de cabeceira, uma poltrona e um tapete. Ele estava encostado em uma pilha de travesseiros com um livro na mão magra. A franja que tampava o Rinnegan estava colocada atrás da orelha displicentemente, revelando seu rosto. Ele não desviou os olhos do livro quando Naruto entrou.
“Eu só vim avisar que já peguei minhas coisas. Estou indo pra casa.”, avisou em um tom monótono. Sasuke assentiu minimamente com a atenção ainda nas páginas que lia em uma expressão fechada.
Reconhecendo que não teria diálogo, Naruto suspirou e ignorou o monstrinho que pinicou suas vísceras chateado, virando-se e saindo antes de fechar a porta atrás de si com um baque seco. Pegou as sacolas com a única mão que tinha e saiu a passos lentos e ombros pesados, tentando não reconhecer o pesar que se instalou dentro de si conforme se afastava da casa. Ele também tentou não reconhecer o embrulho em seu estômago e a percepção de que provavelmente não veria Sasuke dali pra frente.
Depois de caminhar pela cidade sem prestar atenção em nada, parou diante da própria porta e soltou as sacolas, pegando a chave no bolso distraído. Abriu a porta e levou as roupas para dentro antes de voltar a fechá-la com o pé. Naruto cambaleou até o próprio quarto e jogou as coisas em um canto antes de cair na cama de cara para o colchão.
Tudo estava silencioso demais ali. Era vazio demais. E ele teria que se acostumar com isso a partir de agora.
Notes:
Oie! Desculpe pela demora, eu estive fora de casa no último mês, então não tive como postar. Obrigada aos que ainda estão por aqui acompanhando.
Chapter 25
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
“Sasuke Uchiha é uma ameaça ao povo de Konoha. Ele deveria estar na prisão e você sabe disso, Kakashi. Tsunade foi tola demais quanto a isso, além de ter sido influenciada pelo garoto Uzumaki ao decidir que o Uchiha ficaria apenas um mês em solitária. Ele se salvou da pena de morte, mas deveria cumprir pelo menos dez anos em contensão total sem contato com pessoas. Ele não tem respeito por Konoha e os moradores estão pedindo uma posição sobre isso.”, anunciou Koharu sentada no sofá vermelho da sala de estar do prédio Hokage, onde Kakashi tinha aceitado fazer uma reunião com os dois membros do Conselho.
O Hokage suspirou e colocou a xícara branca sobre o pires na mesa de centro entre eles. “Sasuke não é uma ameaça, é um aliado. Ele está prestando serviços para a vila há dois anos, se arriscando em nosso nome.”
“Porque assim foi determinado. Você não é ingênuo de pensar que ele é leal à vila e nem a você, não é?”, argumentou então Homura, ao lado de Koharu. “Não se esqueça que ele teria te matado sem pestanejar naquele lago, Kakashi. A lealdade por medo é a mais instável de todas.”
“Sasuke não tem medo de Konoha.”, respondeu.
O nariz de Koharu se empinou no ar em desprezo. “Então talvez devesse. Você está sendo indulgente porque ele é seu ex-aluno, assim como Tsunade foi sobre Naruto por muito tempo. Os moradores da vila estão receosos, o boato de que Sasuke Uchiha está aqui já se espalhou. Ele precisa ser contido para que seu governo seja levado a sério, Tsunade perdeu muito a popularidade pela influência que Naruto tinha sobre ela, não cometa o mesmo erro. Insistimos em aproveitar a presença do homem aqui e fazer os Anbus capturá-lo para cumprir a pena. É por isso que lhe dissemos para mandá-lo embora antes, agora que as pessoas já descobriram a presença dele, exigem que seja preso. E sinceramente, nós também!”
“Fazer isso só culminaria em problemas, não resolveria nada. Iríamos perder um dos nossos melhores shinobis. Sasuke ajudou na Guerra e salvou o mundo ao lado de Naruto-"
“E logo em seguida tentou matar o jinchuuriki e ameaçou não soltar as bestas com cauda. Ele é instável e perigoso, precisa ser detido. O que impede que ele esteja tramando alguma coisa nesse exato momento? O que o impediria de fazer qualquer coisa contra a vila e contra você?”, indagou o mais velho com um olhar de aço.
Kakashi respirou fundo. Era difícil argumentar contra aqueles dois abutres ao mesmo tempo, e estava em uma situação complicada — se ele não soubesse manejar tudo corretamente, aquilo poderia acarretar em uma guerra civil e na rejeição de seu mandato pela população.
“Naruto o impediria de fazer qualquer coisa. Aliás, podemos mandar nossos melhores Anbus atrás de Sasuke, eles seriam reduzidos a pó. Se ele quisesse fazer algo contra a vila, já teria feito há muito tempo, e a única pessoa capaz de subjugá-lo é Naruto. Não há com o que se preocupar, ele estão juntos no momento.”
“Naruto ainda está debilitado, passou meses de cama e está sem um dos braços, você sabe bem disso.”, sibilou a velha, fechando a cara.
“Tsunade vai devolver a prótese dele daqui dois dias, Koharu-sama, e Sasuke pretende ir embora em breve, tudo voltará a ser como antes.”, respondeu Kakashi duramente.
"Com todo respeito, Rokudaime Hokage-sama, nosso dever é trabalhar em prol dos interesses da nossa população e da proteção dela! A vila não se sente segura com o Uchiha solto pelo mundo podendo voltar a qualquer momento para um ataque, ele não deveria sair daqui, ainda mais sem Anbus para vigiá-lo!”, exclamou Homura, e Koharu concordou com a cabeça solenemente.
“Ele devia estar preso, as pessoas estão colocando uma expectativa sobre seu governo, a de tomar as difíceis e necessárias decisões que Tsunade deixou de lado!”, completou a mulher.
Kakashi se colocou de pé, encarando-os com olhos de aço. Apesar de tudo, ele era o Hokage. “Sasuke é um shinobi de Konoha, não é mais um Nukenin. Ele também faz parte da vila e foi por esse tipo de atitude que o clã Uchiha quis armar uma rebelião. A história fala por si. Eu já coloquei Anbus para vigiá-lo incessantemente e Naruto está lá, caso aconteça alguma coisa. Essa é a casa de Sasuke, e ele deixou de lado sua vingança para ajudar Konoha durante todo esse tempo. Não vou tomar nenhuma decisão sem motivo aparente por algo que ficou no passado. E eu espero que vocês me ajudem a manejar isso dessa maneira, porque não precisamos de imprevistos em nossas mãos.”, determinou. “Agora, se me dão licença, tenho outras coisas para resolver.”
Kakashi saiu a passos largos sem esperar resposta, caminhando de volta para o escritório e se jogando na cadeira estofada, enquanto passava as mãos pelo rosto cansado. Ele estava segurando as pontas com o Conselho desde que Sasuke tinha voltado, e por mais que tivesse o poder de dar a palavra final sobre esse assunto, os dois membros podiam facilmente colocar as pessoas da vila contra seu governo, pois tinham influência suficiente e os moradores ainda não confiavam totalmente nele como Líder da Vila.
Ele pensou em pedir alguma ajuda sobre isso a Tsunade, mas achava melhor não envolver mais pessoas nisso, por enquanto. Coçou a cabeça e encarou o relatório de vigia de Sasuke, que tinha sido posto ali enquanto estava fora. Quando o abriu, quase começou a chorar.
Ali não dizia nada sobre Naruto ter voltado para a mansão Uchiha. Fazia três dias que ele tinha saído com sacolas na mão, segundo os relatórios, e aparentemente ainda não tinha voltado, ou constaria na papelada; afinal, os Anbus tinham que lhe informar qualquer visitante na casa.
Ele guardou a pasta na gaveta e a trancou. Daria mais alguns dias para Naruto voltar por conta própria, ou teria que conversar com o ex-aluno. O conselho não podia ficar sabendo que Sasuke estava sozinho novamente, ainda mais depois de ele ter usado Naruto de argumento e dito que ele era o único que poderia impedir Sasuke de fazer qualquer coisa contra a vila.
Kakashi também precisava dar um jeito de afastar Sasuke dali, o homem corria o risco de ir preso. Ele conhecia o Conselho e não duvidava de armarem alguma coisa para colocá-lo na prisão. E só Deus sabe como Naruto reagiria caso isso acontecesse.
Com um suspiro, se abaixou para abrir a portinha embaixo das gavetas laterais da mesa e pegou uma dose do conhaque que guardava ali. Agora Kakashi entendia porque Tsunade escondia álcool para tomar durante o expediente — se soubesse que teria que lidar com tanta coisa, jamais teria aceitado o cargo.
O líquido forte desceu por sua garganta, queimando e levando consigo uma ínfima parte de sua dor de cabeça. Encheu o copinho mais uma vez e virou, depois repetiu o processo pela terceira vez — uma dose para Naruto e uma para Sasuke. Naruto valia por dois.
Os olhos se abriram, preto e roxo brilhando no ar gelado da noite, e Sasuke encarou o teto branco, respirando fundo. Depois de ter se acostumado a dormir por mais de oito horas todas as noites, sua insônia e os sonhos tinham ficado mais torturantes agora. Mas ele não queria pensar sobre isso, porque pensar sobre isso era pensar sobre Naruto, e Naruto não estava mais ali.
E Sasuke, aliás, não deveria se importar com isso, porque finalmente teve o que queria — estava novamente sozinho. Não precisava mais cuidar de ninguém. Não precisava mais ouvir o tagarelar incessante da voz irritante fazendo perguntas ou puxando assuntos enquanto ele lia, cozinhava ou tentava limpar a casa. Não precisava adivinhar o humor de alguém a cada dia. Não precisava mais acordar no meio da noite com alguém acoplado ao seu corpo como um grande bicho de pelúcia sanguessuga. Sem preocupações. Tudo tranquilo e no mais completo silêncio.
Sasuke vagueou com a mão pela mesinha de carvalho ao lado da cama e acendeu o interruptor do abajur, que banhou o quarto em sua luz quente e reconfortante. Puxou os dois travesseiros que tinha colocado um de cada lado dele — um placebo que usava há alguns dias para tentar dormir, mas sem sucesso — e colocou sob as costas, antes de afastar a franja para trás da orelha e pescar novamente o livro que tinha começado mais cedo.
Ainda que decidisse ignorar esse fato, o livro era só mais uma coisa que ele usava para não precisar ir no maldito dojô. Ele procurou os documentos que buscava no escritório, depois na estante do quarto dos pais e, por fim, em todas as gavetas da casa — Sasuke tinha evitado abrir qualquer uma delas sem necessidade até então, e só tinha entrado e limpado os cômodos principais, pois a casa era grande.
Claro, ele sabia que documentos como aqueles jamais estariam guardados na gaveta da sala de jantar, mas ele estava tentando protelar o momento em que deveria entrar no local onde os pais tinham sido assassinados pelo irmão mais velho. Ele usou Naruto de desculpa para isso também — pensou que o idiota iria ficar ali por mais algum tempo, então não tinha necessidade de ter pressa. Mas então ele foi embora. E Sasuke terminou o livro que estava lendo e começou outro.
Pelo menos na casa havia vários livros interessantes e variados. Havia muitos estudos sobre assuntos diversos, e muitos contos policiais. Sasuke nunca tinha lido nenhuma ficção antes porque estava ocupado treinando, mas descobriu que gostava bastante de ler coisas apenas por ler. Era relaxante. E mais importante, o impedia de ficar pensando nos malditos documentos que deviam estar no maldito dojô daquela maldita casa.
O ar saiu pesadamente de seus pulmões e ele se mexeu inquieto embaixo das cobertas da pequena cama, passando um pé por cima do outro para se esquentar. Já fazia semanas que as madrugadas eram sinônimo de um frio congelante, mas ele só estava sofrendo há alguns dias com isso, porque antes havia um homem de um metro e oitenta com uma temperatura corporal assustadoramente alta dormindo agarrado à ele — algo que o incomodava, mas pelo menos seus pés não ficavam gelados.
Não que ele sentisse falta disso, é claro. Era muito melhor dormir sozinho.
Até porque, era bem constrangedor o fato dele ter compartilhado a cama com Naruto por um tempo. Sim, ambos dormiram muito melhor dessa maneira, mas era estranho demais para o gosto de Sasuke, ainda que o som da respiração suave ao lado de sua orelha e o calor do corpo de Naruto o acalmasse e o embalasse para um sono tranquilo e sem sonhos como num passe de mágicas.
Seu humor tinha melhorado bastante durante o pouco tempo em que seu sono estava regulado, mas agora, fazia dias que ele não dormia, e o incessante pensamento sobre a necessidade de procurar logo os malditos documentos o atormentava e fazia sua irritação aflorar. Até porque, aquilo era ridículo — era só um cômodo idiota, mais nada.
Claro, o fato de Itachi tê-lo feito rever a cena da morte dos pais mais de quinhentas mil vezes em seu genjutsu quando Sasuke tinha 12 ou 13 anos não ajudava muito, mas ainda assim era só um cômodo. Assim como aquela casa, apesar das memórias que evocavam, era apenas uma casa.
Com mais um suspiro de impaciência, depois de ler o mesmo parágrafo pela quinta vez sem assimilar nada, Sasuke voltou o marca páginas para o lugar e colocou o livro na mesa de cabeceira. Escorregou para fora das cobertas e calçou as pantufas brancas antes de andar até a cortina e afastá-la para espiar pela vidraça da janela.
As ruas de terra batida, como sempre, estavam silenciosas, mas um tapete de neve agora cobria o chão e as casas à vista. Seria até bonito se não fosse pelo fato de que ele e os cinco Anbus lá fora eram os únicos seres vivos ali.
Sua respiração embaçou o vidro que ele limpou com a mão, antes de se afastar e abrir a porta. Fazia alguns dias que tinha voltado a dormir com todas as luzes da casa acesas — ele começou a fazer isso na primeira semana ali, quando precisou buscar água no meio da noite e não teve coragem de andar pela casa escura.
Não porque ele tivesse medo do escuro, mas porque aquela casa realmente parecia assombrada, apesar dele não acreditar nessas merdas. Não, a casa era assombrada com memórias, e andar pelo lugar sem luz lhe dava arrepios.
O único momento em que ele dormiu com as luzes da casa apagadas tinha sido durante o tempo em que dividiu a mesma cama com Naruto, porque dormia a noite toda. Mas, nos últimos dias em que eles ficaram sem se falar, e agora, que ele tinha ido embora, as luzes voltaram a ficar acesas.
Sasuke desceu as escadas e foi para a cozinha, onde pegou um copo no escorredor. Ainda havia dois pratos ali, e um deles não era usado há algum tempo, mas ele preferiu mantê-lo lá, assim como a caneca ao lado da sua.
Abriu a geladeira e pegou a garrafa de água, fechando-a novamente. O cronograma das refeições de Naruto ainda estava pregado na porta de metal, mesmo que não fosse mais necessário há algum tempo, porque o idiota já tinha melhorado dias antes de ir embora.
Na mesma tarde em que Tsunade disse que Naruto podia voltar a comer normalmente, no dia em que Kurama acordou e o curou, Sasuke buscou lamen para os dois a pedido dele. Lamen não era algo que o atraia, mas seria uma vez na vida, então ele fez este esforço depois de ver o sorriso estúpido e radiante na cara boba de Naruto — apesar de ter comido reclamando.
Depois de se curar, Sasuke pensou que o homem iria embora, mas não foi o que aconteceu, e eles não falaram sobre isso. Tê-lo ali era um pouco irritante — principalmente porque, assim que voltou a andar, ele seguiu Sasuke para onde quer que fosse na casa.
Ele não falava incessantemente, mas o único momento em que ficava realmente em silêncio era quando o via lendo os documentos no escritório. De outro modo, Naruto às vezes comentava sobre alguma coisa na casa ou puxava os assuntos mais aleatórios, contando algumas histórias e tentando investigar a vida de Sasuke enquanto esteve fora de Konoha (um assunto do qual ele se esquivava sempre que podia).
Por um lado, um Naruto bem humorado era muito melhor do que o homem instável que ele vinha sendo há semanas, ora sendo receptivo e ora agindo como se preferisse que ele estivesse morto — algo que não o incomodava, mas as mudanças de humor e comportamento sim. Sasuke já fugia de pessoas emocionais, e preferia se manter longe de seres humanos instáveis, ainda mais depois de conviver com Kabuto, Orochimaru e com Karin. Entretanto, quando era necessário estar perto de pessoas assim, ele tinha um jeito muito simples de lidar com isso: afastando-se e ignorando.
Mas era difícil fazer qualquer uma dessas coisas com Naruto, de quem Sasuke deveria cuidar e ficar perto para qualquer imprevisto. Mas ele fez o que precisava fazer e não matou o infeliz, o que foi bem difícil. Então, no belo dia em que Sasuke estava sinceramente pensando em explodir a casa pelo fato de precisar receber visitas para uma festa de Natal, Naruto só mudou de humor novamente e voltou a ser um ser humano afável.
Naquele dia Sasuke percebeu que preferia quando era ignorado, porque a aproximação deles foi inevitável. A coisa toda já era constrangedora o suficiente com ele precisando fazer massagens diariamente para o fortalecimento dos músculos, tocar e carregar Naruto de um lugar para o outro. É claro que já estava acostumado a fazer isso depois de praticamente dois meses e não se incomodava tanto, mas isso não tornava menos estranho.
Mas foi ali que eles começaram a dormir na mesma cama todos os dias. E depois ele descobriu que Naruto tinha ataques de ansiedade por sua causa, o que causou uma enxurrada de sentimentos que ele nunca conseguiu categorizar. Saber disso o fez se sentir responsável pelo bem estar não só físico como psicológico dele, e era exatamente este tipo de coisa que tentava evitar.
Ele nunca quis ser responsável por nada além de si mesmo e das próprias coisas, mas até isso o idiota dificultava. Sasuke achou que o inferno começaria a partir daquele momento, mas não foi o que aconteceu.
Na verdade, eles começaram a se dar razoavelmente bem, e mesmo a constante presença de Naruto não o irritava tanto. Depois de tagarelar por alguns dias, ele começou a falar menos e apenas o acompanhar nas atividades.
É claro que Sasuke sabia que, apesar do bom humor, Naruto tinha várias coisas que queria discutir sobre e não falava porque não queria começar uma discussão, mas Sasuke preferia assim. Às vezes o homem dava alguma resposta torta e ficava irritadiço sem motivo, mas logo voltava ao bom humor usual.
Até o dia em que Sakura o visitou. Sasuke imaginou que eles tinham brigado, porque Naruto começou a ignorá-lo em seguida e nem saia do quarto, então o deixou para lá. Neste ponto, Sasuke já estava voltando a ficar irritado, porque mais uma vez o idiota mudava do nada sem explicação alguma — o que ainda era bem melhor do que pedir conselhos a ele sobre mulheres e, pior ainda, sobre Sakura.
Ele ouviu Naruto acordando assustado no meio da noite nestes três dias em que se isolou (até porque, Sasuke tinha voltado a ficar acordado de madrugada). Então do nada o homem chegou para ele e disse que iria voltar para o próprio apartamento.
Ali ele descobriu que Sakura não tinha brigado com ele, e sim terminado. E claro, precisou ouvir que a culpa era sua, porque Naruto tinha basicamente prestado atenção demais nele. Como se Sasuke tivesse culpa das merdas dos dois ex-colegas de time ou participasse do relacionamento deles. Ou como se tivesse pedido a atenção do idiota imprestável. Naquele dia, ele viu que Naruto sinceramente não podia estar em seu juízo perfeito, ou que estava ficando esquizofrênico.
Sasuke nunca teve tanta vontade de socar o infeliz, mas se segurou e manteve a calma, porque não queria levar mais problemas para Kakashi agindo imprudentemente e arrumando uma briga com o Grande Herói de Konoha. Não que ele se importasse com isso, mas queria poder dar o fora dali o mais breve possível sem dificuldades, quando chegasse a hora.
E então Naruto foi embora. E com certeza o sentimento estranho de vazio que ficou era só uma estranheza à paz que Sasuke não estava acostumado a sentir.
Ele voltou o copo para o lugar no escorredor e olhou mais uma vez em volta antes de sair da cozinha e subir de volta para o quarto. Se embrulhou novamente nas cobertas e se ajeitou sobre os travesseiros altos, voltando a pegar o livro. Aquela seria uma longa noite.
Naruto checou novamente o relógio de pulso e o sapinho sorridente atrás dos ponteiros lhe indicou que era quase onze da noite, agora. Sua única mão envolveu o cachecol azul claro que cobria seu pescoço contra o vento gélido e hesitou, parando em frente a casa cujas luzes do andar superior estavam acesas. Diante daquele frio, Naruto se lamentou por estar de cabelo curto novamente, mas ele não tinha a paciência necessária para lidar com o corte longo que exibiu por algum tempo, e finalmente tinha desistido.
Sua língua surgiu para umedecer os lábios secos e ele respirou fundo, tomando uma decisão e tocando a campainha ao lado da porta fechada. Depois deu alguns passos para trás e esperou com o coração a mil enquanto batia um pé no chão ritmicamente em sua ansiedade, se perguntando que merda pensava estar fazendo e se deveria ir embora.
Cerca de um minuto depois, a luz banhou a sacada acima de sua cabeça e ele ergueu o rosto para encarar a mulher que segurava o próprio robe contra o corpo enquanto procurava o visitante. Ela ergueu as sobrancelhas ao ver Naruto ali e vacilou momentaneamente antes de se recompor.
“Naruto, o que está fazendo aqui? Não sabe que eu só trabalho até-”
“Eu preciso falar com Sakura. É importante.”, ele disse em um tom determinado. Ele não ia sair dali sem uma conversa, e seus olhos agora escuros pelas sombras das ruas diziam isso claramente. Principalmente agora, que tinha se passado um tempo desde que eles tinham terminado.
A mão de Ino foi para o pescoço inconscientemente, como se ela estivesse sufocando, e sua voz saiu trêmula apesar de tentar disfarçar. “E-Eu não sei de Sakura.”
“Ino, por favor, isso é importante. Eu preciso falar com ela.”, ele engoliu seco.
“Naruto, eu...”, começou a mulher, mas se interrompeu e olhou por cima do ombro, franzindo o cenho. Ela afinou os lábios em ansiedade e murmurou qualquer coisa que o vento encobriu para os ouvidos de Naruto e, depois, voltou a encará-lo com censura no olhar. “Ela disse que vai descer. Vocês podem conversar no andar de baixo a sós.”, disse duramente antes de entrar, deixando a janela aberta.
O coração de Naruto se apertou e ele respirou fundo na tentativa de se acalmar. Um rubor se espalhou por seu corpo e ele de repente se sentiu quente e mil vezes mais inquieto. Houve o som do destravamento na porta lateral da floricultura e ela se abriu antes de surgir a cabeça de Sakura ali, séria. Ela se afastou e fez um movimento para indicar que ele deveria entrar.
Naruto buscou ar pela última vez antes de se aproximar e passar pela porta sem conseguir encarar Sakura nos olhos. Ele ouviu o som suave da tranca sendo fechada e a mulher passou por ele, atravessando o balcão e abrindo outra porta antes de acenar para Naruto se aproximar. Ele obedeceu com o coração acelerado.
Ali tinham várias prateleiras de flores secas e alguns freezers, além de dois sofás confortáveis diante de uma mesa de centro. Naruto imaginou que ali era o lugar onde Ino fazia os arranjos ou algo assim. Ele se sentou no sofá menor e, enquanto desenrolava o cachecol, observou Sakura se recostar no assento do outro. Ambos se encararam por um momento até ela falar.
“Estou aqui, o que você queria conversar?”, indagou em um tom neutro. Não havia raiva nos olhos dela, apenas hesitação. Ainda assim, doía ouvir a voz dela, ver o rosto dela ou encarar aquelas íris verdes e profundas.
Naruto juntou os lábios — ele tinha tomado a decisão de ir até ali conversar de maneira totalmente impulsiva e tinha quase certeza que seria negado, então não tinha pensado muito bem no que diria quando se visse de cara com ela. Também não tinha se preparado tão bem psicologicamente para vê-la.
A mulher parecia ter percebido isso, porque apenas esperou, observando-o. Naruto limpou a garganta e encarou o colo antes de voltar o olhar para ela novamente, dessa vez com mais determinação.
“Eu quero saber o que aconteceu. Quero saber porque você terminou comigo.”, ele disse firmemente, apesar do aperto no peito. Aquilo doía.
Sakura não hesitou, ela apenas o fitou como se estivesse decidindo se aquela conversa aconteceria. Seus olhos verdes escanearam o rosto dele, seu corpo, sua expressão facial, e se travou nas íris azuis como se conseguissem ler sua alma. Ele apenas esperou com o oxigênio entalado na garganta.
“Como está Sasuke?”, ela perguntou de repente, como se debatesse o tempo.
Naruto franziu as sobrancelhas loiras, confuso e irritado. Ele não queria falar de Sasuke. “Eu sei lá, não importa! Vim aqui para falar da gente, não dele.”, respondeu com a voz levemente trêmula.
A mulher piscou. “Como não sabe? Quero que me responda, como está Sasuke?”, insistiu.
Ele balançou a cabeça como se não entendesse nada, porque realmente não entendia. “Não sei, porque voltei para o meu apartamento há dias. E não me interessa como ele está, não estou aqui para falar de Sasuke, já disse.”, retrucou contrafeito.
Sakura mastigou a própria língua por um momento e o avaliou mais uma vez. “Por que você foi embora?”, perguntou, parecendo irritada.
Ele se perguntou se tinha ouvido certo. Não entendia a fixação de Sakura com o bastardo idiota, e cada vez que ouvia o nome dele, tinha vontade de voltar no Complexo para socá-lo.
“Por que isso importa agora?”, ele murmurou desviando o olhar com raiva. “Eu só quero saber porque-”
“Muito bem, eu vou te dizer o porquê. Mas com duas condições: primeiro, você não vai me cortar. E segundo, você vai me ouvir até o fim. Não é um assunto fácil para mim falar e nem para você ouvir, mas se você quer tanto saber, então vai ter que aguentar.”, disse ela decidida, erguendo a cabeça determinada. Ele assentiu para ela e esperou. Então ela respirou fundo e o perfurou com os olhos verdes de uma forma que ele nunca tinha visto antes.
Notes:
O capítulo é curto, mas acho que várias coisas foram esclarecidas aqui (e principalmente no próximo capítulo, é claro).
Aliás, tenho uma excelente notícia: eu FINALMENTE consegui voltar a escrever essa fanfic. Depois de um ano sem conseguir adicionar UMA LETRA, eu consegui escrever um capítulo inteiro. Espero que continue assim, porque gosto muito de escrever, e gosto muito de escrever essa fic.É isso! Um bom final de semana <3
Chapter 26
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Os dois estavam em silêncio há quase cinco minutos depois do monólogo de Sakura. Naruto parecia completamente em choque e ela não tinha tirado os olhos de cima dele. Ela viu um leque de reações passando pelo rosto do homem durante seu discurso e eram emoções que ela conseguia definir em alguns momentos — incredulidade, raiva, confusão, desaprovação, choque.
E agora que Sakura tinha finalmente terminado, Naruto tinha o cenho franzido enquanto encarava o chão, e ela esperava. Depois de algum tempo, ele voltou a fitá-la, e dessa vez havia algum humor meio lunático em suas feições, o que a deixou receosa.
“Você tá completamente louca.”, foi a resposta murmurada dele em meio ao pequeno sorriso, como se ela estivesse brincando com ele.
Sakura fechou a cara. “Eu não estou louca, Naruto. Você que é um idiota. Vocês dois são idiotas.”, ela disse entre os dentes, censurando-o.
Ele não sabia como lidar com aquele monte de coisas, aquele monte de informações estranhas colocadas alinhadas mas que ainda não faziam sentido. Pela primeira vez na vida ele achou que tinha finalmente perdido a cabeça.
Se sentia totalmente fora de si, fora da realidade do mundo, aquilo era completamente surreal . Sakura estava louca.
Ela tinha terminado com ele por causa de uma loucura , de um surto , só porque ela, o que, viu algumas coisas e imaginou outras a partir disso? Ele sabia que o motivo do término tinha a ver com Sasuke, mas não assim, não daquela forma tão absurda .
A situação era um delírio, e Naruto não estava sabendo lidar com nada. Sua mente parecia em branco e era como se seu cérebro tivesse se liquefeito e escorrido pelas orelhas, o que ele tinha certeza que também era o que tinha acontecido com Sakura, para ela chegar à uma conclusão delirante como aquela e decidir terminar um relacionamento perfeito por isso.
E como ela podia falar aquilo com tanta naturalidade ? Como se ela já tivesse completamente convencida e já tivesse lidado com aquilo, como se fosse um fato incontestável que ela já tinha surtado sobre e superado?
“Naruto, fala alguma coisa.”, ela murmurou séria. Ele abriu e fechou a boca sem proferir nenhuma palavra e ela suspirou. “Eu sabia que você ia ficar assim. Eu ia esperar mais algum tempo para falar sobre isso, mas acho que não teria feito diferença na sua reação. De qualquer forma, eu já estou lidando melhor com isso no geral, porque já sei há várias semanas...”
Ao ouvir isso, ele levantou a cabeça rapidamente e arregalou os olhos como se eles pudessem pular de sua cara. “Como assim você ‘ já sabe há várias semanas’ ? Sakura, eu não- eu não tenho nenhum tipo de sentimento pelo Sasuke, eu não- eu nunca pensaria nele desse jeito, você perdeu a porra da sua cabeça?!”, ele exclamou meio transtornado. Ela só esperou e ele continuou a falar. “Você terminou comigo porque eu dormi na mesma cama que um cara ? Vamos falar de hipocrisia? Quantas vezes você e Ino dormiram na mesma cama, ou você e Tenten?”, ele ergueu a mão para cima e se levantou, andando de um lado para o outro.
Ela negou com a cabeça calmamente, mas seus olhos indicavam alguma impaciência. “Não foi só por isso e não é a mesma coisa, você sabe, Naru-”
“Não é a mesma coisa? É EXATAMENTE A MESMA COISA ! Eu nunca- eu nunca - ELE É UM CARA, UM HOMEM !”, argumentou energicamente. “E você sabe que eu nunca sequer me interessei por homens, pelo amor de Deus! Eu nunca nem olhei pra eles! Eu não acredito que você terminou por isso, por uma coisa tão...”
“Naruto, eu sei o que eu vi! E eu sei o que está acontecendo. Você pode não aceitar agora, mas está na sua cara assim como esteve na minha por semanas, por anos , e eu tentei ignorar! Eu não ia terminar com você se não tivesse certeza-”
“VOCÊ TERMINOU COMIGO TENDO CERTEZA DE QUÊ ? Você quer saber dos meus sentimentos mais do que EU MESMO ? Quer discutir comigo sobre o que eu sinto? Você perdeu totalmente a cabeça, eu pensei que tivesse feito alguma coisa de errado, mas você só foi injusta ! Eu não tenho o direito de dormir na mesma cama que um cara sem ser gay ? Eu não sou gay, eu gosto de mulheres! Eu namorei você por um ano inteiro, pelo amor de Deus!”, a voz dele subiu algumas oitavas e ele estava tão vermelho que parecia pronto para ter um derrame. Na verdade aquilo tudo era bem similar aos ataques que ele tinha quando eram crianças, e isso fazia a situação ser meio engraçada, apesar do assunto em pauta.
Sakura piscou calmamente. “Eu nunca disse que você era gay, eu disse que você é apaix-”
“GAAAAH! EU NÃO SOU APAIXONADO PELO- POR ELE! DE TODAS AS PESSOAS DO MUNDO, ELE SERIA A ÚLTIMA PRA QUEM EU OLHARIA DESSE JEITO! EU FUI EMBORA DAQUELA CASA PRA FICAR LONGE DELE, VOCÊ NÃO ENTENDE?”, Naruto praticamente gritou em desespero puxando os cabelos loiros comicamente com a única mão que tinha.
A forma com que Sakura parecia tranquila sobre aquele assunto pela primeira vez fez ele ter vontade de bater nela. Não bata em mulheres, ela são seres frágeis e você é um homem , ele disse a si mesmo, fingindo que era exatamente por isso que não se atrevia a procurar briga com Sakura, e não porque poderia ficar em coma por um mês com apenas um soco dela.
“Naruto, eu entendo que é muito para você lidar agora, mas por favor, pense nisso, ok?”, ela pediu, cansada.
Ele negou com a cabeça lentamente com a boca aberta. “Eu não tenho nada para pensar sobre isso, além de você ter mentido para mim sobre não ter nada a ver com ele, eu nunca vi ele desse jeito e nunca me senti atraído por nenhum cara!”, repetiu, mas sentiu uma pontada de dúvida em seu peito, porque sabia que aquilo não era totalmente verdade .
Afinal, ele já tinha acordado excitado abraçado à Sasuke e se lembrava bem do pensamento que passou por sua mente ao ver parte da pele do quadril dele descoberto. E ele também já tinha flertado com Neji sem intenção mais de uma vez... Naruto balançou a cabeça como se espantasse pensamentos voadores ao redor dela.
Sakura suspirou e voltou a encará-lo, séria. “Ah é? Então por que as coisas entre vocês são sempre assim, tão intensas? Por que você é sempre tão afetado por ele em todos os sentidos? Por que passou anos atrás dele, por que perdeu totalmente o rumo quando ele foi embora, nas duas vezes? Você não vê que sua vida sempre girou em torno de Sasuke? Mesmo quando você tentou se distanciar, as coisas ainda eram sobre você tentar fingir que não se importava com ele ! Naruto, enquanto você não lidar com os seus sentimentos, vai continuar completamente fissurado nele como sempre foi, e só vai piorar. E você vai continuar sofrendo. Você é idiota demais para enxergar tudo sozinho e me doeu muito perceber essas coisas. Eu estou aqui conversando calmamente, mas você não sabe o que eu passei, não sabe como foi para mim e ainda não tem ideia de como está sendo. Eu amei ele, e te amei. E eu ainda te amo .”, o lábio inferior dela tremeu e ela desviou o olhar, mas voltou a encará-lo em seguida com determinação, apesar do brilho em excesso nos olhos. “E eu não teria feito tudo isso se não tivesse certeza do que estou falando. Eu poderia ter deixado pra lá e sido egoísta, mas essa não é quem eu sou! Não é fácil pra mim olhar nos seus olhos e tentar te fazer enxergar seus sentimentos por outra pessoa , mas ainda assim estou aqui. Além disso, quem veio atrás desse assunto agora foi você, eu ia esperar para conversar. Então por favor , deixe de ser um idiota e pense sobre isso. Você queria uma resposta, e agora você teve.”
Ele encarou os próprios pés e suspirou pesadamente, vendo que discutir com Sakura agora seria uma perda de tempo. Ela tinha total convicção no que dizia, apesar de estar muito errada.
Além disso, ele não tinha respostas para as perguntas que ela levantou, o que o deixava levemente em pânico. Naruto se encaminhou desapontado para a porta e a abriu.
“Olha, eu vou embora, não acho que a gente tenha mais o que conversar depois de toda essa loucura. Mas eu quero que você saiba que tá errada e espero que um dia veja o quanto foi injusta com a gente. Eu queria e podia ter feito você feliz, Sakura.”, ele murmurou, lançando um meio olhar para ela com a mão na maçaneta. Ela encarou o chão, e a ponta do nariz dela ganhou cor. “Enfim, boa noite.”, despediu-se.
Ele atravessou a floricultura e destrancou a porta da frente, saindo e fechando-a atrás de si silenciosamente. Na rua, ele lançou mais um olhar para a casa e viu Ino o observando antes de acenar para ele tristemente e entrar, fechando a janela.
A garrafa de tequila se ergueu no ar e Naruto, sentado no chão e encostado na base do sofá, tomou um longo gole. A bebida escorreu por seu queixo e ele a colocou no chão enquanto passava a mão enfaixada pela boca — Tsunade tinha devolvido sua prótese ontem, três dias depois da conversa louca que teve com Sakura. Agora ele estava na sala de Kiba bebendo, pois o amigo ficou sabendo sobre a prótese e disse que queria dar uma festa.
Qualquer coisa para ele era uma desculpa para dar festas. Naruto aceitou prontamente porque precisava se distrair, porém não antes de fazê-lo prometer não chamar Sakura e Ino. Então agora ele estava na festa mais chata que já tinha ido na vida, composta por ele e as únicas cinco pessoas disponíveis tão em cima da hora, além, obviamente, de Kiba — Neji, Shika, Sai, Chouji e Tenten. Mas ele não se importava, porque só queria fingir que nada daquela conversa maluca tinha acontecido e beber até esquecer o próprio nome, o de Sasuke e o de sua ex-namorada.
Ele tinha passado os últimos dias pensando incessantemente naquela merda e, pela primeira vez na vida, queria toda a distância possível de Sakura. Estava com raiva dela e totalmente indignado com a garota, com o fato dela imaginar loucuras e agir em cima delas de forma tão firme sem sequer conversar com ele antes.
Porque é claro que nada daquilo era verdade. Ele não tinha sentimentos por Sasuke. E se fosse o caso dele se interessar por homens — o que não era —, ainda assim ele nunca se interessaria por Sasuke . Quer dizer, o cara, além de também não se interessar por homens ou por qualquer ser humano , era um bastardo de merda e praticamente um robô sem sentimentos, como em vida alguém seria louco o suficiente para-
“Ei, e aí?”, Neji o cutucou com o pé e sorriu torto, tirando Naruto de seus devaneios.
Ele levantou o olhar vidrado e encarou o homem, sorrindo estranhamente de volta. “Ei.”, saudou antes de levar a garrafa à boca novamente.
O amigo arqueou uma sobrancelha e lançou um olhar sobre o ombro para onde Kiba e Shika lutavam pelo controle bom do vídeo-game antes de voltar a encarar Naruto. “O que aconteceu?”, indagou.
Naruto levou um segundo para entender a pergunta. “Hã, como assim?”
Os lábios grossos de Neji se juntaram em desaprovação enquanto ele fitava a garrafa nas mãos dele. “Porque você está bebendo assim? Achei que odiasse álcool.”, ele explicou enquanto se sentava no chão ao seu lado e cruzava as pernas elegantemente.
Naruto deu os ombros e tombou a cabeça na direção dos outros dois. “Oi! Vocês não vão começar a jogar e deixar a gente aqui, né? Essa é a festa mais chata que eu já fui, puta merda.”, reclamou.
Kiba olhou para trás indignado. “Como é, Uzumaki? Eu te faço uma festa de comemoração pela volta da sua prótese-”
“Cala a boca, você só queria uma desculpa pra beber. Bem, eu te dei uma desculpa, agora me entretenha. Achei que você soubesse dar festas.”, sorriu lentamente em sua embriaguez.
A cara do anfitrião se fechou enquanto ele se levantava e ia para o rádio, ligando-o. “Ótimo, então pronto, você quer uma festa? Vamos ter uma festa!”, exclamou. “Ei, vocês três, venham, vamos jogar. E beber .”
Tenten, Chouji e Sai ergueram a cabeça de sua conversa na varanda e se entreolharam, antes de se levantarem e irem até lá com curiosidade. Tenten se sentou ao lado de Neji enquanto Shikamaru se aproximava também, completamente desinteressado como sempre.
“O que nós vamos jogar?”, perguntou a garota, parecendo desconfiada.
Kiba pegou a garrafa quase vazia da mão de Naruto, bebeu para esvaziá-la e sorriu, sentando-se na roda que tinha se formado. “Eu nunca!”, exclamou, puxando uma nova garrafa cheia de whisky do isopor atrás dele. Houve um coro de desaprovação e ele sorriu. “Vamos, vocês já foram melhores.”, acusou enquanto puxava mais copos e os enchia pela metade, passando adiante até todos terem um nas mãos.
“Você sabe que ainda vai ser uma merda, né?”, resmungou Shikamaru ao lado dele, mas Kiba apenas lhe lançou um olhar mau humorado antes de se pôr de pé para apagar as luzes, ligar o pequeno globo em cima da mesa e aumentar um pouco o volume do som.
Ele voltou para seu lugar no chão ao lado de Naruto, que ainda tinha as costas apoiadas na base do sofá. “Muito bem, todos conhecem as regras: quem já fez, bebe. Quem começa?”, indagou enquanto quicava animado, mas ninguém se pronunciou e Kiba então deu uma cotovelada nada discreta em Shikamaru.
Shika deu um suspiro e olhou para o teto em resignação. “Tudo bem, eu começo.”, resmungou. “Eu nunca fui à uma festa ruim do Kiba.”
Todos sorriram maliciosamente e beberam, exceto o anfitrião, que juntou as sobrancelhas em uma carranca. “Vocês são uns imbecis! Ok, eu começo, depois o Chouji e vamos em sentido horário! Eu nunca beijei mais de uma pessoa em uma noite.”, disse enquanto dava um sorriso travesso e tomava um gole, olhando para as pessoas com expectativa.
Depois de um momento, para a surpresa de todos, Sai foi o único que bebeu, e todos o encararam. Ele tinha uma expressão muito inocente no rosto. “O que? Eu já fui em algumas festas fora de Konoha. Quando as pessoas estão bêbadas, elas fazem coisas estranhas.”, disse levantando os ombros, fazendo todos rirem.
“Bem, minha vez.”, disse Chouji. “Eu nunca omiti coisas em um relatório de missão.”
Todos, exceto Neji, se olharam e levaram os copos à boca com sorrisos de cumplicidade.
“Eu nunca dei um fora em alguém.”, disse Sai. Tenten, Shika, Naruto, Neji e Chouji tomaram um gole e olharam para Kiba.
“Você nunca deu um fora em alguém?”, indagou Tenten.
Naruto a cortou antes de Kiba responder. “É claro que não, você não pode dar um fora se ninguém nunca pede para ficar com você.”, riu ele com a cabeça já leve.
O amigo não se deixou ofender, ele apenas ergueu o queixo arrogantemente. “Na verdade, eu sou muito requisitado. Acontece que não perco a chance de me divertir.”, explicou.
“Hmm, ok então , garanhão . Bom, vamos lá: eu nunca espiei um colega tomar banho em uma missão.”, riu Tenten enquanto bebia. Kiba, Sai e Naruto a acompanharam — ele tinha visto Hinata tomar banho quando eram crianças, mesmo que tivesse sido sem querer. Neji lançou um olhar exasperado para a colega de time e ela riu novamente. “Ei, não fique todo surpreso, eu só fiquei curiosa!”, defendeu-se, e ele balançou a cabeça incrédulo e mortificado, fazendo Naruto engasgar com a bebida em uma risada. Ele se esquivou do pensamento de que provavelmente também teria ficado curioso no lugar dela. E também da lembrança de ter checado o amigo antes dele começar a tomar banho no dia em que estava bêbado.
Neji limpou a garganta, mas antes que ele falasse, Kiba apontou o dedo em sua direção. “Ei, só valem perguntas capciosas ou obscenas, não me venha com coisinhas idiotas!”, avisou.
O outro olhou para o teto impacientemente e depois fechou a cara. “Ok. Eu nunca fiquei com uma pessoa que não sabia o nome.” falou em um tom abafado. Kiba, Tenten e Shika beberam sob o olhar de todos.
Naruto sorriu. “Minha vez! Eu nunca transei.”, exclamou, já virando o copo e entregando para Kiba enchê-lo. Kiba, Neji, Shikamaru, Chouji e Tenten levaram seus copos à boca sem titubear e o copo de Naruto foi devolvido.
“Ei, pega leve.”, murmurou Neji se inclinando para ele preocupado. Um perfume cítrico chegou até suas narinas com o movimento.
Naruto sorriu torto. “Não se preocupe, eu tenho você pra me carregar se eu entrar em coma, não tenho?”, sussurrou enquanto se aproximava, fazendo o outro corar um pouco, apesar de Naruto não ter notado isso.
“Sou eu agora, vamos aprofundar a brincadeira!”, Kiba deu uma gargalhada com os caninos pontiagudos faiscando enquanto levantava o próprio copo de plástico no ar. “Eu nunca beijei alguém do mesmo sexo que eu!”, exclamou, e em seguida deu um gole, o que não chocou ninguém.
Naruto juntou as sobrancelhas e também bebeu, contrafeito, porque já tinha beijado Sasuke sem querer enquanto estavam na academia — duas vezes. Ninguém ficou surpreso, porque todos tinham visto uma delas. Shika também bebeu, e Naruto ergueu as sobrancelhas no escuro, mas não disse nada.
E então os olhos de Naruto quase caíram das órbitas quando Neji, ao seu lado, tomou um gole discretamente. Todos o encararam completamente chocados, mas ele não explicou e Shikamaru resolveu quebrar o clima tenso depois de alguns instantes de um silêncio constrangedor apesar da música.
“Hã, minha vez então. Eu nunca quis ficar com alguém desta roda.”, disse.
Kiba, Tenten e Neji beberam. Naruto ainda não tinha conseguido despregar os olhos do amigo, que então o encarou de lado, fazendo-o fitar o próprio colo. De todas as pessoas do mundo, Neji seria a última pessoa que Naruto imaginava que teria beijado outro homem.
E agora ele tinha bebido de novo, indicando que já teve vontade de beijar alguém que estava ali. A única mulher na roda era Tenten, e Naruto se perguntou se Neji tinha interesse em ambos os sexos ou apenas em homens. Então sua mente o levou de volta para a conversa que teve com Sakura, fazendo-o apertar o copo na mão antes de passar para o anfitrião, que o encheu mais uma vez antes de devolvê-lo com um olhar satisfeito.
“Eu nunca beijei um colega de time.”, disse Chouji. Naruto foi o único que bebeu.
Foi a vez de Sai. “Eu nunca assisti um filme pornô.”, falou, e bebeu junto com Kiba, Chouji, Naruto, Shikamaru e Tenten.
A garota engasgou em uma risada estridente quando a roda toda olhou para ela. “Calem a boca, não são só homens que se interessam por sexo, deixem de ser uns babacas sobre isso! E é a minha vez. Hã... Eu nunca espalhei um segredo íntimo por aí.”, anunciou.
Sai bebeu e sorriu. “Eu já disse que o pinto do Naruto era pequeno na frente de Sakura várias vezes. Ele ficava muito bravo.”, contou.
Naruto fez um biquinho. “É, mas isso é uma mentira . Além disso, mesmo assim eu namorei com ela, idiota.”, retrucou, mostrando a língua. Neji riu ao seu lado e Naruto corou com o som suave.
“Minha vez. Eu nunca roubei um jutsu proibido.”, o olhar malicioso de Neji o alcançou, fazendo-o revirar os olhos e tomar outro gole sozinho, recebendo um coro de risadas da roda.
“Vocês são uns imbecis. E uns pervertidos.”, reclamou Naruto com a fala arrastada. “Sou eu agora. Eu nunca transei com alguém... do mesmo sexo .”, exclamou, olhando diretamente para Neji em sua névoa de embriaguez, sentindo-se ousado.
Mas seus olhares se cruzaram e o amigo bebeu sem se desviar, fazendo-o corar enquanto separava os lábios em descrença. Ele nem percebeu se mais alguém tinha bebido. Naruto fechou a boca rapidamente e olhou para o chão.
Kiba passou a garrafa pela roda para encherem os copos e, enquanto isso, Naruto tomava mais e já o enchia novamente. Eram muitas coisas em sua cabeça e ele queria esquecer todas elas, inclusive a imagem de um Neji nu que seu cérebro tinha criado no momento. Ele se levantou cambaleando com o copo nas mãos e as pessoas o encararam.
“Eu já volto, vou, hã, pegar água.”, avisou por cima da música enquanto tentava sair da roda tropeçando.
Neji prontamente se colocou de pé e o apoiou com firmeza pelo cotovelo, recebendo um aceno de agradecimento em resposta. Naruto foi amparado até a cozinha, onde foi posto sentado para esperar a água. Enquanto aguardava, ele tomou o resto do whisky que tinha no copo em goladas e sentiu o corpo girar, deixando a cabeça cair na mesa. A voz de Neji veio de longe, como se Naruto estivesse em um túnel.
“Naruto, você desmaiou? Deus, você parece um adolescente.”, havia humor no tom baixo de Neji, e Naruto se viu incapaz de responder, porque em seguida sequer lembrava o que ele tinha dito.
Momentos depois, sentiu o corpo ser puxado para cima e ser envolto em algo que ele chutou ser seu próprio casaco. O amigo disse mais alguma coisa em seu ouvido e a respiração quente fez cócegas em sua orelha, fazendo-o rir um pouco e corar em um tom profundo de vermelho.
Algo encaixou entre suas pernas e ele foi levantado do chão, tombando em cima de alguma coisa sólida. Havia uma cortina sedosa em seu rosto que cheirava maravilhosamente à algo cítrico, e ele enfiou o nariz ali, abraçando o que quer que fosse antes de ficar inconsciente.
Foi acordado sendo posto no chão apoiado à parede, com mãos tateando seus bolsos e Neji tentando falar com ele, seus lábios grossos há centímetros de seu rosto. Os olhos azuis se voltaram para os dele e o amigo sorriu ironicamente, fazendo-o sorrir torto também e piscar devagar, alheio ao que quer que Neji estivesse falando.
Sentiu o outro se aproximar novamente e tatear seus quadris, e Naruto se jogou nos ombros dele sem equilíbrio enquanto sentia o rosto esquentar. Neji, diferente dele, parecia achar graça da situação. O amigo se afastou um segundo depois, o que o deixou confuso, mas em seguida as mãos do outro estavam em sua cintura com firmeza enquanto ele tentava abrir a porta e isso fez uma corrente de satisfação correr por ele.
Naruto foi levado para dentro e percebeu vagamente que estava na própria cozinha. Passaram pelo corredor estreito enquanto seus membros se embolavam por causa de seu equilíbrio precário, as mãos do amigo o segurando delicadamente em todos os lugares e fazendo seu estômago flutuar.
Neji o fez sentar na cama apoiando seus quadris e ajoelhou-se diante dele para tirar seus tênis. O toque em sua panturrilha lhe enviou arrepios e ele fez a única coisa que conseguia pensar no momento — enfiou os dedos grossos pelas mechas castanho-escuras do outro, fazendo-o erguer o olhar. Seu cabelo estava em seu usual rabo baixo, preso pelo elástico na altura das costas.
O silêncio entre os dois era reconfortante e o quarto escuro fazia tudo parecer mais real, algo para a mente confusa de Naruto se ancorar. Puxou o hitai-ate da testa do amigo e encarou a marca de seu clã quase brilhando na penumbra da noite.
“Você não devia esconder sua marca, é tão bonita, combina com os seus olhos. Você parece um anjo, sabia disso? Nem parece que é todo metido a espertinho.”, declarou com um sorriso enquanto deslizava suas mãos pelos fios e apanhava mais um punhado de cabelo de sua nuca, fazendo seus narizes se aproximarem um pouco.
“Naruto, o que está fazendo?”, soprou ele em um misto de curiosidade e hesitação, ainda ajoelhado entre suas pernas.
Isso fez Naruto se distanciar um pouco de sua névoa e voltar ao presente. Demorou um pouco para ele dizer algo, mas Neji esperou. “Eu... Hum... fui ver Sakura ontem.” ele balbuciou incoerentemente, descendo as mãos para os ombros largos do homem, que o fitou esperando. “E ela me contou porque terminou comigo.”, concluiu tristemente enquanto seus olhos pousavam nos lábios rosados e carnudos diante dele.
“Você quer me contar o que ela disse?”, perguntou Neji hesitante, e cada sílaba que ele proferiu prendeu os olhos de Naruto. A respiração dele inundava seu rosto como uma brisa quente de verão naquela noite fria.
Voltou a encarar as íris lilases e intensas para tentar pensar. “Disse que foi por causa de Sasuke. Ela acha que eu tenho sentimentos por ele.”, murmurou devagar.
Neji piscou sem parecer surpreso enquanto observava Naruto, cujos olhos agora estavam grudados novamente na boca diante dele. A língua de Neji saiu minimamente para passar pelo lábio inferior e ele seguiu o movimento hipnotizado.
O amigo então suspirou. “E você concorda com ela?”
Naruto negou com a cabeça lentamente em um torpor estranho de bebida e confusão. Ele ainda podia sentir as mãos do outro apoiadas na cama, uma de cada lado de seu corpo sem tocá-lo, e o próprio Naruto ainda se segurava nos ombros dele. “Claro que não, ela tá louca... Eu nunca me interessei por nenhum cara. Quer dizer, eu olho para alguns deles, mas isso não significa nada.”, concluiu, se aproximando sem ter consciência do ato.
Neji umedeceu os lábios mais uma vez, e eles pareciam tão macios. O amigo escaneou o rosto de Naruto cuidadosamente e se afastou alguns centímetros, o que foi respondido com uma leve expressão de ansiedade. “Você não sabia que eu já tinha ficado com homens.”, afirmou, e Naruto negou com as pálpebras pesadas tentando não pensar em como seria beijar uma boca tão bonita. “Você... acha que ficou curioso?”
Ao ouvir esta pergunta, ele pareceu sair um pouco mais de seu torpor, e mesmo com a pouca luz do quarto Neji viu que ele tinha ficado bastante vermelho ao desviar o olhar e deixar as mãos caírem sobre as coxas. “Eu... não sei.”, sussurrou para o próprio colo com o coração acelerado, tentando não pensar demais. Ele sinceramente não queria descobrir a resposta.
O amigo então se aproximou um pouco e o perfume cítrico de seus cabelos chegaram até seu nariz. “Você sabe... Não precisa mentir para mim, eu jamais julgaria você. Aqui, agora, você pode ser sincero comigo, dizer e fazer o que quiser.”, sussurrou hesitante. As palavras foram sopradas em seus lábios e Naruto se sentiu despido de um jeito bom, como se aquele fosse o lugar onde todo seu ser era visto e totalmente aceito, todos seus erros, toda sua dor, todo seu medo...
“Eu... Quando perguntaram sobre querer beijar alguém que estava ali e você bebeu...?”, indagou sem conseguir concluir, voltando a fitá-lo com intensidade.
Os olhos translúcidos se desviaram momentaneamente para a boca de Naruto, que sentiu suas pernas fracas de repente. “Eu não me importaria de ser seu objeto de especulação, se é o que está me perguntando.”, respondeu suavemente com um sorriso mínimo que o prendeu por completo. Seu coração bateu mais rápido.
Naruto queria se aproximar ainda mais e prová-lo em sua língua, descobrir se seu gosto seria tão incrível quanto parecia ser. Mas o homem diante dele não era qualquer pessoa e, como dito, era um homem .
“Eu... Não sei. Além disso, não quero te usar assim, você é meu amigo, Neji.”, Naruto falou como se suplicasse, sentindo-se fraco enquanto tentava se recompor.
Ele não podia fazer aquilo, ele não era essa pessoa, não poderia ser. Sakura estava errada, ela precisava estar errada. Ele era apenas um cara que não se importava de admitir quando achava outros homens bonitos, só isso, como sempre.
Neji se aproximou um pouco mais uma vez e seu cérebro pareceu entrar em pane. Não podia deixar de notar o quanto o outro era ridiculamente bonito, o quanto seu cheiro era bom e o quanto seus dedos, agora em seus quadris, eram suaves e convidativos. Naruto sentiu uma poça de desejo escorrer por seu corpo e tentou bloquear a sensação, mas eles estavam próximos demais e seu cérebro tinha álcool acima do limite do aceitável para ajudá-lo a tomar decisões coerentes.
“Eu nunca pensei que você fosse me usar, só disse que não me importaria de te ajudar a analisar sua curiosidade. Mas não se preocupe, minha intenção não foi te deixar desconfortável.”, murmurou, se afastando e levantando-se.
A distância entre eles fez Naruto se sentir vazio e desamparado. Sua cabeça pendeu para frente enquanto encarava os joelhos e tentava colocar a mente em ordem, mas sem sucesso.
Ele pôde ouvir Neji remexer nas gavetas de sua cômoda por um minuto ou dois e depois se aproximar novamente com suas roupas de ficar em casa, colocando-as na cama ao seu lado antes de se afastar. O desespero invadiu seu peito e ele sentiu uma fisgada de desapontamento.
“Você... pode me ajudar?”, soprou de repente para o amigo, que parou antes de se virar e estudá-lo.
“Claro.”, respondeu incerto, enquanto se aproximava cautelosamente como um gato que espreitava.
Neji se inclinou sobre Naruto e enfiou os dedos sob o tecido de sua blusa, levantando-a devagar. O mínimo roçar dos dedos do outro em suas costelas fez uma corrente elétrica passar por Naruto, que reprimiu um suspiro. Ele podia sentir seus mamilos em prumo por causa do frio e do desejo desesperado de ser tocado, sentido, explorado.
Um arrepio quase imperceptível o atingiu quando a franja comprida de Neji escorreu para baixo e escovou seus ombros. Eles estavam tão próximos agora que se ele erguesse a cabeça, poderia alcançá-lo sem dificuldade.
Naruto não conseguiu suprimir outro suspiro e Neji se ajoelhou diante dele novamente. “Você está bem?”, especulou enquanto levantava seu rosto pelo queixo com suavidade, fazendo sua pele formigar onde era tocada.
Então seus olhares se cruzaram. A boca de Naruto se abriu minimamente em um sopro silencioso enquanto suas pálpebras pesavam e se ancoravam nele como se o pedissem. Neji o observou por um momento com desejo mal contido e isso só acendeu mais seu corpo sensível.
O polegar em seu queixo subiu devagar para deslizar por cima de seu lábio inferior úmido e era como se a combustão em seu estômago estivesse sendo espalhada dentro de si no mesmo ritmo, para um lado e para o outro, afogando-o na sensação. E Naruto, então, queimou sob o olhar do homem enquanto o desejava mais do que qualquer coisa naquele momento.
Notes:
Eu não ia terminar o capítulo aqui, mas ia ficar muito grande hahahahahaha
Vou tentar postar o próximo logo, vai ser um smut/NSFW.
Sei que não deve interessar muito, mas quero contar que tenho tido alguma dificuldade em escrever. Fiquei um ano inteiro sem praticar absolutamente nada, e isso me deixou bem chateada porque tinha alcançado um nível de habilidade que me agradava bastante, principalmente no smut. É MUITO difícil escrever cenas explícitas sem deixar tudo muito mecânico e sem graça (admito que não gosto tanto do smut do próximo capítulo, mas acho que poderia ser pior hahahahha), mas estava conseguindo fazer isso bem há um ano. Agora, quando fui escrever, percebi que estava péssimo e fiquei chateadíssima.
Bom, de qualquer forma, estou tentando escrever muito mais vezes, mas tenho um limiar de frustração muito baixo e sou muito crítica com as minhas coisas, o que me faz perder a disposição várias vezes. Ainda assim, estou tentando bastante, inclusive estou ESTUDANDO a minha forma de escrita nos últimos capítulos que fiz antes de dar essa pausa de um ano - achei isso muito irônico inclusive, porque sempre estava estudando a narração de outros autores e fanfics para melhorar, mas agora estou me espelhando em mim mesma do passado. Talvez isso seja motivo de orgulho, mas também me deixa irritada de perceber o quanto ficar sem escrever afetou profundamente minha capacidade de escrita.
Mas vai dar tudo certo, estou me esforçando, apesar de ser muito mais difícil alcançar o nível que eu estava no último capítulo escrito do que neste aqui, por exemplo. Infelizmente isso não me impede de ler esse capítulo e achar ele péssimo hahahahahaha
Enfim, é isso, só queria desabafar sobre isso um pouco.
Obrigada aos que estão acompanhando e apoiando, é sempre legal ler os comentários e ver que não estou aqui sozinha! Boa semana pra vocês!
Chapter 27
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
A língua de Naruto se estendeu de forma automática para encontrar o polegar de Neji, o sal enchendo sua boca enquanto sentia a textura do dedo na ponta de sua língua.
“Você realmente devia parar de flertar comigo de forma tão descarada se não quer que eu te beije, Naruto.”, soprou o homem em um tom de seda que nunca tinha ouvido antes.
Seu coração pulsava em seus ouvidos e aquele som parecia afundá-lo mais ainda em seu torpor, o ritmo constante e desesperado de seu sangue correndo por seu corpo, acordando ainda mais seus sentidos. Saindo de seu transe de maneira intermitente, Naruto subiu minimamente o olhar para encarar Neji e pedir para eles apenas irem dormir, mas não foi preciso, porque o homem então fechou os olhos como se tentasse se concentrar e tirou as mãos de cima dele.
Isso só fez Naruto se sentir totalmente desapontado e confuso. A bagunça entre o que seu corpo desejava desesperadamente e sua mente censurava o fazia se sentir fraco, porque a única coisa que queria agora era que aquelas mãos voltassem a tocá-lo e descessem por seu pescoço ou pressionassem os músculos de suas costas, de sua cintura, ou que Neji falasse com aquela voz profunda e rouca mais uma vez, baixo o suficiente para que Naruto tivesse a desculpa perfeita para se aproximar...
“Eu vou deixar sua porta aberta, qualquer coisa me chame, vou estar no sofá. Você não está em condições de pensar por si mesmo hoje.”, murmurou Neji em um tom abafado enquanto puxava a coberta da cama e pegava a roupa dobrada. “Você precisa de alguma coisa? Está com sede?”
Aquelas palavras infelizmente só trouxeram um aperto para seu coração e, por mais idiota que isso fosse, Naruto se sentiu rejeitado. Ele negou com a cabeça tentando esconder seu desapontamento e o outro então o colocou deitado, ajeitando-o e o cobrindo. Naruto percebeu que ainda estava de calças jeans — Neji obviamente tinha decidido que trocar sua roupa não era a melhor das ideias.
Ele viu o outro se afastando com seu cabelo meio preso batendo nas costas sob a meia-luz da lua, que fazia suas vestes largas e brancas parecerem etéreas, como se um anjo estivesse caminhando para longe. A roupa foi colocada cuidadosamente sobre a cômoda antes dele sair com um pequeno aceno da cabeça. A visão fez sua cabeça rodar, porque há segundos aquele ser divino estava compartilhando sua respiração com ele, seus rostos a centímetros um do outro, as peles se tocando minimamente.
Além disso, por mais que ignorasse esse fato de maneira consciente, Naruto sabia que jamais teria outra chance. Neji disse que não o julgaria, e aquela era a oportunidade perfeita para só se entregar ao que tinha vontade, para deixar outra pessoa no comando e se deixar levar sem remorso.
Hoje ele não era muito ele realmente, estava fora de si, fora de órbita, e a distância que Neji tinha colocado entre eles o machucava quase fisicamente. Naruto sabia que o homem entendia o que ele sentia, o quanto estava confuso. Sabia que o acolheria. Que não pressionaria, que faria aquilo ser apenas sobre sua curiosidade e que não precisariam falar sobre, depois.
“Você, hã, pode ficar aqui... se quiser.”, sussurrou Naruto para o cômodo vazio, se impedindo de pensar demais. Hoje ele não precisava pensar, não queria pensar, com Neji ele podia só... agir sem fingir.
Neji colocou a cabeça para dentro do quarto novamente, incerto sobre o que fazer, e então encostou o corpo no batente da porta displicentemente com os braços cruzados no peito. Ele o estudou por alguns segundos e a atenção provocou mais sensações estranhas em Naruto.
“Naruto...”, murmurou em um tom que ficava entre o aviso e a resignação enquanto sorria de canto.
Isso o fez sorrir do mesmo jeito e ele chegou para o lado na cama, sentando-se ainda vidrado no rosto pálido. Neji hesitou na porta e mordeu o lábio discretamente como se pensasse no que fazer, e esse simples gesto o fez ter vontade de arrastá-lo para perto pelos cabelos, porque era demais para lidar. Agora estava claro a atenção que as mulheres colocavam sobre aquele homem, de fato.
Ponderando, Neji deu um passo incerto em sua direção devagar, para então atravessar o quarto lentamente como se flutuasse no chão de madeira clara. Naruto se sentia incapaz de se desviar do balanço de seus quadris, de ignorar o quanto cada centímetro a menos entre eles fazia seu coração bater mais rápido.
Enquanto andava, o homem levou a mão para trás e puxou o elástico dos cabelos, que ondularam em suas costas e escorreram por seus ombros como seda, fazendo Naruto soltar o ar preso em suas cordas vocais. Ele quase podia sentir o sangue e a testosterona correndo por suas veias cada vez mais rápido, inundando seus sentidos, encharcando sua mente com a visão.
Quando estava há alguns passos da cama, Neji, que claramente estudava suas reações como se o desafiasse, ergueu a blusa exibindo seu corpo firme e cinzelado enquanto a jogava para o lado, fazendo o cabelo novamente escorrer em cascata pelo tecido e cair em seu lugar, sobre o peito definido e liso. Os olhos azuis desceram de forma automática para se derramar pelos músculos tonificados que lançavam sombras sutis na pele perfeita e clara, a trilha de pelos escuros que desciam do umbigo até o cós da calça, a contração da barriga cravejada conforme ele respirava.
Ao alcançar a cama, as sinapses de Naruto eram completamente inexistentes; a única coisa que restava eram suas reações instintivas e a necessidade desesperada, que fizeram sua mão instável erguer no ar e encontrar caminho entre os fios castanhos para puxar Neji e recebê-lo em sua boca com um suspiro rasgado e rouco, seu corpo ardendo com a pressa de tocá-lo.
Jogou as cobertas para o lado e o puxou para cima de si desenfreado, a coxa grossa do homem deslizando entre as suas conforme Neji se inclinava ainda mais para aceitar o beijo frenético, a mão de Naruto buscando com urgência os músculos das costas pálidas, e quando o grunhido rouco do homem caiu em seus ouvidos, o som pareceu ecoar pelo calor de seu corpo, se infiltrar em suas células, escorrer para dentro de sua mente enevoada. Os cabelos longos se embolaram em seus dedos, e ao trazer Neji para ainda mais perto, seu pau se contraiu ao sentir a ereção dele contra a sua conforme suas línguas se moviam em uma sincronia desesperada, o cheiro dele o envolvendo, o suspiro de ambos flutuando pelo quarto em uníssono.
Naruto soltou o ar em uma lufada ao sentir a mão larga de Neji se afundando em sua nuca com firmeza, enquanto a outra puxava sua coxa para abrir mais suas pernas e colar ainda mais seus corpos. O medo de pensar demais no que fazia e mudar de ideia foi o que manteve seus olhos azuis fechados; entretanto, não se sentia estranho — a proximidade deles durante aqueles meses fazia ser quase natural beijar Neji, senti-lo tão perto depois de tanto tempo estando tão próximos.
Ainda assim, isso ainda causava certa estranheza em Naruto — o corpo contra o seu era maciço, forte, os músculos eram afiados, muito diferente das curvas femininas e suaves que estavam gravadas em sua memória muscular. O cheiro adocicado que costumava sentir, agora era cítrico e levemente seco, um aroma que estava longe de remeter a uma mulher, mas que ainda fazia sua cabeça rodar da mesma forma.
De fato, seria mentira se dissesse que a sensação daquele corpo contra o seu não o acendia, a forma rígida com que se movia, implacável, o movimento daqueles músculos resistentes que rolavam sob seus dedos, as bordas afiadas dos quadris contra os seus.
Naruto chacoalhou em um arrepio discreto ao sentir o nariz fino descer contra seu pescoço, beijos de boca aberta umedecendo sua pele enquanto uma língua áspera e quente deslizava por sua jugular com calma, depois por seu maxilar. Neji parecia saber bem o que fazia quando desceu as mãos e apertou sua cintura para mantê-lo parado enquanto se esfregava lentamente contra sua pélvis, o pau que deslizava ao lado do seu fazendo o primeiro gemido baixo escapar de Naruto enquanto ele soltava o ar.
Seu corpo tenso se dissolveu e perdeu o controle com os golpes dos quadris de Neji, fazendo Naruto ajudar nos movimentos com as pernas enquanto sentia o oxigênio fugir rápido demais. Isso foi o suficiente para o aperto em sua cintura aumentar, e o grunhido gutural em sua clavícula só fez suas mãos se fecharem com mais força entre as mechas escuras e apertarem Neji ainda mais contra sua pele. A firmeza com que Naruto era segurado em todos os lugares, a respiração quente e esbaforida em seu pescoço, tudo isso só o fazia arder, o suor brotando de seus poros para umedecer seu corpo dolorosamente necessitado.
Dessa vez ele se deixou afogar nas sensações que surgiam. Se deixou levar pelo ritmo dos membros se movendo juntos apesar dos tecidos das calças entre eles, se deixou afogar na boca que subia para lamber a pele sensível atrás de sua orelha, a busca de ar incessante de Neji contra seu ombro. Agora, a necessidade de explorá-lo ainda mais surgiu de maneira intensa, e os olhos azuis então se abriam para encarar o teto e, depois, desceram para as costas musculosas do outro, os cabelos longos e lisos caindo pela lateral das costelas de Neji, o movimento hipnotizante da bunda do homem descendo e subindo conforme se esfregava em Naruto.
Com um movimento frenético, ele agarrou as laterais da calça larga de Neji. “A-ah... T-tira essa coisa.”, pediu Naruto sem fôlego enquanto tentava puxá-la.
A risada baixa e sem fôlego em seu ouvido fez seus pelos se eriçarem. “Você parece com pressa.”, os dentes do homem mordiscavam de leve a curva de sua orelha, e Naruto podia sentir o sorriso do outro em sua pele.
“Sim, um pouco.”, ofegou sem muita paciência enquanto o empurrava para ele se despir.
Um olhar predatório que Naruto nunca tinha visto antes emoldurava agora as feições de Neji que, ao invés de tirar as próprias calças, desabotoou a jeans de Naruto e a puxou junto com a cueca, jogando tudo para o lado. Um brilho de satisfação raro faiscou naqueles olhos lilases quando a visão do pau ereto, vermelho e inchado foi computada, e as bochechas de Naruto se tingiram de vermelho em sua névoa de embriaguez e desejo, ciente de que estava totalmente exposto enquanto Neji ainda mantinha as próprias calças.
Entretanto, não lhe foi dado tempo de reclamar ou reagir. O homem se arrastou de joelhos até entre suas pernas e os olhos de Naruto seguiram a mão dele, que desceu devagar por seu abdômen até o início dos cachos dourados, provocando novos arrepios que o fizeram soltar o ar trêmulo por entre os dentes antes de encará-lo receoso.
Neji, que o estudava avidamente, sorriu de maneira apaziguadora.“Relaxe, eu vou só até onde você me permitir. Feche os olhos e confie em mim.”, soprou com suavidade enquanto se curvava devagar.
Ele buscou qualquer coisa nos olhos translúcidos, e quando se sentiu satisfeito, acenou com a cabeça enquanto deixava as pálpebras caírem devagar. Confiava nele e, mais ainda, precisava urgentemente que o homem voltasse a tocá-lo como antes. Voltando para seu redemoinho de embriaguez, Naruto se permitiu a focar nas sensações, e a primeira coisa que sentiu foi o toque que voltava a subir por sua barriga, depois por seu peito e, por fim, o corpo maciço sobre o seu antes da boca aquecida voltar para seu ombro com beijos molhados e obscenos.
A trilha dos lábios do homem pinicava no ar frio da noite, e o toque dos cabelos castanhos deslizando sobre as laterais de sua barriga fez seus dedos voltarem para entre as mechas com firmeza. Neji reagiu com um gemido um pouco mais alto agora antes de mordiscar sua clavícula, e Naruto imediatamente voltou a moer contra ele, incapaz de agir coerentemente. Entretanto, o homem o segurou na cama com delicadeza e afastou seus quadris para descer a língua até encontrar um mamilo excitado.
Naruto se arqueou de imediato, inconsciente do grunhido fino que fugiu de seus lábios enquanto choramingava, o fluxo de desejo o atingindo no mesmo momento enquanto notas cítricas e levemente amadeiradas ganhavam espaço em seus pulmões quando ele buscou ar mais uma vez. A temperatura baixa do cômodo em contraste com a língua quente que se enrolava em seu peito fez sua pele ganhar vida e se arrepiar, assim como a textura dos dedos que acariciavam o início de suas coxas.
O corpo sobre o seu desceu um pouco mais antes de se afastar, e uma mão surgiu para erguer sua perna no ar e apoiá-la em algo. Perdido, Naruto abriu os olhos turvos pelo desejo e pelo álcool para dar de cara com Neji ajoelhado diante dele contra a luz branca da janela, e a visão fez seu núcleo queimar ainda mais. Seu tornozelo estava enganchado no ombro largo, e os olhos lilases se fixaram nos dele com superioridade.
Um sorriso torto envolvente atravessou os lábios cheios antes de se abrirem e caírem na pele de sua panturrilha devagar. Ele sentiu aquela língua se achatar contra seu músculo, o ar úmido cair em sua pele, e suas mãos agarraram os lençóis enquanto uma trilha molhada era deixada até a dobra de sua perna, o olhar entre eles travado em luxúria sem nunca se deixar.
“Hmmm.”, murmurou Neji enquanto descia mais um pouco, e o timbre grave reverberou por seu corpo em ondas, fazendo as pálpebras de Naruto caírem ao jogar a cabeça para trás e soltar o ar pesado de maneira entrecortada, seu pau se movendo com os espasmos de necessidade.
Houve mais um movimento lento e a boca que o empurrava para a perdição pousou na parte interna de sua coxa enquanto suas pernas eram abertas vagarosamente, o calor irradiando do corpo de Neji, envolvendo-o lentamente e fazendo-o queimar de dentro para fora, tudo mais intenso e confuso pelo álcool. Isso o obrigou a focar nas sensações que vagavam como ondas, batendo em seu corpo e o fazendo se afundar cada vez mais em Neji. Seu cérebro quase estalou quando as mãos grandes mais uma vez seguraram sua cintura e ele sentiu o hálito quente cair sobre a pele perto de sua virilha.
Com dificuldade, ele puxou o ar. “Ahh- Você- Você vai...?”, tentou confirmar, e suas pernas mais uma vez deram um espasmo desesperado, fazendo seu corpo quase se contorcer. Ele se negou a abrir os olhos e ter um derrame com a visão divina de Neji com a cara perto da cabeça do seu pau.
“Eu posso?”, o outro perguntou enquanto plantava mais um beijinho em sua perna, fazendo seu corpo chacoalhar em um arrepio. Os cabelos dele estavam jogados para o lado, os fios provocando sua pele suavemente.
“S-Se você quiser.”, respondeu Naruto com expectativa, seu estômago se apertando de necessidade crua.
Ele ouviu uma risada baixa e macia e, em seguida, seu cérebro derreteu junto com seus músculos quando a boca molhada e quente de Neji envolveu a ponta latejante do seu pau e passou a língua pela fenda torturantemente devagar. Naruto engasgou em um barulho úmido e sufocado que o envergonharia se ele não estivesse tão perdido no prazer, e sua mão voou novamente para os cabelos dele enquanto a outra amassava os lençóis entre os dedos.
Uma das mãos de Neji o envolveu e a outra começou a acariciar suas bolas quando ele mergulhou para engolir mais de Naruto, que buscou ar quando sentiu a cabeça do seu pau tocar o início da garganta dele. O homem o sugou, levando-o para o esquecimento e o fazendo gemer mais uma vez, seu corpo se revirando enquanto ele tentava se concentrar em não empurrar na boca do outro.
“O-ohh, puta merda. Aah, meu-”, gemeu quando sentiu a língua quente descer até sua base para então Neji começar a chupá-lo em um ritmo igualmente lento.
A sensação úmida e quente que o envolvia quase fez Naruto perder o controle de vez, a língua maleável deslizando pela ponta sensível, os dedos que acariciavam suas bolas com suavidade, e o calor intenso que escalou por seu corpo o fez tremer, uma de suas mãos descendo novamente para agarrar qualquer coisa, e Naruto soltou mais um soluço de prazer enquanto puxava os lençóis da cama para si sem ter noção disso.
Sua respiração engatou enquanto o sentia engolí-lo cada vez mais fundo, e os dedos de seus pés se fecharam quando seu pau tocou o fundo da garganta dele de novo. O murmurar baixo e rouco de Neji fez a vibração de sua garganta correr pelo pau de Naruto, que sentiu os músculos das pernas perderem a força quando foi empurrado para fora e para dentro mais uma vez, o mais fundo possível, sem perder o ritmo enquanto a pressão aumentava. Era possível sentir a textura da língua, das paredes macias da boca que o cercava, e ele se viu incapaz de reprimir outro gemido, agora mais alto.
Abrindo os olhos, Naruto agora se deixou assistir a boca carnuda de Neji o envolvendo enquanto os olhos claros o fitavam com firmeza sob as pálpebras semicerradas, e a visão maravilhosa o fez tremer enquanto buscava ar mais uma vez de maneira quase desesperada. Duvidava que muita gente já tivesse visto Neji naquela posição — o nariz reto contra os cachos loiros em sua virilha, as mãos firmes trabalhando onde sua boca não chegava, as costas definidas se movendo conforme a respiração dele e os olhos, aqueles belos e exóticos olhos lilases que queimavam de desejo no escuro do quarto. Sem conseguir se conter, sentiu as íris rolarem para trás ao mesmo tempo em que empurrou na língua que o engolia, fazendo Neji soltar o ar ruidosamente.
Naruto levantou a cabeça no mesmo instante e o encarou meio preocupado, mas o homem apenas apertou ainda mais sua cintura e se ajeitou, fazendo um sinal para ele continuar. Seu batimento cardíaco se acelerou e ele empurrou mais uma vez experimentalmente para ver se tinha entendido certo. Neji acenou em aprovação antes de deixar as pálpebras caírem e abaixar uma das mãos para entre as próprias pernas discretamente.
Sem precisar de mais estímulo, Naruto então agarrou os cabelos dele com mais força e começou a se afundar na boca que o engolia facilmente, aumentando o ritmo enquanto fechava os olhos e deixava a cabeça cair nos travesseiros em êxtase. Seu corpo se dividiu em espasmos e uma corrente quente escorreu por suas pernas enquanto o aperto em seu estômago aumentava implorando pela libertação, o que fez Naruto aumentar a velocidade, arfando entre gemidos abafados e curtos, os músculos de suas pernas espasmando descontroladamente. A língua experiente de Neji passava pela cabeça sensível antes dele atingir o fundo de sua garganta em movimentos frenéticos, e Naruto nunca tinha sentido nada tão incrível na vida.
“Aahh-ah, caralho... Meu Deus... Oh, Deus- Eu tô quase. N-Neji- Aah, meu-”, ele choramingou buscando ar, e as mão grande em seus quadris se contraiu em resposta, a respiração do homem ficando mais pesada.
A cada estocada descompassada, um gemido trêmulo e quase animalesco se perdia no cômodo, os movimentos cada vez mais erráticos enquanto seus pulmões imploravam por ar, e quando um formigamento intenso se espalhou para pinicar por suas células como se rastejasse, Naruto perdeu o controle, os empurrões finais se tornando descontrolados, seus músculos perdendo a força. Entretanto, Neji tomou controle e continuou chupando até o final enquanto também gemia profundamente, engolindo tudo que veio com seu êxtase quando Naruto explodiu e lançou sua carga quente na boca dele entre grunhidos e sons desconexos.
Quando seu corpo se acalmou, levantou a cabeça para fitar o homem, que já tinha se afastado e agora o observava da beirada da cama, claramente incerto sobre o que fazer. Com um sorriso cansado e a cabeça nas nuvens, Naruto se aproximou e o puxou para um beijo profundo, descendo a mão para enfiá-la entre as pernas dele e separando suas bocas quando não o sentiu duro. Naruto o encarou perdido e chocado, para dizer o mínimo.
“Eu preferi terminar sozinho enquanto te assistia.”, explicou Neji com um sorriso presunçoso.
Naruto piscou surpreso e receoso. “Por quê? Eu- Eu ia...”, esclareceu sem concluir.
“Você estava indo tão bem e eu só... Não quis esperar. A vista era boa.”, disse, ainda sorrindo tentadoramente.
Um assomo de carinho encheu seu coração, porque tinha quase certeza que era porque queria evitar que ele precisasse lidar com isso, sendo a primeira vez que Naruto ficava com um homem. Naruto o puxou para mais um beijo, que foi retribuído com entusiasmo; podia sentir o próprio gosto, salgado e amargo, na língua do outro, e aquilo não o incomodava nem um pouco. Com a cabeça rodando de cansaço e o resto da embriaguez, se separou com um toque de lábios gentil antes de colocar uma mecha de cabelo escuro atrás da orelha dele.
“Você consegue colocar sua roupa sozinho?”, perguntou Neji quase ironicamente.
Naruto revirou os olhos antes de se levantar da cama e cambalear, apoiando-se no armário ao lado. Neji deu uma risada abafada pelo nariz e Naruto fechou a cara. “Haha, muito engraçado mesmo. Me passa minha cueca.”, pediu enquanto ficava vermelho e desviava o olhar, sem graça. Suas pernas bambas não ajudavam em nada seu equilíbrio precário.
Neji, juntando os lábios, lhe entregou a cueca verde jogada em cima da cama. Ainda se apoiando no guarda roupa, a vestiu com alguma dificuldade e voltou para o lado dele na cama pequena, mas o homem se levantou, e isso o fez subir o olhar com receio.
“Você não quer dormir aqui? Eu sei que é pequena mas cabe nós dois.”, murmurou Naruto timidamente. Neji desviou o olhar para o chão por um momento antes de fitá-lo sem muita expressão, e então ele entendeu. “Você acha que eu me arrependi?”, indagou com os olhos azuis cautelosos.
Ele o estudou por um momento. “Me diga você.”, lançou.
Naruto juntou as sobrancelhas. “Se tivesse me arrependido, não tinha te beijado em seguida. E eu não sou um imbecil que chuta a pessoa com quem estive assim que as coisas acabam, você devia saber disso. Posso não estar muito sóbrio e estar confuso sobre, bem, você sabe, tudo, mas ainda sou eu.”, respondeu contrafeito enquanto se sentava e apoiava o peso no braço, segurando a coberta erguida.
Neji suspirou resignado e o estudou um segundo, antes de se aproximar devagar e deitar na cama de costas para ele. Naruto os cobriu e se ajeitou, chegando mais perto, hesitante. O outro se arrumou contra seu corpo e ele então passou o braço pela cintura de Neji, que virou o rosto minimamente para dar um sorriso quase invisível. Naruto pousou um beijinho em sua têmpora antes de o envolver com firmeza e deitar nos travesseiros, sendo empurrado para um sono profundo pelo cansaço de seu corpo. Pela primeira vez em dias ele não sonhou.
As manhãs de inverno em Konoha eram caracterizadas pela luz cinzenta e difusa que entrava pelas janelas por causa da camada de neve e da geada que cobria as ruas da vila, vencendo o calor e os raios do sol, que lutava para aparecer no céu nublado. Entretanto, não foi isso que acordou Naruto, e sim o cheiro de comida que invadiu o quarto e fez seu estômago roncar baixinho.
A segunda coisa que ele sentiu assim que despertou foi a dor de cabeça instalada atrás de seus olhos cor de topázio. Ele tentou manter as pálpebras abertas apesar da luminosidade do cômodo, mas isso só fez sua cabeça dar uma fisgada, e ele então se sentou e esfregou os olhos. Pelo menos não estava rodando como da última vez, e ele já teve dores de cabeça piores.
Naruto olhou ao redor e congelou por um momento quando a lembrança do que tinha acontecido na noite passada o atingiu, fazendo seu coração bater mais rápido. O pânico se instalou ao perceber que tinha, de fato, ficado com um homem. Entretanto, o pânico não era pelo que aconteceu, e sim porque aquele fato endossava parte da conversa maluca de Sakura, algo que o amedrontava. Ele não queria que ela estivesse certa em nenhum ponto daquela história.
Mesmo assim, depois de um momento de pensamentos confusos, Naruto chegou à conclusão de que não ia deixar isso influenciar em seu julgamento — ele tinha sim gostado muito, não foi algo que aconteceu simplesmente porque tinha bebido, não estava fora de si quando tomou aquela decisão, apesar de ter usado o álcool como desculpa na noite anterior. Mas a verdade é que a bebida apenas ajudou as coisas a fluírem melhor, Naruto não seria hipócrita de colocar a culpa nisso e muito menos em Neji.
Ele tinha decidido aquilo, ele se sentiu sim atraído pelo cara e quis ir adiante, quis explorar sua curiosidade, e não se arrependia. Não via problema algum em descobrir que podia sentir atração por homens, o que atrapalhava era seu orgulho ferido depois de ter chamado Sakura de louca — algo sobre o qual ele não tinha mudado de ideia completamente, porque a mera ideia dele ter sentimentos por Sasuke de fato era ridículo. Ele sabia bem o que sentia.
Distraído, suspirou e olhou ao redor mais uma vez, momento em que uma luz se acendeu em sua cabeça e ele percebeu que Neji não estava ali. O desespero completo cresceu no mesmo minuto em seu peito — a simples ideia da amizade deles ter sido estremecida pelos acontecimentos da noite anterior fez seu estômago embrulhar, porque aquela era a última coisa que ele gostaria que acontecesse. Se xingando baixinho, levantou-se meio cambaleante e colocou seus chinelos e uma roupa enquanto escorava na parede.
Ele abriu a porta do quarto e caminhou ansiosamente pelo corredor, entrando na cozinha e parando no mesmo instante, surpreso. Neji estava ali, colocando o que pareciam ser ovos mexidos em dois pratos sobre a mesa minúscula. O belo homem ergueu os olhos para reconhecer sua entrada e sorriu minimamente.
“Achei que você não ia conseguir levantar sem ajuda hoje e seria o bebê chorão de sempre, então tomei a liberdade de preparar o café. Espero que não se importe.”, ele disse.
Naruto não pôde impedir o sorriso automático que surgiu em seu rosto e nem o alívio que o invadiu. Era a primeira vez em dias que a sensação de peso abandonava seus ombros, seu estômago e seu peito, ele se sentiu tão grato por ter Neji ali que quase suspirou com o sentimento. Incapaz de falar qualquer coisa, ele engoliu o próprio sorriso e, sem tirar os olhos do outro, foi se sentar à mesa diante de um dos pratos.
O homem desviou para o fogão voltando a panela para o lugar e pegando um copo de água, que colocou ao lado do prato de Naruto com cuidado. Ele se sentou — elegantemente, como sempre — na cadeira de madeira e juntou as mãos sob o queixo, encarando-o estoicamente.
Corando e sem pensar muito, Naruto desviou o olhar e começou a comer depois de murmurar um “obrigado” para o prato. Agora que estava sentado diante de Neji, sua mente mais uma vez se inundou com as lembranças da noite passada e seu rosto então alcançou novos tons de escarlate, seus olhos pregados na louça enquanto ele comia e suava sob a atenção do outro.
Finalmente Neji também começou a comer, e um silêncio que para Naruto era bem incômodo se instalou entre os dois. Sua dor de cabeça agora tinha se tornado um pouco mais persistente, mas ainda suportável. Então ele percebeu o pequeno guardanapo ao lado de seu prato com um comprimido branco que ele reconheceu como um remédio para dor de cabeça.
Parando o ovo no meio do caminho, fitou o comprimido. Então, voltou os hashis para o prato e levantou minimamente os olhos azuis para o homem diante dele, que capturou seu olhar e suspirou quando Naruto voltou a encarar a comida mais que depressa. Sentindo as bochechas esquentarem mais uma vez, ele pegou o remédio e o engoliu com a água.
“Você está bem?”, indagou Neji sem muita entonação na voz grave.
Naruto umedeceu os lábios secos e tornou a dar uma meia-olhada para ele que durou um segundo. “Sim, obrigado pelo comprimido... e pelo café. E Você?”, murmurou abafado para a mesa.
O outro soltou o ar em resignação. “Estou bem.”, suspirou, parecendo incomodado. Naruto assentiu ansioso e o homem pousou os hashis na louça. “Naruto.”, chamou.
O ar parou em sua traqueia quando ele ouviu o próprio nome naquele tom cansado e levantou os olhos de vez finalmente, se forçando a colocar sua atenção em Neji apesar das bochechas rosadas. “S-sim?”, ele gaguejou quase que imperceptivelmente.
“Eu não ia falar sobre isso, mas dado o jeito que você está, eu sinto que preciso.”, Neji disse com seriedade, e sua intensidade fez Naruto olhar para baixo mais uma vez. “Sobre a noite passada, eu espero que você não tenha se sentido coagido a nada. Se você estiver se sentindo mal pelo que aconteceu e preferir que eu me afaste-”
“Não!”, exclamou Naruto, voltando a encará-lo com os olhos arregalados. “Não, não é isso, meu Deus, não é nada disso!”, disse em desespero. Seu coração pareceu quase explodir nas costelas agora que tinha percebido a possibilidade de Neji ter entendido tudo errado.
O homem ergueu as sobrancelhas e levantou o queixo minimamente com um brilho estranhamente duro nos olhos. Sua voz era um pouco mais firme agora. “Bom, eu pensei que...”
“Desculpa, não é nada disso, eu juro.”, exasperou-se, abanando as mãos diante do corpo com um escudo. “E-eu gostei muito, foi ótimo. Não estou arrependido.” disse, ficando vermelho mais uma vez. “Eu- Eu só não sei como reagir, não sei como você se sente sobre o que aconteceu e isso me deixa... confuso, porque não sei o que você espera que eu faça, e eu não quero ser um idiota, eu me importo com você.”, confessou.
Neji parecia intrigado. “O que você quer dizer com ‘o que eu espero que você faça’? Naruto, nós ainda somos amigos, nada mudou. Eu não tenho expectativa nenhuma sobre o que aconteceu porque isso era apenas sobre os seus sentimentos. Eu te disse que não me importava de te ajudar a entender sua curiosidade, e foi o que eu fiz. Não quero que você se sinta pressionado, porque para mim realmente foi só isso. Continuo seu amigo, se você quiser.”
“É óbvio que eu quero, eu só... fiquei me perguntando sobre como você se sente sobre o que aconteceu.”, repetiu em um muxoxo.
Neji deu uma risada pelo nariz. “Você ficou com um cara, tem toda uma situação para resolver consigo mesmo e ainda assim está preocupado sobre como eu me sinto?”, perguntou divertido. Naruto apenas ficou o observando sem saber o que falar. “Bem, eu me sinto... normal. Você é meu amigo e é atraente. Eu tinha alguma curiosidade em saber como seria ficar com você, e você tinha curiosidade em saber como era ficar com um homem, ambos sanamos nossas curiosidades. Eu não tenho expectativa alguma sobre nada, nem espero repetir a dose, então relaxe.”, esclareceu com uma calma e lucidez que Naruto não tinha no momento.
“Não espera repetir a dose?”, ele perguntou idiotamente, se sentindo estranho.
Tudo bem que ele sequer tinha tocado em Neji direito, mas não foi porque ele quis assim, ele ia fazer Neji terminar também. Não podia ter sido tão ruim... podia? Naruto franziu as sobrancelhas para a linha de raciocínio que seu cérebro estava seguindo — ele devia estar mais focado no fato de se sentir atraído por homens, e não em Neji não querer fazer qualquer coisa com ele de novo. Diante dele, o outro juntou os lábios como se estivesse segurando o riso e Naruto fechou um pouco a cara para o humor às suas custas.
“Eu quis dizer que não tenho expectativa sobre você querer que aconteça alguma coisa de novo. Não precisa ficar tão indignado, se você sentir que sua curiosidade não foi sanada o suficiente, não tenho problema algum em continuar te... ajudando nisso sem qualquer compromisso.”, explicou com um sorriso meio arrogante no rosto. Naruto achou aquilo estranhamente atraente, apesar de ainda querer dar um soco nele. “Mas, como eu disse, não espero nada sobre isso, foi só... algo que aconteceu e que pode ou não acontecer de novo.”, concluiu, voltando a pegar os hashis para comer.
Naruto fez um pequeno biquinho carrancudo antes de voltar a mastigar. “Ok, não preciso me preocupar sobre isso? Não foi tão ruim, então?”
Neji negou com a cabeça ainda de maneira presunçosa e divertida. “Não, não precisa se preocupar. E não foi ruim, eu sabia muito bem onde estava me metendo, por isso preferi gozar sozinho. Acho que você já tem muita coisa para pensar com o pouco que aconteceu.”, respondeu, e Naruto assentiu ligeiramente, soltando o ar.
Eles terminaram de comer, agora em um silêncio bem mais confortável, e quando Naruto levantou para colocar os pratos na pia, alguém bateu na porta. Ele juntou as sobrancelhas e encarou Neji, que estava sentado na mesa, antes de caminhar pelo lugar e abri-la.
“Hã, Kakashi-sensei? O que você tá fazendo aqui?”, perguntou Naruto com curiosidade enquanto coçava a nuca.
O homem parecia irritado e entrou antes que Naruto o convidasse para dentro. Quando a porta estava fechada, Neji se colocou de pé, fazendo ambos desviarem a atenção para ele.
“Vou deixar vocês conversarem. De qualquer forma, preciso me arrumar para treinar mais tarde. Só vou pegar meu hitai-ate, Naruto.”, avisou, caminhando para o quarto calmamente.
Naruto ignorou o ex-sensei e fez um sinal para ele esperar enquanto seguia o outro até lá e fechava a porta. Neji pegou a bandana em cima da mesa de cabeceira e a amarrou na testa, tampando sua marca verde-esmeralda antes de acenar com a cabeça para Naruto uma vez e se virar para a porta fechada do quarto.
Naruto segurou seu pulso. “Ei, espera, eu...”, murmurou.
Neji parou e colocou sua atenção nele. Naruto nunca se sentiu tão confuso na vida, ainda mais naquele momento — havia um milhão de coisas que ele precisava pensar sobre, as quais ele se impedia sequer de nomear agora para não surtar e, de quebra, se sentia confuso sobre Neji. Por algum motivo, se sentia necessitado de qualquer atenção que pudesse receber dele, mas não queria agir por impulso e fazê-lo criar expectativas, apesar do que o homem tinha dito minutos antes na cozinha.
Neji era seu amigo. Ele era um homem e mesmo assim Naruto se sentia atraído de várias formas por ele, estava com medo de muitas coisas, e Neji estava sendo uma espécie de porto seguro há muito tempo, até mais do que Sakura, mesmo enquanto namoravam. Neji sempre soube de tudo (exceto sobre as malditas cartas) e durante todo aquele tempo, o acolheu e o acalmou. O entendeu verdadeiramente, às vezes até melhor do que ele mesmo.
E agora, depois do que tinha acontecido, Naruto se sentia tão próximo a ele que era estranho. Era um sentimento que não conseguia definir — sem dúvida alguma não estava apaixonado por Neji, mas era como se a simples presença dele pesasse sobre Naruto de uma forma psicológica e, agora, física.
Era confuso. Queria se aproximar, queria beijá-lo para sentir novamente todas as sensações incríveis que ele tinha lhe proporcionado antes, tocá-lo. Queria receber o afeto que sentia tanta, tanta falta, por mais que não quisesse admitir.
Mas tinha medo de confundi-lo, de lhe dar esperanças de algo que nem mesmo ele entendia agora e que provavelmente não manteria. Naruto olhou para os próprios pés e, depois, dentro dos olhos de Neji, como se suplicasse que ele entendesse o que ele queria, o que precisava, mesmo Naruto não sabendo colocar aquilo em palavras.
Neji o observou por um segundo como se estivesse de fato recebendo toda a carga de seu olhar e então respirou fundo, aproximando-se. Naruto ainda tinha as íris azuis pregadas nele sem conseguir se mexer por toda a incapacidade de lidar com tudo e qualquer coisa no momento.
Neji então se aproximou e pousou a mão livre com delicadeza em sua bochecha, aproximando seus narizes como se o testasse, como se perguntasse se era mesmo aquilo que Naruto queria. Ele não precisou de outra deixa — fechou os olhos e encurtou a distância entre eles, beijando-o devagar no início, só para em seguida se afogar da melhor forma que podia. Sua mão subiu para o pescoço dele com firmeza e Naruto de repente o beijou como um faminto, como se precisasse daquilo para viver, como se quisesse derreter e sumir no corpo de Neji porque precisava de alguém que pudesse só o abrigar e ser continente à ele, afastar sua confusão desesperadora e o sentimento vertiginoso e amargo que estava na boca do seu estômago novamente.
Suas línguas, suas bocas e seus dentes se chocavam em um beijo arrebatado e os sons molhados de seus lábios se consumindo enchiam os ouvidos de Naruto, assim como o barulho de seu coração, que batia rápido e forte no peito. Quando o ar começou a faltar, Neji tomou as rédeas do beijo, diminuindo seu ritmo e sua intensidade novamente.
Aquilo também foi bom — era como se ele estivesse lhe dando a calma depois de receber seus sentimentos turbulentos, uma troca que Naruto já estava acostumado a ter com ele. Os lábios dele, agora macios e suaves, acariciavam os seus devagar e suas línguas se enrolavam sem pressa e com delicadeza, deixando-o zonzo. Ele não queria que aquilo parasse. Não queria parar de beijar a pessoa que lhe dava calma e aceitava de Naruto uma troca totalmente injusta.
A mão do outro subiu por seu pescoço e os dedos dele escovaram carinhosamente a linha de sua mandíbula antes de fechar o beijo. O ar quente do suspiro de Neji aqueceu seu rosto quando ele parou, e Naruto, de olhos fortemente fechados, o puxou, colando suas testas juntas, o metal frio da bandana contra sua pele.
“Eu sinto muito.”, sussurrou sem saber pelo que se desculpava, tentando engolir a grande quantidade de coisas que se entalou em sua garganta.
Neji afastou suas testas e abriu os belos olhos exóticos que sempre enxergavam sua alma, como se pudesse penetrar nos sentimentos ali e embalá-los completamente. “Bom, eu não. Cada um desses momentos são apenas isso, Naruto: momentos. E quando eles terminam, tudo sempre pode voltar ao normal de novo. Momentos só existem enquanto acontecem, e eu não vou pedir nada de você quando eles acabarem.”
Aquelas palavras se afundaram em seu ser dolorosamente enquanto o amigo se afastava, atravessando o cômodo e abrindo a porta. Ele deu um aceno imperceptível antes de desaparecer no corredor. Naruto, incapaz de se mover, deslizou os dedos pelos cabelos e encheu os pulmões de ar. Então ele ouviu a porta da frente se fechando e saiu de seu torpor, passando as mãos pelo rosto antes de caminhar lentamente pela casa e parar diante de Kakashi com um humor totalmente diferente do que estava há minutos atrás.
“Naruto, é incrível como sua displicência não mudou em nada, você não poupa nem o Hokage.”, disse o mais velho como um pai repreendendo um filho.
Ele revirou os olhos e se sentou na cadeira de frente para ele. “Bom, você veio sem nem avisar, então não reclama de precisar esperar alguns minutos. Aliás, você não devia estar trabalhando?”, perguntou em um tom indiferente.
Kakashi fechou a cara e se inclinou na cadeira com um olhar irritadiço. “Sim, eu devia. Mas ao invés disso, estou aqui, resolvendo os problemas de dois idiotas.”
Notes:
Galerinha, tentei editar um pouco o smut, mas não tive muito tempo. Sinto muito se não ficou dos melhores, mas foi o que consegui fazer com a minha falta de habilidade depois de tanto tempo sem escrever e uma quantidade limitada de horas. Se tiver algum erro, me avisem que eu edito, porque tive poucos minutos para revisar, e como vocês sabem, estou sem beta.
Ah, se possível, gostaria de saber se curtiram o smut, sejam sinceros, mas peguem leve comigo hahahahaha
É isso, boa semana, beijinhos!
Chapter 28
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Naruto ficou claramente confuso e o outro então deu um suspiro, tampando o rosto com uma das mãos como se estivesse exausto demais para lidar com o que quer que fosse. Quando voltou a encarar Naruto, parecia trinta anos mais velho. “Eu preciso que você volte para a casa de Sasuke.”, anunciou.
“ Nem fodendo! ”, exclamou Naruto prontamente enquanto sentia o estômago apertar e a cabeça doer mais um pouco. “Porque eu faria isso? Já melhorei, não preciso mais de cuidados.”, declarou, levantando-se e caminhando em direção ao corredor para fugir de Kakashi.
“Naruto, só... Vocês não são mais adolescentes, pare de agir como um. Por favor, não dificulte as coisas. Eu estou em uma situação delicada e você está piorando tudo por ser tão cabeça-dura.”, disse contrafeito com uma carranca.
Ele se virou de volta para o ex-sensei indignado. “Eu não sou cabeça-dura , só não quero ficar com aquele imbecil. Nós não nos damos bem, ele me odeia e eu-”
“ Sasuke te odeia? De onde você tira essas coisas, Naruto? Eu não conheço nenhum outro ser humano que faria ele agir como uma enfermeira. Ou por quem ele levaria uma facada no rim .”, disse Kakashi impacientemente, batendo a mão sobre a coxa. “Ou, ainda, não conheço nenhuma outra pessoa com quem ele não se importaria de dividir a cama .”
Naruto piscou e abriu a boca, corando. Depois a fechou e abriu novamente, decidido a ignorar o comentário. É claro que ele saberia disso, devia estar tudo nos relatórios Anbu. “Eu não vou voltar, porque eu tenho que fazer isso?”
O mais velho deu um suspiro e coçou a barba por fazer que aparecia para fora da máscara. “Eu não posso falar sobre a situação abertamente, mas você precisa voltar e ficar com ele. É importante.”
“Você está me dando uma ordem como Hokage?”, indagou, petulante. Talvez ele realmente ainda fosse um adolescente, afinal.
Kakashi ergueu as sobrancelhas. “Preferia não chegar nesse ponto, então estou te pedindo gentilmente como seu antigo sensei. Até porque, sinto que se eu te obrigar a ficar lá, vocês dois vão acabar explodindo Konoha.”, resmungou contrafeito.
“Eu... não posso fazer isso. Foi mal, mas não posso. Nós dois, Sasuke e eu, concordamos que isso era o melhor.”, murmurou Naruto, encarando o chão de madeira.
Voltar para a casa de Sasuke era lidar diretamente com o assunto que permeava sua cabeça desde que ele tinha saído daquela floricultura, era dar de cara com a questão tangente ao fato de que tinha ficado com um homem na noite passada, era simplesmente ferrar com o seu cérebro. Não que Naruto tivesse dúvidas sobre seus sentimentos, porque ele estava tranquilo quanto a isso — Sasuke realmente seria a última pessoa para quem ele olharia dessa forma, mas ainda assim era uma questão complicada. Sasuke era complicado.
E ele só queria ficar em paz, fugir dele e de toda a gama de problemas que vinha com o pacote Uchiha. Pela primeira vez ele sentiu que era possível. Bem, talvez não a primeira , mas desta vez...
Kakashi se colocou de pé e foi em direção à porta. “Naruto, considere o que eu disse. Pense um pouco nisso e volte, algumas coisas são maiores do que a briga de vocês, principalmente depois de tudo que você passou para trazê-lo de volta.”, disse, agora abrindo a porta e saindo sem esperar resposta.
Naruto bufou para a cozinha vazia com indignação e deu meia volta, caminhando para o quarto e se jogando na cama desfeita de olhos fechados. Não, ele não ia voltar , o próprio bastardo tinha dito que preferia que ele fosse embora e Naruto não ia se humilhar daquela forma sem nenhum motivo, ele estava bem, não precisava de Sasuke. E Sasuke com certeza também não precisava dele.
“Foda-se o Sasuke.”, murmurou baixinho no travesseiro.
Fazia onze dias que ele não ouvia a própria voz, porque não havia motivos para usá-la. Na verdade, fazia onze dias que não ouvia nada de ninguém — e fazia onze dias que a casa estava vazia.
Mas ele não se importou, porque já tinha chegado a passar um mês inteiro em silêncio apenas na própria companhia antes de ver um ser humano novamente. Essa era a — vantagem? Sim, vantagem — de ser um nômade sem raízes. Ele não se importava, porque lidava com isso há dois anos.
Até porque, não era como se o silêncio tivesse sido completo. Ele ouvia os próprios passos, os próprios movimentos, a mastigação da própria boca enquanto comia, seu coração batendo no peito. Ouvia seus pensamentos — os quais eram sempre focados em algo, porque ele se dava um chacoalhão quando começavam a vagar demais por coisas abstratas ou impraticáveis — e, vez ou outra, um uivo. Os grilos da floresta. O barulho das folhagens sendo jogadas de um lado para o outro pelo vento lá fora.
Então, ele não entendia porque agora ficar onze dias em silêncio era tão... perturbador . Tão incômodo. Bem, não incômodo , porque ele deveria estar acostumado com isso, mas de fato lhe causava uma inquietação no peito que nunca tinha surgido. E, mais uma vez, sua mente começava a vagar por coisas que não faziam sentido pensar sobre, porque ele não poderia resolvê-las e não o levava a nada remoer.
Por exemplo, os sentimentos que o silêncio lhe proporcionava, ou o fato humilhante de que tinha cogitado sair para fazer compras sem necessidade porque queria ouvir algo que não fossem os próprios passos, o mastigar, o martelar incessante dentro de sua cabeça com pensamentos difusos e imagens incompletas das coisas. Por exemplo, o quanto cortar legumes sozinho agora era chato, mesmo que antes eles saíssem em pedaços completamente disformes por desleixo e a falta de um braço da outra pessoa. Ou como ler já não ajudava tanto. Em como estava frio lá fora e lá dentro , mas ele estava com preguiça de acender a lareira da sala. Ou em Nar-
Era aquela casa , ele tinha certeza. Ele estava ali há dois meses e é claro que ficaria perturbado. Sasuke era inteligente e lúcido o suficiente para saber dos problemas que carregava. E não tinha vergonha — ok, talvez tivesse um pouco — de admitir para si que ficar em sua antiga casa o desestabilizava em algum nível.
Mas ele ainda não tinha conseguido ir até o dojô. Sim, ele tentou. Ficou parado diante daquela porta por uma tarde inteira completamente imóvel porque não aceitava sua derrota, mas era incapaz de seguir em frente.
Depois de horas, a única coisa que conseguiu fazer foi levantar a mão para quase tocar na madeira. Mas ele não conseguiu. E então entrou para tomar um banho, se afogando na própria frustração crescente e na voz julgadora em sua cabeça que lhe censurava e acusava sua fraqueza.
Se lembrava bem de passar pela cozinha e desviar o olhar do escorredor para não ver os dois pratos ali, ou a horrenda xícara laranja, virada de boca para baixo ao lado da sua. E também se lembra de ter dormido na banheira, porque estava cansado e não pregava o olho há dias. Aquela meia hora de sono foi o suficiente para mantê-lo acordado contra a própria vontade por mais alguns dias, ainda que exausto.
Ele tentou entrar no dojô mais uma vez e outra, mas foi inútil. Então agora, ele estava debatendo se deveria pedir para Kakashi enviar alguém para checar aquele cômodo. Mas ele sabia que jamais admitiria uma fraqueza ridícula dessas, então era só um pensamento.
Mais um que era desnecessário, porque ele não colocaria em prática, portanto não tinha porquê pensar a respeito. Mas ele pensou, e com esse pensamento vieram outros e outros que ele tentou bloquear ao longo das horas, dos dias, e agora sua cabeça era esse inferno cheio de coisas que não tinham função alguma e era tão barulhento em comparação ao silêncio insuportável da casa que quase o enlouquecia. Uma ironia encantadora.
Houve um momento em que ele teve esperança de conseguir entrar naquele dojô, porque lhe foi oferecido um apoio, o único que ele se proporia a aceitar e provavelmente teria em algum momento, mas aquela já não era mais uma possibilidade. E Sasuke se recusava a sequer cogitar ir cobrar aquilo, principalmente agora.
Então, precisava se virar sozinho, como sempre. E como deveria ser. Afinal, ele escolheu aquele estilo de vida, e qualquer ser humano que decida pela solidão precisa ser capaz de ser auto suficiente, ou não sobreviverá. E ele sobreviveu. Então ele podia e tinha que fazer isso, não havia escolha.
Sasuke se colocou de pé na varanda e olhou para o lado, onde há alguns metros ficava a porta do dojô, o lugar onde seus pesadelos aconteciam. Bateu as mãos sobre os ombros para dissipar a neve que tinha caído da beirada da varanda e caminhou lentamente, suas pantufas fazendo ruídos abafados pelo caminho. Ele parou diante da porta de madeira escura e expirou devagar, tentando esvaziar seus pulmões para enchê-los com ar limpo e gelado.
Naquele momento a quantidade de pensamentos inúteis em seu cérebro ajudou Sasuke, porque as imagens e coisas desconexas que pularam em sua mente lhe impediram de entrar em pânico. Então ele focou nessas coisas enquanto estendia a mão, milimetro a milimetro para a porta. Seus dedos tremiam, mas estava frio — estava nevando e ele não sentia o coração pulando na garganta cada vez mais rápido como se pudesse ser cuspido.
A ponta de seus dedos tocaram a madeira áspera e seu corpo arrepiou. Ele quase deu um passo de volta, quase . Mas se forçou a ficar firme. Ele tinha que ficar firme. Tinha que deixar para trás essa fraqueza, voltar a lutar por si, imbatível e imparável como antes.
Voltar a ser quem era há dois meses, antes de voltar para esta casa amaldiçoada. Antes da presença de Naruto penetrar pelas rachaduras do cimento que segurava seus muros construídos com tanta dificuldade para conseguir sobreviver , dissolvendo seu caminho lentamente até qualquer merda soterrada e o fazendo considerar coisas, e se preocupar, e amolecer .
Naruto o tornou fraco, como sempre fazia. Foi por isso que Sasuke o visitou raramente e só se permitiu lutar com ele naqueles momentos, e também o motivo pelo qual tinha se escondido quando suas missões acabaram se cruzando meses atrás, onde Sasuke investigava um dos grupos que estavam atrás de seus olhos — porque era o jeito que Naruto falava, era como ele fazia algo, era como via o mundo e passava isso para Sasuke nas pequenas coisas, era tudo isso que só ia escalando por ele e lentamente, pouco a pouco, o modificando a um nível quase celular se ele não tomasse cuidado. E ele só percebia isso tarde demais, quando tudo já estava uma bagunça e ele precisava arrumar rapidamente para não desmoronar.
Porque Naruto fazia isso — andava pelo âmago de Sasuke devagar, como se nem estivesse se movendo, mas conforme fazia isso, pegava coisas que estavam só quietas ali , lançava seu escrutínio sobre elas, e depois as colocava de volta a um centímetro de onde estavam antes. E essas coisas voltavam às vezes cheias de digitais, ou com menos poeira sobre suas superfícies, modificadas minimamente e quase no mesmo lugar de antes, então Sasuke não percebia. Ele não via isso acontecendo. E isso era muito perigoso.
Ele achava sinceramente que isso tinha acabado, que os dois anos que passou fora, sozinho, tinham feito ele amadurecer o suficiente para não ser atingido por coisas externas com tanta facilidade. Para não ser explorado como foi por Orochimaru e Kabuto por anos, para não ser manipulado como foi por Madara até mesmo por seu irmão. Para as coisas não se infiltrarem por suas fraquezas assim e o destruírem de dentro para fora.
E ele tinha conseguido isso. Sasuke analisava as coisas, buscava novos ângulos. Essa mudança ele aceitou que Naruto fizesse nele. Mas o resto, não . Ele não pediu para aprender a ter ainda mais indulgência do que era necessário. A olhar para as coisas de uma forma menos mecânica e prática. A se desviar do seu caminho escolhido, ou seja, a de ficar sozinho — porque essa era uma das formas que ele usava para expiar os pecados que cometeu.
Nem pediu para aprender a se importar se alguém comia, bebia água ou estava machucado, a prestar atenção em detalhes que o levavam a conhecer uma pessoa mais a fundo. A reagir ao invés de agir, ou a tentar se desculpar sobre coisas das quais não tinha controle só porque viu que deixou um amigo chateado. Ele não pediu para se sentir responsável por ninguém, muito menos pelo bem estar das pessoas. E principalmente de Naruto.
Porque era óbvio, ele sabia — e todo mundo sabia — que Sasuke não deveria ser responsável por ninguém além de si mesmo, muito menos por Naruto. Ele não tinha capacidade para ser o amigo que o idiota queria, nunca teve. E nunca quis ter. E agora este mesmo idiota estava finalmente percebendo isso. E era um alívio .
Sim, era um alívio. Era um alívio Naruto não ter expectativa e não esperar nada dele. Era um alívio que ele estivesse finalmente indo para longe, se afastando de vez, seguindo em frente e deixando Sasuke viver sua vida. Era a porra de um alívio .
Ver a cara de decepção do outro sobre ele, ver sua raiva, ver a realização de que Sasuke era Sasuke naqueles olhos azuis profundos, ver todo aquele peso ser tirado de cima de si e reduzido a nada era um alívio. Porque, assim, não haveria mais como Naruto se surpreender com quem ele era. Assim, não haveria mais em Sasuke todo aquele sentimento de inadequação ao pensar que existia alguém com um conceito e uma afeição tão grandes por ele — ou mais necessariamente pela pessoa que achavam, que esperavam que ele fosse.
E aquele idiota tinha sido o único a permanecer ali mesmo quando foi praticamente destruido, porque Naruto via o melhor das pessoas. Ele tinha ignorado todas as coisas ruins que Sasuke fez durante aqueles anos porque o via como um amigo, um irmão ou o caralho que fosse. Sasuke foi embora com Orochimaru, enfiou o braço em meu pulmão e quase me matou? Vamos resgatá-lo . Sasuke matou Itachi? Tudo bem, ele teve um motivo e um passado. Sasuke entrou para a Akatsuki? Ele foi manipulado e está perdido . Sasuke se tornou uma bola errante e mortífera de ódio e dor que atingia qualquer pessoa que chegasse perto como merda indo direto para o ventilador porque descobriu a própria história? Eu suportarei o peso do seu ódio e vou morrer com você se precisar, porque eu sou seu amigo!
Seu punho bateu na porta dos pesadelos com raiva mal contida agora. Foco merda, foco . Esqueça Naruto, ele não está mais aqui. Ele ergueu a cabeça. Sua mão desceu deslizando pela superfície até parar no puxador. E ele se impediu de respirar fundo, de pensar e de hesitar, apenas deslizou a porta e deu um passo para dentro do quarto escuro. E ele não viu nada por um momento, até a fraca claridade da neblina do quase fim de tarde entrar e suas pupilas dilatarem para se adaptar.
Ele evitou olhar muito para os lados e observar o lugar, mas isso não adiantou, porque ele sabia onde estava. Aquele lugar de novo, onde toda sua vida foi modificada, onde sua infância foi destruída, onde sua noção de família foi completamente dizimada por alguém que ele amava e admirava, onde toda sua base se despedaçou e ele se viu caindo em um espiral crescente de ódio e desespero até os níveis mais baixos e assustadores. Ele estivera ali pela última vez quando tinha sete anos, mas visitava aquele lugar sempre que dormia.
Os flashes em sua mente começaram a piscar diante de seus olhos, se impregnando em seu cérebro, confundindo-o. Aqueles sonhos, aquelas cenas grotescas dos pais com as cabeças cortadas, dos olhos vítreos e abertos sem vida alguma, de Itachi segurando a espada e seu Mangekyou Sharingan brilhando no escuro, rodopiando loucamente, do sangue que se derramava diante dele enquanto o terror o envolvia, o medo de morrer, o medo do que aconteceria dali para frente porque ele tinha perdido todo seu futuro e suas esperanças em um único dia, a sensação de sufocamento que só o engolfou e permaneceu por anos agarrada à ele o sugando, até alguém que brilhava como a porra do Sol chegar e lhe retirar das sombras à força enquanto ele se debatia para permanecer ali, porque parecia o melhor.
Sasuke se dobrou para o chão e encontrou o piso de madeira empoeirado que conhecia bem até demais buscando ar, tentando se focar em outras coisas, em outros flashes que estavam ali antes disso, os pensamentos inúteis — porque agora ele precisava se acalmar, então os permitia ali, eles eram bem menos dolorosos.
O sol, amarelo, quente, calmante, que o mantinha fora das sombras e recarregava suas energias sempre que aparecia, por mais que a sensação de conforto o apavorasse porque ele não a merecia. Cenouras picadas desleixadamente para um jantar tranquilo que ele podia compartilhar depois de dois anos comendo sozinho. Os passos incessantes e irritantes no corredor, mais pesados que os seus e mais rápidos também. Livros de histórias idiotas que ele nunca leu. Uma bandana puída que lhe foi devolvida como uma promessa que ele não podia aceitar. O quanto o som da respiração suave o acalmava, aquela merda toda que ele não conseguia lidar porque era algo que ele nunca teve.
A maldita caneca laranja que ele desejava jogar pela janela porque odiava aquela cor com todas as suas forças, aquela cor afetuosa, feliz e radiante que era ridiculamente viva em comparação com o resto do mundo, tão quente e magnética como a porra de um buraco negro de luz e felicidade que não era possível existir e ele nunca conheceria porque não era seu lugar. Uma risada alta que podia ser ouvida da lua, infantil, suave e leve. O mar, as estrelas, a floresta, qualquer coisa que não tivesse a ver com a sua história de merda, porque ele tinha que se recompor e parar de se afogar em qualquer um daqueles dois extremos perigosos porque ele não queria a escuridão, mas com certeza não pertencia à luz.
Sasuke arquejou como se tivesse acabado de voltar à superfície e, ainda no chão, deu a volta com dificuldade e se arrastou rumo à porta. Sair, ele tinha que sair dali e nunca mais voltar. Ele não podia, ele era fraco, ele ia desistir daquelas merdas de papéis e sumir daquela vila, queimar aquela casa e nunca, nunca mais voltar. Mas ele tinha evoluído, droga .
Ele superou essa história, ela não o definia mais, era só uma parte dolorosa de seu passado sinistro que ele tinha sim aprendido a lidar e aceitado. Aceitado seu karma de vidas passadas e tudo que aqueles incidentes lhe trouxeram, as limitações que provocavam no presente onde várias coisas eram estagnadas, porque esse era seu destino e, assim, ele poderia pagar da melhor maneira. E estava bem com isso, aceitou, recebeu as consequências de suas ações e até fez questão que elas ocorressem, porque era o justo.
Uma vozinha antiga e específica que ficava no fundo de sua mente escorria veneno agora na voz de seu antigo mentor — oh, se seu pai estivesse aqui, o que ele ia pensar ao te ver assim, tão fraco, buscando ar, se arrastando como um cachorro moribundo, o orgulho da família Uchiha? , ela disse. Sasuke não a ouvia há quase dois anos, porque ele tinha conseguido, ele... ele tinha lidado com a maioria de seus demônios. Não interessa o que ele pensaria, meu pai está morto , respondeu para ela, ainda tentando, ainda sem ar.
Ele passou pela porta com as mãos e joelhos no chão enquanto procurava por ar. Sua cabeça parecia prestes a explodir e o chão sob ele era frio por causa da neve lá fora. Um arquejo, um arrastar para frente. E foi assim até que ele pudesse voltar por aquele trecho, virar a esquina da varanda e se encostar na parede, meio encolhido.
Seu coração parecia querer ser cuspido, suas mãos e pernas eram gelatina. E entre o som de seu coração pulsando nos ouvidos, o vento frio e sua respiração escassa, ele ouviu o primeiro barulho que não vinha dele em onze dias.
Naruto encarava o teto agora, ofegante, deitado no chão do quarto, seminu e suado apesar da neve que enfeitava Konoha. Ele tinha acabado de passar horas treinando, porque precisava voltar a ficar em forma, e tinha feito isso nos últimos dias. Começava quando o sol nascia e parava só quando ele se punha.
Graças a seus clones, o treino era muito mais rápido, assim como seu ganho atlético e a volta de suas habilidades. Ele achava que estava indo muito bem, obrigado.
Seu estômago roncou e ele deu uma meia risada do fundo da garganta antes de se sentar. “Yosh, primeiro banho, depois comida!”, disse para si enquanto se levantava e rebolava para deslizar os shorts pelo quadril, exibindo uma bunda dura e bem desenhada conforme deixava uma pilha de roupa pelo quarto antes de chegar ao chuveiro.
Ele estava... estranhamente bem. Decidiu não surtar sobre as coisas, colocou a cabeça no lugar. Isso era do feitio dele? Claro que não , mas no momento estava conseguindo lidar assim, e estava funcionando. Ele estava sendo racional e pensando sobre algumas coisas apenas o suficiente para não entrar em parafuso.
Lutar era uma boa forma de trabalhar o corpo e lidar com a mente, porque ele conseguia se organizar melhor enquanto estava focado em algo e só analisando as coisas da vida em segundo plano. Bem, a primeira coisa que tinha chegado à conclusão foi: achar alguém bonito era diferente de se sentir atraído, e Naruto só sentia atração por alguns homens, assim como só sentia atração por algumas mulheres.
Obviamente, Neji estava incluído nesta categoria e, até agora, era o único . Perceber isso o acalmou, porque agora tinha ainda mais certeza de que Sakura estava errada. Levou uns dias até criar coragem, mas ele pensou no que ela tinha dito e a resposta clara era que Sasuke era bonito , e ninguém podia negar isso, nem Naruto. Mas ele não estava atraído e muito menos apaixonado por ele. Era como dizer que, só porque sentia atração por mulheres, ele era apaixonado por Tenten, por exemplo.
De fato, a verdade é que Naruto estava com raiva, indignado e pronto para deixar Sasuke para trás, apesar dos esqueletos em seu armário — ou as malditas cartas. Ele deveria jogar aquilo fora agora que tinha superado a falta da amizade do bastardo, mas decidiu deixá-las ali como prova de sua força de espírito. Isso foi o máximo que se permitiu pensar sobre aqueles papéis, e tinha sido o suficiente.
Então ele estava bem. Naruto se esfregou com pressa porque estava com fome enquanto cantarolava sob a água quente, que escorria por seu corpo e relaxava seus músculos doloridos do treino. Ele preferia treinar com alguém além de seus clones, mas estava nevando e sua disposição para sair de casa era mínima.
Naruto fechou o chuveiro e esticou a mão para a toalha, embrulhando-se e tremendo quando colocou os pés para fora do box. Se enxugou rapidamente e fez seu melhor secando o cabelo, antes de pendurá-la novamente. Andou totalmente nu até o quarto e vestiu com pressa um conjunto de moletom vermelho tomate que tinha há anos. Estava alguns bons palmos curtos demais e agarrava sua bunda de um jeito desconfortável, mas ele não se importava, porque era um dos mais quentes.
Calçou as pantufas de sapo que tinha comprado há alguns dias porque achou engraçado e entrou na cozinha, colocando a água para esquentar mecanicamente enquanto abria o armário e pescava uma embalagem de missô lamen, depositando-a sobre a mesa. Então, se sentou no sofá encardido e quase nunca usado para esperar enquanto batucava com os dedos.
Ele estava cansado hoje, mas a noite anterior foi a primeira em que conseguiu dormir sozinho sem ter pesadelos, o que era incrível. Pouco a pouco, retomava sua autonomia e provava para si mesmo e para o mundo que conseguia seguir em frente — sobre sua captura, sobre o fim de seu relacionamento com sua melhor amiga, sobre suas confusões e, por fim e mais importante, sobre Sasuke.
Sem ataques de ansiedade, sem desespero ao imaginar o bastardo indo embora. Claro, saber que ele possivelmente tinha lido uma daquelas cartas fazia Naruto ter vontade de se enfiar em um buraco ou de espremer o cérebro do homem até deixar de ter aquela informação, mas ele só não estava pensando sobre isso e pronto. Águas passadas, a vida segue.
Impaciente, tirou a água antes que começasse a borbulhar e derramou no pote depois de abrir o lacre, fechando-o novamente para aguardar seu lamen ficar pronto. Naruto ia comer, depois ia ver TV por algumas horas e então ia dormir tranquilamente, esse era o plano. Ele estava seguindo o plano, e o plano não tinha erros.
Nada o abalaria. Isso não era uma negação intensa sobre o quanto tudo estava dando errado, não, porque tudo estava muito bem. Ele tinha as rédeas de sua vida e passou por um autoconhecimento incrível, tinha descoberto várias coisas sobre si e estava perfeitamente bem com o fato de ter deixado Sasuke para trás.
Naruto ouviu um bufar de impaciência e ironia vindo de dentro da sua cabeça, mas ignorou aquilo porque Kurama não tinha noção de nada, não importava o que aquela bola de pêlos irritante achava. Sentou-se diante de seu pote de lamen calmamente e quando estendeu a mão para abri-lo salivando, ouviu um estrondo abafado ao longe, alto o suficiente para saber que alguma coisa tinha provavelmente explodido do outro lado da vila. Seu cérebro não precisou de mais do que um segundo para chegar a uma conclusão dolorosa e irada.
“ Merda, Sasuke. ”, murmurou enquanto se levantava.
Como um vulto, ele entrou imediatamente no Modo Kurama e correu, passando a mão em sua bolsa de equipamentos perto da porta e indo em direção ao quarto, onde saiu pela porta da varanda e se jogou sobre os telhados em velocidade ultra sônica sem nem sentir a neve que caía. Levou menos de um segundo para ele estar no Complexo Uchiha, um lugar onde ele pensava que nunca mais visitaria.
Ao longe, viu Sasuke no meio da estrada jogando bolas de fogo contra sete Anbus, que se defenderam com uma parede de terra antes de se dividirem ao redor dele. Sem saber o que estava acontecendo, Naruto apenas se lançou entre Sasuke e os guardas, que hesitaram. Ele lançou um olhar sobre o ombro para o idiota, que com certeza já tinha sentido sua presença antes, portanto não estava surpreso, e fechou a cara.
“Que merda você tá fazendo, seu imbecil? Vai atacar a vila, agora?”, cuspiu Naruto, ainda no meio da cena congelada, as máscaras os encarando sem ninguém se mover.
Sasuke fez cara feia. “ Sua vila é que está me atacando, seu idiota. Agradeça por eu ter me segurado e não matado todos eles.”, respondeu Sasuke em um sussurro assassino, olhando para os homens com ódio estampado no rosto enquanto seu Sharingan rodopiava ao lado do Rinnegan.
Então era isso, ele foi atacado, não o contrário. Sasuke foi atacado pela vila, mesmo depois de tudo, e Naruto... ele estava totalmente fora de si agora. Ainda que tentasse refrear a ira que surgiu em seu coração, ela apenas o tomou, porque ele não admitiria aquilo.
Sasuke era um idiota, mas tinha sofrido e voltado a ser leal a Konoha, ele era um dos melhores Shinobis e se arriscava por aquele lugar fazendo missões extremamente perigosas, ele deixou de lado a história de Itachi e não agiu contra o Conselho, ele era um amigo de merda mas tinha agido o mais justamente possível sobre seus erros e sobre como os pagaria, então isso não devia acontecer. Sasuke era um Shinobi de Konoha, não um desconhecido ou um Nukenin.
Naruto ergueu as sobrancelhas para ele e também se voltou para encarar duramente os guardas. Ele parecia assustador agora, brilhando em amarelo como uma supernova e exalando uma aura de autoridade que exibia raramente, os olhos agora selvagens de um tom profundo de laranja, onde suas pupilas eram verticais e afiadas como se o próprio demônio-raposa os encarasse antes de destroçar suas almas. Ele realmente estava pronto para se entregar aos seus instintos, que diziam para esmagar aqueles homens. Mas ele estava se controlando. Ele não era um assassino.
“Isso é verdade? Quem deu a ordem?”, sua voz tremeu em um rosnado alto entre os dentes para os Anbu distribuídos diante dele.
Ninguém se mexeu ou falou, apenas permaneceram ali, como se não soubessem o que fazer. Naruto conhecia algumas daquelas máscaras de vista, apesar de não conhecer os ninjas por trás delas. Em sua percepção aumentada, ele sentiu a aproximação de Kakashi e por isso esperou, lançando outro olhar de esguelha para Sasuke, checando como ele estava.
A neve que caía tinha salpicado sobre os cabelos cor de piche, e ele tinha um corte leve no antebraço, o que fez seu sangue ferver mais. Ainda assim, Naruto se perguntou como conseguiram chegar perto o suficiente de Sasuke para lhe cortarem o braço. Isso era estranho, porque nenhum ninja era páreo para aquele homem, ainda mais agora que ele tinha os dois braços novamente. Mesmo que fossem sete Anbus, ninjas especiais com habilidades inimagináveis.
O esquadrão pareceu sentir o chakra de Kakashi agora, e eles tentaram recuar, mas aqueles idiotas tinham atacado Sasuke e ele não podia deixar isso para lá, queria entender quem tinha sido o filho da puta que deu aquela ordem, porque ele duvidava que tivesse sido seu ex-sensei. Ele rapidamente criou braços de chakra, que brilharam em laranja no ar como lava quente, e agarrou todos os homens sem dificuldade, contendo-os e se controlando para não os esmagar pelo desaforo de atacarem Sasuke sabendo que ele estava naquela vila para protegê-lo. Não que ele precisasse de proteção, mas ainda assim...
“Naruto, solte-os.”, disse Kakashi categoricamente quando se aproximou.
Ele o encarou irritado e descrente no que ouvia. “Não, eles atacaram Sasuke!”, gritou colérico.
O Hokage o ignorou e olhou em volta para o esquadrão contido. “Vou deixar passar o que aconteceu aqui porque sei que vocês não estão felizes com esse arranjo e ninguém se machucou, mas não admito que desobedeçam minhas ordens. Voltem para os seus postos imediatamente. Se acontecer qualquer coisa assim mais uma vez, vão ser retirados de seus cargos. Solte-os, Naruto.”, comandou firmemente.
Contrafeito e se segurando para não xingar Kakashi, ele fez seus braços de chakra desaparecerem e os guardas não esperaram um segundo para sumirem de vista. Naruto então saiu do Modo Kurama e foi direto para Sasuke com as narinas dilatadas de cólera.
“Que porra foi essa? O que foi que aconteceu?”, perguntou em um rosnado.
Naruto parecia verdadeiramente irritado, mas o que chamou a atenção de Sasuke é que ele vestia a roupa mais ridícula que já tinha visto — um conjunto de abrigo vermelho claramente pequeno demais para ele e pantufas verdes de... sapo ? E aquele homem seria o futuro Hokage, era quase uma piada.
Porém, isso não fazia diferença contra a postura inflada que ele exibia e os olhos que faiscavam perturbadoramente de maneira determinada e até estranhamente territorialista. Ali estava Naruto Uzumaki, o homem que o caçou por quase quatro anos e provavelmente faria isso por mais cinquenta se precisasse, mesmo com raiva, mesmo depois de tudo que Sasuke tinha feito para quebrar seus laços, mesmo depois do tanto que o tinha machucado.
Era com aquele Naruto que ele não sabia lidar, porque ele era estúpido e colocava coisas e pessoas que não valiam a pena na frente de si, mesmo que tivesse que se foder para isso, que precisasse quebrar todos os ossos, perder a sanidade ou até mesmo morrer , como ele mesmo tinha dito uma vez.
E mesmo sem o Modo Kurama, ele ainda exalava sem dificuldade uma energia que envolveu Sasuke opressivamente, seu próprio chakra sendo invadido pelo de Naruto, que estava claramente agitado e alterado, mas que ainda assim era tão familiar quanto o seu próprio. E isso era demais para ele lidar, aquela energia que quase se mesclava com a sua como se tivessem a mesma essência e pudessem se tornar uma a qualquer momento.
Sasuke preferiu não responder e se virou para Kakashi, que ia ao encontro deles no momento. Não tinha condições de falar com Naruto agora e, sinceramente, preferia que ele nem estivesse ali.
Não gostou do que sentiu quando captou o chakra dele ao longe, aquela sensação de contentamento meio morna na boca do estômago, e nem do que sentia agora com aquele mesmo chakra correndo ao seu redor, o calor e a luz de Naruto flutuando até seu ser e o esmagando para ganhar espaço, como se houvesse alguma forma de o infestar até o fundo de sua alma quebrada.
Era disso que estava falando quando dizia que aquele homem o invadia de uma maneira estranha e o modificava, e ele não queria aquilo, aquela sensação de invasão ou de alguma coisa quente e engarrafada que não sabia como chamar, mas que odiava.
“Sasuke, se importa de nós conversarmos lá dentro?”, pediu Kakashi quando estava perto o suficiente, o que ajudou sua mente a desviar do idiota diante dele.
Com um aceno duro, se virou, caminhando pela estrada até a mansão. Dava para ouvir os passos abafados dos dois atrás dele e sentir a neve sob seus pés quase congelados. Ao colocá-los para dentro, continuou fazendo o possível para não olhar para Naruto. Os dois o seguiram para a cozinha, onde Sasuke ocupou as mãos colocando água para ferver na chaleira de metal. Em seguida, encostou-se no balcão com os braços cruzados sob o peito e encarou Kakashi, esperando.
“Você já encontrou os documentos que queria?”, perguntou o Hokage.
Ele ergueu as sobrancelhas. “Tsc. Seus guardas me atacam e é isso que você tem para me perguntar?”, seus olhos se estreitaram com desgosto.
Kakashi devolveu o olhar. “Sim, porque preciso te enviar para longe o mais rápido possível. O Conselho aparentemente descobriu que Naruto não estava mais aqui e com certeza deram a ordem do ataque, assim teriam um motivo para te prender. Não haveriam testemunhas se Naruto não tivesse aparecido e eles teriam te pressionado até você reagir de forma agressiva.”, explicou calmamente.
Sasuke não se surpreendeu, porque já esperava por alguma coisa assim há qualquer momento desde que tinha colocado os pés naquele lugar. Tinha demorado até demais.
Porém, pela visão periférica, Sasuke viu Naruto arregalar os olhos antes de se levantar em um átimo com expressão irada novamente. “ O quê ? Foi por isso que você pediu para eu voltar? Porque não me falou?”, ele perguntou para o Hokage alarmado, o chakra ainda meio descontrolado. Sasuke se perguntou se Kakashi também estava sentindo aquilo.
De qualquer forma, não sabia que o ex-professor tinha pedido para Naruto voltar para lá e isso o irritou, porque não precisava de ninguém para se defender, nem de uma babá, ainda mais se fosse Naruto. Entretanto, preferiu não dizer nada. Não importava de qualquer forma, afinal, o idiota claramente não tinha aceitado, o que era ótimo e Sasuke iria dar o fora dali em breve.
Kakashi deu um suspiro e apoiou a testa na mão antes de lançar um olhar para Naruto. “Porque não podia expor essa situação para ninguém. Além disso, você é imprudente, não queria correr o risco de você fazer alguma coisa idiota quando soubesse dessa possibilidade, eu sou o Hokage, não posso correr riscos.”
Sasuke prosseguiu como se Naruto não tivesse dito nada. “Eu ainda não consegui achar os documentos, estava procurando quando me atacaram. Falta só mais um lugar.”, disse enquanto se virava e pegava saquinhos de chá na gaveta.
Então ele tirou uma xícara do armário superior e as outras duas que estavam no escorredor, alinhando-as e colocando os saquinhos dentro. A xícara laranja era a única com erva cidreira porque era um dos poucos que Naruto tomava. E Sasuke, aparentemente, era um bom anfitrião.
“E se não estiverem lá?”, perguntou Kakashi em suas costas.
“Então eu procuro no templo, é meu último recurso. Mas não havia nenhum documento ali quando visitei o lugar da última vez. Se não estiver lá, desisto, porque não sei onde mais procurar.”, murmurou Sasuke contrafeito.
Aquelas porcarias de documentos estavam custando caro demais, sua sanidade estava por um fio e ele mal podia esperar para dar o fora daquela vila e ficar longe de Naruto e das confusões que ele provocava em Sasuke. Talvez aqueles papéis nem existissem mais, havia a possibilidade de Itachi ter dado um fim naquilo ou escondido em algum lugar que ele jamais descobriria onde.
Ele foi até o fogão e pegou a água, despejando nas canecas com cuidado. O calor próximo que emanava da chaleira fez o corte em seu antebraço doer, então ele a afastou ainda mais com uma carranca.
“Em quantos dias você acha que consegue se organizar?”, perguntou o Hokage.
Sasuke pegou a xícara branca e lhe entregou, depois passou a laranja para Naruto sem encarar seus olhos e pegou a azul marinho para si, voltando a se encostar no balcão displicentemente. Ele levou o chá diante dos lábios para soprá-lo antes de responder.
“Não sei, dois ou três dias.”, murmurou. Talvez fosse mais sensato ele desistir de entrar naquele dojô, de qualquer forma.
Kakashi assentiu e bebeu de sua xícara antes de colocá-la na mesa. “Tudo bem, vou recrutar um time para te escoltar para fora com uma missão como pretexto. Infelizmente há o risco deles enviarem guardas se você sair sozinho, e se acontecer uma luta vamos ter problemas, porque não teremos testemunhas para provar que você foi atacado, sua palavra seria desacreditada contra o Esquadrão Anbu. Se acontecer uma luta, sua escolta vai lutar no seu lugar, entendeu? É o jeito mais fácil de evitarmos problemas e equívocos nos relatórios.”
“E qual vai ser a missão que vamos receber?”, perguntou Naruto com seriedade nunca vista, fazendo Sasuke olhar em sua direção pela primeira vez.
“Como assim ‘ vamos receber’? Você não vai comigo.”, sibilou ele quase abrindo um buraco no outro com os olhos incisivos.
Naruto o encarou de volta com a mesma determinação. “Na verdade, eu vou. Se Kakashi me pediu para voltar antes, isso significa que o Conselho provavelmente não atacará se estivermos juntos, não pensa que eu tô indo por vontade própria. Infelizmente você precisa de mim, Sasuke .”, ele pronunciou seu nome como se o desafiasse, o azul cobalto perfurando o ônix.
“Sim. E também vou recrutar Neji ou Hinata, eles podem ver há quilômetros de distância e avisar caso haja alguma emboscada. E Shikamaru, para caso aconteça algum imprevisto. Ainda não sei qual missão será, vou estudar isso. Uma que te leve para longe para que eles sejam despistados. E, por enquanto, vou jogar com o Conselho, não posso me dar o luxo de fazê-los ficar contra mim. Por isso fiz parecer que eu acreditava que era apenas um motim dos Anbus, quando cheguei. Felizmente, os guardas que estavam te vigiando são de minha confiança, e conseguiram me avisar o mais rápido possível quando sentiu os outros vindo.”, disse ele, bebendo o resto do chá e se levantando enquanto expirava. “Pois bem, é isso. Obrigado pelo chá, Sasuke. Me procure assim que estiver pronto. Naruto-”
“Eu sei.”, respondeu o homem sombriamente.
Sasuke reprimiu um suspiro. É claro que Naruto ia ter que ficar ali, porque ele tinha algum tipo de karma para pagar com aquele idiota. Kakashi concordou com a cabeça enquanto levantava e saia com um aceno curto, deixando-os; Sasuke nem se incomodou de levá-lo à saida. Naruto ainda parecia o ser humano denso e caótico que ele viu lá fora e o clima pesou ainda mais quando ouviram a porta da frente se fechar.
Ainda ignorando Naruto, pegou as xícaras vazias sobre a mesa e se ocupou em lavá-las devagar, depois as voltou para o escorredor e guardou a branca no armário. Ele já tinha terminado quando ouviu o estômago do homem roncando atrás dele, o que fez Sasuke lançar um olhar sobre o ombro com uma sobrancelha erguida.
Naruto, finalmente voltando ao normal, corou em vermelho e desviou o olhar, colocando-se de pé e indo em direção à porta da cozinha rigidamente. Estava óbvio que ele ainda não tinha jantado, assim como Sasuke. Debatendo internamente consigo mesmo enquanto observava Naruto se afastar, quase se deu um soco quando cedeu para o lado errado e sua boca falou sem sua permissão.
“Oi, idiota, aonde você vai? Agora que você tem os dois braços, consegue picar uma cebola.”, ele resmungou mal humorado.
Naruto parou um momento na porta de costas para ele antes de se virar lentamente. Viu aqueles olhos azuis o encarando, turbulentos como o mais profundo oceano, cheio de coisas não ditas e da mais profunda raiva e mágoa. Porém, a mínima sugestão de um sorriso que Naruto claramente tentou reprimir surgiu nos cantos de seus lábios, como se não conseguisse se impedir de quebrar um pouco. Sasuke apenas se virou para a bancada e escondeu sob a franja o rubor que subiu até suas orelhas sem permissão. Deus, como isso é ridículo .
Notes:
Gente, eu sei que tenho demorado um mês pra postar cada capítulo e sabem que estou com dificuldade de voltar a escrever. Dito isso, tenho uma pergunta: vocês preferem que eu poste uma vez por semana os próximos capítulos já escritos, sabendo da possibilidade de ter um hiato meio longo quando acabarem?
Não sei se fui clara, mas é o seguinte. Eu tenho 37 capítulos escritos até agora, e tá muito difícil prosseguir na história (por causa da escrita, o roteiro já foi feito). Vocês preferem que eu comece a postar um por semana, sabendo que ao chegar no 37, provavelmente vai acontecer uma pausa longa até eu conseguir escrever o próximo e postar?Me deixem saber o que vocês preferem. Uma excelente semana a todos!
Chapter 29
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Naruto fez tudo no mais completo silêncio, o que era algo novo para Sasuke — não a parte do silêncio, mas a parte em que aquele silêncio vinha de Naruto depois de dias tagarelando antes de ir embora. Mas claro, era o esperado, porque o idiota estava com raiva, e provavelmente ficaria pelo resto de sua vida; afinal, segundo ele, Sasuke tinha estragado seu relacionamento com Sakura, o amor de sua vida, a mulher de seus sonhos desde sua infância solitária, blá-blá-blá.
Porque para Naruto, tudo sempre era culpa de Sasuke desde que ele tinha ido embora daquela vila de merda — ambas sua ausência e sua presença eram erradas, e aquele idiota era o ser humano mais caótico, sem sentido e imprevisível que existia em qualquer aspecto. Não adiantava tentar encontrar um padrão ou qualquer linha de raciocínio lógica nas coisas que vinham dele.
Era, de fato, muito cansativo e agora que Naruto estava de volta, o desejo de Sasuke era que ele fosse embora novamente. Talvez a insensatez do idiota fosse contagiosa, afinal, e no fim daquela noite o resto de sua sanidade finalmente teria desaparecido no ar gelado do Complexo e ele, enfim, queimaria tudo e sairia correndo em um surto que há muito estava sendo protelado.
Seus devaneios foram interrompidos quando ouviu um silvo atrás dele e viu que Naruto tinha se cortado. Sasuke ignorou aquilo, sabendo que o dobe estaria curado antes que se passassem dez minutos, provavelmente.
Entretanto, a visão do sangue pingando na bancada fez um flash de memória piscar em seu cérebro e o “toc-toc-toc” ritmado dos legumes de Sasuke sendo cortados sob a tábua de madeira pararam repentinamente. Ele engoliu seco e fechou os olhos por um segundo enquanto respirava fundo e colocava a cabeça no lugar — sabia bem como se acalmar, porque aqueles flashes aconteceram por um tempo durante sua infância quando ele via sangue, e ele rapidamente aprendeu a se concentrar e não se deixar girar junto com as memórias catastróficas. Ainda assim, fazia muitos anos que aquilo não acontecia, e isso o deixou desconfortável e surpreso.
“Eu tô bem.”, murmurou Naruto contrafeito enquanto enfiava a mão na corrente de água da torneira, interpretando errado o motivo que fez o outro congelar.
Sasuke, ao lado da pia, assistiu o vermelho se dissolver e tingir a água em um rosa claro transparente enquanto descia ralo abaixo, e suas narinas se dilataram quando mais um fragmento do seu passado fez sua cabeça rodar e a memória fresca do cheiro de sangue, metálico e vívido, veio até seu nariz. A faca caiu sobre a tábua com estrépito quando ele a soltou, virando-se de costas para Naruto assim que os olhos azuis pousaram sobre ele. Sem explicar, Sasuke atravessou a cozinha com o olhar pregado no chão, tentando se focar novamente na realidade e não sucumbir à torrente de imagens incompletas e sensações que o invadiram.
“O que foi?”, indagou Naruto em tom irritadiço, como se estivesse sendo obrigado a perguntar.
Ele não se virou, apenas parou na soleira da porta. “Nada, eu já volto.”, murmurou com a voz rouca antes de sair e atravessar o corredor para subir as escadas.
Sasuke se viu seguindo uma das linhas do chão de madeira enquanto entrava no banheiro principal do andar de cima e fechava a porta. Olhou em volta para os azulejos brancos que refletiam na luz do cômodo e subiu a mão para pinçar a pele entre as sobrancelhas com a cefaléia que fisgou ali. As imagens ainda dançavam piscando em seu cérebro, tentando puxá-lo para o esquecimento das merdas soterradas em seu passado.
Soltando o ar devagar, ele buscou ignorar a sensação de estar lentamente se distanciando do próprio corpo e de perder o controle, se despindo devagar e abrindo o chuveiro antes de sentar na banheira sob o jato de água e abraçar os próprios joelhos contra o peito. A água gélida caiu contra seu corpo fazendo-o tremer descontroladamente, mas dando-lhe alguma sensação para se focar e se impedir de sair de vez do presente.
Ele estava só estressado. Foi um dia estressante, uma semana estressante, dois meses de puro estresse onde ele precisou cuidar de alguém, cavucar seu passado doloroso, voltar para sua casa de infância, lidar com Naruto, e hoje, entrar no local onde todos os seus traumas tinham acontecido, sendo em seguida atacado pelo Esquadrão de Anbus.
Enquanto lutava para se agarrar à sensação da própria pele congelando e tremendo, Sasuke se amaldiçoou por ter pensado ser forte o suficiente para voltar naquele dojô. Se amaldiçoou por, com isso, ter desenterrado aqueles episódios estranhos de lapsos e pedaços de passado piscando diante de seus olhos e o fazendo desprender do próprio corpo e da realidade para voltar no tempo. E principalmente, se amaldiçoou de sequer ter retornado àquela vila em primeiro lugar.
Mas aquela era só mais uma situação que fazia parte do karma de Sasuke e o ajudava a redimir uma ínfima parte dos pecados que tinha cometido. Quando ele decidiu voltar para Konoha com Naruto, determinou que toda a dor e desconforto que sentisse seriam aguentados, porque faziam parte da gama de coisas que expurgavam seu passado maldito. E eram consequência de suas escolhas durante sua trajetória de Ódio. Ele desencadeou tudo aquilo, então ele aguentaria.
Ele tinha terminado de picar todas as coisas que estavam na bacia que Sasuke tinha lhe dado, e o corte em sua mão já tinha quase desaparecido. Naruto bufou para si na cozinha vazia se censurando por estar tão distraído e afetado pela presença dele. Só conseguiu fazer tudo direito quando o bastardo subiu e ligou o chuveiro há bons vinte minutos e, ainda assim, Naruto se viu imaginando coisas demais enquanto cortava o resto das cebolas — por exemplo, como a cor das bochechas de Sasuke pareceram ter sumido quando ele encarou sua mão machucada sob a água fria como se estivesse preocupado, ou como a voz dele estava fraca quando disse que voltaria logo.
Ou em como ele tinha escolhido um momento muito aleatório para tomar banho, sendo que já tinha começado a cozinhar, ou no quanto era estranha sua demora, porque Sasuke não levava mais do que dez minutos até sair do chuveiro e se trocar. Naruto batucou na mesa com os dedos e se recostou na poltrona verde-musgo, soltando o ar impacientemente. Talvez devesse começar sem Sasuke, mas ali haviam vários problemas.
Primeiro, não fazia ideia do que o idiota ia cozinhar e segundo, não sabia fazer nada além do frango que Sakura tinha lhe ensinado há quase um ano, e quando tentou, tinha ficado no máximo comestível. Seu pé começou a bater no mesmo ritmo de seus dedos e ele jogou a cabeça para trás, olhando para o teto em um biquinho carrancudo enquanto pensava no lamen frio que o esperava em casa. Ele teria que voltar lá logo para jogar aquilo fora e arrumar suas coisas para a longa missão que faria escoltando Sasuke.
Naruto desviou o olhar para o relógio novamente, que lhe informou que o idiota estava tomando banho há quase meia hora e suas sobrancelhas se juntaram em confusão. Completamente contrafeito e com fome, se levantou e subiu as escadas, parando diante da porta do banheiro onde Sasuke estava, apenas para ficar ali sem saber o que fazer. Ele apurou os ouvidos, mas não escutou nenhum movimento atrás da porta, apenas o som da água caindo.
Naruto levou os nós dos dedos para a madeira e bateu de leve. “Sasuke? Tá tudo bem?”, perguntou alto o suficiente para o outro ouvir, mas não houve resposta.
As sobrancelhas loiras se ergueram e logo se juntaram novamente, quando a sensação de que alguma coisa estava errada surgiu na boca de seu estômago. Sasuke estava ferido, e se houvesse algum jutsu desconhecido na lâmina do Anbu que o cortou? E se Sasuke não estivesse bem?
“Sasuke?”, ele perguntou novamente, agora mais alto, batendo novamente. Nada. “Ei, eu vou entrar, ok?”, disse e esperou, mas ainda não recebeu resposta.
Ele girou a maçaneta e felizmente a porta não estava trancada. Então colocou a cabeça para dentro e olhou ao redor, ficando imediatamente chocado com o que viu. Sasuke estava sentado na banheira, encolhido sob a água que caia, tremendo de frio com os lábios azuis. O cabelo negro grudava na testa enquanto ele encarava o nada sem piscar, abraçado aos próprios joelhos. Mas o que o surpreendeu mais, foi o Sharingan ativado.
Naruto rapidamente entrou no cômodo com o coração acelerado e se ajoelhou ao lado da banheira, estendendo o braço para tocar o ombro de Sasuke, que deu um meio-pulo e o encarou com seus olhos díspares, onde um rodopiava em vermelho e o outro brilhava em roxo com seis tomoes distribuídas entre as linhas circulares.
E então Naruto de repente se viu em um quarto sem luz, onde um homem e uma mulher jaziam diante de si com as cabeças cortadas, o sangue no chão de madeira escorrendo em seu rumo, ganhando espaço entre as tábuas como uma piscina negra que facilmente o engoliria em seu medo, os olhos abertos e vítreos com o eco da morte em suas pupilas enquanto o mais profundo desespero ardia em suas entranhas no maior pavor que ele já tinha sentido na vida.
Quando olhou para cima, foi para dar de cara com a sombra de um homem, cujas mechas negras de cabelo emolduravam seu rosto coberto pela escuridão e a única coisa realmente visível era um Sharingan de aparência macabra que brilhava em um olhar lunático, o vermelho do doujutsu se destacando nas sombras do cômodo.
E então, quando aqueles olhos encontraram os seus e o homem lentamente deu um passo para frente, permitindo que a pouca luz da lua banhasse parte de sua silhueta, Naruto sentiu o medo mais profundo o invadir, porque ele seria morto, ele seria decapitado como tou-san e kaa-san, ele, em seus sete anos, seria morto pela pessoa que ele mais amava e admirava no mundo como o resto de seu clã foi...
Aquela visão durou um milésimo de segundo — o tempo que levou para Kurama enviar seu chakra pelo corpo de Naruto e quebrar o genjutsu. Entretanto, foi o suficiente para ele cair de bunda no chão buscando por ar enquanto sentia em seu coração as coisas mais sombrias que já poderia ter sentido na vida.
Naruto levou um momento para voltar a focar em Sasuke, que ainda encarava o vazio com o doujutsu ativado e tremia descontroladamente sob a água, os lábios batendo um contra o outro. Com alguma dificuldade, Naruto levantou e fechou o chuveiro antes de voltar a desabar contra o chão ao lado da banheira e, sem pensar em mais nada, puxar Sasuke sob a borda para um abraço que o ensopou e o fez tremer também.
Porque ele conhecia aquela história muito bem, lhe foi contada algumas vezes. Entretanto, nunca tinha sequer imaginado aquilo que viu e sentiu na pele de Sasuke durante aquele milésimo, todo o medo, a dor, toda aquele peso de coisas horríveis prensadas dentro dele como se não importasse se seu coração aguentaria. E Naruto tinha certeza que não, ele não aguentaria. No lugar de Sasuke, jamais teria conseguido suportar e passar por aquilo, nunca, nem em um milhão de anos.
Naquele momento nada mais importava, porque por muito tempo Naruto acreditou que conhecia a dor daquele homem; por anos, acreditou que sua história era similar a de Sasuke. Mas isso estava longe de ser verdade, porque aquilo ali era muito, muito pior. Era cruel, bárbaro e desumano. Naruto não viu os pais e as pessoas que amava sendo mortos pelo irmão que admirava.
E aquela tinha sido apenas uma pequena parte da cena e da vida que Sasuke teve que suportar sozinho. E Naruto, em sua ingenuidade, acreditava que a perspectiva que teve ao ouvir sobre a chacina tinha sido o suficiente para entender todos os sentimentos envolvidos naquele episódio.
Ele apertou Sasuke contra parte de seu corpo apesar da banheira entre eles e escondeu o rosto em seu pescoço, conforme deixava as lágrimas escorrerem e percorria os dedos pelo cabelo encharcado. O arrependimento de deixá-lo ali sozinho naquela casa o atingiu — não importava se eles tinham brigado, não importava se ele tinha lido a carta, não importava os dois anos que ele passou fora. Não importava. Porque Naruto tinha jurado para si mesmo e para Sasuke que não o abandonaria, mas tinha deixado sua mágoa passar por cima de tudo, deixado seus sentimentos amargos comandarem suas ações.
E só pensar sobre isso era humilhante porque Naruto estava longe de estar sozinho ou de ter sido abandonado de fato. Perto de tudo que Sasuke passou, se sentir desse jeito era quase ridículo, porque aquele homem aguentou uma vida inteira de solidão e desamparo, toda aquela merda horrível, e ainda assim estava ali naquela casa, naquela vila...
Naruto podia sentir o próprio coração explodindo na caixa torácica enquanto o homem tremia de frio e desespero em seus braços. Isso só o fez apertá-lo mais contra si.
“S-Sasuke, volta, eu tô aqui, por f-favor.”, pediu entrecortadamente enquanto o esmagava, mas ele não pareceu reagir. Naruto então se afastou para pegar o rosto magro entre as mãos e encarou seus olhos ainda vidrados e coloridos. “Sasuke!”, falou mais alto, juntando suas testas com força. “SASUKE!”
Naruto ouviu ele engasgar de leve e quando o encarou, percebeu que seu doujutsu tinha sumido, exibindo agora um olho negro cheio de pavor e confusão, os olhos da criança de sete anos que tinha acabado de ver os pais mortos. Voltando a abraçá-lo com firmeza, finalmente sentiu as mãos magras e trêmulas subirem para agarrar o tecido em suas costas fracamente.
Ele se viu obrigado a soltar Sasuke quando percebeu o frio entre eles aumentando e seu cérebro raciocinou sobre a possibilidade do homem sofrer uma hipotermia — afinal, a noite já tinha caído e estava nevando profusamente lá fora, além dele ter ficado embaixo da água congelante por pelo menos meia hora.
Naruto se soltou dele com dificuldade enquanto murmurava palavras para acalmá-lo e pegou a toalha caprichosamente pendurada na barra ao lado, puxando Sasuke para cima pelo cotovelo com cuidado para ele não escorregar e o envolvendo com ela. O ajudou a sair da tina e o colocou sentado na banqueta que tinha ao lado da banheira.
“Ei, espera um minuto, tá bom? Eu... Eu vou pegar uma roupa quente pra você.”, murmurou Naruto delicadamente, olhando dentro dos olhos assustados de Sasuke.
Ele ainda parecia frágil e atordoado, mas assentiu enquanto tremia e encarou o próprio colo em seguida. Com medo de deixá-lo sozinho por muito tempo, voou para a suíte, onde Sasuke guardava as próprias roupas. Naruto nem percebeu que a gaveta onde suas coisas ficavam anteriormente ainda estava vazia. Remexendo na cômoda, puxou uma cueca, um conjunto branco de moletons e meias quentes antes de voltar para o banheiro.
Sasuke parecia ter se recuperado um pouco, pois tinha se secado e estava de pé, enrolado na toalha felpuda. Seu rosto, mais pálido que o normal, corou quando seus olhos se cruzaram, e o homem desviou o olhar.
“Ei, aqui. Vou, hã, esperar lá fora.”, disse Naruto, preocupado. Sasuke apenas assentiu para o chão e pegou as roupas que lhe foram estendidas.
Ele saiu e fechou a porta atrás de si, encostando-se na parede diante do banheiro e aguardando. Sasuke apareceu cinco minutos depois em uma imitação muito boa de estar completamente composto em sua máscara de estoicidade como se nada tivesse acontecido, mas Naruto não se deixou enganar. Não depois do que tinha visto.
Apesar da indiferença e do ar de distanciamento que o homem demonstrava, ele se aproximou e o abraçou sentindo-se... sangrando por dentro. Quebrado. Naruto estava totalmente quebrado depois do que vivenciou naquele um milésimo de desespero que pareceu durar uma eternidade. Quando seu corpo colidiu com o dele, percebeu que o homem ainda tremia um pouco e estava gelado.
“Naruto-”, começou Sasuke, mas foi cortado imediatamente.
“Cala a boca, teme. Eu vi aquela merda. Só cala a boca.”, ele murmurou contra o pescoço de alabastro sombriamente enquanto sentia os olhos queimando.
Sasuke não respondeu e não o afastou, mas também não o abraçou de volta. Entretanto, quando ele falou, foi em um tom mais ameno. “Você está me molhando de novo. Devia colocar uma das minhas roupas antes de descer.”, murmurou.
Naruto o soltou e então percebeu que boa parte de sua blusa vermelho-tomate ainda estava molhada. Ele coçou a nuca, sem graça, e tentou sorrir um pouco. “Hã, ok, eu... me desculpe.”
O outro apenas assentiu minimamente e virou as costas, caminhando pelo corredor. “Vou fazer o jantar.”, avisou em outro murmúrio antes de descer.
A sopa já borbulhava com todos os legumes dentro quando Sasuke ouviu os passos abafados na escada e sentiu seu rosto mais uma vez corar apesar do frio que ainda não tinha o deixado. Ele não se virou, porque não precisava se humilhar ainda mais diante de Naruto. E Sasuke também ainda não tinha entendido o que ele quis dizer com “eu vi aquela merda”, e sabia que ia se arrepender quando descobrisse, então não perguntou.
Enquanto lavava as facas e tábuas o mais lentamente possível, ouviu Naruto entrar na cozinha e se sentar atrás dele. Quando colocou tudo no escorredor, parou diante do fogão, desligou o fogo e ficou encarando a panela para fugir do olhar de Naruto.
“Sasuke.”, chamou o idiota.
“Hn.”, ele se forçou a resmungar na tentativa de recuperar um pouco de dignidade.
“Eu sinto muito por ter ido embora.”, disse Naruto com uma suavidade que ardeu em seus ouvidos. Aquilo tudo era tão ridículo, ele nunca se sentiu tão exposto antes, tão frágil. E ele não era frágil. Ninguém deveria ter visto aquela cena patética, muito menos Naruto.
Sasuke se virou para ele com raiva enquanto sentia a cabeça doer novamente. “Não, você não sente, e nem deveria. O que eu disse da última vez permanece, não interessa o que você decidiu agora — não somos nem nunca fomos amigos, você estava mais do que certo. E assim que a missão acabar, cada um segue a própria vida, como foi resolvido. Aquela foi a conversa mais lúcida que tivemos até agora, se não percebeu, porque só atrapalhamos um ao outro. Eu não preciso de você e você não precisa de mim, vamos manter desse jeito. O que aconteceu agora não significa nada. O que você viu não significa nada. Esqueça isso.”, disse duramente com raiva de si e do outro.
Naruto parecia chocado e magoado, o que doeu, mas Sasuke não se importou — porque assim que saísse de Konoha e se livrasse dele, voltaria a ficar sozinho como deveria ser e nunca mais poria os pés ali. E voltaria a ser responsável apenas pelas próprias merdas, o que era o mais importante. Além de parar de se importar tanto sobre como Naruto se sentia, porque não seria seu problema ou sua responsabilidade.
Sasuke assistiu novamente aqueles olhos claros e quentes esfriarem e escurecerem e a expressão de Naruto se fechou. Ele tentou ignorar o quanto a mudança naquele olhar parecia cravar uma faca em seu peito, porque era assim que tinha que ser e pronto. Ele precisava ir embora e Naruto tinha que ficar longe dele.
“Quando cheguei no banheiro você estava com o Sharingan ativado, e quando olhou nos meus olhos, projetou o que estava vendo para mim por um momento antes de Kurama me tirar de lá. Eu vi e senti o que você estava revivendo durante aquele milésimo, Sasuke. Você não pode mais dizer que eu não entendo sua dor ou que não sei quem você é, porque eu vi você e vi seus sentimentos.”, disse ele com os olhos azuis cheios de sombras.
Ele levou um segundo para assimilar o que ouviu e, de repente, algo dentro de Sasuke pareceu finalmente romper, porque era pior do que ele imaginava. Ninguém tinha o direito de saber daquilo além dele próprio, aquela era uma parte de sua vida que jamais deveria ser compartilhada ou vista por outros. A sensação de ter sido invadido era imensa.
Ele se aproximou da mesa e a socou com os dois punhos em um acesso de raiva que não tinha há muito tempo. “Foda-se, você está errado! Não importa se você viu meu passado ou uma parte do que aconteceu, ainda não significa nada! Eu não sou um pobre coitado que precisa de afeto porque ficou sozinho no mundo, eu escolhi essa vida e superei essa história, ela não me define mais! A única coisa que me fez reviver aquilo foi o fato de eu ter tentado entrar naquele dojô mais cedo, mas assim que eu der o fora daqui isso nunca mais vai acontecer. Se você acha que precisa estar do meu lado porque me viu em um raro momento de fragilidade, está enganado, Naruto. Eu não preciso de pessoas à minha volta e gosto de estar sozinho. Sakura me irrita, Kakashi me irrita e você me irrita, vocês são todos irritantes e insistem em se meter onde não são chamados! Você nunca teria sido capturado se Kakashi não tivesse decidido te colocar meses antes em uma missão contra pessoas que estavam atrás de mim e que eu estava conseguindo lidar muito bem sem a ajuda de vocês, que só atrapalharam. Eu nunca pedi a ajuda dele, nem sua, nem de Tsunade ou de Sakura. Eu nunca pedi a ajuda de ninguém, porque não preciso! E nem naquele banheiro eu precisava. Se você não tivesse se metido, não teria visto aquela merda e achado que sou novamente sua donzela em perigo. Não preciso da sua salvação ou da sua compreensão, eu não sou um mártir incompreendido! Eu não sou a pessoa que você pensa que eu sou, e estou cansado de você colocar expectativas em cima de mim! Estou cansado de você pensar que eu voltei porque me tornei bom! Eu não voltei para ajudar pessoas ou salvar o mundo ao seu lado, futuro Hokage, eu voltei pelo motivo mais egoísta que existe — voltei para poder continuar vivendo e conseguir lidar com os meus próprios julgamentos! E você até hoje insiste em arrumar desculpas esfarrapadas pelas merdas que eu fiz, porque é um idiota, você não vê o quanto está sendo completamente imbecil? Que não sirvo para ser seu amigo, que nunca vou suprir suas expectativas, que eu nunca fui a pessoa que você enxergava? Tudo que eu fiz, fiz porque quis fazer! Eu quis ir embora com Orochimaru, quis matar meu irmão, quis te matar um milhão de vezes e teria feito se você não tivesse vencido nossa última luta, quis matar Sakura e Kakashi, e quis destruir Konoha! E eu quis sair daqui, deixar tudo para trás, inclusive você! Sabe por quê? Porque você sempre vem com todas essas esperanças para cima de mim e eu não sou obrigado e nem quero suprir toda essa merda, eu não sou seu amigo, eu nunca me esforcei para ser seu amigo e eu quero você o mais longe possível! Pare de ficar atrás de mim, eu não tenho nada a ver com você e nem nunca tive, você fez parte do meu time como qualquer outro teria feito, Naruto! Você, Sakura e Kakashi não foram minha família, minha família está morta e eu estou bem com isso, porque não posso mudar o passado. Eu li a carta que você escreveu no meu aniversário no dia em que fui pegar suas roupas e torno a repetir que você estava certo em tudo que disse. Eu escolhi tudo isso! Eu sou egoísta! E você continua tentando fazer eu ser a pessoa que você imaginou, continua buscando em mim uma coisa que eu nunca te ofereci! Pare de me colocar em um lugar onde eu nunca poderia pertencer, eu não pertenço ao mundo que você quer me colocar, eu escolhi meu próprio mundo, meu próprio destino e a mim mesmo, mais nada nem ninguém, não escolhi você, não escolhi meu antigo time ou essa vila desgraçada! Faça a missão para me levar para fora porque é seu dever como Shinobi e pronto, esqueça que eu existo e me deixe em paz, conserte a porra do seu relacionamento com Sakura e encontre o melhor amigo que você quer em outra pessoa, não em mim, porque eu não quero isso. Só pare de se meter no meu caminho!”, gritou ele transtornado antes de sair da cozinha e subir as escadas em em um átimo para se trancar no quarto.
Sasuke não ouviu mais nada o resto da noite — nem o barulho de louça, nem passos no corredor, nem o ruído de uma porta. Quando finalmente se acalmou, lutou contra a voz em sua cabeça que implorava para ele ir atrás de Naruto e se humilhar pelas desculpas que não merecia receber. E ele venceu, apesar de nunca ter se arrependido tanto na vida.
“Bastardo de merda, idiota e egoísta!”, berrou Naruto enquanto chutava a árvore diante dele e a fazia voar vários metros. “Luta comigo!”, comandou em um rosnado olhando para trás com os olhos afiados.
Neji ergueu uma sobrancelha bem desenhada e suspirou pesadamente. “Você devia pelo menos colocar a blusa de volta, vai acabar ficando doente.”, disse o homem enquanto descia os olhos pelo torso nu de Naruto.
Mas ele não ouviu, e sequer sentia a neve caindo sob seu peito descoberto e derretendo em sua pele assim que a tocava. No dia seguinte eles sairiam na missão para escoltar Sasuke para fora de Konoha e o imbecil não tinha saído do quarto até agora. Naruto tinha passado em casa e pegado suas coisas há uma hora; então, com toda a raiva do mundo enfiada goela abaixo desde a noite retrasada, decidiu ir até a casa de Neji.
O amigo sequer precisou da explicação de qualquer coisa ao colocar os olhos em Naruto — apenas juntou os lábios grossos em uma linha de entendimento e balançou a cabeça em resignação, fechando o portão atrás de si e caminhando ao seu lado. Eles voltaram para a Mansão Uchiha, já que Naruto não podia se afastar por muito tempo no caso de acontecer algum ataque, e Neji já estava a par disso através de Kakashi.
Os dois acabaram no quintal da casa, onde Naruto ficou em silêncio por bons vinte minutos antes de se levantar, tirar a blusa e começar a lutar com um de seus clones. Neji apenas assistiu em silêncio até o clone desaparecer e o homem chutar a árvore e xingar a plenos pulmões — indiferente se Sasuke ouviria ou não — antes de pedir para Neji treinar com ele.
“Neji, luta comigo!”, rosnou novamente entre os dentes enquanto se abaixava para pular no homem, ignorando o que ele tinha dito.
O amigo deu seu melhor sorriso arrogante e em um segundo estava diante de Naruto, atacando com suas técnicas de Punho Gentil. Ele desviou da maioria e revidou com uma rasteira, mas Neji já atacava alguns pontos de pressão em seu braço e interrompia seus ataques.
“É só isso que sabe fazer, Naruto? Este é o herói da Quarta Guerra?”, provocou ele enquanto continuava desviando e acertando Naruto.
“É fácil falar quando seus ataques me fazem perder os movimentos, tenho que atacar e desviar de todos eles! Mas se quer que eu lute sério, eu vou lutar sério!”, exclamou com uma carranca enquanto partia para cima e errava um soco.
“Você sempre deve lutar sério comigo e já devia saber disso.”, respondeu Neji enquanto se esquivava.
Naruto sorriu e finalmente conseguiu desequilibrá-lo com um chute bem colocado na dobra de sua perna. “Eu não posso lutar sério com você, não quero estragar um rosto tão bonito.”, declarou desdenhoso, recebendo um bufo em resposta e mais uma investida.
Eles lutaram intensamente por algum tempo, tornando-se apenas dois borrões sob o manto alvo que cobria a grama. O treino conseguiu acalmar os nervos de Naruto melhor do que ele imaginava, e a presença de Neji ao seu redor também. O estilo de luta dos dois eram bem diferentes, mas depois de meses sendo parceiros de sparring, ambos já tinham se acostumado com as técnicas um do outro.
Naruto mirou um golpe do punho no ombro de Neji, mas o homem empurrou sua mão para o lado com um movimento lateral e acertou um ponto perto de sua costela. A mão que foi desviada envolveu o pulso de Neji para puxá-lo para frente e Naruto o empurrou para o chão, onde ele foi contido e montado. O amigo desviou com dificuldade dos socos de Naruto, que sorria enquanto golpeava sentado sob a pelve dele, imobilizando seus quadris.
De repente, ele foi girado e suas posições se inverteram. Neji parou com dois dedos sobre o principal ponto de chakra em seu coração, onde caso Naruto fosse atingido, provavelmente teria problemas. Um sorriso torto e insuportavelmente convencido pairou sobre os lábios grossos e rosados de Neji quando seu rival se deu por vencido e parou de atacar embaixo dele. O peito de Naruto subia e descia enterrado na neve e ele chacoalhou em um arrepio.
Neji, ainda montado nele, jogou para trás os cabelos que tinham escorrido por seus ombros e se apoiou momentaneamente com a mão em seu peito nu para poder se levantar, mas antes que pudesse se erguer, Naruto, sem pensar em mais nada, já tinha se sentado e segurado a nuca dele para um beijo.
Não levou mais de meio segundo para o homem reagir e beijar de volta enquanto descia as mãos por seu pescoço e as pousava sobre seus ombros. Seria mentira se Naruto dissesse que não tinha passado os últimos minutos daquela luta pensando em beijá-lo, mas não ia fazer isso de fato. Exceto que ele fez, porque não conseguiu pensar em mais nada e, sinceramente, aquilo lhe trazia toda a paz que precisava depois daqueles dias estressantes.
Neji era uma calmaria no meio de toda a confusão, e era o que ele ansiava naquele momento. Ele era quente, gentil e receptivo, apesar de quase ninguém saber disso. E ele era lindo. E era a única pessoa que poderia ser continente a todas as coisas que Naruto sentia no momento.
Suas mãos grandes e grossas desceram pelas costas de Neji e apertaram sua cintura, trazendo-o para ainda mais perto e fazendo o beijo se intensificar. Naruto podia sentir as coxas dele se apertando nas laterais de seus quadris e o peso daquele corpo se soltando sobre o seu. Neji deixou escapar um pequeno ruído quando as duas mãos de Naruto desceram para apertar as polpas de sua bunda em seu colo, um sorriso atrevido nascendo contra sua boca, e os dedos finos do amigo subiram por seus cabelos loiros.
Naruto só parou de beijá-lo quando sentiu a temperatura corporal de ambos caírem com a neve que despendia sobre os dois. Entretanto, ele despregou seus lábios e o abraçou por um momento, apoiando a testa no pescoço dele e o apertando contra si, sentindo seu cheiro levemente cítrico e masculino.
Neji o envolveu também e esperou com a mão sob sua cabeça como se o acalentasse silenciosamente. Eles ainda estavam encaixados de uma forma que fazia o corpo de Naruto reagir de maneira meio constrangedora para o momento, então logo ajudou o homem a se levantar e se colocou de pé também.
Caminharam lentamente até a beirada da varanda — onde Naruto finalmente vestiu sua blusa de frio — e subiram os degraus em silêncio, dando a volta e entrando pela porta dos fundos da cozinha, onde parou para fazer chá. Neji se sentou e observou Naruto deslizar pelo aposento esquentando a água e separando xícaras. Ele só falou quando estavam sentados frente a frente com o chá esquentando suas mãos.
“E então? Quer me contar o que aconteceu?”, murmurou com a boca na louça depois de soprar e beber.
Naruto levantou os olhos da mesa e encarou Neji com expressão cansada. Ele não se via no direito de expor o que aconteceu com Sasuke apesar de sua raiva, então não sabia o que podia contar. Seus olhos voltaram para as próprias mãos.
“Bem, o resumo é que aconteceu uma coisa e Sasuke, como o idiota que é, provavelmente se sentiu meio... exposto, não sei. Eu não entendo bem a cabeça dele, mas todos sabemos que qualquer Uchiha no mundo carrega um orgulho maior do que pode aguentar. Então aconteceu uma situação e acho que ele se sentiu mal ou algo assim. E depois de dois meses aqui, aprendi que ele é idiota o suficiente para agir como um imbecil sempre que se sente exposto. Bem, foi o que aconteceu, eu talvez tenha sido um pouco... condescendente demais e ele reagiu... pior do que eu imaginava. Me falou um monte de coisas. Eu não sei o que Sakura tinha na cabeça quando cogitou aquilo, porque puta merda. Bem, o que aconteceu foi bom, porque eu tomei minha decisão.”, disse em voz baixa, levantando os olhos e novamente fitando Neji com amargura. “Vamos nessa missão, vamos levar o idiota para fora de Konoha, e assim que isso acabar, enterro essa história e enterro Sasuke. Acabou, eu cansei, Neji. Por mais que as coisas que ele disse tenham sido pela raiva, não deixam de ser verdade — e a maior delas é que ele não é quem eu pensava ser. Sasuke nunca foi meu amigo, nunca se interessou por mim e todos nós somos um estorvo para ele, principalmente eu. Durante todo esse tempo eu dei desculpas para quem ele é e para o que ele fez, mas isso acontece porque eu espero dele coisas que não existem ali. Eu realmente sou um idiota que fez papel de trouxa e tratou Sasuke como um mártir incompreendido. Bem, ele não quer ser compreendido, ele quer ficar sozinho e continuar sendo o ser humano merda e egoísta que sempre foi. E é o que vai acontecer, é um direito dele. Ontem Sasuke disse com todas as letras o quanto eu atrapalho e o quanto me quer o mais longe possível, o quanto eu sou um idiota por relevar as coisas dele e por insistir em alguém como ele. Então é isso que eu vou fazer, vou aceitar que ele nunca foi quem eu pensava, que realmente é o cara mais odioso e vazio que eu já tive o desprazer de conhecer e vou deixar ele em paz. E vou seguir com a minha vida. É isso que eu vou fazer.”, concluiu.
Neji não conseguiu encontrar nada para dizer diante deste discurso, porque provavelmente não havia. Então eles só tomaram chá em silêncio.
Notes:
Acharam que eu tinha desistido de vocês, heim? POIS NÃO ESQUECI NÃO, MAMÃE TÁ AQUI!
Um feliz ano novo atrasado para todos, sejam bem vindos de volta!Acabei demorando pra postar por motivos de: precisei fazer uns exames no começo do ano, foi tudo corrido e eu estava bem desmotivada, mas agora já tô na ativa de novo. Espero que o final de ano de vocês tenha sido maravilhoso ou, no mínimo, bom. É isso, estou de volta, obrigada aos que ainda me acompanham nessa jornada.
Chapter 30
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
“A missão de vocês será entregar este pergaminho em Kirigakure, a Vila Oculta da Névoa. É um pergaminho com informações táticas e de extrema importância, não deve ser entregue a ninguém que não seja o Mizukage, Chojuro. Vocês se lembram dele, é claro.”, disse Kakashi enquanto passava o pergaminho selado e rubricado para Shikamaru, que o escondeu nas vestes. O Hokage continuou. “Essa é uma missão real e oficial, portanto, deverá ser concluída. Mas, como vocês sabem, o intuito por trás dela é levar Sasuke para longe e despistar os guardas que os seguirem. A Vila da Névoa fica longe, vocês vão descer o País do Fogo e atravessar o mar, os detalhes e a rota estão aqui.”, continuou ele enquanto tirava da gaveta mais um rolo de papel amarrado, dessa vez mais simples, e passava para Shika também. “Se organizem para despistar os Anbus assim que embarcarem rumo ao País do Mar, lá é onde vocês vão se separar — Shikamaru e Neji seguirão com o pergaminho rumo à Névoa prendendo a atenção dos Anbus enquanto Naruto e Sasuke vão fazer o caminho oposto, passando pelo País das Ondas e indo até onde está a antiga equipe de Sasuke no Esconderijo do Sul de Orochimaru. Já entrei em contato com Karin, portanto eles estão cientes da chegada de vocês. Shikamaru é o capitão pelo motivo que já citei anteriormente — confio em seu intelecto caso aconteça algum imprevisto. Quero pelo menos um relatório por dia. Se acontecer algum ataque, Sasuke não vai lutar e vocês vão protegê-lo, não quero deixar brechas. Portanto, só lute em caso de extrema necessidade e tente não matar ninguém, Sasuke, ou enfrentaremos vários problemas. Naruto, não saia de perto dele, principalmente quando Neji não estiver usando o Byakugan. E também evite ao máximo usar seus poderes de Jinchuuriki, temos que manter as aparências o máximo possível, os Anbus não podem suspeitar que vocês sabem deles, e estão cientes dos seus poderes de Ninja Sensor quando está no Modo Kyuubi. Além disso, se precisarem se dividir, Sasuke e Naruto devem estar sempre juntos. Peço para se manterem vigilantes. Acampem para se recuperar, principalmente você, Neji — não force sua visão por muito tempo. Eu vou esperar alguns dias para registrar essa missão na esperança de vocês saírem sem serem seguidos, apesar de ser uma possibilidade muito baixa. De qualquer forma, o fim da rota registrada será um pouco diferente da que vocês farão de fato, assim, podem tentar embarcar sem serem seguidos.”
Naruto, que tinha as mãos apoiadas desleixadamente nos quadris, bufou em diversão, fazendo todos o encararem. “Você deve mesmo tá preocupado, nunca te vi falar tanto antes, Kakashi-sensei.”
“Naruto, não fale assim, tenha o mínimo de respeito pela hierarquia, ele agora é o Hokage.”, ralhou Sakura atrás deles parada entre Sai e Ino, o que fez Naruto olhar para ela com meia carranca.
“Nah, ele está certo, Sakura, estou sendo um pouco paternalista. Não quero correr o risco de algo acontecer. Até porque, todos sabemos como Naruto pode se comportar quando o assunto é Sasuke, e pretendo evitar o caos.”, respondeu Kakashi em provocação.
“Coisas mudam.”, murmurou Naruto alto o suficiente para todos ouvirem. Os presentes trocaram olhares silenciosos.
Sasuke, em um dos extremos da sala e afastado de todos, não tinha se pronunciado até agora.
Kakashi juntou as mãos na mesa e fitou Naruto com diversão. “Algumas, não.”, respondeu suavemente antes de se voltar para o resto das pessoas na sala. “Ok, é isso. Se não me mandarem notícias diariamente, vou concluir que aconteceu alguma coisa e enviarei Sakura, Sai e Ino para socorro médico e reforços. Shikamaru, Sasuke ou Neji ficarão encarregados dos relatórios, Naruto provavelmente iria esquecer algum deles, e não queremos que isso aconteça.”, falou o Hokage em tom de brincadeira, fazendo Naruto franzir o cenho em indignação. “Estão dispensados, boa viagem!”, desejou com um nítido sorriso sob a máscara.
Todos, exceto Naruto e Sasuke, fizeram uma meia reverência para o líder da vila antes de deixarem a sala em silêncio. Ino e Sai se despediram deles e desejaram boa sorte antes de se dispersarem. Sakura, entretanto, puxou Naruto para um canto rapidamente e, hesitante, ele se deixou ser conduzido.
“Ei. Como você está?”, perguntou a mulher. Os cabelos dela estavam presos em um rabo alto e longo.
Naruto olhou para o chão, incomodado. Ele não sabia bem como se sentia sobre Sakura agora. “Tô bem.”, disse simplesmente.
“Naruto, é sério, eu vi você naquela sala. O que aconteceu?”, ela pressionou baixinho, aproximando-se.
Ele deu um passo para trás imperceptivelmente, porque a presença dela ainda doía. “Não aconteceu nada, eu estou ótimo.”, respondeu mais duramente do que esperava.
A mulher juntou os lábios e também encarou o chão. “Eu sinto muito pelo que aconteceu, Naruto, sinto muito mesmo. É só que-”
“Eu não quero falar sobre isso, Sakura. Não quero brigar com você, minha semana não tá sendo das melhores.”, falou ele com um suspiro pesado enquanto passava as mãos no rosto cansado. Ele não tinha dormido bem nos últimos três dias — não porque teve pesadelos, mas porque estava inquieto.
Sakura, entretanto, insistiu. “Você vai ficar fora por semanas, Naruto! Não quero que as coisas entre nós fiquem desse jeito!”, o sussurro dela era um pouco mais alto agora.
Ele olhou para a outra extremidade do corredor, onde os três integrantes de sua equipe esperavam em silêncio. Então, se voltou para a mulher e encarou os olhos verdes pela primeira vez. “Você decidiu isso, Sakura, e eu não vou fingir que tá tudo bem. Mesmo assim, não quero falar coisas que possam te magoar. Nós conversamos quando eu voltar.”
“Eu quero que você diga o que quiser. Não consigo mais ficar assim com você, essa situação está me consumindo! Por favor, fale alguma coisa, eu não quero essa distância estranha entre a gente.”, ela quase implorou.
Naruto então a fitou incisivamente. “Tudo bem, então vamos lá. Você terminou comigo por algo da sua cabeça. Briguei esses dias com Sasuke e ele me disse coisas horríveis, então essa merda acabou, foi o que eu decidi. Ele praticamente falou que eu era um estorvo e que me intrometia na vida dele sem ser convidado, disse que era para todos nós ficarmos longe. Ele não quer nenhum de nós na vida dele, Sakura, e não há a menor possibilidade de eu ter uma amizade com um ser humano tão egoísta, quem dirá qualquer sentimento além disso. Quando essa missão acabar, não quero ouvir falar de Sasuke e nem dessa história ridícula que você inventou.”, disse ele sombriamente.
Ela o encarava de olhos arregalados e boca levemente aberta de surpresa. “O quê? Ele disse isso? Mas-”
“Não tem ‘mas’, Sakura. Você nem conversou comigo antes e terminou, me deixou no escuro, mentiu para mim sobre o motivo de ter ficado estranha e fez tudo do seu jeito. Você não pode afirmar coisas sobre os sentimentos das pessoas só porque viu algo e tirou conclusões sozinha, você não está dentro de mim para saber como eu me sinto! Eu só considerava Sasuke meu melhor amigo e queria ele com a gente, mais nada. Isso agora mudou, e eu prefiro não entrar nesse assunto também. Tô cansado de falar ou pensar em qualquer coisa relacionada a Sasuke.”
Naruto esfregou a testa na tentativa de afastar uma dor de cabeça. Ele estava confuso, triste, com raiva e nada daquilo combinava com ele. As coisas estavam acontecendo e era como se pequenos pedaços de sua alma estivessem sendo retirados diariamente, porque ele estava exausto. Tinha perdido sua namorada e melhor amiga, a visão que tinha de Sasuke tinha desmoronado completamente e, além disso, tinha descoberto recentemente seu interesse em homens.
Ele não sabia mais o que estava acontecendo. Não sabia mais como lidar com Sasuke, com Sakura, consigo mesmo e com as coisas que aconteciam à sua volta. Ele não conseguia voltar ao seu estado de normalidade ou se reconhecer.
“V-você está certo, e eu sinto muito por ter mentido e não dito nada, sinto muito mesmo. Eu entendo que você esteja com raiva de mim, só peço que você considere me perdoar em algum momento. Eu fiz isso tudo pensando ser o melhor para todos, não queria piorar as coisas...”, ela sussurrou. Seus olhos verdes estavam marejados e ela parecia tão aflita que Naruto se sentiu mal.
Ele respirou fundo e seus olhos azuis encararam o chão novamente. “Eu sei, mas eu preciso de mais tempo. Só tenho... que colocar a cabeça no lugar. Tem coisas demais acontecendo agora.”, explicou, lançando outro olhar para seu time. “Olha, eu preciso ir. Só... lembra o Kiba de molhar minhas plantas e não trabalhe demais, ok? Quando eu voltar, as coisas vão estar melhores. Vai ficar tudo bem, pare de chorar.”, Naruto murmurou, dando um pequeno sorriso para a mulher chorosa antes de fazer um carinho hesitante e estranho em seu braço.
Ela retribuiu com um olhar agradecido e assentiu, dando um passo para trás antes de limpar as lágrimas. “Tudo bem. Boa sorte na viagem, tenha cuidado. Não me faça ir lá resgatar sua bunda.”, ela brincou timidamente.
Naruto revirou os olhos antes de dar as costas para ela e atravessar o corredor para descer com seu time. Shikamaru parou diante do prédio e se virou para os outros três enquanto ajeitava a bolsa de kunais na perna. “Bom, me encontrem em vinte minutos nos portões para partirmos. Não se atrasem.”, declarou, e todos assentiram.
Naruto saiu correndo pelos telhados sentindo a presença silenciosa de Sasuke atrás dele enquanto seguiam para o Complexo no intuito de pegar suas bagagens. Eles estavam conversando o mínimo possível e, na maior parte do tempo, nem reconheciam a presença um do outro. Naruto e ele tinham trocado meia dúzia de palavras naquela manhã apenas para decidirem o que levar e ocupar menos espaço em suas coisas.
E Naruto ainda fez questão de nem olhar na cara do idiota, porque realmente nunca teve tanta raiva dele. Estava se sentindo um completo imbecil depois do que tinha ouvido há três dias — ele correu por anos atrás daquele filho da puta e a mágoa que queimava em suas entranhas quase o afogava. Sua vontade era socar a cara de Sasuke até ele se transformar na massa de merda que era.
A única coisa que conseguia pensar era no quanto foi ingênuo e no quanto Sakura era completamente louca de sequer cogitar que Naruto tivesse qualquer sentimento por ele. Agora mesmo, a única coisa que o fazia participar daquela missão era sua obrigação como ninja, principalmente depois da parte em que não podia sair de perto de Sasuke.
Vinte e quatro horas ao lado dele, sentindo sua presença pesada como uma pedra em seu sapato. Aquele bastardo sim era irritante e um estorvo, não Naruto, que só quis o bem dele e lutou pelo seu futuro de merda. Se Sasuke tinha um futuro, devia isso a Naruto. Se tinha como escolher a própria vida e a si mesmo, devia isso a Naruto. Se não estava trancafiado em uma cela de prisão pelos próximos cem anos, devia isso única e exclusivamente a Naruto.
E se ele tinha a chance de expiar os próprios pecados para poder “conviver consigo mesmo e com os próprios julgamentos”, também devia isso a Naruto. Sasuke devia tudo a ele a partir do momento em que Naruto se colocou entre aquele bastardo e o mundo para impedir que ele fosse morto pela União Shinobi. E ele nunca tinha jogado isso na cara de Sasuke uma vez sequer, mas talvez devesse.
Aliás, pensando nisso, Naruto tinha passado suas últimas três vidas atrás dele, tentando fazê-lo ver o mundo de outra forma e tirá-lo do caminho do ódio, e isso sim era papel de trouxa de sobra, agora que analisava. Bastardo ingrato de merda.
“Eu consigo te ouvir.”, avisou o homem atrás dele quando entrou na cozinha.
Naruto lançou um olhar de pura raiva na direção dele enquanto terminava de checar o resto de sua bagagem agachado no chão. “O quê?”, cuspiu.
Sasuke ergueu umas das sobrancelhas com uma carranca. “Se não percebeu, você está resmungando, e eu não sou surdo.”, esclareceu amarguradamente.
Naruto se colocou de pé e parou diante dele em sua cólera com os punhos fechados ao lado dos quadris. “Muito bom, acho ótimo! Se sua bunda tá aqui dentro desta vila a salvo, se o Hokage está abrindo uma missão para te colocar para fora te impedindo de ser preso, e se meus amigos estão aceitando fazer isso, você deve isso a mim. É bom que você se lembre disso, Sasuke. Se você tem uma bússola moral que funciona hoje em dia, foi porque eu gastei anos da minha vida atrás de um imbecil ingrato como você, foi porque fui um estorvo. Há males que vêm para o bem, afinal, não é?”, cuspiu ele, seus rostos a centímetros de distância enquanto seus os azuis faiscavam em indignação.
Sasuke não parecia afetado. “É verdade, você está certo.”, disse simplesmente, e antes que percebesse, o punho de Naruto já se chocava com seu maxilar e ele era jogado para o chão.
Naruto montou nele e agarrou a gola de sua capa com as duas mãos, chacoalhando-o agressivamente em seu descontrole. “Você é um merda, sabia? Você é a porra de um merda! Mesmo agora, depois de tudo, você ainda tem a coragem de ser irônico comigo e de se achar superior. Eu podia deixar você ir preso! Eu podia deixar eles te matarem! Eu podia-”
“Eu não estou sendo irônico e sim, você podia e você devia, que merda você está fazendo?”, berrou Sasuke embaixo dele enquanto um filete de sangue escorria pelo canto de sua boca. As duas mãos dele apertavam os pulsos de Naruto, mas ele não parecia estar tentando afastá-lo ou impedí-lo. “O que é que te mantém aqui, lutando por mim, mesmo depois de tudo que eu te fiz? Por que não me deixa ir preso? Por que não me deixa ser morto? Por que, Naruto, qual é o seu problema?”, rosnou com ódio.
A fisgada de dor que surgiu em seu peito, arranhando suas entranhas e comendo suas vísceras pareceu um soco no estômago, que subiu e se alojou em sua garganta. “EU NÃO SEI, SASUKE! VOCÊ ACHA QUE EU ESCOLHO AGIR ASSIM? ACHA QUE EU ESCOLHO LUTAR POR PESSOAS ESTÚPIDAS COMO VOCÊ?”, berrou ele enquanto chacoalhava Sasuke mais uma vez com as mãos trêmulas. “Por que você é desse jeito, o que mantém você sendo assim? QUAL É A PORRA DO SEU PROBLEMA COMIGO?”
Foi por apenas um momento que Naruto viu aquela gama de coisas escondidas por trás daquela íris negra, e havia muita coisa — havia tristeza, havia mágoa e dor, havia arrependimento e súplica, havia coisas demais. E então se foi, soterrado sob uma camada espessa de raiva e desdém. No momento seguinte, Sasuke empurrou Naruto de cima dele e se levantou, batendo as mãos no sobretudo para se limpar e ficando de costas para ele, rumo à porta da cozinha. Seu braço se levantou no que pareceu ser um movimento para limpar o sangue no rosto.
“Meu problema nunca foi com você, seu idiota. Só fique longe de mim. Pare de guardar para mim um lugar na sua vida. Pare de tentar ser a minha casa.”, murmurou ele ainda de costas.
Naruto tentou engolir o incômodo preso em sua traqueia ao escutar as palavras que tinha escrito meses atrás. “Eu já fiz isso, você tá livre, Sasuke. Quando essa merda de missão acabar, vai viver a porra da sua vida sozinho e do jeito que quiser. Você tá morto para mim.”, ele murmurou enquanto pegava suas coisas e saia pela porta dos fundos, deixando-o para trás.
“Eles estão se mantendo fora do alcance do meu Byakugan por enquanto, mas com certeza estão atrás de nós. Acredito que sejam sete, ao todo.”, murmurou Neji no final da fila.
“Provavelmente os mesmos que me atacaram da última vez.”, concluiu Sasuke, entre ele e Naruto.
“Se eles forem atacar, provavelmente não será agora, e sim quando montarmos acampamento e o campo não for tão aberto. Neji, poupe seu Byakugan por enquanto, mas verifique os arredores a cada hora. Vamos manter nossa atenção em perceber qualquer coisa suspeita. Se ouvirem alguma coisa ou notarem algo, me comuniquem. Enquanto isso, vamos mudar a formação — Naruto, fique ao lado e o mais próximo possível de Sasuke, vocês dois ficam entre mim e Neji. Fiquem atentos a possíveis ataques laterais.”, comandou Shikamaru.
Contrariado, Naruto ajeitou a bolsa de kunais na perna enquanto pulava e se colocou à direita dele, seus braços quase se tocando conforme avançavam. A neve do início de fevereiro tinha se agravado agora que estavam em um lugar mais aberto, e a cada galho que pulavam, cristais de gelo se desprendiam para espatifar no tapete grosso e branco que cobria o chão lá embaixo.
Naruto tentava não pensar muito enquanto corria, principalmente depois daquela discussão na cozinha, mas o martelar incessante da pergunta de Sasuke permanecia em seus ouvidos — “o que é que te mantém aqui, lutando por mim mesmo depois de tudo que eu te fiz? Por que não me deixa ir preso? Por que não me deixa ser morto? Por que, Naruto, qual é o seu problema?”. Sim, qual era seu problema? O que fazia ele, depois de tudo, ainda estar ali?
Naruto sinceramente não fazia a menor ideia. Aquilo não era saudável — Sasuke não era mais problema dele, mas ainda assim, mesmo com toda a raiva e decepção, ainda sentia que aquele homem, de certa forma, era sua responsabilidade. Afinal, o que Sasuke tinha na vida? Ele não tinha um lar, não tinha amigos, não tinha um amor, não tinha família, não tinha raízes... O que o fazia seguir em frente na vida que escolheu além de pagar pelos próprios pecados? Naruto se perguntava se ele tinha algum vislumbre do futuro, alguma esperança, uma pretensão de qualquer coisa...
E Naruto o trouxe de volta, o fez viver assim. Ele se lembra muito bem das duas opções que Sasuke deu a si mesmo na luta que travaram depois da guerra — vencer ou morrer. Ele não queria permanecer ali se perdesse, tinha decidido pela morte e Naruto o fez mudar de ideia, fez ele voltar e aceitar sua prisão, aceitar o que vinha com a vida.
Não podia deixar de sentir que as escolhas de Sasuke e tudo que tinha acontecido com ele naquele dois anos era porque Naruto não foi incisivo o suficiente, e tentou lhe dar espaço em um momento que não deveria. Talvez devesse ter insistido para Sasuke ficar na vila por pelo menos algum tempo, ou até mesmo aceitado as visitas esporádicas dele com outra atitude.
Afinal, Sasuke só conhecia a solidão desde criança. Ele foi embora e não teve amigos com quem contar, não cresceu ao redor daquelas pessoas que agora faziam parte de sua geração de Shinobis. Ele não teve uma Sakura para chorar no colo, um Shikamaru para colocar sua cabeça no lugar, um Kiba para fazê-lo rir, um Neji para lhe dar um pouco de senso... E sim, ele escolheu aquela vida, mas e se foi porque era a única coisa que conhecia?
Naruto arriscou um olhar para ele, que pulava ao lado dele no mesmo ritmo. Seu rosto composto não indicava emoção alguma, como sempre. Era como se aquela briga sequer tivesse acontecido, como se nada realmente o afetasse. Como se há três dias ele não tivesse tido um episódio estranho onde reviveu a morte do clã e quase congelado embaixo do chuveiro, como se não tivesse abraçado Naruto fracamente como um bote salva-vidas quando o viu ali.
Mas Sasuke era um homem adulto, não era uma criança ou um adolescence impertinente tentando encontrar seu caminho. Ele, inclusive, era muito mais consciente do que a maioria das pessoas que Naruto conhecia. Sasuke entendia como era a vida, não era alguém influenciável, e cumpria com suas responsabilidades bem o suficiente para ter escolhido ficar na prisão por um mês amarrado como um salsicha e totalmente privado de seus sentidos.
Ou seja, Sasuke estava certo — ele não era uma donzela em perigo e muito menos um mártir incompreendido. Era capaz de pensar por si, vestir as próprias escolhas e caminhar com as próprias pernas; um ser humano completamente consciente das consequências de suas ações e as aceitava de acordo. Já Naruto, era só um tolo que ainda o via como a criança solitária e cheia de ódio de anos atrás, aquela que deveria ser tirada das sombras.
Bem, Sasuke não era mais apenas sombras, apesar delas estarem ali em peso. Ele tinha visto o outro aspecto da vida e decidido seguir um caminho diferente do que traçou por anos, superou as coisas da melhor maneira possível e conseguiu se balancear o suficiente. Ele era justo e prático em sua forma de ver a vida e, apesar de parecer muito frio, no fundo Naruto sabia que não era exatamente assim.
E Sasuke, com toda essa capacidade de raciocínio e consciência, tinha escolhido se afastar de tudo e de todos, algo que tinha o direito, se quisesse. Ele sabia que Sasuke não lhe devia nada, na verdade, porque se Naruto fez o que fez, também foi porque quis, também foi de forma consciente, e não porque lhe foi pedido. Seus atos não aconteceram por causa do pedido de Sakura — ele teria o trazido de volta mesmo sem isso, porque era seu melhor amigo na época.
Portanto, chegou a conclusão de que Sasuke, no fim, estava totalmente certo — Naruto estava colocando sobre ele uma responsabilidade e uma esperança que não o pertencia. Aquelas expectativas foram criadas sem reforço da parte de Sasuke, sendo alimentadas por ninguém além dele mesmo.
Porém, Naruto não podia deixar de se apegar aos fatos do passado, tudo que validava a ideia de que os dois eram interligados e precisavam se manter próximos — aqueles fatos que mostravam uma trajetória de vidas passadas, de séculos de tentativas de aproximação de duas almas e o karma que tinham um com o outro. O próprio Hagoromo tinha o incumbido de salvá-lo da solidão.
Além disso, era seu dever impedir que Sasuke seguisse pelo Caminho do Ódio, e foi o que fez. Eles eram almas que, durante três reencarnações, se afastaram e lutaram uma contra a outra. Era provavelmente este fato que o impedia de deixar de se importar e desistir daquele homem.
E, pelo visto, esta vida ainda não seria o suficiente para aproximá-los de verdade — talvez eles não lutassem mais até a morte, mas com certeza estavam tão distantes quanto poderiam estar, novamente por escolha do outro. Talvez Naruto tivesse falhado, ou talvez Sasuke ainda não estivesse pronto para agir diferente, mas o fato era que a história, em parte, se repetiria — eles eram diferentes e buscavam coisas diferentes.
Naruto gostaria de encontrar a resposta para o que fazer ou qualquer luz sobre esse assunto, porque havia essas duas consciências que o puxavam de um lado para o outro, fazendo-o desistir de Sasuke e depois voltar a lamentar sua ausência. A única coisa que Naruto conseguia pensar sobre isso no momento era no quanto aquele idiota podia ser um imbecil egoísta na maior parte do tempo, e no quanto isso dificultava tudo.
Eles pularam pelas árvores que se abriam cada vez mais até a noite começar a cair e a nevasca se tornar forte o suficiente para fazer as mãos e o nariz de Naruto perderem a sensibilidade. Ao seu lado, Sasuke já tinha diminuído seu ritmo há um tempo, o que indicava que ele estava cansado, e suas bochechas antes coradas tinham se tornado extremamente pálidas, as olheiras sob os olhos se aprofundando visivelmente.
“Shika, você não acha melhor a gente montar o acampamento?”, indagou Naruto em um murmúrio enquanto lançava um olhar de esguelha para o morto-vivo ao seu lado.
“Sim, acho que sim, a neve tá piorando. Neji, como está...?”
A voz grossa do homem veio do fim da fila, baixa e controlada. “Ainda na mesma.”
O capitão acenou com a cabeça ainda sem olhar para trás. “Ok, vamos encontrar um lugar.”
Eles desceram das árvores e se embrenharam na floresta de abetos congelados, caminhando por um tempo até chegarem a uma pequena área, cujos troncos eram distantes o suficiente para montar o acampamento. Naruto acompanhou o passo ainda mais lento de Sasuke e isso fez todos eles diminuírem o ritmo, mas ninguém reclamou.
“Vou procurar madeira para a fogueira.”, avisou Neji, assim que colocou a bagagem que carregava sob a neve fofa.
Naruto, ansioso para deixar a presença pesada do homem ao seu lado, se adiantou. “Espera, eu vou junto.”
“Você e Sasuke não podem se separar.”, lembrou Shikamaru enquanto abria a própria mochila e tirava um cigarro, que ele acendeu e prendeu entre os lábios em uma longa tragada. “Vão vocês dois então, eu e Neji montamos as coisas enquanto isso. Não vá muito longe.”
Sasuke imediatamente começou a se afastar e Naruto, irritado, foi atrás. A floresta sob as árvores que eles antes pulavam era silenciosa e escura, fazendo-o se aproximar mais dos calcanhares de Sasuke, que liderava o caminho sem dificuldade. Naruto imaginou que ele estava usando o Sharingan, por isso tinha a vantagem.
Em um acordo silencioso, Naruto, ao lado dele, carregou a madeira enquanto Sasuke mostrava o caminho. Não havia mais tantas folhas nas árvores para abrigá-los da neve e a lua estava encoberta pelas nuvens. O silêncio só era preenchido por seus pés se afundando na camada macia de gelo.
Houve o barulho de algo se movendo adiante e rapidamente Sasuke levantou o braço para impedi-lo de seguir, colocando-se na sua frente. Olhou em volta por um segundo e então relaxou. “Era um coelho das neves.”, disse baixinho, voltando a andar.
“É meu dever te impedir de lutar e te proteger, não ao contrário.”, comentou Naruto a contragosto, ajeitando a pilha de gravetos que carregava.
O homem virou o rosto de soslaio e seus olhares se cruzaram pela primeira vez desde que tinham saído de Konoha. Sasuke o observou por um segundo no escuro e seus lábios se separaram em um silêncio onde Naruto sentiu a tensão se consolidar.
“Já temos o suficiente, vamos voltar.”, Sasuke falou então, dando meia volta.
Naruto não pôde deixar de ter a impressão que, por um momento, ele ia dizer alguma outra coisa; nem conseguiu impedir a bolha de sentimentos estranhos que explodiu em seu peito. Ignorando tudo isso, seguiu Sasuke de volta para o acampamento, onde o homem pegou os gravetos de suas mãos e os ajeitou, afastando a neve e acendendo a fogueira com um Katon. Naruto se aconchegou diante do fogo para esquentar e puxou uma pílula de comida, engolindo-a com meia careta e entregando a bolsinha para Sasuke sem olhar em sua direção.
Ele o sentiu hesitar por um segundo antes de pegá-la e se sentar a meio metro de distância à sua esquerda, encostado em uma árvore. Neji então saiu de dentro de sua barraca e olhou ao redor antes de se aproximar de Naruto.
Shika estava em silêncio do outro lado da fogueira, atento aos arredores sem prestar atenção neles enquanto tirava outro cigarro. O vento às vezes aumentava e fazia as pequenas chamas bruxulearem, lançando ainda mais sombras no chão sem cor.
“Ei, tudo bem?”, perguntou Naruto para Neji, inclinando-se na direção dele.
Ele suspirou pesadamente. “Sim, mas bem que podia parar de nevar enquanto eu estivesse de guarda.”
As sobrancelhas loiras se ergueram em diversão. “Pensei que o homem de gelo gostasse da neve.”, provocou com um sorriso travesso.
Neji semicerrou os olhos lilases arrogantemente e se aproximou um pouco mais para sussurrar. “Neste ponto eu achei que você já soubesse que só sou um homem de gelo quando eu quero.”
A boca de Naruto se abriu em um sorriso surpreso enquanto os olhos azuis se arregalavam com a ousadia dele. “Você me deixa cada vez mais horrorizado, quem diria que um Hyuuga teria uma resposta dessas na ponta da língua?”, sussurrou de volta, os longos cabelos escuros fazendo cócegas em seu nariz congelado.
“Não acho que este seja um bom momento para discutir o que eu poderia ter ou não na ponta da língua, Naruto.”, ele respondeu com seriedade para em seguida seus lábios se esticarem em um sorriso que não poderia ser descrito como nada além de sedutor.
Naruto sentiu um calor subir por seu corpo ao se lembrar da noite depois da festa e ele lambeu o lábio inconscientemente enquanto seus olhos subiam para encontrar os lilases. O homem se prendeu no gesto antes de encará-lo de volta por um momento. Porém, quando ele abriu a boca para falar, Sasuke, agora de pé, jogou a bolsinha de pílulas de comida no colo de Naruto, assustando-o e o fazendo se afastar.
“Podemos ir dormir?”, perguntou Sasuke em seu tom seco habitual sem olhar diretamente para Naruto.
“Como assim ‘podemos’ ir dormir?”, estranhou ele, franzindo o cenho.
“Eu disse para os dois dividirem a barraca maior, você não ouviu? Não faz sentido eu separar vocês, se atacarem Sasuke você precisa estar com ele, não à uma barraca de distância. Kakashi nos deixou ordens específicas — ‘Naruto e Sasuke devem estar sempre juntos’.”, explicou Shikamaru do outro lado do fogo. “Vamos nos dividir em turnos de vigia, Neji fica até meia noite, eu até às quatro e vocês dois até às oito, não quero sair tão cedo com esta nevasca.”
“Mas...”, começou Naruto, recebendo o olhar vazio de Sasuke e o irritado de Shika. Ele reprimiu um suspiro. “Tá. Tudo bem.”, concordou enquanto se levantava com a bolsinha em mãos e fitava Neji, que ainda estava sentado. “Não force tanto seus olhos, ok? E se você quiser, eu tenho um suéter. Essa blusa não parece muito quente.”, murmurou enquanto passava os olhos pela camiseta azul clara de mangas compridas e largas.
“Não se preocupe, sou um homem de gelo.”, brincou.
Naruto revirou os olhos claros antes de dar a volta na fogueira e entrar na barraca atrás de Sasuke.
Sasuke arrumou os sacos de dormir em silêncio e de cabeça baixa enquanto Naruto tirava a capa vermelha para vestir mais abrigos. O outro estava claramente descontente com aquele arranjo, o que era uma ironia, dado o fato de que foi aquele mesmo idiota que fez questão de agarrá-lo constrangedoramente por dias a fio durante a madrugada.
Sasuke tirou os sapatos e os colocou lado a lado junto com sua bagagem antes de coçar os olhos. Ele estava completamente exausto — não pregava o olho há um tempo e tampouco conseguia comer direito; estava sobrevivendo de pílulas de comida há dias. Ainda assim, apesar do cansaço, era provável que não fosse dormir, porque não confiava em ninguém para ficar de guarda, nem no Hyuuga.
Com um suspiro e um arrepio pelo o frio que se agarrava na lona da barraca, ele remexeu a bagagem e vestiu seu casaco mais quente. Sasuke era muito bem preparado para qualquer coisa relacionada a viagens em temperaturas variadas depois de dois anos dormindo ao relento. Ele pensou melhor e decidiu vestir uma meia reforçada também — seu corpo era sensível à baixas temperaturas e, durante seus períodos de estresse, tinha uma tendência maior de ficar doente, então não queria arriscar.
Puxando mais um cobertor da bolsa, o colocou sobre o saco de dormir e se aconchegou dentro dele. Naruto estava sentado de costas, segurava uma blusa de lã e parecia considerar alguma coisa. O homem tinha acabado de se levantar quando sentiu alguém cutucando a barraca do lado de fora, o que fez Sasuke se sentar na cama e apoiar o peso do corpo em um dos braços.
Naruto rapidamente abriu o zíper e a cabeça do Hyuuga irritante apareceu ali. Ele não podia ter um segundo de paz? Aqueles dois imbecis já estavam cochichando um com o outro segundos atrás lá fora e Sasuke só queria se enfiar naquela merda de barraca e ficar longe das pessoas por um tempo — tinha se acostumado com a presença de Naruto, mas depois de passar um dia inteiro com outras pessoas ao redor, estava saturado. O rosto de Neji estava corado e Sasuke fechou a cara para o sorriso de idiota que nasceu na cara de Naruto.
“Oi! Não está com frio? Eu ia te levar meu suéter.”, disse Naruto docemente enquanto levantava a blusa no ar, e o estômago de Sasuke quase pôs para fora a única pílula de comida que tinha ingerido naquele dia de merda.
Ele nunca tinha visto Naruto falar naquele tom com ninguém além de Sakura, e ele sempre parecia mais estúpido do que o normal quando agia assim. Bem, Sasuke não tinha paciência para pessoas que pareciam estúpidas.
“Na verdade, eu vim pegar isso mesmo. Não estou encontrando meu casaco.”, disse o homem enquanto entrava na barraca já apertada para dois. Aparentemente aquele Byakugan não servia tão bem se ele não percebeu que não cabia ali dentro.
Naruto sorriu pretensiosamente. “Você esqueceu alguma coisa? Isso sim é algo novo.”, cutucou enquanto estendia o suéter para ele. “Bom, Homem de Gelo ou Pocahontas, parece que nem mesmo você consegue ser perfeito.”, brincou.
Os olhos de Sasuke se reduziram a fendas enquanto assistia a cena se desenrolar com as piadinhas internas que ele obviamente não entendia. Aquela era a amizade mais improvável que ele já tinha visto — principalmente porque, quando criança, costumavam comparar Sasuke com Neji.
Se Naruto não se dava bem com ele, não fazia sentido se dar bem com aquele Hyuuga, até porque, ele parecia ainda mais arrogante que Sasuke — não que Sasuke fosse arrogante, mas aquele cara com certeza era. Aliás, ele não sabia que era possível o tal Neji ser ainda mais irritante do que antes, mas estava errado, pelo visto.
O Hyuuga estendeu o braço e pegou a blusa da mão de Naruto. Sasuke viu os dedos dele se tocarem durante a troca e permanecerem assim por um pouco mais de tempo do que o normal antes dele afastar o braço. Parecia que Sasuke nem mesmo existia ali, e ele teve vontade de jogar os dois para fora da barraca.
Neji sorriu, e isso ainda deixava Sasuke surpreso porque só via isso acontecendo... na presença daquele dobe loiro e ingênuo. É claro que Sasuke já tinha cogitado algum sentimento da parte do Hyuuga por Naruto no primeiro dia que os viu juntos, ele não era idiota. Até porque, ninguém lia livros para alguém pelo qual não nutria sentimentos, e ele já tinha desconfiado que Neji tivesse pouco ou nenhum interesse por mulheres.
Diante do olhar levemente predatório daquele cara para Naruto, Sasuke tinha finalmente confirmado sua teoria enfadonha. E é claro que Naruto não devia nem fazer ideia, obtuso como era. Não que fizesse diferença — primeiro, porque não era problema de Sasuke; segundo, porque não dava a mínima para qualquer sentimento que alguém tivesse por aquele dobe; e terceiro, porque Naruto jamais se interessaria por homens, além de estar apaixonado por Sakura desde que se entendia por gente.
Mas, como dito, nada daquilo fazia diferença na vida de Sasuke. Ele nem sabia porque estava dando importância para uma coisa tão idiota, era só uma questão de tempo até estar livre da presença intoxicante de Naruto e voltar à sua vida solitária de nômade. Então não importava com quem Naruto tinha amizade, ou quem estava apaixonado por ele, ou se ele e Sakura se casariam um dia, nada disso importava.
Porque como o próprio Naruto tinha dito, Sasuke tinha conseguido e estava finalmente morto para ele. Talvez estivesse encontrando no Hyuuga o melhor amigo que queria, e isso era problema inteiramente dos dois, não de Sasuke. Era até bom saber que Naruto não estava sozinho — não que isso também importasse.
Entretanto, Sasuke não compreendia a sensação estranha que o assolava agora, nem o que a tinha desencadeado. Não entendia o que era o peso sufocante em seu peito, a coisa estranha que se revirava em seu estômago, ou porque sua raiva parecia ferver sob a sensação quente e amarga que subiu borbulhando até seu esôfago. Tampouco compreendeu como podia sentir que havia oxigênio demais em seus pulmões, como se a pressão atmosférica tivesse aumentado e agora o esmagasse contra a terra lentamente.
“Se me chamar assim de novo, Kurama vai precisar te desvirar do avesso, Naruto.”, ameaçou Neji em um tom casual, ainda com o resquício do sorriso imbecil.
A raiva de Sasuke pareceu ferver um pouco mais. Kurama? Porque ele estava chamando a raposa pelo nome? Naruto deu uma risada baixa, leve e infantil para o comentário. Uma risada que Sasuke não ouvia há algum tempo e engatilhou mais sensações estranhas. Talvez ele estivesse ficando doente, afinal.
“Como se você tivesse poder para isso. Ei, hã, se quiser, tenho uma calça também.”, ofereceu Naruto enquanto se abaixava e remexia a mochila, puxando parte de uma calça grossa e cinza.
Neji negou com a cabeça. “Não, tudo bem, a blusa já é o suficiente. Descanse.”, o homem respondeu, virando-se para a saída.
“Ok, qualquer coisa-”, murmurou ele de volta enquanto coçava a nuca em seu sinal característico de nervosismo.
“Já sei. Não se preocupe, Naruto.”, o Hyuuga soprou de volta, virando o rosto para fitá-lo com expressão tranquilizadora.
Então por um segundo, antes de sair, aqueles olhos lilases estranhos se ancoraram nos de Sasuke duramente, como se soubessem de algo e o desafiassem a alguma coisa que ele não entendeu bem o que era. A raiva, que já tinha começado a ferver, rapidamente borbulhou em seu ser e ele devolveu o olhar com intensidade. Então o Hyuuga virou e saiu, fechando o zíper da barraca.
Sasuke não entendeu que porra tinha sido aquela, o que aquele olhar significava ou o que tinha acontecido ali. Quando alguém além de Naruto tinha tido peito para encarar Sasuke daquele jeito, aliás? Seus olhos se prenderam mais uma vez nele, que agora vestia uma meia muito gasta antes de entrar no saco de dormir ao seu lado e bocejar esfregando as pálpebras, sonolento.
Ao perceber o olhar de Sasuke, ele o encarou, e um delicado tom de rosa alcançou as bochechas dele. A cor quente contrastava com as íris escuras e acinzentadas, o que ainda estava longe de causar um equilíbrio.
“O que é?”, lançou Naruto de forma dura em uma atitude completamente oposta à que teve segundos atrás com Neji.
Apesar de ser completamente esperado, aquilo... doeu. Bem mais do que ele esperava, aliás. Doeu o suficiente para ele sentir a necessidade de respirar fundo devagar no intuito de não fazer desmoronar o que quer que estivesse composto ali dentro, porque eram poucas coisas.
Por um mísero momento, em um lapso completo, Sasuke sentiu várias coisas que arderam demais em seu âmago e que ele nunca se permitiria sentir, mas que fizeram seu corpo quase tremer de agonia. E ele não podia deixar aquilo vazar, porque senão... ele não aguentaria. Ele não se recuperaria. Ele jamais voltaria a ser o mesmo.
Então foi por aquele mísero meio segundo que ele se sentiu fraco como nunca antes. Que sentiu seu coração bater como se pudesse se estraçalhar e jorrar aquela merda toda para fora de seus poros para escorrer por seu corpo, exposto para o mundo.
Que sentiu sua alma quebrada — se é que ainda tinha uma — arder com uma necessidade quase enlouquecedora de qualquer coisa estar viva ali dentro, de qualquer coisa estar quente e respirando naquela vasta quantidade de água turva onde ele se afogava lentamente desde que se entendia por gente, entorpecendo seus sentidos e contendo suas emoções.
E foi por aquele mínimo espaço de tempo que algo o atingiu de dentro para fora, e era aquilo contra o qual ele lutava hora ou outra quando estava naquela vila infernal. Sasuke nunca, jamais mexia naquela parte de si, porque era algo que facilmente poderia quebrá-lo de vez.
Ele sequer entendia o que era aquela merda. Ele ignorava aquela merda quando ela dava as caras, e sempre teve sucesso, porque aquilo fazia parte de sua luta diária contra tudo. E era aquilo que o fazia afastar o homem diante dele para o mais longe possível em qualquer circunstância, porque aquele pesar que amassava todo seu ser era a merda que Sasuke merecia, fazia parte do seu karma e impedia Naruto de se envolver.
Aquela era a fonte da maioria dos seus problemas atuais, era o motivo de tudo que fez para apagar a luz daqueles olhos azuis quentes que brilhavam para ele, era por causa daquilo ali que ele preferia aceitar a raiva daquele ser humano do que ser ainda mais nocivo e quebrá-lo em outros milhões de pedaços.
E o que o atingiu naquele segundo de dor profunda não foi computado por seu cérebro, embora tivesse o engolido por inteiro em resposta à pessoa diante dele com aquele tom de voz seco e frio. O que surgiu, soterrado sob várias camadas de negação e desespero, foi a necessidade de se afogar em Naruto — a vontade de desfazer nas costuras e esperar Naruto pegá-lo, reconstruí-lo e fazer o inferno que quisesse, porque Sasuke estava exausto.
Doía, tudo doía, fazê-lo se afastar doía, mantê-lo longe doía, ficar a quilômetros de distância da única luz que não tinha se apagado mesmo depois de tudo doía. Roubar a esperança de Naruto, esmagá-la para aquele homem poder se manter minimamente bem era enlouquecedor. E era ainda pior porque aquele idiota não entendia, ele não compreendia a verdade, ele a ignorava, como sempre fez, e lutava contra ela.
Naruto ignorava a parte em que Sasuke era totalmente danificado, vazio e quebrado, a parte em que ele tomaria para si qualquer coisa que Naruto lhe oferecesse e jamais daria algo em troca porque não tinha nada para devolver. Tudo o que ele podia oferecer eram os cacos de sua alma estraçalhada e nociva — as coisas que tinham ali dentro eram como ervas daninhas que se multiplicavam e alastravam sobre qualquer coisa que fosse tocada.
E Naruto era um idiota altruísta que facilmente ofereceria tudo dele para Sasuke. Ele ofereceu sua vida no passado, ofereceu todo seu futuro ao dizer que confiava nele o suficiente para fazer todo mundo perdoá-lo. Há quatro dias, aquele homem o viu sepultado sob a escuridão, vazio, e ofereceu sua alma quente e restauradora para preencher suas lacunas.
Mas eram muitas lacunas, era muita coisa, e mesmo Naruto não seria suficiente, porque Sasuke sabia que nada seria suficiente, que nada nunca iria conseguir juntá-lo novamente, porque muita coisa já tinha se perdido pelo caminho. Lhe faltavam peças e lhe sobrava espaço.
Naruto, nesse cenário, só seria consumido. Ele já estava sendo consumido mesmo com a enorme distância entre eles durante todos aqueles anos, porque Sasuke, por mais que tentasse, jamais teria algo para oferecer à Naruto e sempre tiraria algo dele — isso porque o idiota insistia em abdicar de coisas para lhe dar; ele era louco ou burro o suficiente para colocar alguém como Sasuke, que o deixou e o machucou por anos, na frente de si mesmo.
Então por aquele mísero momento, por aquele segundo, a vontade de se afogar no que sempre lhe foi oferecido e nunca, jamais, em hipótese alguma poderia ser aceito, abriu caminho pelas suas vísceras, pela fortaleza que ele tinha construído, pelas paredes de tijolos, e ensopou tudo como um maremoto.
Como sempre, se impedindo de sequer processar isso, Sasuke respirou fundo lentamente para não desmoronar e ignorou o que quer que aquilo significasse, passando por cima de toda aquela loucura. Com a habilidade de anos de prática, ele reconstruiu suas barreiras, cimentou suas paredes e levantou sua fortaleza. Ele enterrou tudo e não deixou nada transparecer, como sempre tinha feito — nenhuma expressão, nenhum torcer de canto de boca, nenhum indício de dor.
E ele se ajeitou sob suas cobertas e fechou os olhos na penumbra que a fogueira lá fora criava. “Nada.”, disse seu tom de voz composto e controlado.
Sasuke ouviu o outro dar um resmungo antes de se ajeitar e tinha certeza que, se abrisse os olhos, nas feições daquele Shinobi de 18 anos teria o resquício de um biquinho infantil que aparecia sempre que Naruto se sentia contrariado. Saber aquele fato fez um mínimo sorriso aparecer no canto de seus lábios, e então ele ficou em silêncio para deixar Naruto dormir.
Notes:
DUAS ATUALIZAÇÕES EM UMA SEMANA? Isso mesmo, só fiquei com MUITA vontade de postar esse capítulo e cá estou.
Não se acostumem! HahahahahahBeijos!
Chapter 31
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Naruto sempre tinha sido o tipo de pessoa que se mexia muito enquanto dormia, principalmente no frio — quando eram mais jovens e acontecia de precisarem dividir a mesma manta ou dormirem na mesma barraca, Sasuke sempre acordava descoberto e com a cabeça de Naruto enfiada em seu pescoço. Ou encolhido ao seu lado, os dois praticamente no mesmo saco de dormir. Era bem irritante.
Entretanto, Sasuke sempre tinha sido madrugador, então foram poucas ou nenhuma vez que Naruto teve ciência disso. No começo, ele só empurrava o garoto para longe ou se afastava silenciosamente na tentativa de evitar acordar Sakura na barraca ao lado — não porque se importava com ela, mas porque a garota grudava nele desde o momento em que abria os olhos, então quanto mais ela dormisse, melhor.
Então, não gritava nem chutava Naruto, porque ele com certeza faria um escândalo; apenas o afastava o máximo possível. Porém, depois de tantas vezes acontecendo a mesma coisa, ele só... se acostumou e ignorou.
Então, em sua infância, nas vezes que dormia, estava habituado a acordar com o idiota colado nele ou com algum torcicolo, por causa da mania de Naruto de se enfiar em seu ombro ou em seu pescoço. Com o tempo, passou a aceitar aquilo com um revirar de olhos mal humorado, mais nada.
De manhã, quando ouvia Kakashi sair da própria barraca, apenas se desvencilhava do idiota e se levantava. Normalmente, aproveitava o bom tempo para andar sozinho e procurar castanhas ou frutinhas por aí — havia uma temporada entre o fim do outono e o início do inverno em que os arbustos se enchiam de amoras-silvestres. Era uma fruta que não lhe agradava, mas sempre colhia algumas porque sabia que Naruto e Sakura gostavam.
No atual cenário, ele não pôde deixar de puxar essa memória — principalmente porque, naquele mesmo momento, Naruto se arrastava cada vez mais do saco de dormir e já tinha a cabeça no travesseiro de Sasuke enquanto roncava baixinho. Com receio, lançou um olhar para o homem e suspirou. Ele não tinha paz, aquele era o inferno.
Sasuke, deitado de frente para Naruto, se afastou do homem o máximo que podia e fechou os olhos, tentando dormir pelo menos um pouco. Em dado momento, tinha invocado suas cobras e as feito se espalhar pelo o perímetro, então se alguém se aproximasse ou algo acontecesse, ele saberia. Não era um plano à prova de falhas, mas o acalmava um pouco mais.
E ele estava muito cansado depois de ter passado quase uma semana sem pregar o olho. Por mais que odiasse admitir, a briga que teve com Naruto, apesar de ter cumprido seu propósito, o afetou mais do que gostaria — o arrependimento e a culpa roeram suas tripas durante todos aqueles dias e só aumentavam a cada minuto.
Por isso, Sasuke estava experimentando um tipo de cansaço que não sentia há muito tempo — a exaustão mental. Sua cabeça estava a mil, cheia de coisas embaralhadas que ele odiava com todas as suas forças porque não as entendia, e nem sabia se queria entender.
Apesar de ser adepto do estilo “encarar as coisas de frente”, ele acreditava que isso se aplicava bem mais à coisas práticas e palpáveis, porque emoções e sentimentos eram algo que podiam atrapalhar mais do que ajudar, principalmente no caso dele.
Claro, Sasuke não ignorava absolutamente tudo que sentia, só o que não tinha uma função de fato. Então ele lidava com o que o ajudava a viver e sobreviver, com o que o ajudava a lutar, e pegava algumas das próprias coisas para analisar de vez em quando no intuito de evoluir como ser humano.
Ele tinha elaborado boa parte do seu passado, trabalhado a própria visão de mundo e amadurecido a forma que enxergava as situações porque tudo isso o ajudava a se tornar um Shinobi melhor, mais afiado e assertivo. Porém, durante aqueles dois meses, as coisas ali dentro ficaram cada vez mais... abstratas e embaralhadas.
Ele não tinha muitos medos na vida, mas o que mais o assustava eram as coisas guardadas dentro dele. Sasuke as odiava. Aliás, estava muito ciente da possibilidade de enlouquecer novamente em algum ponto da vida. Aquela era uma das coisas que mais temia e uma parte de seu passado que odiava — a fase onde acreditou saber o que estava fazendo, mas, na verdade, tinha perdido a cabeça completamente, se entregado à escuridão e perdido o controle de si mesmo.
Aquelas coisas ainda estavam lá, era óbvio, e ele gostava de pensar que boa parte tinha sido elaborada, mas durante aqueles dois meses foi se sentindo cada vez mais sobrecarregado, e isso só o fazia acreditar que estava, pouco a pouco, perdendo a sanidade novamente. Sua esperança era que ficar sozinho como antes fosse o suficiente para fazê-lo voltar ao normal.
Entretanto, apesar de Sasuke não ter ideia do que estava acontecendo dentro de si, tinha total consciência de que quem agora enfiava a cara em seu peito era a fonte de tudo aquilo. Naquele ponto, começou a sentir medo de Naruto — medo dos efeitos que ele tinha, medo da presença dele e do que ele representava.
Agora, tinha medo até mesmo de suas reações, da forma com que ele praticamente aniquilava as convicções de Sasuke em afastá-lo, da maneira que o fazia se sentir mal e culpado por estar indo embora mais uma vez, principalmente depois de toda a merda em que se viu obrigado a fazer Naruto acreditar só para se manter longe...
Sasuke sabia bem o efeito que Naruto causava ali dentro de si, e lutou contra aquilo por semanas, por anos, a cada vez que o via. Mas aquele era Naruto, então é claro que ele tinha encontrado formas de quebrar suas defesas. Primeiro com seu silêncio; depois com aquela carta; então, expondo para Sasuke o quanto ele tinha o machucado mesmo longe; e depois, com a pequena amostra de sua presença, onde eles conviveram perfeitamente bem por dias como se tudo fosse assim desde sempre.
A lembrança de acordar ao lado de Naruto, com seus cabelos loiros parecendo um ninho de pássaros, a cara com as marcas da fronha sobre os bigodes na bochecha e os olhos cristalinos faiscando em um tom ridículo de azul para combinar com as remelas fez Sasuke se afastar novamente dele e se sentar na cama. Ele passou as mãos pelo rosto cansado e soltou o ar devagar, olhando mais uma vez para o homem adormecido.
Estava mesmo perdendo a cabeça. Mas tudo bem, porque eles iam se separar em breve. Em no máximo uma semana eles chegariam na fronteira do país do fogo, onde Hyuuga e Nara embarcariam, e então ele só teria que aguentar a presença de Naruto por mais algum tempo até chegarem no Esconderijo do Sul, onde se separariam de vez.
Sasuke voltou a se deitar com esse pensamento reconfortante, ajeitando-se o suficiente para caber ali e ainda se manter longe do dobe que já tinha tomado quase todo seu travesseiro. Naruto, diante dele, roncou um pouco mais alto e estremeceu — o idiota estava só com as pernas dentro do saco de dormir.
Com um revirar dos olhos díspares no escuro, Sasuke então puxou parte do próprio cobertor para cima do homem, que o recebeu de bom grado e finalmente cumpriu seu objetivo final, enfiando a cabeça no espaço entre seu ombro e seu pescoço. Virado de frente para ele, Sasuke fez uma expressão mal humorada ao sentir a respiração quente em sua jugular junto com o toque frio daquele nariz contra sua pele, e os cabelos loiros espalhados para todos os lados pinicando seu maxilar.
Uma das mãos de Naruto agarraram a frente de seu casaco com delicadeza e o homem se aproximou mais ainda, estando mais na cama de Sasuke do que em seu próprio saco de dormir, basicamente deitado na diagonal. O suspiro de Naruto aqueceu a pele de Sasuke quando ele balbuciou qualquer coisa com sua voz rouca antes de se ajeitar um pouco mais.
O coração de Sasuke errou uma batida enquanto fechava os olhos com força na tentativa de colocar a cabeça no lugar, e algo ali dentro caiu como um peso quente e incômodo em seu estômago. A realidade de Sasuke parecia estar estremecendo completamente e ele não fazia ideia de como reagir. Deveria empurrar Naruto para longe, deveria se afastar, mas não conseguiu.
Ao invés disso, tornou a dizer para si mesmo que logo aquilo iria acabar, enquanto o cheiro fraco de camomila entrava em seus pulmões. Em breve ele estaria sozinho de novo, pensou, ignorando o fato de que seu nariz tinha se enterrado devagar entre os fios dourados e inspirado profundamente. Logo ele ia ser deixado em paz e não veria Naruto nunca mais, ele tinha conseguido, ele estava morto para o dobe, lembrou mentalmente enquanto fechava os olhos e se afogava naquele cheiro desesperador, conforme seu coração ficava mais alto em seus ouvidos e subia por sua garganta de maneira desconfortável e sufocante.
Sasuke tentou aniquilar a coisa amarga presa em suas cordas vocais, mas, por mais que engolisse, aquilo não descia. Estava muito, muito frio; havia praticamente uma nevasca lá fora, e era por isso que suas mãos estavam tremendo tanto, era por isso que ele tinha mergulhado o rosto nos cabelos de Naruto e respirado fundo para sentir o cheiro de camomila e pele quente. Era por isso que ele estava sufocando com o que quer que fosse. Era só por isso.
Mas ele precisava respirar. Precisava se manter firme e precisava respirar. E precisava tentar dormir. Então, baixinho, com apenas o movimento de seus lábios e quase nenhum som, Sasuke cuspiu o que o engasgava, repetindo aquilo de novo e de novo com o rosto enfiado nos cabelos macios, sentindo o cheiro que ele se recusava a classificar como algo que o acalmava.
Era a primeira vez que ele pedia desculpas a alguém por um minuto inteiro, uma coisa que não era nem um pouco de seu feitio.
Aquilo não o ajudou a se sentir melhor.
Era oficial, Sasuke estava de fato enlouquecendo. Não como no passado, mas com certeza sua sanidade tinha finalmente se estilhaçado.
Depois de cinco dias viajando, ele estava a ponto de ter um colapso nervoso. Sasuke nunca se sentiu tão tenso e estressado na vida — na verdade, já, mas na época ele tinha instintos assassinos exacerbados e não se importava em dar vazão a eles, coisa que não pretendia fazer agora e nem em um futuro próximo.
Por não conseguir classificar o que estava sentindo, Sasuke decidiu que estava irritado. Mas ainda assim era frustrante demais, porque não podia socar ninguém, apesar de estar disposto a fazer isso, inclusive com pessoas específicas. O que mais o deixava puto era: não fazia sentido algum estar irritado, então não tinha porque estar assim.
Exceto que tinha, porque Naruto não olhou para ele, não falou com ele e não reconheceu sua presença expressamente durante aquele tempo. Apenas o seguiu, caminhou ao seu lado ou lhe entregou algo em silêncio como se não fizesse nada e sem sequer olhar em sua direção.
Era o que Sasuke queria, era o esperado, as coisas estavam saindo de acordo com o que ele tinha escolhido e o que deveria acontecer. Mas ele odiava aquilo cada vez mais.
Porque à noite, dormindo, Naruto se enfiava em Sasuke como a grande sanguessuga carente que era. Ele tentou fazer Naruto abraçar o próprio travesseiro e o empurrou de volta para o lugar, mas nada adiantava porque ele sempre se movia até chegar em Sasuke e se aninhava nele mais uma vez.
Depois, dormia tranquilamente contra seu corpo, com a respiração quente e calma fazendo cócegas em seu pescoço ou em seu ombro, desestruturando-o por completo. Sasuke, que raramente dormia, sempre o empurrava para o outro lado perto do horário de acordarem e saía da barraca para Naruto não perceber aquele fato humilhante para ambos.
Então, no dia seguinte, o homem novamente fingia que Sasuke não existia. Ele não fazia ideia de porque não derrubava Naruto da cama ao vê-lo arrastar a cabeça até seu travesseiro e também não entendia porque estava tão irritado ao ser ignorado.
Não tinha absolutamente nada a ver com o fato de que, enquanto fingia que Sasuke não existia, Naruto e Neji pareciam ficar cada vez mais próximos, comendo juntos ou brincando um com o outro esporadicamente conforme andavam na neve. Também não tinha nada a ver com aqueles olhos estranhos e lilases que constantemente estavam sobre Naruto, ou na forma com que aquele cara prestava atenção a tudo. E também não tinha nada a ver com ter notado o olhar de desprezo e desafio de Neji enquanto trocavam de turno.
Além disso, o fato de Sasuke não dormir ajudava a deixá-lo pronto para ter seu colapso. Também não conseguia comer direito, apesar de não ter deixado ninguém notar isso. Desde a discussão com Naruto há vários dias, chutava que tinha conseguido dormir umas onze ou doze horas no total, além de ter vivido de pílulas de comida.
Era um círculo vicioso com o qual já estava acostumado, mas não daquele jeito. Seu corpo não estava funcionando, sua mente era uma bagunça e ele só raciocinava o suficiente para conseguir manter as aparências. Agora que estavam há pelo menos três dias em uma parte praticamente inóspita do País do Fogo, a nevasca se intensificou um pouco mais, e eles continuavam sendo seguidos pelos guardas que ainda não tinham feito nenhum movimento. Entretanto, o tempo ruim tinha piorado repentinamente no meio da tarde — o vento congelante forçava seus corpos a se inclinarem para frente, e a neve os enterrava quase até a altura dos joelhos. Estavam andando desde manhã sem parar e Sasuke só tentava não focar na parte em que seu estômago doía, sua cabeça rodava e seu corpo estava dormente por causa da temperatura e da fraqueza que sentia. A fraqueza tornava inútil ele utilizar Katon, porque ficaria mais fraco ainda e provavelmente teria que parar para repor as energias logo em seguida.
“Eu não aguento mais, pelo amor de Deus, eu preciso comer alguma coisa quente e sentir os dedos dos meus pés!”, reclamou Naruto contra o barulho do vento.
“Você acha que eu sou idiota? Já saí da nossa rota há horas e desviei para a vila mais próxima.”, falou Shikamaru mal humorado, ainda liderando a formação. “Neji, você consegue vê-los?”, indagou por cima do ombro.
O Hyuuga irritante atrás dele e de Naruto precisou gritar para o outro ouvi-lo. “Estão longe e a neve está os detendo também.”
Shikamaru pareceu assentir, e Sasuke cruzou os braços no peito para tentar esquentar um pouco mais. Sua franja batia em seu rosto desgovernadamente e ele trancou o maxilar com a fisgada ardida e repentina em seu estômago, fazendo-o puxar o ar gelado pelo nariz com força. Merda, ele não podia ter escolhido o pior momento do mundo para ficar daquele jeito.
Pela primeira vez em dias, ele abriu a boca, e sua voz saiu rouca pela falta de uso. “Quanto tempo até a vila?”, perguntou alto o suficiente.
“Nesse ritmo acho que umas duas horas, talvez mais.”, respondeu o capitão.
“Eu consigo ir mais rápido do que isso.”, disse Neji atrás de todos. “Acredito que vocês também. Talvez assim a gente até tenha a oportunidade de sair do rastro dos Anbus.”, concluiu em um tom mais distante.
Sasuke sentiu outra fisgada no estômago e puxou o ar novamente. Ele já estava indo o mais rápido que podia e não sabia se aguentaria manter aquele ritmo por mais vinte minutos, quem dirá duas ou três horas.
“Vamos gastar mais energia, mas estamos em uma situação complicada. Aumentamos o passo?”, perguntou Nara, também mais baixo do que antes.
Sasuke mantinha os olhos no chão, e de repente a neve imaculada pareceu escurecer um pouco nas bordas. Sua cabeça também ardeu em algum ponto e rodou mais do que antes. A compreensão de que os dois não tinham diminuído o volume da voz, e sim sua consciência que estava começando a oscilar, o atingiu. Se ele não parasse agora, ia desmaiar — estava fraco, exausto, sem comer direito e o frio parecia congelar seus ossos.
Reconhecendo que não conseguia mais ir adiante, Sasuke empacou no meio do caminho, do nada. Naruto, ao seu lado, parou automaticamente, assim como o Hyuuga. Shikamaru olhou para trás ao perceber que eles não o acompanhavam.
Com a sensação de humilhação queimando junto com tudo que sentia, preferiu, pela primeira vez em dias, falar diretamente com Naruto — ele não admitiria aquilo para os outros dois nem em um milhão de anos. Sasuke subiu os olhos e seu coração deu um salto estranho ao perceber que Naruto já estava olhando diretamente dentro deles com o que parecia ser alguma preocupação, o que era novo.
“Eu não consigo ir mais rápido, Naruto. Não estou muito bem.”, disse baixinho para só ele ouvir.
Ele examinou seu rosto minuciosamente pela primeira vez em dias. Então, lentamente, as sobrancelhas loiras cobertas de flocos de neve subiram em surpresa e as íris azuis pareceram brilhar e esquentar com mais compreensão do que deveriam. A mão dele subiu para segurar o bíceps de Sasuke como se o firmasse. Talvez fosse mesmo necessário.
“Sasuke, porque não me disse antes?”, perguntou Naruto parecendo alarmado enquanto entrava totalmente em seu espaço pessoal, mas Sasuke apenas se inclinou mais para ele de maneira involuntária. Ele falava como se Sasuke tivesse tido alguma abertura para reclamar mesmo se quisesse, como se os olhos de Naruto tivessem pousado alguma vez sobre ele naquela semana ou que o homem não tivesse feito cara feia sempre que se visse obrigado a ficar sozinho com Sasuke.
“Eu...”, ele começou em um tom humilhantemente fraco.
“Sobe nas minhas costas.”, anunciou então Naruto com convicção.
Levou dois segundos para ele entender e reagir.” O que? Não!”, protestou Sasuke com a voz rouca enquanto dava um passo hesitante e instável para trás.
“Não tem outro jeito, você sabe disso. Não podemos ficar aqui parados, você vai piorar e não tá bem.”, argumentou enquanto virava de costas e enganchava as mãos em seus joelhos para o levantar, forçando-o a tombar sobre ele sem lhe dar chance de decidir.
Não surgiram forças nem para se queixar ou responder. Contrariado, passou os braços pelo pescoço dele e encostou a testa em sua nuca. No momento seguinte, Naruto começou a andar bem mais rápido do que antes.
“Vamos nos apressar.”, Sasuke ouviu ele falar de forma urgente antes de aumentar o aperto ao redor dos seus joelhos e seguir em frente quase trotando.
“Não precisa correr, eu não estou morrendo.”, murmurou Sasuke de olhos fechados no ouvido de Naruto, que pareceu chacoalhar em um arrepio.
“Ai, caralho, não fala tão perto do meu ouvido, porra.”, ele reclamou. “E você tá dizendo isso porque não viu sua cara. Porque você não disse que tava mal, seu idiota? O que te fez ficar assim, você tá doente?”, esbravejou.
Sasuke se viu incapaz de pensar em uma mentira no momento. “Eu não consigo comer nem dormir há algum tempo.”, sussurrou sem forças, sentindo a exaustão o tomar quase completamente. “O frio me deixa assim.”, completou como desculpa.
“Sasuke, você é um imbecil, agora seu corpo tá fraco e você está congelando, que merda.”, ele reclamou, tomando um momento para olhar para trás antes de continuar. “Droga, eles não estão me acompanhando muito bem, estamos há horas da única vila por perto e você tá morrendo, eu não sei o que fazer.”, Naruto disse com raiva. Sasuke não respondeu diante do drama dele, tentando apenas se manter consciente. “Oi, você morreu mesmo?”, veio a voz dele de longe, e Sasuke novamente se agarrou à realidade para não dormir ou desmaiar. “Ei...? Teme, você morreu?”, Naruto se desesperou, seu corpo ficando tenso.
“Sim.”, soprou Sasuke com esforço, e isso fez ele relaxar os ombros devagar e rir baixinho.
Aquele som evocou um sentimento de gratidão tão grande que era como se estivesse recebendo uma mínima redenção depois de tudo. Mas era uma redenção que não podia aceitar e não queria, então Sasuke se repreendeu firmemente por isso. Seu estômago doeu mais um pouco em conjunto com sua cabeça e ele teve a sensação de estar rodando. Suas pálpebras pareciam bem pesadas e sua respiração, mais lenta. O vento ao redor deles tinha parado de fazer barulho apesar de não ter diminuído, e ele sabia que era sua consciência escapando por seus dedos.
“Shika, eu preciso esquentar ele agora, Sasuke tá quase desmaiando.”, veio a súplica de muito longe.
“E o que você quer que eu faça? Continue andando!”, disse o capitão.
“Eu preciso usar o Modo Kurama, consigo chegar na vila em minutos!”, vociferou ele meio ofegante pelo esforço de carregar um homem adulto nas costas durante uma nevasca onde eles mal conseguiam andar direito.
“Naruto, você ouviu Kakashi, se você fizer isso a missão toda será estragada e tudo isso estará sendo em vão. Além disso, vamos criar problemas entre o Hokage e o Conselho. Isso não é só uma missão, isso afeta toda a política de Konoha.”, respondeu Shikamaru seriamente.
“Mas que merda, Shika, ele-”
“Eu estou bem, só preciso dormir e isso pode acontecer se você calar a boca, usuratonkachi.”, Sasuke sussurrou fracamente.
“Oh... Ok. Ok!”, concordou energicamente antes de abaixar o tom para que ninguém mais o ouvisse. “Só... me diga se você estiver muito mal. É sério Sasuke, me fala e eu mando essa missão para o inferno, depois eu lido com Kakashi e com os Anbus, lido com aquele bando de velhos se precisar...”, ele insistiu.
Com um suspiro cansado, Sasuke murmurou positivamente e enfiou as mãos dentro da gola do casaco de Naruto, já que não tinha mais os próprios bolsos para esquentá-las.
Ele estremeceu. “Sim, eu preciso de ajuda para congelar com as suas mãos de defunto enfiadas no meu pescoço.”, reclamou enquanto arfava.
Sasuke queria conseguir dizer para ele o soltar, queria ter capacidade de se manter em pé, mas sabia que era impossível. Agora mesmo sua mente estava tão confusa e embaralhada que ele nem pensava direito. A única coisa que o mantinha acordado era a preocupação em deixar Naruto alarmado e incitá-lo a fazer alguma coisa idiota, como estragar a missão toda.
“É uma troca justa e o mínimo que você pode fazer.”, resmungou molemente com os olhos fechados no vão entre o próprio braço e a lateral do pescoço de Naruto.
“Troca justa pelo quê? Por me permitir te carregar na neve, seu idiota?”, foi a resposta dele com humor.
Sasuke soltou uma risada suave pelo nariz que fez Naruto chiar mais uma vez. “Sim, e por eu te impedir de congelar à noite também, agradeça.”
Naruto bufou e prosseguiu sem responder. Sasuke se agarrava ao último fiapo de consciência que conseguia, mas estava muito cansado e mesmo com todo o vento e a neve ao redor deles, o contato de seu peito com as costas de Naruto fez um pouco do seu frio diminuir.
“Ei, você pode dormir, eu não vou te deixar cair. Tô te segurando.”, murmurou ele de uma forma quase suave que o aqueceu um pouco mais.
O mínimo sorriso pacifico que surgiu no rosto de Sasuke foi completamente involuntário, e ele sequer registrou quando respondeu um “Obrigado” fraco e sussurrado, apagando segundos depois.
O grupo fez seu registro na primeira pousada decente que encontraram e Naruto discutiu um pouco com a mulher no balcão por ela não permitir que ele falasse por Sasuke, desmaiado em suas costas. Ela ficou ainda menos inclinada a aceitar quando descobriu que os dois dividiriam um quarto — coisa que Naruto realmente não queria, mas não tinha como lutar contra. Entretanto, ao ver que perderia quatro clientes, ela deu uma chave para cada e ficou mastigando a própria língua.
Naruto subiu com dificuldade os degraus atrás dos outros dois e parou diante da porta do quarto, tentando destrancá-la sem acordar Sasuke. Neji, que já tinha aberto o quarto ao lado, pegou a chave de sua mão e o ajudou.
Ele murmurou um agradecimento e Neji o surpreendeu retribuindo com um raro sorriso brilhante enquanto lhe dava as costas. Naruto estava rindo para si e chacoalhando a cabeça de leve quando entrou e fechou a porta.
Com um suspiro, parou ao lado da cama mais distante da janela por causa da friagem e chamou Sasuke delicadamente. As mãos dele ainda estavam enfiadas sob a gola do seu casaco, o que foi bom, porque impediu que ele se soltasse e caísse para trás durante a viagem.
Ele devia estar realmente exausto, porque não acordou. Naruto na verdade não queria acordá-lo, porque ficou chocado ao ver o quanto Sasuke estava abatido ao estudá-lo. Porém, era necessário, já que não tinha como colocá-lo na cama daquele jeito sem jogá-lo para trás.
Chacoalhando os próprios ombros, o chamou novamente, dessa vez mais energicamente, e viu Sasuke levantar a cabeça e olhar ao redor como se a própria alma ainda não tivesse voltado para o corpo.
“Ei, chegamos no hotel, a cama tá aí do seu lado.”, explicou Naruto enquanto soltava suas pernas lentamente.
As mãos pálidas deslizaram de dentro de sua roupa devagar conforme Sasuke praticamente escorria para a cama e caia no sono com as pernas fora do colchão.
A compaixão que a cena fez brotar em Naruto não era bem vinda, mas Sasuke parecia completamente esgotado. Ele também não pôde deixar de se sentir culpado — Naruto tinha ignorado completamente a presença dele durante toda a viagem, então não tinha percebido seus hábitos mudarem. De fato, tinha buscado a atenção de Neji mais do que o normal durante aquele período, algo que estava sendo muito recíproco, e usou isso para não prestar atenção no bastardo.
Naruto tirou as botas dele e as arrumou ao lado da porta do mesmo jeito que Sasuke teria feito, então ajeitou suas pernas sobre o colchão com cuidado. Recebeu um resmungo indecifrável ao tirar a bagagem das costas dele e ao tentar puxar as cobertas debaixo do corpo inerte para arrumá-lo direito.
“Eu sei, tô só te cobrindo e te deixo voltar a dormir.”, murmurou Naruto mesmo sabendo que nem estava sendo ouvido, antes de finalmente conseguir ajeitá-lo sobre os travesseiros e cobri-lo com o edredom macio.
Ele ligou o aquecedor ao lado da porta com alguma dificuldade por causa do encanamento antigo, soltando alguns palavrões baixinho. Então, finalmente, com um suspiro longo, também tirou os próprios sapatos e o casaco, pendurando-o perto da porta e pegando suas coisas antes de ir para o banheiro. Ligou o chuveiro, se despiu rapidamente por causa do frio e entrou na água quente.
Ele tremeu com o choque e ficou alguns minutos parado embaixo do jato de água para se esquentar, agradecendo a Deus por voltar a sentir os dedos dos pés. Quando saiu do banheiro vinte minutos depois, secava o cabelo com a toalha e usava roupas bem mais leves.
Parou para checar Sasuke, que não tinha nem se movido, e ficou feliz ao constatar que havia um pouco mais de cor em seu rosto. Ele parecia tão tranquilo agora, sem a expressão fechada que sempre exibia e nem a ruguinha entre as sobrancelhas.
Naquele momento, Sasuke nem parecia ser a mesma pessoa que tinha dito toda aquela porcaria dias atrás, e sim o homem com quem ele tinha convivido antes de sair da mansão Uchiha — aquele com quem Naruto conseguia se comunicar pelo olhar, aquele que sorria brevemente quando ouvia algum de seus comentários idiotas.
O mesmo cara que o levou para comer na cozinha ao ouvir seu descontentamento sobre não sair do quarto, ou buscou lamen para ele no hospital e no dia em que Naruto se recuperou completamente. Um sorriso triste enfeitou seus lábios enquanto ele se sentava na própria cama e o observava, ruminando as lembranças.
Ele não veria mais Sasuke dali alguns dias — nem o que lhe cuspia desaforos e nem o que demonstrava as coisas através de algumas gentilezas. Naruto ainda não conseguia compreender o que fazer sobre isso, nem como encarar essa história. Conforme os dias se passavam, buscou cada vez mais o conforto da amizade de Neji, porque não queria pensar sobre isso, mas seria mentira se dissesse que teve o efeito desejado.
Ele gostaria de poder falar com alguém que soubesse de toda sua história com Sasuke e da ligação entre eles, mas se essa pessoa existia, provavelmente estava morta. Os olhos azuis e tristes ainda não tinham se desviado da expressão serena de Sasuke, e Naruto apoiou os antebraços nos joelhos enquanto deixava o sorriso doloroso cair.
Era a primeira vez em dias que se sentia mais leve de verdade, como se algo tivesse desmanchado ali dentro. Apesar de toda a neve e de seu desespero ao ver o estado de Sasuke, trocar meia dúzia de palavras amigáveis com ele tinha feito seu coração parar de sangrar um pouco. Não havia explicação para os sinais que Sasuke emitia em momentos como aquele, porque era como se de repente tudo estivesse certo, como se tudo o que ele tivesse dito de ruim fosse uma total mentira.
E havia o fato de Naruto ter aberto os olhos em duas noites diferentes e percebido que, em sua inquietação, tinha rolado direto para Sasuke, que tinha só... aceitado isso. Na tentativa de não enlouquecer com os sinais mistos, evitou pensar a respeito, porque não precisava significar alguma coisa e Naruto estava cansado de se sabotar.
Em ambas as vezes que abriu os olhos, sentiu a respiração de Sasuke sobre sua cabeça, e hoje descobriu que ele estava há dias sem dormir direito — o que significava que provavelmente Sasuke estava acordado nos dois momentos e, ainda assim, não parecia nada incomodado com a aproximação.
Não que Naruto pudesse falar alguma coisa, porque também não quis se afastar. Suas bochechas ganharam cor ao lembrar da cena e do quanto aquilo parecia... estranho, principalmente depois da conversa com Sakura. O que antes era algo sem malícia alguma, agora soava meio errado. Ele se lembrava de ter o rosto escondido no pescoço de Sasuke, seu nariz e sua boca tocando a pele clara, os dois embaixo de algo que só podia ser a manta dele.
Então Sasuke tinha se preocupado o suficiente para cobri-lo e aceitou ser abraçado por ele... completamente consciente. Acordado. Por provavelmente dias.
O cérebro de Naruto quase deu um pane com as informações que assimilava, porque era algo que ele nunca tinha posto sob análise, mas que era óbvia — Sasuke não era o tipo de pessoa que simplesmente aceitava alguém em seu espaço pessoal, e isso era só sobre se aproximar dele, não era nem sobre tocá-lo.
Aceitar o mínimo contato de alguém que dormia ao lado dele era o tipo de coisa que Sasuke não faria com qualquer um. Claro que provavelmente essa aceitação se dava por causa do convívio que eles desenvolveram pelo tempo em que moraram juntos, afinal, Sasuke precisava tocar Naruto todos os dias e carregá-lo de um lado para o outro.
Mas não fazia sentido algum o homem aceitar isso dele depois do que tinha dito, depois de falar com todas as letras que não se importava com ele e o queria o mais longe possível. Ninguém abraça uma pessoa que despreza, e Sasuke era ainda mais restrito sobre isso.
Se era assim, porque ele deixava aquilo acontecer? Porque ele tinha, inclusive, praticamente o envolvido de volta? E porque ele dava tantos sinais contraditórios?
A lembrança da última discussão deles foi puxada em sua mente — ele não havia analisado isso até então, mas tinha quase certeza de ter ouvido Sasuke dizer que o problema não era com Naruto. Mais um sinal contraditório que se afundava em sua mente, mais uma coisa para ser levada em conta.
Estava tão cansado de precisar ler Sasuke nas entrelinhas. Não era uma novidade porque o bastardo sempre tinha sido assim, mas era exaustivo. Naruto nunca sabia se podia levar em consideração qualquer coisa que vinha dele, fosse em forma de palavras ou ações, porque uma coisa normalmente estava em conflito com a outra — se Sasuke fazia algo minimamente gentil, normalmente falava desaforos na próxima oportunidade. Se ele dizia alguma coisa legal, era para em seguida fechar a cara e evitá-lo.
As mãos de Naruto subiram para esfregar o rosto com certa agressividade. Aquela gangorra emocional era enlouquecedora, ele estava esgotado. Sua incapacidade de desistir das coisas também não ajudava em nada, e chegava a ser absurdo — quantas vezes mais ele ia aceitar as merdas de Sasuke ou tentar achar pretextos para o que acontecia, como agora?
Ele sempre focava nos sinais que queria, ou seja, nos que diziam que aquele imbecil na verdade se importava ou o desejava perto. Porém, havia muito mais coisa lhe dizendo ao contrário, ações e palavras expressas de Sasuke lhe provando quase matematicamente que não queria ele ali.
Mas é que as coisas que Naruto selecionava para lançar seu escrutínio sobre, normalmente derrubavam todas as ações e palavras negativas, como o fato daquele homem conscientemente deixá-lo dormir quase agarrado à ele, ou a parte em que ele dizia que o problema na verdade não era Naruto...
“Argh, mas que inferno!”, chiou em um sussurro áspero para si mesmo, novamente esfregando a cara. “Você vai me enlouquecer, é isso que vai fazer, seu imbecil de merda! Para de brincar comigo!”, lançou esse murmúrio dessa vez para Sasuke, que sequer tinha se movido.
Em um salto, se colocou de pé e foi até o interruptor, apagando a luz. Foda-se Sasuke, foda-se, ele que decidisse a merda que quisesse, independente de seus motivos ridículos, Naruto estava cansado. Não fazia diferença se aquele bastardo estúpido se importava com ele ou não, se o queria por perto ou não, porque ele no fim das contas tinha decidido ir embora e Naruto não ia morrer por isso.
Não importava tampouco se eles tiveram um passado, se eram almas irmãs do caralho a quatro ou se lutaram por vidas, porque nessa vida, Naruto era Naruto e Sasuke era Sasuke, e aquilo tinha ido longe demais. Ele não ia mais se humilhar por alguém tão egocêntrico e com tão pouca consideração por qualquer ser humano. Estava cansado de tentar mantê-lo por perto, as próximas versões deles que se resolvessem, porque essa já tinha chegado ao limite.
Notes:
Olá pessoas bonitas! Como passaram o mês, tudo certo? O meu foi ok.
Pois bem, vou ser sincera com vocês agora: o próximo capítulo é o último que eu tenho certeza que vai ficar como está. Os SETE ÚNICOS CAPÍTULOS (oh Deus) que estão escritos depois dele vão estar sob revisão por um tempo, até porque eu AINDA não consegui voltar a escrever. Terminei um capítulo, mas meio capenga KKKKKKKK
A questão é que estou passando por alguns problemas pessoais que me desanimaram muito de tudo. Desenvolvi diplopia há uns cinco anos, e isso me impede de fazer várias coisas, inclusive sair muito de casa, então eu não trabalho, apesar de ter me formado há três anos. Tenho muita enxaqueca se forço a vista, por isso evito sair. Aliás, segunda é meu aniversário, e isso me deprime ao extremo, porque né, estou ficando mais velha e não saí do lugar. A cirurgia é bem cara, então não sei se vai rolar tão cedo.
Enfim, é apenas um desabafo e uma "satisfação" que estou dando a vocês, porque sinto que devia. Existem várias pessoas lendo a fic e me apoiando, esperando os próximos capítulos, me dando dicas de como voltar a escrever, mas eu sei que o problema não é exatamente escrever, é esse background merda que estou vivendo atualmente. Em algum momento alguma coisa vai dar certo, tenho certeza, mas por enquanto está complicado, então peço mais da paciência maravilhosa de vocês.
Já disse e vou repetir que vou terminar essa fic, e quero começar outra depois, mas a pressão que eu me coloco para escrever me faz mal, e sinto que isso só piora minha capacidade, então vou tentar escrever quando conseguir. Vou revisar os próximos capítulos e ir postando aos poucos como tenho feito, mas não fiquem bravos caso demore. De qualquer forma, vou continuar atualizando, mas não sei em que ritmo.
Espero que não desistam da fic, nem de mim. Vou continuar escrevendo e postando mesmo que ninguém esteja lendo, mas é legal ter vocês comigo, ler os comentários, saber que faço algo que as pessoas estão gostando, relendo, se emocionando.
Bom, é isso. Pela milésima vez, obrigada pelo apoio que estão dando, pelos comentários, pelo carinho e, principalmente, pela paciência.
Nos vemos no próximo capítulo (QUE É UM SMUT, DEIXO AVISADO) <3
Chapter 32
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
“A nevasca não vai melhorar pelo menos pelos próximos três ou quatro dias, então no último relatório avisei Kakashi que vamos esperar para prosseguir. Os Anbus ainda estão nos arredores, evitem seguir uma rotina muito clara para não facilitarmos o trabalho deles criando padrões. Como Naruto e Sasuke precisam se manter juntos, se eu ou Neji precisarmos sair para alguma coisa, sempre estaremos juntos e isso obviamente vale para vocês dois.
Por precaução o pergaminho vai ficar cada dia com um de nós, e isso será decidido em momentos aleatórios. Não podemos descartar a possibilidade de ter mais um grupo na nossa cola por causa do pergaminho em si, e não por causa de Sasuke.
Se precisarmos falar sobre os guardas, será na forma de bilhetes como esse, agora que não estamos ao ar livre não sabemos se estamos sendo ouvidos. Não me acordem antes das dez por motivos idiotas. ”
Naruto ergueu as sobrancelhas e bufou, dobrando novamente o papel e o voltando para a mesa de cabeceira. Ao olhar em volta, percebeu que as coisas de Sasuke não estavam mais jogadas no pé da cama, o que significava que ele tinha acordado em algum momento e deixado o bilhete de Shika para Naruto ler. Dava para vê-lo na cama embaixo dos cobertores, mas ele não fazia ideia de Sasuke estava acordado ou não.
A luz cinzenta que entrava pelas frestas da janela indicava que já tinha pelo menos amanhecido, mas não se incomodou em levantar. Jogando novamente o edredom sobre a cabeça, se encolheu e voltou a dormir — no momento Naruto só queria desaparecer, e ele ia tomar aqueles dias no hotel para fazer exatamente isso e olhar o mínimo possível para Sasuke. Talvez assim ele conseguisse lidar melhor quando se separassem de vez.
“Você pode decidir seu futuro, mas não pode fugir do destino.”
Naruto se sentou na cama de uma vez enquanto procurava por ar, seu peito subindo e descendo rapidamente conforme seu coração pulsava nos ouvidos, rápido e descompassado. Sua mão subiu para limpar a testa molhada e afastar os cabelos grudados. Ele podia sentir a roupa colada no suor do próprio corpo quente.
Olhou ao redor e viu Sasuke, que o estudava deitado na própria cama sob a luz fraca do abajur enquanto segurava um livro. Ele voltou sua atenção para as páginas assim que Naruto devolveu seu olhar, e tirou a própria franja de trás da orelha discretamente, deixando-a cair e cobrir o perfil de seu rosto.
“Tem comida.”, o murmúrio de Sasuke viajou até seus ouvidos no silêncio do quarto, fazendo os olhos azuis descerem automaticamente para a mesa de cabeceira. Havia uma caixa de Yakisoba ali com os hashis de madeira simples embrulhados em plástico ao lado. “Shikamaru trouxe para você, já que eu não podia sair.”, explicou ainda com o rosto encoberto pela franja.
“Não tô com fome.”, Naruto sussurrou de volta sem inflexão na voz, levantando-se em câmera lenta.
Sem pensar muito, pegou as primeiras roupas limpas que viu e caminhou até o banheiro, jogando-as para o lado antes de fechar a porta e escorar as costas nela. A mão trêmula foi para o peito, onde ele apertou a blusa entre os dedos.
Tinha quase certeza que sonhou algo importante, mas não se lembrava o que — só sabia que tinha sido um sonho diferente dos outros que já teve, e mesmo assim nem se recordava da frase que seu cérebro gravou antes de acordá-lo bruscamente. Alguma coisa sobre não ter como escolher o destino ou algo assim.
Enquanto tentava organizar os pensamentos perdidos, Naruto abriu o chuveiro e se despiu, parando para encarar o próprio reflexo no espelho simples sobre a pia. As pontas de sua franja estavam molhadas de suor e seu rosto não parecia mais familiar — os olhos pareciam mais duros e sua expressão era quase ríspida demais.
Aquele não era ele, quando Naruto tinha se tornado aquele homem? Quando foi que perdeu a luz drasticamente, sem nem notar esse processo? Fazia tempo que tinha se transformado naquilo ou tinha sido algo recente? Foi quando Sakura terminou? Foi depois de Sasuke ir embora há dois anos ou depois que ele tinha voltado?
Frustrado, Naruto se afastou do reflexo do homem com quem já não conseguia se identificar e caminhou até o box, onde entrou e apoiou a testa nos azulejos frios conforme a água quente levava seu suor embora. Fechou os olhos e respirou fundo na tentativa de se acalmar, mas o ar saiu trêmulo e sua cabeça estava a milhões, o coração apertado. Ele socou a parede sem se importar se alguém ia ouvir.
“Merda.”, cuspiu baixinho enquanto sentia o peito apertar e as lágrimas brotarem.
A água do chuveiro escorreu com elas por seu rosto e as lavou como se nem existissem, e isso permitiu que Naruto deixasse sua frustração e o que quer que fosse correr livremente por suas bochechas e desaparecer no ralo.
Ele não sabia o que tinha sonhado, mas algo lá o desestabilizou enormemente ao ponto dele acordar com a sensação de ter sido posto naquele corpo por engano, e quando conseguiu se acalmar, a visão de ex-colega de time fez seu estômago apertar — porque era nisso que ele tinha se transformado agora, um ex-colega de time. Sasuke agia como se nada tivesse acontecido — como se nunca tivesse ido embora, como se não tivesse dito nada, como se eles não fossem se separar de uma vez por todas dali a alguns dias, como se nunca tivesse segurado Naruto contra o próprio peito ao vê-lo mal, ou prometido que eles se veriam mais vezes no futuro...
Seria melhor se Sasuke tivesse sido morto , pensou o homem que Naruto tinha se tornado, porque não era ele. Entretanto, não conseguiu parar a linha de raciocínio que se formava e não o pertencia — que era preferível Sasuke ter morrido em algum momento do que ter voltado para nunca ficar de verdade. Que preferia chorar pela morte dele do que pela confusão e dor que sentia agora.
Naruto encarou os próprios pés morenos contra a louça da banheira embutida e soltou o ar junto com mais lágrimas antes de dar outro soco nos azulejos ao lado do próprio rosto e engasgar como se sufocasse. “Merda!”, disse um pouco mais alto agora.
Ele murmurou xingamentos para os ladrilhos onde encostava a testa e tentou se acalmar para tomar banho. Aquilo era ridículo, porque não podia se manter em um padrão, porque tudo tinha que ir e voltar, sua dor, sua raiva, a vontade de mandá-lo embora de vez só para em seguida sofrer daquele jeito pela possível ausência dele?
Naruto estava tão no fundo do poço e Sasuke lidava com tudo tão bem e compostamente como se não desse todos os sinais contraditórios do mundo, como se não fizesse Naruto se sentir tão valioso em alguns momentos, como se nunca tivesse sentido nada ou feito nada que indicasse que ele se importava.
Quando saiu do banheiro depois de se vestir, não estava melhor — aliás, se sentia ainda mais sufocado. Parou diante da porta aberta e encarou Sasuke, que lia seu livro em uma expressão desinteressada. Levou um momento para ele perceber que Naruto o fitava impetuosamente.
Os olhos desiguais se levantaram das páginas amarelas para estudá-lo de volta e agora havia algum resquício de inquietação ali, mas nenhuma raiva. Naruto, que tremia dos pés a cabeça enquanto tentava não explodir em sabe-se lá o que, deu os últimos passos no quarto e parou diante dele, que ainda o encarava sem entender.
“Por que você finge que não se importa comigo?”, Naruto quase rosnou entre dentes. Suas mãos tremeram e ele escolheu fechá-las em punhos firmes que fizeram os nós de seus dedos ficarem brancos.
Sasuke pareceu muito surpreso com a pergunta, mas em seguida seu olhar ficou frio. “O que te leva a pensar que eu finjo qualquer coisa?”, ele perguntou indiferente.
Suas narinas se dilataram de cólera e ele fez força para não pular na cara dele. Seu maxilar se afiou quando Naruto contraiu a mandíbula com firmeza por um momento.
“Eu não sei a merda que você tá tentando fazer, mas não tá fazendo direito.”, disse severamente.
Sasuke o analisou imperturbável e pegou o marca páginas na mesa de cabeceira para deslizá-lo entre as folhas velhas. O livro foi colocado de lado calmamente, e tudo isso foi feito sem o olhar pesado de Sasuke deixá-lo.
“O que você quer dizer?”, seu tom era afiado agora.
Naruto se aproximou ainda mais e sua perna tocou a estrutura da cama. “Quero dizer que você não é o tipo de idiota que deixa alguém que despreza tanto, chegar tão perto.”, murmurou com raiva enquanto um de seus joelhos se afundava no colchão, e Sasuke pareceu perder a pose por um momento enquanto a mão de Naruto agarrava a gola da blusa dele e o aproximava seus rostos até os narizes quase se tocarem. Sasuke o fitou em choque. “Quero dizer que, às vezes, suas ações me fazem acreditar que você me odeia, mas você se contradiz o tempo todo.”, seu tom era de puro desgosto e ele o chacoalhou de leve. “Eu quero saber se você já foi sincero consigo mesmo alguma vez na vida sobre querer minha amizade. Você é um desgraçado problemático que tá conseguindo acabar com toda a porra da minha sanidade porque diz uma coisa, mas faz outra.”, outro chacoalhão, e os olhares ainda não tinham se desviado. Sasuke parecia cada vez mais afetado, e Naruto não sabia se era por causa de suas palavras ou por sua audácia de pegá-lo pelo colarinho. “Você tá fazendo isso de propósito, por acaso? Está tentando realmente me quebrar de dentro para fora? Porque se você me despreza e está mesmo fazendo isso para me quebrar, é ainda mais psicopata do que eu pensava. Se quer dar o fora, faça isso, mas chega de brincar comigo, eu não aguento mais.”, sua voz era um pouco mais alta agora e as íris azuis nunca estiveram tão cheias de coisas embaralhadas.
Os lábios de Sasuke tinham se separado minimamente e ele estava cada vez mais lívido, os olhos cheios de coisas que Naruto não entendia, mas a sensação era de estar mergulhando em algo profundo, espesso e confuso.
A mão de Sasuke agarrou sua blusa também, e ele parecia tremer. Sentiu seu corpo ser puxado e seus narizes se encostarem; os olhos de Naruto desceram devagar daquela imensidão escura e pousaram nos lábios entreabertos, a ponta da língua de Sasuke surgindo minimamente para molhar o lábio rachado.
A raiva de Naruto pareceu mudar e seu corpo esquentou, sua mão apertou ainda mais a gola do homem e ele tornou a olhar para aqueles olhos, que por um momento pareciam fora do ar. Então seu peito foi empurrado e Naruto se viu o soltando para dar dois passos para trás e se equilibrar.
Quando Sasuke falou, então, foi em seu desprezo usual. “Você com certeza está fora da realidade. Já parou para pensar que nem tudo que eu faço tem um motivo ou tem a ver com você ? Não é cansativo criar cenários para se sentir melhor sobre eu querer ir embora? O quê, agora cada vez que eu for minimamente civilizado, você vai analisar tudo até encontrar algo que possa aumentar para acreditar que, no fundo, eu sou quem você pensava que eu fosse? Só porque você me carregou e eu ri das suas piadinhas isso significa que alguma loucura da sua cabeça é verdade? Além disso, eu não estava morto para você? Vamos manter assim, volte a me ignorar e pare de ser um fardo, já estou de saco cheio dessa merda também.”, ele concluiu, voltando a pegar o livro e sequer se dando o trabalho de olhar Naruto uma segunda vez.
“Então realmente é assim que você me vê, como um fardo ?”, perguntou com os olhos embaçados e o coração cheio de dor. Cada uma daquelas palavras parecerem estacas enfiadas até o fundo de sua alma.
Sasuke nem levantou a cabeça. “Se você não percebeu, eu estou tentando ler.”
Ele não podia desmanchar ali agora, não podia. Naruto trancou o maxilar e se concentrou em sair daquele quarto, parando na porta ao lado e batendo com os nós dos dedos enquanto encarava a madeira fixamente, contando os segundos.
Quando chegou no treze, Neji abriu a porta. Ele vestia uma yukata preta de seda e seus cabelos estavam presos em um coque desleixado, dava para ver que estava dormindo segundos antes. Naruto praguejou mentalmente porque não tinha se preocupado em ver as horas.
“Ei, hã, desculpa, eu não olhei o relógio. Volte a dormir.”, disse enquanto dava um passo incerto para trás.
“O que aconteceu?”, perguntou Neji com uma pitada de preocupação na voz firme. Naruto não podia falar daquilo sem quebrar, então só negou com a cabeça e fez um gesto indicando que não era nada, mas o amigo estendeu a mão em sua direção. “Naruto, venha aqui.”, comandou sem deixar margem para receber um não.
Ele olhou dos olhos lilases para a mão pálida salvadora que se inclinava em sua direção o esperando, e só se aproximou para pegá-la. Neji o conduziu para dentro do quarto escuro e fechou a porta.
Sem esperar, Naruto se aproximou, e rapidamente os braços do homem estavam em sua cintura devolvendo o abraço sem hesitação. Naruto tremia enquanto enfiava o rosto no pescoço quente e fechava os olhos com força.
Neji começou a fazer um carinho em seus cabelos conforme caminhava para trás, puxando-o para a cama e voltando a envolvê-lo de maneira protetora quando se deitaram, uma mão em suas costas e a outra acariciando sua cabeça com cuidado.
Todo seu corpo trêmulo estava sendo aquecido pelo dele, seu peito, suas pernas emboladas, seus braços, seu rosto contra o pescoço magro, seu ser que precisava desesperadamente de qualquer afeto e compreensão...
“Está tudo bem, eu estou aqui.”, o amigo murmurou colocando uma mecha de seus cabelos loiros atrás da orelha.
Aquela frase significava tanto e sua voz era tão quente e receptiva que Naruto só permitiu que as lágrimas transbordassem e molhassem a pele pálida, enquanto deixava um soluço seco escapar. Ele abraçou Neji com mais força e sentiu os braços do outro o apertarem de volta na mesma intensidade.
“Eu não aguento mais discutir com ele, tentar entender o que tá acontecendo, não aguento mais sentir esse monte de coisas.”, Naruto confessou enquanto soluçava e o esmagava cada vez mais.
“Eu sei, mas já está quase no fim.”, consolou Neji firmemente.
“Não tá, eu não consigo, essa história nunca vai ter fim pra mim. Tem alguma coisa de errado comigo.”, ele soluçou mais um pouco e chacoalhou em mais lágrimas grossas.
“Não tem nada de errado com você. Pare de se culpar pelas coisas.”, Neji sussurrou enquanto levava os dedos para limpar o rosto enfiado em sua clavícula.
Naruto olhou para cima e o fitou suplicante no escuro. “ Tem algum problema comigo, porque eu não consigo só...? Eu nem me conheço mais.” Os olhos azuis arderam de tristeza na penumbra.
Seu coração doía. Sasuke estava certo, ele criava cenários para se sentir melhor, aparentemente. Ele não conseguia desistir daquele merda e se enganava dia após dia para lidar com isso há dois anos, senão mais. Pelo visto, sempre faria isso.
Neji o estudou por um momento com tanto carinho que nem parecia ele. “ Eu conheço , e vou fazer o possível para te lembrar toda vez que você se perder.”, disse enquanto descia o rosto para o seu. Os lábios grossos pararam abaixo de um seus olhos e deslizaram de um lado para o outro devagar espalhando suas lágrimas, e a doçura daquele gesto foi a única coisa que o permitiu respirar naquele momento. “Você é um idiota teimoso que não sabe manejar uma espada nem se a própria vida depender disso.”, começou ele, e Naruto soltou uma risada fraca pelo nariz que se mesclou a um soluço enquanto fechava os olhos. A boca ainda deslizava de um lado para o outro em sua bochecha calmamente, e os dedos finos continuavam se movendo entre seus fios devagar. “Sempre ajuda quem precisa, se for receber lamen em troca — inclusive você devia tomar cuidado com isso, é assim que raptam cachorros —, e aguentou Kiba por meses, então sabemos que você pode ser muito paciente.”
“Ele sempre me convidava para o almoço.”, explicou Naruto baixinho com um pequeno sorriso triste enquanto seus ombros relaxavam. Ele soltou o ar trêmulo devagar.
“Hmm, o que mais você faz em troca de comida?”, soprou Neji sobre o ponto alto de sua maçã do rosto, e o hálito pinicou o rastro úmido.
“Converso com você.”, retrucou ele na tentativa de descontrair, agora que tinha conseguido parar de chorar.
O silêncio e a falta de luz fizeram Naruto se prender cada vez mais naquele momento. Ele soltou o ar vagarosamente enquanto sentia as carícias em seu cabelo e em suas costas, e o peso em seu estômago pareceu evaporar quando a boca de Neji pressionou abaixo de seus olhos em um beijinho quase imperceptível.
“Eu não me lembro de alguma vez te pagar para isso.”, murmurou, e Naruto sentiu o sorriso discreto em sua pele.
Sua cabeça tombou para trás por instinto, fazendo aqueles lábios descerem um pouco em seu rosto, enquanto sentia os dedos deslizarem com gentileza em suas costas. “Não é você que me paga, é a Hinata. Ela disse que você passava muito tempo sozinho no seu quarto, brincando com os seus leques.”, Naruto sorriu para si.
“Pelo menos eu não sou um homem de dezoito anos que dorme secretamente com um gorro de morsa pequeno demais para minha cabeça.”, Neji retrucou com a boca perto de seu nariz em um murmurar preguiçoso, suas pernas se embolando um pouco mais nas de Naruto.
“Eu não sei como você sabe disso, mas se contar para alguém, juro que vai acordar de cabeça raspada.”, ameaçou, e Neji riu baixinho.
Naruto sentiu a respiração do homem se derramando no ponto baixo de sua outra bochecha agora, e o som ritmado aqueceu seu corpo, permitindo que ele relaxasse sob os dedos e as carícias cheias de cuidado que recebia. E ele precisava de algum cuidado no momento, fragilizado como estava, esgotado, exausto de tanta coisa dar errado e de se sentir tão longe de todos e de si mesmo.
E Neji era a paz. Ele o curava, estancava suas feridas, sumia com suas dores. Se ainda havia sanidade em Naruto, era por causa dele. Se havia algum resquício de calor em seu peito, foi aquele homem que lhe deu. Ele era como um sopro de fôlego em meio a tanta coisa sufocada, como a calma no meio de toda aquela loucura dentro de sua cabeça.
Neji sempre conseguia ler sua alma, saber o que lhe faltava, e nunca hesitava em se transformar no que era necessário para preenchê-lo. E era na forma que a pele aquecida escorregava de cima para baixo sobre sua blusa seguindo a linha de sua coluna, era na forma que ele pousava beijos cuidadosos em seu rosto conforme sua boca descia pouco a pouco, era no movimento de seu corpo se aproximando ainda mais ou no toque de seus dedos entre os cabelos de sua nuca que Neji o fazia encontrar essa paz e esse calor que ele ansiava.
“ Ah...”, suspirou Naruto baixinho, quando uma das mãos de Neji deslizou por baixo da bainha de sua blusa para explorar sua cintura com a ponta dos dedos, e a boca que antes passava por seu rosto beijou abaixo de sua orelha suavemente, descendo cada vez mais, sem se apressar.
Seu corpo todo ferveu de uma vez na penumbra do quarto com o gesto, e ele tombou a cabeça para abrir caminho conforme Neji fazia uma trilha por seu maxilar, beijos castos e tão doces que mal tocavam sua pele, mas que fizeram sua mente embaçar em uma névoa pesada, enquanto seu corpo reagia sensivelmente a cada toque prolongado.
Ele não tinha percebido até então o quanto sentia falta de ser tocado daquele jeito — na verdade, Naruto não se lembrava de alguma vez ter sido tocado de forma tão reverente; podia sentir tanta coisa embutida em cada gesto recebido, que se viu paralisando enquanto seu corpo ardia sob aquela afeição inédita, junto com sua respiração que ficava mais lenta e pesada.
Os beijos castos de Neji caminharam pela lateral de seu pescoço e ficaram ainda mais demorados, o fôlego dele aquecendo sua pele sensível em uma trilha enquanto ele descia até o limite de onde chegava a gola de sua blusa de frio. A mão dele escovava tranquilamente os músculos de suas costas e de sua cintura, o dedão traçando padrões devagar e lhe causando arrepios que quase o fizeram estremecer conforme Neji se inclinava sobre ele cada vez mais e uma das pernas grossas deslizava entre as suas sem pressa.
Outro suspiro foi puxado dele quando os lábios que deslizavam por seu pomo de Adão se abriram e a língua de Neji se achatou contra o oco de sua garganta, quente e suave. Naruto se sentia tão leve e ao mesmo tempo tão sobrecarregado. Ele precisava tanto daquilo — das mãos delicadas correndo por suas costelas, dos beijos cálidos que se gravavam em sua pele naquela aura de paz como se nada mais existisse, da ausência de qualquer outro estímulo além dos toques e da respiração suave em seu ouvido.
Depois de tudo, aquelas sensações fizeram ele sentir um pouco vivo. Naquele momento, Naruto só queria existir entre os dedos dele para sempre. Ali era onde nada o atingia, nada além da névoa pesada de calor que enchia seu corpo, e nada além da sensação intensa de ser desejado e tocado reverentemente por alguém que conhecia sua essência perdida.
Então, ele deixou seu corpo ser manuseado e explorado devagar, enquanto sua mente colocava todo o resto em segundo plano para dissolver na neblina densa e tórrida que tomava seu cérebro. Naruto se deixou sentir cada toque daqueles dedos como se não houvesse mais nada, cada contato daqueles lábios cheios que o mapeavam com calma e convicção.
Outro sopro de ar foi arrancado dele quando a mão de Neji se espalmou de vez no músculo de sua cintura e apertou de leve. Seu corpo já estava totalmente abaixo do dele, que explorava seu maxilar e seu ombro com a língua como se tentasse sentir seu gosto. Sua blusa já tinha se acumulado acima da barriga definida, e quando Neji fez menção de tentar subí-la mais um pouco, ele levantou os braços e esticou a cabeça.
Sem precisar de palavras, o homem se sentou em seus quadris e deslizou a blusa para cima antes de jogá-la no pé da cama. Naruto abriu os olhos e levou as mãos grandes até Neji, desfazendo o nó da yukata enquanto se sentava para alcançá-lo. Sua língua caiu na clavícula dele enquanto a seda deslizava pelas costas pálidas e era empurrada para o chão, as mãos de Naruto se juntando com firmeza nos músculos dos quadris dele enquanto seus dedos se enganchavam nos ossos proeminentes e apertavam.
Neji soltou o ar em uma exclamação rouca e baixa que era música para seus ouvidos quando Naruto o puxou para mais perto e chupou seu pescoço devagar, sentindo seu gosto e seu cheiro conforme escorregava a língua e o nariz de um ombro ao outro calmamente. Naruto queria sentí-lo, queria tocá-lo, queria ter Neji nas próprias mãos pela primeira vez e saber que tinha o poder de provocar em alguém aquele mesmo sentimento de necessidade.
Das costas pálidas, seus dedos subiram para desfazer o coque frouxo, e os cabelos macios e compridos ondularam sobre suas mãos e escorreram sobre seus braços como um véu, o cheiro cítrico do shampoo de Neji se desprendendo dos fios para entrar em seus pulmões. Naruto estremeceu com o contato dos cabelos lisos em sua pele e com a fragrância que alcançou seu nariz.
Sua boca procurou os lábios dele com calma e ele retribuiu com um suspiro tão satisfeito que Naruto só conseguiu se apertar mais enquanto suas costas nuas eram acariciadas com um pouco mais de urgência. Suas línguas se encontraram em um beijo lento e intenso, as bocas se mesclando abertas com convicção, sem pressa, e Naruto sentiu sua cueca ficar mais apertada contra a ereção do homem em seu colo.
Nada ali acontecia de maneira precipitada, não havia porque ter pressa enquanto eles se abraçavam e se sentiam, enquanto se beijavam como se o mundo já tivesse acabado há muito tempo e não houvesse nada a se fazer, e quando Neji se afastou para puxar as calças de Naruto, se deitar e puxá-lo para o lado dele, eles se juntaram e suas coxas se embolaram mais uma vez.
Ele grunhiu quando sua bunda foi totalmente envolvida para seus quadris se aproximarem. Suas ereções se juntaram, separadas apenas pelos tecidos das cuecas. Neji voltou a vasculhar seu ombro lentamente enquanto movia suas pélvis juntas, e Naruto gemeu baixinho no pescoço dele, fechando os olhos e o segurando contra si com cada vez mais força conforme os movimentos foram se tornando insuficientes.
“O que você quer, Naruto?”, veio o sopro rouco em seu ouvido, e a quantidade de carinho colocada naquelas palavras fez outro murmurar trêmulo de necessidade se perder sob a pele clara.
Naruto se sentia tão incrivelmente perdido naquele homem, na voz dele, no respirar em seu ouvido, na forma que ele o recebia e olhava, e só queria continuar se afogando ao ponto de chegar no esquecimento de tudo e a única coisa restante ser aquela calmaria e a sensação de seu corpo derretendo nas mãos dele. Naruto estremeceu quando sentiu a língua de Neji deslizando em seu pulso demoradamente.
“Eu quero... tudo. Quero o que você puder me dar.”, sussurrou de volta, a voz gotejando necessidade.
Naruto queria ser tirado da terra, queria perder a noção de quem era, queria que Neji afastasse tudo que não fosse ele de sua mente. Ele sentiu as mãos que exploravam seu corpo tremerem em antecipação e a boca em seu pulso soltou o ar de maneira ligeiramente tremida, o volume na cueca do outro parecendo aumentar ainda mais.
“Tudo? Tem certeza?”, veio a voz baixa e séria se movendo até sua orelha, cheia de desejo. Naruto arquejou quando Neji mordeu seu lóbulo de leve, um arrepio escalando por sua coluna.
“Sim, tudo.”, ele respondeu ardendo de dentro para fora, os cabelos longos se acumulando entre seus dedos.
O homem soltou o ar em um suspiro e as mãos dele deslizaram debaixo para cima em suas costas, esmagando seus peitos juntos por um momento antes de colocar Naruto deitado direito. Suas coxas foram afastadas gentilmente e Neji se colocou entre elas. O peso dele fez seu corpo se acender ainda mais conforme acariciava as laterais dele, parando para apertar a bunda firme e encaixá-lo contra si novamente. A respiração pesada provocou sua pele quando o nariz fino caminhou por seu pescoço como se Neji quisesse memorizar seu cheiro febrilmente.
Sentir que era tão profundamente desejado o afetou, porque era tudo que ele ansiava — precisava que alguém se concentrasse nele, que alguém lhe desse algo ao invés de tirar, como vinha acontecendo ultimamente. Precisava sentir que era importante para alguém por pelo menos um momento, como se ninguém mais importasse. Queria se afastar de todas as coisas que o roubavam de si mesmo para se perder em alguém que não fazia isso, e essa pessoa era o homem que o tocava agora.
“Então vou te dar tudo que eu tenho.”, Neji prometeu com um sussurro, e Naruto se viu acenando de olhos fechados em uma urgência silenciosa.
Ele levantou os quadris quando sua cueca foi puxada para deslizar pelas pernas morenas e suas pálpebras se abriram ao sentir Neji sair da cama e ir até o armário. Naruto não conseguiu ver o que ele foi fazer ali, mas em seguida o homem também se despiu deixando a boxer para trás no chão e voltando para a cama.
Era impossível não notar o olhar de desejo e dominância que caiu sobre si quando os olhos lilases escureceram na penumbra, intensos e profundos, fazendo Naruto corar com a atenção. Entretanto, junto com isso havia tanto afeto e expectativa exultante, que ele se sentiu mal — Naruto não era idiota e sabia que Neji provavelmente tinha algum sentimento por ele, e ver aquilo estampado no rosto delicado sob a luxúria crua o fez hesitar e perceber o quanto estava sendo egoísta.
O homem que agora pairava sobre ele pareceu perceber sua incerteza, o que fez os olhos lilases se encontrarem com os seus enquanto suas pernas eram abertas novamente e os lábios grossos beijavam seu joelho sem pressa. “Não precisamos ir até o fim se você estiver inseguro, você sabe.”, ele disse calmamente, mas havia um som inconfundível de desapontamento ali.
Sua boca abriu para responder, mas o que saiu foi um suspiro com as sensações daquela língua descendo por sua coxa dobrada, enquanto a outra era acariciada suavemente em direção à virilha.
Ele negou com a cabeça sem tirar os olhos de Neji. “Não é isso.”, arfou enquanto tentava levantar o tronco e se apoiar nos cotovelos. Neji deu um sorriso torto e satisfeito com a resposta e Naruto se viu quase hipnotizado pela sensualidade que aquele homem exalava no momento. A boca sorridente desceu pela parte interna de sua perna para sugar um ponto dela, e os olhos azuis se fecharam por um segundo com as sensações que aquilo provocou. “É só que- E-eu me sinto mal...”, esclareceu com alguma dificuldade, voltando a encará-lo depois de mais um suspiro trêmulo. “Eu não quero te usar. Ou te magoar.”, continuou, e o olhar de Neji só ficava cada vez mais predatório e divertido. “Eu- Jesus Cristo... ”, ele arfou e se deixou cair nos travesseiros quando a mão de Neji agarrou sua ereção que já vazava e começou a se movimentar devagar.
Sua mente voltou a se afundar na névoa densa de prazer e necessidade, e ele exclamou em surpresa quando sentiu a boca quente se fechando na ponta do seu pau e a língua macia deslizando pela pele sensível. Neste ponto, sequer conseguiu negar o prazer oferecido, porque já tinha sido totalmente dominado por Neji, que tinha esse efeito quando queria — ele podia escolher entre fazer Naruto se desgarrar das coisas através da calma ou simplesmente fazê-lo estremecer a ponto de perder a linha, como da última vez que estiveram juntos.
Sua própria voz caiu em seus ouvidos quando a língua do homem rodou ao redor da cabeça antes dele ser completamente engolido pela boca ágil, e a sensação era de que seu cérebro tinha derretido com o calor que subiu por seu corpo enquanto suas pernas se esticavam na cama.
“Neji, eu- ah- espera, eu-”, praticamente gemeu em uma voz entrecortada, fazendo o homem se afastar.
Naruto respirou e tentou entrar nos eixos novamente, mas ele só queria morrer dentro da boca daquele homem e ser consumido por ele por completo, o desejo escorria por suas veias levando qualquer sanidade embora.
“Se você não quiser isso, eu paro imediatamente, é só me falar.”, disse Neji. A forma tão segura de si e levemente sarcástica com que ele falava só fazia Naruto perder a própria convicção.
“Eu só não quero... ser nocivo para você.”, explicou debilmente, diante do olhar soberano. Novamente, ele parecia um anjo, bom e bonito demais para esse mundo.
“Esse é o único problema?”, indagou, e Naruto acenou com a cabeça. “Ótimo. Lembre-se que as paredes não são tão grossas, não queremos acordar Shikamaru antes das dez, nem atrapalhar seu colega de quarto .”, o sorriso atrevido voltou para se juntar àqueles olhos afiados que brincavam com ele.
Naruto abriu a boca para responder alguma coisa à altura, mas nem chegou a formular algo quando aquela maldita boca quente o tomou mais uma vez. Mal processou o próprio gemido trêmulo e provavelmente mais alto do que deveria, porque só conseguia sentir a língua que corria habilmente, encobrindo a sensação de algo gelado deslizando por sua entrada conforme Neji começava a esticá-lo sem pressa.
A lembrança daquela sensação não fazia jus ao que era de fato quando ele foi chupado e as mucosas se fecharam ao redor dele para deslizarem mais uma vez. Naruto soltou o ar em um ruído agudo que não parecia dele, e suas costas saíram levemente do colchão enquanto sua mão novamente se agarrava aqueles cabelos. Ele tinha noção de que Neji trabalhava em sua entrada para abrí-lo, mas tudo era feito tão gentilmente que podia escolher focar na boca incrível que o chupava.
Sem se conter, Naruto passou a guiar a cabeça dele, e o homem sequer hesitou em aceitar seu ritmo como da última vez. Sua respiração pesou cada vez mais e depois de alguns minutos, houve uma fisgada em sua bunda que o fez arquejar e abrir os olhos.
Neji pareceu perceber isso, porque os movimentos de sua língua mudaram e o corpo de Naruto se moveu na cama com a nova sensação, enquanto os olhos azuis giravam nas órbitas. O aperto de sua mão nos fios castanhos-escuros aumentou e ele jogou um braço sobre os olhos em meio ao prazer intenso.
“D-devagar- AH! ah, devagar...”, Naruto pediu entre lamúrias depois de algum tempo.
Ele estava tão perto, e Neji era tão bom... Naquele momento ele queria tanto tocá-lo, queria beijá-lo, sentir o contato do corpo dele em um abraço firme e ouvi-lo suspirar com tanta necessidade quanto ele. O homem então parou de chupar quando ouviu sua respiração ficar mais urgente, e os sons que eram arrancados de sua garganta ficarem mais profundos. Naruto buscou ar na cama de olhos fechados e peito arfante, o suor brotando por seus poros apesar da noite fria, e as pernas fracas.
Podia sentir os dedos de Neji se movendo dentro dele de maneira incômoda, mas não dolorosa, e quando a mão se afastou de sua bunda, o colchão começou a se afundar conforme ele se movia em sua direção. Suas pálpebras pesadas se abriram para ver Neji se arrastando sobre seu corpo, os músculos de seus ombros e braços rolando enquanto ele engatinhava com os olhos brilhando.
Naruto recebeu um beijo gentil na têmpora antes de ser virado de lado e sentir Neji o abraçar por trás, suas costas suadas se aquecendo um pouco mais com o calor do peito do outro, o contato pele a pele pelo qual ansiava. O homem apoiou o cotovelo na cama enquanto arrastava a mão por sua cintura, pousando beijos em seu pescoço e o fazendo soltar o ar enquanto seu corpo amolecia ainda mais. A boca dele então subiu para provocar sua orelha em uma mordida leve, e a mão em sua cintura desceu para sua bunda mais uma vez.
“Tudo bem?”, Neji perguntou em um sopro suave, e a pergunta era tão cheia de consideração que seu peito se aqueceu.
Ele fez que sim enquanto olhava para trás, dentro dos olhos lilases. Neji pousou mais beijos lentos em seu rosto enquanto deslizava a mão livre por uma de suas pernas devagar, enganchando os dedos atrás de seu joelho e o trazendo próximo do peito de Naruto. O peso do corpo dele o fez se achatar no colchão meio de lado com a perna flexionada, e a boca dele se derramava em seu ombro enquanto os dedos escorregadios de Neji desciam por suas costas para entrarem novamente.
Naruto fez uma careta com a sensação estranha, mas ele apenas esticou o pescoço para Neji explorá-lo um pouco mais, enquanto sentia aqueles dedos se moverem de um lado para o outro e pararem apenas quando Naruto exclamou em surpresa com o que isso desencadeou. Com um murmúrio de aprovação, seus músculos vibraram e suas pernas se moveram quando se empinou um pouco mais para sentir aquilo novamente.
A respiração de Neji ficou mais alta em seu ouvido em antecipação enquanto ele estimulava sua próstata devagar, e o rosto de Naruto se enfiou no próprio braço quando faíscas começaram a subir por seu corpo. A mão se afastou novamente e ele ouviu o barulho de alguma coisa abrindo e fechando.
O peito dele voltou a ficar contra suas costas e então finalmente Naruto sentiu o pau de Neji se arrastar entre as polpas de sua bunda, deixando um rastro escorregadio por onde passou até parar ereto contra sua entrada. Seu coração acelerou e seus músculos ficaram tensos, mas Neji apenas tocou seu ombro com os lábios por um momento prolongado, as mãos dele acariciando seus braços gentilmente enquanto os cabelos compridos escorriam para baixo em sua pele suada.
O peso do corpo se inclinando sobre suas costas fez seu pescoço se esticar conforme recebia a boca que queria em sua nuca, a textura da língua deslizando por sua carne em beijos quentes de boca aberta, e Naruto soltou o ar e relaxou antes de sentir Neji deslizando muito devagar para dentro. Ofegou de surpresa e dor, mas a mão do homem alcançou a sua e a colocou na dobra de seu joelho para manter a posição.
Em seguida, sentiu ele se erguer um pouco sobre o braço antes de continuar empurrando e, quando a mudança mínima de ângulo fez a dor cessar, Naruto voltou a relaxar. O hálito do homem fazia cócegas em sua nuca quando a língua dele correu mais uma vez por ela, e Naruto podia sentir os cabelos dele roçando suas costelas e seu ombro, a respiração pesada e ritmada em seu ouvido enquanto era cada vez mais pressionado meio de lado contra a cama.
“Está doendo?”, Neji sussurrou em seu ouvido suavemente antes de voltar a escorregar os dedos por sua coxa, e Naruto de repente se sentiu tão... sobrecarregado , tão cheio de sentimentos pelo jeito que tudo estava acontecendo e pela forma que Neji estava lidando com ele, que a chama acesa ali dentro se espalhou em ondas de prazer intenso ao ouvir suas palavras cheias de cuidado.
Com a intensidade dos sentimentos que explodiram, tudo que conseguiu fazer foi esconder o rosto no próprio bíceps e negar com a cabeça enquanto tremia um pouco com tudo que o atingiu e com a forma que era acariciado. Neji, então, se moveu para fora e depois para dentro devagar, e era tudo demais , era como um rio de emoções estranhas que inundava, e Naruto, com o rosto ainda escondido, pegou a mão que deslizava por sua lateral.
O homem entrelaçou seus dedos prontamente e as voltou para o lugar na perna de Naruto. Depois, se soltou no colchão para fazer o mesmo com a mão ao lado de sua cabeça, apertando com força os dedos juntos antes de voltar a se mover devagar. Naruto arquejou com tudo aquilo como se estivesse se afogando — estava sendo segurado, abraçado, havia alguém colado à ele enquanto o envolvia com cuidado, e a sensação de intimidade era tão opressora, que sentiu seu peito inchar dolorosamente.
Naruto se desfez nas costuras enquanto Neji beijava lentamente cada centímetro que alcançava e os dentes dele o provavam conforme se moviam devagar um contra o outro, os barulhos dos arquejos em seu ouvido fazendo sua cabeça rodar e seu interior vibrar, seu quadril se inclinar para receber mais dele, e de repente um som alto e estremecido se abafou no colchão quando aquele ponto foi atingido mais uma vez.
Ele ergueu a bunda no ar para se chocar contra Neji novamente e seus olhos rolaram para trás, ao mesmo tempo em que sua cara se enfiava no colchão. O primeiro gemido cru, rouco e maravilhoso saiu da boca do homem atrás dele, e a mão que o ajudava a segurar a perna saiu de seu lugar. Neji mudou um pouco no colchão e então levantou uma polpa de sua bunda, investindo com determinação e fazendo suas peles se encontrarem com um estalo abafado. O pau dele moeu contra suas entranhas e contra sua próstata, fazendo Naruto estremecer com o prazer que o engoliu.
“Oh, Deus- ah, puta merda - Eu- N- Neji- ”, ele exclamou contra o travesseiro. A excitação queimava dentro dele, fluindo por suas células e aquecendo seu corpo até a ponta dos dedos.
Ele sentiu Neji estremecer violentamente com necessidade e se chocar com mais força, arrancando outro arfar pesado de sua boca. De repente Naruto se viu ser movido e colocado de bunda para cima com os joelhos na cama. Houve novamente o som de alguma tampa abrindo e fechando antes do homem ajoelhar entre suas pernas abertas e voltar para dentro dele. Ele sequer tinha força para levantar a cabeça, e quando Neji afastou os lados de sua bunda e voltou a se mover, Naruto viu estrelas com a sensação.
As mãos dele apertavam seus quadris sem piedade agora e o quarto se encheu com o som ardido das peles se batendo e dos grunhidos abafados de ambos. Naruto puxou para o rosto qualquer coisa que chegou em seus dedos na tentativa de fazer menos barulho conforme seus corpos se encontravam com convicção. A cama rangia abaixo dos dois e ele sentiu Neji se inclinar e apoiar a testa úmida em sua coluna enquanto aumentava o ritmo, as mechas castanhas-escuras deslizando por suas costas e laterais fazendo-o se arrepiar deliciosamente.
“Eu... quase-.”, disse o homem entrecortadamente com a voz grave e rouca contra sua carne depois de um tempo, e Naruto acenou precariamente com a cabeça no travesseiro e no edredom sem conseguir pronunciar nenhuma palavra além de seus gemidos mansos e exauridos.
A mão de Neji então circulou sua cintura para pegar seu pau com firmeza em movimentos rápidos. Naruto sentiu as pernas bambearem quando seu clímax se aproximou, e ambos estavam gemendo e ofegando pesadamente, o corpo do outro cada vez mais frenético contra o seu, pálido e úmido de suor agora.
Seu orgasmo foi se construindo rapidamente enquanto sua próstata e sua ereção eram estimuladas ao mesmo tempo. Podia sentir suas pernas tremerem violentamente em espasmos e, um segundo depois, Naruto sentiu um aperto ameaçador em seu estômago.
Suas mãos espremeram os lençóis enquanto seu peito se afundava ainda mais na cama e seus músculos se tensionavam. Flashes brancos dançaram sob suas pálpebras fechadas quando ele gozou sobre o próprio estômago e sobre os lençóis com uma lamúria, e Neji precisou de apenas mais algumas investidas antes de seus dedos cravarem nas coxas morenas e musculosas e soltar um grunhido gutural satisfeito.
Naruto sentiu a porra escorrer por suas pernas quando o homem saiu de dentro dele devagar e o deitou na cama bagunçada com delicadeza, colocando-se de frente. Sua cintura foi envolvida quando Neji o puxou para perto e enfiou o rosto em seu pescoço, respirando fundo antes de depositar um beijo ali, fazendo Naruto sorrir para si. Os olhos azuis desfocados se abriram e ele o fitou, antes de sentir os dedos delicados puxando seu rosto para ser beijado direito. Suas línguas se mesclaram preguiçosamente e seu cabelo loiro foi acariciado devagar por um momento, até Neji começar a se mover para levantar.
“A gente pode ficar aqui, só mais um pouco?”, pediu baixinho com as pálpebras fechadas, apesar de estar muito ciente do esperma que grudava em seu estômago e escorria de sua bunda para a cama, mas Naruto sinceramente não se importou — só queria mais um momento ali antes de voltar para a realidade.
Neji travou por um segundo antes de murmurar afirmativamente e envolvê-lo novamente com cuidado. Naruto pousou os lábios no maxilar dele e recebeu uma cutucada carinhosa de nariz na têmpora. Uma coberta foi jogada sobre eles e o toque gentil em sua bochecha fez seu rosto se erguer novamente para receber mais um beijo lento que o fez suspirar. Não teria nada de errado no mundo enquanto ele estivesse naquela cama.
Notes:
Olá pessoas!
Ok, esse foi meu primeiro smut de verdade, então quero suas opiniões sinceras (mas peguem leve comigo, eu sou uma florzinha sensível). Independente da qualidade desse capítulo, o fato é que FINALMENTE Naruto e Neji fizeram o que tinham que fazer, e eu adorei escrever essa parte - não tanto quanto adorei escrever a próxima, é claro, mas foi muito divertido!
Espero que tenham gostado, fiz o meu melhor.Ah, e bom, como eu disse anteriormente, esse é o último capítulo que eu tenho certeza que ficará do jeito que está. Alguma coisa no próximo capítulo não me agrada, e eu estou tentando entender o que é para resolver hahahaha
Enfim, é isso! Bom final de semana, beijinhos!
Chapter 33
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Transtornado, sim, essa era a palavra — Sasuke estava completamente transtornado. Totalmente alheio a si, desequilibrado. Seus olhos tão desiguais tinham a mesma expressão de surpresa, e seu corpo... bem, seu corpo não parecia nem existir, porque ele não o sentia.
Sasuke teve uma amostra de como seria se ele sequer fosse real. Era parecido com o que ele tinha sentido enquanto esteve na prisão em Konoha, mas aquelas sensações foram construídas aos poucos, na época — essa só o atingiu como um soco no estômago e uma pancada forte na cabeça que separou sua mente por completo.
E não era nem como se tivesse controle sobre o que foi desencadeado, porque só... aconteceu. Aquilo veio. Ele sentiu. Ponto. Sem possibilidade de qualquer análise ou racionalização, ele só congelou e implodiu em silêncio enquanto assimilava, porque sequer conseguia pensar em alguma coisa tamanho o choque.
Mas não podia ser verdade, é claro que não. Ele estava imaginando coisas, ele só estava enlouquecido. Suas mãos trêmulas e frias, apesar do aquecedor ligado, perderam a força do aperto no livro, que só rolou para o chão em câmera lenta, caindo com um baque surdo no carpete. Ele nem percebeu.
Sua respiração parecia presa, mas não assimilou isso tampouco. Houve outro gemido. E outro. E mais outro, agora um pouco mais alto. E então o nome de Neji, que foi dito estremecidamente e sem controle algum, de forma quase animalesca, crua. O barulho abafado da cama protestando fez seu estômago torcer.
Não, aquele não era Naruto, não tinha como dizer, a voz estava distorcida. Sasuke tinha certeza que não era. Não podia ser. Não era ele que estava no quarto ao lado, fodendo com aquele Hyuuga desgraçado, era algum garoto de programa ou coisa parecida. Era Shikamaru. Era qualquer um, menos ele. Então novamente os sons ficaram um pouco mais altos — se Sasuke estivesse dormindo depois de algumas noites de insônia, talvez não notaria, mas ele estava muito bem acordado, obrigado.
E totalmente estarrecido. Mas não era Naruto, não tinha como ser. O nome dele não foi dito, então não era ele. Outro gemido rouco, agora mais claro do que os anteriores, se infiltraram pelas paredes e se enfiaram em seus ouvidos em uma voz ligeiramente familiar, rouca e profunda. Cheia de desejo, quente, necessitada, mas ainda familiar.
Sasuke só conseguiu correr e cair de joelhos no chão ladrilhado de frente para a privada quando seu corpo reagiu e a bile escalou por seu esôfago. E ele vomitou. E vomitou um pouco mais, como se todos os seus órgãos estivessem sendo cuspidos. Ele arquejou sem ar sufocado pelo vômito e colocou mais bile para fora, seus dedos apertando a louça fria como se dependesse daquilo para se manter no plano terreno.
Suas mãos tremiam enquanto ele colocava para fora tudo que tinha no estômago, e continuou tendo reflexos de vômito mesmo quando não tinha mais nada para sair. Pouco mais de meia hora se passou até seu estômago se acalmar, mas pelo menos seu colapso o impedia de ouvir mais gemidos de quem quer que fosse naquele quarto — e não era Naruto.
Sua garganta começou a arder pelo ácido e sua cabeça rodou mais um pouco. Sasuke se deixou rolar para o chão e tremeu com o frio dos ladrilhos cor de creme sob seus pés descalços e suas costas.
“Que porra tem de errado com você?”, ele sussurrou para si enquanto engatinhava até a pia e se levantava com dificuldade, escorando nela.
Seu reflexo o encarou e ele nunca tinha visto aquela expressão em seu rosto — não conseguia sequer nomeá-la. A torneira abriu com um rangido e suas mãos se ergueram para jogar a água congelante na cara algumas vezes. Ele lavou a boca ainda meio entorpecido e puxou a toalha de rosto branca, mas a deixou cair assim que ouviu o barulho da porta do quarto abrindo.
Seu corpo agiu como se Sasuke não o comandasse. Em um segundo ele tinha pegado Naruto pela frente das roupas e o jogado no chão com agressividade. Suas mãos em punhos deferiam golpes erráticos enquanto ele falava, e Naruto tentava se desvencilhar sem ser atingido.
“Onde é que você estava?”, Sasuke rosnou, completamente cego de ódio, indignação ou o que quer que fosse. Ele conseguiu acertar um soco no maxilar bem delineado e Naruto de repente pareceu chegar ao seu limite.
“Seu desgraçado, que merda você acha que tá fazendo?”, ele rosnou de volta enquanto se movia freneticamente.
Naruto conseguiu desvencilhar uma perna, que então se chocou com o peito de Sasuke e o fez voar na parede, estremecendo o prédio. Quando sua cabeça se levantou, o outro já tinha aberto a janela acima deles e agarrava Sasuke com agressividade, arrastando-o para fora pelo braço.
Ele tentou se desvencilhar, mas não conseguiu — Naruto quase esmagava seu antebraço com o aperto dele enquanto pulava pelos telhados puxando Sasuke, cujas pernas se debatiam e tropeçavam contra a camada de gelo que caía sobre tudo.
“Me solta, eu juro que-”
O homem quase o derrubou de cima das telhas quando pousou no chão e o puxou para baixo de qualquer jeito, e só o soltou depois de arrastá-lo pela rua e jogá-lo contra uma parede de tijolos em um canto mais afastado. O beco era escuro e encardido, e no mesmo instante Sasuke sentiu o ar sair quando uma mão forte se fechou em seu pescoço e o levantou, suas costas arranhando dolorosamente contra a superfície de concreto. Ele agarrou o pulso que o estrangulava e abriu os olhos com dificuldade.
Naruto, diante dele, tinha as íris vermelhas como sangue e as pupilas afiadas e verticais, os riscos de bigode em suas bochechas parecendo mais riscados e maiores, totalmente animalesco e tomado pelo instinto, seu ódio palpável na expressão em seu rosto. Sasuke buscou soltar o ar, mas não conseguiu, e o aperto em seu pescoço parecia ficar cada vez mais forte.
Seu corpo se debateu e ele tentou falar alguma coisa, mas nada vinha, e quando sua visão já estava ficando turva, o homem o soltou. Sasuke tossiu como se estivesse afogando e caiu de joelhos no chão sujo enquanto massageava o pescoço dolorido com uma mão trêmula. Seus olhos lacrimejavam e seu coração batia forte contra suas costelas. Ele se perguntou por que não tinha conseguido reagir contra isso.
Quando o choque inicial passou, subiu os olhos para ver Naruto, que tinha se afastado e apoiava com um braço na parede da outra extremidade, há três metros. Os dedos apertavam a ponte reta do nariz e sua cabeça estava abaixada e encoberta pelas sombras do beco sujo.
Sasuke se sentou na neve sem olhar para ele e puxou o ar que passou ardendo por sua traquéia antes de fazê-lo engasgar e tossir. Nunca tinha visto Naruto tão irritado, nem nunca se sentiu tão fraco diante dele — não só fisicamente, mas todo o resto.
“Que porra você tem na cabeça, seu desgraçado?”, veio o murmurar rouco e seco do homem, que ainda tinha uma mão encostada nos tijolos vermelhos e encarava a chão, massageando o ponto entre as sobrancelhas. “QUAL É A MERDA DO SEU PROBLEMA?”, ele então berrou, levantando a cabeça para encará-lo enquanto socava o muro. Os olhos tinham voltado ao normal, mas carregavam uma expressão de ódio para ele.
Sasuke não sabia qual era a merda do seu problema, essa era a questão. O que tinha sido aquilo? Ao que ele estava reagindo com tanta raiva e por quê? E daí se fosse Naruto naquele quarto? Seu estômago voltou a embrulhar e suas entranhas queimaram. Naruto se aproximou, mas Sasuke não tinha se recomposto o suficiente para conseguir conversar ou reagir ainda.
O homem o fitou acusadoramente antes de voltar a falar. “Eu podia ter te matado e nem teria percebido seu desgraçado infeliz, você não pula em alguém do nada desse jeito, principalmente se essa pessoa for eu. Você me fez perder o controle.”
“Onde você estava?”, ele arfou rouco e com dificuldade enquanto se levantava com a ajuda da parede, ignorando totalmente a conversa em tópico. Aquela era a única coisa que martelava em sua cabeça naquele instante, por mais que não fizesse sentido.
Naruto ergueu as sobrancelhas e ficou em silêncio por um momento, incrédulo. “O- O que...? Não te interessa onde eu tava, porque eu te devo qualquer satisfação?”, cuspiu.
“Porque...! Porque você é um irresponsável, você não pode sair sem mim e sabe disso! Você podia ter estragado toda a missão! Onde caralhos você estava?”, insistiu em um sibilar enquanto seus olhos se reduziam à fendas. A garganta ainda doía e sua mão foi automaticamente para ela.
“E-Eu saí. Fui dar uma volta porque não queria olhar para a sua cara de merda. Algum problema com isso?”, ele respondeu sombriamente.
“Você... saiu? Saiu para onde, aonde você foi?”, insistiu, irritado. Ele precisava ter certeza, ele tinha que confirmar.
“Não interessa! Eu- Eu fui... andar pelo hotel. Nem todo mundo é inabalável e impenetrável como você, a maioria das pessoas têm a capacidade de ficar mal e eu precisava pensar. E eu não te devo satisfação, caralho!”, Naruto se aproximou com seu olhar de aço. “Escuta aqui, eu tô cansado e vou dizer pela última vez — se você tem alguma coisa pra me falar ou pra resolver comigo, fala agora. Vamos resolver essa merda de uma vez por todas, antes de você ir embora de vez.”, comandou com o maxilar travado, seus queixo erguido atrevidamente.
Sasuke olhou para o chão e a saliva pareceu congelar em sua garganta. Naruto tinha saído, não era ele naquele quarto — não que isso importasse de fato. Sasuke só ficou chocado porque tinha certeza que ele gostava de mulheres e era apaixonado por Sakura, só por isso. E agora tinha confirmado que sim, estava certo.
Só um mal entendido e uma reação surpresa à algo inacreditável sobre alguém improvável. Fim. Ele só tinha ficado surpreso e as várias coisas que andavam acontecendo recentemente o fizeram reagir de maneira exagerada porque estava no limite de tudo. Deus, aquilo tudo era tão infantil.
Ele sentiu os ombros caírem e a vergonha o atingir — não devia ter pulado em Naruto daquele jeito, nem se fosse ele no quarto de Neji. Sasuke voltou a fitá-lo, dessa vez com algum remorso queimando em seu peito.
“Eu também estou cansado.”, deixou escapar em um sussurro enquanto suspirava e voltava a encarar a neve sob seus pés descalços. Ele sentia muito frio, mas não se importou, sinceramente.
A sensação era de que ia explodir, havia tanta merda ali dentro, abafadas, soterradas uma sob a outra, bagunçadas e não catalogadas. Coisas que não conseguia nomear, entender ou sequer se livrar, uma constante tensão emanando por tudo que o compunha.
Sasuke estava perdendo totalmente a capacidade de se organizar, de analisar, porque as situações aconteciam uma atrás da outra e ele sequer tinha digerido uma quando outra já o atingia. Já não conseguia dizer mais o que não o afetava e o que sim — porque, na verdade, desconfiava que tudo o desestabilizava.
E não tinha como se livrar daquilo, como digerir, não havia nada que o ajudasse a entender e pela primeira vez em muito tempo ele se sentiu tão sozinho. Sasuke estava cansado de medir tudo, de segurar as pontas, de controlar as coisas e tentar manter suas barreiras em pé.
Enquanto refazia um lado, o outro desmoronava novamente, e Naruto... Naruto tinha finalmente conseguido o que queria, afinal — a essência dele tinha se infiltrado em cada migalha de Sasuke como algo que fizesse parte de seu corpo, mas ele precisava se livrar logo daquela coisa e devolvê-la ao seu dono, mandá-lo embora e se acostumar com a sensação de ter sido invadido e depois esvaziado.
Era assim que se sentia, e ele odiava. As coisas antes de Naruto eram muito mais simples, menos intensas, menos caóticas e bem menos emocionais. Sasuke tinha perdido o controle sobre seus próprios sentimentos e reações há muito tempo, Naruto tinha conseguido, ele o fez sentir todas as porcarias que ignorou por anos e era tudo demais.
Eram emoções demais, eram sentimentos profundos que não conhecia e não entendia, coisas que Sasuke continuava lutando contra e tentava amortecer para encaixotar novamente, mas aquilo tinha tomado o controle há semanas. Ele era só um corpo exausto contendo emoções desenfreadas que não sabia mais onde colocar e nem como conter.
Uma bomba relógio de quinquilharias que aquele idiota tinha feito vir a tona, que estouraria logo, e agora nenhum dos dois tinham capacidade de segurar — Sasuke, porque já tinha sido arrebatado por essa merda e sua única habilidade atualmente era a de protelar aquela explosão; e Naruto, porque não era dono daquela cruz e por melhor que ele fosse, jamais teria capacidade de compreender coisas tão sombrias e confusas. Ninguém teria.
“Cansado de quê? Você mesmo disse que tinha escolhido o próprio destino e a si mesmo. Você decidiu sozinho tudo que tá acontecendo.”, veio a voz baixa e cética de Naruto.
Exausto, tão exaurido, totalmente quebrado. Sim, ele queria dizer, eu que escolhi tudo isso e estou feliz com a minha decisão, gostaria de afirmar, mas não era verdade. A única verdade era que Sasuke de fato escolheu tudo aquilo sozinho.
Mas já tinha passado do ponto de fingir ou acreditar que estava feliz com aquilo. E mesmo depois de tudo, de toda a merda, Naruto ainda estava ali falando com ele, lhe dando mais uma chance, ainda que não explicitamente. Se dali dez anos ele precisasse da ajuda de Naruto, é provável que teria. Droga.
“Eu sei.”, Sasuke murmurou para os pés deles, frente a frente, dois descalços e dois com as pantufas brancas do hotel.
Naruto tinha o quebrado durante aqueles dois meses. Aquele homem tinha o desmontado peça por peça, e Sasuke já não sabia mais como colocar tudo de volta. Talvez apenas Naruto tivesse capacidade de fazer isso, ou talvez ele só ficaria desmontado para sempre, mais uma coisa para se juntar à festa de problemas que tinha. E Sasuke sabia que mesmo que destruísse o ser humano diante dele, Naruto possivelmente ainda o remontaria se lhe fosse pedido.
Exausto, esgotado. Sasuke, ainda com os olhos no chão, se viu dando dois passos para frente — o necessário para seu corpo ficar contra o de Naruto, sua testa descansar no ombro dele e seus olhos se fecharem. Era só um minuto de lapso, só um minuto onde tudo era só uma história distante e alheia a eles, só disso que precisava, um minuto.
Naruto claramente hesitou ao sentir o contato. Sasuke esperava que fosse ser afastado a qualquer momento e esperou. Então, sentiu as mãos fortes, aquelas que antes apertavam seu pescoço irredutíveis, se levantarem minimamente, e esse gesto fez seu coração bater mais forte e o alívio lhe inundar, por mais que não quisesse isso.
Mas elas caíram novamente. E então Naruto deu um passo para trás, se afastando. Sasuke levantou o rosto e deu de cara com o olhar mais frio que já viu naquele rosto angelical e sorridente, e era direcionado exclusivamente a ele.
Chegava a ser lisonjeiro, mas aqueles olhos não eram os de Naruto — eram os seus. Aquele era seu olhar, sua frieza. Seu desprezo. E por mais que merecesse exatamente isso, senão ainda mais coisas, aquilo foi direto para seu peito, esfriando o pouco calor que tinha conseguido ao se aproximar de Naruto.
Quando Naruto falou, também foi em um tom que Sasuke usaria. “Eu não sei que porra você pensa que tá fazendo, mas quero que você vá pro inferno com as suas merdas, Sasuke. Fica longe de mim, eu cheguei no meu limite e você teve sua chance de conversar, mas decidiu não fazer isso. Vamos voltar rápido, antes que decidam nos atacar.”, foi o murmúrio seco e inexpressivo dele antes de dar as costas e pular pelos telhados.
Sasuke o alcançou em silêncio e soltou o ar que não sabia que tinha segurado. Ele xingou Naruto mentalmente por tê-lo carregado para fora durante a porra de uma nevasca, mas sabia que ele mesmo tinha provocado isso, então se limitou a tremer um pouco enquanto sentia o ar gelado e a neve na cara e sob os pés já praticamente congelados. Teria que tomar um banho quente assim que entrasse naquele hotel.
Olhou de esguelha para Naruto, que ainda tinha uma expressão fria. Sasuke se sentiu orgulhoso por ver que ele finalmente tinha começado a lutar por si, mas ainda assim o desprezo daquele homem em específico era uma fincada metálica e ardida em seu ser. Porque Naruto foi o único que não desistiu e, se ele tinha feito isso, então Sasuke finalmente tinha conseguido minar toda e qualquer ligação que pudesse ter. Ele estava sozinho.
Havia esperado por esse momento durante anos, mas agora que tinha acontecido, não parecia tão reconfortante. Além disso, algo em seu plano tinha dado obviamente errado — Naruto era alguém que exalava vida e receptividade em qualquer circunstância e isso era o que mostrava que ele ainda não tinha sido corrompido.
E Sasuke, com toda sua merda, sua cabeça fodida, sua escuridão, com sua energia destrutiva e danosa, tinha sugado boa parte dele, consumindo-o, desestabilizando-o, fazendo o que sempre fazia. Ele tinha reconhecidos suas próprias sombras naqueles olhos há alguns minutos, aquilo não era de Naruto. Isso estava tão errado, era tão ridículo o que estava acontecendo, e era tudo sua culpa, Sasuke sabia disso. E ele não sabia como consertar, nem se era possível.
A única coisa que podia fazer naquele momento era aceitar, como sempre. Aceitar as consequências de suas escolhas, aceitar as próprias merdas, aceitar tudo que não podia mudar. O que foi feito estava feito, e nessa altura do campeonato era inviável voltar atrás, mesmo que quisesse. Então, ele juntou as tralhas que tinham se desmantelado ali dentro com a rejeição merecida de Naruto e fez o que fazia ultimamente — enfiou tudo onde coube sem se importar, afinal, já estava tudo bagunçado. Ele era irremediável, e precisava aceitar isso também.
Naruto o desmontou, mas não poderia remontá-lo. Ele era irremediável.
“Foda-se o que o Kakashi disse, foda-se essa missão de merda, já disse que não vou ficar naquele quarto com aquele filho da puta por mais dois dias! E foda-se você também, Shikamaru!”, sibilou Naruto com o rosto em chamas.
Era quatro e meia da manhã e ele tinha batido transtornado na porta do amigo assim que Sasuke foi tomar um banho quente. Neji, no quarto ao lado, ouviu a movimentação e foi até lá ver o que estava acontecendo. A mão dele agora estava em seu ombro, como se o impedisse de pular no capitão de time.
Shikamaru também parecia surpreso com sua irritação, mas era uma reação muito óbvia, pensou Naruto. É claro que ia ficar puto por receber uma reprimenda quando disse que ia pegar um quarto só para si e que não passaria mais um segundo na companhia do filho da puta.
Shika revirou os olhos e voltou a deitar na cama. “Ah, quer saber, tô de saco cheio dessa loucura entre vocês dois. Faça o que quiser, só não quero problemas pra minha cabeça. E façam o favor de não me acordar de madrugada com gemidos e camas batendo nas paredes — sim, eu já sei que são vocês, não sou surdo. Não tô nem aí pro que vocês fazem ou deixam de fazer, vou continuar fingindo que não sei de nada porque eu só quero dormir em paz e terminar essa missão logo. E Naruto, se alguma coisa acontecer, você vai ser totalmente responsável, eu não quero nem saber. Agora caiam fora.”, disse ele impassível antes de se virar.
Naruto deu as costas com uma carranca e saiu sem nem olhar para Neji, porque a única coisa que queria era mudar de quarto imediatamente. Desceu as escadas o mais rápido que podia e conversou com a recepcionista da noite, que era bem mais simpática do que a da manhã. Em seguida subiu novamente, sentindo uma pontada de culpa ao notar que Neji já tinha ido para o próprio aposento, mas eles poderiam conversar amanhã.
Quando chegou no antigo quarto, deu de cara com Sasuke, que tinha acabado de sair do banheiro. A mera consciência de que estavam no mesmo cômodo fazia seu estômago borbulhar.
Naruto não lhe reservou nem meio olhar antes de começar a pegar suas coisas no armário e espalhadas pelo lugar. Se Sasuke ficou curioso, não perguntou — o bastardo também agiu como se Naruto nem estivesse ali, o que era ótimo.
Jogou na escrivaninha sua cópia da chave do quarto que agora era de Sasuke e saiu sem olhar para trás, a bolsa no ombro enquanto dava alguns passos no corredor até a próxima porta. E assim que passou por ela, deixou tudo no chão, ligou o aquecedor, arrancou toda a roupa e se jogou embaixo nas cobertas da grande cama de casal com os braços e pernas abertos. Ele não ia sair dali pelos próximos dois dias.
“Pare de lutar pelo que já está definido, aprenda a esperar as coisas retornarem aos seus lugares naturalmente.”
“Há uma linha que os une e ela não será quebrada, tenha fé no seu destino, não se perca pela ansiedade.”
“Aprenda a esperar sabiamente que as coisas venham até você sem perder sua própria essência, Naruto.”
“Se tivesse me deixado matá-lo, a linha teria sido quebrada pelo menos nessa vida e eu não ia precisar ficar assistindo você se humilhar desse jeito por um Uchiha, kit.”, bufou Kurama em sua cabeça, tão longe quanto a outra voz.
Ele bocejou e suspirou sem abrir os olhos, movendo-se vagarosamente na enorme cama sem realmente acordar. Naruto não pretendia levantar dali tão cedo e nem acordar completamente, pois fazia algum tempo que não se sentia tão em paz. Então, virou para o outro lado e voltou a dormir, mas seus sonhos pareciam lúcidos e intensos demais, cheios de cores, sons, cheiros e vozes, todos familiares em algum nível.
Quando acordou e as pálpebras pesadas se abriram devagar, precisou piscar algumas vezes e levou um momento até voltar à realidade. Então percebeu que o que tinha o acordado foram batidas discretas na porta da suíte.
“Um minuto.”, ele grasnou, levantando nu e parando para olhar pelo olho mágico.
Era Neji. Ele se abaixou para pescar a cueca do monte de roupas no carpete e a vestiu antes de abrir a porta com um bocejo longo. Seu corpo estremeceu com o ar frio que veio do corredor. Neji entrou quando ele deu passagem e a porta foi fechada. Quando Naruto olhou para trás, o homem estava sentado na beirada de sua cama elegantemente.
“Gostei da roupa.”, elogiou Naruto de forma automática enquanto passava os olhos pelas peças turquesa e largas que o cobriam.
Neji ergueu uma sobrancelha. “Gostei da sua também.”, ele disse sarcasticamente. Naruto olhou para baixo como se tivesse esquecido do que vestia e riu sem muito humor. “Eu vim ver como você estava. Desculpe ter te acordado.”, explicou o homem com uma voz abafada.
Naruto sentou na cama ao lado dele. “Tudo bem. Desculpa por ontem, eu meio que, hm, perdi a cabeça. Preciso me desculpar com o Shika também.”, murmurou meio constrangido enquanto coçava a nuca.
“Tudo bem.”
“Não tá tudo bem, Neji.”, ele balançou a cabeça negativamente. “Esse não sou eu. E eu preciso voltar a ser eu.”, confessou o encarando intensamente.
O amigo suspirou. “Não vou mentir, você não parece muito você mesmo há algum tempo. Quer falar sobre isso? Conversar ajuda bastante quando temos muita coisa na cabeça.” Os olhos claros o observavam com profundidade.
Naruto hesitou por um momento. “Não sei se tenho muito o que falar, nós só... nos desentendemos ontem, quando voltei para o quarto. Ficou puto porque eu tinha saído, disse que eu ia estragar a missão. Ele me tira do sério, não tinha noção do quanto aquele desgraçado podia me afetar. Acordo irritado, cansado, chateado. Meu sono anda esquisito, sonho com as coisas e esqueço assim que acordo, mas sinto que é tudo sobre ele. Parece que existem dois de mim aqui dentro, sabe?”
“Como assim?”, Neji perguntou.
Os olhos azuis se desviaram, incertos e culpados. “E-Eu não sei, eu... Em uma hora quero ele longe o mais rápido possível, mas depois... Depois parece que eu só quero ignorar tudo que aconteceu. Às vezes parece que eu simplesmente esqueço tudo que ele fez nesses últimos meses. Eu vejo algum momento de fraqueza dele e deixo tudo pra trás como um idiota, volto a tratar ele como se fosse um amigo, como se o conhecesse, como se... como se eu só quisesse pular essa merda toda e fingir que ele não vai embora daqui uns dias. Eu não sei porque faço isso e nem percebo quando acontece, eu só...”
“Às vezes agimos assim quando não queremos lidar com uma situação dolorosa, não é algo tão incomum. Além disso, você não é o tipo de pessoa rancorosa. Não dá para fingir que não se importa com alguém que esperou voltar por tantos anos. E apesar das brigas, vocês moraram juntos por um tempo, tempo suficiente para voltarem a amizade em alguns termos. Em alguns raros momentos, consegui ver como agem um com o outro quando deixam as coisas de lado. É cruel com você mesmo fingir que não se importa ou querer esquecer tudo isso do nada. Não é assim que vai conseguir seguir em frente.”
Naruto piscou meio atônito com a análise da situação e engoliu seco. “Mas então... o que devo fazer?”, sussurrou perdido.
Os olhos lilases o escanearam por um segundo antes de se fecharem e Neji dar um suspiro. Então ele voltou a fitá-lo com alguma raiva, ainda que Naruto não entendesse o motivo. “Você não faz nada. Não cabe a você decidir isso. Sasuke não é mais uma criança e tem a vida dele, as provações dele e a própria forma de ver e lidar com as coisas. Você já fez o que podia fazer, estendeu a mão e ofereceu o que tinha, mas não cabe a você fazê-lo aceitar. As pessoas amadurecem a si mesmos e as próprias ideias de formas diferentes umas das outras, você não sabe o que se passa na cabeça dele e Sasuke não está fazendo nada de errado em se afastar. Pode ser algo estúpido e egoísta, mas não é como se tivesse voltado a matar gente ou a agir como um louco sanguinário, é um direito dele. Ele só está fazendo as próprias escolhas, e todas as vezes que você tentar interferir, vai se machucar. As coisas que faz são para te afastar. Ele apenas está buscando a própria autonomia e você insiste em se colocar no meio do caminho como se Sasuke não soubesse o que está fazendo.”, ele respondeu com seriedade enquanto encarava os olhos azuis como se lesse tudo ali dentro.
O bolo na garganta de Naruto desceu seco, mas ele sabia que Neji tinha razão — o homem provavelmente já tinha percebido aquilo tudo há um tempo e só não tinha dito nada porque não era de sua natureza se meter na vida dos outros ou dar conselhos não requisitados.
Naruto estava confuso por estar dentro da situação, mas Neji observava de fora e tinha uma capacidade de análise perfeita. Apesar de doer ouvir as coisas colocadas sobre a mesa de maneiras tão claras e objetivas, era o que Naruto precisava nesse momento.
E com o coração meio acelerado pelo temor da resposta, ele fez a pergunta que o afligiu mais do que qualquer coisa durante todo aquele tempo. Sua voz saiu como um sussurro quase inaudível, como se o fato de não verbalizar aquela possibilidade fosse o que a impedisse de acontecer.
“Mas e se ele realmente nunca mais quiser voltar?”, soprou.
Neji leu a angústia e o medo em seu rosto e sua expressão se suavizou um pouco. Ele só respondeu depois de alguns segundos e foi em um tom suave, muito diferente do normal. “Você não tem controle sobre isso, Naruto. Você só tem controle sobre suas próprias ações e reações acerca desse assunto, mais nada. Você pode controlar como lida com tudo isso, e pode controlar como vai agir nesses últimos dias que passarem juntos. Aqui, vejo que tem duas opções — você pode continuar a cercá-lo, ignorar o que está para acontecer e se rebelar quando ele se irrita e te afasta, como tem sido; ou você pode fazer o que teria feito se essa situação estivesse acontecendo entre você e qualquer pessoa que não fosse o Sasuke. Ou seja, aceitar e entender que cada um tem suas escolhas. Você não sabe se ele vai voltar ou não, mas uma coisa é certa: Sasuke vai embora agora, está fazendo de tudo para seguir em frente e é o que vai acontecer independente do que você disser ou fizer, creio eu. Se vocês tiverem alguma coisa para resolver, vai ser no futuro, e isso não depende de você. Às vezes, só precisamos dar espaço para as coisas acontecerem naturalmente, da forma como tem que ser. Às vezes, precisamos ter fé no destino e saber que algumas coisas vão acontecer, mas só se tiver que ser assim. Você não controla o futuro e os caminhos das pessoas.”
Naruto desviou os olhos para a cama desarrumada, passando o lençol entre os dedos distraído e cabisbaixo. “Bom, você tem razão, como sempre. Até porque, até agora tudo aconteceu como deveria ter acontecido, eu acho. Ele voltou para o nosso lado no fim da guerra, aceitou o fato de que sou amigo dele e é meu papel não deixá-lo ficar sozinho, aceitou que estamos ligados independente...”, ele parou de falar, franzindo as sobrancelhas.
De repente, seu cérebro começou a fazer conexões em uma velocidade que nem ele acompanhou e o deixou até zonzo. Destino. Hagoromo tinha deixado em suas mãos a tarefa de acabar com a rivalidade que acompanhava a história dos dois, primeiro como Ashura e Indra, depois como Hashirama e Madara.
Mais importante, Itachi deixou Sasuke sob seus cuidados, porque sabia que faria a coisa certa. O destino deles estiveram entrelaçados desde sempre, e continuaram assim continuamente, nas últimas vidas, na atual e provavelmente nas próximas. Isso era algo inerente a eles.
O conteúdo repentinamente se iluminou em sua consciência como um velho amigo que esteve ali por muito tempo e ele não sabia. Algo que estava escondido em sua cabeça e tinha sido resgatado pelas palavras de Neji, permitindo que Naruto chegasse a conclusões importantes.
Você pode decidir seu futuro, mas não pode fugir do destino. Tenha fé no destino. Pare de lutar pelo que já está definido. Aprenda a esperar que as coisas venham até você sem perder sua própria essência. Há uma linha que os une e ela não será quebrada.
Essas eram as coisas que tinham sido ditas em seus sonhos e ele não se lembrava. Aquela aparentemente foi a forma mais fácil que sua mente tinha encontrado para lidar com a dor da perda.
E, se realmente seus sonhos estiverem certos, isso queria dizer que Sasuke podia tentar ir embora, mas seus assuntos pendentes com Naruto sempre o fariam voltar, como tinha sido antes e como... como na noite passada, quando o idiota tinha se aproximado e apoiado a testa em seu ombro. Ou nas outras mil vezes em que ele deu seus sinais contraditórios, apesar de insistir em querer ir embora.
Ambos estavam confusos com isso e tudo finalmente fazia sentido — Naruto lutou para deixá-lo ir, mas não conseguiu; Sasuke lutava para se desvencilhar e seguir sozinho, mas se via sendo puxado de volta pela ligação que tinham e pela incapacidade de Naruto deixá-lo.
E se Naruto estivesse trabalhando a favor de algo que já estivesse determinado, mas talvez não fosse acontecer agora, porque tinha que ser assim? Apesar de tudo, Naruto e Sasuke tinham seus próprios destinos também — Naruto era o garoto da profecia que ajudou a trazer um pouco de paz para o mundo, foi quem uniu novamente as bijuus e as nações junto com seus amigos. Sasuke trilhou o Caminho do Ódio, mas conseguiu sair dele e evoluir muito em comparação a Madara e a quem tinha se tornado ao descobrir a verdade sobre Itachi.
Talvez ainda precisassem seguir sozinhos por um tempo como Neji tinha dito, por mais que isso doesse profundamente em Naruto. Talvez Sasuke só fosse conseguir voltar depois de trilhar mais um pouco de seu caminho sem ninguém. Ambos precisavam amadurecer antes de se entender.
Até porque, Sasuke, no momento, era um filho da puta arrogante e egocêntrico que não se importava de machucar pessoas com palavras, independente do motivo. Apesar de terem uma ligação, Sasuke ainda claramente o desprezava na maior parte do tempo e, pelo visto, não desejava mudar isso.
Naruto, aliás, não queria essa amizade dele, até porque nem lhe foi oferecida. Então ele precisava trabalhar sua paciência e entender que Sasuke tinha muito mais demônios para resolver, e precisava fazer isso sozinho.
Ele saiu do Caminho do Ódio, mas não conseguiu se livrar de toda bagagem que pegou pela estrada. Ainda era, na maior parte do tempo, nocivo, e não seria Naruto que o ajudaria a mudar, porque não era sua cruz. Diferente do que pensava antes, talvez Sasuke não fosse inteiramente sua responsabilidade — seu papel tinha acabado no momento em que o fez aceitar ficar vivo e voltar para Konoha. Já tinha feito sua parte não desistindo dele, e talvez o resto dependesse apenas de Sasuke.
Pela primeira vez em muito tempo sentiu os nós em sua cabeça afrouxarem, se sentiu leve, sem o peso do mundo nas costas, porque finalmente parecia que tinha entendido tudo que o afligiu por meses, por anos. Sua intuição nunca tinha falhado e Neji estava certo.
Era como se toda a dor atrelada a Sasuke estivesse se dissolvendo, toda a angústia e incerteza. Naruto já tinha feito a parte dele e agora... talvez só precisasse confiar no futuro, na capacidade de Sasuke e na linha que os conectava desde sempre. Não dependia mais dele.
“Naruto?”, murmurou Neji, puxando-o de volta para a Terra.
Ele olhou para o lado de olhos arregalados pelo susto. “Hã?”, perguntou distraído.
“Está tudo bem? Eu sinto muito, não quis te chatear com o que eu disse.”, murmurou o homem enquanto o estudava com as sobrancelhas juntas.
Naruto deu um sorriso meio triste. “Não, não me chateou. Na verdade, me ajudou muito, mais do que você imagina. Falar ajuda mesmo.”
Neji deu um sorriso torto e levemente irônico. “Sim, ajuda, e você devia se lembrar mais disso. Apesar de sexo ser uma válvula de escape excelente, não faz nada desaparecer.”
As bochechas de Naruto se tingiram de vermelho e ele abaixou a cabeça, surpreso com o rumo que a conversa tomava. “E-eu sinto muito, Neji, eu nunca-”
Ele revirou os olhos e chacoalhou a cabeça, os cabelos castanhos ondulando ao redor do maxilar quadrado. “Não tem porque se desculpar. Não pense que eu sou inocente nessa história, ambos ganhamos benefícios aqui. Além disso, eu seria hipócrita de te julgar, já que essa é uma válvula de escape que eu uso bastante — não é exatamente fácil ser o último integrante da família secundária, não ter um pingo de interesse por mulheres e conseguir manter isso em segredo do meu tio.”, ele contou. “Eu só quero dizer que, mesmo sexo sendo uma forma efetiva de não precisar lidar com as coisas por algumas horas, nossos problemas ainda estarão lá quando a gente voltar para a realidade. Então se você quiser falar comigo sobre, sabe que pode.”, esclareceu, desviando o olhar e levantando-se majestosamente. “Bom, preciso ir pegar o pergaminho com Shikamaru. Até mais tarde.”
Naruto murmurou um “obrigado, até mais tarde” constrangido e recebeu um aceno de cabeça antes de Neji o deixar sozinho no quarto, fechando a porta suavemente.
Notes:
E aqui está o capítulo que todos esperavam! Com certeza um dos meus preferidos, mas vou ser má e contar um pequeno spoiler: o próximo capítulo é ainda melhor (ou pior) hahahahahahahahaha
Espero que tenham gostado, feedbacks são sempre bem vindos.
Uma boa semana para todos, beijinhos e até o próximo capítulo!
Chapter 34
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Sua bagagem foi arrumada cuidadosamente e mais de uma vez enquanto ele esperava o horário de partirem, dali a vinte minutos. Olhou para a prótese que Tsunade tinha se recusado a tirar como se lhe fizesse um favor, sendo que não era — ela tinha apenas o impedido de conviver com uma das consequências que suas ações trouxeram, e isso não era o que ele buscava.
A velha tinha dito que não fazia sentido deixar que “o segundo melhor shinobi de Konoha” — porque o primeiro obviamente era Naruto, segundo ela — ficasse sem um de seus braços. Kakashi, por sua vez, disse que aceitar a prótese era apenas mais um favor que Sasuke estaria prestando à vila porque, assim, ele seria ainda melhor em suas missões. Bom, ambos estavam errados. Sasuke não precisava de dois braços para ser impecável em suas missões, nem para ser um Shinobi mais competente que Naruto, apesar do que todos acreditavam.
Claro, ele poderia ter arrancado o próprio braço com uma lâmina de chakra, mas não queria ser dramático a esse ponto, então tinha só fechado a cara para a médica e para o Hokage antes de sair do escritório resmungando qualquer coisa. Talvez hoje, no auge de seu descontrole, teria feito isso e jogado o braço decepado em cima de Kakashi.
Com um suspiro, a capa foi desenganchada do cabideiro antes de voltar para seus ombros e ser abotoada em seu pescoço por cima da roupa de neve que usava — a nevasca tinha melhorado, mas apenas o suficiente para eles seguirem viagem sem se atolarem e morrerem congelados. Ainda nevava o dia todo e o chão estava tão branco quanto antes, as árvores congeladas e quebradiças.
Se sentou na cama ao lado da própria bolsa enquanto esperava, encarando a parede meio encardida do mesmo jeito que fez nos últimos dois dias. Ele não estava muito bem, para ser sincero, mas pelo menos tinha conseguido comer e dormir algumas horas na noite anterior.
De fato, ao perceber que Naruto estava mudando de quarto, Sasuke ficou aliviado. Precisava de um tempo sozinho e, mais importante, longe dele. Era uma oportunidade de começar a se acostumar com a ausência de Naruto novamente, era sua chance de colocar a cabeça no lugar e entender o que estava acontecendo ali dentro antes de sumir com tudo e voltar ao normal.
Mas a vida não foi tão misericordiosa. Quanto mais tentava entender as coisas, mais achava que era melhor não mexer em nada daquilo. Sasuke, durante aqueles dois dias sem a companhia de ninguém, se viu de cara com coisas que antes não eram de seu feitio — como sua paranoia e a sensação estranha de queimação amarga que roía a boca de seu estômago sempre que se perguntava se Naruto estava junto com Neji.
Ou a melancolia que às vezes o atingia ao perceber que Naruto estava a apenas alguns passos dele, separados por uma parede caramelo encardida. Além disso, agora havia uma nova voz em sua cabeça e ele já a odiava, porque ela era totalmente incoerente com tudo que Sasuke julgava sensato.
Aquela voz o atormentou com várias barganhas absurdas e irreais que jamais aconteceriam e que iam contra tudo que ele queria e tinha decidido. Sasuke sinceramente chegou a cogitar enviar uma carta à Sakura perguntando se aquilo era normal, porque talvez estivesse louco de fato, literalmente.
Ele não fez isso, mas, se tivesse feito e ela o acusasse de insanidade, ele acreditaria prontamente. Aquela merda de voz, apesar de soar como pensamentos, tinha só ideias que não faziam parte dele de forma alguma, então Sasuke passou dois dias discutindo com o que agora chamava de “voz da loucura”, cujo poder de persuasão era bem razoável.
A voz estava decidida a fazê-lo ir até Naruto de qualquer jeito. Ela lançou suposições na cabeça de Sasuke que quase o pegaram se ele não tivesse sido firme e lutado com toda sua sensatez. Era todo o tipo de “e se?” — e se ele fosse até lá e se desculpasse com Naruto? E se desistisse de se afastar dele? E se ele fosse até Shikamaru e o acusasse de irresponsabilidade para Naruto voltar para aquele quarto?, e essa última suposição parecia tão extrema, desesperada e egoísta que ele se perguntou que merda era aquela.
Por que ele teria feito tudo que fez e dito tudo que disse para chegar ali e começar a sabotar Naruto por algo que o próprio Sasuke incentivou conscientemente e com um motivo válido? Por que se sentia tão miserável ao perceber que dali a alguns dias ele se distanciaria de Naruto de vez, sendo que essa era a intenção desde o princípio? Por que aquela voz julgava tão mal tudo que tinha feito para poupar Naruto de coisas piores?
Aquela merda de voz não sabia de nada, e ela reagia mal a tudo que ele tinha feito naqueles dois meses, por mais que fosse por uma boa causa. Julgava todos os pensamentos que ele tinha sobre se manter sozinho e, principalmente, longe de Naruto, e falava contra tudo, como se Sasuke tivesse feito todo o tipo de merda.
Ela era contra se afastar, contra qualquer coisa que ele tinha dito, contra seus ataques de raiva necessários para afastar o idiota, e o julgava até o fim dizendo coisas que ele já sabia — que tinha magoado e machucado Naruto, que tinha conseguido fazer o oposto do que deveria ter feito e que, nesse caso, os fins não justificavam os meios porque aquele era Naruto, e Naruto era a última pessoa que merecia sofrer em suas mãos. Mas já estava feito, e mesmo assim a loucura em seu cérebro não lhe dava descanso.
Shikamaru lhe levou comida durante aquelas 48 horas depois de lhe pedir para evitar sair do quarto, já que Sasuke tinha se recusado a “trocar de par” — afinal, se ele fizesse isso, o Hyuuga talvez aproveitasse para dividir o quarto com Naruto e, por algum motivo que fingiu ser obscuro demais para compreender, isso era algo que preferia impedir a todo custo. Além disso, ficar com aquele cara no mesmo cômodo também estava fora de cogitação.
Então, depois de ter ficado dois dias enfiado no quarto sem ver ninguém — algo bom, independente do que a voz da loucura pensava — ver Naruto fez seu estômago pular de um jeito estranho. Por incrível que parecesse, o homem não fechou a cara quando seus olhares se cruzaram e, ainda que não houvesse nenhuma expressão naquele rosto, algo tinha mudado.
Sasuke franziu a testa para si enquanto seguiam viagem na mesma formação anterior. Ele olhou mais uma vez para o lado discretamente, mas Naruto percebeu o movimento e devolveu seu olhar por um segundo antes de voltar a olhar para frente.
Havia alguma resignação oculta ali agora, sob a camada de indiferença. Não do tipo que dizia que estava tudo bem, mas do tipo que deixava claro que algo tinha mudado. Era algo suave e quase imperceptível, mas não para Sasuke, que conviveu diariamente com Naruto por meses e desenvolveu a habilidade de ler aqueles olhos.
Era como se Naruto tivesse se conformado com algo sobre Sasuke e se desligado completamente dele, finalmente. A voz da loucura gritou em sua mente dizendo isso era péssimo, mas foi ignorada. Sasuke tinha tomado uma decisão há dois anos e continuaria seguindo naquele sentido, não importava o que acontecesse.
Naruto entrou silenciosamente na barraca com o saco de dormir embaixo do braço, o que fez Sasuke erguer as sobrancelhas — ele sinceramente achou que Shikamaru iria ficar ali para o caso dos Anbus atacarem, enquanto Naruto e Neji dormiriam nas barracas individuais, um de cada lado. Sasuke tentou não prestar atenção em como seu coração errou uma batida ou em como sua garganta de repente estava seca demais ao vê-lo, conforme o homem arrumava a própria cama ao seu lado.
O silêncio entre eles era constrangedor, e se sentir de fato constrangido perto de Naruto era algo novo. Eles já tiveram vários silêncios constrangedores antes e Naruto tinha sido o único afetado por eles, mas claramente até isso tinha mudado agora.
O fato é que não queria dormir com Naruto, é claro que o idiota iria abraçá-lo no meio da noite e isso era irritante. Mas isso foi só o que ele pensou, porque seu corpo se encheu com a expectativa que inflou e ardeu na boca de seu estômago, o que o deixou irritado consigo mesmo.
Sasuke se virou de costas para o homem que terminava de arrumar as próprias coisas e sentiu seu rosto esquentar para a lona da barraca, suas mãos apertando mais a coberta contra si quando uma espécie de arrepio fraco chacoalhou sua coluna imperceptivelmente. Mas que porra é essa?
Ele podia sentir as mãos tremendo de leve enquanto tentava não surtar, e seu coração vibrava forte demais. Há menos de dois minutos estava milagrosamente com sono mas, agora, nunca se sentiu tão acordado e tenso de expectativa.
Naruto, em suas costas, entrou no saco de dormir e suspirou alto. “Me acorda quantas vezes precisar se eu me mexer para o seu lado.”, disse o homem em um pedido seco.
Sasuke não se mexeu e quando respondeu, foi em um tom de desdém que não condizia com o que acontecia dentro dele. “Eu não sabia que era sua babá.”, foi seu murmúrio irônico.
“Então faz o caralho que quiser, mas infelizmente não consigo controlar o que eu faço enquanto tô dormindo.”, Naruto respondeu acidamente, e Sasuke ouviu o farfalhar das cobertas quando ele também se virou de costas.
Sua mente estava tão cheia que sequer conseguia formar algo para pensar. Tentou fazer os exercícios de respiração que aprendeu no ano passado, quando ajudou um monge a atravessar um penhasco, e talvez assim ele poderia voltar a cabeça para o lugar.
Quando se viu mais calmo e de volta ao presente, os roncos baixos e suaves de Naruto já tinham começado. Sasuke tornou a ficar de frente para ele a contragosto — porque sempre dormia virado para aquele lado — e passou os olhos pela cabeleira loira de Naruto, a única parte dele que era visível. Seus olhos se fecharam e ele voltou a fazer os exercícios de respiração na busca de seu sono perdido. Precisava começar a tentar dormir mais ao invés de deixar a insônia levar a melhor sempre.
Foi só dali algum tempo que aconteceu o que ele estava esperando — não no sentido de ansiar por aquilo, mas de saber, é claro, porque ele não queria aquela situação. Naruto se virou de barriga para cima, seus braços saindo do saco de dormir e caindo ao redor dele, uma mão em cima do colchão de Sasuke. Ele encarou o homem na escuridão com receio, seu estômago retorcendo com a possibilidade do que aconteceria invariavelmente, não importava quando.
Porque em algum momento o idiota se arrastaria até seu travesseiro e enfiaria a cara em sua clavícula. Então, tremeria de frio e Sasuke jogaria parte de seu cobertor sobre ele. Sasuke disse para si o quanto odiava aquilo, mas não sentiu a raiva que deveria vir com esse pensamento — havia apenas a expectativa estranha por algo que ele deveria odiar.
Ou talvez não. Afinal, as pessoas se apegam às suas rotinas, não é? E infelizmente Naruto impôs aquela rotina em Sasuke ao se enfiar contra ele diariamente na semana anterior e, antes disso, na Mansão Uchiha. E mais antes disso ainda, quando eram crianças e saíam em missões. Então foi por isso que ele se sentiu estranhamente vazio ao dormir na cama de hotel há um metro da de Naruto, e era por isso que estava naquela expectativa bizarra agora.
Era por isso que suas mãos quase vibravam com a espera enquanto Naruto, lentamente e devagar demais, se movia em sua direção, milímetro por milímetro. Também foi por isso que a nova voz em sua cabeça quase o fez se aproximar dele, mas Sasuke lutou contra essa vontade implantada e só aguardou.
No fundo ele não queria aquilo, era só por causa do costume, disse para si sabiamente enquanto Naruto brigava um pouco com a borda do saco de dormir que não deixava seu torço sair, o que quase fez Sasuke ajudá-lo. Conforme ele se movia contra as paredes do colchonete, o zíper ia se abrindo facilmente, dando espaço.
O estômago de Sasuke parecia ao contrário agora. Apesar disso, a verdade é que ele odiava contato, continuou pensando, conforme o homem chegava mais perto.
Seu coração acelerou ao perceber que Naruto, depois de algum tempo, estava deitado na diagonal há apenas alguns centímetros, suas feições tranquilas enquanto ele roncava baixinho de barriga para cima, os lábios grossos entreabertos e os cabelos apontando para todos os lados. Naruto rolou na direção de Sasuke devagar, ainda sem tocá-lo, e a mão morena caiu há três centímetros de seu peito.
Eles estavam um de frente para o outro agora, e o coração de Sasuke estava alto em seus tímpanos, como um cronômetro que o fazia perceber o quanto as coisas estavam demorando. Só três centímetros.
Seus olhos se focaram nos dedos dele enquanto a parte perturbada de seu cérebro vibrava em expectativa crescente. Só mais um pouco. Foda-se que ele estivesse enlouquecendo, Sasuke só conseguia sentir a ânsia da espera prolongada e o arrepio de expectativa que passava por ele no ar frio da barraca escura.
Com um suspiro leve, Naruto, que tinha quase o corpo todo para fora agora, tornou a rolar e fechou a distância entre eles com um resmungo satisfeito. Os batimentos cardíacos de Sasuke entraram em pane quando o nariz gelado cutucou sua jugular e a boca quente tocou sua pele fina no momento em que Naruto finalmente encaixou o rosto em seu pescoço.
Sasuke fechou os olhos e suspirou com uma estranha satisfação ao sentir seu peito ser aquecido com mais contato direto. Outro tremor o percorreu quando a respiração do homem aqueceu sua pele.
O cobertor foi jogado sobre Naruto com cuidado e ele imediatamente se ajeitou mais contra Sasuke, cujas sinapses agora pareciam estar entrando rapidamente em conflito. Não sabia se tentava se acalmar ou se deveria buscar entender o que era aquilo que disparava o sangue em suas veias e fazia sua respiração ficar mais urgente com um simples contato.
Ele se arrependeu — não devia tê-lo deixado se aproximar sabendo que suas emoções não andavam normais ultimamente e o quanto estava no limite. Devia acordá-lo imediatamente, inclusive.
Sasuke iria lá para fora vigiar com Shikamaru e, na primeira oportunidade, ia dizer que não queria dividir a barraca com aquele idiota. Assim que chegasse no Esconderijo do Sul, ia pedir para Karin descobrir o que tinha de errado com ele.
Trancou o maxilar enquanto sentia o corpo tremer e, ao mesmo tempo, esquentar. Sasuke nunca tinha sentido aquilo na vida por alguém se aproximar, e era assustador. Sequer conseguia explicar o que era aquela miríade de sensações complexas e misteriosas, mas que encheram seu peito, seus pulmões, suas vísceras e pareciam prontas para engoli-lo inteiro.
“Naruto.”, ele chamou com o maxilar travado e os olhos fechados fortemente. O homem resmungou em seu pescoço e Sasuke engoliu seco enquanto suas mãos pareciam tremer um pouco mais. “Naruto!”, rosnou um pouco mais alto agora.
Sasuke sentiu os cílios loiros escovando seu pescoço quando o homem abriu os olhos, e o respirar de confusão em sua pele arrepiada por ter sido acordado. Confuso, Naruto se afastou e felizmente não percebeu que Sasuke estava trêmulo. Sasuke o encarou no escuro com os dentes cerrados e as narinas dilatadas em seu esforço para não... o quê? Explodir?
O que ele ia fazer se explodisse? O que essa bomba escondida ali o faria fazer? Ele ia socar a cara de Naruto, ia colocar fogo na barraca do Hyuuga, ia desmembrar os Anbus que os vigiavam, ia correr pelado, morder alguém, o que significava explodir?
Naruto o encarou de volta enquanto se apoiava no cotovelo, e Sasuke ainda não tinha se movido, porque até mesmo olhar para o idiota parecia demais, mesmo no escuro.
“O que você tem?”, ele perguntou com a voz rouca e sonolenta da maneira mais neutra que pôde, Sasuke percebeu, mas os olhos claros queimando na penumbra eram tão sinceros que o fizeram se sentir mal.
Só conseguiu negar com a cabeça e fechar as pálpebras novamente enquanto tentava respirar devagar. Precisava respirar, precisava se acalmar, tudo ia ficar bem, ele não tinha perdido o controle.
Tentou se arrumar nos travesseiros e focar no oxigênio entrando e saindo de seus pulmões, mas quando abriu os olhos novamente, Naruto ainda o fitava, dessa vez mais intensamente. Ele se viu preso naquele olhar que novamente começava a derreter as barreiras que sua mente criava para a proteção de ambos.
“Saia.”, ele disse em um sussurro fraco de repente, como se cuspisse o pouco ar que tinha. Naruto era o culpado pelo que quer que aquilo fosse, então ele precisava sair.
O homem ergueu as sobrancelhas surpreso. “Como é? Eu não vou sair nesse frio, seu bastardo. E o que tem de errado com você, porque tá estranho assim?”
“Você é o que tem de errado, eu preciso que você saia daqui agora. Eu quero você o mais longe possível de mim até o fim dessa viagem.”, ele sibilou enquanto sentia os músculos se tensionando desagradavelmente. Ele puxou mais ar devagar e soltou com discrição, tentando saber o que fazer para se tranquilizar.
O olhar de Naruto não mudou muito, mas dava para ver a camada de mágoa que se instalou ali por baixo com o que foi dito. Aquilo era tão insuportável e estava comendo Sasuke de dentro para fora cada vez mais — quebrar e afastar Naruto era a coisa mais difícil do mundo atualmente, e a sensação era de que seus órgãos estavam boiando em tristeza e desapontamento consigo mesmo por não conseguir manejar nenhuma situação direito.
O homem abriu a boca, mas depois a fechou e deixou o olhar cair para a manta que os cobria. Naruto a estudou sem se mover por alguns segundos, e foi tempo suficiente para Sasuke chegar cada vez mais na borda do penhasco das merdas que o asfixiava.
A presença de Naruto era opressora demais, ele precisava ficar sozinho. Precisava voltar ao normal, essa missão já tinha demorado tempo demais e sua capacidade de lidar com as coisas já tinha se esgotado há semanas.
Era tão difícil respirar, tão doloroso, seu coração barulhento parecia estar no caminho. Sasuke puxou o ar devagar pela boca ainda sem conseguir se desviar de Naruto. Era como se estivesse em um colapso mental, o desespero o dominando rapidamente.
Sasuke se afundava no mar de escuridão confusa dentro de si e seus músculos pareciam estar em um terremoto. Ele não entendia porque estava sentindo tudo aquilo agora, do nada, só porque Naruto se arrastou para cima dele durante o sono como sempre tinha feito.
Naruto o encarou e no mesmo instante a expressão no rosto angelical se desmontou, como se tivesse percebido algo em Sasuke, ainda que todas suas energias estivessem sendo gastas em não deixar transparecer nada e se manter sob o mínimo de controle que restava. Mesmo na penumbra, conseguiu ver o quanto aqueles olhos se tornaram quentes e compreensivos, tão perigosamente perceptivos.
Naruto pareceu ponderar algo enquanto o observava, e a única coisa que Sasuke queria fazer era fechar os olhos e desaparecer do mundo, sumir com aquela necessidade de algo que não entendia, mas que borbulhava sob sua carne como se ele fosse quebrar e se rasgar de dentro para fora. Seus olhos se fecharam com força e ele puxou mais ar para os pulmões que protestavam, cada vez mais incapaz de esconder seu pânico.
Não importava, Naruto já tinha visto, e Sasuke só precisava de alguns momentos para voltar a ter as rédeas de si mesmo. Depois, iria sair daquela barraca infernal e só voltaria quando ela estivesse vazia.
Enquanto continuava sendo comido vivo pelas porcarias retiradas de suas entranhas, ouviu o ruído das cobertas e em um segundo sentiu o peso de Naruto, que o abraçava por cima do saco de dormir. O caroço em sua garganta aumentou de tamanho e ele queria gritar, queria arrancar os cabelos e fugir do planeta terra. Aquele idiota não entendeu o que Sasuke tinha dito tão explicitamente?
“Naruto.”, ele conseguiu rosnar entre os dentes, cada vez mais tenso sob ele. O rosto do idiota estava diretamente sobre sua orelha e isso permitiu que ele ouvisse o som da respiração constante do homem.
“Cinco minutos.”, ele murmurou suavemente em seu ouvido com a voz rouca, e Sasuke quase deu um soco nele quando esse simples gesto cortou mais uma de suas amarras. “Durante cinco minutos não existe nada acontecendo, Sasuke, tá tudo bem. Durante cinco minutos o mundo, as consequências, o passado e o futuro não existem, nem minha raiva ou a sua. Você só precisa confiar em mim por cinco minutos e depois, nada disso aconteceu. Tá tudo bem. Eu tô cansado de brigar com você. Por favor.”
Aquelas palavras caíram em seus ouvidos e foram o suficiente para Sasuke sentir o resto de sua sanidade escapando por seus dedos. Cinco minutos onde ele era só uma pessoa sem bagagem e responsabilidades, onde Naruto não estava com raiva dele e era só Naruto, com sua aura acolhedora e magnética como o próprio sol, oferecendo seus raios para aquecê-lo e curá-lo, destruindo um pouco da escuridão que o cercava e o consumia.
Ele aceitou, porque não conseguiria se afastar nem se quisesse agora. Sasuke deixou seus olhos se apoiarem no ombro de Naruto e uma de suas mãos trêmulas subiram fracamente para as costas dele, onde ela se agarrou ao tecido do moletom. Então sentiu os braços fortes passarem por seus ombros e o zíper de seu saco de dormir ser aberto para o homem se colocar ao lado dele no colchão pequeno.
Sasuke sentiu seu corpo se aquecer com o contato como se fosse um dia quente de verão e não houvesse uma nevasca lá fora. Era tão familiar ter Naruto perto, sentir os braços dele ao seu redor enquanto ouvia o pulsar de seu coração no silêncio, porque era desse jeito que eles acordaram por algum tempo. Como se a porra do resto do mundo nem existisse. Nesses dias, Sasuke sempre abria os olhos e permanecia ali, quieto por alguns minutos antes de se mover e se levantar.
A sensação esmagadora da necessidade de se afogar naquela luz parecia reverberar por todas as suas células agora. Ele a obedeceu prontamente, puxando Naruto mais contra si e soltando o ar quando seus corpos se mesclaram — seus braços, suas pernas, seus pés, tudo estava embaraçado, e Sasuke quase não aguentou o contato porque queimava.
Engolir a angústia em sua traqueia parecia cada vez mais difícil, porque era como se o chakra de Naruto estivesse transpondo os limites de seu corpo para alimentar seu ser e o separar do resto das coisas, do resto das pessoas. E estar tão cheio depois de se sentir tão vazio por tanto tempo era opressor demais; principalmente por aquela luz em específico, a mesma que esteve lá por anos e ele ignorou. A mesma que o salvou no fim e se tornou tão familiar, como se lhe pertencesse.
A respiração de Naruto era bem mais lenta que a sua, mas o aperto dele era tão forte quanto o de Sasuke, que ainda tinha o rosto metido em seu pescoço. O cheiro de pele quente e camomila encobriu qualquer merda que houvesse além disso. Cinco minutos era muito pouco tempo se essa seria a última vez que poderiam estar próximos desse jeito.
Ter essa consciência machucava profundamente. Sasuke estava tão confuso e fora de si, apesar de ser a primeira vez em muito tempo que agia de acordo com o que queria. Ele era essa pessoa, tão emocional e necessitada de afeto? Tão fraca? Perto de Naruto, sim.
E, pela primeira vez, entendeu que não era Naruto que o deixava fraco — apenas evidenciava tudo que faltava ali dentro para Sasuke. Aquele homem na verdade o reconstruia, e isso foi algo que incomodou Sasuke por muito tempo, porque a ideia de ser composto de outra coisa senão por si mesmo assustava.
Mas, naquele momento, sinceramente não se importava, porque estava cansado de ser forte para si. Ser forte doía e machucava tanto quanto ser fraco, senão mais ainda.
Se Naruto notou a umidade em seu ombro, não demonstrou, mas Sasuke sentiu os dedos em seu cabelo e a mão grande e que envolvia a sua com força, espremidas entres eles na altura do peito. Ele não se importou com o contato intenso e também não analisou o que parecia, porque se fosse fisicamente possível, estaria ainda mais colado a Naruto.
Sasuke também não avisou quando terminou de contar os minutos em sua cabeça e não se afastou, porque não queria sair dali. No dia seguinte nada daquilo teria acontecido. Aquilo nunca mais aconteceria.
Então, por isso, Sasuke parou de tentar reerguer seus muros carcomidos e deixou tudo desmoronar ao redor dele. Foda-se, resolveria isso depois se desse, e se não desse, paciência.
Lutar era exaustivo e ele já não era mais o mesmo há meses, então só queria que tudo explodisse. Hoje ele não lutaria, hoje só aceitaria o luto do que perdeu no caminho, das coisas de si que desmantelaram e nunca mais seriam encontradas e, principalmente, do que iria perder dali a alguns dias —inclusive, naquele momento, nem via mais sentido em seu plano idiota, porque Naruto parecia perfeitamente bem e Sasuke só queria deixar as coisas serem do jeito dele uma vez na vida, para variar.
Durante aqueles cinco minutos que se estenderam em horas, Sasuke era só Sasuke, e Naruto, a pessoa que teve permissão para vê-lo de verdade. Depois, tudo voltaria a ser como era antes só para não ser nunca mais, porque Sasuke iria embora.
Naruto não voltava na palavra dele, esse era seu Nindō. E ele realmente fez o que foi prometido — quando Sasuke acordou no dia seguinte, estava sozinho na barraca e percebeu, inclusive, que Naruto não tinha o acordado para seu turno de vigia.
Quando saiu depois de calçar os sapatos e arrumar as coisas, só Shikamaru estava ali, fumando seu último cigarro embaixo de uma árvore antes de partirem. O capitão fez um sinal para ele se aproximar quando o viu e Sasuke obedeceu contrariado.
O Capitão se inclinou para murmurar. “Que porra vocês dois pensam que tão fazendo se separando? Cadê o Naruto e o Neji?”, indagou com uma carranca azeda.
Sasuke o encarou com os olhos reduzidos à fendas. “Por que você acha que eu sei onde eles estão? Você acordou antes de mim.”, ele sibilou de volta.
O homem negou discretamente. “Eu saí da minha barraca três minutos antes de você aparecer, não vi eles aqui. Pode ter acontecido alguma coisa.”, disse, enquanto deixava o cigarro cair na neve e o apagava com o pé.
“E o que você quer que eu faça?”, resmungou Sasuke com irritação.
Saber que Naruto estava com Neji sabe-se Deus lá onde fez seu humor fechar como nuvens negras que anunciavam uma tempestade, e ele tinha acordado minimamente de bom humor, afinal, tinha conseguido dormir maravilhosamente bem. Entretanto, ainda que não houvesse nada entre Naruto e aquele cara, a proximidade entre os dois o irritava até a raiz dos cabelos. Ele não gostava nem um pouco de “Neji”.
“Bem, vamos atrás deles, depois voltamos e desfazemos o acampamento. Fique atento a qualquer sinal de luta ou qualquer coisa estranha.”, Shikamaru falou baixo enquanto arrumava a bolsa de kunais na perna e refazia o rabo de cavalo que deixava seus cabelos espetados para cima de um jeito meio cômico.
Sasuke suspirou e também afivelou a bolsinha na coxa antes de abotoar o sobretudo no pescoço. Apesar da neve que caía, conseguiram achar uma trilha de pegadas quase coberta que ia para fora do acampamento e a seguiram em silêncio. O vento ululava alto entre as árvores e os raios cinzentos do sol fraco fazia tudo ficar mais monocromático, uma paisagem branca, intocada e sem vida que Sasuke apreciava, mas não naquele momento.
Olhou ao redor com uma carranca e tentou apurar os ouvidos acima do barulho do vento cortante. A trilha já tinha se escondido sob uma nova camada de neve, e Sasuke torceu para o idiota ter seguido em frente.
Não havia sinais de luta, sangue, galhos quebrados, nada, apenas a imensidão alva que os engolia. Pelo menos ele sabia que, se de fato algo tivesse acontecido, Neji ajudaria Naruto.
Depois de caminharem por algum tempo em linha reta, contornaram duas grande árvores mais largas do que as anteriores e chegaram em uma área onde a vegetação era mais espaçada, os troncos mais distantes um dos outros, permitindo que mais luz banhasse aquele trecho.
Sasuke viu antes de ouvir por causa da ventania. Seu corpo travou em choque e era como se seu sangue tivesse congelado e feito seus músculos desmancharem de cima para baixo em uma onda de frio. A sensação era que seu corpo tinha perdido toda a sensibilidade depois de ser mergulhado na neve contra sua própria vontade, sem aviso prévio.
Shikamaru o encarou sem entender porque tinham parado de repente e então seguiu seu olhar para a cena que acontecia ao longe, do outro lado da clareira, mas que era inconfundivelmente real e perturbadora — Naruto, cujas costas se apoiavam em uma árvore, era beijado por Neji, seus corpos juntos e as pernas abertas para que Naruto pudesse continuar trabalhando nas ereções que tinha em mãos. Ambos estavam apenas com o pau para fora enquanto se moviam. Ele pensou até ter ouvido um gemido em meio ao som cortante do ar, mas não tinha certeza.
Oh, então essa é a sensação de ter um derrame, ele pensou em segundo plano enquanto via ao longe as línguas se enroscando e as mãos imundas daquele Hyuuga vagando ao redor do corpo de Naruto. A raiva então esquentou seu sangue congelado, encharcou seu cérebro e ele não conseguia desviar o olhar — Naruto, se inclinando cada vez mais contra aquele cara, enfiando a língua na goela dele desesperadamente, as coxas juntas enquanto ambos se balançavam no ritmo das estocadas, os cabelos loiros e o corpo bronzeado sendo tocados avidamente pelos dedos sujos daquele desgraçado que em breve estaria morto, oh sim, Sasuke ia fazê-lo implorar pela própria morte, ele ia arrancar cada unha e cada dedo daquelas mãos encardidas dele e depois ia colocá-lo em um genjutsu que foderia com o cérebro-
Shikamaru parecia ter dito alguma coisa, mas a mente de Sasuke estava totalmente focada no choque da cena que desenrolava diante dele e na elaboração de uma morte dolorosa. Então sentiu a mão do Capitão em seu braço antes de ser arrastado de volta e arrancado de seu torpor.
Sasuke encarou o aperto em seu bíceps chocado com a audácia daquele filho da puta e subiu os olhos para Shikamaru como um aviso para soltá-lo. O homem tirou as mãos dele, mas já tinha feito Sasuke recuar o suficiente para não ver mais nada.
“Caralho, vocês todos são fodidos da cabeça.”, resmungou o homem enquanto apertava o ponto entre as sobrancelhas com os olhos fechados. Ele então voltou a fitar Sasuke que, sinceramente, já nem sabia como não tinha ido lá arrancar a cabeça daquele cara. Na verdade, estava completamente em choque, seu cérebro parecia funcionar em câmera lenta. “Ok, infelizmente eu preciso perguntar, tem mesmo alguma coisa acontecendo entre você e Naruto...?”, indagou Shikamaru.
“O que? Não!”, exclamou Sasuke indignado e não totalmente focado na conversa. Na verdade, sua massa cinzenta parecia ter derretido e escorrido pelos ouvidos.
O Capitão estudou seu rosto, confuso. “Então não vou precisar separar vocês três? Vocês não vão foder a missão? É só isso que eu quero saber.”, continuou.
Sasuke fechou as mãos em punhos e seus olhos se reduziram a fendas. “Como assim?”, ele sibilou.
É claro que Sasuke ia se manter o mais longe possível de Naruto depois de concluir a fase do assassinato de “Neji”, porque senão o esganaria também. O ódio ardeu em suas vísceras e um amargor se espalhou por sua língua — Naruto era um mentiroso, Sasuke nunca devia ter confiado nele em momento algum de sua vida, se soubesse que isso ia acontecer não teria voltado para Konoha e teria matado aquele Hyuuga empalado na primeira oportunidade que tivesse.
Shikamaru ergueu as sobrancelhas antes de juntá-las e balançar a cabeça em negação lentamente. “Olha, eu realmente não quero saber do que tá rolando entre ele e Neji ou entre vocês dois, eu só tô aqui porque tenho uma missão para cumprir. Mas você tem noção de que está reagindo como se tivesse acabado de pegar Naruto te traindo, não tem? Seus Sharingans estão ativados e acho que você nem percebeu. Eu só preciso saber se vocês vão se matar se seguirem juntos, porque senão teremos que mudar todos os planos para agora e para quando formos nos separar. Vocês não tão sendo nada racionais.”, falou ele com um suspiro cansado.
Sasuke não esperava por essa leitura da situação. Ouvir as coisas colocadas daquele jeito o chocou tanto quanto a cena horrenda que tinha presenciado minutos antes e, na verdade, o ajudou a se recompor. Foda-se se Naruto beijava homens por aí como uma puta descontrolada, foda-se se ele estava fodendo com aquele cara indigno de sequer respirar o mesmo ar que Sasuke, foda-se, não era problema dele.
Não importava, não mudava nada em sua vida, absolutamente nada. Naruto não significava nada, ele não era nada.
Sasuke desativou seu doujutsu ativado pela ira, se recompôs em sua expressão fechada e se endireitou diante de Shikamaru. “Você me ofende sugerindo esses absurdos, Nara. Se Naruto sai por aí dormindo com qualquer um que o atenda, isso não é problema meu, eu só quero que essa missão acabe o mais rápido possível.”, anunciou em um tom que beirava à ironia, apesar da sensação borbulhante em seu peito e esôfago.
Shikamaru suspirou, mas não parecia convencido. “Tudo bem. Só... espera aqui, eu vou... chamar os dois idiotas. Eu não acredito que eles simplesmente saíram pra isso no meio da porra de uma missão.”, o resmungo foi se perdendo enquanto Nara passava novamente pelas árvores que emolduravam a clareira.
O vento frio fazia as mechas da franja lateral de Sasuke chicotearem seu rosto e sua capa ondular, então sua mão subiu para abotoar o sobretudo até o fim. Ele ouviu a voz de Shikamaru acima do uivo do vento há alguns poucos metros chamando pelos dois.
Sasuke não conseguia pensar em nada, e se surpreendeu ao perceber que as coisas soterradas dentro dele não pareciam mais estar ali — sua mente estava clara e perfeitamente sob controle, como deveria ser. Ele não sentia nada o sufocando, não havia nada entalado em sua garganta ou borbulhando sob sua pele. De fato, era como se aqueles dois meses nunca tivessem acontecido.
Naruto não importava, Sasuke não sabia porque tinha dado tanta importância para ele, porque tinha se sentido tão afetado pelas coisas que vinham daquele homem. Nem fazia sentido. Naruto era só seu ex-colega de time irritante, o cara que foi fissurado nele durante anos e agora isso felizmente tinha mudado. Sasuke não precisava mais aturá-lo.
Quando ouviu o burburinho da reprimenda indignada de Shikamaru para os outros dois, ele se endireitou e esperou sem dar muita atenção para nada. Sasuke só queria voltar, desmontar o acampamento e seguir viagem — em dois dias no máximo, chegariam na fronteira do País do Fogo com o mar e se separariam, finalmente estava acabando.
Sasuke desviou propositalmente o olhar de Naruto como se ele não existisse, algo que já fazia com o Hyuuga antes. Se organizaram na conhecida formação por ordem do Capitão e seguiram de volta para o acampamento. Sasuke podia sentir o olhar irritante de Naruto sobre ele, mas continuou olhando para frente como o Shinobi disciplinado que foi treinado para ser.
As coisas foram arrumadas às pressas, já que o horário de partida tinha atrasado por causa dos belos acontecimentos do dia e, mesmo enquanto pegava suas coisas para armazenar nos pergaminhos, podia sentir o olhar vigilante de Naruto, ao qual continuou ignorando. Ele enrolou o suficiente para não ser o primeiro a terminar de organizar as coisas, porque não queria ajudar ninguém — normalmente, quando estava razoavelmente bem com aquele imbecil, Sasuke o ajudava a terminar de guardar tudo. Hoje não era um desses dias.
Shikamaru olhou para trás e os encarou enquanto se organizavam novamente na formação, estudando os rostos de Sasuke e de Naruto com receio palpável. Ele não sabia o que Nara veria ao analisar Naruto, mas com certeza não conseguiria ler a expressão naturalmente composta de Sasuke.
Com um suspiro, o Capitão falou. “Ok, vamos.”, anunciou com uma carranca antes de puxar a fila.
Neste ponto a neve tinha diminuído um pouco, bem como o vento frio que agora não passava de um ruído baixo em seus ouvidos. Sasuke seguiu com Naruto ao seu lado, tão incomodamente próximos que os braços quase se tocavam. Ele deu um passo para o lado e puxou o sobretudo fechado para mais perto do corpo por causa do frio, conforme pulavam pelos galhos das árvores que ladeavam a trilha.
Sasuke passou o dia todo sem pensar em nada — primeiro porque os pensamentos apenas não vieram por causa do torpor e depois, quando surgiram, se obrigou a ignorá-los. Ele não ia pensar sobre o que viu, não importava.
Não importava se Naruto se interessava por mulheres e por homens, nem se ele tinha mentido para Sasuke — obviamente tinham sido os gemidos de Naruto que ele ouviu naquela noite, e seu estômago embrulhou ao perceber isso agora, porque significava que Naruto e aquele cara não era algo novo. Seja lá o que tivessem, já acontecia há algum tempo.
Tinha sido muito ingênuo ao pensar que Naruto era alheio aos sentimentos de Neji, talvez fosse até recíproco. Talvez estivessem de fato apaixonados, e isso explicaria toda a interação que Sasuke viu naqueles dias — as risadas, os cochichos, os pequenos toques, os olhares.
Ele pensou que só Neji carregasse tudo aquilo com segundas intenções e que Naruto não percebia, mas eles estavam realmente flertando. A agitação em seu estômago piorou.
Então sim, de fato os sons que tinha ouvido eram de Naruto. Os sons que Naruto produzia ao foder com um cara, porque ele se recusava a classificar aquilo como simples sexo depois daqueles ruídos profundos e cheios de desejo, sons que claramente ele tentou abafar no travesseiro enquanto a cama rangia e batia contra a parede-
Sasuke desceu até o pé de uma das árvores e se inclinou, apoiando-se nela enquanto vomitava na neve. Seus arquejos profundos ecoaram para dentro da floresta agora escura e ele tornou a colocar mais bile para fora enquanto sentia a madeira áspera congelada sob a palma da mão.
Ouviu Naruto se aproximando, mas só foi capaz de tossir e buscar por ar para não sufocar com o vômito que mais uma vez desceu por sua traqueia. Quando sentiu o toque suave de Naruto em seu ombro, Sasuke empurrou a mão dele com um gesto agressivo, se endireitando e limpando a boca na manga do sobretudo enquanto o encarava com todo o desprezo que conseguiu juntar.
“Não coloque essas mãos em mim. E se bem me lembro, mandei você ficar o mais longe possível, então quando estiver do meu lado, faça o favor de manter o mínimo de distância.”, sibilou enquanto contornava Naruto e voltava para sua posição no galho da árvore, sem nem se interessar em ver a reação dele. Não se lembrava de ter sentido tanta raiva daquele homem na vida.
Em sua visão periférica, Sasuke notou que Naruto demorou alguns segundos antes de se mover e pular para seu lado. Nenhum dos dois disse nada.
“Vocês querem parar?”, Shikamaru perguntou em seu tom usual que beirava ao tédio. “O sol já se pôs há um tempo.”
“Não, vamos em frente até onde a gente conseguir.”, Naruto exigiu em uma voz firme que surpreendeu a todos enquanto encarava o capitão.
Shikamaru acenou em concordância com cara de quem não queria discutir e voltou a pular para frente, agora mais rápido do que antes, e ninguém teve dificuldade em acompanhá-lo. Naruto agora estava mais distante de Sasuke e não olhou para o lado nenhuma vez.
A cabeça dele tinha começado a doer em alguns pontos, mas pelo menos seu estômago estava menos embrulhado agora. Eles caminharam até estar escuro e frio demais para prosseguirem, momento em que a lua já tinha subido bastante no céu negro, e Hyuuga apontou uma caverna escondida há alguns metros.
“Acho que agora é uma boa oportunidade para a gente tentar despistar os Anbus — eles continuam fora da visão do meu Byakugan, ou seja, estão há mais de 800 metros da gente e se formos rápidos, talvez não nos vejam.”, disse ele atrás de todos. Ouvir a voz dele lhe dava vontade de se virar e socá-lo até desmaiar, mas a única coisa que fez foi cerrar os punhos.
Shikamaru acenou concordando. “Ok, e é uma boa forma de descobrirmos se eles têm um ninja sensor com eles. Troque de lugar comigo e nos guie até lá. Vamos o mais rápido possível.”
Neji e Nara mudaram suas posições e eles apertaram o passo. Até a visão das costas daquele cara e de seus cabelos ondulando para trás irritava Sasuke, e felizmente ele não tinha lançado nenhum olhar capcioso em sua direção hoje, porque Sasuke sinceramente só precisava de uma desculpa para afundar a cara dele no fundo do crânio.
Ele fechou a cara ao compreender o que significavam aqueles olhares, então — era a forma daquele imbecil dizer que Naruto era dele e tentar esfregar isso em sua cara. Sasuke quase riu ao perceber esse fato, porque era completamente ridículo.
Afinal, estava longe de querer Naruto, seria a última pessoa para quem ele olharia desse jeito. Sasuke não o achava bonito, não o achava interessante e com certeza não estava nem um pouco interessado em ficar com alguém que já tinha passado pelas mãos nojentas daquele cara — Sasuke jamais se rebaixaria a esse nível, sendo que podia ter qualquer homem ou mulher que quisesse, ainda que não tivesse nenhum interesse nessa última categoria.
Muitas propostas já lhe foram feitas por homens atraentes e endinheirados, e se Sasuke não estava interessado neles que tinham tudo a lhe oferecer, porque algum dia se interessaria por Naruto? É claro que Sasuke tinha raiva de qualquer um que o olhasse do mesmo jeito que Orochimaru o olhou por anos — como se ele fosse um pedaço de carne, um corpo para possuir por sua beleza e sua força — e, por isso, teve nojo de todos que tentaram se aproximar. Mas, ainda assim, tinha opções.
Na mão deles, Sasuke seria apenas uma presa a ser devorada, reivindicada, desvendada, e ele jamais permitiria que isso acontecesse — nas raríssimas vezes que permitiu que o tocassem assim, foi por alguns segundos e ele estava totalmente no comando. Fez questão de se afastar de qualquer um que tivesse até mesmo a sombra do olhar do seu antigo mentor, que inclusive tinha mudado ao longo do tempo também.
No início, Sasuke era um receptáculo, um belo vaso adornado onde Orochimaru vislumbrava o próprio futuro e o poder. Mas ao longo daqueles quase três anos, a atenção do homem foi se modificando conforme Sasuke deixava de ser uma criança.
Ele percebia bem os olhares que carregavam cada vez mais luxúria, mais desejo de posse, e isso o fez ficar ainda mais irritado e enojado. As adulações de Orochimaru aumentaram e cada vez mais ele tocava Sasuke por pouco mais de um segundo de maneira falsamente descontraída, seus ombros, seus braços, seu rosto, suas costas. Ele odiava como isso fazia ele se sentir sujo.
Com isso, Sasuke aproveitou o fato de quase não conseguir dormir para ficar mais vigilante, e foi a melhor coisa que fez, porque assim conseguiu perceber quando sua porta se abriu lentamente em uma noite e Orochimaru entrou em seu quarto em silêncio, como a cobra traiçoeira que era. Surpreso em ver Sasuke acordado, disse que tinha ido apenas checá-lo, mas isso aconteceu esporadicamente por um bom tempo, e sempre com a mesma desculpa.
Sasuke não podia mais deixar de estar ciente de tudo ao seu redor nem quando dormia, e começou a fazer a própria comida na hipótese daquele lunático tentar drogá-lo ou algo parecido. Ele ainda não tinha força o suficiente para lutar contra Orochimaru, e foram vários meses tenebrosos onde Sasuke sentia que as paredes o vigiavam e precisava estar em estado de alerta 24 horas por dia. Isso, em conjunto com a expectativa de encontrar Itachi para matá-lo, fez aquela ser a pior época de sua vida — se Orochimaru tentasse forçar algo com ele, Sasuke provavelmente não conseguiria impedi-lo.
Além disso, no dia em que Orochimaru percebeu seus hormônios aflorando, começou a rondar ainda mais. Quando viu o desempenho dos treinos caindo devido à tensão física e energia acumulada, reconheceu que Sasuke não tinha intenção alguma de aceitar seus avanços e lhe explicou o que estava acontecendo. Afinal, não podia deixar seu receptáculo perder a eficiência.
É claro que Sasuke já sabia do que lhe foi dito, e por querer acabar logo com isso, aceitou a proposta de Orochimaru. Sasuke não queria nem saber como ele tinha descoberto sua preferência por homens, mas naquela noite um garoto da sua idade foi enviado até seu quarto. Toda a ação realizada foi extremamente mecânica, um meio para alcançar um fim, e Sasuke fez tudo muito consciente de que estava sendo assistido de algum lugar por olhos afiados e cheios de cobiça.
Por esses vários motivos ele nunca confiou em ninguém que o desejasse e, por esses mesmos motivos, perceber o que significava o olhar de Neji, ao mesmo tempo em que era cômico, o fazia sentir raiva — porque era o mesmo princípio do que ele tinha passado, mesmo se houvesse algum sentimento envolvido ali. Naruto era algo para o satisfazer e alimentar seu ego, um corpo que, em algum nível, Neji só queria possuir e reivindicar de alguma forma.
Não que Sasuke fosse delirante o suficiente para acreditar na ideia de “amor” que era vendida por aí e os outros compravam. Mas, o fato é que poucos agiam acima do interesse de pegar coisas e pessoas para si, como uma forma de amaciar o próprio ego e se sentir no controle de algo ou alguém.
Percebeu esse tipo de coisa muito cedo e tudo se confirmou na época em que precisou se proteger constantemente de Orochimaru. Isso o fez ter cada vez menos interesse em seres humanos — até Sakura, que ficou anos atrás dele dizendo que o amava, apenas o desejou por sua beleza.
Ela não o conhecia, não sabia de seus gostos, a forma que ele pensava, não sabia como era sua personalidade, e por isso o irritava tanto. Ela não tinha motivo algum para estar apaixonada por ele, principalmente porque Sasuke era extremamente rude quando a garota vinha se esfregar nele ou bajulá-lo de alguma forma que não fosse amigável.
De fato, ele conhecia apenas alguns indivíduos cujos olhares passavam alguma confiança, e ao longo de sua viagem para fora de Konoha, Sasuke amadureceu o suficiente para concluir que as coisas sempre seriam daquele jeito. Então, de tempos em tempos, quando suas vontades apareciam, ele apenas ia até alguma casa noturna, escolhia alguém que o interessava e dizia seus termos antes de fazer qualquer coisa — “sem tocar”. Ele estava sempre no controle, era o único permitido a agir e, por incrível que parecesse, sua regra nunca tinha sido desrespeitada.
A verdade é que havia apenas uma pessoa em quem Sasuke confiou o suficiente para deixar colocar as mãos nele de fato, porque foi uma das poucas que quis fazer isso de forma não sexual. Era um homem cujas íris azuis-safira nunca foram postas sobre seu corpo com desejo de posse ou qualquer interesse envolvido, e o único que poderia o afetar tão profundamente como acontecia agora, depois do que tinha visto.
Sasuke ignorou e morreu de medo da nova informação que tinha descoberto sobre Naruto. Não deixou de forma alguma que aquilo fosse levado para seu consciente, porque era algo que poderia facilmente quebrá-lo para sempre. Sua mente cheia de mecanismos de defesa tratou de ajudá-lo a ignorar o máximo que pôde aquele acontecimento, e o enterrou junto com as outras coisas que o engoliam.
Por isso, quando Sasuke montou seu saco de dormir em um dos cantos da caverna escura e se deitou virado para a parede de pedra, não sentia mais nenhum desespero como na noite anterior e, de fato, conseguiu amortecer quase completamente suas emoções. Assim, as poucas coisas que tinham sido desenterradas e escaparam pelas frestas de sua mente para finalmente serem trabalhadas, voltaram para a caixa como se nunca tivessem existido.
Sasuke só conseguia lidar com as coisas relacionadas a Naruto na base da negação, e até isso ele preferia ignorar. Chegava a ser perigoso ele se colocar sob o próprio escrutínio.
Notes:
Olá, meus bens!
Mais um capítulo, mais um drama, porque aqui a gente trabalha assim hahahahaha.
Em breve as coisas ficarão piores para Sasuke, que será obrigado a seguir sozinho com Naruto até o destino final deles. Espero que estejam ansiosos, porque eu com certeza estou.Obrigada aos que seguem lendo e até a próxima!
Chapter 35
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
Os Anbus de fato pareciam ter perdido eles de vista e isso permitiria que o grupo seguisse mais tranquilamente em direção à fronteira. Como no registro oficial o fim da rota deles era um pouco diferente da que fariam de fato, ainda que os guardas decidissem seguir em frente e esperar, eles não se cruzariam — o porto onde embarcariam de verdade ficava há quilômetros de distância do que tinha sido protocolado nos documentos, e essa diferença seria explicada como uma complicação por causa da neve.
A noite pareceu passar num piscar de olhos para Sasuke, que tinha conseguido se desligar da cacofonia incoerente em sua cabeça enquanto mantinha os olhos fechados e esperava o tempo passar. Ele nem mesmo se lembrava de ouvir os roncos baixos de Naruto no outro extremo da caverna, já que estava totalmente refugiado na escuridão silenciosa em algum lugar de sua mente.
Quando a mínima luz cinzenta veio de fora, se viu abrindo os olhos e sentando no saco de dormir. Pegou o saquinho de pílulas de comida na bolsa ao lado em movimentos robotizados quase entorpecidos e colocou uma delas na boca, levemente ciente do gosto adocicado e terroso que encheu sua língua.
Seus olhos vagaram distraidamente ao longo do espaço irregular da caverna sem nem chegarem perto de onde Naruto, Neji ou Shikamaru dormiam ou vigiavam, e ele se encostou na parede fria cor de tijolo enquanto trazia um joelho até o peito para apoiar um braço nele. Sua cabeça tombou para trás e ele voltou a fechar os olhos antes de suspirar.
A falta de raiva e desprezo que sentia no dia anterior fez sua energia se dissipar totalmente. Sasuke se sentia exausto, longe de tudo, lento e irreal. Ele não se importou, porque ainda era mais fácil se sentir no controle desse jeito do que no estado em que se encontrava nos últimos dias.
Se deixou cair novamente no colchão como um boneco inerte e voltou a estudar o espaço aberto da caverna enquanto mexia na beirada do travesseiro. Ele só precisava esperar mais algum tempo até o sol nascer de fato e, então, seguiriam em frente.
Estavam há pouco mais de oito horas da fronteira, então no máximo até o fim da tarde Sasuke seguiria viagem sozinho com Naruto. Esse fato fez uma fagulha de raiva e ansiedade crescer em seu peito, mas logo foi mitigada junto com o resto das coisas.
Inquieto, se levantou e caminhou até a entrada oculta do lugar, sentando-se na borda e encostando a lateral do corpo na pedra vermelha. O céu tinha começado a clarear, mas o sol ainda não estava visível e haviam nuvens demais, o que significava que havia uma chance de ter mais uma nevasca naquela noite. O ar gelado lambeu seu rosto, mas nem isso foi percebido.
Conforme o tempo passava, o sol apareceu, mas não foi o suficiente para colorir o céu ou a paisagem. Ele ouviu algum movimento atrás dele indicando que alguém tinha levantado e viu Naruto arrumando as próprias coisas em silêncio sem dar sinal de ter percebido Sasuke ali. Seu estômago se contorceu. Ele esperava que o idiota não o visse e, mais importante, que não decidisse ir falar com ele, porque Naruto seria jogado dali antes mesmo de cogitar abrir a boca.
Depois de alguns minutos, ouviu os passos em sua direção, mas o homem apenas se sentou no outro extremo da borda da caverna do mesmo jeito que ele, com a lateral do corpo encostada na pedra. Naruto não olhou para ele, assim como Sasuke não pareceu nem reconhecer sua presença.
Quando Hyuuga e Nara se colocaram de pé, Sasuke foi arrumar as próprias coisas em um silêncio sepulcral. Depois de Neji sair para rodar o perímetro e confirmar a ausência dos Anbus, Shikamaru escreveu um relatório rápido desse fato para Kakashi antes deles descerem de volta para a trilha e seguiram em direção ao País do Mar.
Tiveram sorte de conseguir despistá-los, mas isso provavelmente se dava pelo fato de que o Conselho não podia utilizar os melhores Anbus. O esquadrão escolhido provavelmente era um grupo em treinamento — Kakashi não deveria saber nada, nem sobre a missão ilegítima, nem sobre o grupo que as exercia.
“Ok, vamos.”, murmurou Naruto sem olhar para o lado assim que o barco saiu.
Ele nem tinha se despedido direito dos outros dois, porque estava tenso demais com a perspectiva de ficar dias apenas na companhia do bastardo. Depois que Sasuke o viu com Neji, as coisas mudaram ainda mais — aparentemente, Naruto agora era alguma coisa imunda e obscena para ele, a julgar pelos olhares de puro asco e ódio que recebia.
Sem falar da forma com que Sasuke tinha reagido quando sentiu sua mão no ombro dele, como se Naruto fosse contaminá-lo ou algo assim. Pelo visto, para Sasuke Uchiha, o cara que foi embora com um filho da puta que torturava e fazia experiências em seres humanos, beijar homens era algo totalmente degradante.
Naruto tinha até conseguido colocar a cabeça no lugar sobre Sasuke e entendeu que não tinha controle sobre nada, então quando era afastado por ele, já não se sentia tão mal. Mas a forma com que Sasuke começou a tratá-lo depois de vê-lo com um cara o indignava e magoava bastante. É claro que isso não era o tipo de coisa que as pessoas viam como “normal”, mas ele jamais esperaria esse tipo de visão de Sasuke, principalmente depois de tudo que já tinha feito na vida como Nukenin.
Como ele aceitou ir embora com Orochimaru, que matou e fez experimentos vis com seres humanos, torturou pessoas e destruiu vilas, mas de repente dois caras se pegando era a coisa mais asquerosa do mundo? Apesar de toda a história dos dois, Sasuke nunca tinha colocado tanto nojo em um olhar direcionado a ele como atualmente.
Naruto olhou ao redor ao ver que deram em uma encruzilhada que não deveria estar ali, então puxou o mapa do bolso e tornou a estudá-lo com dificuldade. Suas sobrancelhas se juntaram e ele girou o papel nas mãos, tentando entender para onde tinham ido e para que lado deveriam seguir.
Sasuke deu um muxoxo irritado atrás dele que Naruto ignorou. Ele era péssimo nisso e sempre deixava a parte de se localizar para os outros, porque tendia a se perder, e aquele bastardo de merda deveria saber disso.
“Tsc.”, reclamou Sasuke novamente em suas costas.
Naruto deu meia volta e o encarou com raiva enquanto jogava o mapa no peito dele. “Pronto, feliz? Acha a porra do caminho então, se você pensa que é tão melhor do que eu em tudo.”, disse secamente.
O único olho visível entre os cabelos negros escorria presunção e repulsa quando fitou Naruto e sua boca fina se torceu em desgosto, mas não houve resposta. Ele girou nos calcanhares como um morcego grande demais e começou a voltar, enquanto analisava o mapa. Naruto o seguiu descontente e em menos de dois minutos o homem já tinha se encontrado por entre as linhas coloridas do papel, aumentando o ritmo.
A viagem foi silenciosa, mas às vezes Naruto pegava Sasuke o analisando pelo canto do olho com desprezo visível antes de colocar ainda mais distância entre eles. Não havia explicação de porque ele estava tão afetado pelo que viu na floresta — e tinha ficado muito óbvio que era por causa disso.
Afinal, tinham ficado razoavelmente bem na noite anterior, quando Sasuke dormiu agarrado à ele. Por mais que Naruto tivesse dito que seria como se nada tivesse acontecido, o fato dele não ter se afastado em momento algum significava que tinha alguma coisa acontecendo. De fato, no momento em que Naruto acordou naquela noite e colocou os olhos nele, Sasuke parecia estar à beira de um surto e, ainda assim, tinha um olhar tão triste e perdido que o próprio Naruto sentiu a dor dele.
Não podia mais negar que sempre sentiria a dor de Sasuke. Na verdade, talvez fosse algo bom — era uma forma de entendê-lo em algum nível, já que o homem nunca demonstrava nada. E o jeito que Sasuke se embolou contra ele como se estivesse prestes a desmanchar e chorou, significava muita coisa, demonstrar fraqueza não era algo normal dele; ele fingia que estava bem, mas tinha ficado muito claro que Sasuke estava passando por alguma coisa dolorosa que Naruto talvez nunca entendesse completamente.
Então, mesmo tendo dito que aquele momento não significaria nada, a forma que Sasuke se lançou na situação não poderia ser esquecida — se fosse em qualquer outro momento, provavelmente teria empurrado Naruto para longe ou sido sarcástico, mas jamais se apertaria contra ele daquele jeito, como se o contato fosse algo que precisasse naquele momento mais do que qualquer coisa.
E ele, de repente, chorou em seu ombro. Foi tão baixinho que Naruto só percebeu por causa da umidade que atravessou o tecido do moletom. Ele só tinha visto Sasuke chorar uma vez, depois da luta no Vale do Fim quando ambos estavam sem um braço.
Também foi uma das poucas vezes que tinha ouvido Sasuke rir alto. Naruto ficou em choque no dia e se perguntou porque ele não ria mais vezes, era um som tão bonito. Ele tinha feito Sasuke rir algumas vezes naqueles quase três meses — em algum raros momentos, ele parecia feliz por estar com Naruto.
Agora, parecia apenas odiá-lo e o vislumbrava como se não o conhecesse mais. Como se preferisse nunca ter tido nada a ver com ele e jamais o tivesse conhecido.
Enquanto agora pulavam pelas árvores para fugir da camada de neve que os atrasaria, Naruto arregalou os olhos ao pensar em uma hipótese de porque Sasuke estaria tão enojado com ele. Talvez fosse por causa da aproximação física que tiveram, afinal, dividiram a mesma cama por algum tempo. Sasuke também precisou carregar Naruto de um lado para o outro enquanto estava se recuperando e, na noite anterior, dormiram completamente embolados.
Talvez... talvez o significado dessas coisas tivesse mudado ao descobrir que Naruto tinha interesse por caras, como se tudo tivesse sido feito com segundas intenções. Por isso Sasuke não queria ser tocado por ele ou se aproximar. Isso infelizmente fazia muito sentido.
E era uma coisa totalmente absurda, porque Naruto jamais faria algo assim com qualquer pessoa — ele nunca se aproveitaria de qualquer situação para fazer coisas desse tipo, mesmo que fosse com alguém que lhe atraísse fisicamente. Ele não era um babaca aproveitador.
O pior de tudo é que falar sobre isso seria algo ainda pior, o clima entre os dois já era pesado e as coisas estavam complicadas demais. Além disso, Naruto se sentia estranho e envergonhado por Sasuke ter visto ele e Neji naquele momento, então, se pudesse, iria evitar qualquer assunto relacionado a isso. No fim, se Sasuke não queria ser tocado por ele nem ficar muito próximo, então Naruto respeitaria isso. Ele estava em seu direito, pensou tristemente.
Quando a temperatura despencou depois de algumas horas que o sol tinha se posto, pararam para montar acampamento e, felizmente, agora poderiam dormir em barracas diferentes. Não se incomodaram em acender uma fogueira e Sasuke se enfiou na barraca dele no instante em que terminou de montá-la.
Naruto o imitou e, como estava morto de fome, engoliu suas últimas três pílulas de comida enquanto se ajeitava no saco de dormir. Os olhos azuis se fecharam e ele se encolheu, tentando não pensar que dali alguns dias iria se despedir de Sasuke, ou no quanto parecia estranho dormir sem a presença dele no colchão ao lado. A mistura de raiva e tristeza quase o manteve acordado o resto da noite.
A última vila por onde passariam antes de chegar ao Esconderijo do Sul lembrava Konoha — todos pareciam se conhecer, as ruas eram iluminadas pelas fachadas brilhantes das lojinhas, e os bares estavam cheios de homens mais velhos, que cantavam segurando seus copos para o alto junto com os companheiros de mesa.
Sasuke sentia cada vez mais um misto de sentimentos — em sua maioria ruins — por continuar perto de Naruto, que caminhava ao seu lado. Ainda que Sasuke evitasse olhar na direção dele, viu várias emoções no rosto de Naruto nas poucas vezes que o observou pelo canto do olho — da primeira vez parecia irritado mas, depois, Sasuke teve a impressão de ver uma expressão de tristeza ali.
Agora, enquanto caminhavam em busca de um hotel, Naruto parecia perdido em pensamentos e distante da Terra. A coisa amarga e quente que borbulhou no estômago e no peito de Sasuke durante aquele tempo pareceu se intensificar e seus olhos se desviaram decididos para os arredores também.
Havia bastante gente caminhando em direção ao centro da cidade, todos arrumados e acompanhados. Alguns levavam os filhos pelas mãos, e muitos jovens andavam em grupos, rindo e conversando. Parecia estar acontecendo algum evento ali, e Sasuke já fechou a cara ao notar esse fato — isso significava ruas barulhentas e hotéis cheios.
Olhou para o lado de forma automática e depois para trás, pois não via mais Naruto. Parou por um segundo, confuso e irritado, antes de perceber o outro parado a alguns metros lendo um cartaz colado a um dos postes encardidos.
Contrariado, Sasuke seguiu para lá de cara fechada, lembrando-se do quanto Naruto era irritante e imaturo o suficiente para gostar de qualquer evento social existente. Sua habilidade de prever as coisas parecia impecável como sempre — ao se aproximar, viu que ele lia um cartaz anunciando um enorme festival marítimo, o que não fazia sentido algum porque estavam no meio do inverno.
Seu tom era seco quando falou de forma contrariada. “A única coisa que precisamos fazer hoje é encontrar um hotel.”, murmurou sem muita paciência.
Naruto lhe lançou um olhar petulante por um segundo, mas não respondeu. De alguma forma, pela primeira vez em muito tempo, o olhar de desprezo de Naruto lhe causou certa satisfação. Era bom saber que tinha o irritado, ainda que isso não diminuísse o sentimento quente e amargo.
Seus cabelos loiros se moveram com o vento quando deu as costas a Sasuke e seguiu pelo caminho que faziam antes. Um segundo depois, Sasuke seguiu atrás dele ainda com a vitória ácida e mesquinha pulsando no peito.
Naruto se adiantou como se tentasse manter distância, coisa que não fez Sasuke aumentar o ritmo. Ele permitiu que o outro andasse a vários metros de si e o assistiu entrar no primeiro hotel barato que encontrou.
Sasuke o alcançou depois de um minuto ou dois e pegou uma das chaves que o recepcionista colocou diante deles. Os passos de Naruto ecoavam em um som abafado atrás de si quando Sasuke se adiantou e subiu as escadas para chegar ao quarto. Naruto parou antes e destrancou a porta ao lado da sua, antes de entrar em silêncio e fechá-la com um estalido seco e baixo.
Com a sensação estranha ainda comendo seu peito, Sasuke entrou no próprio quarto e retirou a capa dos ombros, pendurando-a no suporte de casacos atrás da porta. Depois, desprendeu a bolsa de kunais da perna e colocou-a sobre a mesa mecanicamente, antes de se sentar na cama pequena em silêncio e encarar a parede branca escurecida pelas sombras.
Ali estava ele, novamente e finalmente sozinho e longe da presença de Naruto. Sua irritação não parecia querer lhe dar trégua desde que se viu viajando só com ele.
Estava inquieto e era difícil definir o que queria fazer. Parecia impossível ficar ali, sentado enquanto esperava a noite passar e o dia nascer. Era como se tivesse esquecido um compromisso importantíssimo que não conseguiria concluir, e a incapacidade da resolução implodisse silenciosamente em algum lugar de sua garganta.
Se colocou de pé com um muxoxo impaciente e pôs-se a andar pelo cômodo, abrindo gavetas e tirando coisas do lugar só para colocá-las de volta em seguida. Sua mente vagou até o quarto ao lado sem sua permissão, perguntando-se o que o imbecil estaria fazendo agora.
Dava raiva, Sasuke admitia. Dava raiva o fato de tudo ter acontecido como aconteceu. Dava raiva se sentir enganado de alguma forma, por mais que não fizesse sentido algum. E dava mais raiva ainda saber que poderia ter sido diferente se Naruto não fosse um idiota.
Era culpa de Naruto se as coisas estavam como estavam. Se ele não fosse o ser humano mais imbecil do mundo, nada daquilo precisaria estar acontecendo.
Sasuke não precisaria sentir o que quer que estivesse sentindo ali dentro. Não precisaria estar com tanto ódio dele, nem tão perdido ao perceber que dali dois dias estaria se despedindo de Naruto de vez. Eles poderiam estar se separando em excelentes termos.
Em um mundo perfeito, Naruto teria apenas aceitado desde sempre que Sasuke não iria fazer parte de sua vida e agora estariam se despedindo sem nenhuma raiva, mágoa ou desdém. Sasuke não queria se sentir daquele jeito, mas sentia.
De maneira mecânica e quase sem ver, se despiu e pegou as coisas necessárias para tomar um banho. A torneira gelada rodou sob sua palma com um protesto agudo e a água quente foi bem vinda em seu corpo, mas sua mente ainda não parava.
Porque todas as coisas que estiveram ali durante aquele tempo, contidas, pareciam ter chegado em suas datas de validade. Elas estiveram ali, esperando e sabendo que poderiam existir sem a pressão de precisarem ser resolvidas, mas agora o tempo parecia estar acabando.
E Sasuke não sabia exatamente o que fazer sobre aquilo. Até separar as coisas que sentia parecia impossível, como sempre tinha sido quando o assunto era Naruto. Isso era desgastante.
Mas as emoções estavam ali novamente depois de dias em um loop de existência e não-existência, e essa oscilação de precisar sentir coisas e não sentir nada o esgotava. Seu cérebro estava exausto e Sasuke não queria pensar.
Porém, isso não fazia nada ir embora. Ele não tinha mais o poder de controlar o que sentia, sua racionalização já não funcionava mais.
Poderia passar horas tentando explicar para si mesmo que não tinha motivo algum para estar daquela forma, que não tinha sentido, e ainda assim não faria diferença alguma sobre as próprias emoções, só aumentaria a sensação de sufocamento.
Porque dava raiva e doía sentir tanta aversão e mágoa de Naruto, ainda que injustificada. A sensação de sufocamento vinha da impossibilidade de sequer cogitar estar perto dele depois do que tinha visto naquela merda de floresta mas, ao mesmo tempo, da necessidade de sua presença.
Eram os últimos dias que passariam juntos e a coisa que ficaria marcada em Sasuke era o amargor e a queimação no próprio peito quando pensava em Naruto, mesmo não tendo motivo algum para estar de tal forma.
Talvez apenas tivesse passado tempo demais perto dele e a raiva fosse a forma de Sasuke lidar com o fato de que provavelmente jamais o veria de novo. Mas ele sabia que, no fundo, o que tinha feito tudo mudar foi a cena na floresta. Ele não queria pensar naquilo, lembrar daquilo, mas seu cérebro parecia incapaz de parar.
“Inferno, inferno de vida, inferno!”, Sasuke cuspiu para o banheiro vazio como se xingar fosse resolver tudo. Ele fechou o chuveiro e se enrolou na toalha branca de má qualidade, tentando se enxugar o suficiente para se vestir.
Colocou uma roupa quente, calçou os sapatos novamente, abotoou o sobretudo e abriu a porta do quarto em um rompante para sair sabe-se Deus para onde, mas quase atropelou Naruto no processo.
O homem se assustou e deu um pulo para trás, fazendo Sasuke parar e o encarar surpreso. A mera visão dele fazia seu peito borbulhar e inchar, dar cambalhotas e contorcer.
Naruto tinha uma expressão melancólica que não foi bem disfarçada, apesar dele ter tentado. Sasuke ergueu as sobrancelhas e tentou mitigar a queimação no estômago.
“O que estava fazendo aqui?”, murmurou sem muita expressão, os olhos frios em total desacordo com o coração disparado.
Naruto pareceu engolir seco, mas seu rosto demonstrou uma pontada de raiva. A voz era dura quando ele falou. “Vim te avisar que vou ao festival.”, respondeu.
Sasuke fechou ainda mais a cara. A ideia de Naruto estar tranquilo o suficiente para ir à festivais depois de tudo que aconteceu fez as coisas ali dentro aumentarem, arderem e amargarem ainda mais.
“Ok.”, cuspiu acidamente enquanto passava por ele em direção ao fim do corredor que daria para a escada.
“Olha, eu...”, Naruto começou mais uma vez, fazendo Sasuke parar sem se virar para vê-lo. “Na verdade, ia perguntar se... se você queria ir. Mas a julgar pela sua cara e pelo jeito que tem me tratado, nem preciso da resposta.”, declarou aborrecido.
O estômago de Sasuke deu uma espiral completa e se torceu de maneira estranha. A sensação que cresceu dentro de si o fez ter vontade de humilhar Naruto, dizer que a última coisa que gostaria de fazer era estar perto dele, dizer o quanto era desagradável até mesmo olhar para aquele rosto e aqueles olhos, fazê-lo se sentir o ser humano mais desprezível e miserável da face da terra da mesma forma que Sasuke se sentia.
Entretanto, mesmo com tudo aquilo, se viu incapaz de afastá-lo. Mesmo com raiva, mesmo com a sensação gritante de ruptura que sentia com relação a Naruto, ele não foi capaz de falar nada daquilo. Porque aquele era o único tempo que tinham antes de se separarem dali dois dias.
“Eu estava indo dar uma volta. Estava pensando em passar por lá.”, cedeu em tom meio seco, mesmo não sendo verdade. Sasuke odiava festivais.
Voltou a caminhar lentamente mesmo sem olhar para trás e, alguns segundos depois, Naruto o alcançou. Eles andaram em um silêncio pesado lado a lado, ainda que Naruto parecesse querer estar o mais distante possível. Deixaram as chaves com o balconista e foram em direção a rua.
O vento gelado pinicou o nariz de Sasuke, que fechou ainda mais o sobretudo para se aquecer melhor. Naruto olhava para todos os lados enquanto seguia a procissão de grupos que se encaminhavam para o mesmo lugar que eles.
O homem parecia cada vez menos tenso conforme os olhos claros dançavam de um lado para o outro assimilando as cores e luzes — aquela era a rua principal, e parecia ter sido decorada para o evento. Havia várias lanternas em tons de azul, verde água e branco ladeando a calçada, e as árvores tinham pequenos pontos de luzes entre as folhas que balançavam com o vento.
As lojas estavam todas abertas e decoradas também, apesar de já ter passado das oito da noite, e havia várias pessoas sentadas em cadeiras nas calçadas, observando o movimento e conversando entre si. A maioria eram idosos ou mães com crianças de colo.
Conforme avançavam, Naruto parecia cada vez mais ansioso e animado, andando rápido o suficiente para ficar alguns passos na frente. Ele olhava para todos os lados e sorria para as pessoas, apontava para as decorações que achava mais criativas e ria para as crianças que passavam.
Ele olhou para o lado de repente e quando não achou Sasuke, o procurou atrás de si, diminuindo um pouco o passo e sorrindo de leve como se não soubesse se tinha permissão para fazer isso. Sasuke, com as mãos nos bolsos, suavizou a expressão sem perceber, diante daquele olhar.
Era uma das últimas noites que passariam juntos e, apesar de todas as merdas e a raiva que Sasuke sentia, não conseguia ignorar totalmente esse fato. Nunca mais veria Naruto, então talvez valesse a pena acompanhá-lo, mesmo que em silêncio e meio contrariado. Além disso, apesar de tudo, era difícil ignorar o calor que pinicava no fundo de seu peito o confundindo, abaixo de todas as outras coisas doloridas.
Diferente de si, Sasuke sabia que Naruto sempre adorou festivais quando eram crianças. Aparentemente, isso não tinha se modificado ao longo dos anos — pelo contrário, parecia ainda pior. De qualquer forma, Sasuke seguiu atrás dele sem muita expressão enquanto o outro costurava entre os moradores e turistas em direção ao cais, incapaz de esperá-lo completamente.
Naquele momento Sasuke viu que Naruto, no fim, era só um garoto de 18 anos com uma infância arruinada — ele agora estava simplesmente radiante. Às vezes se virava e o buscava com os olhos azuis brilhantes antes de fazer um sinal que indicava que estava com pressa.
E depois da concessão silenciosa de Sasuke, Naruto sorria mais ainda. Sorria abertamente para as pessoas de um jeito tão genuíno, que as coisas ao redor pareciam sem cor alguma, ainda que fosse totalmente o oposto. Sasuke não via aquele sorriso há algum tempo agora que parava para pensar, e isso só o fez abaixar o olhar para o chão com uma carranca e manear a cabeça em negação com incredulidade e o rosto corado. Mesmo assim, o arrependimento em seguí-lo ainda não era o suficiente para fazê-lo mudar de ideia.
Era a primeira vez que Sasuke percebia que ele tinha covinhas nas bochechas quando sorria daquele jeito. Era difícil não se deixar pegar por tanto brilho, e isso infelizmente o afetou mais do que deveria, porque era como olhar diretamente para o próprio sol. E ele não deveria estar se sentindo assim depois de que tinha acontecido e visto — muitas coisas estavam borbulhando em seu peito.
Observou Naruto tropeçando entre a multidão e mais uma vez aquelas íris da cor do oceano se viraram em sua direção, combinando com um sorriso perfeito antes da mão morena fazer sinal para Sasuke ir mais rápido. E como se ele fosse um ímã, seu corpo obedeceu e aumentou um pouco o passo, ainda que não fosse o suficiente para acompanhá-lo.
Tudo bem que tinha concordado em estar ali, mas talvez Sasuke precisasse parar de ir em direção àquele homem de maneira tão fácil. Primeiro, porque aquela profusão de emoções se tornava cada vez mais sufocante e, segundo, porque, pensando bem, Naruto já não deveria importar mais. Ele não faria mais parte de sua vida em breve, não deveria significar nada, e Sasuke deveria ter superado-
Superado o que? Não havia nada a ser superado, eles não eram amigos, nem colegas, nem nada. O que estava sentindo era simplesmente por conta do costume da presença de Naruto. Ele colocou as mãos nos bolsos e juntou as sobrancelhas negras ao subir as escadas de madeira que davam para o enorme porto. A confusão de emoções o deixava zonzo e perdido.
Apesar do frio, o cheiro de sal atingiu seu rosto e isso o fez imediatamente se lembrar da vez em que foi à praia com seu irmão e sua mãe — ele devia ter uns quatro anos. Naquele dia, Sasuke passou tanto tempo no mar que teve insolação, e seu irmão precisou lhe dar um banho de loção quando chegaram em casa.
Diferente do que imaginava que aconteceria, no momento em que seu pai colocou os olhos nele e viu sua cara avermelhada com a marca dos óculos de sol infantil, começou a rir. Naquele dia, Sasuke se sentiu tão bem que nem se importou com a dor no corpo, e seu irmão lhe deu tanta atenção que ele sorriu a noite toda.
Ergueu a cabeça novamente e olhou ao redor, percebendo que tinha perdido Naruto de vista. Se xingando baixinho por ter se distraído com memórias, escaneou o local e começou a procurá-lo, mas não o viu por perto.
Longe da presença de Naruto, Sasuke agora estava arrependido. Odiava aquele tipo de evento e estava cansado em todos os sentidos, tinha andado o dia todo e queria só se deitar ou ficar em silêncio de novo, mesmo que isso significasse andar pelo quarto, inquieto e ansioso.
Era melhor do que aguentar aquela cacofonia de gente. Melhor do que se perder na companhia de Naruto, ou de lidar com a confusão que era tentar dar alguma abertura a ele depois de tudo que viu.
Com isso em mente, Sasuke decidiu que, assim que o achasse, só ia lhe dizer para não se meter em problemas. Então, voltaria para o hotel e pronto. Assim, não precisaria lidar com Naruto e suas covinhas e, de bônus, poderia terminar seu livro. Poderia tentar dormir, se conformar e se acostumar com as próprias escolhas.
Mas era um festival enorme. Havia gente demais ali, mais barulho do que o aceitável, e barracas — muitas barracas. Barracas de comida, de brinquedos, de pesca, de jogos, de cartões postais e fotos, de pintura facial... era um pandemônio, o inferno na Terra. Além disso, de quem tinha sido mesmo a ideia idiota de fazer um festival marítimo no inverno, à noite?
Cada vez mais Sasuke se lembrava porque odiava aquele tipo de coisa: cheio de crianças barulhentas correndo com os rostos pintados, os pais atrás deles gritando em desespero, adolescentes bêbados andando de um lado para o outro enquanto se agarravam, os donos das barracas berrando seus marketings... como ele deveria achar Naruto naquele lugar? E ele precisava avisar o idiota que estava indo embora, porque com a capacidade de dedução dele, era possível que ficasse procurando por Sasuke até tudo se esvaziar.
Com um suspiro, tentou localizar o chakra dele, mas tinha pessoas demais ali se movimentando. Também tentou localizar alguma cabeleira loira conhecida, mas era muita gente.
Bem, provavelmente Naruto iria querer passar por todas aquelas porcarias, então Sasuke, contrariado, andou até a primeira barraca e olhou. Havia um enorme tanque de pesca ali e várias pessoas berrando suas torcidas para os participantes que seguravam varas com anzóis variados, mas nada de Naruto. A segunda tinha prateleiras de pelúcias onde as pessoas jogavam tiro-ao-alvo para ganhá-las, e ele também não estava lá.
A cada minuto que passava, o lugar parecia lotar mais, ao ponto de ficar difícil transitar. Ele esbarrou em pessoas e pessoas esbarravam nele enquanto Sasuke tentava se aproximar da próxima barraca, algo que parecia impossível.
Ele pensou em deixar Naruto lá, afinal, ele era teoricamente um adulto, e consequentemente podia se cuidar. Então Sasuke se lembrou da cara feliz do imbecil e o quanto ele estava parecendo mais uma criança com açúcar enfiado no rabo. Naruto ia gastar todo dinheiro naquele lugar e voltaria vomitando de tanto comer, ia atrasar a viagem toda e Sasuke se arrependeria amargamente de tê-lo deixado lá.
Então o melhor a se fazer era, na verdade, arrastá-lo de volta com ele. Afinal, já fazia pelo menos vinte minutos que tinha sumido; no momento que Sasuke o encontrasse, teria dado tempo suficiente para Naruto ver várias coisas ali e se dar por satisfeito.
Ter filhos deve ser exatamente isso, ele pensou irritado enquanto tentava chegar à próxima barraca no meio daquela gente. Neste momento, sentiu um puxão para baixo; um garotinho de talvez uns cinco anos agarrou sua perna com os grandes olhos castanhos suplicantes e uma trilha de lágrimas no rosto redondo e corado. Ele tinha um biquinho triste que lembrava o de Naruto, exceto que era uma criança de verdade, e seu rosto estava pintado com o desenho de um tubarão martelo.
Sasuke quase entrou em pânico porque, primeiro, preferia lutar com os cinco Kages do que lidar com uma criança e, segundo, elas normalmente choravam perto dele. E Sasuke poderia facilmente explodir o Planeta Terra se passasse mais de cinco minutos ouvindo algum bebê chorar hoje. O garoto disse alguma coisa que foi encoberta pela multidão e Sasuke se viu obrigado a se inclinar para poder ouvi-lo enquanto torcia para ele tirar as mãos gorduchas de sua roupa.
“Você viu minha mamãe?”, perguntou o garotinho em prantos com olhos suplicantes.
Ele se ergueu para olhar ao redor como se soubesse como a mãe de tal criatura seria, antes de se virar para ele negar com a cabeça. Rapidamente Sasuke tentou se desvencilhar e seguir andando, mas a profusão de pessoas ao redor o impediu e ele quase gritou de frustração “pelo amor de Deus, tirem isso da minha perna, eu não sei lidar com crianças!”
“Encontre minha mamãe pra mim, eu perdi minha mamãe!”, chorou o garoto mais uma vez.
Sasuke suspirou. Sim, karmas, era só mais um karma, tudo valeria a pena no fim, quando a morte chegasse e ele tivesse paz de espírito no inferno.
“Ok, vamos achar sua mãe.”, ele resmungou enquanto puxava o menino para cima de seus ombros. “Avise se você vir ela.”
“Uau, você é alto!”, exclamou enquanto enrolava as mãos gordinhas nos dedos que Sasuke ofereceu para ele não cair.
Ele seguiu andando e contornando a multidão com a criança encarapitada nos ombros enquanto procurava por Naruto. Sasuke só foi encontrá-lo na sétima barraca que visitou, depois de quase vinte minutos — e claro, estava comendo. Além disso, foi um milagre tê-lo visto, rodeado de garotas como estava, enquanto conversava com elas e o proprietário da barraca animadamente. Ele era todo sorrisos enquanto era tocado em todo lugar pelas mulheres. Uma nas costas dele com as mãos em seus ombros, duas acariciavam seu braço esquerdo e outra, o direito. A última delas tinha a mão em sua perna.
Sasuke fechou a cara e foi até ele, que ergueu os braços quando o viu. “Teme!”, ele saudou animado. As bochechas dele estavam coradas e os olhos, brilhantes. “Ei, onde você comprou essa criança?”, perguntou, e depois riu como um idiota da própria piada infame. As cinco garotas ao redor dele o acompanharam. Ele falava meio lentamente demais.
Horrorizado, Sasuke percebeu que tinha uma fileira de copinhos de shot vazios no balcão ao lado da tigela vazia dele. Meu Deus, ele era tão burro! O turista burro perfeito, que aceitava bebidas da barraca de comida para ficar ali cada vez mais e gastar.
“Naruto! Mas que merda...?”, ele fechou os olhos por um segundo e respirou fundo.
“Ei, é seu amigo? Vocês vieram juntos? Oi lindo, qual é o seu nome?”, indagou uma das garotas enquanto analisava Sasuke de cima embaixo, os olhos verdes percorrendo seu corpo lentamente com interesse.
Ali estava o olhar. Sasuke fechou a cara ainda mais e a ignorou, aproximando-se para falar diretamente com ele.
“Escute idiota, não saia daqui, não se mova! Se eu voltar e não te encontrar, você é um homem morto, entendeu? Eu vou ajudá-lo a encontrar a mãe e já volto, não faça nada estupido.”, comandou irritado antes de dar as costas e voltar para a multidão infernal.
Sasuke só conseguiu achar a mãe do garoto depois de meia hora, e a mulher parecia completamente desesperada. Ela abraçou o filho e chorou quando Sasuke o desceu dos ombros, e depois abraçou o próprio Sasuke aos prantos ao mesmo tempo em que agradecia profusamente, antes de sair ralhando com o menino sobre ter saído de perto dela.
Aquela era uma das piores noites que ele tinha em anos, e era tudo culpa daquele idiota. Resignado e pronto para cometer um assassinato, Sasuke começou a voltar para onde Naruto estava enquanto torcia para mais nenhuma criança perdida aparecer perto dele. Quando conseguiu chegar na barraca, Naruto não estava lá.
Sasuke passou as mãos no rosto e olhou ao redor em desespero, mas não viu nenhuma garota irritante e nem o imbecil loiro. Com todo um plano de tortura montado em sua mente, ele se aproximou do velho que cuidava de lá e perguntar por Naruto.
“Oh, ele saiu há uns dez minutos com elas naquela direção. Você devia encontrá-lo, ele bebeu bastante e vai acabar sendo comido vivo por aquelas garotas!”, disse o homem rindo e apontando para a multidão no rumo de onde era a entrada do porto.
Sim, ele bebeu bastante porque você serviu bebida para ele, seu filho da puta. Sasuke fechou ainda mais a cara e foi em direção de onde lhe foi apontado.
Ótimo, agora Naruto devia estar em algum beco se esfregando com mulheres enquanto Sasuke estava atrás dele, muito bom mesmo. Não bastava ele ter que ver Naruto se esfregando com aquele cara, oh não, ele agora ia ver o pacote completo para ser torturado com aquelas visões até o último dia de sua vida ordinária e miserável.
Passou pelo tumulto pela milionésima vez mas, para sua surpresa, Naruto estava na barraca de tiro-ao-alvo enquanto as cinco mulheres estavam à volta dele vibrando a cada tiro. Exceto que ele estava errando a maioria deles e cada vez que uma flecha voava para o lado errado, ele gargalhava.
Com um suspiro de alívio, Sasuke foi até lá. Eles estavam tão entretidos que nem o perceberam se aproximar.
“O que eu te falei, Naruto?”, ele rosnou nas costas do idiota imprestável.
Naruto pulou de surpresa enquanto atirava e a flecha de plástico acertou o teto da barraca. Ele olhou para trás rindo, e as mulheres não tiraram as garras de cima dele nem quando ele rodou no banquinho.
“Teme! Não me assusta assim, eu tô ganhando prêmios para as minhas fãs!”, disse, e as mulheres acenaram em concordância ao redor dele parecendo muito satisfeitas com o idiota que haviam fisgado.
A que tinha as mãos em seus ombros já tinha quase todos os dedos mergulhados na gola da blusa de frio dele, e Sasuke sinceramente queria cortar todos eles com um alicate. A mão na coxa dele também estava perto demais da virilha. Era a mesma coisa que assistir abutres rondando a carniça.
“Então está fazendo um péssimo serviço, você acertou um alvo de cinco.”, Sasuke resmungou de cara feia. “E além disso, eu mandei você não sair de lá.”.
Uma risada melódica chegou até Sasuke. “Oh, ele realmente é mandão, Naruto. Meu tipo preferido!”, flertou a garota de cabelos vermelhos na direita de Naruto, enquanto piscava para Sasuke. As mãos dela afrouxaram do bíceps que segurava. “E aí, qual é o seu tipo? Alguma coisa parecida comigo?”, ela sorriu torto e deu um passo na direção de Sasuke, deixando as pernas à mostra.
Seus olhos eram azuis do jeito errado, e o batom vermelho era vulgar no mesmo tom do cabelo. Ele já tinha conhecido muitas mulheres daquele tipo, e coincidentemente, todas eram prostitutas.
Sasuke deu um sorriso cínico para ela. “Oh, você faz o meu tipo. Na verdade, qualquer uma que goste de sadomasoquismo faz, não acho por aí muitas mulheres que apreciem a emoção de serem cortadas lentamente enquanto eu gozo sobre o sangue delas. O que você acha?”, ele afastou o sobretudo para mostrar a faca que ficava em seu cinto, enganchando a mão no quadril displicentemente. Ele alargou ainda mais o sorriso ao ver a expressão de completo horror no rosto de todas elas — e de Naruto, que arregalou os olhos comicamente ao ver o cabo da faca.
A garota encarou o cinto dele com receio, então deu um passo para trás e engoliu seco. “Hã, eu- hã...”, ela gaguejou, e seus olhos a faziam parecer um cervo assustado.
“Nós já estávamos indo embora, na verdade.”, disse uma delas cautelosamente enquanto soltava o braço de Naruto. Todas elas se afastaram dele. “Vamos Kori, temos que ir. Hum, obrigada Naruto, foi muito divertido hoje.”, ela se despediu rapidamente sem olhar nenhuma vez para Sasuke e, em questão de segundos, já tinham sido engolidas pela multidão.
“Vamos embora, você bebeu demais.”, comandou Sasuke se virando para ele, que ainda o encarava de boca aberta.
“Porra, depois de ouvir isso eu devia era beber mais! Sadomasoquismo? Qual é o seu problema?”, ele exclamou indignado. Sasuke o encarou com uma carranca; de repente Naruto quebrou um pouco e começou a sorrir lentamente. No segundo seguinte, estava se dobrando de rir no banco. “Caralho, eu nunca achei que fosse ouvir você falar uma coisa dessas! ‘cortadas lentamente enquanto eu gozo sobre o sangue delas’, meu Deus do céu, você é doente!”, ele falou entre gargalhadas enquanto se desequilibrava na banqueta.
Sasuke maneou a cabeça com indignação. “Cala a boca, eu disse isso para elas me deixarem em paz! Agora vamos!”, ele reclamou enquanto corava um pouco com o som das risadas dele.
Do nada, tudo parecia tão estranhamente natural. Às vezes, era como se eles entrassem em um universo paralelo onde tudo tinha dado certo e eles eram velhos amigos que estavam acostumados um com o outro.
Nesses momentos, Sasuke se sentia fraco diante dele, diante das risadas que milagrosamente eram para ele, e não uma que ele ouviu ao longe mas que pertencia à outra pessoa, como a vez em que ouviu Naruto rindo com Neji. Quando esses momentos tão raros aconteciam, Sasuke só queria que o tempo parasse por alguns dias.
Mas isso tinha ficado no passado, porque em breve Naruto não significaria mais nada. Em breve, ele seria apenas uma memória deixada para trás, como deveria ser.
Naruto enxugou as lágrimas quando conseguiu parar de rir depois de dois minutos inteiros e se colocou em pé precariamente. “Ok, eu só preciso comprar uma coisa antes.”, ele enrolou para falar.
Sasuke suspirou. “Naruto, pelo amor de Deus, vamos embora!”, rosnou, mas Naruto já desviava das pessoas rumo ao desconhecido.
Era isso, ele ia dar um soco naquele homem e arrastá-lo para fora daquele lugar, pensou, enquanto tentava acompanhá-lo. Porque ainda estava seguindo Naruto era um mistério, ainda mais naquele cenário onde ele estava odiando profundamente cada segundo que era obrigado a viver. Estavam ali há sabe-se lá quantas horas, onde grande parte delas Sasuke passou procurando por Naruto e mãe de crianças perdidas.
Quando saiu da aglomeração e olhou ao redor, viu que tinha sido levado de volta para a barraca de comida onde Naruto estava antes. É óbvio que ele ia comprar mais comida. Cansado, Sasuke se encostou na lateral da barraca e jogou a cabeça para trás, fechando os olhos de braços cruzados enquanto ouvia o barulho da algazarra ao redor. Sua cabeça doía. Deus, se você existe, por favor me mate, ele pediu, mas infelizmente continuou muito vivo.
Como estava oculto pela parede de madeira, não podia ver nem Naruto e nem o velho, então, ao perceber que tinham se passado quase dez minutos, deu alguns passos para frente. Ali estava Naruto. Naruto estava sentado, bebendo e rindo com o proprietário.
Sasuke quase enfiou um chidori no rim dele. “Você não disse que ia comprar alguma coisa?!”, se escandalizou irado, marchando até ele.
Suas íris brilharam e ele apontou para o copinho de bebida. “É a primeira vez que encontro um destilado que não tem tanto gosto de álcool, já viu isso? É até meio floral.”, falou animado antes de bebericar mais um pouco da dose.
Sasuke enfiou a mão no bolso, se virou para o velho e bateu com uma nota alta na mesa. “Cobra aqui o que ele consumiu e me dá uma garrafa dessa merda. Fique com o troco. Rápido.”, ele sibilou para o homem, que sorriu satisfeito enquanto pegava o dinheiro e ia para o fundo da barraca.
Ele voltou com a garrafa e passou para Sasuke, que rapidamente a abriu e deu na mão de Naruto, que pareceu ainda mais animado. “Vamos. Embora.”, chiou assustadoramente enquanto o perfurava com os olhos.
O sorriso de bêbado do imbecil se abriu ainda mais e ele pulou do banquinho com a bebida, desequilibrando-se um pouco. Sasuke revirou os olhos antes de começar a andar para fora daquele festival de horrores. A quantidade de pessoas não parecia ter diminuído nem um pouco, e o barulho parecia pior.
Quando finalmente desceram as escadas do porto e chegaram na rua, Sasuke se virou para Naruto e tirou a garrafa da mão dele.
“EI!”, o homem exclamou indignado, apesar de estar rindo e de já ter tomado uns bons goles dela.
“Você já bebeu demais.”, ele murmurou sem o encarar. Cuidar de homens bêbados não era seu forte, mesmo se fosse Naruto. Principalmente se fosse Naruto.
“Eu achei que você tivesse dito que não era minha babá.”, ele protestou com os olhos na bebida.
Sasuke suspirou. Realmente, ele não era babá de ninguém. Sasuke não tinha obrigação de cuidar de um shinobi idiota e maior de idade. Até porque, Naruto podia fazer a porra que quisesse — podia beber o que quisesse, se esfregar com as mulheres que quisesse, foder com os caras que tivesse vontade e beijar a família inteira de Hyuugas se estivesse a fim, Sasuke não tinha nada a ver com isso.
“Então pronto, faz a merda que quiser. Porque não volta lá e vai atrás das suas fãs, aliás?”, ele falou com irritação sem pensar, estendendo a bebida de volta para o homem.
Naruto a pegou e sorriu torto enquanto levava o gargalo até os lábios. “Hmm, melhor não. Depois do que você prometeu, acho que elas vão ficar um pouco decepcionadas comigo.”, disse rindo enquanto voltava a andar.
Sasuke bufou e o acompanhou em silêncio. Estava muito frio, mas não nevava pelo menos, apesar da camada de gelo nas ruas. Esse era o lado bom de viver em um lugar tão próximo do mar, a temperatura demorava mais para cair. As ruas estavam vazias ali, provavelmente porque todos agora estavam no festival.
“Hoje foi legal.”, Naruto sorriu ao seu lado, encarando-o tão feliz que Sasuke o assistiu por um tempo maior do que o aceitável.
Sim, aquele era o tom certo de azul, quente e brilhante. Seu cérebro se perguntou se era daquele jeito que Naruto olhava para Neji, e isso o fez se irritar. Ele não queria pensar naquela história porque senão, ia voltar a tratar Naruto mal.
“Tsc. Fale por você, que não precisou ficar indo atrás de pessoas por horas.”, respondeu e colocou as mãos nos bolsos, voltando-se para a rua suja.
Ele não entendia mais como se sentia sobre as coisas — estava feliz por ficar minimamente bem com Naruto, mas estava com muita raiva dele depois de vê-lo se esfregando com aquele cara e com aquelas garotas. Mais uma vez ele se lembrou que não tinha motivo para estar com tanta raiva ou se sentir tão enganado. Naruto não lhe devia nada.
“Pelo menos...”, murmurou Naruto de repente, fazendo Sasuke observá-lo. Seus olhares se cruzaram e ele agora parecia tão melancólico que não foi preciso terminar a frase, Sasuke tinha entendido. Pelo menos eles puderam passar aquele tempo juntos pela última vez, antes de se separarem. Sim.
O contraste entre a felicidade no rosto dele há alguns segundos e a tristeza de agora fez seu coração se apertar e Sasuke não conseguiu desviar o olhar. Se não sabia lidar com um Naruto sóbrio, embriagado era pior ainda — absolutamente todas as coisas estavam estampadas na cara dele, e perceber que mesmo depois de tudo, ele ainda tinha capacidade de se sentir mal por Sasuke ir embora, era doloroso. E perigoso, porque o fazia ter vontades que normalmente não teria, como a de se aproximar e tocá-lo, consolá-lo. Abraçá-lo.
Ele parecia tão vulnerável agora, Sasuke só queria que ele voltasse a sorrir como antes. Ainda assim, há cinco minutos queria dar um soco nele. Eram emoções demais sobre uma pessoa só para processar e chegar a alguma conclusão razoável que não fosse “estou louco da cabeça”.
O homem olhou para o chão e então fechou com dificuldade a garrafa meio cheia. “Acho que já bebi demais.”, disse baixinho.
“Sim, já.”, Sasuke concordou enquanto sentia o bolo de emoções voltar para sua garganta.
Suspirando, apertou o passo para chegar logo no hotel — só queria ir dormir e esquecer de tudo que tinha acontecido e sentido naquele dia e nos anteriores, mas sabia que não conseguiria, para variar.
Enquanto tentava acompanhá-lo, Naruto tropeçou ao seu lado e esbarrou nele, que precisou parar para firmá-lo. Os olhos azuis-safira fitaram a própria mão, que tinha se enganchado no braço de Sasuke por reflexo, e então olhou para cima, encarando-o receoso.
“D-Desculpe, eu não quis chegar tão perto.”, disse Naruto, enquanto se afastava como se tivesse levado um choque. Segurava agora a garrafa contra o peito com as duas mãos, parecendo uma criança.
“Tudo bem.”, ele respondeu surpreso, sem entender porque o homem tinha ficado tão receoso de repente.
“É sério, eu não fiz de propósito, eu juro.”, continuou com os olhos arregalados, dando mais um passo para trás e quase tropeçando de novo.
Sasuke juntou as sobrancelhas e o fitou. “Por que está falando isso?”, ele se endireitou e o estudou confuso.
As bochechas dele ganharam cor e de repente as íris azuis escureceram com mágoa e raiva. “Nada. Vamos.”, comandou baixinho, voltando a andar encarando o chão.
“Não, o que é?”, insistiu, puxando Naruto pelo braço para fazê-lo se virar.
Novamente ele fitou a mão de Sasuke por um momento, e então encontrou seu olhar. “Porque- Porque você disse para eu não pôr a mão em você e ficar longe, por isso! Eu não estou... não vou te contaminar, sabe? Eu não sou uma coisa suja!”, ele exclamou de repente. Seus olhos marejaram e tinham tanta dor que Sasuke sentiu aquilo como se fosse um tiro. “Eu não sou uma coisa suja e nojenta que... que...”, ele continuou balbuciando enquanto as lágrimas saltavam para escorrer pelas bochechas coradas.
Mais um tiro em seu peito para fazê-lo sangrar ainda mais. De todas as pessoas, Naruto era o único que tinha permissão para pôr a mão nele. Inferno, eles dormiram na mesma cama por dias, Sasuke o tocou o tempo inteiro durante semanas! Como aquele idiota não sabia ver isso independente do que tinha sido falado? Naruto deveria ser mais esperto sobre as coisas!
“Eu não quis dizer isso, eu só estava com raiva!”, Sasuke cuspiu sem pensar enquanto pegava o pulso livre de Naruto e espalmava a mão dele em seu peito, contra o tecido grosso do sobretudo. “Você pode por a mão em mim quando quiser, não seja idiota!”, exasperou-se enquanto sentia o rosto esquentar.
Era por esse tipo de reação espontânea que Sasuke preferia ficar longe dele. Aquele homem ia arruinar sua vida com seus sorrisos e suas lágrimas e as porcarias que ele deixava Sasuke ver só para fazê-lo se sentir mal ao perceber o quanto o magoava a porra do tempo inteiro...
Naruto encarou a própria mão no tórax de Sasuke e depois, os olhos dele. “Eu... posso?”, perguntou idiotamente enquanto limpava as lágrimas. Deus, ele tinha bebido demais.
Sasuke desviou o olhar e assentiu para a calçada com uma pequena carranca. A mão de Naruto ficou onde estava por um momento antes dele se aproximar e encostar a testa em seu ombro. “Eu também disse muitas coisas porque estava com raiva, teme. Como quando eu falei que era pra você ficar longe de mim porque você teve sua chance de me falar o que está acontecendo. Você não precisa me falar o que está acontecendo, porque eu entendo. Mesmo eu não concordando, eu entendo. Eu sei que é difícil e que as nossas coisas acontecem em momentos, só para tudo virar de ponta cabeça depois. E eu sei que esse tipo de momento não muda o que vai acontecer daqui dois dias, mas dói. Dói em mim e dói em você. Mas eu compreendo e não vou mais lutar contra.”, ele murmurou.
Sasuke suspirou de olhos fechados e lutou para não sucumbir e pedir para Naruto o explicar então, porque ele já não entendia mais tanto assim. Tudo era muito difícil, ele só queria...
“Vamos voltar para o hotel.”, murmurou, pegando o pulso dele delicadamente, e Naruto acenou e se deixou ser puxado. Eles caminharam devagar sem falar mais nada, Sasuke com a mão ao redor do pulso dele com suavidade.
Quando pararam na entrada, Sasuke soltou o braço de Naruto, escondeu a garrafa dele no sobretudo e se aproximou do balcão, onde estava o homem que tinha feito seus check-in. Eles pediram suas chaves e subiram em silêncio.
Assim que chegaram no terceiro andar, devolveu a bebida sem encará-lo e foi direto para a porta de seu quarto, entrando e fechando-a imediatamente. Ele não queria fitar Naruto e se sentir mais confuso ainda, mais suscetível a fazer todo tipo de coisa constrangedora tipo pegar a mão dele, colocar em seu peito e dizer coisas vergonhosas.
Depois de horas sendo empurrado de um lado para o outro no frio, tirou as roupas e correu para outro banho, demorando-se para lavar os cabelos e se esfregar.
Saiu depois uns bons vinte minutos e se secou, colocou roupa e escovou os dentes. Então ligou o aquecedor e se enfiou nas cobertas, apagando a luz. Sasuke não queria pensar no quanto se sentia mal e estranho — não queria pensar que, dali a dois dias, iria arcar com as consequências do que escolheu, ainda que odiasse sua escolha com todas as forças agora.
Não queria pensar no quanto estava irritado com Naruto e, ainda assim, não teria achado ruim se eles continuassem andando por mais algum tempo. Nem no quanto se sentia vazio, ou na voz que tinha voltado para sua cabeça e tentava o convencer a se levantar e ir até o quarto ao lado.
Sasuke passou a mão pelos cabelos e suspirou, fechando os olhos. Consequências. A vida era feita de escolhas e consequências, e ele tinha feito a dele há muito tempo. Agora, tinha chegado a hora de concluir isso e aceitar o que viria a seguir. Ele não podia mudar de ideia agora só porque tinha abaixado a guarda e permitido que Naruto se aproximasse, Sasuke já devia ter erguido seus muros novamente.
Mas talvez não houvesse mais muros, afinal. A sensação era que toda sua fortaleza havia sido destruída e tinha restado só ele ali, um rei caído lutando sobre as próprias ruínas contra algo que, no fundo, já não sabia mais porque ia contra e, na verdade, desejava. Talvez lutasse por orgulho, talvez por pura teimosia, mas não tinha mais sentido lutar contra a luz para a escuridão não tomá-la — até porque a luz sempre vencia. A escuridão era a ausência da luz, não era uma entidade própria.
Mas claro, esse não era o caso de Sasuke, porque suas sombras eram compostas de coisas que tinham vida e que engoliriam Naruto em algum momento. E isso jamais poderia acontecer.
Então houve uma batida na porta, e Sasuke tremeu. Ele sabia quem estaria ali esperando por ele e sabia que não podia sucumbir, ele precisava ser forte.
Entretanto, Naruto era Naruto, e Sasuke tinha se tornado viciado em sua luz quente e familiar, mesmo com raiva, mesmo com mágoa. Ele viu que as coisas estavam mais complexas do que imaginava quando seus pés tocaram o chão áspero acarpetado e o fizeram caminhar, e sua mão instável subiu para envolver a maçaneta fria e abrir a porta.
E ali estava a porra do Sol, com seus cabelos dourados, seus belos olhos azuis, e uma expressão tão devastada, que Sasuke sabia que faria o que ele quisesse assim que aquele homem abrisse a boca. Naquele momento, fraco como estava, Sasuke provavelmente até ficaria se ele pedisse. Ia desistir de lutar se não fosse embora logo, não tinha mais forças contra Naruto.
“Cinco minutos”, ele disse. “Eu preciso de cinco minutos onde não existe nada acontecendo, Sasuke. Só... Por favor, me deixa ficar aqui um pouco.”
E Sasuke obedientemente assentiu.
Notes:
Olá, pessoas que ainda estão por aqui!
Esse capítulo foi bom, mas os próximos serão melhores ainda. Finalmente nosso Sasuke está começando a sentir coisas mais "suaves", apesar dele próprio não achar isso. Acho que esse capítulo foi bem esclarecedor, e eu o revisei milhões de vezes até chegar em um nível que considerasse aceitável.
Espero que tenham gostado, e lembrem-se que feedbacks SEMPRE são bem vindos e, melhor ainda, esperados ansiosamente por mim. Me digam o que estão achando.
Beijinhos, até mês que vem!
Chapter 36
Notes:
Oi, gente!
Primeiramente quero me desculpar pelo atraso - não estou em casa há umas semanas, então não tive como postar antes. Segundamente, quero me desculpar pelo capítulo, talvez. Como não estou em casa, foi uma revisão muito por cima e esse capítulo é de extrema importância, então não sei se atendeu a expectativa (em minha defesa, quando eu escrevi ele, achei muito bom hahahaha).
Bem, aqui está a cena que todos esperavam, então. Boa leitura!
Chapter Text
Naruto entrou lentamente no quarto. Sasuke sentiu um forte cheiro de álcool quando o homem passou e foi até a cama, tirando a chave do bolso e colocando na mesa de cabeceira. A porta se fechou com um baque seco e Sasuke se virou para ver Naruto, que tinha se deitado.
Ele se aproximou da cama a passos lentos. “Você bebeu o resto daquilo?”, indagou calmamente.
O homem assentiu, os olhos azuis indo de um lado para o outro em seu rosto. “Sim, só mais um pouco. Você estava dormindo?”, ele perguntou com a língua meio enrolada.
“Não.”, murmurou enquanto se deitava ao lado dele. Naruto o fitou meio receoso, mas Sasuke deu um suspiro resignado e o fez abraçá-lo. Incerto, o homem o envolveu com seu calor e seus braços fortes. Ele cheirava a sabonete genérico, álcool e camomila, porque sempre carregava seu shampoo quando viajava.
“Você tá tremendo.”, Naruto observou baixinho, e isso o fez tremer ainda mais.
“Eu sei.”, Sasuke respondeu simplesmente. Não conseguia entender porque se sentia tão completamente apavorado. Na verdade, já não conseguia entender mais nada.
Naruto se afastou e olhou para ele preocupado. “Você tá bem?”, perguntou gentilmente.
“Sim.”, mentiu.
Naruto se contentou com a resposta e tornou a abraçá-lo com suavidade. Aquilo doía. Enquanto ficavam em silêncio, tudo em Sasuke doía.
A verdade é que a única coisa em que conseguia pensar, era no que aconteceria em dois dias, do que estava abdicando. Era um preço alto demais e estava realmente cansado de fingir não sentir nada, de fingir que não estava sentindo falta de Naruto naquele momento, por mais que ele já estivesse ali.
Queria se desculpar, admitir a derrota e entregar tudo nas mãos daquele homem. Sasuke sabia que não ia fazer isso, mas seu desejo era esse. Em raros momentos, essa parte de seu “eu” aparecia, e ele deixava esse outro Sasuke respirar para não enlouquecer de vez. Então no dia seguinte, podia voltar ao normal e ser sensato novamente. Poderia voltar a ignorar Naruto e a não se deixar levar por ele.
Mas, neste momento, se permitiu ignorar tudo que tinha acontecido até então e receber tudo que Naruto lhe oferecia — seus abraços, seus toques tranquilizadores, sua presença sólida, e Sasuke não sabia dizer mais como sobreviveria sem isso no futuro.
“Seu cheiro está errado.”, soprou o homem em sua garganta. Uma das mãos de Naruto escovava parte de suas costas devagar.
“Eu não sei nem como responder isso.”, Sasuke disse enquanto enfiava o nariz nos cabelos dele discretamente e sentia o corpo relaxar com o cheiro rico que entrou e se concentrou em seus pulmões.
Naruto riu baixinho com a voz rouca. “Você devia estar cheirando mato.”, explicou. Sasuke se afastou para encará-lo com as sobrancelhas levantadas em incredulidade, e isso o fez rir tristemente antes de voltar para o lugar. “Quando éramos um time e tinha alguma missão, você sempre acordava antes de mim e saia para procurar frutinhas. Quando você voltava e ia me acordar, sempre estava cheirando mato. Bem, não mato, orvalho. Sabe, quando é bem cedo e aí saímos de casa e tudo está cheirando grama com água? Meio como...”
“Eu sei. Eu lembro que fazia isso, mas não sabia que fedia a mato.”, Sasuke sorriu para si ao descobrir que Naruto ainda tinha essa lembrança. Seu peito se aqueceu.
“Eu não disse que você fedia a mato, era bom. E não acontecia sempre, mas foi o cheiro que eu relacionei a você.”, explicou. “Deviam vender aquele cheiro em forma de perfume.”
“Você realmente está bêbado.”, murmurou contra os cabelos loiros enquanto inspirava profundamente, o nó em seu estômago se afrouxando só para apertar de novo em seguida.
A risada de Naruto ecoou no quarto novamente. “Sim, acho que eu tô, um pouco.”, ele confessou grogue. Sasuke tentou não focar na sensação dos lábios dele se movendo em sua garganta conforme ele falava, nem no carinho que recebia nas costas e derretia seus músculos cansados conforme suas pálpebras pesavam, ou no quanto a voz dele o acalmava naquele momento.
“Vai dormir, dobe. Vamos acordar cedo amanhã.”, disse, deslizando os pés gelados nos dele para esquentar.
Naruto os aceitou, prendendo-os entre os próprios pés. “Não existe amanhã nos ‘cinco minutos’, teme.”, Naruto lembrou, com a sugestão de um sorriso na voz. Os dedos dele faziam cócegas em seu quadril gentilmente, seus pelos se arrepiando ao toque.
“Já passou cinco minutos, usuratonkachi.”, retrucou. Estava completamente satisfeito naquele abraço e, se pudesse, jamais sairia daquela cama. Se pudesse, não iria embora.
O homem ficou em silêncio um momento. “Já?”, perguntou surpreso, e Sasuke fez que sim com a cabeça. “Oh. Você... quer que eu saia?”, murmurou receoso, então, levantando o rosto para encará-lo. Seu nariz quadrado ganhou um rubor suave por cima da pele morena.
Amanhã, amanhã Sasuke voltaria ao normal. Não hoje, não agora. “Se eu quisesse, já teria dito, não acha?”, resmungou enquanto as bochechas esquentavam um pouco.
Naruto deu um sorriso torto, débil e brilhante. Ele parecia bem sonolento, mas também podia ser só o efeito do álcool. “É verdade, você sempre deixa muito claro quando quer que eu saia.”, murmurou. Ele ainda sorria, mas a antiga mágoa despontou em seus olhos claros, e isso ardeu no âmago de Sasuke.
Ele hesitou antes de falar, suspirando pesado. “Eu... não queria ser tão grosso sempre. Sinto muito.”, disse mais baixo do que pretendia. Sua esperança era que Naruto não se lembrasse de nada daquilo no dia seguinte.
O homem se afastou um pouco para apoiar-se em um cotovelo, encarando Sasuke. “Porque não podemos ser assim?”, indagou quase inaudivelmente em súplica. A outra mão dele agora se apoiava em seu peito.
A saliva parou por um momento em sua garganta. Naqueles olhos claros só tinham dor, tristeza e arrependimento em meio à neblina de álcool. Naruto parecia um homem cansado de lutar contra a correnteza, e Sasuke entendia muito bem o sentimento.
É claro que os dois estariam exaustos depois de tanta coisa, depois de tudo que Sasuke tinha feito para afastá-lo. Naruto sempre deixou claro o quanto queria estar por perto, o quanto se importava, até onde iria para Sasuke não precisar ou querer partir. O pesar cresceu em seu coração diante daqueles olhos claros e sinceros, diante de um Naruto tão despido de defesas em sua presença.
Ele não conseguiria, jamais, dizer qualquer coisa para magoá-lo naquele momento. Na verdade, era totalmente o oposto, uma urgência de fazer algo para confortá-lo empesteou suas entranhas de maneira desesperada. Doía machucá-lo tanto, por tanto tempo, de tantas formas. Doía sentir raiva dele e dizer coisas para afastá-lo, doía saber que tudo poderia ser diferente, ainda que isso não fosse possível.
O suspiro que Sasuke deu não amenizou a pressão que sentia no peito. “Eu não sei. Acho que só... não é possível.”, mentiu ele observando aqueles olhos quentes.
Naruto engoliu seco e deixou cair o olhar. O coração de Sasuke parecia pronto para sair do corpo. Se Naruto estivesse sóbrio, provavelmente teria sentido as batidas desenfreadas sob a própria mão, mas felizmente não era o caso. Chegava a ser cômico Sasuke dizer que aquilo não era possível estando tão próximo de Naruto como estava, virado para ele deitado na cama e com um dos pés envoltos pelos dele.
Naruto pareceu chegar à mesma conclusão. “Mas... nós estamos assim agora, Sas’ke. Por que não podemos só voltar? Por que não podemos voltar para Konoha, voltar e fazer missões juntos, por que você não pode só... f-ficar?”, indagou meio embolado enquanto seu lábio tremia. Ele parecia prestes a desmanchar, e cada uma daquelas palavras doloridas se afundavam em Sasuke como lâminas.
Ele se ergueu sobre um dos cotovelos desconfortavelmente na tentativa de se afastar, mas isso só os fez se aproximarem ainda mais. “Naruto... nós já falamos sobre isso, ambos concordamos que é a melhor forma. E eu preciso retomar minha viagem, me desviei por tempo demais.”
“Você... você quer mesmo ficar longe de mim, não é, teme?”, sussurrou ele para o lençol branco.
O desespero em confortá-lo dobrou de tamanho, se possível, e tudo em seu corpo ardia de remorso, de arrependimento, de dor e desespero. Essa era a última coisa que ele queria, a última de todas, e Sasuke estava cansado de fingir que não, mas precisava se afastar. Eles não funcionavam bem um na presença do outro. Entretanto, não conseguia falar mais nada que machucasse Naruto naquele momento.
“Eu não queria que as coisas fossem assim, acredite em mim.”, Sasuke sussurrou quase em súplica, se inclinando mais para ele sem sequer perceber. O nariz de Naruto estava gelado quando tocou no seu. “Eu queria estar lá, mas não posso, você sabe disso. Você concordou com isso.”, sussurrou.
Naruto ergueu um pouco o rosto em uma expressão entorpecida, ainda que desolada, e seus olhos meio nublados se ancoraram suplicantes nos de Sasuke, indo de um lado para o outro. Sasuke assistiu aquelas íris azuis acinzentadas ganharem um tom um pouco mais quente, e as pupilas se dilatarem ainda mais na penumbra, engolfando o cobalto quase totalmente.
Eles nunca estiveram tão perto assim, e a proximidade o fez sentir calor e frio ao mesmo tempo, o bloco de gelo em seu estômago se derreter e subir para aquecer seu peito. A respiração dele era quente, e as pálpebras de Sasuke de repente pareciam pesadas.
Seus olhos díspares desceram sem sua permissão para a boca de Naruto e assistiram os lábios cheios entreabertos. O cotovelo no qual se apoiava tremeu, e quando Sasuke respirou fundo, o cheiro familiar o envolveu profundamente, quase o trazendo para ainda mais perto. Sasuke fez a única coisa que poderia fazer diante daquela situação — recobrou a consciência e se afastou um pouco, deitando e fechando os olhos enquanto sentia o corpo sensível esfriar e a cabeça rodar. Seu coração palpitava em seus tímpanos, tão rápido e forte que ele se sentiu zonzo.
“Vá dormir. Precisamos acordar cedo amanhã.”, ele murmurou suavemente com a voz trêmula. Seus dedos estavam gelados e instáveis.
Sentiu Naruto se desvencilhando e sentando-se na cama por um momento. O peso no colchão então sumiu, e a voz decepcionada vagou até seus ouvidos. “Ok. Boa noite, Sasuke.”, sussurrou.
“Boa noite, dobe.”, ele murmurou antes de ouvir o clique da porta se fechando no segundo seguinte.
Quando acordou, Naruto foi até o quarto ao lado e todas as coisas de Sasuke já estavam arrumadas. O olhar distante voltou para contemplá-lo e, no minuto em que Naruto se aproximou, Sasuke se afastou. Era como se o outro não suportasse estar no mesmo ambiente que ele novamente.
Sasuke mal falou e quando o fazia, era de forma seca. Isso o deixou muito chateado, porque não se lembrava de terem brigado na noite anterior.
Só sabia que, mais uma vez, tinha criado esperanças sobre uma coisa que prometeu para Sasuke que não faria, mas era difícil não se sentir tão conectado com ele depois da conversa na noite passada. Além disso, Naruto tinha feito o possível para não atravessar qualquer linha, para não dar a impressão de que estava o tocando de alguma forma indevida porque inferno, ele jamais faria isso.
Mas, pelo visto, tudo que tinha sido dito na noite anterior tinha sido só um teatro ou coisa parecida. Talvez tivesse sido por dó, talvez tivesse sido uma tentativa genuína de não sentir tanto asco de Naruto, mas o fato é que não deu certo. Dava para ver nos olhos dele — havia desprezo e raiva ali sempre que Sasuke olhava em sua direção. E, por algum motivo, agora também parecia haver medo em alguns momentos.
Além disso, o homem parecia completamente desesperado para chegar até Karin, aumentando o ritmo das caminhadas de uma forma absurda e não querendo parar até estarem realmente exaustos demais para se moverem.
Quando montaram acampamento e foram dormir completamente exauridos, faltava pouco até chegarem em seu destino final. Era isso — eles iam se separar com Sasuke estragando toda e qualquer ligação de merda que tinham conseguido construir no dia do festival, e perceber isso era tão doloroso que Naruto quase não aguentou. Ele não iria conseguir se despedir dele amigavelmente, não iria ter uma boa recordação de mais uma partida dele e, de quebra, os raros bons momentos que tinham compartilhado ficariam passando em um looping diante de seus olhos, em contraste com o resto das coisas.
Era tudo muito complicado porque ainda que tivesse entendido que em algum momento eles provavelmente fossem se resolver, a expectativa de esperar anos por isso era devastadora. Ele não entendia porque Sasuke precisava ser desse jeito se tinha capacidade de agir como um ser humano minimamente razoável sem problemas afetivos.
E Naruto estava cansado de ser puxado para aquelas oscilações onde só haviam extremos — ou Sasuke parecia se importar demais, ou simplesmente o desprezava. Não havia momentos onde as coisas eram explicadas, resolvidas, conversadas. Tudo era jogado de forma áspera como se Sasuke estivesse em um surto constante ou algo assim, e Naruto já não sabia se devia deixar ele se virar para resolver isso ou se tentava entender.
Com isso, em questão de pouco mais de um dia, Naruto estava perto de ter um colapso nervoso também, e ele nunca sabia para qual extremo iria escorregar — o que estava de saco cheio de Sasuke e podia ser tão nocivo quanto ele, ou o que se humilhava e se aproximava porque, no fundo, sabia que o outro estava com medo e perdido. Por um lado, Naruto realmente entendia, mas por outro, isso não era problema dele. Naruto não tinha obrigação de aturar o pouco caso só porque Sasuke não sabia lidar consigo mesmo e com as pessoas.
Dormir naquela noite foi impossível — estava devastado, confuso, magoado e com raiva. Estava entre falar tudo que estava entalado em sua garganta ou só deixar para lá e morrer engasgado. Sabia que nenhuma das opções iria deixá-lo satisfeito, mas o ideal para Naruto não era uma possibilidade.
No fim, apesar de todas as merdas, a sensação era a mesma de dois anos atrás — Naruto estava perdendo seu melhor amigo, e era como perder uma parte de si, ainda que o Sasuke que aparecia na maioria das vezes não fosse o Sasuke certo. Não, ele estava perdendo o Sasuke com quem esteve no dia do festival, o Sasuke que chorou um seu ombro no dia que aceitou seu abraço, o que cuidou dele quando Naruto precisou, o que o embalou quando estava sob um ataque de ansiedade e dormiu com ele para impedi-lo de ter pesadelos. Era esse o Sasuke que ele ia perder novamente, e Naruto não sabia mais quantas vezes mais podia assistir ele ir embora sem quebrar.
Quando tudo foi desmontado e guardado pela última vez, nenhum deles falou. Quatro horas, era isso que restava. E surpreendentemente, ele estava se sentindo normal. Tudo no lugar, sua mente estava clara como um cristal e totalmente lúcida, como deveria ser. Ele só precisava se manter firme até chegar em Karin.
Claro, se afastar de alguém com quem conviveu quase diariamente por quase três meses era doloroso, mas fazia parte da vida, principalmente por um motivo tão nobre. Sasuke estava fazendo um favor para aquele idiota porque era capaz de ver coisas que Naruto não podia. Sempre foi assim, Naruto não era o inteligente da turma.
De alguma forma, o jeito com que tinham se aproximado na noite do festival o fez sentir muita, muita raiva, depois. E muito medo, mas essa parte foi ignorada.
Ele não podia quebrar desse jeito, se deixar levar pelas coisas dessa forma, se deixar aproximar das pessoas por nada. Sua mente rebobinava flashes de momentos entre eles pesando os prós e contras e era enlouquecedor porque, depois da aproximação naquele dia, a lembrança da cena na floresta lhe causava ainda mais ódio e vontade de humilhá-lo.
De qualquer forma, independente disso, Sasuke estava bem em fazer pequenos sacrifícios pelo bem maior, como fez por dois anos. Até porque, não era como se Naruto fosse ficar sozinho, agora que tinha tantas possibilidades em seus horizontes.
Não, ele ia ficar muito bem, principalmente com a tendência de se atirar em qualquer ser humano e não ter limites físicos para nada, ao ponto de se masturbar com outro cara no meio da porra da floresta. Ele tinha Neji, Sakura e o resto dos amigos idiotas dele.
Não estava exatamente julgando — Sasuke até queria ter tanta disponibilidade afetiva quanto ele, mas preferia manter um pouco de sua dignidade intacta, coisa com a qual Naruto claramente já tinha parado de se importar há algum tempo. Não que isso fosse um problema, é claro — Sasuke respeitava isso, afinal, não tinha nada a ver com ele. Não tinha nada a ver com ele.
Então agora, enquanto caminhava, nem olhava para o ser humano ao seu lado e se focava em pensar no que faria assim que Naruto fosse embora. Provavelmente ia mandar seu último relatório para Kakashi já com um pedido por uma missão rank-A ou superior.
Talvez fosse atrás da vagabunda que capturou Naruto e que possivelmente ainda estava atrás de seus olhos, seria algo bom para animar um pouco. Precisava urgentemente de alguma ação, se distrair um pouco das coisas de dentro e focar no que aconteceria ali fora.
Sim, Sasuke andava muito parado, e talvez tenha sido por isso que tinha ficado tão emocional — treinar diariamente não era o mesmo que lutar de verdade correndo risco de morte se não agisse certo no momento exato, e Sasuke precisava dessa emoção. Ele se expressava por meio da luta, fisicamente, então perder a oportunidade de lutar de verdade era o que tinha mexido com ele. Claro, tinha lutado com Naruto algumas vezes, mas também eram treinamentos, apesar de saber que aquele homem não era complacente em seus sparrings.
Sasuke lançou por costume um olhar de esguelha para o lado, e Naruto parecia tão pensativo quanto ele. Dava para ver a confusão em seus olhos acinzentados e vazios, a raiva misturada à tristeza e indignação. Algo em Sasuke se remexeu minimamente e ele desviou o olhar para a frente. Foco.
“Vamos mais rápido.”, murmurou antes de aumentar ainda mais a velocidade.
Ele percebeu, pela visão periférica, Naruto estudando-o com ressentimento enquanto acompanhava, e Sasuke se colocou um passo à frente para não correr o risco de ver expressões faciais demais. Ele não ia deslizar agora que estava novamente com a cabeça no lugar. Ou quase.
Apesar da neve ainda cobrir o chão, a camada de gelo estava bem mais fina por causa do mar ao redor. Ali só nevava de madrugada, apesar da temperatura ainda estar baixa o suficiente para Sasuke precisar usar seu casaco reforçado.
Deviam estar há pouco mais de duas horas do esconderijo agora, e Sasuke enfiou no fundo do baú o início da sensação de desespero que perceber isso causou. Ele estava bem. Ele estava bem e Naruto ia ficar bem, não havia necessidade de pensar naquilo. Ele ia continuar se focando nas coisas do presente sem pensar no que iria acontecer em seguida, e agora ele só estava correndo para chegar até Karin, não havia significado por trás disso.
“Rápido.”, ele murmurou novamente, aumentando ainda mais o passo ao ponto de ficar um pouco difícil respirar, mas conseguiria manter aquele ritmo por mais de uma hora. Ele precisava chegar logo.
Naruto não respondeu, mas deu para ver que estava logo atrás, acompanhando perfeitamente. Sasuke se impediu de checá-lo, porque não queria dar qualquer chance de cair nas armadilhas daqueles olhos expressivos, ou de sentir a fúria o comendo por dentro.
Ao longo dos dias, aqueles olhos criaram um poder sobre Sasuke que era amedrontador, então fugiria deles. Aquelas íris não iam roubar sua convicção, e felizmente Naruto não estava falando nada, porque também não sabia como lidar com a voz dele, com os argumentos, com qualquer coisa.
Felizmente, não precisou descobrir, porque o homem não disse nada e só fez tudo que lhe foi dito. Agora, sóbrio, ele estava cumprindo a parte onde falou que não ia mais lutar contra, e isso era mais do que perfeito.
Se aproximavam cada vez mais do oceano naquele terreno congelado e inóspito, e o cheiro do sal ficava cada vez mais forte. Sasuke se lembrava bem dali, e não teve dificuldades para encontrar a rota que tinha feito há quase três anos. Era surpreendente que Karin ainda estivesse lá, principalmente na companhia de Suigetsu. Talvez Juugo fosse responsável por nenhum dos dois terem se matado ainda — ele sempre foi o mais equilibrado, apesar de seus ataques de raiva aleatórios.
Sasuke diminuiu um pouco o ritmo, e seguiu por um terreno rochoso em uma trilha cada vez mais íngreme com Naruto em seu encalço. Chegaram ao topo de uma pedreira e então desceram para alcançarem o mar. Naruto parecia estar tendo alguma dificuldade com as bordas afiadas, mas Sasuke se manteve firme olhando para frente enquanto guiava o caminho.
Quando chegaram no pé da montanha, o grande oceano estava diante deles. Ao longe, quase impossível de ver, havia uma ilha, de onde se erguiam três enormes pedras pontiagudas rumo ao céu acinzentado, como cacos de vidro fincados na areia.
Naruto parou ao lado dele e também ficou olhando alguns segundos sem esboçar reação e nem olhar para Sasuke, que então concentrou chakra nos pés e saiu correndo sob a água. Ele não queria pensar no quanto seu estômago estava embrulhado, nem na sensação de aperto que tinha em seu peito, então continuou correndo enquanto sentia a ventania salgada morder seu rosto e jogar seus cabelos para trás, como se levasse seu desgosto para longe também.
Enquanto se aproximava, viu que os antigos membros do time Taka já os esperavam na entrada da ilha, Karin com seus cabelos vermelhos entre Suigetsu e Juugo. Ela acenou quando Sasuke colocou o pé em terra firme e seguiu com Naruto até encontrá-los.
“Ei! Então, como foi a viagem? Cansativa? Juugo estava terminando de preparar o almoço agora.”, disse Karin, parando entre Naruto e Sasuke com as mãos em seus ombros enquanto os guiava. Ela parecia bem — o cabelo mais comprido, os olhos mais brilhantes. Suigetsu tinha ganhado mais músculos, assim como Juugo, que tinha alguns passarinhos entre os cabelos ruivos como se fosse um ninho. Era meio cômico, mas não surpreendeu Sasuke.
“Hã, na verdade eu não vou ficar-”, começou Naruto em tom apologético para o alívio e desespero de Sasuke, mas Karin fez cara feia.
“Não vou deixar você voltar isso tudo sem descansar um pouco e comer, Naruto. É o mínimo que eu posso fazer.”, ela disse, e Naruto deu um sorriso tímido antes de encarar o chão com as bochechas vermelhas. Sasuke colocou toda sua atenção no caminho que seguiam.
Só mais algumas horas, só isso. Naruto ia comer, dormir, e depois ia embora — Sasuke nem precisava estar presente quando ele saísse. Ele não precisava ver Naruto indo embora.
“Sim, até porque Sakura deixou a gente ciente de que provavelmente vocês iriam estar brigados quando chegassem e- AI! Você tá louca, mulher?”, disse Suigetsu, recebendo um soco de Karin que atravessou o rosto liquefeito dele.
“Cale a porra da sua boca e pare de se meter onde não é chamado!”, ela ralhou, ficando tão vermelha quanto o cabelo dela.
Sasuke revirou os olhos para a interação que não tinha mudado em nada e seguiu em frente com Naruto e Juugo, enquanto os outros dois ficavam para trás discutindo. Tentou também não se sentir indignado por Sakura expor essa dinâmica para as pessoas quando não tinha nada a ver com isso, mas viu a sombra de um sorriso nos lábios de Naruto e, por algum motivo, isso fez o estômago de Sasuke torcer e relevar essa questão.
“Bem, vou mostrar onde vocês vão ficar. Naruto, Kakashi disse que você podia ficar alguns dias para descansar, se quisesse. Karin arrumou um quarto para você também.”, Juugo falou enquanto mostrava o caminho.
Aparentemente eles tinham transformado a antiga prisão em uma casa funcional e grande o suficiente para os três — não era mais um monte de corredores infinitos e confusos, tinha cômodos amplos e era confortavelmente mobiliada. Passaram por uma área imensa dividida em três espaços, onde ficava a sala, e na parte elevada adiante havia uma enorme mesa de jantar com a cozinha feita de meias-paredes ao lado.
“Obrigado, mas vou recusar, pretendo ir embora o mais rápido possível.”, Naruto murmurou com um sorriso amarelo enquanto coçava a nuca, e Juugo só assentiu conforme passava por enormes portas duplas de madeira clara, dando para um corredor comprido.
“Como quiser, mas o convite está feito. Naruto, este é seu quarto, Sasuke, o seu é o próximo.”, o homem apontou para as portas no meio do corredor. “Eu preciso terminar de preparar o almoço, mas fiquem à vontade. Nós fizemos muitas mudanças na ilha agora que estamos ficando aqui, e vale a pena dar uma olhada. Suigetsu fez uma fonte termal atrás da antiga prisão.”, ele contou enquanto passava a mão pelos cabelos ruivos para acariciar distraidamente os passarinhos aninhados entre as mechas.
“Obrigado, Juugo.”, Sasuke agradeceu inexpressivamente antes de entrar no quarto e trancar a porta sem olhar para Naruto.
Ele respirou aliviado quando se viu sozinho, apesar da pressão que sentia no peito não ter passado. Sasuke colocou a bolsa em cima do baú diante da cama e olhou em volta. Era praticamente um quarto de hotel incrementado — havia uma cama grande, um guarda roupa, um baú de roupas, uma escrivaninha abaixo de uma prateleira com livros, vasos de plantas e uma porta dupla de varanda onde apenas a parte de vidro estava fechada, dando para uma sacada com vista para o mar. Havia um banheiro anexado ao lado da porta da varanda também, com banheira embutida.
Se deixou cair para trás na cama de braços abertos e suspirou pesadamente, permitindo que as pálpebras se fechassem. Ele não pretendia sair daquele quarto enquanto Naruto não fosse embora, ficaria três dias ali se precisasse. Ia se manter firme, deixar para trás tudo que tinha acontecido e pronto, tudo voltaria a ser como antes. Ele se sentou e desfez a bagagem, pegando uma roupa limpa para tomar banho.
Havia rolinhos de toalhas em um banquinho ao lado da banheira e tudo que ele poderia precisar, inclusive uma escova de dentes nova. Sem pensar muito, encheu a tina e entrou no box, deixando a água cobrir seu corpo. Sasuke tomou um banho demorado, escovou os dentes e secou o cabelo.
Quando terminou e se vestiu, se jogou de cara na cama e esperou sabe-se Deus lá o que, mas o fato é que estava ansioso. Talvez esperasse que Naruto fosse falar com ele, ou xingá-lo. Talvez estivesse se sentindo levemente culpado. Qualquer que fosse o motivo, precisava esquecer tudo e agir como se Naruto já tivesse partido. Sasuke podia até surtar, mas depois que ele fosse embora.
Inquieto, se ajeitou na cama e pescou o livro que estava lendo. Sim, sua meta era terminar aquele livro, não havia nada acontecendo.
Exceto que houveram batidas fortes em sua porta naquele instante, e Sasuke travou. E se fosse Naruto? Ele não podia abrir aquela porta sem saber quem era, porque não ia falar com Naruto. Voltou a atenção precariamente para o livro em suas mãos, mas houve outra batida e a voz de Karin.
“Sasuke, eu quero falar com você.”, ela disse, e ele relaxou.
Calçou as pantufas que achou no armário, caminhou até a porta para destrancá-la e parou com os braços cruzados no peito, esperando. Karin parecia brava, e era a primeira vez que ela ousava olhar para ele desse jeito. A mulher entrou sem convite e Sasuke revirou os olhos antes de fechar a porta e se virar.
“O que é?”, ele perguntou em uma mistura de irritação e desinteresse.
Karin juntou as sobrancelhas vermelhas e arrumou os óculos no nariz fino. “Naruto fez alguma coisa ruim com você?”, ela perguntou severamente.
Foi tão aleatório que Sasuke desarmou e ergueu as sobrancelhas, confuso. Ele a fitou um momento e ela esperou pela resposta, ainda que obviamente soubesse qual era.
Sasuke suspirou. “Não.”, disse em um tom neutro enquanto colocava o livro sobre a escrivaninha. Ele não estava no melhor humor, principalmente para discutir qualquer coisa sobre Naruto.
A mulher se aproximou e ele fechou um pouco a cara com a invasão em seu amplo espaço pessoal, mas isso não a intimidou. “Então o que te passa na cabeça para deixar ele desse jeito?”, ela sibilou, chocada.
Ele abriu uma carranca e a fitou intensamente. “O que isso tem a ver com você? Siga seu próprio conselho e não se meta onde não é chamada, Karin. Não é porque vou ficar uns dias aqui que você pode ser intrometer-”
“Você continua o mesmo arrogante de sempre, Sasuke. Eu posso falar o que eu quiser para você, não se esqueça do quão baixo você foi até chegar ao ponto de tentar me matar sem remorso algum!”, ela exclamou, e Sasuke ergueu as sobrancelhas com incredulidade. Ela não deixou que ele se recuperasse do golpe. “E Naruto foi quem te ajudou no seu pior momento! Ele foi atrás de você naquela ponte só para dizer que ia te levar de volta de alguma forma, que não ia desistir de você, e foi o que ele fez! Então, eu não estou nem aí se você acha ruim eu falar qualquer coisa, eu vou falar porque Naruto me provou que você precisa ouvir umas verdades para cair na real! E a verdade é que você não tem um pingo de empatia e não mudou nada com ele depois de todo esse tempo. Eu fui até lá para convencê-lo a descansar pelo menos até amanhã, ele recusou até o fim e nem precisou me falar nada, aquele homem está péssimo. Você devia ter vergonha. Eu te desculpei pelo que fez comigo sem você sequer ter me pedido desculpas direito, até quando você acha que pode ter o perdão das pessoas sem se redimir? Ainda mais com Naruto?!”
Seu rosto ficou todo vermelho. “Você não sabe de nada, Karin! Não sabe o que eu estou passando e nem o que está acontecendo! Eu não tenho que dar satisfação para você, e se você não queria me “desculpar”, era só não ter feito isso! Aliás, eu não vou ficar aqui se você acha que tem o direito de me falar merda só porque estou de passagem!”, ele exclamou, enquanto olhava em volta e pescava algumas das coisas que tinha tirado da bolsa.
“Eu não quero saber o que está acontecendo, eu estou dizendo um fato independe de qualquer coisa: você não mudou, e pelo jeito que está reagindo, ficou mais do que claro que não consegue lidar com as próprias coisas de frente, você só sabe fugir! Não adianta nada voltar para Konoha e ter o perdão dos Kages se no fim você continua sendo destrutivo. Não adianta nada andar pelo mundo pregando a evolução se você não evolui! Já faz mais de dois anos, você devia ser mais consciente sobre as consequências das suas ações!”
Ter aquelas coisas jogadas em sua cara daquele jeito estava desestabilizando Sasuke profundamente — Karin estava acertando em todos os pontos críticos e medos dele, escancarando-os e expondo que ela via muito mais do que ele sobre suas próprias coisas. A única coisa que queria era tirar Naruto dessa bagunça, era afastá-lo para ele poder viver em paz! Como ela ousava dizer esse monte de coisas sem saber as intenções por trás de suas ações? Como ela ousava falar de consequências para ele, que estava pagando por cada uma delas com juros altíssimos há anos?!
Principalmente agora que não ia mais ver Naruto, e mesmo assim continuava tentando preservá-lo não o arrastando para sua própria bagunça, e não levando ataques para a vila. Parte do motivo dele não voltar era preservar aquela porcaria de vila, porque estando longe, as pessoas não atacavam Konoha! E ele tinha evoluído sim, porque se fosse em outros tempos, estaria pouco se lixando para Konoha ou para Naruto.
Manter sua própria liberdade era manter a liberdade daquele homem e da Vila da Folha, dos amigos daquele imbecil, de todos! Estava apenas tendo uma visão abrangente que aparentemente ninguém mais tinha e ainda o julgavam por isso. Era chamado de egoísta por tentar preservar as coisas que Naruto lutava para proteger e, como bônus, Sasuke podia ganhar a própria liberdade e a possibilidade de ver o mundo para melhorar. Sasuke não fazia as coisas só por si mesmo, diferente do que pensavam.
Ele soltou a bolsa a seus pés novamente e se aproximou dela com raiva. “Você não sabe o motivo de eu fazer nada do que eu faço, Karin. Você não sabe da minha vida. Se eu faço alguma coisa, é por um bom motivo.”, falou. Sua voz tremeu sem sua permissão e seus olhos de repente pareciam secos.
Karin ergueu as sobrancelhas e diminuiu o tom. “Escute bem o que vou te dizer, Sasuke. É a última coisa que vou falar sobre isso: de todas as pessoas, Naruto é pra quem você deve mais. Eu conheci aquele cara há anos, e ele tinha o chakra mais brilhante que eu já vi, era como estar debaixo do sol escaldante. Isso mudou, Naruto está se apagando. Você sabe o quanto é difícil um chakra se modificar assim? O quanto as coisas precisam nos atingir para isso acontecer? Foi o mesmo que aconteceu quando você se deixou levar pelo ódio, seu chakra se tornou o mais escuro, denso e frio que eu já vi, dava medo. E Naruto te tirou daquele lugar, algo que eu, sinceramente, julgava impossível. Se você se importa com ele, então faça alguma coisa diferente do que está fazendo, porque não dar a mínima e sair correndo não está dando certo. Preste atenção nas suas escolhas, porque eu tenho certeza que em algum momento, vai se arrepender delas. Você pode ter mudado, mas sua capacidade de empatia ainda é falha se continua magoando tanto alguém que se importa com você do jeito que aquele cara faz. Naruto merece mais consideração da sua parte. E eu realmente não sei o que está acontecendo na sua vida, nem porque você está agindo assim, mas independente do motivo, deixar Naruto afetado desse jeito é muito errado.”, ela disse em voz baixa com seriedade, e então pegou a blusa que ele segurava na mão com delicadeza, colocando-a sobre a cama. “E eu gostaria que você ficasse. Não estou tentando te atacar, Sasuke, estou tentando ser sua amiga, ainda que você não queira isso. Fique. E não deixe a amizade de vocês terminar assim, eu sinceramente não acho que ele vai aguentar.” A mulher o fitou por um segundo antes de se virar e sair, fechando a porta delicadamente.
Ele ficou parado encarando a porta um momento antes de se sentar na cama de ombros curvados e olhos no chão de madeira clara. Então o chakra de Naruto estava perdendo a luz. O chakra mais brilhante do mundo estava se apagando. Sasuke suspirou e enterrou o rosto nas mãos — ele só queria que Naruto entendesse que estava se distanciando pelo bem dele também!
Por mais que Sasuke odiasse admitir, Karin estava certa em uma coisa — Sasuke estava fugindo. Sim, é claro que estava, ele sabia que Naruto merecia pelo menos uma conversa antes de partir. Estava sendo um covarde. Mas havia outro jeito? Precisava seguir em frente e Naruto iria acabar o puxando de volta. Ele ia o encarar com aqueles olhos e falar coisas que o atingiriam até Sasuke mudar de ideia e desistir depois de todo esse tempo, depois de todo o empenho.
E não é como se Sasuke pudesse ficar em Konoha, havia muitos grupos atrás dele, e em algum momento a informação de que ele tinha voltado iria vazar, e então aquela vila infernal seria atacada e, consequentemente, Naruto estaria em perigo, os amigos que ele amava, o namoradinho de merda dele, todo mundo, e tudo por culpa de Sasuke. Era isso que ninguém entendia.
Com uma fagulha de determinação, levantou da cama e parou com a mão na maçaneta. Se estava de fato fazendo aquilo por Naruto, então tinha que ter coragem e abdicar de mais coisas sem perder a cabeça. Sasuke fez aquele homem ficar mal por meses independente da causa, e Naruto merecia pelo menos seguir em frente sem a sensação de que havia um peso entre eles. Sim, poderiam no mínimo se afastar em bons termos de verdade, Sasuke só precisava ser forte e não se deixar envolver demais.
Ele saiu para o corredor com o estômago embrulhado e encarou a porta que ficava há alguns metros. Seus passos fofos e lentos por causa das pantufas eram meio cômicos no silêncio. Parou diante da madeira e levantou a mão para bater, mas acabou só tocando a superfície lisa. O que ia falar? Nem isso ele tinha decidido. Que sentia muito? Que tinha sido um idiota e se sentia culpado, mas isso não mudava seus planos? Que-
“Eu sei que você tá aí.”, veio a voz seca de Naruto através da porta. “Posso ver a sombra dos seus pés na fresta.”
Sasuke puxou o ar e soltou lentamente antes de girar a maçaneta de metal e dar dois passos para dentro, fechando a porta. Naruto estava sentado com as costas apoiadas em almofadas na cama. Havia um travesseiro no colo dele e os dedos morenos brincavam com os pelinhos da fronha amarela. Naruto o encarava sombriamente e eles trocaram olhares por alguns segundos. Sasuke foi ficando ainda mais inquieto.
“O que você quer agora, depois de me ignorar o dia todo? Veio me falar desaforos?”, indagou com a voz rouca e baixa enquanto olhava feio. “Se for isso, quero avisar que não tô no meu melhor momento.”
Sasuke desviou o olhar e encarou o quadro em cima da cama na tentativa de se tranquilizar minimamente. “Não, não vim.”, falou no tom mais neutro que conseguiu. Sasuke estava fazendo o possível para não demonstrar nada em seu rosto ou em sua voz, fazendo o possível para não quebrar, e era realmente custoso.
“Então o que você quer aqui?”, Naruto perguntou com os olhos cinzas perfurando o crânio de Sasuke.
Ele não sabia o que dizer, então só se aproximou e sentou na beirada da cama. “Eu sinceramente não sei. Acho que eu não ia entrar aqui ainda.”, falou enquanto aceitava seu olhar de maneira intermitente, ora o fitando e ora encarando os arredores.
Naruto bufou. “Bom, se você precisar de ajuda pra descobrir, é só pedir. Primeiro preciso saber qual dos dois desgraçados você é — o que me odeia ou o que parece ser meu amigo?”, ele jogou a almofada para o lado e se ajeitou sentado na cama. “Os dois são filhos da puta, mas um me machuca menos que o outro.”, continuou, e agora ele colocava os pés no chão e se levantava. Sasuke focou em não deixar transparecer sua hesitação de forma alguma. “Mas pela sua cara, chuto que é o que me odeia. Se for, fica mais fácil, eu sei os seus desaforos de cor.”, ele se colocou diante de Sasuke que, sentado, só o observou, porque sabia que merecia isso. “Inferno, fala comigo cara a cara, Sasuke, não seja tão covarde!”, ele exclamou.
“Não estou sendo covarde, estou só te ouvindo.”, esclareceu Sasuke enquanto se levantava e ficava de frente para Naruto. Sua mão pálida estava úmida e fria.
Finalmente a raiva de Naruto tinha vazado depois de tanto tempo, e a única coisa que Sasuke precisava fazer, pelo visto, era ouvir. Não era difícil, ia dar tudo certo, ele só queria desabafar, Sasuke aguentava.
“Ótimo, então já que você se deu o trabalho de vir até aqui, porque não fala logo suas merdas e some, como você sempre faz? O que é dessa vez, o que tem pra me falar antes de eu ir embora? É sua última chance, o que é? Que eu sou burro demais pra conviver com você? Idiota e estúpido demais? Que sou indigno de existir no mesmo planeta que você?”, ele tinha uma expressão de raiva intensa, e Sasuke foi empurrado a cada palavra, até encostar na parede. Ele não esboçou reação, porque ia deixar Naruto falar e fazer o que quisesse. Era a vez dele, era o mínimo. “É isso, Sasuke? Sou sujo demais pra esse mundo? Pra respirar o mesmo ar que você? Foi por isso que você me ignorou o dia todo e me tratou como um nada? Quer me falar do quanto está aliviado e feliz de eu finalmente sair da sua cola? Ou quer fazer alguma piadinha sobre o quanto eu significo menos ainda do que antes, agora que você descobriu que eu beijei um cara?”
Sasuke franziu as sobrancelhas, porque realmente ficou surpreso. Não achou que a conversa fosse por esse caminho. “Como é?”, perguntou.
“Sim! Tá feliz ouvindo isso? Eu realmente sou uma coisa asquerosa, não é mesmo? Porque eu beijei um homem e depois aceitei a investida de algumas mulheres porque bebi um pouco. Aliás, eu não ia falar sobre isso, mas foda-se! Você achou o que, que eu me aproveitei de você esse tempo todo? Que foi por isso que eu pedi pra gente dividir a cama, que foi por isso que eu te abracei? Eu beijei um cara e você acha que eu automaticamente estive dando em cima de você porque sou um ser humano imundo e pervertido? Quer acrescentar isso na sua despedida?”, ele disse mais alto. Sasuke estava sinceramente surpreso, porque nunca tinha pensado uma coisa dessas e nem sabia como Naruto tinha chegado a isso na própria cabeça, nem fazia sentido. Ele era louco? Eles ficaram abraçados no dia do festival, depois dele descobrir sobre o Hyuuga! Naruto falava cada vez mais alto, e Sasuke estavam sem palavras para o rompante de coisas sem sentido. “Você deve ser tão perfeito para poder sentir nojo de mim porque eu peguei no pau de um cara, não é mesmo? Você tem uma ficha tão limpa como ninja da folha e nukenin!”, ele ergueu o punho e socou a parede ao lado da cabeça de Sasuke, que estava assimilando tudo que era dito meio desnorteado.
“Eu não-”
O lábio de Naruto tremeu na raiva e as feições caíram de repente, enquanto engolia seco. Ele afastou e virou um pouco o rosto quando os olhos ficaram úmidos, as pálpebras se fechando com força. As mãos morenas se contraíram em punhos trêmulos. “Eu não sei o que você pensa sobre isso, mas eu nunca me aproveitaria de alguém desse jeito, seu filho da puta! E mesmo com todas as merdas, você era meu melhor amigo! Eu nunca faria isso, eu nunca olhei pra você desse jeito, a única coisa que eu pedi de você foi a merda da sua amizade, Sasuke!”, ele disse enquanto as lágrimas escorriam por suas bochechas marcadas de bigodes. Os olhos azuis então se abriram e o perfuraram. “Se eu te abracei, foi porque eu me importo! Se eu pedi pra dividir a cama, era porque eu não estava bem e você me acalmava! Era só isso que eu queria, que você fosse meu amigo!”, ele soluçou, e a garganta de Sasuke parecia tapada, seu coração em pedaços ao ver o quanto ele estava mal e cheio de coisas entaladas. Sim, ele sabia que Naruto só queria sua amizade, jamais passou outra coisa por sua cabeça. Não havia um pingo de maldade naquele homem, nunca houve, e Sasuke estava muito ciente disso, mas estava tão incrédulo com aquela explosão que não conseguia organizar os próprios pensamentos para responder o que quer que fosse. “E por que você precisa ficar trocando de personagem o tempo inteiro? Por que tem que me quebrar depois de me deixar bem? Por que tem que ir embora sendo um idiota depois da conversa que tivemos? Por que me abraça num dia e no outro, me olha com nojo?”, rosnou, chorando ainda mais. Seus olhos, apesar de brilhantes pelas lágrimas, estavam sem vida.
Sasuke abriu e fechou a boca algumas vezes antes de conseguir responder. Ele sabia de onde tinha surgido esse assunto. “Naruto! E-eu te disse, eu falei para você não pôr a mão em mim porque estava com raiva!”, Sasuke falou levemente trêmulo, sem conseguir pensar em desculpas ou respostas mais plausíveis. Ele realmente estava errado, e tinha exagerado um pouco na forma com que tratou Naruto naqueles dias. Nem sabia porque tinha ficado ainda mais irritado depois de terem se dado tão bem no hotel e no festival, mas, de qualquer forma, precisou recomeçar a cortar a ligação deles.
“Raiva de que? O jeito que você olha pra mim não tem nada a ver com raiva, tem a ver com nojo e desprezo! Você acha que eu ia, o que, te infectar?”, exasperou-se ele indignado.
“Naruto, eu- você- você é burro!”, exclamou em desespero sem saber como explicar ou o que explicar.
“Sim, eu sou burro! Sou burro e não entendo seu problema comigo, porque você me odeia tanto do nada, Sasuke? Por que você me olha com tanto ódio e depois vem aqui tentar falar comigo sem dizer porra nenhuma? Por que você sente prazer em me falar tanta merda e depois, fingir que nada aconteceu? Porque me abraça em um dia, só pra depois me encarar como se eu fosse uma ameba nojenta que grudou no seu sapato no dia seguinte? Você dormiu abraçado comigo antes de me ver na floresta com Neji e depois mandou eu não tocar em você e ficar o mais longe possível como se eu fosse um leproso! Eu não ia te passar minhas bactérias gays, se é disso que você tem medo! Por que você precisou ficar me olhando com tanto desprezo e nojo por dias-”
“Eu não fiquei com nojo de você, eu estava com raiva, seu idiota!”, ele gesticulou agressivamente. “Eu te disse que você entendeu errado depois do festival! Aliás, eu deitei com você na mesma cama naquela noite! Eu não te acho nojento, eu só...!”, ele passou a mão pelo rosto.
“É claro que você acha, dá pra ver na sua cara! Você tem ideia de como olha pra mim quando lembra daquilo? Eu consigo perceber quando você se lembra daquilo pela merda da sua cara! Como se-”
“Eu nunca me importei de você se aproximar ou me tocar, disse aquilo por raiva e você SABE disso! Naruto, olha, eu não gosto de mulheres! Você é idiota? Eu não gosto de mulheres! COMO EU VOU TER NOJO DE VOCÊ POR ISSO? Você é estúpido?”, a voz dele subiu algumas oitavas de frustração.
“É, você não gosta de ninguém, Sasuke, nenhuma novidade até aqui, você não gosta de pessoas no geral, porque você é um imbecil!”, ele rosnou, frustrado, antes de suspirar e olhar para o teto por um momento. Sasuke não sabia o que falar para fazê-lo entender.
Os dois ficaram em silêncio antes dos olhos acinzentados voltarem a encarar Sasuke com dor e cansaço. Por um momento que Sasuke só conseguiu devolver o mesmo olhar.
Naruto balançou a cabeça em negação e se aproximou, meio receoso, encostando a testa em seu ombro. Aquilo estava se tornando um hábito entre eles, e Sasuke teve que se esforçar para manter os braços parados e não envolvê-lo. O sentimento de arrependimento que o acompanhou por tantos dias era insuportável agora.
“Olha, é... é tão difícil ter que conviver com vocês dois no mesmo corpo, Sasuke, e ter que adivinhar qual está me vendo. Em alguns momentos você consegue ser tão bom comigo, e por mais que você diga que não, esse é você. Você não é o cara que fala merda pra me magoar, Sasuke, é o que conversou comigo no hotel, é esse aqui de agora.”, desabafou desolado, e sua voz ia se tornando cada vez mais urgente. “Eu tô te vendo aí, eu tô, eu tô, você não é um ser que eu criei na minha mente pra chamar de amigo, você existe, Sasuke! Você tá bem aqui na minha frente e ainda assim eu não consigo te alcançar, Sasuke! Por que? POR QUE, SASUKE, POR QUE?”, Naruto socou seu peito algumas vezes com os dois punhos.
Doía ouvir isso porque sim, essa era uma parte dele, mas era ínfima, e não era o suficiente. Principalmente porque foi sua outra parte que tinha feito Naruto chegar àquele estado, e aquela parte sim fazia muito mais parte de Sasuke, era isso que aquele homem não entendia. Ele era nocivo e fodido, não tinha condições de ser a pessoa que Naruto esperava sempre.
Mas Karin estava certa? Estava tirando o brilho dele indo embora? Sasuke podia e devia ter ele por perto? Mas como?
O hálito de Naruto pinicava onde as lágrimas tinham passado e eles respiravam no mesmo ritmo. Sasuke, que não tinha se movido e ainda tinha os braços pendurados ao redor do corpo, ergueu a cabeça para o teto e fechou os olhos para conseguir falar.
“Eu não te odeio, dobe. Eu nunca consegui odiar você, pare de ser idiota.”, ele sussurrou com a voz ligeiramente instável.
Naruto levantou a cabeça de seu ombro dando um passo para trás e Sasuke preferiu manter os olhos fechados. Ele não queria encarar aquelas íris sem cor e sem vida cheias de ressentimento. “Então por que você não podia só ser assim? Por que você precisou me machucar tanto? Por que prefere deixar nossa última conversa ser essa? Você tem ideia de como é para mim te ver indo embora de novo, ainda mais desse jeito? Sem saber se vou te ver algum dia novamente?”, perguntou, e dava para sentir a respiração falhada dele caindo em seu rosto.
A profusão de sentimentos quase o fazia sufocar. Não sabia explicar o que estava sentindo, não conseguia falar nada que o deixasse satisfeito. Suas pálpebras se apertaram com mais força e ele subiu uma mão para amassar o tecido na altura do peito de Naruto, como se essa ação falasse por si mesmo.
Sasuke negou com a cabeça e soltou o ar. “É muito complicado.”, sussurrou, ainda sem abrir os olhos. Deus, como ele queria poder voltar no tempo. Se pudesse, teria deixado os Kages o matarem depois da guerra.
Mais um suspiro de mágoa de Naruto que o estilhaçava ainda mais. “Eu queria que você tivesse sido só o Sasuke, entende? Que você fosse só você, antes de ir embora. O que me deixa chegar perto, o que olha pra mim de verdade, e não com nojo e desprezo por causa do que viu na floresta, sendo que-”
Sasuke de repente abriu os olhos e o encarou com raiva. Sua mão pálida subiu para agarrar a frente da blusa dele e puxá-lo para esmagar suas bocas juntas. O olhar de Naruto se fixou no seu com surpresa e desespero enquanto Sasuke o beijava de olhos abertos sem dar chance para ele se afastar, abrindo a boca e deslizando os lábios de Naruto entre os seus com agressividade.
Não era possível que ele não ia entender depois disso. Não era possível que ele podia ser tão burro e não compreender que o problema não tinha nada a ver com ele ter beijado um homem.
Naruto não reagiu de primeira, claramente chocado. Ele não se moveu, apenas o encarou com confusão. Durou uma eternidade a troca de olhares entre eles, o preto no cinza, a incerteza na raiva. No segundo seguinte, Naruto fechou os olhos com força, o que permitiu que o próprio Sasuke deixasse as pálpebras caírem também.
Chapter 37
Notes:
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Chapter Text
Assim que suas pálpebras caíram e a escuridão o engolfou, o mundo se dissolveu ao redor de Sasuke, como se as bordas de sua consciência desmanchassem junto com o domínio sobre si mesmo. Não existia mais nada. Não existia razão, passado, motivos, a parede em suas costas ou sequer aquela ilha. Não havia mundo. Não havia nem Sasuke, sua própria existência parecia nula contra a única coisa que sobrou e encharcou seu cérebro.
Porque porra, ele estava beijando Naruto. Sasuke estava finalmente beijando Naruto, finalmente sentindo o gosto de Naruto. Havia a maciez dos lábios grossos de Naruto e a respiração trêmula de Naruto inundando seu rosto pela surpresa do ato. Foi o suspiro de Naruto que caiu em sua pele, e então eram aqueles mesmos lábios cheios que sua língua registrou quando pediu passagem.
Sasuke soltou a blusa de Naruto e se permitiu sentir o rosto dele com a ponta dos dedos trêmulos porque ele podia; a curva de sua bochecha marcada de lágrimas secas, os cílios sobre as maçãs do rosto, o queixo quadrado e o maxilar definido, e então seu pescoço, seus ombros largos, suas clavículas, seus braços fortes, sua pele macia, seus músculos firmes, e ele era tão perfeito pra caralho, tão incrível, tão palpável e real...
A sensação de opressão quase fez Sasuke desabar, e ele agradeceu pela parede em suas costas, porque se sentia em um terremoto. A ponta de sua língua brincou com a incerta dele em câmera lenta e tudo estava parado porque é claro que só existia Naruto, Naruto em seu rosto, em sua boca, sob as pontas de seus dedos... Sasuke achou que ia se afogar em todos aqueles sentimentos, todas aquelas emoções que irromperam do fundo de seu ser para engoli-lo de repente, e ele não fazia a menor ideia de onde tinham vindo e nem o que eram aquelas coisas fortes demais para terem um nome.
A única coisa que conseguia pensar no fundo de sua mente caótica e entregue era por que nunca tinha pensado em fazer isso antes; como Sasuke tinha passado todo aquele tempo sem sentir os lábios dele contra os seus, sem sentir o gosto e o cheiro dele se misturando em sua língua, sem a sensação de seus narizes que se esbarravam e sem a respiração dele, que se esparramava em sua bochecha pálida como se o próprio sol o beijasse.
Naruto, até então praticamente passivo no beijo, de repente correspondeu como se testasse o momento — a língua o buscando timidamente e correndo contra a sua, os lábios grossos se moldando aos seus enquanto as mãos dele se colocavam com suavidade nas laterais de seu corpo com incerteza. E quando o peso daqueles dedos hesitantes foi registrado em sua cintura, Sasuke sentiu cada uma de suas células arderem de uma forma que o fez fechar os olhos com mais força, até os cílios rangerem. Seu coração palpitava em seus tímpanos, rápido e forte. Naruto aos poucos parecia ganhar vida, aproximando-se devagar e puxando Sasuke calmamente para si como se isso não fizesse seu coração querer pular do peito e o ar fugir de seus pulmões.
Ele agora estava o beijando de volta, e seu estômago se agitou e torceu com a sensação, seu cérebro se encharcando de serotonina rápido demais ao notar esse fato. Era difícil respirar, pensar, porque tudo que conseguia fazer era senti-lo, e quando Naruto soltou um suspiro baixo e suave, o som fez Sasuke puxar o ar pelo nariz como se afogasse.
Sasuke, de repente voltando a si, quebrou o beijo, afastando-se, e encarou Naruto entre a surpresa e a incerteza. A primeira coisa que registrou foram os olhos — o cinza opaco tinha ganhado cor e se aberto em um topázio quente e vibrante, e Sasuke assistiu aquelas pupilas se contraindo contra o tom de azul mais bonito que ele já tinha visto. Entretanto, Naruto parecia muito hesitante e perdido quando deu um passo para trás.
“O que... Eu- Por que você...?”, perguntou ele, abalado e perdido. Sasuke sequer conseguia raciocinar enquanto se censurava por ter feito aquilo e voltava a si. Precisava se afastar agora, ir para o mais longe possível. Precisava ir embora. “Por que você me b-beijou? O que foi isso?”, ele indagou diante de seu silêncio, conforme se afastava de vez e o observava com olhos temerosos e ressentidos.
Sasuke saiu de seu transe e o fitou com raiva, percebendo que Naruto provavelmente já chegava a conclusões aleatórias, a julgar por sua expressão de mágoa e indignação. As sobrancelhas pretas imediatamente se juntaram em impaciência. “Naruto, que inferno, você não entende nada nunca! Eu sou gay, seu idiota. Eu nunca tive o mínimo interesse por mulheres, eu nunca nem olhei pra elas!”, exasperou-se, irritado. “E-eu não queria ter feito isso, foi só porque você não calava a boca sobre essa história e não entendia o que eu queria falar! Você se interessar por homens nunca foi uma questão para mim, eu disse mil vezes! Mas eu... O-olha, eu não devia ter feito isso. Foi um erro, você só me tirou do sério.”, disse enquanto negava com a cabeça de forma frenética e quase se achatava na parede.
O queixo de Naruto caiu ligeiramente e ele franziu a testa, dando mais um passo para trás. Demorou um momento para o homem falar alguma coisa. “Espera aí, como é que é?”, disse indignado. “Você é gay e achou que podia ficar-”, começou a falar, mas então parou. E parecia ter percebido algo, de acordo com sua expressão que mudava aos poucos. Ele encarou Sasuke sombriamente e a cor de seus olhos se perderam mais uma vez, esfriando. “Você não 'sente muito' por ter me beijado porra nenhuma! Você é só um imbecil que não sabe expressar nada e nem lidar com as coisas! É por isso que você ficou com raiva quando me viu com o Neji, não é? Foi por isso que ficou daquele jeito! Há quanto tempo, Sasuke?”, ele rosnou enquanto voltava a se aproximar incisivamente, o ar ao redor deles se agitando.
Sasuke, com o coração a mil e a cabeça caótica, o encarou com os olhos reduzidos a fendas, sem entender exatamente o que ele estava insinuando. “Há quanto tempo o que?”
O rosto de Naruto chegou ainda mais perto e ele tinha uma expressão de fúria crescente. Da mesma forma, a voz se tornou perigosamente baixa e áspera. “Há quanto tempo você sente isso por mim? Por quanto tempo você escondeu isso de mim?”
A cor sumiu do rosto de Sasuke e ele lutou para não desviar o olhar quando uma pedra de gelo caiu em seu estômago. Uma pedra de gelo que pesava uma tonelada, amassando seus órgãos e raspando suas entranhas. “Eu não sei do que está falando.”, murmurou sem convicção alguma em um sopro de fôlego perdido.
“Há quanto tempo, Sasuke?”, Naruto rosnou mais uma vez. “Há quanto tempo você sente isso? Há quanto tempo você tem infernizado minha vida por causa disso?”, disse mais alto ainda. Sasuke o fitava enquanto tentava organizar os próprios pensamentos, enquanto tentava coordenar a confusão que vibrava condensada abaixo da pedra de gelo. Entretanto, seu silêncio só irritou Naruto ainda mais. “Ótimo, você fez tudo do seu jeito até agora, mas vou te falar só uma coisa — chega dessa porcaria. Chega de ficar fodendo com a minha cabeça porque você não sabe lidar com as suas coisas. Eu não sei o que passa nessa sua mente fodida, mas eu cansei. Ou você fala comigo sobre essa merda, ou me manda embora, e se eu for, não vou voltar. Você agir igual um imbecil porque está tentando se encontrar, já é uma porra, mas foder comigo e com todo o resto porque é covarde demais para lidar com o que sente, isso já é doentio!”, vociferou, e então se afastou para caminhar até a porta a passos largos, batendo-a quando saiu. E Sasuke ficou ali, congelado contra a parede por um bom tempo.
A perna de Naruto passou direto pela cintura de Suigetsu e se encharcou quando ele virou água, e o homem riu antes de acertar um soco em seu quadril. Surpreso, ele deu dois pulos para trás, se esquivando.
“Pô! Isso não vale!”, Naruto protestou, e até Karin riu disso.
Eles estavam na varanda de frente para o enorme jardim que Juugo fez atrás da casa, e mesmo que o inverno fizesse a vista ser meio morta, ainda era bonito. Havia um pequeno chafariz no centro coberto com uma fina camada de gelo, árvores sem folhas e vários arbustos do que deveriam ser belas flores, mas novamente a estação tinha roubado essa visão dele.
“Claro que vale, se fosse uma luta real você ia fazer o que, desclassificar o cara que tá tentando te matar?”, retrucou Suigetsu com um sorriso cheio de dentes pontudos.
“Sim!”, Naruto respondeu indignado, e novamente Juugo e Karin riram dos dois.
“Você não é o cara que venceu a guerra?”, indagou o homem enquanto saía da posição de ataque e subia os degraus de volta para o alpendre onde os outros estavam.
Naruto o acompanhou com um beicinho. “As pessoas não cansam de jogar isso na minha cara?! Se você quer que eu use o Modo Kyuubi com você, é só pedir! Vem cá!”
Suigetsu riu mais uma vez e se sentou ao lado de Karin, ignorando a provocação. “Ah, então você só ia conseguir vencer com o Modo Kyuubi? Ou seja, sem sua raposa-demônio você ia perder essa luta?”, o sorriso dele se alargou, satisfeito.
As mãos de Naruto foram para os quadris e ele estufou o peito em indignação. “É claro que não! Só seria a forma mais fácil de eu ganhar, mas conseguiria te vencer de qualquer jeito.”, respondeu com uma carranca mal humorada. “Oh, cala a boca você também, Kurama!”, ele comandou em seguida quando a raposa concordou com Suigetsu em sua mente, e mais um coro de risadas ecoou pela área externa antes de Naruto sair da pose, sentar ao lado de Juugo e enfiar um bolinho inteiro na boca.
“Essa luta não teria durado cinco segundos se fosse contra Sasuke, você acabou de manchar o nome do nosso clã.”, comentou Karin com um olhar provocativo enquanto ajeitava os óculos com as pontas dos dedos compridos.
“Eu só não estou acostumado a usar Raiton, tá bem? Faz você, então, se é tão boa!”, ele respondeu de boca cheia.
Ela fez uma careta com a visão e revirou os olhos. “Não fui eu que desafiei o homem-peixe aqui para um ‘duelo mortal’.”
“Além disso, Karin não precisa de Raiton pra me matar, ela pode simplesmente começar a berrar na minha orelha, é por isso que eu já tô morto por dentro há anos.”, respondeu Suigetsu, e Karin deu um soco no braço dele antes de começar a esbravejar de cara feia.
“É isso todo dia.”, suspirou Juugo enquanto picava o pão em suas mãos e alimentava os quatro passarinhos que esperavam em sua perna. Um deles pegou a comida e voou para o ninho em uma das árvores lá fora. Ele voltou a fitar Naruto. “Foi bom você ter decidido ficar uns dias, Naruto. Por mais que sejamos nós três aqui, ainda assim é meio solitário. É bom ter visitas.”, murmurou com sinceridade.
Os lábios de Naruto se curvaram para cima ligeiramente. “Obrigado, Juugo, tomara que não esteja dando muito trabalho. Eu só preciso de um tempo para, hã, resolver algumas coisas com Sasuke.”, disse baixinho.
Juugo assentiu distraidamente, voltando a observar o céu. “Você pode ficar pelo tempo que quiser, não é problema nenhum.”, respondeu em seu tom baixo e calmo.
“Sim, até porque, se você tem alguma coisa para resolver com Sasuke, com certeza vai levar algum tempo, provavelmente alguns meses.”, provocou Suigetsu enquanto colocava a xícara usada sobre a bandeja de prata no centro da grande mesa.
Fazia quatro dias que ele e Sasuke tiveram a discussão no quarto e nenhum deles tinha visto o homem até agora, apesar de Karin afirmar ter sentido o chakra dele na cozinha depois que todos já tinham ido para os quartos. Naruto não se surpreendeu com isso — estava preparado para esse tipo de atitude no momento em que pressionou Sasuke sobre os próprios sentimentos, era previsível. Sasuke não lidava bem com as próprias emoções e isso não era novidade. Ele mesmo ainda precisava de alguns dias para processar tudo que tinha acontecido, para falar a verdade.
Sim, Naruto tinha se exaltado e talvez exagerado na forma como deu aquele ultimato, mas tinha ficado realmente fora de si ao entender o que estava o intrigando há semanas. A forma como Sasuke se aproximava e depois se retraía na hostilidade, o quanto ele tinha se tornado passivo-agressivo depois de vê-lo com Neji na floresta, o jeito que encarava Naruto com puro ódio e nojo no olhar, tudo isso agora fazia muito sentido.
Mas ter noção de que Sasuke fazia aquilo tudo por ciúme e negação o tirou do sério. Há quanto tempo Sasuke sentia aquilo por ele? Por quanto tempo pretendia esconder aquela merda?
Ele se perguntava isso, mas sabia a última resposta — pelo tempo que conseguisse. Se não tivessem discutido ao ponto de Sasuke sair do sério, provavelmente aquilo nunca viria à tona.
E por mais que tivesse dado aquele ultimato a Sasuke, não fazia ideia de como se sentia sobre ele. A única coisa que sabia era que, no momento em que assimilou os lábios daquele homem sobre os seus, algo mudou para ambos. Agora, precisavam lidar com isso. E é claro que Sasuke ia se afastar, porque aquele cara tinha sérios problemas de conexão com o mundo.
Uma enorme quantidade de percepção caiu assustadoramente sobre Naruto em questão de segundos no momento em que parou de beijá-lo e o ouviu, porque finalmente tinha conseguido ler a alma daquele filho da puta sequelado. Como uma lâmpada se acendendo em sua mente, foi capaz de entender tudo em níveis alarmantes — e tudo se resumia à dificuldade e ao medo que Sasuke tinha de se conectar com as pessoas e com o mundo.
Naruto não tinha a menor ideia de como foi a vida dele desde que tinha ido embora de Konoha, mas tendo conhecimento de como era Sasuke em sua infância, podia imaginar. Mesmo mais novo, dava para perceber a dificuldade que ele tinha em deixar as pessoas se aproximarem demais — emocionalmente, fisicamente, em qualquer sentido.
Talvez fosse uma das formas que Sasuke encontrou para lidar com o passado e não sofrer — sem laços com as pessoas ele não seria fraco, e foi o que ele tinha dito em um momento, que laços tornavam as pessoas fracas. Estar sem laços também significava não ter ninguém para perder, significava não estar vulnerável às merdas da vida, como a dor de perder as pessoas que ama em um massacre. Aquela também era a forma que ele tinha encontrado para não correr o risco de reviver aquela dor.
Naruto entendia isso em algum nível, ainda que ele mesmo não funcionasse desse jeito, afinal, a falta dos pais e a solidão só o fez se tornar cada vez mais carente de conexões, e ele fazia de tudo para ser notado. Durante a infância, Naruto implorava de várias formas para ser visto e acolhido, ainda que dissesse para si que não se importava com o que as pessoas pensavam; ele fazia o oposto do que Sasuke fez e fazia.
Por mais clichê que fosse dizer isso, Sasuke era o tipo de pessoa que precisava do amor, porque foi privado disso por anos ao ponto de agir como se fosse alérgico a ele atualmente. Ele era como Gaara tinha sido. Naruto podia muito bem deduzir a forma com que levou a vida enquanto esteve fora de Konoha — focado em seu ódio, na dor da perda do clã, no luto pela imagem do irmão que amava e, de muitas formas, no luto por si mesmo.
Nenhuma criança permanece viva de verdade ao ver os pais mortos, principalmente depois que Itachi fez aquela cena grotesca se repetir de novo e de novo na mente de Sasuke milhares de vezes. Ele era só uma criança de 13 anos, uma criança cheia de dor e perdas que seguiu o caminho que o fizesse sofrer menos, e daí vinha o ódio e a ira.
Isso Naruto entendia, porque ele teve muita raiva de muita coisa, ainda que de formas diferentes. E a raiva, em ambos os contextos, era uma dor imensurável canalizada para fora, então com certeza era menos doloroso. A raiva, em ambas situações, era a dor que eles conseguiram distanciar de si e jogar nos outros.
Naruto podia não ser o mais inteligente sobre as coisas da vida, mas conseguir a aceitação das pessoas e dos amigos permitiu que se tornasse bom em entender os próprios sentimentos e as emoções dos outros. Sakura tinha chamado isso de empatia uma vez, e também tinha dito que era uma habilidade pouco vista em ninjas, já que estavam acostumados a reagir às coisas fisicamente e a negligenciar os próprios sentimentos.
Bem, se empatia era conseguir se colocar no lugar dos outros e compreender as emoções deles, então Naruto tinha aquilo de sobra a ponto de insistir em Sasuke por vezes demais — algo do qual, no fundo, ele jamais tinha se arrependido. Porque, como dito, Sasuke precisava disso, precisava de alguém para não desistir dele. Precisava de alguém para amá-lo e curá-lo em algum nível, ainda que a cura em si dependesse exclusivamente do próprio Sasuke.
Em algum momento, Naruto esperava que Sakura fosse conseguir alcançá-lo e cumprir esse papel tão difícil, mas nem mesmo ela conseguiu. Não, quem fez isso foi Naruto, ainda que de uma forma fraternal — ele sempre esteve pronto para ajudar Sasuke a carregar seu fardo, sua dor e seu ódio em qualquer circunstância, e sempre estaria, apesar do que dizia quando estava com raiva.
E beijá-lo fez várias coisas dentro de Naruto estremecerem de uma maneira alarmante, porque nunca tinha olhado para Sasuke desse jeito. Quer dizer, é claro que tiveram alguns episódios estranhos, como o dia em que seu corpo reagiu com os toques dele, ou em um dos dias que acordou abraçado a Sasuke; mas a mente dele nunca o viu desse jeito. Naruto nunca olhou para aquele homem de maneira sexual ou sequer fora de qualquer nível de amizade, independente do que Sakura tinha dito.
Então, seria mentira se dissesse que não se arrependia de tê-lo pressionado sem pensar. Porque afinal, o que aconteceria se conversassem? Eles se resolveriam? Qual seria o veredicto?
Além disso, Naruto realmente não queria mais correr atrás dele, e duvidava que Sasuke fosse fazer isso também. Havia várias coisas a serem consideradas, e era difícil até mesmo para Naruto pensar sobre e assimilar, quem dirá para Sasuke, a negação em pessoa, despreparado como era para lidar com qualquer coisa emocional dos outros ou de si mesmo. Sasuke era perfeitamente capaz de entender sentimentos e ver através das pessoas, mas lidar com o que via ali era outra história totalmente diferente.
E sim, todos têm as próprias limitações, mas as limitações dele vinham em níveis alarmantes e até patológicos. Ele tinha realmente muita merda para trabalhar, e nem Naruto saberia por onde começar, principalmente depois de ignorar tudo desde a infância.
Porque não, ele não achava que Sasuke tinha processado de verdade as coisas pelas quais passou — se forçar a aceitar algo e dizer estar bem com isso porque não podia mudar o passado era um fato, e do jeito que aquele cara fazia, parecia mais estar tentando se convencer disso do que qualquer outra coisa. Saber algo e compreender aquilo eram coisas diferentes. Naruto soube por anos que não tinha pais e disse por muito tempo estar bem com isso, mas só conseguiu começar a lidar com essa parte de sua vida quando fez amigos e começou a ver Iruka, e mais tarde Kakashi e Jiraiya, como figuras paternas.
Ainda assim, aquele era o tipo de coisa que jamais seria totalmente curada, e ele entendia isso, convivia com isso e sofria por isso em alguns momentos, como deveria ser. Naruto ainda ficava indignado por ter sido privado de conviver com Kushina e Minato, ainda que os dois tivessem feito tudo que fizeram para mantê-lo vivo e para salvar a vila; ele ainda sentia um pouco de raiva deles em alguns momentos, mesmo que por poucos segundos, porque isso fazia parte, e estava tudo bem.
Mas Sasuke só repetia para si como um papagaio que o clã estava morto e que não podia mudar o passado, que aquela história não o definia. Não havia mentira maior.
“Bem, obrigado pelo chá, querem que eu leve isso?”, ele apontou para a bandeja de café cheia de xícaras, pratos e talheres usados, e Karin assentiu, então ele a pegou com cuidado. “Mais tarde eu volto para chutar a sua bunda, Suigetsu, você não perde por esperar.”, Naruto ameaçou com um sorriso enquanto se levantava com a bandeja. Suigetsu riu irônico e deu uma piscadinha brincalhona enquanto Naruto se retirava da mesa. Ele lembrava muito Kiba, tanto pela personalidade quanto pelos dentes pontiagudos.
Era quase familiar estar perto dele — aliás, os três o tratavam como um velho amigo ao ponto de se sentir totalmente à vontade entre eles. Era realmente um alívio, considerando que Sasuke nem esteve ali para mediar a comunicação entre o antigo time e Naruto. Não que Sasuke fosse mesmo fazer isso, agora que parava para pensar, porque mesmo que estivesse ali, o homem ia estar em silêncio e totalmente alheio à conversa.
Naruto atravessou o longo alpendre e passou pela porta de vidro que dava no fundo da sala de jantar, ficando de cara com Sasuke na cozinha aberta. O homem, que não vestia nada além de uma blusa de mangas curtas e um short, estava apoiado com os cotovelos no balcão enquanto comia em pé, com parte do corpo apoiado na bancada desleixadamente.
Os pés só com meias estavam cruzados na altura do calcanhar e Naruto não conseguiu definir se ele estava entediado ou pensando demais em alguma coisa enquanto levava os hashis à boca e mastigava devagar, encarando a parede do outro lado da sala. Sasuke pareceu surpreso ao ver que era Naruto ali, e seu rosto queimou em vermelho antes de abaixar a cabeça discretamente para a vasilha sobre o mármore escuro. Ele percebeu o quanto o cabelo negro de Sasuke estava comprido quando a franja lateral escorreu para frente e tapou quase completamente seu rosto esguio.
Naruto fingiu que seu próprio coração não estava prestes a pular da boca quando entrou na cozinha e caminhou até a pia sem olhar em sua direção. Tirou a louça da bandeja de prata com cuidado e abriu a torneira.
“Naruto, não precisa lavar as coisas!”, gritou Karin lá de fora ao ouvir a água bater na pia de metal.
“Fica tranquila, não é nada.”, ele lançou de volta com volume suficiente para a mulher conseguir escutar, antes de pegar a bucha e colocar detergente.
Começou a lavar as coisas devagar enquanto mantinha os olhos no que fazia. Em sua visão periférica, viu que Sasuke tinha terminado de comer e esperava disfarçadamente que ele saísse para poder lavar a vasilha que segurava, então Naruto estendeu a mão molhada para o lado sem encará-lo. O homem fitou sua mão por um momento e lhe entregou o pote, murmurando um “obrigado” que quase não foi ouvido.
Naruto não respondeu e continuou lavando as coisas em silêncio, uma inquietação se formando ali dentro. Sasuke passou por trás dele devagar e deu para ouvir uma gaveta se abrindo. Um momento depois, parou ao seu lado com um pano de prato limpo nas mãos.
Seus olhos se encontraram por um momento antes de Naruto começar a enxaguar as coisas e entregar para ele, que enxugou e separou a louça em pilhas. Então Sasuke guardou tudo nos armários em seus devidos lugares enquanto Naruto enxugava a própria mão no pano que ficava enganchado no fogão.
O homem seguiu atrás dele em direção ao corredor, mas se adiantou e entrou no próprio quarto. Naruto sequer parou; também foi até onde dormia, fechando a porta. Um suspiro sufocado foi posto para fora antes de começar a arrumar, contrariado, as roupas que tinha deixado jogadas em cima da cama. Sua mente fervilhava cheia de nadas pelas metades. Entretanto, um minuto depois, houve uma mínima batida na madeira, o que o fez levantar a cabeça com curiosidade.
“Tá aberta, pode entrar.”, anunciou.
E ali estava a última pessoa que ele pensaria em ver naquele momento, em suas roupas de ficar em casa e um livro embaixo do braço. Sasuke tinha o rosto levemente corado, mas sua expressão era muito neutra.
“Se importa se eu, hm, ficar aqui?”, ele perguntou em voz baixa enquanto encarava Naruto intensamente.
Seu estômago se aqueceu e torceu, mas ele meramente deu os ombros e voltou a arrumar suas roupas, de costas para o visitante. Ouviu Sasuke se sentar na poltrona ao lado do espelho e folhear o livro que carregava, o que Naruto também ignorou, apesar da surpresa. Estava curioso para entender o que estava acontecendo, mas não iria dar a primeira palavra ali.
Porém, depois de dez minutos, já não tinha mais o que arrumar. Então, girando nos calcanhares com expressão levemente contrariada e receosa, se sentou na cama de frente para Sasuke, que lhe lançou um olhar indefinido por cima do livro antes de sumir novamente entre as páginas.
“O que veio fazer aqui?”, Naruto se deu por vencido e murmurou em um tom um pouco mais severo do que pretendia, enquanto cruzava as pernas sobre o colchão.
Sasuke voltou a levantar o rosto, cujas bochechas magras agora estavam muito vermelhas, e deu os ombros. “Nada. Só vim ficar aqui.”, respondeu parecendo o mais casual possível, antes de voltar a se esconder no livro. Era muito estranho ver Sasuke anormalmente dócil assim, agindo como se sempre aparecesse para matar o tempo em sua companhia. Chegava a ser piada.
As sobrancelhas de Naruto se ergueram em descrença. “O que isso quer dizer?”, indagou desconfiado, cruzando agora os braços e fechando a cara.
Sasuke demorou um pouco para reaparecer dessa vez, e continuava com a mesma expressão de inocência contida, se é que era possível. Aquilo era totalmente o oposto do que Naruto conhecia dele, mas a visão o levou direto para o passado, para quando eram crianças e Sasuke acordava de bom humor e agia da mesma forma.
Era bem raro, mas acontecia. Ao mesmo tempo em que queria quebrar a máscara dele, tinha vontade de apenas aceitar sua presença ali, conversar amigavelmente e esquecer o resto da loucura que permeava tudo que tinha relação com eles, para variar.
“Quer que eu saia?”, ele perguntou simplesmente, juntando um pouco as sobrancelhas conforme se movia devagar, preparando-se para levantar.
À ameaça de Sasuke ir embora, Naruto sentiu o coração acelerar. “Não! Não foi o que...”, começou ele com urgência na voz, o que o fez parar e respirar fundo brevemente, fechando os olhos. “Não foi o que eu quis dizer.”, concluiu de maneira controlada. “É só que você nunca fez isso antes.”
O único olho visível dançava pelas expressões de Naruto avidamente, enquanto voltava a se recostar na poltrona. Sasuke não respondeu, apenas voltou a ler depois de observá-lo por alguns segundos.
Naruto desfez o cruzar de braços e pernas e se arrumou melhor na cama, balançando um pouco os pés. Sentia as palmas das mãos começarem a suar, apoiadas no edredom azul claro. Não sabia o que Sasuke estava tentando fazer, mas a curiosidade impediu Naruto de expulsá-lo de lá. Sabia que o correto era ignorar o homem até terem uma conversa decente, mas não conseguia afastá-lo naquele momento.
“O que você tá lendo?”, perguntou, ansioso para gerar qualquer interação.
“Hm, não sei ao certo. Me chamou atenção na estante e eu acabei pegando, mas por enquanto está bem confuso.”, murmurou ele, levantando o olhar mais uma vez. Parecia muito satisfeito em ter uma abertura ali, a julgar pela falta de monossilabidade.
Naruto sentiu um oco no estômago, como se pequenas borboletas estivessem lutando para sair. Aquele era Sasuke, o Sasuke que ansiou poder ver mais, o Sasuke pelo qual ele pediu e clamou vergonhosamente na última discussão deles.
Era impensável o fato de estarem conversando como velhos amigos enquanto o homem lia. Em outros momentos, Sasuke teria o mandado calar a porra da boca e dito para não atrapalhar, isso se não fosse apenas ignorado.
“Hã, o que aconteceu até agora?”, murmurou com curiosidade e cautela.
Sasuke lhe deu um minúsculo sorriso levemente torto que fez o coração de Naruto pular uma batida. “Um discípulo roubou toda a pesquisa de um alquimista e desapareceu.”, contou brevemente. “Ainda tem umas trezentas páginas pela frente.”
Naruto ergueu uma sobrancelha. “Isso é mais do que eu já li na vida toda.”, lançou com uma careta.
Sasuke deu outro mini sorriso antes de voltar os olhos para as páginas manchadas pelo tempo. Naruto suspirou e, depois de alguns segundos, se deixou cair para trás na cama, fechando os olhos claros.
Tinha vontade de continuar puxando assunto, fazer Sasuke falar, mas sabia que não devia. De fato, deveria estar ignorando-o. Sabia que aquela era a forma do outro tentar — apesar de Naruto não saber o que —, e mesmo que sua curiosidade fosse instigada, ainda estava muito irritado.
Sasuke sempre fazia as coisas do jeito dele, e Naruto não sabia o que nada daquilo significava — Ele tinha aceitado os próprios sentimentos? Estava tentando se aproximar de Naruto para ter uma chance de conversarem, ou apenas estava ignorando tudo que ocorreu na última discussão?
Agia assim por remorso, ou por que achava que poderia enrolar Naruto? Ele sequer ia falar sobre a última conversa que tiveram?
Com um suspiro cansado, Naruto se sentou novamente, criando uma coragem que não existia. “Sasuke, o que você veio fazer aqui de verdade? Vai falar comigo?”, pressionou, inflexível.
Quando o outro voltou a encará-lo, foi de uma maneira mais dura, apesar de Naruto já ter visto olhares menos calorosos vindos de Sasuke. “Não existe isso de ‘o que vim fazer de verdade’, Naruto. Eu só estou aqui, lendo.”, replicou severamente, como se o desafiasse a insistir mais.
Aquilo o irritou profundamente, porque sim, era exatamente o que previra: Sasuke estava fingindo que nada tinha acontecido e conversava com ele na esperança de adulá-lo, provavelmente sem nem pensar no que faria em seguida.
Naruto se colocou de pé no mesmo instante, lançando um olhar frio. “Então, não tenho porque ficar aqui. Já disse que, ou conversamos sobre o que você sente, ou vou embora. Você não-”
“Quem surgiu com essa história de ‘sentir algo’ foi você, não eu. Eu nunca disse que sentia qualquer coisa-”, interrompeu Sasuke, jogando a civilidade para o alto e usando um tom ácido que só despertou mais ira em Naruto.
“Ah, é claro, eu tenho certeza que você sai por aí beijando caras pra contar que é gay! Ou que fica com raiva quando vê eles com outro. OU AINDA,” Naruto prosseguiu em voz ainda mais alta, porque Sasuke ameaçava interrompê-lo de novo. “beija as pessoas do jeito que ME beijou. Aquilo não foi qualquer coisa, Sasuke!”, argumentou irritado.
O homem se colocou de pé também, o rosto escarlate com feições indignadas. “EU NÃO TE BEIJEI DE 'JEITO' NENHUM, NÃO SIGNIFICOU NADA, ERA SÓ PRA VOCÊ PARAR DE FALAR DAQUILO! VOCÊ CRIOU ISSO NA SUA CABEÇA, SOZINHO!”, exclamou, o livro agora esquecido na poltrona atrás dele.
Naruto o censurou com o olhar. “Ah, pelo amor de Deus, não é possível que você me subestime desse jeito! Você mesmo disse que ficou puto e que não era por ter descoberto meu interesse por homens, é óbvio que o problema foi me ver com Neji! E, aliás, por que veio aqui ‘ler’ no meu quarto, então? O que você tá tentando fazer? Se ‘não se importa’ como diz, por que-”
“Eu não disse que não me importava, também! Pare de colocar palavras na minha boca!”, retrucou o outro com as sobrancelhas juntas em ira.
“ENTÃO QUAL É A SUA? O QUE VOCÊ QUER DE MIM, SASUKE? ATÉ QUANDO VAI IGNORAR O QUE SENTE? ATÉ QUANDO VAI ENTERRAR TUDO? EM QUE MOMENTO VAI PERCEBER QUE AS COISAS QUE VOCÊ FAZ TEM CONSEQUÊNCIAS?”, exasperou-se, marchando em frente.
“NÃO ME FALE DE CONSEQUÊNCIAS! Eu sei sobre elas mais do que qualquer pessoa, eu VIVO de acordo com elas a minha vida toda, sei muito bem que absolutamente tudo que eu faço tem consequências, Naruto!”, enfureceu-se ainda mais.
“ÓTIMO, que bom que sabe! Então, agora, lide com as consequências do que você fez nestes últimos meses sendo um imbecil! Não vai ser fingindo que não aconteceu nada que você vai conseguir alguma coisa de mim! Mas que merda!”, cuspiu Naruto, virando-se e saindo do próprio quarto, deixando Sasuke sozinho mais uma vez.
O suspiro pesado quebrou o silêncio do quarto enquanto Sasuke se vestia sem prestar muita atenção. Ouviu as vozes distantes conversando animadamente.
Era a primeira vez que ele iria se juntar aos outros para o jantar — como sempre, Juugo tinha batido na porta há dez minutos e, sem abri-la, avisado que o jantar estava quase pronto, mesmo que Sasuke nunca tivesse aparecido. Foi quando ele se levantou para tomar um banho rápido.
No último minuto, quase desistiu — Naruto tinha sido totalmente intransigente durante aquela semana. A frustração quase o fez perder a cabeça várias vezes durante suas tentativas de aproximação, levando-o a sair de cena do nada para não discutir. Algumas destas cenas tinham sido presenciadas pelos outros, que pareciam achar muito interessante assistir as tentativas frustradas de Sasuke chamar a atenção de Naruto que, por sua vez, respondia apenas o necessário e não dava nenhuma abertura de interação.
Aqui havia dois problemas. Primeiro, Sasuke não estava acostumado a iniciar interações sociais, ainda mais quando não faziam questão. Segundo, ele lidava muito bem com pessoas ignorando ele, às vezes até preferia quando isso acontecia, mas não lidava nada bem com o sentimento de rejeição que a situação atual evocava.
Durante aqueles meses anteriores, quando Naruto começava a se distanciar, Sasuke automaticamente o deixava de lado também. Ele nunca pediu pela atenção de ninguém, normalmente era o contrário que acontecia. Provavelmente, por isso, cada vez que tentava uma aproximação amigável com o outro e era recebido friamente, sua fúria aparecia.
Não estava acostumado com a sensação da rejeição desse jeito, e era difícil não explodir com Naruto, mas Sasuke tinha conseguido se controlar. Quando percebia a raiva borbulhando em seu estômago, apenas se afastava.
Claro que o motivo de Sasuke estar fazendo isso era a discussão que eles tiveram há uma semana. Aquela em que Naruto desmanchou diante dele, pedindo por sua amizade pela última vez, pedindo qualquer tipo de conciliação antes de se separarem.
Ele devia isso a Naruto, principalmente porque era provável que não se veriam mais. Depois de tudo que fez ele passar, como poderia só mandá-lo embora? Enquanto Naruto decidisse ficar, Sasuke iria fazer o possível para se redimir um pouco e, principalmente, desfazer o mal entendido que tinha causado. Naruto não podia sair dali com ideias equivocadas.
Então, foi com esse pensamento que Sasuke abriu a porta, respirou fundo e caminhou lentamente pelo corredor comprido. A porta que dava para a sala estava aberta, e foi onde ele se ancorou silenciosamente enquanto vasculhava o ambiente com os olhos atentos.
Ali estavam à sua esquerda, no fundo da grande sala dividida em três espaços: os quatro sentados na mesa, enquanto Naruto conversava animadamente com Suigetsu e Karin, cujos cabelos podiam ser vistos acima do encosto das cadeiras. Juugo, ao lado de Naruto, comia em silêncio, observando a interação.
Sasuke sentiu uma espécie de ansiedade invadi-lo, algo que nem se lembrava de ter sentido algum dia — era como se fosse a criança nova no prédio se apresentando aos outros, ansioso pela aprovação. O ar se prendeu um pouco na garganta seca e ele, mais uma vez, tentou respirar fundo aparentando calma, ainda analisando se deveria desistir e voltar para o quarto enquanto ainda não tinha sido notado.
Entretanto, assim que esse pensamento ocorreu, Juugo percebeu sua presença ali e ergueu as sobrancelhas em surpresa. Sasuke não conseguiu dizer nada e tampouco se moveu, mas sentiu uma inquietação no estômago.
Em seguida, Karin se virou para vê-lo, o que fez Suigetsu imitá-la. O último a encará-lo foi Naruto, que imediatamente fechou um pouco a cara e voltou a atenção para o próprio prato.
“Ora, ora, olha quem resolveu aparecer ao invés de se esgueirar de madrugada pela casa! Nem montamos a mesa para você, achando que não ia vir pelo milésimo dia consecutivo!”, disse Suigetsu animadamente com um sorriso atrevido.
Ele se levantou e desceu o único degrau da plataforma onde ficava a mesa de jantar, atravessando agora a sala ampla e caminhando até Sasuke. Apenas isso pareceu demorar uma eternidade no silêncio que se seguiu, onde os passos largos fizeram um pouco de eco no grande espaço.
Ainda que não esboçasse reação, Sasuke se sentiu grato quando Suigetsu passou um dos braços por cima de seus ombros e o fez caminhar até a mesa, colocando-o sentado bem na ponta, entre Naruto e Karin.
Como um feitiço que se desfazia, o gelo foi quebrado quando Juugo se levantou para ir até a cozinha e pegar um prato e talheres para Sasuke, enquanto Karin sorria e lhe dava as boas-vindas com algum comentário qualquer que ele não registrou. Suigetsu foi se sentar novamente ao lado dela e rapidamente Juugo encheu seu prato, de alguma forma notando seu desconforto — que pela reação e tentativa de descontração deles, devia ser palpável.
Voltaram a conversar animadamente como se não tivessem sido interrompidos, e logo seus olhos caíram em Naruto, à sua direita. Ele estava em silêncio agora e o encarava também, mas voltou a atenção para a comida praticamente intocada assim que cruzaram o olhar.
Sasuke sentiu as bochechas esquentarem um pouco e as borboletas baterem violentamente contra as paredes de seu estômago antes dele se concentrar em comer, já que era a única coisa que podia fazer. Naruto voltou a conversar com os outros como se nem reconhecesse sua presença, o que fez Karin observar Sasuke com curiosidade.
Durante aqueles dias, os três anfitriões tentaram algumas vezes criar um clima de descontração entre ele e Naruto, quase como se estivessem o ajudando, e Karin e Suigetsu pareciam ser os mais empenhados nisso, ainda que não se metessem quase nada. De qualquer forma, ele tinha notado os olhos da mulher vagando entre os dois com curiosidade, apesar de Sasuke e Karin não terem conversado sobre isso diretamente.
“E então, isso tudo foi porque você pensou no que eu disse aquele dia?”, ela murmurou discretamente sob o volume alto das vozes de Suigetsu, Juugo e Naruto. Eles pareciam estar totalmente entretidos na própria conversa, mas Sasuke tinha esperança de que Naruto estivesse com um ouvido ali.
“Talvez. Mas ele é um idiota teimoso que prefere me ignorar e dificultar tudo.”, respondeu Sasuke no mesmo tom baixo, mas torcendo para que o outro o ouvisse e ficasse no mínimo irritado, depois de ter passado uma semana tratando Sasuke como nada.
Karin pegou a garrafa de vinho no meio da mesa e serviu a própria taça antes de encher a de Sasuke sem perguntar. Ela bebericou um pouco antes de percorrer os olhos cor de sangue pela mesa e discretamente ancorá-los em Naruto por um segundo, antes de voltar a atenção para Sasuke.
“Você fala como se não tivesse sido grosso o tempo todo. Eu te conheço bem o suficiente.”, ela respondeu em meio a um sorriso provocativo.
“Eu não fiz nada. Até tentei conversar, mas não vou ficar falando sozinho.”, retrucou, pegando a taça com cuidado e tomando um gole.
“É, acho que sim. Você é orgulhoso demais para isso, de qualquer forma.” A mulher ergueu as sobrancelhas e voltou a comer, fazendo Sasuke imitá-la com uma pequena carranca.
Suigetsu e Juugo contavam uma história cujo teor parecia de extrema importância para Naruto, que sorria, ainda que duramente. Ele parecia tenso, e Sasuke ficou satisfeito ao notar que sua presença ainda o afetava de alguma forma.
Porém, não tinha a menor ideia de como interagir ou de sequer chamar a mínima atenção dele, o que o fez apenas comer em silêncio enquanto o observava falar de forma afetada. Naruto parecia ciente da atenção, a notar pela tensão no pescoço e na mão que segurava os hashis, mas em momento algum ele olhou na direção de Sasuke.
Pelo contrário — parecia estar com pressa para terminar de jantar, a julgar pela rapidez com que comia. Karin agora tinha entrado na conversa deles e tentava fazer Sasuke se entrosar também, mas ele não tinha muito a acrescentar e sua atenção estava em Naruto ao seu lado, também praticamente em silêncio agora.
Depois de quase dez minutos, Naruto colocou os pauzinhos na mesa e suspirou, mas assim que abriu a boca, Suigetsu o cortou, decepcionado. “Pô, já acabou? O que aconteceu? Você sempre é o último a levantar...”, observou.
As bochechas com bigodes enrubesceram e ele limpou a garganta, constrangido. “Eu só tô cansado. Você sabe, ajudei o Juugo a limpar o quintal à tarde...”, ele se desculpou porcamente.
“Se isso te cansou, acho que Karin devia te checar pra ver se não tá doente, cara.”, ele respondeu achando graça, os dentes finos à mostra. Em sua visão periférica, Juugo e Karin se entreolharam rapidamente, incomodados com o clima constrangedor.
“Nah, eu também fiquei com sono por causa do vinho... Eu te avisei que não costumo beber.”, sorriu, levando a mão até a nuca em um gesto apologético característico. “Desculpa, eu realmente preciso ir me deitar. Não quero ser mal educado, mas tô com uma dor de cabeça...”
Os olhos de Sasuke percorriam Naruto com raiva agora. Pelo visto, sua presença ali era tão inconveniente, que o ele preferia se retirar antes de todos, o mais rápido possível, sendo que, aparentemente, sempre se demorava ali. Então era isso, agora além de ignorá-lo, Naruto também ia fugir como se ele fosse uma coisa asquerosa que o atrapalhasse.
Sem sequer pensar, Sasuke reagiu imediatamente, se levantando no ato. Sua cabeça estava mais leve que o normal depois de duas taças. “Pode deixar, já estou saindo, se é esse seu problema. Já terminei de comer.”, disse em um tom cortante e alto conforme pegava o prato claramente não terminado e caminhava até a cozinha, o jogando na pia. A louça tilintou quando bateu na cuba de alumínio como um gongo que selava a cena.
Naruto, tão surpreso quanto os outros, o assistiu contornar a meia-parede que dividia a cozinha da copa e atravessar a sala, sumindo no corredor que dava para os quartos. Seus passos pesados ecoaram no escuro, e quando sua porta foi fechada com mais força do que necessário, o barulho estalado flutuou até a mesa.
Espumando de raiva, Sasuke só se jogou na cama sem sequer acender a luz e arremessou longe as pantufas só com a força dos pés. Elas bateram pateticamente na parede e na poltrona, caindo uma para cada lado do quarto.
Seu grito de frustração foi abafado pelo travesseiro, que também saiu voando em seguida para bater no espelho e escorregar para o chão. Qual era o sentido daquele imbecil ficar ali, se ia ignorá-lo o tempo todo e sair de cena sempre que Sasuke se aproximasse?
Por que só não ia embora, então? Por que tinha que ficar lá, só assistindo-o se humilhar em tentativas ridículas de se aproximar, dia após dia, durante a semana inteira, depois de choramingar pateticamente pela perda da amizade deles?
Sasuke finalmente tinha chegado no limite. Estava de saco cheio de tentar fazer Naruto ficar satisfeito — ele se afastava para preservar tudo que Naruto amava e ainda saía de ruim da história. Se afastava para Naruto seguir em frente, e era tido como egoísta. Aceitou lutar por Konoha e por um mundo melhor a pedido de Naruto, e quando faz isso, é visto como um individualista que gosta de ficar sozinho.
Sua vida inteira se resumia a lutar por coisas relacionadas a outras pessoas — primeiro, seu irmão, e agora Naruto. Sasuke tinha decidido ficar vivo e ajudá-lo depois da Guerra, tinha se exilado, se afastado de tudo e de todos, feito missões em prol da paz do mundo Shinobi, tinha se arriscado por Konoha, ficou preso em privação sensorial durante um mês inteiro para pagar seus atos como Nukenin e, ainda assim, depois de tudo, ele era individualista, egoísta e egocêntrico. Ninguém tinha noção do quanto aquilo era solitário.
Nesse meio tempo, o imbecil não facilitou em momento algum, sempre exigindo sua atenção, sempre pedindo algo que ele não podia fazer pelo bem do próprio Naruto. O visitou na prisão, o cercou sempre que podia e, com isso, fez Sasuke sentir a falta dele, o que o levou a visitá-lo em Konoha esporadicamente, só para ser ignorado depois de um tempo e/ou ser recebido com hostilidade sem nem entender o porquê.
Depois, foi capturado, o que desestabilizou Sasuke por completo — a mera ideia de Naruto ser torturado já lhe dava ânsias de vômito, mas isso acontecer por sua causa o fez sentir ódio de si, porque devia ter protegido Naruto melhor. Afinal, se ele estava lá fora, era exatamente por isso. Tentou se redimir enquanto estava em Konoha cuidando do idiota, mas aquele cara fazia coisas em sua mente que Sasuke não conseguia lidar.
Era impossível lidar com o quanto Naruto o queria ali, o quanto tinha sofrido com ele longe, o quanto a presença de Sasuke o deixava em um estado de completa desordem, e o quanto isso era recíproco. Naruto sempre foi o único que conseguiu atingi-lo profundamente em qualquer momento, o único a quem ele era reativo desde sempre.
Foi o único que fez Sasuke voltar em Konoha para além de coisas relacionadas a missões, e o único que o entendeu em algum momento. O único que Sasuke deixava se aproximar de qualquer forma, e o único que era digno de sua confiança completa. O único de quem ele sentiu falta enquanto estava lá, sozinho, vagando pelo mundo.
E agora aquele mesmo imbecil estava com raiva dele e considerando-o um egoísta, tomando por egocentrismos todas as coisas que Sasuke tinha feito até agora, sendo que sempre foi por Naruto. Era exaustivo, ele só queria que aquele idiota entendesse que-
“Sasuke.”, veio o chamado abafado do outro lado da porta fechada, e seu coração deu um pulo dolorido. Isso não diminuiu a raiva que ele sentia, então Sasuke não respondeu. Seus olhos fechados se contraíram ainda mais antes dele se sentar e enterrar o rosto nas mãos finas e frias com um suspiro frustrado.
Mesmo com a falta de resposta, ele ouviu a porta abrir. Ouviu o roçar dos passos de Naruto no chão de madeira e, depois, um clique abafado quando a porta foi fechada. Novamente, passos, e um movimento mais próximo do que o esperado.
As mãos quentes e ásperas se fecharam cautelosamente em seus pulsos para puxá-los para baixo, e quando Sasuke abriu os olhos no escuro, Naruto estava agachado diante dele enquanto o observava preocupado, ainda que hesitante. As íris azuis-cobalto cintilavam na escuridão, observando-o diretamente depois de uma semana fugindo dele.
“O que você quer?”, Sasuke perguntou baixinho, e se surpreendeu com o tom amargurado e sentido que tingiu sua voz.
Notar o quanto, na verdade, não estava apenas irritado, mas magoado, fez seu estômago embrulhar. Aquele sentimento morno e turbulento que preenchia seu peito e seu esôfago não era raiva, apesar de ter sido mascarado por ela.
E ele não gostava de se sentir assim, exposto, vulnerável, à mercê de Naruto. De fato, sequer tinha reconhecido o quanto estava chateado até ouvir aquela inconfundível inflexão na própria voz baixa e fraca.
Isso também pareceu aturdir Naruto, que suavizou ainda mais o olhar, agora mais quente e arrependido. “Eu sinto muito. Não quis te deixar mal.”, murmurou aflito. A voz dele era leve, como se, depois de todo esse tempo, resolvesse se lembrar que Sasuke, afinal, era a porra de um ser humano.
Um gosto amargo encheu sua língua quando a raiva despontou mais uma vez, o fluxo de sangue fervendo em seu corpo repentinamente. “Ah, isso é novidade. Principalmente depois de passar uma semana me tratando como se eu fosse a última coisa que você quisesse ver e, agora, agir como se ficar no mesmo ambiente que eu fosse a pior coisa do mundo.”, retrucou amargurado.
Os cabelos loiros ondularam de leve no escuro quando Naruto negou com a cabeça e suspirou. “Você sabe porque eu tô assim, eu já te disse.”, lembrou. As mãos dele ainda estavam em seus pulsos como se ele tivesse as esquecido ali, a sensação quente e acolhedora como se sua aura reconhecesse a dele.
“Ótimo, então porque está aqui? Porque não me deixa sozinho?”, Sasuke levantou, o que fez Naruto soltá-lo para fazer o mesmo e o encarar sério.
“Porque... Porque eu fiquei... hã, você pareceu mais chateado que o normal.”, foi seu murmúrio encabulado enquanto seus olhos desciam agora para os próprios pés, só para depois voltarem a encarar Sasuke como uma criança que levava bronca.
Ouvir isso fez seu coração se apertar um pouco. Para ser sincero, estava surpreso com o quanto deixara sua mágoa vazar. Apesar do peso no peito, sua cabeça ainda estava leve, e a falta de luz intensificava essa sensação, principalmente com Naruto tão próximo dele, a presença familiar o envolvendo.
Naruto, que parecia tão preocupado e focado nele nesse momento, enquanto tombava a cabeça para vasculhar seus olhos de baixo como se esperasse lê-lo. Que estava tão próximo, que Sasuke podia sentir seus pés quase se tocando.
Que agora abria a boca como se quisesse dizer algo mas não encontrava palavras, a julgar pelos ombros que caíam. E agora, Sasuke pôde sentir a ondulação do ar quando o homem soltou um suspiro frustrado, ansioso para consertar pelo menos um pouco do que quer que tivesse deixado Sasuke chateado.
Era fácil se deixar levar por sua presença sólida naquele escuro calado e denso, agora que a atenção de Naruto tinha finalmente caído sobre ele depois de tanto esforço. Era fácil esquecer que fora dali existiam outras pessoas ou até mesmo problemas, quando Naruto estava tão perto.
Por mais que odiasse admitir, beijá-lo tinha mudado a forma com que Sasuke assimilava a proximidade dele, a forma com que percebia sua presença. Ele pesava sobre sua mente infiltrando-se em Sasuke por completo, envolvendo seu corpo, intoxicando seu chakra mais do que nunca como um sopro de oxigênio quente.
Como quando estava preso em Konoha sob privação sensorial e, depois de dias no limbo, tivesse surgido Naruto. Mas dessa vez era diferente, porque Sasuke podia ver seus cabelos dourados e olhos brilhantes, ouvir sua voz rouca e suave, e seus corpos estavam tão próximos, que ele podia tocar sua pele quente também, se quisesse.
Como se seu cérebro quisesse testar essa hipótese, sua mão se moveu centímetros para frente e encontrou um par de dedos ásperos, que se sobressaltaram ao sentir o toque repentino. Mesmo assim, o fascínio que cresceu em Sasuke foi por aqueles olhos que, mesmo no escuro, pareciam abismos de luzes profundas e etéreas o observando visceralmente; olhos onde ele poderia nadar se estivesse perto o suficiente, onde ele com certeza se afogaria, e ainda assim...
No segundo seguinte, Sasuke se inclinava para ele, sua mente nebulosa o impedindo de pensar. E então, era seu próprio suspiro que se derramava na boca que pairava a um centímetro da sua. A visão daqueles olhos claros cheios de se tornou esmaecida, o escuro crescendo lentamente, e quando Sasuke finalmente o alcançou, sua cabeça rodou com a expectativa concretizada, mesmo sem saber que queria isso desde que o viu ali diante de si, minutos atrás.
Seu coração se acelerou desordenado quando Naruto fez um ruído baixo e surpreso ao receber o beijo incerto, e Sasuke sentiu o lábio inferior macio dele com a própria língua enquanto seus dedos buscavam os dele superficialmente, tão leve que fazia cócegas contra suas próprias digitais. Sua mente se embaralhava por completo conforme seu corpo se aproximava de Naruto devagar, a demora dos movimentos tornando tudo irreal e longe do tempo.
E agora que tinha conseguido finalmente alcançá-lo, foi fácil saboreá-lo com calma, sentir o gosto dele novamente, se perder enquanto sua própria mente rodava no escuro. Mas, então, Sasuke sentiu a mão de Naruto subir para empurrá-lo na altura do peito, e o beijo se desfez tão rápido quanto começou. Confuso e repentinamente vazio novamente, ele saiu de seu transe e abriu os olhos pesados, como se acordasse de um longo sono.
“Q-que merda você acha que tá fazendo?”, Naruto sibilou, trêmulo, dando um passo para longe enquanto o encarava indignado. Sasuke meramente abriu a boca, surpreso demais para dizer qualquer coisa. Naruto já estava longe e segurava a porta aberta agora, parecendo irado. “Eu nem sei porque vim aqui. Depois de tudo, você ainda pensa que pode agir desse jeito, sem a consideração de, pelo menos, conversar. Vai à merda, Sasuke, você não vai ficar brincando de gato e rato comigo.”, ele cuspiu as palavras oscilantes antes de sair, e o som da batida forte ecoou em seus ouvidos.
Notes:
E ai, galera, tudo certo? Como vocês estão? Espero que bem!
Mais um capítulo pra conta, finalmente! A má notícia é que esse foi o último que eu escrevi ;-;
Espero que a história esteja compensando a paciência imensa de vocês, porque vou precisar dela mais do que nunca hahahahahaha não vai haver um hiato, quero deixar isso muito claro, mas as postagens vão ficar ainda mais incertas em questão de constância, meu processo criativo não é nada constante. Apesar disso, eu estou sempre aparecendo por aqui para ler os comentários que vocês deixam, então qualquer coisa, podem mandar mensagem!
Até o próximo capítulo e, como sempre, anseio pelos feedbacks. <3
Chapter 38
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
O vento gelado que chicoteava em seu rosto era muito bem-vindo, dando a sensação que ele ansiava — de fuga. De distância. Porque pela primeira vez em muito tempo, queria só não ter que lidar com nada, fingir que não existia coisa alguma acontecendo.
Ele flexionou as pernas fortes e pulou a maior distância que conseguia entre as árvores, e depois fez isso de novo e de novo. Estava escuro, mas ele não se importou. Hoje a escuridão era sua amiga, fazendo seu corpo se tornar invisível até para si mesmo, como se nem ele existisse, como se não passasse de uma mente vagando pelas folhas das copas de forma semiconsciente.
Ainda assim, não parecia ser o suficiente, porque mesmo deixando Sasuke para trás, ele ainda o assombrava vividamente. E isso vinha na forma de como seus próprios dedos ainda pareciam formigar onde tinham sido tocados, assim como seus lábios e seu corpo, entorpecidos pelo frio.
Ou na forma com que sua mente rebobinava sem cessar Sasuke, se aproximando tão devagar, que Naruto só se deu conta do que estava acontecendo quando sentiu a boca dele na sua. E em como se viu incapaz de tomar distância logo de cara, porque nunca, jamais imaginaria que Sasuke poderia fazer algo de maneira tão delicada. Ou na forma de como aqueles olhos hipnóticos e exóticos, que agora estavam gravados em sua própria retina, pareciam em transe enquanto se encaravam no escuro do quarto, a presença dele tomando tudo de Naruto, roubando até mesmo seu fôlego com a intensidade de tudo.
E ele se obrigou a reagir com raiva, porque era o que deveria fazer. Mas Naruto não estava com raiva. Oh, não; ele estava, na verdade, muito confuso e triste. Aquela semana tinha sido um completo tormento, com Sasuke se empenhando para demonstrar o que quer que fosse.
Ele, de seu jeito fechado e distante, tentou o que pôde para chamar sua atenção de qualquer forma — se sentava na sala durante a tarde quando Naruto estava lá com os outros, e lia seu livro em silêncio no canto do sofá, enquanto assistiam televisão.
Quando Naruto estava fazendo alguma atividade na casa para manter a mente ocupada e longe de Sasuke, ele aparecia com alguma bebida e silenciosamente a deixava à sua vista, saindo logo em seguida com nada além de um olhar e um aceno de cabeça. No dia em que choveu à tarde e Naruto estava dormindo, Sasuke bateu na porta de seu quarto com as roupas que ele tinha deixado no varal, dobradas cuidadosamente e organizadas por tipo para que ele pudesse guardar sem problemas.
Isso, sem contar as vezes em que tentou puxar alguma conversa, mesmo tendo respostas curtas e categóricas que não davam espaço para ele prosseguir. Várias vezes o homem só fechava a cara e se afastava, mas, no dia seguinte, lá estava novamente.
É claro que Naruto sabia o quanto aquilo devia ser difícil, entretanto, não podia se deixar levar por esse tipo de coisa, porque merecia uma conversa franca daquele imbecil. Sasuke não podia só beijá-lo e fingir que nada aconteceu, ainda mais depois da noite de hoje. Ele podia fingir que, da primeira vez, tinha sido só porque Naruto ‘não calava a porra da boca’ e ‘não entendia o que ele queria dizer’, mas qual seria a desculpa dele dessa vez? Que espíritos da ilha tinham o possuído?
É claro que só voltar para Konoha tinha passado pela sua cabeça, mas como? Como Naruto poderia ignorar o que aconteceu, principalmente depois dessa noite? Depois desse beijo? Ainda mais sobre Sasuke.
De qualquer forma, ainda que estivesse confuso, não iria fazer o mesmo que ele e fingir que não tinha se afetado. Naruto estava sim perdido, assustado, com raiva, indignado, e mais uma porção de coisas que não conseguiria nem nomear no momento.
Afinal, aquele era Sasuke. E todos sempre falaram o quanto Naruto era afetado por ele. De fato, como Sakura mesmo tinha dito, anos de sua vida giraram em torno daquele cara, de trazê-lo de volta, de ser visto por ele, de ser relevante para Sasuke.
E ele sempre o ignorou. Se Sasuke sentia algo por Naruto, quando começou? Ele já sentia isso antes, ou tinha começado naqueles meses que passaram juntos? Ou aconteceu nessa viagem? Foi quando o viu com Neji?
Com um suspiro, ele parou de pular e se sentou em um dos galhos, olhando ao redor. Talvez, se Naruto mudasse um pouco sua tática, as coisas fluiriam melhor. Mas agora, depois de hoje, já não sabia mais como agir sobre Sasuke. Nem o que ele significava.
As três batidinhas animadas na porta foram o que o acordou. Sasuke abriu os olhos com certa irritação, porque não tinha dormido nada bem naqueles quatro dias que se seguiram, depois de Naruto sair intempestivo do quarto. Lançou um olhar para a porta de vidro que dava para a pequena sacada e constatou que já era noite, o que foi um bônus — tinha conseguido dormir mais de três horas.
Houveram novas batidas seguidas da voz irritante e animada de Suigetsu, que o mandava “abrir a porra da porta” porque ele não ia sair dali. Sasuke revirou os olhos e se sentou na cama para jogar os braços para o alto e bocejar. Apesar de tudo, tinha dormido bem.
“Já estou indo.”, ele se viu obrigado a avisar quando houve mais uma sequência de socos na madeira. Os pés descalços fizeram sons abafados contra o chão e ele abriu a porta, levemente contrariado.
Suigetsu ignorou sua carranca e sorriu animado. “Percebemos que você estava na fossa e viemos te resgatar, você não consegue odiar o mundo de estômago vazio! Não aceito ‘não’ como resposta!”, exclamou.
Karin, atrás dele, revirou os olhos e cruzou os braços. “Você não precisa ser tão dramático sempre.”, resmungou antes de pousar o olhar em Sasuke. “Juugo queria fazer um piquenique noturno, então viemos te chamar. Eu sei que você não sai do quarto há uns dias.”, completou.
Sasuke automaticamente olhou para além de Juugo, parado atrás dos outros dois, e seu estômago se descontraiu ao não ver mais ninguém. Suigetsu deu um sorriso enviesado e ergueu uma sobrancelha antes de se inclinar para Sasuke em tom de segredo.
“Não precisa se preocupar, Naruto disse que não tava a fim, então vai ser só a gente.”, sussurrou baixinho com uma piscadela irritante.
Uma sensação de alívio caiu sobre seu corpo e Sasuke não se deu o trabalho nem de negar alguma coisa — não valia a pena tentar insultar a inteligência deles. Além disso, não tinha ânimo nem para fingir dignidade quando todo mundo já tinha percebido parte do problema.
“Vamos, Karin fez onigiri com atum para você. E a gente vai ficar no quintal do fundo, não precisa nem trocar de roupa.”, persuadiu Juugo do fim da fila. Ele não esboçava muita expressão, mas dava para perceber que estava preocupado.
Com mais um suspiro, Sasuke assentiu em derrota. “Tá bem. Podem ir na frente, eu encontro vocês lá.”, ele murmurou sem muito ânimo enquanto voltava o corpo para dentro do quarto e fechava a porta.
Ele foi distraidamente até o banheiro e pescou a escova de dentes. Seu estômago roncou com ferocidade, mas ele ignorou. Não era a primeira vez e nem a última que ficaria com fome, mas agora percebia o quanto tinha comido pouco naqueles dias — tinha se contentado com uma das pílulas secas de comida que achou no fundo da bolsa de viagem e só. Estavam duras e esfarelentas, mas ele não se importou.
Ainda assim, sentiu a pressão abaixar um pouco enquanto enxugava a boca com a toalha felpuda. Durante aquele período, tinha se levantado só para ir ao banheiro ou tomar banho.
O resto do tempo, esteve jogado na cama em um torpor estranho de desânimo e apatia que não sentia há tempos. Algo tinha mudado ali dentro.
Seu cérebro parecia exausto, Sasuke não pensava muito em nada, e quando Naruto surgia em sua cabeça, sentia um misto de intensa raiva e esgotamento, além de uma sensação estranha na boca do estômago.
Ele não fazia ideia de como tinha, pela segunda vez, beijado Naruto. Sequer percebeu o que tinha feito, só se dando conta quando o homem o afastou. O que eu estou fazendo?
Com um suspiro, a toalha foi enganchada em seu lugar ao lado da pia e Sasuke saiu. Caminhou até o corredor escuro, sem se incomodar em ir em busca das pantufas brancas que ainda estavam jogadas uma em cada lado do cômodo. Seu estômago se apertou ao passar pela porta do quarto silencioso de Naruto.
Era como se ele nem estivesse mais ali. Antes, Sasuke ouvia a voz dele pela casa em um momento ou outro, mas não durante aqueles quatro dias.
Não havia a risada dele vazando pelas frestas da porta que dava para a sacada, nem qualquer arrombo de energia, onde ele só começava a falar alto e vibrar no meio de alguma conversa com um dos três lá fora.
Sasuke atravessou a sala e foi até a porta que dava para a varanda do fundo. Os três anfitriões estavam há uns quinze metros da casa, sentados em uma grande toalha de mesa quadrada ao lado do chafariz. As únicas fontes de luz era a da grande lua que pairava no céu escuro e de uma lamparina de chão entre eles, que fazia as sombras parecerem mais esticadas, recortadas contra os feixes da luz alaranjada.
Em silêncio e descalço, caminhou na grama úmida e se sentou de frente para eles, cruzando as pernas. Havia uma bandeja grande no meio, cheia de sanduíches e onigiris.
“Bom, esses daqui são os de atum. Esses têm salmão, esses são de vegetais e frango, e os de cá tem anko, o esquisito do Suigetsu pediu. Os sanduíches são de patê de presunto com tomate.”, apontava Karin conforme enumerava.
“Obrigado.”, agradeceu baixinho antes de pegar qualquer coisa e comer em silêncio.
Sasuke podia sentir três pares de olhos sobre ele, mas não disse nada e nem os encarou. Queria só comer e voltar para o quarto, talvez ler alguma coisa para distrair a cabeça, ou até tentar voltar a dormir.
Com uma exclamação, Suigetsu, sentado entre Karin e Juugo, se colocou de pé e trotou de volta para a casa. Sasuke ouviu os ruídos sobre o barulho suave do vento, depois, o homem voltando a suas costas. No mesmo instante, percebeu Karin fechando a cara e fazendo alguns gestos cortantes em sua visão periférica, mas Sasuke só colocou outro onigiri na boca e mastigou devagar.
“Suigetsu-”, ela sibilou quanto ele se aproximou.
“Aaaah, para com isso Karin, a gente só tá se divertindo. Isso aqui tá parecendo um enterro, olha a cara dessa pobre alma desolada.”, exclamou o idiota enquanto apontava para Sasuke, que finalmente ergueu a cabeça com uma carranca e deu de cara com Suigetsu segurando duas garrafas bojudas e copos baixos. “Vamos lá, não seja rabugento. Pelos velhos tempos.”, ele encorajou enquanto lhe oferecia um copo vazio. Sasuke o fitou com o olhar levemente censurante, mas Suigetsu só chacoalhou o copo em sua direção com insistência.
“Suigetsu, pare de ser inconveniente.”, Karin avisou de cara feia. Juugo observava a cena em silêncio sem se envolver, como sempre, e estava de boca cheia.
“Como estou sendo inconveniente? Tô ajudando ele a relaxar. Vamos, cara, é só uma bebida. Pra você querer ficar enfiado naquele quarto por tanto tempo, deve ter muita coisa na cabeça. Eu tô te estendendo a resposta dos seus problemas.”, foi o argumento dele enquanto se sentava ao lado de Sasuke. “É só a gente aqui, não tem com o que se preocupar.”
“Você é insuportável, sabia disso?”, reclamou Karin, voltando a comer.
“Claro que sabia, é uma das minhas qualidades.”, retrucou com um sorriso torto e convencido.
Ele encheu o copo até a metade e colocou na frente de Sasuke, antes de fazer o mesmo com o outro copo e tomar um gole, estalando os lábios satisfeito. “Hmmm, esse conhaque é maravilhoso. Tenho certeza que você vai gostar, é coisa finíssima, meu parceiro.”, ele ergueu o copo de Sasuke e o estendeu com um olhar de súplica.
“Tsc.”, Sasuke deu um muxoxo antes de aceitar para fazê-lo calar a boca.
Talvez fosse bom beber um pouco, não é como se não quisesse uma desculpa para deixar tudo para trás por algumas horas. Ele não gostava de perder o controle de si mesmo, mas talvez fosse bom, para variar.
Estava esgotado e precisava de um tempo. Precisava parar de tentar entender o que tinha de errado com ele ao mesmo tempo em que era covarde demais para procurar a resposta; sua cabeça doía.
A bebida desceu e esquentou seu corpo rapidamente. Tinha um aroma de gengibre suave, não era ruim. Ele ergueu os olhos para a lua diante dele e virou o copo sem fazer careta, apesar do gosto forte e do ardor em seu nariz.
Karin censurou com a cabeça, mas não disse nada, e Suigetsu encheu-o novamente. O vento esfriava conforme a lua subia, mas a bebida esquentava seu corpo a cada gole. Em um momento, Juugo foi pegar um pequeno rádio, que ligou baixinho antes de se recostar na árvore atrás dele e chamar seus passarinhos. Karin aceitou um gole da bebida do copo de Suigetsu e se deitou há alguns metros na grama, observando o céu enquanto cantarolava junto com a música.
Cada um parecia estar em seu próprio mundo ali agora, o que fez Sasuke relaxar. Pela primeira vez em tempos, se sentiu à vontade ao redor daquelas pessoas. Se apoiou em uma mão e também fitou o céu escuro, cujas milhares de estrelas cintilavam.
“Sabe, eu e Karin estamos juntos agora.”, murmurou Suigetsu ao seu lado. Ele encarava o céu também, como se fugisse do seu olhar.
Isso fez Sasuke sair de seu torpor para virar a cabeça e sorrir um pouco, algo que não fazia há vários dias. “Hm. Fico feliz por vocês.”, disse sinceramente enquanto a brisa fazia seus cabelos voarem devagar para o rosto.
Suigetsu o fitou e abriu um sorriso maior ainda. “É. Já faz quase um ano. Ela é complicada e eu tô longe de ser o melhor, mas nos damos bem e nos acostumamos com o jeito um do outro. Pelo menos eu acho que ela parou de me odiar.”, ele riu baixo. “E, mais importante, acho que ela realmente parou de ter sentimentos por você.”, sussurrou, e os olhos claros dele escanearam Sasuke com certo embaraço.
“Tenho certeza que ela nunca teve sentimentos por mim. Estava obcecada pelo meu chakra, e acredito que isso tenha a confundido.”, respondeu baixinho depois de um momento em silêncio.
O homem relaxou mais ao lado dele. “Hmm, acho que sim. Faz sentido. Afinal, você tá aqui agora, e ela ainda tá comigo.”, a risada dele era soprada, e podia facilmente se confundir com o vento.
Sasuke assentiu e tomou mais um gole do copo. “Como eu disse, não acho que ela tenha sentido algo real por mim. Assim como Sakura.”, repetiu com um suspiro, equilibrando o copo no joelho levantado.
Suigetsu parou de sussurrar quando mudou de tópico, abrindo a conversa para os demais. “Pois é, Sakura acabou ficando com Naruto, não foi? Essa realmente me surpreendeu.” Suigetsu desarrolhou a garrafa e tornou a servir.
Sasuke pigarreou quando alguma coisa dentro de si remexeu de maneira incômoda. “É. Eles estavam juntos.”, respondeu, tomando outro gole.
“Como foi quando ela te viu depois de tanto tempo? Quer dizer, quando voltou para Konoha, depois que ele... você sabe. Foi capturado.”, perguntou com curiosidade.
Ele demorou um tempo para responder, porque não sabia se queria falar disso. Virou o copo antes de rodá-lo vazio na mão. “Não gostou nada. Me queria o mais longe possível, tinha medo da minha presença constante afetá-lo.”, resmungou.
“Bom, ela tinha razão, no fim, não é?”, intrometeu-se Karin, parecendo pensativa. Ela tombou a cabeça para observá-los com uma expressão distante e, apesar do comentário, Sasuke sabia que ela não estava tentando provocá-lo ou atacá-lo. Apenas declarava um fato.
Um bolo de coisas se alojou na garganta de Sasuke. Sim, Sakura tinha razão, ela tinha toda a razão do mundo. Ele devia ter ido embora o mais rápido possível quando leu aquela carta não enviada, nunca deveria ter permanecido em Konoha.
Mas a presença de Naruto tinha sido mais forte do que sua racionalidade. Ele tinha sido fraco. Porque Naruto fazia isso, o tornava fraco. O confundia. Assim como tinha feito há quatro noites.
Sasuke se levantou de um pulo, e então pegou a garrafa ao lado de Suigetsu, vazia pela metade. Os três fitaram-no, surpresos.
“Vou dar uma volta. Não precisam me esperar.”, avisou quase duramente antes de começar a caminhar em direção às árvores, cuja trilha terminaria nas fontes termais que Suigetsu tinha construído atrás da antiga prisão.
Seus pés descalços ficaram sensíveis contra a relva gelada, e a folhagem das copas enchia a floresta com o som de seus movimentos pelo vento incessante. Seguindo a trilha escura, seus passos agora estalavam gravetos secos e folhas mortas sobre a terra.
Já fazia algumas semanas que estava na ilha, semanas em que sua vida girava em torno de Naruto, assim como foram os meses que ficou em Konoha. E qual era o ponto?
Independentemente do que tinha acontecido até então, Sasuke ainda ia embora, e não pretendia voltar. Ficar perto de Naruto tinha se provado perigoso para sua sanidade. Ele não era capaz de funcionar direito perto dele e, de qualquer forma, tinha que prosseguir em sua redenção.
As árvores começaram a rarear e finalmente Sasuke chegou em uma clareira, onde se erguia um enorme prédio cor de concreto. Ao contorná-lo, viu mais um veio de árvores que emolduravam outra área, onde havia uma grande fonte termal ornamentada com pedras escuras. Se aproximou e acendeu as lamparinas com Katon antes de colocar a garrafa em uma das pedras da orla.
Depois, tirou toda a roupa, dobrando-a em um canto, e entrou. A água quente batia um pouco acima de seu quadril e ao se aproximar de onde tinha deixado a garrafa, notou que haviam pedras submersas que serviam de banco ao longo de toda fonte.
Sasuke se recostou ali e fechou os olhos, deixando as águas relaxarem seus ombros rígidos. De tempos em tempos, levava a garrafa aos lábios, agradecido pela sensação de entorpecimento que a bebida lhe oferecia cada vez mais.
Era bom ficar ali. Era silencioso.
Não que o silêncio não tivesse sido tudo que o acompanhou por aqueles quatro dias de reclusão, mas era melhor do que as perguntas de Suigetsu ou os comentários de Karin, que faziam Sasuke pensar em coisas demais. Com sorte, ninguém viria incomodá-lo, principalmente Naruto.
E agora, pensar nele lhe causou mais raiva do que antes. Sasuke não queria pensar nele, não depois de ter feito isso por dias, deitado naquela cama em silêncio, perdido no redemoinho que eram seus pensamentos. Estava cansado de remoer essa história.
Ele só tinha se deixado levar, foi o que aconteceu, ponto final. Naruto o confundiu, como sempre fazia.
Nesse ponto, precisava aceitar que tinha perdido totalmente o controle sobre si quando estava na presença de Naruto. Tudo bem, se precisava admitir isso, admitiria.
Mas isso não precisava significar nada; não precisava sentir nada por ele, não precisava existir sentimentos. Naruto era só uma pessoa que o desestabilizava por ser tão... familiar e magnético.
Porque não dava para negar, ele era extremamente carismático e espontâneo. E também, eles eram almas irmãs, o sol e a lua, o yin e o yang, o claro e o escuro — os opostos que se atraíam e, aparentemente, permaneceriam juntos. A proximidade fez as coisas se confundirem.
Além disso, Sasuke não podia deixar de lembrar do quanto tinham se dado bem durante a semana em que Naruto já tinha se curado, antes de Sakura terminar o relacionamento dos dois. Ele tinha ajudado Sasuke a limpar a casa, lavar a roupa, e o tinha acompanhado durante a busca dos documentos. Eles cozinharam juntos.
Eles comiam juntos, dormiam juntos, e Sasuke acordava ao lado dele toda manhã. Aqueles olhos foram sua primeira visão por muito tempo, inclusive. E ele se lembrava nitidamente do quão claro os olhos de Naruto eram quando ele acordava, o quão azuis eles podiam ser.
Podia ver em sua mente de forma tão cristalina quanto se ele tivesse gravado a cena com seu Sharingan — de como a pupila se retraía assim que a luz atravessava suas retinas, de como o azul se aquecia imediatamente, quando Naruto o fitava e sorria. De como isso fazia seu próprio estômago se contrair e aquecer por um segundo.
E ele diria um “bom dia, S’ke” rouco e abafado por um bocejo enquanto se espreguiçava, os braços fortes se levantando, os cabelos para todos os lados amassados em alguns pontos. Muitas vezes, aquela pequena cena seria o suficiente para fazê-lo se sentir mais leve o resto do dia. Mas isso não precisa significar alguma coisa.
Sasuke tombou a cabeça para trás, sorveu os últimos goles de conhaque e descansou a garrafa, agora vazia, pela última vez na pedra. O frio, que antes não estava ali, o envolveu apesar da água quente e, depois de quase uma hora, era só agora que se sentia realmente nu. Não porque estava sem roupas sob a água, ou por causa do vento que ululava entre as árvores, mas porque ele era vazio e inóspito, e em algum lugar ali dentro aquele fato se acentuou.
Seus olhos se fecharam com força quando puxou o ar devagar, mas isso não diminuiu o peso gelado em seu peito, nem desentalou sua garganta. Tampouco seu longo suspiro entrecortado surtiu efeito, além de aumentar a sensação de haver um vácuo ali dentro, um buraco profundo.
E ele estava tão cansado de se sentir vazio, de sentir seu coração batendo, oco, contra seu peito magro, como se não passasse de uma casca. Cansado de só se sentir realmente ele mesmo próximo de Naruto, como se a presença dele resolvesse tudo, sendo que na verdade, só complicava.
Seu nariz pinicou quando a lembrança de uma caneca laranja sobre um escorredor surgiu em sua mente. O que aconteceria com ela, agora que ele tinha ido embora? Se quebraria, quando Kakashi mandasse demolir o Distrito? Ficaria ali, se misturaria aos destroços de concreto como se nunca tivesse pertencido a alguém, significado alguma coisa?
Como se deixá-la ali não tivesse sido uma forma de fazer Sasuke sentir que Naruto não tinha ido embora de fato, na época? E aquela pequena lembrança inútil e agridoce, se esmaeceria com o tempo em sua mente, se juntaria às coisas esquecidas em seu cérebro junto com Naruto?
Sasuke sentiu a pequena e intrusa lágrima escorrer pela lateral de sua bochecha esquerda, o vento fazendo aquele minúsculo trecho molhado arder no frio, e soltou o ar devagar antes de limpá-la com as costas da mão, aturdido e chocado ao notá-la.
Ele não devia estar tão sentimental assim. Não devia ter bebido. E não devia ter saído. Não devia ter feito nada daquilo.
Com isso em mente, se pôs de pé mais que depressa, mas precisou se escorar nas pedras quando sua cabeça pesou. Com dificuldade, se secou com Katon e colocou a roupa, quase tropeçando ao vestir o short. Também foi preciso se apoiar quando se abaixou para pegar a garrafa vazia, e ele vacilou um pouco pelo perímetro apagando as lamparinas.
O caminho de volta foi lento e confuso — sua cabeça rodava um pouco e seus pés não o obedeciam de verdade. O vento frio fazia sua roupa se grudar contra seu corpo como um abraço gentil, mas nem isso afastou o sentimento estranho e emaranhado que o assolava.
O barulho de vidro tilintando contra pedra se infiltrou devagar em seu sono. Foi isso que o fez abrir os olhos azuis na claridade da sala antes de se espreguiçar, sentando-se no sofá fofo.
O relógio acima do móvel indicava que eram duas e quinze da manhã, o que significa que ele tinha cochilado por pouco mais de uma hora. A televisão fez um ruído irritante quando ele sacou o controle e a desligou antes de se levantar, calçando as pantufas e rumando para a porta que dava para o corredor.
E ali estava Sasuke, caminhando lentamente enquanto se escorava na parede, contornando o cômodo enquanto segurava uma garrafa cheia de um líquido âmbar. Ele parecia distraído e alheio à realidade conforme vagava descalço, seu cabelo úmido em alguns pontos fazia algumas mechas se enrolarem, e a camiseta estava ao contrário.
A testa de Naruto se franziu em confusão enquanto o estudava por um segundo. “Sasuke?”, chamou, desconfiado. O homem parou e olhou em sua direção claramente surpreso em vê-lo, ainda que Naruto julgasse estar perfeitamente dentro de seu campo de visão. Entretanto, algo em seu olhar fez Naruto erguer as sobrancelhas em descrença. “O que- Ei, você... você bebeu?”, indagou, sem saber porque aquela possibilidade era tão ultrajante em seu cérebro. Seu olhar se prendeu na garrafa, dando a devida atenção a ela, agora.
Ele pareceu pensar por um segundo, avaliando Naruto com um olhar amuado. “Estou bem. Suigetsu deixou essa lá fora.”, respondeu com a voz morosa enquanto indicava a bebida em mãos, os olhos fugindo. Aquela afirmação nem era uma resposta ao que tinha sido perguntado.
Naruto fitou a blusa ao contrário e os pés descalços, subindo para o cabelo desalinhado. “Você não parece muito bem.”, anunciou, incapaz de conter o tom preocupado.
Naruto nunca tinha visto Sasuke beber ou fazer qualquer coisa que o afastasse da realidade, e esse mero fato acionava alarmes estranhos em sua mente, além de perturbá-lo ao extremo. Era óbvio que Sasuke não estava lidando bem com o que estava acontecendo entre eles, e esse fato fez seu peito se apertar um pouco — é claro que Sasuke não era um ser desprovido de sentimentos, mas notar o quanto estava mal era surpreendente.
Apesar de seu estado, ele pareceu captar sua preocupação, e isso fez Sasuke abrir a boca um segundo, antes de fechá-la e olhar para os pés. Naruto podia quase ouvir o cérebro dele funcionando sob a névoa de bebida e confusão mental. Com um movimento letárgico, Sasuke foi até a mesa de centro e colocou a garrafa lá, que quase tombou, mas Sasuke a segurou no último momento e a ajeitou mais para o centro.
Incapaz de se conter, Naruto deu um passo em direção à ele. “Hã, você devia-”
“Preciso- Eu preciso falar com você. Podemos conversar?”, Sasuke perguntou de repente enquanto se endireitava, seu olho negro o fitando com uma determinação que não estava ali antes.
A dúvida de que qualquer coisa boa saísse de uma conversa com um Sasuke embriagado àquela hora fez Naruto erguer as sobrancelhas em descrença. “Você quer conversar agora?”, confirmou. “Às duas da-”
“Sim, tem que ser agora.”, Sasuke declarou, e algo em seu tom urgente fez Naruto ficar ainda mais preocupado. Era raro ouvir aquele tipo de inflexão nas sentenças daquele homem, parecia realmente importante.
Seu suspiro veio pesado. “Tá. Tá bem, vamos lá.”, respondeu apesar da contrariedade, indicando o corredor com um movimento da cabeça.
Sasuke assentiu devagar, caminhou para a porta e, escorando com a mão na parede, caminhou pelo corredor devagar. Naruto sentiu o estômago se revirando em ansiedade e expectativa, afinal, não tinha sido chamado para conversar em momento algum durante aquelas semanas.
O homem entrou no próprio quarto com Naruto em seu encalço. A luz que vazava pela porta de vidro semi-aberta da sacada fazia o lugar parecer quase monocromático e, sem olhar para trás, Sasuke marchou para o banheiro e ligou a luz de lá. Naruto, sem saber como agir, parou em pé diante da cama, esperando.
A silhueta de Sasuke passou pela nesga de luz amarelada que vinha do banheiro claro e ele o viu parar diante da pia para escovar os dentes. A forma quase agressiva com que jogou água no rosto em seguida era perturbadora, como um homem desamparado buscando uma ínfima sensação de controle sobre si, e isso fez Naruto se virar de costas para ele. Parecia indecente assistir Sasuke Uchiha tão descomposto, depois de meses tendo a certeza de que ele tinha controle de toda e qualquer situação.
A luz do banheiro permaneceu acesa conforme Sasuke se encaminhava para a cama diante de Naruto, sentando-se na penumbra. No mesmo instante, a ideia de que aquela situação toda era intencional piscou na mente de Naruto, e isso o fez cruzar os braços e fitá-lo severamente.
“Antes de qualquer coisa, só me responde: você bebeu só pra falar comigo?”, indagou incisivo.
O outro negou com a cabeça em um movimento solene. “Não, foi porque Suigetsu ficou insistindo, eu não bebi só para falar com você. Eu não queria beber.”, respondeu firmemente, embora ainda parecesse distante de si.
“Então por que quer conversar agora? Não pode esperar até amanhã, em um momento em que você estiver mais sóbrio-”, ele começou indignado, os braços ainda cruzados.
“Eu não quero fazer isso mais sóbrio, Naruto. Você acha que tudo é tão simples. Que tudo é tão fácil.”, Sasuke acusou com uma careta de desgosto, enquanto observava os arredores, fugindo de olhar para Naruto.
Seus braços cruzados se contraíram com mais força no peito e as sobrancelhas loiras subiram em sua testa. “Eu nunca disse que era simples ou fácil.”, discordou com irritação. “Aparentemente, nada que tem a ver com você é alguma dessas coisas. Mas eu quero que você converse comigo com sua cabeça no lugar.”, expôs amargurado. “Quero que você converse comigo totalmente cons-”
“Você não entende que isso não é possível?”, Sasuke elevou um pouco a voz e o encarou com raiva pela primeira vez, o queixo se erguendo um pouco.
A resposta imediatamente trouxe um amargor para sua língua, e a expressão de Naruto se abriu em uma mistura de repugnância e indignação. “Por que não?”, vociferou, dando um passo para frente, as mãos fechadas em punhos agora. “Por que é tão difícil conversar comigo? Por que você tem que estar desse-”
“PORQUE DÓI, NARUTO.”, Sasuke explodiu de repente, colocando-se de pé enquanto vacilava. “Dói fazer o que é certo, ir contra tudo que eu quero, contra o que você queria, dói ter que te mandar embora e me afastar! Por que você nunca entende nada? Por que precisa jogar para cima de mim a responsabilidade de tomar a decisão certa? POR QUE SOU EU QUE TENHO QUE TOMAR AS DECISÕES CORRETAS E DIFÍCEIS POR VOCÊ?”, desabafou frustrado.
Seu cérebro levou dois segundos inteiros para processar tudo que tinha sido dito, e ainda não conseguiu compreender totalmente o que Sasuke queria dizer. Mesmo assim, a mera ideia de levar a culpa pelas loucuras dele fez seu corpo esquentar com a ira que escalou por seu peito.
“QUE CARALHO VOCÊ TÁ FALANDO?”, exigiu mais alto, transtornado. “Meu Deus, de onde você tira essas merdas? Ninguém pediu pra você tomar decisões por mim! Eu não pedi pra você fazer isso! A única coisa que eu pedi foi pra você falar comigo sobre o que sentia e parar de me fazer de idiota!”, exclamou, fazendo seus punhos se apertarem ainda mais enquanto o perfurava com os olhos em fúria.
Sasuke, ainda em pé, chacoalhou a cabeça em negação um pouco devagar demais. “Eu não tô falando dessas semanas, Naruto! Eu tô falando de você insistir em me fazer voltar quando sabe que eu não posso! Você acha que sabe o que se passa, mas não sabe de porra nenhuma! Você não tem ideia do quanto é... do quanto é difícil ter que me afastar enquanto você fica tentando me puxar de volta!”
“Por que, se você deixou claro o tempo todo que não queria minha presença? Que iria embora independente de qualquer coisa? Porque de repente é tão difícil se afastar?”, perguntou Naruto quase gritando, erguendo os braços.
“PORQUE EU NUNCA QUIS ME AFASTAR, SEU IDIOTA! EU NÃO FICO LONGE DE VOCÊ PORQUE ‘TE ODEIO’ OU PORQUE EU QUERO, EU FICO LONGE DE VOCÊ PORQUE SEI QUE É O QUE EU TENHO QUE FAZER PRA VOCÊ CONSEGUIR VIVER EM PAZ! É O QUE EU TENHO QUE FAZER PRA AQUELA MALDITA VILA QUE VOCÊ TANTO AMA NÃO SER ATACADA! É O QUE EU TENHO QUE FAZER PRA VOCÊ NÃO SER ARRASTADO PRA MINHA MERDA!”, ele berrou de volta, sentando-se novamente sobre a cama desfeita. Suas mãos foram para o rosto fino e ele respirou fundo, como se pudesse desabar a qualquer minuto.
Mas Naruto não lhe deu chance, sua indignação era maior que qualquer outra coisa. “Você só pode tá de sacanagem! EU NÃO QUERIA VIVER EM PAZ, EU QUERIA VOCÊ LÁ COMIGO! As coisas não precisam ser tão complicadas, Sasuke! Você não precisa tomar decisões por outras pessoas pra proteger elas! EU escolhi ir atrás de você durante aqueles anos, FUI EU! Eu escolhi você por anos, todos os dias, todos eles, todos! Eu sempre escolhi você!”, ele bateu no próprio peito com força, o som oco ressoando no vazio do quarto escuro, seu nariz pinicando com a carga de sentimentos. “E nesse tempo que moramos juntos, podia ter falado comigo sobre tudo isso! Você teve três malditos meses pra falar comigo sobre qualquer coisa, mas decidiu tomar TODAS as decisões sozinho!”, cuspiu.
Sasuke deixou cair as mãos no joelho e novamente estava irritado, a expressão tempestuosa e encolerizada. “Eu não torno as coisas complicadas, você que simplifica demais! É claro que eu decidi tomar todas as decisões, você escolhe todas as erradas, desde sempre! Se tomasse as decisões certas, não teria ido atrás de mim! Não teria perdido a porcaria de um braço na nossa última luta na tentativa de me derrotar sem me matar! E se tomasse as decisões certas-”
“SE EU TOMASSE TODAS AS DECISÕES QUE VOCÊ ACHA CERTAS, VOCÊ NÃO ESTARIA AQUI COMIGO! SE EU NÃO SEGUISSE A MINHA CABEÇA, VOCÊ TERIA MORRIDO! TERIA PASSADO SUA VIDA INTEIRA SOZINHO, E DEPOIS, MORRIDO PELAS MINHAS MÃOS!”, vociferou enquanto apontava para a porta fechada do quarto, seu coração acelerado e dolorido batendo ferozmente em seu peito.
Sasuke, da cama, abriu os braços e sorriu com escárnio, como se apresentasse um show de horrores. “EU ESTOU SOZINHO AGORA, NARUTO, VOCÊ NÃO ENTENDE? EU SEMPRE ESTIVE SOZINHO, ISSO NUNCA MUDOU!”, anunciou.
Foi com muito esforço que as lágrimas que alcançaram seus olhos azuis não escorreram ao ouvir tais palavras. Por mais que desconfiasse que Sasuke se sentisse dessa forma, ouvir isso assim abria um talho em seu peito — mesmo com tudo que tinha acontecido, umas de suas prioridades da vida tinha sido deixar claro que ele não precisava estar sozinho, se não quisesse.
Naruto esteve ali o tempo todo, sangrando, carregando o peso daquele laço desprezado, aguardando o momento em que poderia entrar em cena, esperando Sasuke voltar. E mesmo assim, aquele homem preferiu viver de outra forma, preferiu ignorar todos que o quiseram ao seu lado.
Naruto balançou a cabeça devagar, recobrando o controle. “Você se colocou nessa posição. Eu tentei o meu máximo pra te trazer pra perto, tentei o possível, e tudo que você fez foi me afastar e dizer o quanto queria que eu fosse embora, o quanto eu atrapalhava sua jornada, o quanto queria ficar sozinho, só pra depois, do nada, eu descobrir seus reais sentimentos por mim. Não me culpe pela sua covardia.”, sua voz tremeu com a emoção mista presa em sua garganta. “Não vem dizer que toma essas decisões por uma causa nobre, você faz isso porque é covarde demais pra lidar com o que sente. É covarde demais pra aceitar que não tem controle sobre os próprios sentimentos. VOCÊ SIMPLESMENTE ARMOU ESSA COISA TODA PORQUE TEM MEDO DE SE SENTIR VULNERÁVEL! PREFERIU FODER COM A MINHA CABEÇA DO QUE ADMITIR O QUE SENTE, FEZ TUDO ISSO PORQUE TEM MEDO, SASUKE!”, Naruto rugiu, e nem mesmo percebeu as lágrimas quentes que finalmente desciam por suas bochechas.
“E O QUE VOCÊ TERIA FEITO NO MEU LUGAR, ME DIZ?”, a expressão de Sasuke de repente caiu em ansiedade quando ele perguntou isso esbaforido.
A angústia do outro apenas o deixou com mais ira. “EU, NO MÍNIMO, NÃO TERIA PREFERIDO ACABAR COM A SUA SANIDADE POR CAUSA DA MINHA COVARDIA, SEU IMBECIL DE MERDA! EU NÃO TERIA FINGIDO QUE NÃO SINTO NADA-”
“EU NÃO FINGI NADA, EU NÃO SEI O QUE EU SINTO, NUNCA SOUBE!”, ele se colocou de pé no calor do momento, cara a cara com Naruto enquanto seu peito subia e descia pela adrenalina.
O homem parecia tão surpreso quanto Naruto pelo que acabara de admitir, e Sasuke imediatamente deu um passo para trás, fechando os olhos com força enquanto levava a mão até a testa. O coração de Naruto quase vibrava no peito, e ele não conseguiu reagir diante de tal coisa.
Quando Sasuke deixou cair o braço e o fitou cansado, sua resposta veio em um murmurar contrariado bem mais baixo do que o tom de conversa anterior. “Olha, você realmente acha que eu sou assim porque eu quero? Acha que eu entendo o que eu sinto? Que eu infernizei você conscientemente, que eu decidi cada ato que te fez mal, Naruto?”, sibilou com as narinas dilatadas. Naruto podia sentir o hálito de álcool com pasta de dente de menta. “Acredite em mim quando eu digo que te fazer mal era a última coisa que eu queria.”, disse amargamente conforme entrava em seu espaço pessoal sem notar. Ele deixou o ar sair e o fitou com expressão grave. “Na última vez que te visitei em Konoha, você me perguntou porque eu me dava o trabalho de ir até lá.”, lembrou, cara a cara com Naruto.
Seu rosto se contorceu em desprezo. “Eu me lembro bem, você disse que não sabia. Você nunca sabe.”, cuspiu a resposta amarga, olhando dentro dos olhos de Sasuke acusatoriamente.
O monstrinho que acreditava ter enterrado, de repente cavou em seu peito sem piedade. As lágrimas que antes caíam já tinham secado, deixando uma sensação estranha em sua pele.
Sasuke negou com a cabeça de maneira quase imperceptível. “Era mentira. Eu me dei ao trabalho porque me importo. Mas eu nunca precisei analisar o que isso significava, ou o que eu sentia.”, murmurou lentamente. Sasuke ficou em silêncio por mais um momento, como se o analisasse de forma profunda antes de tomar uma decisão. Por fim, suspirou e deixou as pálpebras caírem por um segundo antes de voltar a fitá-lo com expressão de esgotamento. “Depois de todos esses anos, mesmo depois de tudo, ‘voltar’ era sinônimo de ir até você. Eu nunca tive um lugar pra onde voltar, tinha uma pessoa. Eu não voltava para Konoha, voltaria para qualquer lugar onde você estivesse. Você é a minha casa, Naruto, é assim que tem sido nos últimos anos. E eu achei que você soubesse disso.”, confessou com a voz trêmula e fraca.
O coração de Naruto perdeu um compasso antes de se acelerar, fazendo suas mãos tremerem. Em algum lugar ali dentro o ar estava entalado, tão trêmulo quanto seu corpo, e mais uma vez seus olhos embaçaram. O calor que percorreu sua pele veio tão rápido que Naruto se viu soltando o fôlego de maneira entrecortada. Você é a minha casa, Naruto, é assim que tem sido nos últimos anos.
Ouvir essas palavras, assimilá-las em sua consciência depois de tanto tempo buscando qualquer ínfima confirmação delas, era como um repentino soco no estômago — não por ser ruim, mas por ser totalmente inesperado. Nada ali dentro parecia conseguir comportar o que Naruto sentia, como se uma pequena barragem de galhos tivesse recebido a tarefa de segurar o arrombo violento de uma cachoeira turbulenta e desgovernada.
“O- o que?”, sussurrou entorpecido e zonzo em uma lufada de ar, suas bochechas se aquecendo com a surpresa.
A expressão de Sasuke caiu um pouco mais diante dele, os olhos brilhando com receio estampado, e ele não deu chance para Naruto se recuperar, prosseguiu baixinho depois de puxar o ar lentamente. “Eu jamais te machucaria de propósito, mas fui egoísta. Nunca devia ter ficado em Konoha, devia ter ouvido Sakura e ido embora. Tive medo de te afetar com a minha presença, mas nunca levei em consideração a forma como eu me afetaria estando tão perto de você o tempo todo. Tentei- Tentei manter distância de tudo que podia, de você... de mim mesmo. Coloquei na cabeça que estava ali porque era meu dever, mas hoje eu sei que estava ali porque... porque queria você por perto.”, admitiu com a voz rouca e hesitante, ainda que não fugisse de seu olhar nenhuma vez. “Fingi pra mim mesmo que estava ali porque você precisava de mim, mas não era só isso.”, falou quase em um sussurro, tão perto que Naruto podia contar as linhas de seu Rinnegan.
“S-Sasuke- o que você- o que-”, Naruto engasgou com os lábios trêmulos.
Ele negou com a cabeça devagar, seus olhos se tornando cada vez mais ansiosos indo de um lado para o outro em seu rosto. A mão fina subiu hesitante como se não soubesse onde ir, só para cair novamente ao lado do corpo quando ele abriu e fechou a boca com incerteza. “E-eu nunca- Eu nunca analisei o que você significava, ou o que eu sentia. Pra mim sempre foi do mesmo jeito, eu nunca... nunca precisei categorizar isso. Em momento algum olhei diferente pra você, ou senti necessidade de questionar qualquer coisa que tivesse a ver com você, porque sempre foi diferente pra mim. Você nunca esteve em um lugar comum pra mim, e eu estava acostumado com isso.”, foi seu murmúrio.
O coração de Naruto parecia pronto para pular de sua boca e se espatifar no chão do quarto, e ainda assim ele não teria interrompido ou desviado os olhos do rosto de Sasuke, que se expunha de uma forma que Naruto nunca imaginaria ser possível.
O homem puxou o ar mais uma vez, o suspiro profundo e quente inundando o rosto de Naruto. “Eu... Eu sempre odiei pessoas querendo se aproximar de mim em qualquer sentido. Odiei cada ser humano que tentou, porque eu sempre significava as coisas erradas para eles. Eu significava poder. Significava um sobrenome, significava beleza. Até mesmo Orochimaru me desejou enquanto eu crescia, não só... como um receptáculo. Ele me vigiava, se esgueirava até o meu quarto, e arrumava pretextos para me tocar de formas que pareciam inocentes, mas eu sabia que não era. Ele me desejava, e tudo isso fazia eu me sentir sujo, invadido e vulnerável; se em algum momento tentasse me atacar, eu não teria poder o suficiente para detê-lo. Foram anos onde eu precisei estar ciente de tudo ao meu redor, e não podia confiar em nada nem ninguém. Depois da Guerra, fora de Konoha, homens e mulheres me faziam propostas de todos os tipos quando descobriam quem eu era, tudo por causa do meu sobrenome.”, contou umedecendo os lábios. Naruto sentia o estômago despencado embrulhar, o calor da ira ganhando espaço dentro de si ao saber daquilo tudo, mas ele não interrompeu. “No fim, eu era só... um corpo. Um cara atraente, o Último Uchiha, a merda que fosse, mas nunca eu mesmo. Se alguém colocava os olhos em mim, era com o intuito de me dominar, usar de alguma forma, como um troféu bonito e brilhante, fosse sexualmente ou por causa de poder ou status, coisas que eu nem tenho de verdade. Eu nunca- eu-”, ele deu uma pausa com a voz um pouco mais fraca agora, os olhos inseguros mirando Naruto.
“Você foi um dos poucos que me viu. Um dos poucos que quis se aproximar sem ganhar nada em troca, sem tirar algo de mim. O único que fez isso sem obrigação alguma, e continuou mesmo depois de tanta merda. Mesmo depois que eu fui embora, depois de tudo que eu disse e fiz. Não existe uma gota de maldade em você. E é por isso...”, ele buscou ar novamente, procurando coragem. A respiração já insuficiente de Naruto se prendeu também em antecipação. “...que a única pessoa que eu deixei se aproximar em qualquer sentido, foi você. Mas eu não senti necessidade de analisar isso em momento algum, ou de me perguntar o que significava, porque sempre foi desse jeito. Então pode ter certeza, eu não te machuquei ou fodi com a sua cabeça de propósito. Não era a minha intenção te fazer mal, mas eu fiz, porque sou egoísta, covarde e não sei lidar com as coisas, você está certo. E esses são alguns dos motivos que endossam minha decisão de ir embora. De qualquer forma, nunca quis ser nocivo. Mas ao longo desses meses, a ideia de ficar longe de você se tornou insuportável e isso atrapalhou minha convicção. Eu me perdi. Fui egoísta, me desculpe. Eu sinto muito, mesmo, Naruto. Você não merecia nada disso, eu só fui reagindo às coisas conforme foram acontecendo e fiz todas as escolhas mais ridículas, mas... não sei, perdi o controle quando percebi que você podia- Quando te vi- E-eu... você faz eu me sentir... fraco. Não sei lidar com isso.”, concluiu, passando os dedos pelos cabelos negros, que voltaram para seu rosto logo em seguida. Mesmo perto, o homem agora fitava o chão em um olhar perdido, como se também precisasse lidar com o que tinha dito.
Não tinha como Naruto prever nada daquilo — achou que eles fossem brigar, discutir, que Sasuke fosse dizer que ia embora naquele minuto mas, ao invés disso, tinha ganhado... o que? O que exatamente tinha sido aquilo? O que ele fazia com aquelas informações, agora?
Se forçou a quebrar o silêncio depois de engolir seco, e suas próprias palavras pareciam distantes pela profusão de pensamentos que aconteciam em cascata dentro de sua cabeça. “Eu... não sei o que dizer. Sei que você explicou tudo que conseguiu, mas ainda não entendi o que você quer de mim, Sasuke. Numa hora você me empurra o mais longe possível e de repente faz o oposto. Além disso, você mesmo disse que só conseguiu falar comigo porque bebeu. Isso dói. É só assim que eu consigo ter uma conversa franca com você? É só assim que eu consigo te ver de verdade, sem você tentar me afastar o tempo todo? Tem alguma ideia do quanto você me confunde, do quanto é difícil não me deixar levar pelo seu caos? Do quanto foi difícil te deixar de fora esses dias todos?”
Sasuke levantou o olhar, surpreso. “Não pareceu tão difícil, para ser sincero.”, murmurou.
A fisgada em seu peito se acentuou, o monstrinho afiando as garras implacáveis ali dentro, e isso fez sua mão se erguer sem permissão para o braço de Sasuke, que o observou temeroso. Quando sua voz saiu, foi de maneira branda e triste. “Me afastar de você sempre foi uma das coisas mais difíceis pra mim. É uma merda ter que te ignorar enquanto você se torna a pessoa que eu queria que fosse comigo desde sempre. É uma merda fugir do cara que era meu melhor amigo, a pessoa que cresceu comigo e depois foi embora. Eu nunca tive o tempo que queria com você, nunca.”, confessou amargurado, quase com raiva.
Foi naquele segundo que algo ali dentro encontrou caminho por entre os espinhos crescidos. Estava cansado de segurar tudo que sentia, principalmente depois de tudo que Sasuke tinha dito, então ele cuspiu o que estava entalado, mas não digerido.
Aquela coisa estava ali há dias, presa, incapaz de subir ou descer, armazenada para quando Naruto conseguisse olhar para ela, encará-la, decodificá-la e aceitá-la, então ele a verbalizou com o mesmo tom veemente e quase raivoso de antes.
“E foi uma merda ter que me afastar da última vez, também. Foi uma merda não poder te beijar de volta. É uma merda ter que te falar ‘não’ quando você tenta se aproximar, de qualquer forma que seja.”
Antes de Naruto soltá-lo, foi possível sentir o braço de Sasuke dar um espasmo de surpresa quando isso foi verbalizado — mesmo na pouca luz, seus olhos também captaram o fluxo de sangue no rosto pálido. E então, os olhos dele mudaram. Os belos olhos escuros, de alguma forma faiscaram, e a expressão no rosto de Sasuke também se modificou.
“Se é esse o problema, eu estou aqui agora.”, murmurou.
O ar ao redor deles de repente parecia carregado, o chakra de Naruto acordando no fundo de seu estômago, que borbulhou e se agitou diante da constatação. Seus dedos esfriaram enquanto o sangue parecia ferver sob seu peito. Sua respiração pareceu se agarrar em suas cordas vocais, e suas mãos tremeram.
Agora que Naruto tinha verbalizado aquela vontade, a possibilidade de beijá-lo quase o descontrolava. Sasuke estava ali, diante dele, depois de ter dito tudo aquilo. Depois de, inclusive, ter ficado indisponível em qualquer sentido por anos.
Ele estava ali agora, na sua frente, aguardando sua decisão de se aproximar — dessa vez com permissão. Sasuke queria que ele se aproximasse, e conceber isso foi o suficiente para fazer sua cabeça rodar e seus pulmões parecerem incrivelmente vazios. Ele podia sentir o suor brotando por seus poros, a expectativa ardendo por seu corpo.
O azul e o ônix se encararam e, no momento seguinte, a mão de Naruto se erguia, estremecida. Era como se sua consciência assistisse o próprio corpo agindo, incapaz de raciocinar diante daquilo, diante de Sasuke e seus olhos escuros e pesados, sua pele lisa e leitosa.
Seus dedos gelados pela ansiedade tocaram a bochecha pálida e pontuda com esmero como se nunca tivessem passado sobre aquela pele na vida. Era macia, quente, e os olhos de Sasuke não se despregaram dos seus, um brilho caótico acontecendo ali dentro como se fosse algo totalmente novo para ele também. Enquanto seu peito subia e descia com a respiração escassa, sua outra mão subiu em câmera lenta, e as borboletas agrupadas em seu estômago bateram as asas furiosas e impacientes.
“Merda, Sasuke...”, Naruto sussurrou baixinho, seus olhos nunca o deixando.
Naruto afastou a franja dele para ver melhor o Rinnegan, antes de colocar o cabelo cor de piche atrás da orelha dele. Sasuke permanecia parado, quase em transe, e puxou o ar quando sentiu a mão de Naruto descer de sua orelha para o queixo pontudo.
Gentilmente, se aproximou de Sasuke enquanto olhava em seus olhos, gravando a expectativa estampada ali em meio a incerteza conforme mergulhava em direção a ele. Sasuke encheu o pulmão de ar em antecipação e estudou sua boca pela primeira vez, os olhos brilhantes e quase incrédulos. Ele parecia tão frágil, de uma forma que fazia seus dedos comicharem para acessá-lo, seu coração arder para envolvê-lo de algum jeito.
Então Naruto o beijou devagar e timidamente, gravando a textura de sua boca fina, mais fria e macia que a sua. O gosto de pasta e álcool ganharam espaço em sua boca quando Sasuke retribuiu no mesmo ritmo com um suspiro lento e quebrado. Esse som quase o fez derreter.
Sua mão buscou caminho pelo maxilar e foi se embrenhar nas mechas negras da nuca úmida, e no mesmo instante os dedos gelados de Sasuke foram para sua cintura com incerteza, puxando-o para mais perto como se a pouca distância entre eles fosse inadmissível. Seus pés se esbarraram quando Naruto se deixou aproximar, e o ruído baixo de suas bocas se explorando devagar e de suas respirações ansiosas alcançaram seus ouvidos.
Entretanto, foi um beijo, apesar de tudo, amargo. Não teve pressa, mas a crua necessidade daquilo finalmente acontecer estava ali, como se aquela vontade não tivesse surgido há apenas algumas semanas, mas estivesse encolhida no canto de sua mente há vários anos, décadas, vidas.
Era algo denso e visceral que Naruto, em sua incapacidade de compreender, quase se perdeu. Mas não aconteceu agressivamente.
De fato, foi algo lento, mas não era delicado como os beijos de Sakura, nem mesmo calorosos, como com Neji — era quase vivo, confuso, e fazia seu coração disparar diferente, como se sua mente e seu corpo não fossem capazes de manter aquilo por muito tempo.
A sensação de estar queimando de dentro para fora, perdendo as forças contra o fato de estar beijando Sasuke depois de tudo, depois de tanta coisa, fez sua cabeça rodar ainda mais e o calor rastejar por sua pele morena como fogo no palheiro. O pequeno ruído esbaforido que morreu em sua língua vindo de Sasuke, que se apertou ainda mais contra ele, foi o suficiente para Naruto se deixar conduzir mais uma vez, a colisão com a parede atrás da porta tirando parte de seu ar.
No momento seguinte, as mãos de Sasuke contornaram sua camiseta com mais ênfase e deslizaram diretamente contra sua pele, pressionando-o implacável contra a parede fria. A boca de Sasuke que desceu em seu pescoço fez seu corpo arrepiar e amolecer, os beijos molhados como se tentasse sentir seu gosto. O ar foi puxado de Naruto quando isso não foi o suficiente e Sasuke afundou os dentes em sua carne, provocando, provando de maneira atropelada, o nariz fino buscando o ar e fazendo cócegas em sua jugular.
Naruto exclamou de dor e desejo. O som úmido fez o aperto de Sasuke em sua cintura tremer. Suas calças ficaram apertadas quando sentiu a coxa grossa e firme pressionar sua virilha, os pés de Sasuke se mexendo para abrir as pernas de Naruto, que deu espaço e soltou o fôlego de olhos fechados e pescoço esticado, totalmente perdido nas sensações. Seu estômago borbulhava lentamente.
Seu corpo esquentou rápido com o estímulo apesar da parede fria em suas costas, a pressão em seu corpo tomando seu ar e sua mente. Era Sasuke ali. Sasuke o tocava daquele jeito. Sasuke suspirava em sua clavícula e tremia ao seu redor.
Era ele que o beijava nesse momento — não Sakura ou Neji. Sasuke. Era a coxa dele que roçava sua ereção dolorida, como se finalmente coçasse algo que latejava para ser tocado.
A boca fina subiu novamente para a sua com sede e Naruto gemeu baixinho na língua dele quando sentiu suas costas serem ainda mais empurradas contra o concreto liso, o ritmo de Sasuke escalonando rápido demais. Os dedos frios desceram novamente para agarrar os montes de seus quadris com mais força, e a respiração de Sasuke era cada vez mais ruidosa e escassa.
De repente, ele parecia quase frenético, atropelado. Não parecia certo, não deveria ser assim depois de tudo que passaram. As mãos esguias tremiam conforme ganhavam mais espaço em Naruto, que, perdido na força do beijo, finalmente agiu contra o próprio corpo e o afastou um pouco em um arfar.
As mãos de Sasuke ainda apertavam suas laterais com força quando ele parou e o fitou, confuso, com as pálpebras pesadas. Naruto sentiu o próprio pau inchar ainda mais nas calças ao ver a boca úmida e vermelha, os olhos perdidos e as bochechas coradas enquanto ele arfava ligeiramente. Os cabelos negros desalinhados lhe davam um ar informal que Naruto nunca tinha visto antes, e isso não ajudava em nada.
“Por que...?”, Sasuke começou a indagar com a voz rouca, sem sequer terminar a frase. O som se infiltrou em seus ouvidos e o fez estremecer internamente. Sasuke respirava em lufadas, e parecia um garoto confuso por estar levando uma bronca inesperada, arrancado às pressas de uma brincadeira.
Naruto desviou o olhar e o afastou enquanto falava, e isso tomou toda sua força de vontade. “Eu... não quero que as coisas aconteçam desse jeito. Não assim.”, murmurou, o som de seu coração batendo rápido nos ouvidos.
A expressão no rosto de Sasuke endureceu na mesma hora, os olhos escurecendo e perdendo o brilho, as sobrancelhas formando uma ruguinha de contrariedade. Naruto sabia que ele estava se sentindo rejeitado, ainda que não fosse o caso. No instante seguinte, o homem deu um passo para trás e se virou de costas, indo para a porta de vidro e cruzando os braços.
A tensão em seus bíceps e pescoço indicava o quanto se sentia contrariado, uma estátua contra o céu refletido no vidro. Com um suspiro, Naruto se aproximou dele puxando-o delicadamente pelo braço, mas Sasuke não cedeu. Ao invés disso, se desvencilhou bruscamente de seu aperto sem se virar.
“Saia.”, comandou, sua voz cortante e fria como uma lâmina perfeitamente afiada.
Espinhos se cravaram em seu coração no mesmo momento, e o ar que envolvia seu corpo pareceu congelar ao seu redor, depois de Sasuke tê-lo aquecido. Mesmo assim, Naruto engoliu o aperto no estômago.
“Sasuke-”, sua voz era trêmula.
“Saia.”, o outro sibilou mais uma vez. Com um olhar perdido, Naruto notou a expressão de ódio e mágoa de Sasuke refletida no vidro diante dele, como uma marca d’água acima do céu lá fora.
Seu coração se apertou ainda mais. Sasuke tinha se exposto muito além do normal hoje por causa do álcool, é claro que ia se sentir extremamente rejeitado e ficar com ódio diante da decisão de Naruto afastá-lo de repente. Ele se sentiria da mesma forma.
“Eu quero isso, eu quero, você nem sabe o quanto, mas não assim, Sasuke. Você significa mais do que isso, significa mais do que um beijo desordenado depois de ter bebido. O que você me disse hoje é mais do que eu poderia ter pedido em qualquer momento, mas foi falado nas circunstâncias erradas. Eu quero uma conversa sóbria, e uma reação sóbria também.”, explicou.
“Você já teve suas ‘reações sóbrias’, não é como se isso nunca tivesse acontecido. Além disso, quem me beijou foi você.”, ele respondeu secamente, ainda sem se virar. A boca dele ainda estava inchada e vermelha.
“E-Eu sei, sei disso, mas você me garante que tudo que disse e fez hoje aconteceria da mesma forma se não tivesse bebida envolvida?”, Naruto perguntou enquanto tentava fazê-lo virar de frente mais uma vez.
Sasuke rodou bruscamente para encará-lo com raiva. “Eu não estou fora de mim, se é o que está pensando, Naruto.”
Suas sobrancelhas se juntaram na testa. “Você sinceramente me garante que tudo que disse e fez hoje, teria acontecido da mesma forma se não tivesse bebido?”, insistiu agora irritado, olhando nos olhos de Sasuke incisivamente.
A íris negra o estudou por alguns segundos, avaliando-o juntamente com sua pergunta, e então ele se virou novamente de costas para Naruto.
“Saia. Eu quero dormir.”, exigiu em um tom seco. O rosto no vidro tinha expressão impenetrável além da raiva. Ele parecia outra pessoa, totalmente diferente do cara que o tocava minutos atrás.
Naruto negou com a cabeça, incrédulo, antes de suspirar e deixar os ombros caírem. “Tá. Que seja. Amanhã... Amanhã a gente conversa. É melhor assim, de qualquer jeito.”, murmurou antes de se virar e caminhar para a porta. Com um último olhar para trás, viu que Sasuke não tinha se movido. Nenhum dos dois disse nada quando Naruto saiu.
Notes:
Oiê, capítulo novo pra vocês; espero que gostem, esse é com certeza um dos que eu mais gostei de escrever.
Como sempre, feedbacks e críticas construtivas são bem-vindas! Obrigada por continuarem por aqui!
Amo vocês <3
Chapter 39
Notes:
Olá!
Sim, eu surgi pra lançar esse capítulo e sumir mais uma vez provavelmente, mas pelo menos apareci, né?
Não sei bem se o capítulo está bom. Eu não sabia nem se queria postá-lo, mas revisei ele tantas vezes, escrever tem sido tão difícil, que eu só cheguei a conclusão de que eu sempre posso voltar aqui e editá-lo no futuro, caso mude de ideia. De qualquer forma, revisei ele várias vezes como disse, e não tinha mais nada a mudar (não sei se por ter achado o capítulo bom o suficiente ou se foi pela dificuldade de escrever, mesmo).
Bom, então é isso, o capítulo está aqui. Eu disse que não ia desistir da fic. As coisas só estão beeeem lentas ultimamente no processo criativo, preciso rever o anime pra encontrar inspiração, eu acho, mas preciso encontrar tempo pra isso hahahahaha
Também estou trabalhando bastante, consegui um novo emprego há uns meses e isso tem sido meu foco, pois finalmente estou trabalhando com o que me formei. Amo o que eu faço, então não tenho tido muito tempo pra outras coisas.Enfim, espero que gostem do capítulo e não tenham desistido de mim. Um beijo e obrigada pela paciência (sempre vou agradecer pela paciência). Até a próxima!
Chapter Text
A luz turva que atravessou suas pálpebras foi o que o acordou. A claridade o fez franzir a testa, os olhos pesados ainda fechados, o corpo quente demais por baixo da coberta.
Demorou quase cinco minutos até seus olhos se acostumarem com os raios de sol que passavam pela porta de vidro e caíam diretamente nele, fazendo sua pele branca refletir. Seu estômago estava estranho, engolir era custoso e seu corpo doía. Era por isso que ele preferia não beber.
O shlep-shlep das pantufas parecia mais alto que o normal em seus ouvidos, ecoando até o fundo de seu crânio, e quando ele parou diante do espelho do banheiro, grunhiu alguma coisa ininteligível com profundo desprezo pelo que viu — o cabelo desgrenhado e amassado em várias partes, a cara amarrotada com a textura das dobras da fronha, os olhos miúdos de quem encara uma ressaca, as gotículas de suor em sua testa. O retrato do fracasso em todos os aspectos.
A água da torneira estava quente, e só lhe deu mais calor quando tentou lavar o rosto. Logo estava no chuveiro, mas a água morna só serviu para lhe embrulhar o estômago.
Quando terminou de se vestir, sentou-se na cama desfeita e enterrou a cabeça nas mãos. Ele teria que sair e encarar Naruto depois de tudo que tinha dito na noite anterior, algo que preferia poder evitar. E também precisava de uma aspirina.
O pior de tudo era que Naruto estava certo — Sasuke nunca teria dito nada daquilo em situações “normais”. Entretanto, a bebida tinha feito algo que seu cérebro sóbrio não tinha conseguido, fosse por negação ou medo: Sasuke tinha finalmente conseguido colocar em palavras as coisas que tentava explicar até para si mesmo durante algum tempo. Porém, não tinha gostado nem um pouco da resposta.
Nessa altura do campeonato, era inútil se fazer de burro, algo que nunca tinha sido. O que o irritava mais, era saber que Naruto tinha entendido o sentido da coisa antes dele.
Sasuke não era o tipo que ficava em negação, então essa parte o irritou também. Entretanto, isso não significava que estava pronto para decidir qualquer coisa sobre o que tinha acontecido.
Ele não queria para si a responsabilidade disso — estava indo embora exatamente porque não devia ter responsabilidade sobre nada que tivesse a ver com Naruto. A última coisa que queria era pensar no que tinha acontecido.
Suas bochechas esquentaram quando a memória do beijo na noite anterior ganhou espaço em seu cérebro — as próprias mãos enganchadas nos quadris de Naruto com força, a própria perna enfiada entre as dele, as respirações pesadas, os sons que faziam enquanto se beijavam, sua própria língua deslizando pelo início do ombro forte. A sensação do corpo dele contra o seu, ofegante, o sentimento de intimidade que nunca sentira com ninguém.
O quanto sua mente era caótica, o quanto seus dedos tremiam e seu próprio corpo esquentava. A forma descontrolada com que se movia, como se não pudesse ter o suficiente de Naruto agora que tivera permissão de tocá-lo. O quanto a proximidade dele ardia e o fazia suar, revirava seu estômago e embaralhava até mesmo seu chakra.
Nunca tinha sentido aquilo antes, e Sasuke agradeceu mentalmente por Naruto ter se afastado, porque ele não conseguiria. A sensação de descontrole e perda de si mesmo em Naruto era assustadora agora que Sasuke estava sóbrio e longe dele, mas na hora...
Na hora, a única coisa em que pensava era em se afogar ali o máximo que pudesse, se perder totalmente no corpo em suas mãos, no cheiro que seu nariz inalava febrilmente. Se perder na voz rouca e receosa de Naruto conforme Sasuke obedecia os próprios instintos, na boca grossa e macia que deslizava incerta contra a sua, nos dedos ásperos em sua nuca molhada de suor e na energia vital que ele emanava para seu corpo.
Com um pulo meio descoordenado, Sasuke se levantou da cama e ignorou o volume na própria cueca, fechando a cara. O que ele diria para Naruto quando o visse? Porque a verdade é que nada do que tinha acontecido na noite passada teve poder para fazer Sasuke mudar de ideia, só o fez ter mais certeza de que deveria se afastar o mais rápido possível e seguir em sua viagem.
No fim das contas, o que Sasuke tinha dito não era nada tão novo — não era novidade que ele se importava com Naruto, nem que deveria ficar fora da vila para mantê-la segura. Qualquer pessoa com o mínimo de senso crítico teria chegado a essas conclusões sozinha.
E sua atração por Naruto não parecia tão absurda assim, agora que analisava. Sasuke tinha, sim, misturado as coisas. Eles passaram muito tempo juntos, tiveram uma proximidade maior do que o normal durante meses e, como o próprio Sasuke tinha dito, Naruto nunca foi como os outros.
Olhando por esse aspecto, era de se esperar que os sentimentos evoluíssem e chegassem a se confundir em sua cabeça. Ele nunca teve um relacionamento tão próximo antes, então era inevitável, infelizmente.
O calor do quarto parecia cada vez pior, e isso o fez sentar novamente na cama desfeita com um ruído de reclamação pela dor nos músculos. Ele já estava suando e tinha acabado de sair do banho. Estava sem fome, mas sabia que deveria comer alguma coisa, ou sua ressaca se prolongaria mais do que necessário.
Com o apoio das mãos, Sasuke tornou a se colocar de pé, mas sua cabeça rodou no mesmo instante e ele voltou a cair sobre o colchão, zonzo. Luzes brancas brincavam nos cantos de sua visão, o que indicava que sua pressão estava baixa. Com um muxoxo irritado pela fraqueza repentina, ele se deixou cair para trás e deitou com as pernas ainda pendendo pela beirada da cama. E então, quase por mágica, adormeceu novamente.
Seu sono era agitado — estava muito quente. Sua pele, suas costas, seu pescoço principalmente. Mas deveria ser assim — afinal, ele estava no deserto, e o sol escaldava seu corpo magro e tonificado por baixo do poncho, a faixa na testa impedindo sua franja de bater nos olhos por causa do vento morno. E ele estava sozinho, como sempre, mas era necessário. Ele escolheu isso — pelo futuro, pela vila, por Naruto.
A areia fazia seus pés afundarem, os grãos quentes entrando pela frente da sandália ninja e se mesclando entre seus dedos, e até essa sensação era boa. Ele estava onde devia, ia até Sunagakure entregar alguns pergaminhos táticos, depois passaria em Amegakure a pedido de Kakashi para investigar um grupo que vendia informações possivelmente confidenciais.
Era solitário às vezes, mas, ao mesmo tempo, libertador. Ele estava tranquilo, depois de tanto tempo tinha se conhecido melhor, estava focado em sua viagem, sua expiação, e em seu futuro. Ele era dono de seu próprio caminho, como sempre desejou ser. Ele escolhia as próprias batalhas, as pessoas em quem confiava, e escolhia a si mesmo.
Não havia mais guerra, vingança em nome de outros ou pessoas para manipulá-lo. Ele era dono de si. Não havia Orochimaru querendo seu corpo, não havia Itachi tomando todo e cada pedacinho de sua mente, não havia mais Naruto lhe perseguindo para enfiar seus ideais goela abaixo. Sua mente era límpida e transparente como o mais fino e letal cristal, e Sasuke estava finalmente calmo, sem dúvidas sobre o que fazer a seguir ou sobre seus próprios caminhos, porque tinha finalmente feito as escolhas certas.
O calor então aumentou, e a areia parecia fritar a pele entre seus dedos dos pés. O sol ardia ainda mais, pesando sua cabeça, o impedindo de prosseguir. Ele tentou tirar o poncho, mas o ar parecia escasso.
E ele estava suando na cama. Podia sentir a presença de Naruto ao seu lado, um pano sobre sua testa, mãos grossas em seu rosto, e tudo que tinha acontecido antes não era mais real. Ele não era dono de si. Ele não era leve, sua mente não era cristalina. Ele estava na ilha, doente e febril, sendo cuidado por Naruto e devia uma conversa sóbria sobre os próprios sentimentos a ele. Seu coração batia mais forte quando Naruto estava perto, sua cabeça se confundia com sua voz e seu peito só ficava leve na presença dele, em nenhum momento mais. Ele não tinha certeza de nada.
Sasuke tentou virar para o outro lado, mas sentiu um enjoo imediato em meio a semi-consciência, e foi por puro reflexo que ele conseguiu dobrar o torço para fora da cama antes de vomitar de maneira muito violenta, quase caindo em cima da poça nojenta pela fraqueza. Foi Naruto que o segurou pelo braço, assustado, e colocou a outra mão nas suas costas em um gesto de conforto inútil enquanto Sasuke colocava a bile para fora.
Quase completamente sufocado entre uma tosse e mais um acesso de vômito, Sasuke buscou ar como se afogasse, sentando-se e puxando-se bruscamente do aperto da mão calosa. Naruto estava ali, tudo aquilo tinha acontecido, e sua vida agora era totalmente oposta ao que era antes. Sem se importar com mais nada, ele pulou a poça e saiu cambaleando até o banheiro em um rompante, batendo a porta com força e levantando o assento da privada para cuspir enquanto se ajoelhava diante do vaso no escuro. Já era noite, aparentemente ele tinha passado o dia todo dormindo e delirando em febre, sendo cuidado por Naruto.
Ali, as lágrimas de esforço, raiva e frustração se juntaram ao vômito, e ele soluçou e verteu tudo para fora com a cabeça quase dentro da louça como um animal ferido e enfurecido. Tudo doía — seu corpo, seus músculos, seu estômago, seu orgulho. A coisa toda era um problema, como um interruptor que tinha sido ligado, lançando luz onde havia a escuridão.
Estava exausto não só pela doença e ressaca, mas por tudo . Estava cansado de sentir coisas, cansado da busca pelo mínimo controle, cansado da humilhação de se submeter às situações, cansado da condescendência irritante das pessoas e, principalmente, de Naruto. Cansado de se sentir preso na própria mente e no próprio peito. Ele não era mais livre, porque sua vida parecia ser resumir a uma única coisa, agora. A um único alguém . E, novamente, não era a si mesmo. Primeiro Itachi, depois Naruto. Ele estava perdido.
A porta se abriu de repente e Sasuke lançou um olhar de ódio sobre a borda da privada. A luz estava apagada, mas a claridade da lua no outro cômodo o permitiu ver.
Naruto, vestido apenas com um short patético e idiota, o fitou receoso, mas em seguida firmou a expressão e se aproximou, deixando a porta aberta. Irritava e machucava perceber em seu olhar que ele já esperava a agressividade, como um soldado marchando para o abate necessário. E mesmo assim, ele se aproximou.
“Mas que merda, que droga, que inferno! ”, Sasuke rugiu enquanto as lágrimas escorriam, os olhos perfurando Naruto, que se sentou resoluto ao lado dele com as pernas cruzadas como se fosse bem-vindo em sua miséria. “ Sai! Dá o fora daqui! Me deixa em PAZ!”, berrou irado antes de voltar a vomitar, chorar e engasgar.
Naruto se aproximou mais um pouco e afastou o cabelo negro com uma gentileza que doía, segurando-o em sua nuca com a mesma expressão solene e dura. Ele não iria embora. Não ia deixar Sasuke. Isso fez as lágrimas de frustração rolarem ainda mais.
Ele estava tão vulnerável. Se sentia tão perdido, exposto. Era humilhante perceber que Naruto o entendia melhor do que o próprio Sasuke; que via através dele, de suas ações, de sua raiva, como sempre tinha sido. Odiava isso — odiava sua compreensão incondicional, odiava ser lido como a porra de um panfleto com marcas de dobras que Naruto já tinha decorado.
Odiava não seguir seu objetivo, não conseguir só mandá-lo embora ou dar o fora como deveria ter feito há muito tempo. E, principalmente, odiava o quanto tudo tinha mudado em questão de dias — a necessidade urgente que sentia da presença dele, o quanto seu mero toque o desregulava por completo e o apavorava, ao mesmo tempo que trazia um êxtase caótico e desconhecido.
O quanto seu coração parecia trincado em vários lugares totalmente por culpa dele mesmo , porque Naruto nunca tinha o machucado uma vez sequer. Qualquer dor vinda de Naruto, era reflexo das coisas do próprio Sasuke, disso ele sabia.
Sasuke escondeu a cabeça pesada no antebraço, quase enterrado no vaso, e soluçou, xingou e cuspiu por muito tempo, sentindo a presença continente do outro e suas mãos firmes em suas omoplatas acabando com sua raiva para ser substituída por tristeza genuína. Ele não disse uma palavra enquanto Sasuke soluçava e tremia, apenas se sentou atrás dele encaixado com as pernas abertas, peito nu contra costas largas e pálidas separados pela camiseta, segurando seus cabelos até tudo acabar.
Então Sasuke, pela segunda vez na vida e completamente sem saída, deixou as amarras caírem e desabou. Os braços fortes de Naruto o envolveram na altura da barriga e ele podia sentir o ritmo lento da respiração dele em suas costas, uma âncora em meio ao mar turbulento e escuro dentro de si, cujas ondas se misturavam às nuvens negras.
A pele ao redor de seus olhos ardiam, a tosse tirava seu ar e as lágrimas faziam rastros na pele de porcelana, mas Naruto estava ali, e isso bastava ao mesmo tempo em que era insuportável. Ele não sabia se o queria lá — e se depois se tornasse incapaz de passar pela dor sozinho novamente? E se ele nunca mais fosse livre? E nesse ponto ele queria ser livre de Naruto?
Foi só quando Sasuke finalmente ficou em silêncio, perdido em um torpor de vazio oco bem-vindo, que Naruto se descolou e levantou. O ar frio bateu nas costas úmidas onde a camiseta havia grudado e o fez estremecer de leve, mas não o suficiente para fazê-lo levantar a cabeça. Ele não tinha forças depois de tudo e só queria ficar ali, escorado na privada e enfiado em seu limbo mental, de olhos fechados, no escuro. Processar a descoberta recente de seus sentimentos em meio a uma gripe forte o deixava esgotado, ainda mais com Naruto por perto.
Naruto parecia entender um pouco, pois também não falou nada — puxou Sasuke para cima devagar, respeitando o momento de torpor, e não olhou em seus olhos ainda. As mãos o firmaram pela cintura gentilmente antes de deslizarem para cima, levantando a camiseta molhada de suor. Sasuke apenas fechou os olhos e permitiu, sentindo a corrente elétrica passar por sua pele quente e úmida com certo desgosto.
Ainda no escuro, Naruto se afastou e entrou de short no box, ligando o chuveiro e testando a água. Quando julgou estar numa temperatura agradável, se virou para Sasuke de mão estendida.
Incerto e sem encará-lo, permitiu que o outro o ajudasse a pular a beirada azulejada e o colocasse diante dele, momento em que Naruto finalmente o fitou. Ele parecia muito sério, calmo e paciente. As íris azuis liam a alma de Sasuke, ele podia sentir o peso da presença dentro de si, e isso trouxe uma sensação calmante e dolorida. Doía ser tocado de qualquer forma por Naruto, principalmente depois da recente descoberta de seus reais sentimentos, mas estava tão exausto de lutar contra, que permitiu.
O silêncio e a escuridão do banheiro criavam um peso íntimo e estranho na cena, mas familiar. A familiaridade entre eles já tinha alcançado um nível muito alto depois de tanto tempo — não que isso facilitasse alguma coisa. Mas foi esse peso que o impediu de esmiuçar o sonho, trazendo-o para a realidade de vez.
Com cuidado, Naruto inverteu suas posições, enfiando Sasuke debaixo do jato de água morna. Era desconfortável. Ele já estava quente, precisava se esfriar, mas no segundo seguinte o outro regulou a temperatura novamente e a água se tornou fria aos poucos. Seu corpo tremeu, mas se acostumou logo.
Naruto pegou o shampoo para esfregar seu cabelo escuro com calma e cuidado, começando da nuca. As mãos ásperas deslizaram por seu couro cabeludo gentilmente, fazendo Sasuke deixar as pálpebras pesadas caírem e sua cabeça tombar para trás devagar no ombro forte enquanto seu corpo se ajustava relaxadamente contra o dele, que deixou isso acontecer.
A respiração ritmada ao lado de sua orelha acelerou um pouco com isso, e quase dava para sentir o coração de Naruto batendo mais rápido contra sua omoplata. Sasuke odiou como se sentiu naquele momento — odiou saber que também o inquietava, que sua proximidade o desestabilizava pelo menos um pouco. Odiou a sensação mesquinha de falso poder que isso infundiu em sua mente, porque a verdade é que não tinha controle sobre nada.
Os dedos grossos se enfiaram mais uma vez entre as mechas em uma massagem relaxante e Sasuke suspirou devagar antes de tossir algumas vezes e se ver obrigado a se afastar contra vontade. Levou o antebraço até a parede e apoiou a testa ali, escorando-se na quina. O frio o envolveu longe do corpo de Naruto, mas talvez fosse mais seguro assim.
O outro não tentou movê-lo — continuou lavando seu cabelo, depois esfregou suas costas e seus braços no mais puro silêncio. Sasuke ficou se perguntando se ia tomar um banho pela metade ou se Naruto tentaria tirar sua roupa em algum momento, mas isso foi respondido quase imediatamente, quando ouviu o barulho da porta do box se abrir.
De costas, Naruto já estava no tapete e se enxugava brevemente. Os braços definidos se movendo enquanto o homem se envolvia na toalha deixou Sasuke hipnotizado e desapontado pela distância, mesmo não querendo a proximidade inicialmente.
Foi só nesse momento que a presença de Naruto lhe foi de fato sentida, e só porque tinha aparentemente chegado ao fim. Sasuke nem o queria ali, mas vê-lo se afastar parecia antinatural e errado.
Seu corpo parecia ter ficado mais fraco ao vê-lo se afastando depois daquele momento tão íntimo e singular. Depois de criança, ninguém nunca tinha lhe dado banho quando estava doente. Ninguém nunca tinha o tocado tão gentilmente em silêncio, no escuro, porque ele jamais teria permitido. Exceto se fosse Naruto.
“Vou sair pra você terminar de se lavar. A porta do banheiro vai ficar aberta, qualquer coisa me chama e eu volto.”, ele falou sem encará-lo.
Por algum motivo, o aparente afastamento emocional dele fez Sasuke sentir frio, e quando Naruto finalmente o mirou, seu coração acelerou. Os olhos claros pareciam inexpressivos, e sentir aquele olhar novamente sobre si o deixou ansioso, zonzo e sem ar. Além disso, Naruto o tinha invadido em um momento de extrema fragilidade, não deixando espaço para Sasuke se recompor sem a presença dele, e agora se afastava levando embora os alicerces que o seguraram contra sua vontade.
“Ok. Só me dá minha escova de dente.”, ele se obrigou a responder.
Naruto pareceu ficar confuso com sua inflexão vacilante. A toalha parou de se mover e ele a segurou na mão enquanto encarava Sasuke com a testa franzida, o cabelo loiro bagunçado para todas as direções comicamente.
“Que foi? Você me mandou sair antes, então só fiquei o suficiente pra te ajudar.”, explicou tentando esconder uma gota de mágoa.
O rosto de Sasuke corou no escuro. “Eu só tive um pesadelo, Naruto.”, argumentou de forma breve, evitando o olhar.
A última coisa que queria era que ele pensasse que Sasuke estava pedindo para Naruto ficar ali, mas é claro que o outro entendeu. Ele agora tinha a habilidade de lê-lo ainda mais profundamente que antes, parecia conhecer Sasuke como a palma de sua mão morena.
Os olhos azuis-cobalto profundos brilharam na meia-luz e os lábios grossos se alongaram devagar em um sorriso torto que ele tentou esconder abaixando a cabeça, mas que fez o coração de Sasuke errar um batimento.
Às vezes Naruto era demais para lidar, e agora que Sasuke estava doente e fraco, parecia pior ainda. Ele também odiava isso. Era irritante o quanto seu corpo tinha se arrepiado ao vê-lo soltar a toalha no chão como se nada mais importasse, pegar a escova e a pasta de dentes na pia, e pular a beirada da banheira.
Gostou menos ainda da sensação de nervosismo e do comichão que pinicou suas entranhas quando Naruto entrou de volta no chuveiro, ficando diante dele e entregando a escova e a pasta em suas mãos longas. A água desceu em cascata pela frente de seus ombros, caindo no tórax dourado e firme, escorrendo pelas elevações afiadas da barriga malhada e se infiltrando na beirada do short cinza claro, que colava em suas pernas duras e fortes não deixando nada para imaginação. Sasuke se atrapalhou enquanto colocava pasta na escova com movimentos erráticos, tentando desviar o olhar. Merda .
Ele devia ter deixado Naruto sair. Primeiro, estava fraco demais para lidar com ele. Segundo, não deveria estar sentido nada daquilo — aliás, ele nunca tinha sentido nada daquilo, não naquela intensidade. Já tinha sentido atração sexual por outros homens, obviamente, mas era como comparar uma gota ao mar.
Terceiro, não podia fazer nada do que gostaria (e a parte de chegar a querer fazer alguma coisa com Naruto foi algo que preferiu fingir que não estava acontecendo), porque estava doente e também porque não devia fazer. Não queria que nenhum dos dois se confundissem ainda mais. O ar ganhou peso sobre Sasuke, que estremeceu no canto da parede onde se encontrava escovando os dentes, fora do fluxo de água corrente.
“Tá bom, então vou ficar aqui mais um pouco.”, Naruto murmurou de maneira quase convencida enquanto o observava meio de baixo ainda com o sorriso torto. Nem parecia ele. Sasuke estava vidrado e demorou mais do que devia escovando os dentes, porque queria a desculpa de estar fazendo alguma coisa que não fosse o fitar fixamente. Seu estômago torceu como uma toalha ensopada antes dele conseguir soltar o ar pelo nariz e se reorientar para cuspir espuma no chão.
Naruto já tinha pegado a bucha e começado a se esfregar, primeiro os braços, depois o pescoço, e então desceu para a barriga. Os olhos díspares acompanharam tudo enquanto Sasuke permanecia em silêncio depois de enxaguar a boca.
Se sentia um completo idiota segurando seus itens, parado como uma estátua na quina do box por não saber o que fazer. Ele quase se achatou contra a parede quando o homem se aproximou ainda mais e entrou de vez embaixo do chuveiro.
Os dedos se embrenharam nos fios loiros e Naruto fechou os olhos ao jogar a cabeça para trás embaixo d’água, parando ainda mais perto desta vez. Era estranho como, em alguns momentos, Sasuke não o reconhecia — às vezes, o garoto irritante de 18 anos dava lugar a um homem totalmente diferente, como acontecia agora, e o problema era que estavam muito perto um do outro. Sasuke podia sentir o calor do corpo dele de tão próximos que estavam. Ele podia sentir a energia . Era intoxicante.
Este homem abriu os olhos azuis sorrindo ainda mais agora, e ancorou o olhar em Sasuke. Haviam gotas de água criando pequenos cristais entre os cílios loiros e longos. “Você não vai retribuir o favor?”, provocou antes de pegar as coisas de suas mãos e colocar tudo no beiral da janela acima deles.
Sasuke saiu de seu torpor e suspirou, fechando um pouco a cara. “Não vou dar banho em você, se é o que quer saber.”, retrucou meio rouco, tentando esconder a hesitação num olhar censurante.
“É meu preço pra ficar.”, declarou tranquilamente.
“Você está aqui porque quer, eu não te pedi para ficar.”, foi sua resposta petulante enquanto se endireitava depois de uma tosse.
O sorriso de Naruto vacilou imperceptivelmente e seus olhos claros pareceram esfriar. Era como se ele tivesse perdido a paciência, mas não quisesse admitir. Um sentimento gelado o envolveu diante disso.
Naruto chegou perto e as mãos dele subiram um pouco para se apoiar em seu quadril quase sem encostar. O toque quente e leve contra a pele agora fria fez Sasuke estremecer imperceptivelmente e perder a pose conforme o outro seguia invadindo seu espaço sem ser convidado. Os dedos longos tremeram de leve encostados na parede de azulejos e Sasuke sentiu o calor escorrer por seu corpo quando se viu obrigado a mirar o azul mais uma vez.
“Você sabe que isso não é verdade, S’ke.”, murmurou baixinho com as íris brilhando um pouco com mágoa e raiva, extraindo de Sasuke um resmungo desconexo. Ele estava tão sério e seguro. Suas mãos subiram sem seu consentimento para os cotovelos de Naruto como se concordassem com a aproximação, como se quisesse mais, e ele piscou em câmera lenta na tentativa de formular uma resposta que nunca veio. “Você sabe que eu não ia estar aqui se você não quisesse. Eu não entendi errado. Você quer que eu saia?”, pressionou, finalmente afastando um pouco.
Sasuke puxou o ar pelo nariz tentando se reestabelecer, mas perdeu parte da convicção quando as mãos em suas laterais desapareceram de fato e Naruto ameaçou ir para longe de vez. Eles se olharam por alguns segundos enquanto o homem esperava uma resposta que Sasuke se obrigou a dar.
“Não.”, declarou alto e claro a contragosto, sem fugir do olhar dele. A parede em suas costas estava bem fria agora, e isso o fez levar a mão até a boca para tossir. “Mas você não devia ficar tão perto, vai ficar doente também.”
“Eu nunca fico doente.”, ele retrucou enquanto aumentava a temperatura da água e puxava Sasuke contra seu corpo como se fosse a coisa mais natural do mundo. Este gesto fez o ar parar em sua garganta e seus músculos retesarem — deveria ser algo natural? Por que realmente parecia, mas com certeza não devia.
A água morna bateu em sua pele agora gelada e isso o fez chacoalhar em um arrepio, provocando uma risada baixa de Naruto. Ele estava realmente muito perto. Perto o suficiente para Sasuke estar totalmente ciente das coisas que se tocavam. “Pra ser sincero, você não devia estar na água há tanto tempo. Te coloquei aqui pra baixar sua febre, mas não quero que pegue uma friagem. E você precisa descansar.”
Sasuke ouviu isso meio distante, porque no momento o encarava. Seus corpos se encostavam, os dedos dele faziam cócegas em sua cintura, e Naruto agia como se aquilo fosse o que deveria ser. O homem o mirou ainda mais fundo, e a corrente elétrica que passou por Sasuke o deixou sem fôlego. Ele esqueceu o que tinha sido dito no momento em que Naruto fechou a boca, porque não importava.
Naruto o contemplou por um momento e uma das mãos dele subiu para acariciar o maxilar de Sasuke, que piscou ainda mais devagar. A verdade é que ele queria manter os olhos fechados e engarrafar aquele momento. Seu estômago parecia flutuar junto com o resto de seus órgãos, e ele suspirou antes de voltar a abrir as pálpebras.
“Naruto-”, ele murmurou um segundo atrasado enquanto se sentia meio trêmulo pela sobrecarga de sensações na boca do estômago.
“Sasuke, você quer que eu me afaste? Quer sair daqui?”, o homem perguntou imediatamente com impaciência e Sasuke negou mais uma vez com a cabeça, arrependendo-se logo em seguida. “Então não precisa falar nada.”, Naruto quase comandou em um sopro de ar, a mão em seu rosto descendo pelo pescoço pálido enquanto se inclinava.
Esse beijo foi diferente. Foi calmo e certo , mas essas sensações só duraram um segundo na mente de Sasuke, porque parecia errado.
Conforme Naruto o beijava sem pressa, conforme o dedão dele passava por sua bochecha em um toque delicado e a outra mão se movia para envolvê-lo ainda mais devagar pela base das costas, uma bola fria se formou em seu peito e subiu para a garganta, o completo oposto dos fogos que inflamavam o resto.
O calor do corpo dele contra o seu era enlouquecedor. Mais uma vez a sensação de não ter o suficiente de Naruto gritou, ao mesmo tempo em que dessa vez parecia existir dele demais ao seu redor.
Sua cabeça rodou mais forte e ele sentiu as próprias mãos trêmulas buscarem a parede atrás de si com mais ênfase, como se precisassem checar a realidade. O toque gentil foi novamente para sua nuca e a boca de Naruto deslizou mais uma vez contra a sua em uma lentidão exagerada que fez Sasuke ouvir seu sangue correr em seus ouvidos e seu coração pular um compasso.
Ardia. Era como se ele fosse uma bebida doce, cara e requintada na língua do outro, que o tomava devagar como se nunca tivesse provado e nunca mais provaria algo daquele nível, então Naruto o saboreava com tanto esmero que beirava a indecência. Ninguém nunca tinha o tocado daquela forma, ele jamais permitiria. Naruto era o único autorizado e capaz de fazer ele se sentir daquele jeito, e porra, ardia.
Sasuke separou seus lábios pedindo mais em êxtase, e houve um segundo de hesitação antes da língua de Naruto roçar a dele. A sensação enviou faíscas de eletricidade através dos dois, e as sobrancelhas de Sasuke franziram enquanto Naruto aprofundava o beijo ainda mais.
A boca dele era tão boa, tão quente. As mãos eram ternas em sua pele de marfim. Tudo isso o deixou sem fôlego, lutando para compreender as coisas incômodas que brotavam das profundezas de seu estômago como uma azia borbulhante.
Sua respiração se acelerou contra a sensação de que ia derreter entre aqueles dedos, naquela boca e naquele cuidado . Naruto estava lhe dando cuidado e carinho, duas coisas que queimavam naquele buraco inóspito e escuro em seu peito, e era quase insuportável. Ele não suportaria muito mais daquilo sem desmanchar ou enlouquecer.
A bola em sua garganta aumentou de tamanho e Sasuke se viu perder a força, dando um passo para trás e apoiando-se na parede novamente. Ele queimou mais um pouco com o murmúrio rouco que Naruto produziu ao acompanhá-lo, e Sasuke tentou respirar sem sucesso. Foi só quando colocou as mãos oscilantes contra o peito dourado e o empurrou um pouco que o beijo parou e Naruto abriu os olhos, meio perplexo.
“Sasuke?”, perguntou, afastando-se de vez e esperando, preocupado. As bochechas dele tinham um tom rosado e febril pelo contato. “Você tá bem? Tá passando mal?”
Ele negou com a cabeça e demorou quase um minuto para responder, mas Naruto não o apressou. Foi uma tortura quase impossível se recompor como deveria. “Eu- Preciso deitar. Pode ir, quero terminar meu banho agora.”, conseguiu declarar sem tanta emoção na voz, a completa antítese do que acontecia dentro de si.
As sobrancelhas loiras se ergueram e Naruto o observou atônito por alguns segundos antes de piscar e esfriar. Então no mesmo instante, ele se virou devagar para sair como se nada tivesse acontecido.
Também não disse uma palavra ao sair do box e pegar a toalha que tinha jogado no chão, não falou uma sílaba sobre o fato de Sasuke ter praticamente pedido para ele ficar ali só para chutá-lo para fora em menos de dez minutos.
Naruto o encarou pela última vez antes de sair e estava claramente impassível, os olhos turbulentos e gélidos. “Vou me trocar e volto pro caso de você precisar de alguma coisa.”, declarou no mesmo timbre vazio e ríspido que Sasuke, que só conseguiu respirar bem quando se viu sozinho de fato.
Ele afastou o cabelo preto da testa e seu suspiro aliviou um pouco a tensão, mas não o suficiente. Naquele momento Sasuke se repreendeu por ter se deixado levar sem pensar. Ele não estava preparado para isso, não estava preparado para ele.
A forma como ficava quando Naruto o tocava daquela forma e o beijava por vontade própria o intrigava. Era uma sensação constrangedora de descrever e sequer pensar sobre, mas a verdade é que ele se afogava .
Naruto era demais para lidar e muito para digerir. Era um oceano inteiro, vivo, agitado, e Sasuke percebeu que simplesmente não sabia nadar.
Sem prestar muita atenção em nada, tirou a roupa e terminou seu banho encarando vidrado os azulejos do banheiro, perdido em um redemoinho vertiginoso de pensamentos e emoções de onde ele tentava sair sem sucesso, sendo jogado de um lado para o outro. Saiu do box com um calafrio e enrolou uma toalha no quadril, momento em que ouviu Naruto bater na porta aberta do banheiro sem espiar para dentro. A mão dele desapareceu antes de voltar equilibrando roupas e um chinelo.
“Toma.”, a voz dele ressoou em seus ouvidos, dura. A mão se afastou no momento em que Sasuke pegou as roupas, e Naruto não respondeu o agradecimento que recebeu.
Se vestiu com a sensação de fraqueza tomando seu corpo e o peito apertado, escovou os dentes mais uma vez para adiar o momento que ia sair dali. Em seguida, torceu o short e a cueca molhados dentro da banheira e os pendurou de qualquer jeito no suporte ali dentro. Lidaria com isso depois, assim como fazia com tudo ultimamente.
Passou a blusa úmida de suor que estava no chão do banheiro para o cesto de roupas e se encarou no espelho. Haviam olheiras profundas sob seus olhos derrotados e o cabelo estava bagunçado por ter sido seco na toalha de qualquer jeito. O frio agora parecia se agarrar ao seu corpo e o puxar para baixo depois do banho quente.
Não vinha um pio do quarto, como se Naruto nem ali estivesse, e pensar nisso lhe deixou ainda mais exausto. Precisava aprender a lidar com ele ou ir embora, e fazer essa escolha era impossível. Estaria fugindo ao voltar para sua viagem, sabia disso. Se fosse embora agora, seria para não lidar com a situação que criou.
Seu estômago embrulhou de leve mais uma vez antes dele precisar apoiar na pia para um ataque de tosse que tirou seu ar. Dando-se por vencido, se endireitou com um suspiro esgotado e saiu do banheiro a passos lentos. Sua cabeça pesava, e a febre parecia não ter abaixado nem um grau sequer agora.
Naruto, sentado na poltrona ao lado do armário com os antebraços sobre os joelhos, ergueu o olhar impenetrável quando Sasuke entrou no aposento, respirando fundo antes de se levantar e seguir para a porta fechada.
“Pensei que fosse querer ficar.” A voz de Sasuke era uma folha em branco.
Naruto se voltou para ele com uma expressão irônica no mesmo segundo. “Acho que você já me expulsou vezes o suficiente pra uma noite.”, respondeu secamente.
“Eu não ia te expulsar.”, esclareceu meio impaciente pela provocação.
As sobrancelhas grossas e loiras se ergueram. “Não agora, às vezes daqui dez minutos. Ou dois. Tudo depende do seu humor.”, disse com raiva e mágoa contidas.
Sua cabeça deu uma pontada com a febre, mas isso foi ignorado. “O que é que você espera de mim, Naruto? Quem veio aqui foi você!”, Sasuke de repente explodiu em irritação.
“Eu quero que você pare de ficar nesse morde e assopra infernal! Quero que você me trate igual um ser humano com emoções, pelo menos! Que tenha o mínimo de consideração-”
“Você acha que é simples assim eu lidar com tudo isso?”, ele se exaltou de vez, sem esperar Naruto terminar de falar. “Você fica por perto e me confunde, caralho! Você me confunde a porra do tempo inteiro ! Eu não consigo lidar com você e essa... essa coisa caótica que você é! Não consigo lidar com você me tocando, me beijando e- e falando coisas -”
“Então é isso , você quer que eu me afaste?”, Naruto retrucou irritado e resoluto, como se já tivesse mudado de atitude e tudo fosse muito simples.
“Não!”, ele cuspiu com raiva por não conseguir se fazer entender, olhando em volta e percebendo que não via seu vômito no chão. O quarto cheirava a produto de limpeza de limão, e essa nota de cuidado não ajudava seu caso contra Naruto.
“Então o que, quer que eu não coloque mais a mão em você? Que eu não te toque? Que-”, ele franziu a testa cada vez mais frustrado.
“Não, Naruto!”, Sasuke quase gritou, também frustrado.
“Então o que você quer , caralho? O que eu faço?”
Sasuke o perfurou com o olhar tirando a mão da boca depois de tossir e se equilibrar em meio a uma nova onda de fraqueza. Sua respiração era difícil pela força de sua raiva em um momento como aquele. “O que você faz? Você para de ficar me pedindo respostas que eu não tenho e entende que eu preciso de um tempo! Eu não sei o que eu quero, não sei o que fazer, não sei de nada ! A gente conversou ontem! E você ainda age como se soubesse exatamente o que quer, sendo que não sabe também!”
O outro se endireitou surpreso e a expressão dele ficou um pouco mais branda, apesar do tom acusatório permanecer. A resposta dele veio séria e firme. “Sasuke, eu não ia ter te beijado se não tivesse decidido alguma coisa. Eu não sou você, que age sem considerar os sentimentos das pessoas.”, ele censurou.
Os olhos de Sasuke se arregalaram e ele sentiu um oco gelado se estender por sua espinha e sua pressão cair de vez. “Como assim, o que quer dizer com isso?”, retrucou sem ar enquanto se sentava na cama a menos de um metro de Naruto, que permanecia em pé diante da porta.
Várias sirenes tocavam ao mesmo tempo em sua cabeça, e seu primeiro instinto era correr o mais rápido que pudesse para longe daquela ilha. Como Naruto tinha decidido alguma coisa? O que ele achou que poderia acontecer entre eles? Haviam pontos pretos em sua visão agora e seu estômago embrulhou um pouco mais, mas Sasuke fez força para se manter minimamente composto.
As bochechas de Naruto coraram de leve, mas os olhos ficaram ainda mais censurantes e raivosos, como se pudesse ler seus pensamentos. “Não tô dizendo isso que você tá pensando. Só que... bom, eu decidi deixar as coisas acontecerem, só isso. Mas você, nem isso sabe se quer.”, explicou.
Os dedos de Sasuke pareciam congelados e seu cérebro estava em curto. Ele não se levantou da cama, porque estava completamente sem forças. Não deviam estar falando sobre aquilo agora.
E Naruto parecia ainda mais tenso. Aquele momento parecia importante, ele não tinha como fugir — dependendo do que dissesse, algo se quebraria. Era o que ele queria?
Pela primeira vez em muito tempo Sasuke se perguntou se realmente queria quebrar os laços que tinham. Era irônico, porque os dois estavam ali naquele momento exatamente por Sasuke ter certeza que a resposta para essa pergunta era um óbvio e imutável “sim”. Ele o machucou para isso acontecer, o magoou, fugiu de si, fez o que pôde para acabar com aquilo logo e se ver livre .
Ele brigou, mentiu sobre como se sentia, fingiu, se enganou, e tudo porque sabia que o que importava era não estar perto de Naruto. Mas agora estava questionando o motivo pelo qual lutou todo esse tempo em que esteve ao lado dele.
Se não tinha certeza daquilo, então tudo tinha sido em vão. Se não tinha certeza da única coisa que o fez agir daquela forma, ele foi só idiota sem motivo algum. Ele só o machucou sem um porquê.
A pergunta então era: ele devia questionar isso? Não seria melhor só finalizar seu objetivo, agora que podia de fato? Ele abriu a boca, vacilante, e fixou o olhar em Naruto, que o observava com expectativa e receio escancarados agora.
Naruto. Era ele ali, não outra pessoa. Naruto importava. Naruto era quem importava, praticamente o único que importava. Sasuke fazia o que fazia e estava onde estava por causa dele . E agora que tinha desenvolvido sentimentos por ele, Naruto seguia lhe dando abertura. Admitir isso era péssimo, mas aquele era o momento onde uma decisão seria tomada — e dependia de Sasuke, ambos sabiam disso. Sempre dependeu dele.
Quando descobriu os sentimentos de Sasuke, Naruto não ficou irritado por eles existirem , e sim porque Sasuke nunca tinha falado sobre isso antes. O homem podia ter ficado com raiva, mas ficou frustrado apenas pela forma com que Sasuke tinha lidado com eles.
Era como se a ideia de Naruto não aceitá-los fosse completamente impensável. Ele tinha passado pelo choque de descobrir esses sentimentos e o que fez em seguida foi abrir caminho para a possibilidade com a maior naturalidade do universo. Ele inclusive deixou isso claro: É uma merda ter que te falar ‘não’ quando você tenta se aproximar, de qualquer forma que seja.
A voz de Karin ecoou em seu cérebro repetindo a conversa que tiveram, e a pergunta que se fez naquele momento: Sasuke podia e devia ficar? Ela tinha sido clara, quebrar aquele vínculo era como quebrar Naruto, e durante esse tempo todo Sasuke preferiria quebrá-lo e o poupar de sua nocividade a longo prazo do que ficar por perto e machucá-lo ainda mais profundamente.
Entretanto, agora não podia mais fingir que realmente era apenas sobre isso. Era sobre sua própria covardia, o outro estava certo. Era sobre ele sentir coisas e não saber lidar com elas.
Naruto aparentemente não pedia uma resposta definitiva, ele pedia uma brecha, uma possibilidade , mas mesmo isso era demais. Fornecer isso era se quebrar, mudar até mesmo seus planos a longo prazo talvez, e agora Sasuke tinha que escolher entre si mesmo e Naruto. Essa resposta tinha sido fácil até agora porque nunca tinha havido outra, mas agora tudo se confundia.
“Eu podia ir embora.”, foi a declaração quase receosa de Sasuke depois de um momento de silêncio. Sua mente parecia funcionar dentro de uma névoa.
Naruto congelou, processou e não conseguiu esconder completamente a mágoa que tingiu sua expressão. Os belos olhos já sem cor se tornaram ainda mais sem vida. Aquele olhar não pertencia a Naruto, e sim a um homem que já tinha vivido toda sua cota de derrotas, dores e horrores.
“Ótimo, era o que eu precisava saber.”, falou sem emoção, mas sua voz falhou no último segundo o traindo, e ele se virou para a porta esticando a mão para a maçaneta como se precisasse sair dali o mais rápido possível.
O coração de Sasuke ecoou e pulou um compasso com a consequência do que havia dito e a reação que recebia. Não era o que ele queria.
Estava pensando em Naruto ou nele mesmo? Quando foi que se afastar de Naruto tinha se tornado ser egoísta e não o contrário? Quando foi que eles pararam de querer coisas totalmente opostas para tudo se tornar tão confuso e sem direção? Sasuke já não sabia mais separar o que eram seus desejos e os dele.
“Eu disse que podia , não que vou . Não ainda, pelo menos.”, murmurou com os olhos na nuca dele. De alguma forma, seu peito ficou minimamente mais leve ao declarar tal coisa, e isso era um péssimo sinal. Se se sentia aliviado, com certeza estava sendo egoísta.
Naruto seguiu parado diante da porta, ainda segurando a maçaneta por alguns segundos antes de deixar o braço cair e se virar. A mágoa que tinha tentado esconder até agora inundou seu belo rosto moreno e ele fez uma careta que indicava alívio e dor.
“E o que isso significa, Sasuke?”, suspirou cansado, fechando os olhos por alguns segundos.
O peito de Sasuke subiu e desceu ao respirar fundo em frustração e cansaço profundo. Seus olhos pesaram muito agora que a adrenalina da discussão tinha caído e parecia ter um peso de meia tonelada amarrado em sua cabeça, puxando seu crânio para baixo. Sua voz veio lenta e exausta, quase como um sussurro frustrado.
“Significa que eu não sei o que fazer, mas também não quero fugir.”, declarou com dificuldade, as pálpebras pesando um mundo inteiro enquanto suas têmporas latejavam.
Ele não conseguiu abrir os olhos de volta. Sua energia tinha chegado definitivamente ao fim e Naruto com certeza tinha notado isso, porque de repente haviam mãos quentes o amparando conforme seu corpo amolecia. No escuro, dentro de sua mente vazia, a última coisa que ele registrou foi o cheiro dele o levando para um sono profundo.
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