Chapter Text
- Uau, o mar é incrível!
Ellie gostava do mar – uma imensidão de azul, de ausência de infectados, de ausência da presença constante deles em sua consciência.
Lev, ao seu lado, com uma careta de enjôo, não parecia compartilhar de sua opinião.
O barco era pequeno demais para oito pessoas, então eles estavam mais ou menos aglomerados em dois grupos. Yara, Mel, Dina e Jesse estavam lá dentro. Ellie e Lev subiram para o convés para fugir da tensão sufocante. Owen era o responsável por guiar o barco, e Tommy estava por perto sem confiar na direção de Owen.
O mar era incrível, mas o clima no barco não muito.
- Você acha que a Abby vai ficar bem? – Lev perguntou de repente, destruindo todo o esforço de Ellie de se distrair com a vista e não pensar em Abby.
Deixar ela para trás havia sido difícil. Se tivesse mais tempo, Ellie provavelmente teria discutido mais pra tentar convencê-la a ir com eles, mas Abby tinha a resolução de uma torre de aço; não cederia quando estava convencida de algo.
Sua alma gêmea. Era tão inacreditável e inesperado que Ellie a tivesse encontrado no lugar mais improvável.
- Ela é forte. – Ellie respondeu, numa tentativa de não pensar profundamente na pergunta de Lev.
Deixar Abby para trás parecia uma traição á si mesma, mas não voltar para Joel também seria trair sua própria promessa.
- Você e ela... – Lev se interrompeu. – Vocês pareciam se detestar ontem, e hoje pareciam amigas.
Ellie riu. Sim, para alguém de fora, com certeza parecia loucura que Abby havia apontado uma arma pra ela no inicio do dia anterior e elas terminaram o dia se abraçando – e algumas coisas mais.
- Quantos anos você tem, Lev? – Ellie perguntou com curiosidade genuína.
- 13 anos.
- Ah. Você é novo demais pra entender isso.
- Eu não sou burro. – rebateu o garoto, mal humorado.
Ele lembrou a Ellie de si mesma, nessa idade. Pobre Joel, havia sofrido com suas crises de humor.
- Okay, então você já teve sua primeira namoradinha? – provocou Ellie.
- Eu iria me casar há alguns dias. – respondeu Lev.
Ellie se arrependeu imediatamente de ter tocado no assunto.
- Puta merda. Seu povo é meio louco, sabe disso né?
Por sorte, Lev não pareceu muito ofendido.
- Nossos costumes são diferentes. – ele respondeu, como se isso explicasse algo.
- Esses costumes são fodidos. Merda. – Ellie levou uma mão á testa, se lembrando do conselho de Dina: “não xingue tanto perto das crianças”. – São errados, entendeu?
- Você e a Abby são namoradinhas, então? – perguntou Lev, como o merdinha provocante que ele era.
Ellie disse á si mesma pra não pegar leve com ele – ele definitivamente cresceria pra ser um espertinho, assim como ela.
- Você já ouviu falar de almas gêmeas? – ela perguntou, tentando ganhar tempo para pensar em como explicar sobre ela e Abby.
Não havia explicação. Até em sua própria cabeça, era uma história improvável.
- Não. – Lev respondeu.
- Certo, a maioria das pessoas hoje em dia não fala sobre isso. É uma coisa pré-surto. Era uma grande coisa antigamente, sabe? Importante e tal. – Ellie tentou explicar, se lembrando vagamente do dia que Joel lhe contou sobre isso. – Você nascia com a marca de outra pessoa na sua pele, e isso simbolizava que vocês estavam destinados, ou algo do tipo.
Lev a encarou com mais critica do que uma criança de treze anos deveria.
- Você está inventando isso. – ele acusou.
- O que, porra? Eu não estou! Eu não sou mentirosa! Pergunta pro Tommy.
- Eu não quero falar com ele.
- Tudo bem, Tommy é legal, ele só está bem mal humorado esses dias. Ta vendo isso? – Ellie mostra o desenho em seu braço. – Eu nasci com essa marca.
- Você nasceu manchada? – perguntou Lev, claramente cético.
- Ei, é uma marca bonita! – protestou Ellie.
- Entre o meu povo, nascer manchado é uma maldição. – explicou Lev.
- O seu povo é fodido. Digo... Eles são idiotas. Você deve saber disso, um pouco, se fugiu deles, certo?
Ellie não sabia exatamente porque Yara e Lev estavam fugindo dos cicatrizes; ela e Abby não chegaram exatamente a se aprofundar numa conversa sobre isso, distraídas demais com outras coisas.
- E o que a Abby tem a ver com isso? – Lev perguntou.
- Ela tem essa mesma marca, nas costas dela. – Ellie afirmou com mais orgulho do que provavelmente deveria.
- Igual? – duvidou Lev.
- Sim, igual. Isso significa que somos almas gêmeas.
Explicar isso para Joel – ou qualquer outra pessoa – seria uma festa. Ellie mesmo não acreditaria nisso se alguém lhe falasse, mas ela passou horas olhando e tocando as costas de Abby. Seus olhos eram treinados demais em arte para confundir a marca dela com qualquer outra coisa.
Ela se perguntava se Abby gostava de ver sua marca nela tanto quanto ela gostava da sua nela? Ellie se arrependeu de não terem conversado mais sobre isso.
Lev finalmente pareceu compreender, e falou:
- Mas vocês duas são garotas.
- Sim, e daí? Eu só gosto de garotas. Isso é um problema pro seu povo? Ou melhor, o que não é um problema pro seu povo? – provocou Ellie.
- A Abby sabe disso?
- Sim.
- Foi por isso que ela estava machucando você ontem lá em cima?
Ellie sentiu seu rosto corar.
- Ela não estava me machucando. Quando você for um pouco maior, você vai entender.
Ellie virou de costas para o mar e viu Dina subindo ao convés.
- Ellie, podemos conversar? - Dina perguntou.
- Vou ver como está Yara. – Lev avisou e se afastou rapidamente.
- Oi, Dina.
- Oi. Fez novos amigos?
- Sim, eles são legais.
- E os Lobos? Confia neles?
- Não, mas precisamos deles.
- Como você convenceu eles a nos ajudar?
- Eu conversei? – respondeu Ellie com incerteza.
Ela também apontou uma arma para Mel e Owen, mas não acha que foi isso que os fez querer colaborar. A chance de escaparem de Seattle provavelmente foi o que pesou mais na decisão final.
- Tommy parece pensar que você se tornou amigo deles. – observou Dina.
- Tommy pode ir se foder. – desabafou Ellie. – Ele só queria matar todos eles e trazer a cirurgiã á força. Ela não iria nos ajudar se matássemos os amigos dela, ou poderia matar Joel na mesa de cirurgia. E Tommy sabe que eles tiveram motivos para ir atrás do Joel.
- Quais motivos? – Dina perguntou e Ellie se lembrou que não deveria estar falando sobre isso.
O assunto da sua imunidade não era algo que ela pudesse compartilhar, nem mesmo com Dina. Por sorte, sua alma gêmea já estava por dentro dessa parte pelo menos, pra que ela não precisasse guardar segredo de mais uma pessoa.
- Há quatro anos, houve uma treta em Salt Lake City. Joel acabou matando o pai da Abby. – resumiu Ellie.
- Uau. Que merda.
- Sim.
- E a Abby? Ela parecia bem... intimidadora.
Não era a palavra que Ellie usaria para defini-la. Forte, bonita, impressionante, poderia ser um começo.
Ellie balançou a cabeça para espantar os pensamentos. Ela estava tão obcecada por sua alma gêmea que era patético.
- Ela estava bem. – é o que ela responde, tentando soar casual e errando por uma milha.
- Essas crianças eram dela? – perguntou Dina, o que fez Ellie rir ao imaginar Abby com filhos.
- Não. Ela acabou resgatando elas dos Cicatrizes.
- Entendi. E você decidiu trazer eles pra Jackson?
- Ela me pediu. – admitiu Ellie.
- Vocês conversaram, então?
- Isso, e um pouco mais. – confessou Ellie, porque ela era péssima em esconder segredos de Dina.
Dina a conhecia bem demais para não entender.
- Sério? Você fodeu a assassina do Joel? – ela perguntou, com mais irritação do que Ellie esperava.
- Em minha defesa, ela não é a assassina dele, já que ele está vivo. – brincou Ellie, sabendo perfeitamente bem que o problema de Dina não era por Abby ser a assassina de Joel. Ela estava familiarizada demais com os ciúmes de Dina para não reconhecer.
- O que Joel diria disso?
Ah, a pergunta que Ellie estava evitando se fazer.
Antes que ela pudesse responder com qualquer bobagem do qual provavelmente se arrependeria, Dina colocou a mão na boca e se debruçou sobre a murada do barco para vomitar. Certo, Ellie nunca a viu ter uma crise de vomito no meio de uma crise de ciúmes.
- Dina, você ta bem? – perguntou, segurando o braço da amiga com medo dela cair.
- Eu estou grávida. – anunciou Dina abruptamente. – Descobri há alguns dias.
- Uau. – Ellie recuou pela surpresa. – Parabéns, eu acho. Jesse sabe?
- Sim, contei a ele no teatro.
- Puta merda, Jackson está recebendo três crianças de uma vez. – comemorou Ellie. – Maria vai adorar. Você vai me deixar ser a madrinha, certo? Prometo que não vou ensinar ele a xingar.
- Não se desvie do assunto, espertinha. – insistiu Dina. – A Abby...
- Ela é minha alma gêmea. – Ellie falou antes que pudesse se conter.
Dina pareceu incrédula por um segundo, antes de exibir uma expressão resignada.
- Ah. Legal. Quero dizer, parabéns que você finalmente a encontrou. Menos de 1% das pessoas ainda encontram sua alma gêmea hoje em dia, certo? Você tirou a sorte grande.
Dina não era muito boa em fingir alegria.
Ellie seria idiota se dissesse que não sabia que Dina tinha esperanças para elas. Elas estavam namorando, terminando e reatando há mais de dois anos. Dina a amava, mas também amava Jesse, e Ellie era lésbica demais e monogâmica demais pra conseguir entrar num relacionamento com ambos, como Dina queria.
- É. Obrigada. – Ellie agradeceu, e não se surpreendeu quando Dina inventou uma desculpa e voltou para dentro do barco.
- Parabéns, Ellie. Ótima maneira de melhorar a viagem. – ela murmurou consigo mesma.
///
- Ei, Abby! O Isaac está procurando por você! – um soldado gritou assim que a viu.
Suas esperanças de conseguir chegar ate seu quarto, até Manny, primeiro, foram imediatamente frustradas.
- Okay, já estou indo ver ele. – Abby respondeu, mas fez um desvio antes para entrar em seu quarto.
Ela precisava ver Manny mais do que ver Isaac e combinar uma história com ele.
- Puta madre! – Manny exclamou ao vê-la. – Está louca, Abigail?
- Desculpa, Manny. As coisas fugiram um pouco do controle. – ela se desculpou sinceramente, mesmo que isso fosse um eufemismo. As coisas haviam saído de controle num nível astronômico. – Como ta a situação?
- Uma merda. Isaac já interrogou eu e Nora duas vezes sobre seu paradeiro.
- Tá. O que você disse pra ele?
- Que você foi atrás do Owen. Não quis arriscar inventar algo e ele te interrogar antes da gente combinar a história.
- Tá, valeu Manny. Vou dar um jeito de me explicar pra ele.
- E o Owen?
- Ele foi embora com a Mel.
- E deixou você pra trás? – Manny perguntou com incredulidade. – Porque você não foi com ele?
- E deixar você aqui? Lutamos juntos até o final, Manny.
- Uau, estamos sentimentais hoje, Abigail. – provocou Manny. – Owen te deixou de bom humor? Espero que essa marca de corda no seu pescoço não seja dele.
Abby revirou os olhos.
- Foram os cicatrizes. – admitiu.
- Pervertidos. – zombou Manny, claramente pensando ser uma piada.
- Estou falando sério.
- Não brinca, Abs. Sério? E você escapou?
- Umas crianças me ajudaram. História pra outra hora, Manny. Vamos lá, tenho que falar com o Isaac.
- Eu vou querer ouvir sobre isso mais tarde.
///
No amanhecer do terceiro dia no barco, Owen os acordou com uma surpresa desagradável:
- Vamos ter que descer aqui e ir caminhando. O combustível acabou, e de qualquer forma, não há como chegar nem na metade do caminho pra Jackson de barco.
- Se tivéssemos os cavalos… - Tommy resmungou.
- Três cavalos não iriam levar oito pessoas até Jackson. – discutiu Ellie. – Temos que pensar num plano alternativo.
- Joel não tem muito tempo alternativo. – Tommy rebateu.
- Foda-se Tommy.
- Ei. - Owen interrompeu. - Vamos procurar veículos, algo do tipo.
- Sim, uma boa idéia. – Jesse concordou.
Ele e Owen estavam se dando bem, pelo menos, pra aliviar a tensão do restante do grupo.
- Seria bom ter pelo menos um cavalo pra Yara. – Mel murmurou.
- Eu carrego ela - Ellie se ofereceu.
Yara era pequena, e se Abby tinha conseguido carregar ela, Ellie pensava que também conseguiria. Ela não era mais fraca que Abby.
- Vamos nos revezar. - Jesse sugeriu e Ellie assentiu.
- Também posso ajudar. - Dina se ofereceu.
- Você não. - Ellie e Jesse recusaram imediatamente, o que fez Dina revirar os olhos de forma carinhosa pra eles.
- Sim, não é bom para o bebê que você pegue peso. – Mel concordou e um silencio percorreu o grupo.
Os olhos de Yara e Lev pareciam que iriam saltar das órbitas.
- Você está grávida?! – Tommy reagiu primeiro.
- Oh. Era segredo? – Mel questionou, sem demonstrar nenhum arrependimento.
- Não é mais. – suspirou Jesse. – Vamos em frente.
- Eu posso caminhar. – Yara disse, quando Ellie se ofereceu para carregá-la.
Seu queixo teimoso a lembrava estranhamente de Abby.
- Tudo bem. – Mel concordou. – Mas quando precisar descansar, você avisa.
- Vamos parar cada vez que ela precisar descansar? – Tommy reclamou.
- Não. Quando ela se cansar, vamos carregá-la. – retrucou Ellie com pouca paciência.
Quando eles desceram do barco carregando um bocado de bolsas e começaram a caminhada, ela procurou ficar o mais longe possível de Tommy. A companhia de Yara e Lev era mais agradável, e ela prometera a Abby que os manteria seguro.
- Ele é o seu pai? – Yara perguntou e Ellie fez uma careta.
- Deus me livre, não. Joel é mal humorado, mas não é rabugento assim. Ele é da família. Irmão do Joel.
- Como é em Jackson? – Yara perguntou.
- Muito legal. Há muitas crianças da idade de vocês.
- Não somos crianças. – Lev retrucou, de uma forma que lembrou Ellie de si mesma nessa idade.
- Querido, você tem treze anos. Você é criança. – ela provocou, porque era divertido ver as reações de Lev.
- Os Seraphitas se tornam adultos aos doze anos. – ele discutiu.
- Você não está mais com os Cicatrizes. No mundo real, você é uma criança. Quantos anos você tem, Yara?
- 15. Eu era um soldado.
- Você só terá permissão para patrulhar depois dos 16 anos.
- Patrulhar?
- É o que os soldados de Jackson fazem.
- Vocês tem muitos inimigos?
- Só os Infectados. De vez em quando um grupo de caçadores aparece por lá, mas nada tão louco como o que havia em Seattle.
- Quantas pessoas vivem ali?
- Acho que na contagem do ano passado, éramos 356 pessoas.
Ellie continuou dando informações sobre Jackson para as duas crianças pelas próximas horas, e isso foi bom para distraí-la do cansaço e dor nas pernas. Ela estava acostumada demais a andar de cavalo.
Quando o dia estava escurecendo, Owen falou:
- Vamos acampar aqui.
- Porra, finalmente! – Dina comemorou e até Yara soltou um suspiro de alivio. Como Ellie suspeitava, ela estava se esforçando alem do que devia para acompanhá-los.
- Podemos caminhar mais um pouco. – Tommy discutiu.
- Está escurecendo, e há muitas árvores. – argumentou Owen. – Podemos ser emboscados por infectados.
- Não seremos. A Ellie... – Tommy parou a tempo.
- A Ellie o que, Tommy? – Ellie perguntou com um sorriso ameaçador.
Ele pelo menos teve consciência o suficiente pra parecer envergonhado, enquanto recuava:
- Nada. Vamos acampar. – concordou. – Vou fazer a primeira guarda.
///
- Abby. – Isaac a olhou com uma calma que era pior do que ira. – Como está o Owen?
- Não sei. Não consegui encontrá-lo. Os Cicatrizes me pegaram. – ela respondeu, apontando para a marca de corda no pescoço. – Voltei o mais rápido que consegui.
Ela decidira ficar o mais próximo possível da verdade, já que sempre fora uma péssima mentirosa. Também não perdeu tempo com desculpas inúteis. Conhecia Isaac o suficiente pra saber que ele não as apreciaria.
Ele a encarou por um momento, e ela se manteve firme, mas sinceramente não saberia dizer se ele acreditava nela ou não.
- Você escolheu sua equipe? – Isaac perguntou.
- Sim. – ela mentiu. Manny escolheu pra ela e lhe falou os nomes á caminho da sala de Isaac; ela não conseguia se lembrar de mais do que três deles.
- Você deveria sair com o primeiro grupo há uma hora atrás. Como chegou atrasada, vai com o grupo do Manny. Nick liderou o primeiro grupo no seu lugar. – disse Isaac, observando-a.
- Tudo bem. – concordou Abby.
- Abby. – Isaac se aproximou. – Estou contando com você. Não faça eu me arrepender novamente.
Soou mais como uma ameaça do que como uma exigência. Abby não recuou nem desviou o olhar.
- Não vou. – ela prometeu com firmeza.
Ela precisava sobreviver até Ellie retornar, e a WLF ainda era sua melhor chance de sobrevivência ali.
- Dispensada. – Isaac falou, sem dar nenhum sinal se confiava ou não em suas palavras.
Abby suspirou ao sair. Conquistar a confiança de Isaac novamente levaria tempo. Ela havia fodido muito as coisas ao ir atrás de Owen, mas não se arrependia por isso. Se tivesse permanecido na base, Ellie provavelmente viria, levaria Mel embora, e Abby nem saberia que ela passara na cidade. Os poucos e sublimes momentos que elas passaram juntas faziam valer a pena todo o problema que ela fosse ter com Isaac pelos próximos dias.
Manny a esperava do lado de fora da sala, tentando não parecer nervoso.
- E ai? Ele arrancou sua pele? – ele perguntou, analisando-a.
- Não. Ele está focado no ataque. Eu vou ir com o seu grupo. – ela avisou.
- Seja bem vinda. Você pode nos liderar, se quiser. – ofereceu Manny. – Sei o quanto você detesta seguir ordens.
- Tudo bem. – concordou Abby. – Quando saímos?
- Em dez minutos. Vamos buscar nossas armas e suprimentos.
///
Abby acompanhou o grupo de trinta soldados até a marina. De lá, entraram num barco e navegaram em direção á ilha dos cicatrizes.
A maioria dos soldados estavam animados, alguns poucos apreensivos. Abby estava tensa, verificando suas armas e munição de forma compulsiva. Parte de sua mente estava no iminente confronto com os Cicatrizes, mas outra parte estava em Ellie, Owen, Mel, Lev, Yara – se eles haviam conseguido, se eles estavam seguros.
Manny era uma presença reconfortante ao seu lado, mas ela sentia falta da familiaridade de ter Owen e Nora ao seu lado, e até mesmo Mel.
- Como você acha que vai ser isso? – Manny perguntou, numa clara tentativa de chamar sua atenção.
- Uma carnificina. – confessou Abby.
- Preocupada?
Não pelos motivos que a maioria deles estava. De alguma forma, ser capturada e torturada não era uma de suas maiores preocupações no momento. Perder Manny figurava entre as maiores delas, junto com...
- Provavelmente haverão crianças. – Abby murmurou, sem conseguir evitar pensar em Lev e Yara.
- Sim, é sempre uma merda ter que matar crianças. – concordou Manny.
Abby sentiu seu estomago revirar.
- Eu salvei a vida das duas crianças que me salvaram. – ela confessou, em voz baixa.
Manny a encarou incrédulo, antes de balançar a cabeça.
- Você tem um coração mole demais, Abs. Não deveria ter se tornado um soldado. Deveria ter ficado como Nora, cuidando dos feridos.
Abby não recebeu isso como um elogio.
- Foda-se, Manny. Sou a melhor soldada daqui, tanto em combate corpo a corpo quanto em armas.
- Será? Que tal uma aposta? – Manny provocou. – Quem matar mais cicatrizes arruma o apartamento por uma semana.
- Você vai trapacear quando eu não estiver olhando.
- Eu nunca faria isso. Tudo bem, que tal... Vamos apostar, e se você não puder matar algumas crianças, eu faço isso por você?
Abby revirou os olhos.
- Você tem uma maneira terrível de demonstrar amizade.
Manny deu de ombros:
- Foi você quem disse: nós lutamos juntos até o final. Não vou deixar algum pirralho te acertar uma flecha porque você não consegue matá-lo. Posso lidar com a culpa. Você já tem muitos fantasmas pra lidar.
Abby não discutiu, pois seria inútil; Manny dormia em seu quarto e via a quantidade de pesadelos que ela tinha ao longo dos anos.
- Tudo bem. – ela concordou. – Mas se eu precisar esconder algumas crianças, você vai me cobrir.
Manny suspirou, alto e sofrido.
- Okay. Custa muito caro ser seu amigo, sabe?
- Foda-se. Ninguém te tolera mais do que eu.
- Sim, é por isso que você é minha melhor amiga.
- Atenção! – o grito de um soldado rompeu os murmúrios no barco. – Estamos avistando a ilha!
Abby preparou suas armas, assim como todos os soldados.
- Vamos lá, Abs. – Manny esbarrou em seu ombro. – Vamos matar alguns Cicatrizes.
- Que a nossa sobrevivência seja longa. - suspirou ela.
///
É uma carnificina, assim como Abby esperava.
A primeira equipe enviada por Isaac - aquela na qual ela estaria - foi massacrada na praia.
Os cicatrizes começaram a atacar antes mesmo do barco atracar na praia. Eles desceram debaixo de uma chuva de flechas, enquanto começavam a atirar bombas na direção dos cicatrizes.
A primeira grande dificuldade era sair da praia, do campo aberto, para a cobertura das árvores. Alguns soldados não conseguiram.
Abby focou em abrir caminho na defesa deles, derrubando vários cicatrizes com tiros certeiros na cabeça.
Os cicatrizes começaram a recuar para a ilha.
- Vamos aguardar chegar mais reforço. - decidiu Abby.
Mais dois barcos chegaram na praia, e ela podia ver outros se aproximando. Ela reuniu os soldados e avançaram para dentro da ilha.
Lentamente, eles foram encurralando os cicatrizes, mas perdendo muitos lobos no processo. Abby não focou em quem estava caindo ou gritando; ela os contava como números, não como rostos familiares. No momento do combate, focava sua mente cem por cento na batalha, sempre deixava pra lamentar depois; isso a tornou um dos melhores soldados da WLF. Não permitia que as emoções a distraíssem de seu objetivo.
- Vamos lá, vamos acabar com todos eles!
- Há um acampamento á frente! – avisou alguém.
Quando avistou as cabanas por entre as arvores, Abby teve um mal pressentimento.
- Vou dar uma olhada. - Manny disse.
- Tudo bem. – ela concordou. – Vou te dar cobertura.
Ela observou quando Manny avançou e abriu a primeira cabana. Balançou a cabeça; vazia. A outra o fez parar por um tempo longo demais. Abby apertou a arma com tanta força nas mãos que sentiu doer.
- Vazia! - Manny gritou e seguiu para a seguinte.
- Se espalhem! - ordenou Abby para os soldados. - Eles devem ter abandonado o acampamento e se escondido. Encontrem todos eles!
Os soldados correram, seguindo suas ordens.
Ela foi atrás de Manny, arma em punho e vigiando ao redor.
- O que tem na cabana? - ela perguntou. Conhecia Manny há tempo suficiente pra saber quando ele estava blefando.
Ele fez uma careta.
- Crianças.
- Quantas?
- Várias.
Abby sentiu seu estômago embrulhar. Ela já havia lutado com soldados muito jovens antes; mas de alguma forma, depois de conhecer Lev e Yara, a idéia de fazer isso era repulsiva. Como ela poderia encará-los depois disso? Como ela poderia tocar sua alma gêmea, se fizesse isso?
Pela expressão de Manny, não eram crianças que já tinham idade para lutar – provavelmente mais novos do que Lev.
Sua indecisão tomou tempo demais. Ela começou a ouvir a voz de soldados se aproximando.
- Deixe isso comigo, vou dar à eles uma morte rápida. - Manny decidiu, afastando-a com uma mão.
- Não. – negou Abby. Isso era algo que ela não desejaria nem para seu pior inimigo. – Derruba todas as cabanas. - Abby ordenou.
- Abby.
- Agora, Manny.
Ela começou a fazer isso rapidamente. Manny xingou algo e seguiu seu conselho.
Havia três cabanas com crianças dentro. Abby arrastou as peles das cabanas vazias e jogou sobre elas.
- Eles não vão morrer sem ar? – perguntou Manny.
- Não consigo matar mais de trezentos soldados para proteger eles. Com sorte, os soldados vão ver as cabanas caídas e não vão olhar. Vamos sair daqui.
Não havia o que ela pudesse fazer.
Abby não foi muito longe. Ficou observando de longe as cabanas, enquanto ordenava os soldados pra longe dali.
Um grupo de três soldados tiveram a idéia de queimar as cabanas.
- Ei, vocês estão loucos? Querem queimar a floresta inteira?
- O que tá acontecendo? - Manny chegou.
- Esses putos querem colocar fogo aqui.
- Saiam daqui.
- Isaac disse que podíamos queimar a ilha. – um deles discutiu.
- Quando todos tiverem saído daqui. Comecem a evacuar para o barco. – ordenou Abby com autoridade.
Por um momento, o soldado parecia que iria enfrentá-la. Abby usou seu melhor olhar de “vou te quebrar em pedaços” e ele recuou.
- Vou avisar todos para irem para os barcos. - Manny lhe avisou, antes de se afastar com um tapinha em seu ombro.
A escuridão começava a cobrir a ilha e Abby estava completamente molhada pela chuva torrencial, com frio e preocupada com a vida de algumas crianças cicatrizes mais do que com o que Isaac faria com ela se descobrisse seu pequeno erro.
- Que loucura você tá fazendo, Abigail Anderson. - resmungou consigo mesma. - Ellie faria o mesmo. – disse, tentando se convencer de que não ficara completamente louca. – Não, ela provavelmente atacaria os soldados e tentaria levar as crianças. Aquela louca. Porra, espero que ela esteja bem.
Abby não sabia se confiava na promessa de Ellie, de que voltaria por ela. Ela havia dito aquilo com tanta convicção, e parecia ter a determinação necessária para isso, mas haviam tantas variáveis. Joel deixaria ela sair de Jackson? Ela iria querer sair, depois de estar em segurança?
Abby não deveria querer que ela saísse e se arriscasse tanto por ela, mas não conseguia mentir para si mesma. Ela queria que Ellie viesse por ela. Ela queria que Ellie a quisesse mais do que qualquer outra coisa. Ela queria que Ellie estivesse pensando nela tanto quanto ela estava pensando nela, como uma obsessão.
Abby pensou que nunca poderia desejar algo mais do que a vingança, mas ela estava começando a perceber que ela havia subestimado o quanto desejava ser amada.