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O que sobrou de nós

Summary:

Satoru Gojo sempre teve tudo sob controle. Até que, ao ser transferido para uma nova universidade, ele conhece Suguru Geto.

Bastou um olhar para que algo dentro dele quebrasse. Obcecado, confuso e completamente rendido, Satoru não consegue ignorar o fato de que Suguru já tem alguém: Sukuna, um namorado ciumento, instável e possessivo.

Preso entre o desejo e a culpa, Satoru se vê cruzando limites que nunca imaginou, e por alguém que talvez nunca o escolha de volta.

Notes:

Bom gente, essa fanfic nasceu porque eu tava muito afim de explorar um triângulo amoroso com algum dos meus shipps favoritos. Esperem tudo de mais absurdo dessa dinâmica. Um beijo estrelado pra cada um de vocês.

Me sigam no twitter: @moody_brubbia

(See the end of the work for more notes.)

Chapter 1: Limerência

Chapter Text

O campus parecia ainda maior pessoalmente, muito além do que ele tinha imaginado.

Satoru parou na frente da entrada da universidade, sentindo o peso da sua mochila forçar um dos seus ombros. Seus óculos escuros escondiam seus olhos semicerrados, que não faziam esforço para se acostumarem com o brilho forte do sol. Os resquícios do verão geravam um calor irritante, o que era um pé no saco. Satoru sempre preferiu as épocas frias do ano. Um chocolate quente era sempre mais bem-vindo durante o inverno. Um pedaço de bolo de morango era muito mais apetitoso em um dia frio e chuvoso. Tudo no frio parecia certo e tudo no calor parecia errado. 

Satoru passou a mão pelos seus fios de cabelo brancos, afastando o suor de sua testa. Ele tinha a leve sensação de que o calor seria o menor dos seus problemas. Ali, parado, na frente daquele prédio imponente, ele tinha a sensação de que estava se preparando para entrar em um lugar novo, e até um pouco hostil. 

Isso porque ele não tinha começado ali.  No ano passado, Satoru estudava em uma universidade menor, pouco conhecida, mas as suas notas eram sempre as melhores e seus projetos de física eram impecáveis. O seu talento para as áreas de exatas já o acompanhava desde o ensino médio, mas foi na universidade onde tudo ficou ainda mais claro. E, claro, Satoru sempre foi um esnobe por conta disso. Ele era conhecido como o gênio do seu curso, e não havia nada que ele não conseguisse fazer. Não havia equações matemáticas que ele não conseguisse resolver.

Assim, quando ouviu falar da chance de tentar uma bolsa na Universidade Meiyo, um lugar famoso e difícil de entrar, Satoru não pensou duas vezes antes de tentar. Diziam que era quase impossível conseguir transferência: o processo era rigoroso, a banca exigente e as vagas eram mínimas. Mas ele fez parecer fácil. Em um semestre, tirou notas perfeitas, entregou projetos excepcionais, conseguiu recomendação direta de dois professores, e escreveu uma redação em um dia, sem nem revisar. No fim, o e-mail com a confirmação de sua aceitação chegou antes do que ele esperava.

A Meiyo era reconhecida principalmente pelas exatas, o campo que Satoru escolheu para cursar física, mas tinha também cursos em biológicas e humanas, como medicina, artes e arquitetura — esses últimos, muito concorridos. Não que isso o interessasse, mas era bom saber que estava finalmente em uma universidade com nome forte. E o melhor: a universidade ficava em outra cidade, então ele também conseguiu a liberdade da casa de seus pais que ele tanto almejou nos últimos anos. Foi uma vitória dupla.

Voltando para a realidade. Satoru soltou um suspiro fundo e decidiu cruzar os portões. Ele não sabia ao certo o que o impedia de estar mais entusiasmado para o seu primeiro dia. Quer dizer, ele estava feliz. Era uma grande conquista para ele, no entanto, ali, agora, enquanto caminhava rápido, tentando acompanhar o ritmo dos alunos, ele percebia que talvez, de todos os problemas que enfrentou até aqui, esse fosse o mais desafiador: o de se encaixar.

Não que Satoru fosse um garoto antissocial. A verdade é que ele nunca conseguiu se  encaixar inteiramente nos grupos, nas pessoas populares, nos círculos de destaque. Sempre preferiu estar à margem, longe dos holofotes, mesmo sendo, por si só, alguém difícil de ignorar. Claro, suas notas impecáveis e sua inteligência fora do comum eram impossíveis de ignorar, e talvez por isso ele nunca tenha tido nenhum problema até então com a ideia de estar sozinho. Mas agora, na nova universidade, em uma cidade desconhecida, ele começava a sentir indícios de uma insegurança se formando bem no fundo do seu ser.  O que era irônico, já que Satoru Gojo nunca foi o tipo inseguro.

Era engraçado. Andando pelos corredores, até o pátio, cruzando com inúmeras pessoas que nunca havia visto antes, Satoru se sentia estranhamente pequeno naquele lugar. Os prédios altos e imponentes faziam com que se sentisse ainda menor. 

 

“Satoru!” ouviu uma voz feminina o chamando de longe, e isso foi o bastante para que seus pensamentos negativos fossem embora, pelo menos por agora.

 

“Shoko” disse, um pouco surpreso de ter encontrado a amiga já tão cedo. Uma parte dele chegou a pensar que o encontro dos dois viria só na hora do almoço, depois que houvesse menos movimento no pós-aula.

 

Shoko Ieiri estava na Meiyo desde o começo do ano. Tinha feito o caminho “normal”, passado direto no vestibular e desde então, vinha mantendo uma média alta com o mínimo esforço possível. Médica por obrigação, cínica por natureza. Era o único rosto familiar de Satoru ali.

Satoru e Shoko se conheceram anos atrás Os dois são da mesma cidade e participaram de um curso de matemática que durou por volta de um semestre. Não demorou muito para que os dois se conhecessem e se dessem bem. A parte cínica e irônica da Shoko combinava com o jeito convencido do Gojo. Pode até parecer um problema, mas eles mantêm contato frequente desde então. Shoko foi a primeira pessoa a saber que Satoru tinha conseguido a transferência para a universidade. Ela ficou sabendo até antes mesmo dos seus pais. Desde então, os dois têm mantido contato para que conseguissem se ver logo no início das aulas. Como Satoru estaria completamente sozinho no começo, ele topou de primeira.

Diferente de Satoru, Shoko já estava na universidade desde o começo do seu curso. Enquanto conversavam via mensagem, antes da transferência de Satoru, ela às vezes comentava sobre a sua rotina como aluna de medicina, além de falar brevemente sobre os seus amigos e sobre algumas festas que gostava de frequentar. 

Apesar de não se considerarem melhores amigos, Satoru nunca se esqueceu da conexão que surgiu naquele curso de matemática, e de todo o apoio que recebeu de Shoko nos últimos meses depois que a sua transferência foi finalmente aceita. Era bom saber que, apesar de tudo, ele teria pelo menos uma amiga nessa nova fase.

Ao se aproximar mais, Shoko cumprimentou o velho amigo com um abraço.

 

“Satoru Gojo… Pontual como sempre” brincou, tomando um gole do energético que estava em sua mão “E ai? Impressionado com a universidade?”



Satoru deu de ombros.


“É… Podia ser melhor, né? Pela fama eu imaginava um lugar bem diferente”

 

“Hm. Já já você vai se sentir em casa, é só você conhecer os nerds do seu curso que essa sua opinião muda rapidinho” brincou

 

“Hm, eu passo” comentou. Satoru podia ser um gênio, mas ele não tinha nenhum interesse em fazer amizade com os esquisitões do seu curso.

 

“Haha, um ótimo começo, calouro. É só ficar perto de mim que você sempre vai ter as companhias certas pra andar com você” comentou, orgulhosa

 

Enquanto estavam parados conversando no pátio, Satoru não conseguia desviar o olhar do ambiente que o cercava. A universidade era realmente enorme. Prédios altos e blocos espalhados por toda parte, cada um com portas que davam acesso a diferentes salas de aula e laboratórios. De um lado, um refeitório vasto chamava atenção, com suas janelas grandes, e do outro lado, bem perto dali, havia uma cafeteria moderna onde estudantes se reuniam entre as aulas para estudar ou jogar conversa fora. Tudo aquilo era um universo novo para ele, e uma parte de Satoru se animava com a ideia de explorar tudo aquilo e se adaptar àquele espaço tão diferente do que ele já conhecia. Uma outra parte dele não conseguia deixar de notar como aquilo tudo era opressivo de certa forma.

 

“Bom, Shoko, você vai ter que ser a minha guia hoje. Parece que tô preso em um labirinto” comentou, deixando seus olhos passearem pelas vidraças das janelas de cada prédio.

 

No entanto, enquanto olhava ao redor, se deparou com uma pessoa que chamou sua atenção.

Ele avistou um garoto, a poucos metros de onde ele e Shoko conversavam. O garoto em questão era um pouco menor que ele, um pouco mais magro, mas tinha uma presença firme e parecia se destacar naturalmente no meio da multidão de alunos. No momento, ele estava rodeado de mais alguns outros jovens, e conversava com eles com tranquilidade, como se fosse o centro das atenções. E talvez ele fosse o centro das atenções. Ele havia acabado de se tornar o centro das atenções de Satoru, e os dois mal se conheciam. 

Ele tinha cabelos lisos e pretos, que iam até quase a sua cintura. A parte de cima do cabelo estava presa em um coque um pouco frouxo, deixando escapar algumas mechas, trazendo um ar bastante despreocupado para ele. Sua franja caía suavemente sobre seus olhos, deixando-os ainda mais enigmáticos.

Olhando um pouco mais atentamente, Satoru notou alguns detalhes de sua roupa, apesar da nítida distância entre os dois. Ele usava roupas pretas, que conseguiam destacar a sua personalidade forte, como se cada detalhe fosse intencional. Usava uma calça jeans bastante larga que ficava bem abaixo de sua cintura e uma camisa de alguma banda que Satoru não conhecia. A camisa aparentava ser bastante larga, no entanto, parecia ter sido cortada na metade, deixando boa parte de sua barriga em evidência. Era autêntico, mas o mais importante: era muito sexy. Apesar das roupas largas, ter aquele pedaço de pele exposto fazia com que Satoru fantasiasse um pouco sobre o resto do corpo do garoto.

Mas, por incrível que pareça, não foi aquilo que realmente prendeu os olhos de Satoru. Não era o jeito de se vestir, o corpo ou a postura, nem a forma como seus cabelos pretos destacavam sua pele clara. Foi aquela beleza natural. Tão natural que parecia até sobrenatural. Algo de outro planeta. Era algo magnético, que tentava puxar Satoru para perto sem que ele pudesse controlar.

Quando o garoto se virou, algo dentro de Satoru estremeceu. O coração disparou, batendo descompassado, como se quisesse saltar para fora de seu peito.

Não é como se Satoru tivesse uma queda por garotos alternativos que gostavam de bandas de rock desconhecidas. Na verdade, ele nunca teve um tipo ideal, o que sempre soou estranho para as pessoas ao seu redor. Era tão estranho que nem ele sabia explicar direito. Algo precisava clicar. E ali, algo definitivamente clicou dentro dele. 

 

“...E seguindo reto ali, você vai encontrar o Bloco B. As salas do seu curso geralmente ficam ali... Satoru?” Shoko o chamou, mas ele pouco ligou.

 

Satoru nunca acreditou muito em amor à primeira vista. Mas, naquele momento, se viu completamente submisso à beleza daquele garoto, alguém que ele nem ao menos conhecia.

 

“Satoru?” Shoko o chamou, agora com um tom mais enfático. E, assim, ele foi puxado de volta para a realidade.

 

“Oi,” respondeu, olhando para ela com um sorriso que tentava esconder sua distração.

 

Shoko percebeu que algo não estava certo. Não que ela soubesse exatamente para quem Satoru estava olhando, mas estava claro que ele estava distraído com algo, ou alguém. Um sorriso irônico curvou seus lábios.

 

“Relaxa, você vai ter tempo para conhecer todo mundo aqui,” disse ela, com a confiança de quem sabia o que estava acontecendo, mas preferia brincar com a situação.

 

“Certo… Eu… Vou pra aula, Shoko. Podemos almoçar juntos? Acho que hoje não tenho as aulas da tarde.”


“É, ninguém vai ter. Podemos almoçar e ir embora depois, o que acha?”


Satoru acenou com a cabeça, ainda meio perdido em seus pensamentos, e seguiu em direção ao seu bloco. Quanto mais se afastava do pátio, mais a figura do garoto com a franja sobre os olhos o perseguia. Só uma coisa passava em sua mente: será que o veria novamente? Será que teria a chance de conversar com ele? De repente, aquilo parecia ter se tornado um objetivo pessoal de Satoru: se aproximar, de alguma forma, daquele franjudo. 


 

Como era de costume quando alguma instituição recebia um aluno por transferência, Satoru teve que se apresentar para toda a sua sala de colegas. As reações foram variadas. Alguns já o conheciam por conta de seus projetos excepcionais que foram destaque na antiga universidade, e os olhares que ele recebia eram de uma admiração quase palpável. Satoru não podia negar que sabia ser, de fato, um gênio. E o problema, claro, era que ele também sabia que essa inteligência não passava despercebida, o que o tornava alvo de olhares competitivos. As pessoas viam nele uma ameaça, o que, honestamente, o divertia até certo ponto.

Mas tudo aquilo pouco importava. Na sua primeira aula de cálculo do semestre, enquanto o professor escrevia fórmulas e equações na lousa, boa parte daquela matéria já era tão óbvia para ele que seus olhos mal acompanhavam as anotações. Sua mente começou a escapar, vagando para longe daquela sala, para um lugar muito mais vívido, com pele clara e cabelos pretos, e um sorriso encantador. Era como se cada traço, cada detalhe do rosto daquele garoto se instalasse no centro dos pensamentos de Satoru, ocupando cada espaço livre do seu cérebro. 

Ele tentou resistir, se forçar a focar nos números e nos símbolos, mas a imagem voltava sempre, insistente, puxando sua atenção para um turbilhão de sentimentos que ele não conseguia explicar. O som da voz do professor parecia distante, quase abafado, enquanto ele se perdia naquele rosto e naqueles olhos que o assombravam. E Satoru ficou preso ali, até que, eventualmente, as aulas finalmente chegaram ao fim.

Após a aula, Satoru sabia que precisava de um plano, mas ainda não tinha certeza sobre qual plano seria esse. Pensou em contar para Shoko, mas algo dentro dele segurava essa vontade. Um misto de desconfiança e receio. Ele queria entender melhor o círculo de amigos dela antes de expor qualquer coisa. E se alguém ali já conhecesse o garoto de cabelos pretos? Satoru nunca foi do tipo que confiava facilmente, e puxar esse assunto no meio do almoço, no seu primeiro dia, parecia estranho demais, até para ele. Afinal, ninguém espera se perder em obsessões logo no primeiro dia de aula.

Então, preferiu ficar quieto por enquanto, sem falar nada com ninguém. Eventualmente, a chance de perguntar sobre o garoto da franja apareceria, no entanto, puxar esse assunto no primeiro dia de aula não parecia certo. E tudo bem. Satoru era bom em observar. Em resolver problemas. Em calcular. Ele faria do jeito dele, por enquanto, mantendo-se atento sem chamar atenção.

E assim foi feito. Quando ele decidiu encontrar Shoko para o almoço, ele não ficou surpreso ao notar que a amiga havia chamado mais dois de seus amigos para se juntarem a eles: Nanami e Haibara. Ambos eram do mesmo curso e pareciam pessoas bastante interessantes. No entanto, o objetivo de Satoru agora era outro. Ele precisava encontrar alguma pista sobre o garoto. Qualquer coisa que o aproximasse dele. Queria vê-lo novamente, nem que fosse de longe. Seu prato, ainda cheio de comida, repousava esquecido à sua frente, enquanto sua mente estava em outro lugar.

Enquanto se via perdido nos próprios pensamentos, Satoru notou uma figura conhecida entrando pela porta do refeitório. O garoto dos cabelos pretos entrou sem muita cerimônia, e andava um pouco apressado, passando direto pela fila de comida, seguindo reto até as mesas do refeitório, como se soubesse exatamente para onde precisava ir.

No mesmo segundo, Shoko se virou na cadeira.

 

“Suguru!” ela chamou, e, naquele exato momento, o garoto se virou, os olhos focando diretamente na mesa onde Satoru estava sentado.

 

Era como se o universo estivesse pregando uma peça cruel nele. Satoru sabia que estava sendo pego no flagra, encarando descaradamente o garoto. Ou será que não? Ele costumava disfarçar bem nessas situações, mas, agora, parecia incapaz. Seu coração disparou quando viu que o garoto — Suguru, agora ele sabia — estava vindo em direção à sua mesa. Ele era amigo da Shoko? Os dois se conheciam? Como?

Suguru… Suguru… O nome ressoava na mente de Satoru, como uma nota suave que o deixava hipnotizado.

Quando o garoto chegou, abriu um sorriso tímido, e Satoru achou que poderia morrer ali mesmo, naquele exato instante.

Todos o cumprimentaram com naturalidade, exceto Satoru, que ficou parado, quase boquiaberto, completamente sem reação. Afinal de contas, o que ele poderia fazer? Os dois mal se conheciam.

 

“Oi, Shoko. Mal nos vimos hoje,” Suguru disse, se aproximando sem intenção de se sentar. Sua voz era suave, mas havia um tom despreocupado em sua fala.

 

“É, você vive fugindo de mim! Tenho certeza de que você está escondendo alguma coisa e não quer contar, né?” Shoko respondeu, brincando, com um sorriso largo.

 

Suguru soltou uma risada baixa, que fez Satoru prender a respiração por um momento. Era o fim.

 

“Eu tava terminando um projeto. Fiquei trabalhando nele durante as férias. Precisava entregar hoje. Desculpa se não te dei muita atenção,” Suguru explicou com um sorriso fácil, sem se importar com a leve provocação de Shoko.

 

E… De alguma forma, Suguru parecia ainda mais bonito de perto. Ele tinha algo misterioso em si, uma presença quase magnética. Seu jeito sereno, mas ao mesmo tempo desafiador, era hipnotizante. Havia algo de fascinante no modo como ele se movia, como se nada realmente o atingisse, mas tudo ao seu redor estivesse sob seu controle. Sua voz, suave e macia, era gostosa de ouvir, e quando ele falava, parecia que o tempo diminuía um pouco. E aqueles olhos... amarelos, hipnotizantes, quase impossíveis de acreditar. Satoru se pegou questionando se eram reais.

Agora que olhava com mais atenção, Satoru reparou nos detalhes que antes haviam passado despercebidos. Suguru tinha alguns piercings delicados nas orelhas, e uma argola discreta atravessava o seu lábio inferior, chamando atenção para uma boca que, honestamente, Satoru preferia não pensar tanto. Seus cílios eram tão espessos e escuros que pareciam estar maquiados. 

Era o fim. Satoru sentiu como se tivesse sido condenado a uma morte lenta e dolorosa, daquelas que começam com um desejo sutil e vão se espalhando como veneno pelo corpo. Uma morte que não vinha com violência, mas com a tortura silenciosa de querer algo que não se devia. Desejar alguém que mal conhecia, mas que já parecia ocupar espaço demais dentro dele. Era um desejo que parecia errado. Quase indecente. E, ainda assim, impossível de evitar.

Mas o mais intrigante era a maneira como Suguru parecia completamente alheio ao impacto que causava. Ele nem parecia notar os olhares que atraía, muito menos os de Satoru. O garoto estava ali, totalmente imune a tudo que o cercava, caminhando com a confiança de quem sabia exatamente onde estava e para onde ia. A indiferença de Suguru fez Satoru se sentir, por um momento, um pouco deslocado. Ele, que sempre controlou as situações ao seu redor com facilidade, de repente se viu fascinado por alguém que não parecia se importar nem um pouco com ele. E isso, de alguma forma, só o deixou mais curioso, mais determinado.

 

“Aham. Sei como é. Mas agora, senta com a gente. Esse aqui é meu amigo, Satoru. Ele é um idiota, mas até que dá pro gasto. Veio transferido de outra universidade” Shoko disse, rindo enquanto apontava para Satoru.

 

Satoru não sabia se deveria se sentir ofendido ou lisonjeado. Shoko realmente tinha uma maneira única de apresentá-lo.

 

“Hã? Idiota?” Satoru foi pego de surpresa.

 

“É… Ele é um idiota, mas é um gênio também,” riu “Ele vai cursar física aqui, e é realmente muito esperto”.

 

Que primeira interação horrível. Satoru queria simplesmente evaporar dali.

 

“Transferido?” Suguru perguntou, inclinando um pouco a cabeça, a curiosidade cintilando em seus olhos. “Má sorte, hein?” O sorriso que ele deu foi pequeno, mas tinha algo de provocativo escondido ali.

 

“Má sorte? O Satoru fez projetos bem reconhecidos na universidade antiga. Você deve ter ouvido falar dele pelo menos uma vez!” Shoko comentou, trazendo mais positividade para as informações que dava sobre o amigo, diferente de antes.

 

Suguru arqueou uma das suas sobrancelhas.

 

“Hm. Qual o seu nome completo?” Suguru perguntou, voltando seus olhos para Satoru, que ainda não havia falado nada de muito importante que o destacasse naquela conversa.

 

“Satoru Gojo” disse, tentando não desperdiçar a atenção que tinha acabado de receber.

 

Ele sabia que, mesmo que não conseguisse conversar com Suguru do jeito que queria, ao menos o garoto saberia quem ele era. No meio acadêmico, seu nome era conhecido — isso, pelo menos, estava garantido. Muitas pessoas da sua turma puxaram conversa com ele por já terem lido uma parte de seus trabalhos que começou a fazer na antiga universidade.

 

“Hm… Nunca ouvi falar” comentou, voltando seus olhos para Shoko, como se Satoru fosse apenas uma sacola cheia de lixo naquela mesa. E talvez ele fosse. Talvez ele se jogasse dentro de uma lixeira depois de sair da universidade naquele dia. Talvez esse fosse o seu destino. Um saco de lixo para Suguru pisar em cima. 

 

“Ainda não ouviu falar” respondeu, com um tom de voz brincalhão. Ele não sabia dizer ao certo de onde veio tanta coragem. Ele era corajoso, sim. Mas quando estava longe de garotos alternativos que estavam no topo da escala da beleza.

 

Suguru arqueou uma sobrancelha, avaliando aquela resposta com um brilho divertido nos olhos.

 

“É mesmo?” murmurou, a ponta do sorriso ainda presente no canto dos lábios.

 

Por um instante, Satoru teve a impressão de que ele ia dizer algo mais, talvez uma provocação direta — mas, ao invés disso, Suguru apenas desviou o olhar.

O silêncio que ficou entre eles parecia vibrar, carregado de uma tensão sutil que só Satoru parecia sentir no corpo inteiro.

 

“Bom, a gente se vê então,” ele disse, se despedindo de forma bem direta com um sorriso no rosto.

 

“Quê?! Você ficou o dia todo fugindo de mim e agora vai embora?” Shoko reclamou, sem saber o que mais dizer.

 

“Eu tenho minha aula de dança, Shoko. Elas vão ser nas segundas agora… E eu to meio atrasado. Preciso ir, depois conversamos,” disse Suguru, já se afastando, indo para outro canto do refeitório, sem dar chance para Shoko reclamar mais um pouco.

 

Ela suspirou. Parecia chateada.

 

“Que saco.”

 

Nanami olhou para trás, despretensiosamente.

 

“Shoko, olha ali,” o loiro comentou.

 

Satoru virou o rosto, como se seus olhos tivessem imãs presos em Suguru.

E então ele viu.

Suguru se aproximou de um cara bem mais alto — mais alto até que Satoru. Cabelos ruivos e roupas excessivamente pretas. Suguru parecia apressado, tentando explicar alguma coisa com gestos rápidos e ansiosos para o ruivo, mas o outro parecia não se importar. Ao invés de responder, simplesmente passou um braço pela cintura de Suguru, puxando-o para perto com uma intimidade que fez o estômago de Satoru revirar.

O coração de Satoru quebrou em mil pedaços. Então, o Senhor Franja tinha um namorado. Um maldito e sortudo namorado. Ainda era o primeiro dia de aula e sua vida já havia sido arruinada. Ele, que havia analisado cada traço daquele rosto, cada fio de cabelo caído sobre os olhos, que sabia o jeito exato como a camiseta de banda se amassava nos ombros do garoto, havia esquecido de reparar no detalhe mais óbvio: o maldito dedo anelar. Como pôde? Que tipo de gênio ignora esse tipo de informação vital?

Talvez aquela fosse, de fato, sua primeira experiência real com o conceito de má sorte. 

Suguru cutucou o ombro do namorado, chamando sua atenção novamente, mas o homem só se virou devagar, encarando-o com um olhar vazio, quase impassível. O braço dele continuava firme na cintura de Suguru, como uma corrente silenciosa. Eles pareciam conversar agora, no entanto, não parecia estar sendo uma conversa muito boa. 

Satoru observava tudo, paralisado, enquanto Suguru gesticulava, a frustração evidente em cada um de seus movimentos. Parecia que estava irritado, tentando ser ouvido — mas o ruivo mal reagia. Respondia com um murmúrio aqui, um aceno ali, sem de fato se importar.

Era estranho. Frio.

Depois de alguns minutos tensos, Suguru finalmente desistiu. Deu meia-volta e saiu do refeitório com o rosto baixo e o corpo carregado de decepção.

O homem ruivo? Simplesmente voltou a se sentar, como se nada tivesse acontecido, retomando a conversa com seus amigos, indiferente.

Satoru ficou ali, sem saber o que fazer. Na verdade, não podia fazer absolutamente nada. Isso era o que o frustrava. Ele sempre estava acostumado a ter tudo o que queria, e logo no primeiro dia de aula, depois de ver o garoto mais lindo do mundo, descobriu que ele estava definitivamente indisponível. E, para piorar, o cara que estava com Suguru... tinha algo de errado nele. Algo que fazia a nuca de Satoru arrepiar.

Sinistro. Era essa a palavra.

A atmosfera ficou densa por um momento. Pesada.

Nanami soltou um suspiro pesado e retornou ao lugar, voltando sua atenção para o prato de comida na sua frente. Haibara e Shoko fizeram o mesmo, todos nitidamente desapontados. Ali, Satoru entendia que aquele silêncio falava sem precisar de palavras. Parecia um problema recorrente, um consenso entre o grupo. 

E Satoru, mesmo sem entender exatamente o contexto, captou algo essencial: não era o único que se sentia desconfortável com aquela situação.

Só que, diferentemente dele, que lidava com um ciúme até um pouco infantil, Nanami, Shoko e Haibara pareciam carregar uma preocupação mais antiga, mais amarga. Como se conhecessem detalhes que ele ainda não conhecia.

O resto do almoço seguiu num silêncio incômodo. Nanami comeu rápido, levantou e se despediu com um aceno discreto, dizendo que precisava revisar umas anotações. Haibara tentou puxar conversa, mas até ele parecia sentir que algo havia desandado. Logo, ele também se retirou da mesa, dizendo que pegaria um café na cafeteria.

Satoru, sem conseguir mais disfarçar a ansiedade, ficou mexendo no prato até Shoko empurrar o dela para o lado e se levantar.

 

“Vamos?” ela perguntou, sem muita animação.

 

Ele assentiu, pegando sua mochila.



Enquanto caminhavam para fora do prédio, o sol ainda estava alto no céu, derramando uma luz clara pelas passarelas e jardins do campus. O calor do dia batia nas costas de Satoru, mas ele mal sentia, perdido em pensamentos.

O movimento no pátio era grande: alunos cruzando de um lado para o outro, alguns se reunindo embaixo das árvores, outros se espalhando em direção às próximas aulas. Satoru e Shoko seguiram lado a lado, sem pressa, misturados no fluxo de pessoas que também se dirigiam até a saída.

Enquanto andava, Shoko pegou a sua caixinha de cigarros, escolhendo um para acender com uma expressão entediada. Satoru chutava pequenas pedrinhas no caminho, as mãos afundadas nos bolsos da calça jeans, tentando encontrar coragem para falar.

Só quando já se afastavam do prédio principal que ele finalmente quebrou o silêncio:

 

“Aquele cara… Ele é… Quer dizer… O que foi aquilo que rolou lá dentro?”

 

Shoko olhou para ele de lado, o cigarro recém-acendido entre os dedos. A expressão dela era difícil de ler.

 

“Hm…”  Ela deu uma tragada lenta antes de soltar a fumaça para cima. “É complicado.”

 

Satoru mordeu a língua para não insistir, mas sua curiosidade latejava. Ainda assim, respeitou o silêncio dela.

 

“É problema” Shoko completou, como se adivinhasse a pergunta que ele não fez. “E não é um problema que você consiga resolver, Satoru.”

 

Ele apenas assentiu, meio desconfortável. Não sabia exatamente o que aquilo significava, mas entendeu que era melhor não forçar.

 

“Você e o Suguru se conhecem faz tempo? Você nunca me falou dele nas suas mensagens” perguntou, tentando soar casual. Mas a curiosidade o corroía por dentro.

 

Shoko soltou uma risada breve, como se a pergunta fosse inevitável.

 

“Sim. Desde o primeiro semestre, na verdade. Ele foi meu primeiro amigo aqui na universidade. Nos conhecemos numa festa e ficamos bêbados juntos. Foi um lindo desastre.”

 

Satoru imaginou a cena. Suguru rindo alto, com os cabelos bagunçados, tropeçando em palavras e talvez até em móveis. A imagem invadiu sua mente com uma ternura inesperada. Por algum motivo, pensar nele daquele jeito o fez sorrir.

 

“E o que ele–”

 

“Arquitetura,” Shoko cortou antes mesmo da pergunta terminar, levando o cigarro de volta aos lábios. “Você pode até ser um gênio, mas é bem previsível, senhor-sabe-tudo.”

 

Satoru a encarou, surpreso, mas ela só devolveu um sorriso afiado, como se soubesse exatamente o que se passava dentro da cabeça dele.

 

“Hm. Um grupo de amigos bem diverso esse seu” comentou, tentando mudar de assunto

 

“É. Eu particularmente gosto.”

 

Os dois ficaram um tempo em silêncio depois disso.

Enquanto caminhavam até o portão principal, Satoru ainda arriscou um último olhar para trás, como se, de alguma forma, esperasse ver Suguru outra vez. Mas o refeitório já estava vazio.

 

“Ei.” Shoko interrompeu o silêncio, a voz carregada de uma leve provocação.

 

Satoru virou a cabeça, interessado, mas com uma expressão ligeiramente cética.

 

“Vou te mostrar o bar onde todo mundo vai. Vem comigo.” Ela fez um gesto animado com a mão, quase como se fosse uma ordem disfarçada de convite.

 

Satoru soltou um suspiro, a ideia de sair já pesando sobre ele.

 

“Eu queria estudar hoje à noite.” Ele falou com a voz cansada, tentando se manter firme, mas a pressão da vida universitária já começava a se mostrar.

 

“Não enche, hoje é o primeiro dia de aula. E, convenhamos, nem tem nada pra estudar.” Shoko insistiu, com um sorriso irônico, agarrando o braço de Satoru e o puxando sem hesitação. Ele virou refém da determinação dela, já sabendo que seria difícil resistir ao seu ritmo frenético.


 

Suguru entrou no quarto com a raiva pulsando em suas veias, a frustração tomando conta de seu corpo. Seus movimentos eram rápidos e quase automáticos enquanto pegava suas roupas espalhadas pelo ambiente, ignorando a presença de Sukuna sentado na cama, com a expressão fria que ele já conhecia tão bem. O silêncio entre eles era sufocante.

 

“Vai continuar me ignorando até quando?”, a voz de Sukuna cortou o silêncio, baixa e carregada de impaciência.

 

Suguru permaneceu em silêncio, tentando controlar as emoções dentro de si. A última coisa que queria era começar uma briga.

 

“Hm? Me responde. Para de drama” 

 

Só que as palavras de Sukuna sempre conseguiam tirá-lo do sério. Ele parou, encarando o chão com os punhos cerrados antes de finalmente se virar, incomodado. 

 

“Você esqueceu de novo, Sukuna!” comentou, bastante incomodado, tentando medir a forma como as palavras saiam de sua boca, mas não conseguindo esconder a sua raiva “O ballet! Você ia me levar! Eu te avisei, falei com você sobre isso, e quando fui até o refeitório, você disse que tinha esquecido e nem se importou. Como se eu fosse só mais um detalhe qualquer na sua vida!” Sua voz estava cortante, e a sua frustração era nítida.

 

Sukuna não respondeu de imediato. Ele apenas continuava olhando para Suguru, com aquele olhar sério, um pouco irritado, de alguém que estava começando a perder a paciência.

 

“Você por acaso tá ouvindo o tanto de merda que você tá falando?” 

 

Suguru suspirou, nitidamente chateado. Chateado porque Sukuna não parecia se importar nem um pouco com algo que, sim, era simples, mas que ele tinha se comprometido a fazer. E não era só pela carona até o estúdio de dança. Era a carona do seu namorado para o estúdio de dança. Os dois. Juntos. E depois das suas aulas, os dois poderiam tomar um café em algum lugar, coisa que não costumam fazer com tanta frequência. Mas muitas vezes esses pequenos detalhes passavam despercebidos por ele.

 

“Merda? Você tá me zoando? Vai se foder. Você não deixa ninguém me dar carona pra lugar nenhum mas você também não se compromete a fazer isso” 

 

O silêncio que se seguiu foi denso, quase cortante, até Sukuna levantar o olhar, irritado.

 

“Você tá agindo feito uma criança birrenta,” retrucou, a voz arrastada e seca, como se estivesse lidando com uma perda de tempo.

 

Suguru deu um passo à frente, o rosto corado de raiva.

 

“E você podia, sei lá, tentar ser um namorado decente pelo menos uma vez na porra da sua vida.” A respiração dele estava acelerada.

 

“Cala a boca,” Sukuna rosnou, os olhos semicerrados, cheios de impaciência.

 

A risada que escapou dos lábios de Suguru foi amarga, sem humor, seca. Ele pegou em um ponto fraco, e sabia disso.

 

“Você não tá nem aí pra mim,” ele disse, com a voz afundando num tom mais baixo, quase derrotado.

 

Sukuna se levantou de repente e deu dois passos até Suguru. Havia algo sombrio no jeito como seu corpo se impunha, alto, rígido, ameaçador.

Antes que Suguru pudesse reagir, os dedos de Sukuna se fecharam ao redor de seu braço, com força demais. E ali, Suguru sentiu uma dor muito forte, e tentou libertar o braço, mas sem conseguir. 

 

“Me solta, Sukuna.”

 

Os olhos de Sukuna se estreitaram, e ele não recuou. Apertou ainda mais os dedos no braço do outro, como se quisesse forçá-lo a ficar, a escutar. Suguru gemeu de dor.

 

“Não. Me escuta.” A firmeza em sua voz contrastava com o caos silencioso que começava a se acumular no ambiente. “Qual o seu problema? Por que você não consegue entender que eu tava ocupado? Eu achava que a gente já tinha resolvido essa porra.”

 

Os olhos de Suguru se encheram de lágrimas, e seu corpo ficou ainda mais tenso.

 

“Você acha que só porque tá sempre ocupado, pode simplesmente ignorar tudo e todos? Eu te avisei, Sukuna! Que saco!” A voz dele subiu, carregada de mágoa, e tremia com o esforço de manter o controle. “E mesmo assim, você me trata como se eu fosse um peso, um incômodo!”

 

Sukuna soltou um suspiro longo, quase cínico. O desdém transbordava na curva de seus lábios, nos olhos que miravam Suguru como se ele estivesse exagerando — mais uma vez.

 

“Quem você pensa que é pra falar de mim desse jeito?” ele disparou, os dentes cerrados, o tom ficando mais cortante. “Você passou o dia inteiro ignorando seus amigos, isolado na biblioteca, obcecado por um projeto medíocre, e vem me cobrar presença?”

 

Ele soltou o braço de Suguru com um gesto impaciente, como se estivesse descartando algo que o incomodava. Mas o olhar ainda estava pesado, irado, e o silêncio que se seguiu foi mais ameaçador do que qualquer grito.

Suguru recuou meio passo, como se tentasse respirar de novo. O local no braço onde Sukuna estava segurando latejava, mas o que mais doía era o desprezo. Era a forma como suas palavras eram cruéis. 

 

“Você é um babaca,” ele sussurrou, alto o suficiente para o namorado ouvir.

 

Sukuna passou a mão pelo rosto, impaciente.

 

“Porra, Suguru.” O tom vinha carregado de irritação. “O que você quer que eu faça? Que minha vida inteira gire ao redor do seu mundinho de expectativas frustradas?”

 

Ele se afastou um passo, cansado daquela conversa. Mas ainda muito irritado. Enquanto isso, o estômago de Suguru se revirava. Era como gritar para uma parede — uma parede fria, imóvel, cheia de indiferença.

 

“Você me trata como se eu fosse só mais um detalhe. Como se estar comigo fosse... opcional,” murmurou, a voz firme apesar do nó na garganta. Apesar de tudo, ele ainda tentava esconder as lágrimas que começavam a cair pelos seus olhos.  Com um gesto seco e rápido, fechou sua mochila e a colocou sobre seu ombro. “Eu vou embora.”

 

Deu um passo. Só um. Não chegou a dar o segundo.

Com um estalo, Sukuna cruzou o espaço entre eles e empurrou a porta com força, fechando-a antes que Suguru sequer esticasse a mão para a maçaneta. O som da madeira batendo ecoou como um tapa.

 

“Não vai não.” A voz dele era baixa, mas carregada. Um comando, não um pedido.

 

Suguru parou, os ombros rígidos. “Sukuna... sai da frente.” Ele não gritou, havia cansaço demais em suas palavras, como alguém exausto de implorar por coisas básicas.

 

“Não. Não até a gente resolver isso.”

 

Ele se postou ali como uma barreira — o corpo entre Suguru e a porta, braços ao lado do corpo, olhos duros. Estava no controle. Como sempre.

Suguru sabia que não ia passar. Não quando Sukuna decidia que agora era o momento certo para encontrar uma solução para o problema.

 

“Agora eu não quero conversar,” ele disse, tentando empurrá-lo de leve, mas o corpo de Sukuna não mexeu nem um centímetro. A maçaneta estava fora de alcance.

 

“Você sempre faz isso,” Sukuna disparou, com desprezo. “Chega me acusando de tudo, joga na minha cara o quanto eu te decepciono, e depois foge. Como se o problema fosse só meu.”

 

Suguru trincou os dentes. “Eu não fujo. Eu canso. Fico esgotado, Até não conseguir mais conversar. Você é que nunca me ouve.” Disse, com muita raiva e muita frustração. 

 

Sukuna suspirou, claramente irritado.

 

“Quer saber? Tô de saco cheio” 

 

Em um movimento rápido, ele trancou a porta do quarto e guardou a chave no bolso de sua calça. 

 

“Que-?” Suguru tentou argumentar, mas logo depois Sukuna foi em sua direção e o pegou pelo braço, o puxando para longe da porta. 

 

“Não enche” disse agarrando seu braço com força.

 

“Me solta.” Suguru reclamou, tentando se desvencilhar, sem sucesso.

 

Sukuna o empurrou com força até que Suguru caísse sentado sobre o colchão. Em seguida, agarrou sua mochila e a largou no outro canto do quarto, como se quisesse apagar qualquer possibilidade de fuga.

 

“Eu não vou mais discutir. E você não vai embora.”

 

Suguru soltou um suspiro, exausto.

 

“Vai fazer o quê? Me manter em cárcere privado agora? Se toca, Sukuna. Me deixa sair.”

 

“Não. Você não vai sair a essa hora da noite. Não nesse estado. Vai dormir aqui.”

 

A risada que escapou dos lábios de Suguru foi amarga, quase desesperançada.

 

“Eu não vou dormir com você.”

 

“Tá. Eu durmo no sofá. Você fica na cama. Mas não vou deixar você ir embora.”

 

Ainda com os olhos vermelhos de raiva, as lágrimas escorrendo quentes pelas bochechas, Suguru sentia o peso da contradição estampado no rosto do próprio namorado. Sukuna gritava, cuspia palavras duras, dizia que seus problemas eram pequenos demais, tolos até. E ainda assim, ao menor sinal de que ele poderia ir embora no meio da noite, entrava em pânico. Segurava seu braço com força, dizia que não queria que ele fosse.

Tudo entre eles parecia um paradoxo constante: agressão e cuidado, desprezo e necessidade. Era como se Sukuna não soubesse amar sem machucar, como se o afeto viesse sempre misturado com o veneno.

 

“Mas…” 

 

"Você realmente acha que, se eu não me importasse, eu ia estar perdendo o controle desse jeito?" A voz dele desceu, mais suave, mas com um tom de autoridade que não poderia ser ignorado. "Você é a única pessoa que me tira do sério desse jeito. Isso não significa nada pra você?"

 

Suguru abriu a boca para responder, mas nada saiu. O silêncio entre eles era pesado, cheio de raiva, de desejo mal resolvido, de tudo o que nunca era dito direito.

E então, sem esperar resposta, Sukuna tirou a chave do bolso, foi até a porta, a abriu.

 

“Fica, A gente resolve esse problema depois.” disse, antes de sair, a voz já mais baixa, rouca. “Toma banho. Dorme. Eu não vou te incomodar.”

 

O clique da porta se fechando pareceu ecoar dentro de Suguru. Ele permaneceu sentado na beira da cama, os ombros tensos, o olhar perdido. O silêncio do quarto parecia pressionar seu peito.

Por que Sukuna fez aquilo? Por que ele tinha que ser tão confuso às vezes?

Ele se deitou de costas, só por um segundo, encarando o teto, se sentindo derrotado e cansado. A cama ainda tinha o cheiro do perfume do namorado. E seu braço ainda doía levemente por conta do aperto. Seu coração também doía. Tudo doía. 

 

“Idiota…” murmurou, fechando os olhos. 


Depois do banho, já vestido com um dos pijamas que sempre deixava ali, Suguru se enfiou na cama de Sukuna, entre os cobertores e os travesseiros no colchão. Depois da briga, os dois não trocaram mais uma palavra naquela noite.

Tudo o que ele ouviu, entre as paredes, foi a porta da frente se abrindo e os colegas de apartamento de Sukuna entrando. Suguru ouviu algumas partes da conversa entre eles, comentando sobre o primeiro dia na universidade e o treino de futebol americano depois da última aula. Alguns comentários soltos e risos abafados se destacaram, mas Suguru notou que Sukuna não falou nada sobre a briga entre os dois. Depois disso, silêncio.

Suguru suspirou. A vontade de chorar o dominou novamente. Ele já havia chorado um pouco no banho, mas por algum motivo essa vontade não ia embora.

Deitado ali, Suguru se sentia pequeno. Deslocado. A briga rodava em sua mente sem parar, como uma fita rebobinando em loop. As palavras, os gestos, os olhares. E, no fim, uma pergunta que doía mais do que qualquer discussão: será que aquilo tudo tinha sido mesmo necessário? Será que o esquecimento de Sukuna — por mais irritante que fosse — merecia tanto?

A culpa vinha em ondas, mordendo os cantos do seu peito. Suguru se revirava na cama, tentando encontrar uma posição em que o desconforto não o alcançasse, mas tudo parecia errado. Os lençóis estavam frios demais. O colchão, grande demais. E o silêncio, aquele silêncio denso que só existia depois de uma briga, preenchia o quarto como uma sombra.

Suguru suspirou, afundando o rosto no travesseiro. Sentia-se sozinho. E o que doía mais, o que verdadeiramente latejava dentro dele, era a possibilidade incômoda de que talvez a culpa fosse sua. Talvez ele tivesse sido duro demais. Talvez tivesse dito o que não devia. E agora, ali, encarando o teto pela décima vez naquela noite, descobria que a insônia era sua punição. Era impossível dormir naquele apartamento sem Sukuna deitado ao seu lado. Que patético.

Então não foi estranho quando Suguru decidiu, de forma um pouco impulsiva, se levantar e ir até a sala. 

Chegando lá, ele encontrou o namorado estirado no sofá. De alguma forma sua altura ficava ainda mais evidente daquela forma. As pernas longas de Sukuna ultrapassavam as bordas do sofá, uma delas dobrada no encosto, como se o desconforto da posição não o incomodasse nem um pouco. Ele estava com o celular na mão, a tela iluminando de leve seu rosto cansado, mas os olhos passavam por tudo com um desinteresse ausente, automático. Foi só quando o som leve dos passos se aproximou que ele ergueu o olhar.

Por um instante, nada foi dito. Já não havia mais raiva ali, nem palavras afiadas como as de antes. Apenas um cansaço murcho, a sensação incômoda de estarem ocupando o mesmo espaço, mas sem conseguirem se comunicar.

Suguru hesitou por um segundo, como se estivesse pisando em vidro. Respirou fundo, tentando conter o aperto na garganta e camuflar a vulnerabilidade que ameaçava escapar na voz. Não sabia o que dizer. Não sabia se devia dizer algo.

 

“Você vem deitar comigo?” perguntou, num tom baixo, quase tímido e um pouco vulnerável.

 

A pergunta pairou no ar. Mas ele sabia que não era só uma pergunta, era um pedido. 

Sukuna bloqueou o celular e se sentou no sofá, nunca tirando os olhos de Suguru, avaliando ele com intensidade. Havia algo predatório ali, um brilho quase divertido no fundo do olhar. As mãos dele deslizaram pela cintura de Suguru, puxando-o para mais perto com firmeza.

 

“Cansou de brigar comigo?” perguntou, num tom leve, quase provocativo

 

O desconforto foi imediato. Suguru suspirou e começou a se virar, prestes a retornar para o quarto, arrependido por ter procurado consolo ali.

Mas a mão de Sukuna foi rápida e firme no seu braço, o impedindo de ir embora. Ele se levantou do sofá devagar, o corpo próximo, caloroso e impositivo ao mesmo tempo.

 

“Ei… tô brincando”  murmurou, agora com a voz mais baixa, colando o rosto perto do dele. Seus braços o envolveram, trazendo um conforto que ele não sentia fazia algum tempo.

 

Suguru revirou os olhos, cansado, mas não resistiu. Deixou-se ser envolto naquele abraço caloroso. Ali, eles ficaram por algum tempo, no meio da escuridão da sala do apartamento. Todos os amigos de Sukuna já estavam dormindo, então restavam só os dois ali, acordados. 

Depois de algum tempo, as mãos de Sukuna deslizaram até a parte de trás da coxa de Suguru, os dedos quentes contra a pele exposta. Ele deu dois tapinhas ali, firmes, mas quase gentis.

 

“Vem,” murmurou, a voz baixa, rouca.

 

Suguru passou os braços ao redor do pescoço do namorado sem hesitar. Era automático. No instante seguinte, sentiu os pés deixarem o chão. Sukuna o ergueu com facilidade, e suas pernas se enroscaram ao redor do corpo dele, o segurando com firmeza.

Enquanto atravessavam o corredor de volta ao quarto, Suguru encostou o rosto no ombro de Sukuna e fechou os olhos por um instante, sentindo os seus batimentos cardíacos e a forma carinhosa como ele o segurava nos braços, o levando de volta para o quarto. Ali, ele finalmente se sentiu relaxado.

 

“Desculpa,” murmurou no ouvido dele, com a voz abafada, cheia de hesitação.

 

“Hm?”

 

“Desculpa…” repetiu, agora mais audível. “Briguei à toa. A culpa foi minha.”

 

Sukuna suspirou, profundo, como se não fosse a primeira vez que ouvia aquilo. 

Já no quarto, Sukuna se sentou na beira da cama com ele ainda no colo. Suguru se ajeitou, os joelhos apoiados de cada lado do quadril dele, sentindo o calor do corpo do namorado sob o seu. Os olhos de Sukuna o observavam de perto, com intensidade.

 

“Esquece. Erros acontecem.”

 

E então seus lábios se encontraram.

O beijo foi lento no início, sem língua, como se ambos estivessem tateando o território quebrado pela briga anterior. Mas logo o calor aumentou e, sem pensar duas vezes, Sukuna decidiu aprofundar o beijo, fazendo Suguru gemer baixinho ao sentir suas mãos percorrendo suas costas, pressionando-o contra o corpo dele.

Os beijos começaram a descer, marcando um caminho pelo pescoço de Suguru. Sukuna não economizou: mordeu, chupou e marcou a pele do namorado, deixando sua presença ali, cravada, mostrando de quem Suguru realmente era. O moreno gemia entre os toques, se sentindo ainda um pouco vulnerável.

 

“Da próxima vez,” Sukuna murmurou contra sua pele, as mãos escorregando para a curva de sua bunda, apertando sua pele macia sem pudor, “A gente discute assim. Vai render bem mais.”

 

O gemido que escapou dos lábios de Suguru veio disfarçado de um suspiro. Quente. Involuntário.

 

“Você é um tarado,” Suguru murmurou, sentindo os dedos de Sukuna deslizarem sob a barra de sua camisa. As mãos do namorado eram quentes, decididas, e levantaram o tecido com facilidade.

 

Sem dizer nada, ele ergueu os braços, permitindo que a peça fosse tirada. A camisa caiu no chão e logo os lábios de Sukuna encontraram a sua pele, traçando beijos lentos por seu peito, explorando cada curva da sua cintura com suas mãos quentes.

 

“Você gosta,” Sukuna disse contra sua pele, a voz grave, rouca, quase divertida.

 

Suguru apenas soltou um “hm” e, pela primeira vez naquela noite, tomou a dianteira. Empurrou Sukuna pelos ombros até que ele deitasse no colchão, com os cabelos desgrenhados contra os lençóis e aquele olhar predatório o encarando descaradamente. Ainda sobre ele, deixou os joelhos firmes, um de cada lado de seu corpo, e o olhou de cima, com uma expressão indecifrável no rosto. 

 

“Eu gosto quando você fica quieto,” disse com a voz baixa. 

 

Sukuna riu, sem resistir. Seus olhos passearam por todo o corpo do namorado, devorando-o silenciosamente.

 

“Sem problemas,” respondeu, com aquele tom irônico de sempre. “Não é como se eu não estivesse aproveitando a vista.”

 

Suguru revirou os olhos, mas não conteve o sorriso que escapou, pequeno, cansado, mas sincero.

Ele se inclinou, colando seus corpos de novo, sentindo o calor familiar da pele de Sukuna, que ele sempre associava com conforto. Sukuna, por sua vez, envolveu sua cintura com firmeza. 

Aos poucos, o silêncio se instalou no quarto. Mas não era mais o silêncio frio de uma ausência, de uma discussão, mas sim um silêncio preenchido por toques, pela troca de respirações, pelo som abafado de roupas sendo empurradas de lado. Os suspiros se misturavam aos gemidos baixos, quase preguiçosos dos dois.

Eventualmente, não havia mais nenhum resquício da briga ali.